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FISIOTERAPIA

ORTOPÉDICA
EXAME, AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO 2ª Edição

Mark Dutton

Inclui
500 vídeos
em inglês
Aviso

A medicina é uma ciência em constante transformação. À medida


que novas pesquisas e experiências clínicas ampliam nosso conhe-
cimento, mudanças no tratamento e na terapia medicamentosa são
necessárias. Os autores e o editor deste livro consultaram fontes
consideradas confiáveis a fim de fornecer informação completa e
de acordo com os padrões aceitos no momento da publicação. Con-
tudo, considerando a possibilidade de mudanças na área, recomen-
da-se que os leitores verifiquem a bula inclusa na embalagem de
cada medicamento antes de sua administração. Essa recomendação
é de particular importância em relação a fármacos novos ou usados
raramente.

D981f Dutton, Mark.


Fisioterapia ortopédica [recurso eletrônico] : exame,
avaliação e intervenção / Mark Dutton ; tradução: Paulo
Henrique Machado, Maria da Graça Figueiró da Silva ; revisão
técnica: Débora Grace Schnarhdorf, Silviane Machado
Vezzani. – 2. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed,
2010.

Editado também como livro impresso em 2010.


ISBN 978-85-363-2371-8

1. Fisioterapia ortopédica. I. Título.

CDU 615.8:616-089.23

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922


C A P Í T U L O 13

ANÁLISE DA MARCHA
E POSTURA
OBJETIVOS DO CAPÍTULO

 Ao concluir o capítulo, o leitor será capaz de:

1. Resumir os vários componentes do ciclo da marcha.

2. Aplicar os conhecimentos dos componentes da marcha para a sua análise.

3. Reconhecer as manifestações anormais da marcha e desenvolver estratégias para neutralizá-las.

4. Classificar as diversas compensações do corpo e suas influências sobre a marcha.

5. Realizar análises abrangentes da marcha.

6. Descrever e demonstrar algumas síndromes de marchas anormais.

7. Fazer avaliação adequada quando recomendar dispositivos auxiliares para aperfeiçoar a marcha
e suas funções.

8. Descrever e demonstrar os vários padrões de marcha usados com dispositivos auxiliares.

9. Avaliar a eficácia das intervenções para disfunções na marcha.

10. Resumir os componentes da avaliação postural.

11. Realizar avaliações abrangentes da postura.

12. Reconhecer as manifestações mais comuns da postura anormal.

13. Fazer avaliação adequada quando recomendar ajustes ou educação postural.

14. Avaliar a eficácia dos ajustes posturais.

VISÃO GERAL Marcha

A cadeia cinética inferior é um sistema especializado projetado


A avaliação da simetria dentro da locomoção e da postura é para a locomoção humana. Não está claro se a marcha é algo que
essencial na avaliação da disfunção neuromusculoesquelética. se aprende ou se é pré-programada no nível da medula espinal.
Para a maioria dos indivíduos, a marcha ou a postura são ca- Contudo, uma vez dominada, a marcha permite que as pessoas se
racterísticas inatas que, a exemplo do sorriso, fazem parte da movimentem de maneira eficiente, sem muito esforço conscien-
personalidade. Com certeza, muitos indivíduos podem ser re- te, pelo menos em ambientes familiares.
conhecidos em um grupo por seu modo de andar e sua postu- A marcha bípede permitiu que os braços e as mãos ficassem
ra. O objetivo deste capítulo é descrever os vários componen- livres para explorar o ambiente. A capacidade de remover um
tes da marcha e da postura e fornecer aos fisioterapeutas as objeto do seu lugar e examiná-lo de maneira visual e tridimensio-
ferramentas necessárias para suas análises. nal de todos os ângulos é um desenvolvimento fundamental na
CAPÍTULO 13 • ANÁLISE DA MARCHA E POSTURA 427

