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- ÍNDICE -

INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMIS­SÍVEIS


INTRODUÇÃO
PREVENÇÃO COMBINADA
SAÚDE SEXUAL SEXO SEGURO
RASTREAMENTO DE IST

ABORDAGEM ÀS PESSOAS E ÀS PARCERIAS SEXUAIS COM IST


MANEJO INTEGRAL DAS PESSOAS COM IST SINTOMÁTICAS
SÍNDROME DO CORRIMENTO GENITAL INFERIOR

SÍNDROME DO CORRIMENTO GENITAL SUPERIOR


SÍNDROME DO CORRIMENTO URETRAL
AGENTES ETIOLÓGICOS SÍNDROME DAS ÚLCERAS GENITAIS
SÍNDROME DAS VERRUGAS ANOGENITAIS
OUTRAS DOENÇAS VIRAIS

CAP. 1: VULVOVAGINI­TES
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS VULVOVAGINITES E VAGINOSES ECOSSISTEMA VAGINAL
VULVOVAGINITES E VAGINOSES
VAGINOSE BACTERIANA
CANDIDÍASE VULVOVAGINAL
VULVOVAGINITES E VAGINOSES INFECCIOSAS TRICOMONÍASE
VAGINITE DESCAMATIVA
VULVOVAGINITES INESPECÍFICAS
VULVOVAGINITES E VAGINOSES NÃO INFECCIOSAS VAGINOSE CITOLÍTICA
VAGINITE ATRÓFICA

CAP. 2: CERVICITES E URETRITES


CERVICITES
URETRITES
CAP. 3: DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DEFINIÇÃO
EPIDEMIOLOGIA
AGENTES ETIOLÓGICOS
FATORES DE RISCO
FISIOPATOLOGIA
QUADRO CLÍNICO
DIAGNÓSTICO
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
ESTADIAMENTO
FLUXOGRAMA PARA O MANEJO DA DIP
TRATAMENTO
TRATAMENTO DOS PARCEIROS
ACOMPANHAMENTO DAS PACIENTES
SITUAÇÕES ESPECIAIS
COMPLICAÇÕES
CAP. 4: ÚLCERAS GENITAIS
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
SÍFILIS
CANCRO MOLE
LINFOGRANULOMA VENÉREO
DONOVANOSE
HERPES GENITAL
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ÚLCERAS GENITAIS
CAP. 5: VIOLÊNCIA SEXUAL
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONCEITOS FUNDAMENTAIS

NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA
ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS PROVIDÊNCIAS POLICIAIS E JUDICIAIS CABÍVEIS
ACOMPANHAMENTO LABORATORIAL
EXPOSIÇÃO ÀS INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS PROFILAXIA DAS IST NÃO VIRAIS
PROFILAXIA DAS IST VIRAIS
INDICAÇÕES DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
MECANISMOS DE AÇÃO DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PLANEJADA MÉTODOS DE ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
EFICÁCIA DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
CONTRAINDICAÇÕES DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO E AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO PREVISTA EM LEI
ORIENTAÇÕES DA PORTARIA N° 2.561, DE 23 DE SETEMBRO DE 2020
DOCUMENTOS QUE INTEGRAM O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO E AUTORIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ
INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DECORRENTE DE VIOLÊNCIA SEXUAL ASPECTOS LEGAIS DO ABORTAMENTO
CONSENTIMENTO POR ESCRITO PARA REALIZAÇÃO DO ABORTAMENTO
OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
PROCEDIMENTOS DE INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ

PREVENÇÃO DO TÉTANO
APÊNDICE: DOENÇAS VIRAIS
TRANSMISSÃO DO PAPILOMAVÍRUS HUMANO (HPV)
TIPOS DE HPV
PREVENÇÃO
FORMAS DE APRESENTAÇÃO
DIAGNÓSTICO/MÉTODOS DE RASTREAMENTO PARA DETECÇÃO DO HPV NA CÉRVICE UTERINA
INFECÇÃO PELO PAPILOMAVÍRUS HUMANO (HPV) TRATAMENTO DAS VERRUGAS ANOGENITAIS
HPV: SEGUIMENTO
HPV: PARCERIAS SEXUAIS
HPV: GESTAÇÃO
HPV: CRIANÇAS E ADOLESCENTES
HPV EM DETERMINADAS POPULAÇÕES
HEPATITE B
HEPATITES VIRAIS E GRAVIDEZ HEPATITE C

AMAMENTAÇÃO NA HEPATITE B
HIV E GRAVIDEZ
PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DE HIV, SÍFILIS E HEPATITES VIRAIS MINISTÉRIO DA SAÚDE
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INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMIS­SÍVEIS


INTRODUÇÃO

O termo Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) passou a ser adotado no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT IST – MS) para Atenção
Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), em substituição a expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), em
consonância com a utilização internacional empregada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), pela
sociedade científica e por alguns países. Nesse contexto, alerta-se a população sobre a possibilidade de ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e
sintomas, o que aponta para estratégias de atenção integral, eficaz e resolutiva.

As IST são frequentes, têm múltiplas etiologias e apresentações clínicas e causam impacto na qualidade de vida das pessoas, nas relações pessoais, familiares e
sociais.

SAÚDE SEXUAL

PREVENÇÃO COMBINADA

O termo "prevenção combinada” se refere à conjugação de diferentes ações de prevenção às IST, ao HIV e às hepatites virais e seus fatores associados. Assim,
sua definição está relacionada à combinação das três intervenções: biomédica, comportamental e estrutural (marcos legais), aplicadas ao âmbito individual e
coletivo.

A mandala (Figura 1)  representa a combinação e a ideia de movimento de algumas das diferentes estratégias de prevenção. Convém frisar que não há
hierarquização entre elas. A combinação de ações deve ser centrada nas pessoas e nos grupos aos quais pertencem, e na sociedade em que estão inseridas,
considerando suas especificidades e os contextos nos quais estão estabelecidos.
FIG. 1 MANDALA DA PREVENÇÃO COMBINADA.

SEXO SEGURO

Geralmente, o termo "sexo seguro” se associa ao uso exclusivo de preservativos. E por mais que seu uso seja uma estratégia fundamental a ser sempre
estimulada, ele possui limitações. Consequentemente, outras medidas de prevenção são importantes e complementares para uma prática sexual segura, como
as descritas a seguir:

● Usar preservativo;

● Imunizar para HAV, HBV e HPV;


● Conhecer o status sorológico para HIV da(s) parceria(s) sexual(is);

● Testar regularmente para HIV e outras IST;


● Tratar todas as pessoas vivendo com HIV (PVHIV);

● Realizar colpocitologia (rastreamento do câncer de colo uterino);


● Realizar Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), quando indicado;
● Conhecer e ter acesso à anticoncepção e concepção;
● Realizar Profilaxia Pós-Exposição (PEP), quando indicado.

RASTREAMENTO DE IST

O rastreamento consiste na realização de testes diagnósticos em pessoas assintomáticas a fim de estabelecer o diagnóstico precoce (prevenção secundária),
com o objetivo de reduzir a morbimortalidade do agravo rastreado.

O rastreamento das IST não identifica apenas uma pessoa; ao contrário, estará sempre ligado a uma rede de transmissão. Quando não identificado e tratado o
agravo na(s) parceria(s), este se perpetua na comunidade e expõe o indivíduo à reinfecção, caso não se estabeleça a adesão ao uso de preservativos.

Os dois principais fatores de risco para IST são práticas sexuais sem uso de preservativos e idade mais baixa. A Tabela 1 descreve o rastreamento de IST
recomendado por subgrupo populacional, respeitando o limite estabelecido pela prevenção quaternária.
TAB. 1 RASTREAMENTO DE IST.

Notas:

a HIV: preferencialmente com teste rápido;

b Sífilis: preferencialmente com teste rápido


para sífilis;

c Clamídia e gonococo: amostras endocervicais, secreção

genital. Para amostras extragenitais (anais e faríngeas), utilizar testes com validação para tais sítios de coleta;

d Hepatite B: preferencialmente com teste rápido. Recomenda-se vacinar toda pessoa suscetível a hepatite B. Pessoa suscetível é aquela que não possui registro de
esquema vacinal completo e que apresenta HBsAg não reagente (ou teste
rápido para hepatite B não reagente);

e Hepatite C: preferencialmente com teste rápido;

f Caso a gestante não tenha realizado rastreio no pré-natal, proceder à testagem rápida para hepatite B no momento do parto. A vacina para hepatite B é segura durante a gestação e mulheres suscetíveis devem ser vacinadas;

g É recomendada a realização de sorologia em gestantes com fatores de risco para infecção por HCV, como infecção pelo HIV, uso de drogas ilícitas, antecedentes de transfusão ou transplante antes de 1993, realização de hemodiálise e elevação
de aminotransferases sem outra causa clínica evidente.