evolução humana.1,2 A separação de objetos do ambiente parece contato inicial do pé com o solo, terminando quando o pé ipsi-
ser um pré-requisito importante para a evolução da percepção lateral deixa o solo. A fase de apoio leva cerca de 0,6 segundos,
humana, concepção e compreensão do ambiente de um indiví- em velocidade média de uma caminhada normal.
duo.1,2 Embora a marcha pareça ser um processo simples, consis- 2. Balanço. A fase de balanço representa cerca de 40% do ciclo
tindo em uma série de rotações que permitem a translação de da marcha7,8 e descreve o período em que o pé não está em
todo o corpo pelo espaço,3 ela é propensa a descompensações. contato com o solo. A fase de balanço inicia quando um dos
Em pacientes que desenvolveram padrões de marcha disfuncio- pés é elevado do solo, terminando quando o outro fizer o
nais, a fisioterapia pode ajudar a restaurar esse dom evolutivo delica- contato inicial com o solo.6
do.2 A dor, a fraqueza e a doença podem ocasionar distúrbios no
ritmo normal da marcha. Contudo, com exceção de casos óbvios, a
marcha anormal nem sempre é equivalente a dano. Fase de apoio
Na fase de apoio, são reconhecidos duas tarefas e quatro interva-
Ciclo da marcha los.7,9,10 As duas tarefas são descarga do peso e apoio simples do
membro. Os quatro intervalos são resposta a cargas, apoio mé-
A marcha do ser humano normal é um método de locomoção dio, apoio final e pré-balanço10 (ver Fig. 13-1). O contato inicial
bípede, envolvendo a sincronização complexa dos sistemas neu- e a retirada do contato são eventos instantâneos. O contato ini-
romuscular e cardiopulmonar. A energia requerida para a marcha cial, que ocorre quando um dos pés faz contato com o solo, ocor-
é amplamente um fator da saúde do sistema cardiopulmonar. A re no início da fase de apoio e representa os primeiros 0 a 2% do
queda no início da marcha, que possibilita elevar o pé e dar o ciclo da marcha. Durante o contato inicial de um dos pés, o pé
primeiro passo, é controlada pelo sistema nervoso central,4 o qual contralateral está preparando-se para elevar-se do solo.
processa antecipadamente o tamanho e a direção da queda do
corpo na direção do pé de sustentação. Além disso, a marcha ba- Descarga de peso
seia-se no controle dos movimentos dos membros por intermé- A tarefa de descarga de peso ocorre durante os primeiros 10% da fase
dio dos reflexos. Dois deles incluem o reflexo de alongamento e o de apoio. O intervalo de resposta de carga inicia quando um dos mem-
impulso extensor. O alongamento reflexo é envolvido nos extre- bros estiver sustentando peso e o outro estiver passando pela fase de
mos do movimento articular, enquanto o impulso extensor faci- balanço. Esse intervalo é denominado fase de oscilação inicial dupla e
lita os músculos extensores da extremidade inferior durante o apoio representa 0 a 10% do ciclo da marcha.10
de peso.5
Caminhar envolve a ação alternada das duas extremidades Apoio em uma perna
inferiores. O estudo do padrão de andar tem como base o ciclo da Os 40% intermediários da fase de apoio são igualmente dividi-
marcha. Este é definido como o intervalo de tempo entre qualquer dos em apoio médio e final.
um dos eventos repetitivos da atividade de andar. Tais eventos in- O intervalo de apoio médio, representando a primeira metade
cluem o ponto de contato inicial do pé com o solo, até o ponto em da tarefa de apoio simples, inicia quando um pé é erguido e con-
que o mesmo pé entrar em contato novamente com o solo.6 O ciclo tinua até que o peso do corpo esteja alinhado sobre a parte poste-
da marcha consiste em dois períodos (Fig. 13-1): rior do pé.10 O intervalo de apoio médio compreende a fase de
1. Apoio. Essa fase representa cerca de 60% do ciclo da marcha7,8 e 10 a 30% do ciclo da marcha.10
descreve o tempo em que o pé está em contato com o solo e o O intervalo de apoio final é a segunda metade da tarefa de
membro está sustentando peso. A fase de apoio começa com o apoio simples. Ela tem início quando o calcanhar do pé que esti-