Fonte: DCCI/SVS/MS.

ABORDAGEM ÀS PESSOAS E ÀS PARCERIAS SEXUAIS COM IST

A anamnese, a identificação das diferentes vulnerabilidades e o exame físico são importantes elementos na abordagem das pessoas com IST.

As amostras para os exames rápidos ou laboratoriais indicados devem ser coletadas no momento da primeira consulta; caso os resultados não estejam
disponíveis imediatamente, a conduta terapêutica não deve ser postergada até a entrega destes. A consulta clínica se completa com a prescrição e orientações
de tratamento, além da definição de estratégia para seguimento e atenção às parcerias sexuais e o acesso aos insumos de prevenção, como parte da rotina de
atendimento.

Para que se interrompa a cadeia de transmissão das IST, é fundamental que os contatos sexuais das pessoas infectadas sejam tratados. No caso do não
comparecimento das parcerias sexuais comunicadas, outras atividades poderão ser desenvolvidas, conforme a disponibilidade de cada serviço.

Serão consideradas parcerias sexuais, para fins de comunicação, aquelas com as quais a pessoa infectada tenha se relacionado sexualmente,
conforme a descrição abaixo:

● Tricomoníase: parceria atual;

● Corrimento uretral ou infecção cervical: nos últimos dois meses;

● DIP: nos últimos dois meses;

● Úlceras: nos últimos três meses, com exceção da donovanose que pela baixa infectividade não requer o tratamento das parcerias;

● Sífilis: nos últimos três meses;

● Sífilis latente: no último ano.

A comunicação às parcerias sexuais pode ser realizada por meio de métodos como: comunicação por cartão, por busca ativa, por correspondência e outros
meios que garantam a confidencialidade da informação, como contato telefônico e/ou eletrônico.
MANEJO INTEGRAL DAS PESSOAS COM IST SINTOMÁTICAS

As principais manifestações clínicas das IST são: corrimento vaginal, corrimento uretral, úlceras genitais, DIP e verrugas anogenitais. Embora possam variar
no tempo e por região, essas manifestações têm agentes etiológicos bem estabelecidos, facilitando a escolha dos testes diagnósticos e do tratamento.

As condutas baseadas apenas no diagnóstico ou impressão clínica não são recomendadas, por causa de sua baixa sensibilidade e especificidade. As ações
clínicas complementares têm tanta importância quanto o diagnóstico e o tratamento adequados.

O manejo de IST sintomáticas com uso de fluxograma, com e sem a utilização de testes laboratoriais, é apresentado no Fluxograma 1.

FLUXOGRAMA 1 MANEJO DE IST SINTOMÁTICAS COM USO DE FLUXOGRAMA.

AGENTES ETIOLÓGICOS

As IST são causadas por mais de 30 agentes etiológicos (vírus, bactérias, fungos e protozoários), sendo transmitidas, principalmente, por contato sexual e, de
forma eventual, por via sanguínea. A transmissão de uma IST ainda pode acontecer da mãe para a criança durante a gestação, o parto ou a amamentação. Essas
infecções podem se apresentar sob a forma de síndromes: corrimento vaginal, corrimento cervical, corrimento uretral, DIP, úlceras genitais e verruga
anogenital.

Na sequência, serão apresentados os respectivos agentes etiológicos das síndromes sexualmente transmissíveis.

SÍNDROME DO CORRIMENTO GENITAL INFERIOR

VAGINAL E CERVICAL

CAUSAS DE CORRIMENTO VAGINAL AGENTES ETIOLÓGICOS


Candidíase Candida albicans
Tricomoníase Trichomonas vaginalis
Gardnerella vaginalis
Mobiluncus sp.
Vaginose bacteriana Bacteroides sp.
Micoplasmas
Peptoes­treptococos
CAUSAS DE CORRIMENTO CERVICAL AGENTES ETIOLÓGICOS
Cervicite gonocócica Neisseria gonorrhoeae (gonococo)
Chlamydia trachomatis (sorotipos D a K)
Ureaplasma urealyticum
Cervicite não gonocócica Mycoplasma genitalium
Trichomonas vaginalis
Herpes-simplex vírus

SÍNDROME DO CORRIMENTO GENITAL SUPERIOR


DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA

ESPECTROS CLÍNICOS DA DOENÇA INFLAMATÓ­RIA PÉLVICA AGENTES ETIOLÓGICOS


Chlamydia trachomatis (sorotipos D a K)
Neisseria gonorrhoeae
Bactérias facultativas anaeróbias (ex.: Gardnerella vaginalis)
Endometrite, salpingite, ooforite, abscesso tubo-ovariano,
Bactérias anaeróbias estritas (Bacteroides fragilis)
miometrite, parametrite, pelviperitonite.
Haemophilus influenzae
Streptococcus agalactiae
Outros micro-organismos

SÍNDROME DO CORRIMENTO URETRAL

CAUSAS DE CORRIMENTO URETRAL AGENTES ETIOLÓGICOS


Uretrite gonocócica Neisseria gonorrhoeae (gonococo)
Chlamydia trachomatis (sorotipos D a K)
Ureaplasma urealyticum
Uretrite não gonocócica Mycoplasma genitalium
Trichomonas vaginalis
Herpes-simplex vírus

SÍNDROME DAS ÚLCERAS GENITAIS

CAUSAS DE ÚLCERA GENITAL AGENTES ETIOLÓGICOS


Sífilis Treponema pallidum
Cancro mole Haemophilus ducreyi
Herpes genital Herpes-Simplex Vírus tipo 2 (HSV)
Linfogranuloma venéreo (mula) Chlamydia trachomatis sorotipos L1, L2 e L3
Donovanose (granuloma inguinal) Klebsiella granulomatis

SÍNDROME DAS VERRUGAS ANOGENITAIS

VERRUGAS ANOGENITAIS AGENTES ETIOLÓGICO


Condiloma acuminado Papilomavírus humano (HPV), principalmente tipos 6 e 11.

OUTRAS DOENÇAS VIRAIS

Os principais agentes virais envolvidos são: HIV, vírus da hepatite (A, B, C e D), molusco contagioso e citomegalovírus.

ATENÇÃO

Todas as variações em relação às recomendações do MS serão ressaltadas para fins de concurso.


A violência sexual e as profilaxias para minimizar os riscos de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis e de uma gestação indesejada também
serão temas desta apostila.

VULVOVAGINI­TES
Processo inflamatório e/ou infeccioso que envolve a vulva, paredes vaginais e o epitélio escamoso estratificado do colo uterino.

O tema “vulvovaginites” é muito explorado nas provas de residência médica. Chamaremos atenção para as “cansativas” divergências
na literatura, porque elas caem nas provas. Então, fique ligado!

pontos principais

● Saber o que é um conteúdo vaginal fisio­lógico.


● Saber as principais causas de vulvovagi­nites, suas particularidades, formas de diagnóstico e tratamento.

● Conhecer as principais divergências na literatura sobre o assunto. Sempre que existir algo divergente na literatura, você encontrará um símbolo para que
você fique de vivo! Todas as divergências serão listadas ao final do capítulo.

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS VULVOVAGINITES E VAGINOSES

CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Antes de o estudo das vulvovaginites ser aprofundado, é necessário sedimentar alguns conceitos que são importantes para o seu completo entendimento.

DEFINIÇÃO
VULVOVAGINITES, COLPITES E VAGINOSES

A vulvovaginite é o processo inflamatório, com aumento da quantidade de polimorfonucleares, que acomete o trato genital inferior.

Em outras palavras, envolve a vulva, paredes vaginais e o epitélio escamoso estratificado do colo uterino (ectocérvice). Outro termo que pode ser
empregado é a colpite (colpo do grego = cavidade, vagina), sendo a única diferença entre estes termos o fato de a vulvovaginite (como o próprio nome já
indica) envolver também a vulva.
Na prática clínica, isto não fará diferença, pois são empregadas como sinônimos, embora o termo “colpite” não seja muito encontrado nos livros mais recentes.
Muitas vezes, elas são mencionadas simplesmente como "corrimento vaginal" pelo sintoma predominante do quadro. Estas condições representam uma das
principais causas de procura aos ginecologistas, motivando cerca de 30% das consultas.

Já a vaginose define a ausência de resposta inflamatória vaginal.

Para completar, existe ainda outra morbidade de origem desco­nhecida, mas que descreve sintomas semelhantes: a vulvodinia idiopática. Esta corresponde a
uma afecção vulvar caracterizada por aumento da sensibilidade vestibular, com prurido e queimação intensos, ocasionando uma dispareunia intensa, de difícil
controle.