Apoio Apoio
duplo duplo
(10%) (10%)

Apoio (60%) Balanço (40%)

10% 30% 50% 70% 85%

Resposta Apoio final Balanço Balanço


Apoio médio Pré-balanço Balanço
a cargas inicial final
médio

Retirada dos dedos


Contato inicial Contato inicial
Passada larga (100%)

FIGURA 13-1 Valores aproximados para as duas fases da marcha.


428 SEÇÃO I • FUNDAMENTOS DA ORTOPEDIA

ver sustentando peso se erguer do solo, prosseguindo até que o pé los. Por exemplo, quando a velocidade aumenta, a fase de apoio
contralateral entre em contato com o solo. O apoio final compre- diminui e a fase de apoio final duplo desaparece. Isso produz
ende a fase de 30 a 50% do ciclo da marcha.10 uma fase dupla sem apoio.12

Progressão dos membros Determinantes da velocidade da marcha


O intervalo de pré-balanço representa a fase de 50 a 60% do Os determinantes primários da velocidade da marcha são taxa de
ciclo da marcha. Esse intervalo corresponde aos últimos 10% repetição (cadência), condicionamento físico e comprimento das
da fase de apoio, inicia com o contato do membro contralate- passadas.11
ral e termina com a retirada dos dedos ipsilaterais. Conside-
rando que ambos os pés estão no solo ao mesmo tempo du- Cadência. A cadência é definida como o número de passos sepa-
rante esse intervalo, o apoio duplo ocorre pela segunda vez no rados dados em um determinado período. A cadência normal é
ciclo da marcha. Portanto, essa parte final da fase de apoio é entre 90 e 120 passos por minuto.13,14 A cadência das mulheres é
conhecida como apoio final duplo. Cada intervalo do apoio geralmente de 6 a 9 passos por minuto mais lenta do que a dos
duplo dura cerca de 0,11 segundos. A contagem de tempo homens.14 A cadência é também afetada pela idade; ela é reduzi-
para as fases de apoio é 10% para cada intervalo de apoio du- da dos 4 aos 7 anos e diminui novamente conforme o avanço da
plo e 40% para o apoio em um único membro, de modo que idade.15
o apoio de um dos membros corresponde à fase de balanço do
outro membro.10 Comprimento da passada larga. O comprimento da passada é
determinado pela distância entre o mesmo ponto de um pé em
passos sucessivos (ipsilateral à queda do pé contralateral). Em
Fase de balanço
outras palavras, trata-se da distância entre pontos sucessivos do
A gravidade e a força cinética são as principais fontes de movi- contato do mesmo pé com o solo. A largura corresponde a um
mento durante a fase de balanço.5 Nessa fase, há uma tarefa e ciclo total da extremidade inferior. A soma de dois comprimen-
quatro intervalos.7,9,10 A tarefa envolve o avanço do membro. Os tos de passos forma o comprimento da passada larga.
quatro intervalos são pré-balanço, balanço inicial, balanço médio O comprimento médio da passada larga de indivíduos nor-
e balanço final.10 mais é de 1,41 m.11 De maneira geral, o comprimento da passada
não varia mais do que alguns centímetros entre indivíduos de alta
Progressão dos membros e de baixa estatura. Os homens costumam ter comprimentos de
A fase de balanço envolve o movimento para a frente do pé passada mais longos do que as mulheres.