ECOSSISTEMA VAGINAL

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O ecossistema vaginal é um meio complexo que consiste na inter-relação entre a microflora endógena, produtos do metabolismo desta microflora e do
hospedeiro, estrogênio e nível do pH.

O equilíbrio desse ecossistema é constantemente desafiado por fatores endógenos e exógenos.

CONTEÚDO VAGINAL FISIOLÓGICO

O meio vaginal é composto pelo resíduo vaginal, pelos restos celulares e micro-organismos.

O conteúdo ou resíduo vaginal é constituído por muco cervical, células vaginais e cervicais esfoliadas, secreção das glândulas de Bartholin e Skene,
transudato vaginal, proteínas, glicoproteínas, ácidos graxos orgânicos, carboidratos, pequena quantidade de leucócitos, e micro-organismos da flora vaginal.
Possui, ainda, cor branca ou transparente, pH vaginal ao redor de 3,8 a 4,2 e volume variável. 

A manutenção do pH vaginal entre 3,8 e 4,2 é vital para a estabilização do ecossistema vaginal. Os Lactobacillus acidophilus (bacilos de Döderlein), por
produzirem ácido lático e outros ácidos orgânicos, são os grandes responsáveis pela acidez do pH da vagina. São as bactérias dominantes do conteúdo vaginal
normal.

O volume e as características do conteúdo vaginal variam de acordo com a fase do ciclo menstrual (como o período periovulatório), com ou sem o emprego de
hormônios, com a gravidez, com condições orgânicas (o volume aumenta com a excitação sexual) e psíquicas.

Assim, o conteúdo vaginal normal tem consistência flocular, cor transparente ou branca e geralmente está localizado no fundo da vagina (fórnice posterior).
Na idade fértil, ele é produzido na quantidade de um a três gramas por dia.

Entenda, portanto: nem todo fluxo vaginal representa uma doença e nem toda doença é infecciosa.

FLORA VAGINAL NORMAL

A composição e a densidade populacional dos micro-organismos da flora vaginal normal podem variar de mulher para mulher e nas diferentes fases do ciclo
menstrual. O fluido vaginal possui 10⁵ a 10⁷ micro-organismos por mililitro. Além dos lactobacilos, cerca de cinco a 15 espécies de bactérias são encontradas
no conteúdo vaginal normal, como será detalhado a seguir.

A composição habitual da flora vaginal em mulheres inclui a presença de aeróbios Gram-positivos (Lactobacillus acidophilus, Staphylococcus
epidermidis e, ocasionalmente, Streptococcus agalactiae) e Gram-negativos (Escherichia coli), anaeróbios facultativos (Gardnerella vaginalis,
Enterococcus), anaeróbios estritos ou obrigatórios (Prevotella spp., Bacteroides spp., Peptos­treptococcus spp., Ureaplasma urealyticum,
Mycoplasma hominis) e fungos com destaque para a Candida spp. A Candida é um fungo Gram-positivo, dimorfo, saprófita do trato genital e
gastrointestinal, que pode se multiplicar por esporulação, tornando-se patogênico em condições específicas.

Lactobacillus sp. é a espécie bacteriana que predomina na micro­biota vaginal normal. Os Lactobacillus acidophilus representam 90% das bactérias
presentes na flora normal de uma mulher sadia em idade reprodutiva. Eles produzem peróxido de hidrogênio, o qual é responsável pelo pH ácido que
inibe o crescimento de bac­térias nocivas à mucosa vaginal, como os anaeróbios. No entanto, quando os lactobacilos produtores de peroxidase são
substituídos por lactobacilos não formadores de peroxidase, ocorre alteração nas características físico-químicas do conteúdo vaginal, sobretudo com a elevação
de pH, facilitando o crescimento das bactérias patogênicas. A diminuição na concentração de peróxido de hidrogênio favorece a aderência dos organismos
patogênicos às células epiteliais vaginais, o aumento da população de Gardnerella vaginalis e a diminuição da concentração de oxigênio, resultando em
aumento das bactérias anaeróbias. Situação semelhante é observada quando o Trichomo­nas vaginalis é introduzido no meio vaginal, criando um ambiente
propício para seu desenvolvimento, assim como para o de bactérias anaeróbias facultativas e obrigatórias.

Outros micro-organismos respondem por menos de 10% do total da flora vaginal.