que não está sustentando peso. Os quatro intervalos dessa fase O comprimento da passada diminui com a idade, a dor, as
são: 10 doenças e a fadiga.16 Ele também diminui se a velocidade da
1. Pré-balanço. Além de representar a porção final da fase de apoio marcha aumenta.17 A diminuição no comprimento da passa-
e a tarefa de apoio em um único membro, o intervalo de pré- da pode resultar, ainda, da projeção da postura da cabeça para
-balanço é também considerado uma parte da fase de balanço. a frente, de rigidez no quadril ou de diminuição na disponibi-
lidade do movimento na coluna lombar. A diminuição no com-
2. Balanço inicial. Essa etapa inicia quando o indivíduo eleva o primento da passada que ocorre com o envelhecimento é con-
pé do solo e termina quando o pé oscilante estiver defronte ao siderada a causa do aumento da probabilidade de quedas du-
pé em apoio. Ele representa a fase de 60 a 73% do ciclo da rante a fase de balanço da marcha, devido a redução do con-
marcha.10 trole da musculatura do quadril.18 Essa falta de controle im-
3. Balanço médio. Essa etapa inicia quando o pé oscilante esti- possibilita que as pessoas mais idosas sejam capazes de perder
ver defronte ao pé em apoio, terminando quando aquele se e de recuperar, de forma intermitente, o mesmo nível de equi-
projetar para a frente e a tíbia permanecer na posição vertical. líbrio de adultos mais jovens.18
Esse intervalo representa a fase de 73 a 87% do ciclo da mar-
cha.10
4. Balanço final. Essa etapa inicia quando a tíbia da perna em Curiosidade Clínica
oscilação estiver na posição vertical em relação ao solo, termi- Existe uma relação matemática entre cadência, comprimento
nando no momento em que o pé entrar em contato com o da passada larga e velocidade, de tal sorte que, se dois deles
solo. Esse intervalo representa os últimos 87 a 100% do ciclo forem medidos diretamente, o terceiro pode ser derivado do
da marcha. cálculo6 (Tab. 13-1).
A duração precisa dos intervalos do ciclo da marcha de-
pende de vários fatores, como faixa etária, lesões e velocidade
da caminhada. A velocidade é definida como a distância que o
corpo percorre em determinado período, cujo cálculo é feito Características da marcha normal
dividindo-se a distância percorrida pelo tempo. A velocidade
da marcha livre normal em uma superfície lisa e plana é de 62 Há muitos trabalhos escritos que fazem referência aos critérios
m/min para adultos, com os homens sendo cerca de 5% mais sobre o modo normal e anormal de andar.6,8,19-26 Embora, apa-
rápidos dos que as mulheres.11 À medida que a velocidade da rentemente, a simetria da marcha seja importante, a assimetria
marcha aumenta, ela se desenvolve para caminhada rápida e, não indica nenhuma confirmação da existência de danos. Cabe
então, para a corrida, com mudanças em cada um dos interva- ressaltar que a definição do que se costuma chamar de marcha
CAPÍTULO 13 • ANÁLISE DA MARCHA E POSTURA 429

TABELA 13-1 Parâmetros da marcha balanço médio.6 O deslocamento vertical do CG é minimizado


Cadência (passos/min) = velocidade (m/s) × 120/comprimento da pela rotação pélvica, pelos movimentos de flexão e extensão do
passada larga (m) quadril e do joelho e da rotação da tíbia e articulação subtalar.
Comprimento da passada larga (m) = velocidade (m/s) × 120/cadência Em condições normais, o deslocamento vertical do CG acontece
(passos/min) de forma sinusoidal, totalizando cerca de 5 cm.29
Velocidade (m/s) = cadência (passos/min) × comprimento da passada
 Deslocamento lateral. O deslocamento lateral do CG ocorre
larga (m)/120
durante os períodos de apoio direito e esquerdo. Todo o tron-
Dados retirados de Levine D, Whittle M: Gait Analysis: The Lower Extremities. La Crosse, co movimenta-se de um lado para outro, cerca de 50 mm
WI: Orthopaedic Section, APTA, Inc., 1992. uma vez por ciclo, permanecendo em cada perna durante o
período de apoio.6 Em condições normais, o deslocamento
lateral do CG acontece de forma sinusoidal.
normal é de difícil compreensão. Diferente da postura, que é um
evento estático, a marcha é dinâmica e diversificada.
A marcha envolve o deslocamento do corpo em uma deter- Movimentos articulares
minada direção, utilizando um esforço coordenado entre as arti-
Tronco e extremidades superiores
culações do tronco, as extremidades e os músculos que contro-
Durante o ciclo da marcha, a oscilação dos braços fica fora de
lam ou produzem esses movimentos. Qualquer interferência que
fase em relação às pernas. Sempre que a parte superior do corpo
altere essa relação pode resultar em desvio ou distúrbio do padrão
se movimenta para a frente, o tronco gira sobre o eixo vertical. A
normal da marcha. Isso, por sua vez, pode resultar em aumento
coluna torácica e a pelve rodam em direções opostas para melho-
no gasto de energia ou danos funcionais.
rar a estabilidade e o equilíbrio. Entretanto, a coluna lombar ten-
De acordo com Perry,13 há quatro prioridades da marcha nor-
de a girar com a pelve. Os ombros e o tronco giram fora de fase
mal:
durante o ciclo da marcha.29 A menos que os braços sejam coibi-
1. Estabilidade do pé que sustenta peso durante toda a fase de apoio. dos, sua tendência é girar em oposição às pernas; o braço esquer-
2. Liberação do pé que não sustenta peso durante a fase de ba- do oscila para a frente quando a perna direita oscila para a frente
lanço. e vice-versa.5 Quando a oscilação dos braços for impedida, a par-
te superior do tronco tende a girar na mesma direção da pelve,
3. Pré-posicionamento adequado (durante o balanço final) do produzindo uma marcha desajeitada.
pé para o próximo ciclo da marcha. A flexão máxima das articulações do cotovelo e do ombro
4. Comprimento adequado da passada. ocorre no intervalo de contato inicial do pé oposto e a extensão
Gage15 insere uma quinta prioridade: conservação de ener- máxima ocorre no contato inicial do pé ipsilateral.30
gia. A energia típica necessária para a marcha normal (2,5 kcal/ Embora a maioria das oscilações dos braços resulte das forças
min) é menos que o dobro da consumida ao permanecer de pé ou cinéticas, as ações pendulares dos braços são também produzidas
sentado (1,5 kcal/min).15 Dados cinéticos bidimensionais revela- pela gravidade e pela ação muscular.5,31
ram que cerca de 85% da energia para a caminhada normal são  O deltoide posterior e o redondo maior aparentemente estão
provenientes dos flexores plantares do tornozelo e 15% dos fle- envolvidos na oscilação posterior.
xores do quadril.27 Para a marcha ser eficiente e para conservar  O deltoide posterior serve como mecanismo de freagem no
energia, o centro de gravidade (CG) deve sofrer um deslocamen- final da oscilação anterior.
to mínimo. O CG do corpo está localizado aproximadamente na
linha média do plano frontal e um pouco anterior à segunda vérte-  O deltoide médio é ativo nas oscilações anteriores e posterio-
bra sacral do plano sagital. Para minimizar o custo de energia da res, evitando que os braços sofram atrito com o corpo duran-
caminhada, o corpo utiliza uma série de mecanismos biomecânicos. te as oscilações.
A excursão tridimensional da massa do CG-corpo é minimizada por
meio de interações complexas dos segmentos da extremidade infe- Pelve
rior, especialmente no joelho e na pelve.15 Duas das mudanças evolutivas mais importantes no desenvolvimen-
to da marcha bípede são as adaptações anatômicas da pelve e do pé.2
A pelve serve à função dupla de transferência de peso e à colocação
Curiosidade Clínica do acetábulo durante a marcha. Para a produção da marcha normal,
a pelve deve girar e inclinar. Essa combinação de rotação e inclinação
Nos homens, o CG encontra-se em um ponto que corresponde previne o movimento excessivo do tronco. A rotação da pelve é pro-
a 56,18% de sua altura. Nas mulheres, o CG é em um ponto duzida sobre o eixo vertical no plano transverso em direção ao mem-
que corresponde a 55,44% de sua altura.28 bro que está sustentando peso. A rotação pélvica total é aproximada-
mente 4o para cada lado.15 Além da diminuição do desvio lateral do
CG, a rotação pélvica resulta, também, em relativo alongamento do
Durante o ciclo da marcha, o CG é deslocado vertical e late- fêmur e, em consequência, no comprimento da passada, durante o
ralmente. término da fase de balanço.10
 Deslocamento vertical. O deslocamento vertical de todo o tron- Durante a fase de balanço, há uma leve inclinação pélvica
co ocorre duas vezes durante cada ciclo em uma distância total para a perna sem apoio. A inclinação descendente da pelve ocorre
de 50 mm. O ponto mínimo de deslocamento vertical está no no plano frontal no lado contralateral do membro de apoio. Essa
apoio duplo e o ponto máximo ao redor do apoio médio e do inclinação é de cerca de 5o para cada lado e resulta em adução
430 SEÇÃO I • FUNDAMENTOS DA ORTOPEDIA