Bactérias anaeróbias correspondem a menos de 1% dos saprófitas vaginais. Estudos de prevalência mostram que, em aproximadamente 30% das mulheres
saudáveis assintomáticas, a Candida spp. pode ser isolada na vagina.
MECANISMOS DE DEFESA DA REGIÃO GENITAL CONTRA AGRESSÕES EXTERNAS

A Tabela 1 resume os principais mecanismos que protegem a região genital das agressões externas.

TAB. 1 MECANISMOS DE DEFESA DA REGIÃO GENITAL CONTRA AGRESSÕES EXTERNAS.

VULVA
Tegumento.
Pelos abundantes.
Coaptação adequada dos pequenos lábios.
VAGINA

Acidez (pH 4,0 a 4,5).


Lactobacilos.
Integridade do assoalho pélvico.
Justaposição das paredes vaginais.
Espessura e pregueamento das paredes vaginais.
Alterações cíclicas.
COLO
Muco endocervical.
Ação bactericida.
Integridade anatômica.

A manutenção da homeostase da mucosa no trato genital feminino é fundamental para impedir a proliferação de micro-organismos patogênicos.

A mucosa vaginal é a primeira barreira à entrada de patógenos. A lâmina basal da vagina é rica em macrófagos, linfó- citos, células de Langerhans (derivadas
da medula óssea e que atuam como apresentadoras de antígenos para os linfócitos CD4), plasmócitos, eosinófilos e mastócitos.

O muco cervical forma uma trama que dificulta a passagem de patógenos para o trato genital superior, além de possuir substâncias bactericidas, como
lisosinas, lactoferrinas, entre outras.

Outro mecanismo de defesa da vagina é sua microbiota vaginal, com lactobacilos que produzem ácidos orgânicos, peró- xido de hidrogênio, biossurfactantes e
bacteriocinas, além de competir com os patógenos por nutrientes e receptores e inibir seu crescimento e adesão.

Nas mulheres em fase reprodutiva, o estrógeno promove a maturação e diferenciação do epitélio vaginal em células superficiais maduras ricas em glicogênio.
Este glicogênio é metabolizado em ácido láctico pelos lactobacilos, conferindo um pH ácido à vagina. O pH ácido e o peróxido de hidrogênio (H2O2), que
também é produzido pelos lactobacilos, conferem a proteção natural da vagina, inibindo o crescimento de outros micro-organismos como os anaeróbios. Além
de todos estes fatores, há também a participação de linfócitos T CD4 e CD8 e imunoglobulinas IgA, IgM e IgG.

Meninas pré-púberes e mulheres na pós-menopausa com hipoestrogenismo apresentam o pH vaginal entre 5,0 e 7,0. Na gravidez, os altos níveis de estrogê-
nio placentário propiciam um aumento acentuado dos lactobacilos e do resíduo vaginal.

O Fluxograma 1 resume as alterações do pH vaginal segundo a ação dos mecanismos de defesa vaginal.
FLUXOGRAMA 1 MECANISMO DE DEFESA VAGINAL.

Diversos agentes agressores podem romper esses mecanismos de proteção e causar uma reação inflamatória local na vulva e na vagina. As principais causas
são as infecciosas (transmitidas ou não pelo coito). Entretanto, fatores físicos, químicos, hormonais e anatômicos podem agir de forma predisponente ou
desencadeante do processo; o Quadro 1 os resume.

Modificações da flora vaginal após o coito anal e sexo oral são normalmente provisórias e reversíveis. Mas o uso de antibióticos, imunossupressores e
períodos de hospitalização prolongada selecionam bactérias mais resistentes e virulentas da flora.

QUADRO 1
FATORES DE RISCO PARA VULVOVAGINITES
● Diabetes mellitus.
● Ingestão de esteroides.

● Uso de antibióticos: podem favorecer o crescimento de leveduras e suprimir o crescimento de organismos comensais, permitindo o domínio de bactérias
patogênicas.
● Uso de imunossupressores.

● Uso de duchas vaginais: alteram o pH vaginal, suprimem o crescimento de bactérias endógenas de forma seletiva.

● Uso de lubrificantes vaginais.


● Absorventes internos e externos: uso prolongado de tampões vaginais pode desencadear reação inflamatória com consequente distúrbio da microflora
endógena.

● Depilação exagerada e frequente.