relativa do membro que sustenta peso e abdução relativa do mem- for adotada23,34,35 (Fig. 13-3). Perry afirma que o movimento
bro que não sustenta.10,29 A inclinação pélvica, produzida por total do plano transverso é de 8º.34
uma contração excêntrica dos abdutores do quadril, tem como Os movimentos da coxa e da perna ocorrem em conjunto
finalidade reduzir a elevação excessiva do CG. A quantidade de com a rotação da pelve. A pelve, a coxa e a perna giram normal-
inclinação lateral pode ser acentuada na presença de discrepâncias mente em direção ao membro que está sustentando o peso no
no comprimento da perna ou fraqueza no abdutor do quadril, a início da fase de balanço.29
última resultando no sinal de Trendelenburg. O sinal de Trende-
lenburg é positivo quando a pelve se inclina para o lado que não
sustenta peso, durante o apoio em um único membro. Joelho
Durante atividades de sustentação de peso, como a marcha, a
Articulação sacroilíaca32 articulação tibiofemoral fica sujeita a grandes cargas musculares,
Na descrição apresentada a seguir, a perna direita é empregada além de movimentos de inclinação e de rotação. Essas forças se
como referência. Visto que a perna direita se movimenta na fase tornam particularmente significativas durante atividades como
de balanço, a posição do ilíaco direito muda de rotação anterior esportes e subir escadas, que exercem cargas adicionais sobre a
extrema no ponto do pré-balanço para uma posição de rotação articulação (ver Cap. 18).
posterior no ponto de contato inicial. A flexão de quadril produ- Durante a caminhada, a força de reação da articulação tibio-
zida durante a fase de balanço inicia a rotação ilíaca posterior, femoral tem dois picos, o primeiro imediatamente após o conta-
enquanto o contato inicial e a resposta de carga acentuam-na. to inicial (2 a 3 vezes o peso do corpo) e o segundo durante o pré-
Quando a extremidade direita se move por intermédio da res- -balanço (3 a 4 vezes o peso do corpo).36 As forças de reação da
posta de carga para o apoio médio, o ílio daquele lado começa articulação tibiofemoral aumentam de 5 a 6 vezes o peso do cor-
a converter-se a partir de uma posição posteriormente girada po nas corridas e ao subir escadas e oito vezes nas caminhadas em
para com rotação neutra. Da fase média para a final, o ílio gira declive.36-38
anteriormente, atingindo a posição máxima no apoio final.33 O joelho flexiona duas e estende duas vezes durante cada ci-
O sacro gira para a frente ao redor do eixo diagonal (ver Cap. clo da marcha: uma durante a sustentação de peso e outra duran-
27), durante a resposta de carga, chegando à sua posição má- te a não sustentação.
xima no apoio médio (ou seja, rotação à direita em eixo oblí- A flexão do joelho é de cerca de 20o durante o intervalo de
quo direito no apoio médio) e, então, começa a inverter-se resposta da carga e age como um mecanismo de absorção de
durante o apoio final. choques. O joelho começa a estender-se e, quando o calca-
A perda de mobilidade na articulação sacroilíaca em um lado nhar se eleva durante a fase de apoio final, estende-se quase
da articulação pode resultar na ocorrência de mecanismos de com- totalmente, mas flexiona-se outra vez quando inicia a fase de
pensação na coluna lombar ou na articulação contralateral. As balanço. A flexão ocorre de modo que o membro inferior pos-
mudanças de compensação se dão também distalmente na cadeia sa ser avançado durante a fase de balanço com deslocamento
cinética. vertical mínimo do CG. O joelho continua a flexionar quan-
do a perna move-se para a fase de balanço, antes de estender-
Quadril -se novamente no contato inicial6 (Fig. 13-4). Na caminhada
Os movimentos do quadril são produzidos nos três planos du- normal, cerca de 60º de movimento do joelho são necessários
rante o ciclo da marcha. para a liberação adequada do pé na fase de balanço. O pico da
flexão ocorre durante o balanço inicial, depois da retirada dos
 A rotação do quadril ocorre no plano transversal. O quadril dedos, pois nesse ponto do ciclo da marcha, o dedo ainda está
gira cerca de 40 a 45º no plano sagital durante as passadas apontando na direção do solo.15
normais.34 O quadril começa em rotação interna durante a A artrocinemática envolvida na resposta às cargas inclui o
resposta de carga. A rotação interna máxima é atingida próxi- deslizamento anterior dos côndilos femorais, cuja finalidade é
mo ao apoio médio. O quadril gira externamente durante a “destravar” o joelho. Esse deslizamento para a frente é controlado
fase de balanço, com a rotação externa máxima ocorrendo no pela restrição passiva do ligamento cruzado posterior e pela con-
balanço final.23 tração ativa dos músculos do quadríceps.
 O quadril flexiona e estende uma vez, durante o ciclo da mar-
cha, e o limite de flexão ocorre na metade da fase de balanço,
enquanto o de extensão se dá antes do final do apoio (Tab. Curiosidade Clínica
13-2). No ponto de contato inicial, o quadril está com flexão
Como pacientes com o LCA reconstruído podem sentir dor
de aproximadamente 35º, quando ele começa a estender-se.
patelofemoral, especialmente aqueles com autoenxertos no ten-
A flexão máxima do quadril de 30 a 35º ocorre no período
dão da patela, é importante prescrever exercícios que diminuam
final de balanço em cerca de 85% do ciclo da marcha; a ex-
o esforço sobre o LCA por meio do aumento da flexão enquan-
tensão máxima de aproximadamente 10o é atingida próximo
to minimizam a dor patelofemoral. O esforço do ligamento cru-
à retirada dos dedos a cerca de 50% do ciclo (Fig. 13-2).23,34,35
zado anterior (LCA) aumenta de modo acentuado durante os
 No plano coronal, a adução do quadril ocorre no início da últimos 30º de extensão do joelho,39 mas é minimizado duran-
fase de apoio e chega ao máximo em 40% do ciclo.35 A adu- te os exercícios isométricos do quadríceps entre 60 e 90º.40 Con-
ção do quadril totalizando 5 a 7o ocorre na fase inicial de tudo, as pressões do contato patelofemoral aumentam de forma
balanço, que é seguida por uma leve abdução do quadril no acentuada com o aumento da flexão do joelho.41-43 Assim, ao
final da fase de balanço, especialmente se uma passada larga fortalecer o quadríceps, a dor patelofemoral é tipicamente tra-
CAPÍTULO 13 • ANÁLISE DA MARCHA E POSTURA 431

TABELA 13-2 Movimentos articulares e atividade muscular no quadril e no joelho e posições e movimentos articulares da tíbia, do pé e do tornozelo
durante a marcha
Fase Quadril Joelho Tíbia Tornozelo Pé
Batida do Trabalho excêntrico do glúteo máximo Posicionado em extensão total Leve rotação Movendo-se Supinação
calcanhar e dos músculos isquiotibiais para antes do contato do calcanhar, externa para a flexão
resistir ao movimento de flexão no mas flexionado após o contato plantar
quadril Força de reação atrás do joelho,
Trabalho excêntrico do eretor da criando força cinética de flexão
espinha para controlar a flexão do Contração excêntrica do
tronco quadríceps femoral para controlar
O quadril começa a estender-se a a flexão do joelho
partir de uma posição de 20 a 40o
de flexão
A força de reação anterior da articulação
do quadril gera um movimento de
flexão
Quadril posicionado em leve adução e
rotação externa
Pé plano O glúteo máximo e os músculos Em 20o de flexão do joelho, Rotação interna Flexão plantar Pronação,
isquiotibiais se contraem movendo-se para a extensão para dorsiflexão adaptação
concentricamente para movimentar o Força cinética de flexão sobre o pé fixo à superfície
quadril em extensão Depois que o pé estiver plano, a de apoio
O quadril movimenta-se em extensão, atividade do quadríceps femoral
adução e rotação interna torna-se concêntrica para colocar
o fêmur sobre a tíbia
Apoio médio O quadril movimenta-se da posição Em 15o de flexão, Rotação neutra 3º de dorsiflexão Neutro
neutra movimentando-se para a extensão
A pelve gira posteriormente Força cinética de flexão máxima
A força de reação posterior em relação Redução na atividade do
à articulação do quadril cria uma quadríceps femoral
força cinética de extensão
O iliopsoas contrai excentricamente
para resistir à extensão do quadril
O glúteo médio gera ação inversa para
estabilizar a pelve oposta
Calcanhar O quadril posicionado entre 10 e 15o Em 4o de flexão, Rotação externa 15º de dorsiflexão Supinação à
voltado para de extensão do quadril, abdução movimentando-se para a extensão para flexão medida que o pé
fora e rotação externa Força cinética de flexão máxima plantar se torna rígido
A atividade do iliopsoas continua. Redução na atividade do Força cinética contra a
Redução na força cinética de extensão, quadríceps femoral de dorsiflexão compressão
depois início do apoio com os dois máxima
membros
Retirada dos O quadril movimenta-se em direção a Movimentando-se da extensão Rotação externa 20º de flexão Supinação
dedos 10o de extensão, abdução e quase total para 40o plantar
rotação externa de flexão Força cinética de
Diminuição contínua da força cinética As forças de reação dorsiflexão
de extensão movimentando-se posteriormente
A atividade do iliopsoas continua ao joelho em flexão
O adutor magno trabalha Força cinética de flexão
excentricamente para controlar a Contração excêntrica do
pelve quadríceps femoral

A perda de extensão do joelho, que pode ocorrer com uma


tada pelo fortalecimento do quadríceps na amplitude de flexão deformidade na flexão, resulta na incapacidade do quadril de es-
do joelho de 0 a 30º.44 Isso tem sido reconhecido como um tender-se por completo, o que pode alterar a mecânica da mar-
paradoxo45-49. Na tentativa de sobrepor esse paradoxo, os exer- cha. Pacientes com disfunção patelofemoral demonstram menos
cícios são feitos entre os dois extremos, a aproximadamente 30 a flexão do joelho do que o normal na fase de apoio da marcha,
60º de flexão do joelho, para evitar o esforço excessivo do LCA e combinado com aumento da rotação externa do fêmur durante a
limitar a dor patelofemoral.48 fase de balanço.22 A rotação interna compensatória excessiva do
fêmur, da perna que está sustentando peso durante a fase de apoio,

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