● Relações sexuais e prática de coito não convencional: as relações sexuais promovem desequilíbrio no ecossistema vaginal por alteração no pH vaginal e
por facilitação na introdução de micro-organismos.

● Uso de preparações contraceptivas orais ou tópicas, incluindo DIU.


● Uso de hormônios.

● Estados hiper/hipoestrogênicos.

● Infecções sexualmente transmissíveis.


● Estresse.

● Mudança de parceiro.
● Traumas.

● Períodos de hospitalização prolongada.

VULVOVAGINITES E VAGINOSES
QUADRO CLÍNICO

As pacientes se queixam basicamente de conteúdo vaginal aumentado, prurido e irritação, que podem estar associados a odor desagradável,
ardência e intenso desconforto. Um dado impor­tante a ser lembrado é que, apesar de ser frequentemente cobrada em questões de residência, a
coloração do corrimento vaginal não deve ser considerada um dado específico para o diagnóstico etiológico, pois a presença de sangue,
células descamadas, muco ou espermatozoides pode alterar a coloração da secreção e prejudicar o diagnóstico.

Contudo, convém lembrar que nem toda descarga vaginal representa uma doença. A mulher pode apresentar um conteúdo vaginal fisiológico! E
muitas vezes este conteúdo está acima do normal, configurando o que chamamos de mucorreia. O exame especular estabelece facilmente o seu diagnóstico,
mostrando ausência de inflamação vaginal, mucosa vaginal de coloração rosa­-pálido e a presença de muco claro e límpido. O exame a fresco do conteúdo
vaginal mostra células sem alterações inflamatórias, número normal de leucócitos, numerosos lactobacilos e pH normal. O tratamento da mucorreia se resume
ao esclarecimento à paciente de que o que ela apresenta é absolutamente normal.

Então, vale a pena fixarmos dois con­ceitos:


1º. Mucorreia ≠ Corrimento;

2º. Mucorreia não é sinônimo de vulvovaginite!

Assim, para que não pairem dúvidas:

Mucorreia é o conteúdo vaginal acima do normal. O exame espe­cular estabelece facilmente o seu diagnóstico. Ele mostra ausência de inflamação vaginal,
mucosa vaginal de coloração rosa-pálido e a presença de muco claro e límpido.

Corrimento é uma anormalidade na quantidade ou no aspecto físico do conteúdo vaginal, que se exterioriza pelos órgãos geni­tais externos. Muitas vezes o
quadro clínico é insuficiente para determinar a etiologia do corrimento genital, de modo que, para o estabelecimento do diagnóstico etiológico, é de
fundamental importância o estudo do ecossistema vaginal, o qual compreende a medida do pH e a avaliação da flora.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

As quatro etapas principais na avaliação diagnóstica das vulvovaginites e vaginoses incluem:


● Determinação do pH vaginal: pode ser facilmente realizada por meio de fitas medidoras de pH. A amostra deverá ser obtida do terço médio para distal
da parede lateral, com cuidado para não haver contaminação com muco cervical cujo pH é alcalino (pH = 7,0);
● Exame a fresco: coloca-se pequena quantidade de conteúdo vaginal em uma lâmina e adiciona-se uma gota de solução salina, cobrindo-se a preparação
com lamínula, para realização da microscopia direta, com vistas à pesquisa de leveduras e/ou pseudo-hifas, Trichomonas vaginalis móveis, clue cells,
leucócitos e células parabasais;
● Bacterioscopia por coloração de Gram: a presença de clue cells, células epiteliais escamosas de aspecto granular pontilhado e bordas indefinidas
cobertas por pequenos e numerosos cocobacilos, é típica de vaginose bacteriana;
● Teste das aminas (whiff test ou teste do “cheiro”): em outra lâmina mistura-se um pouco do conteúdo vaginal a uma gota de hidróxido de potássio
(KOH) a 10% para realização do teste das aminas (whiff test). O teste é considerado positivo quando se detecta a presença de odor de pescado.

FLUXOGRAMA PARA O MANEJO DE CORRIMENTO VAGINAL

O Protocolo de Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde apresenta fluxograma para o manejo do corrimento vaginal (Fluxograma 2).

FLUXOGRAMA 2 MANEJO DE CORRIMENTO VAGINAL E CERVICITE.

ABORDAGEM ETIOLÓGICA
DAS VULVOVAGINITES

O equilíbrio do ecossistema vaginal se deve a complexas interações entre a flora vaginal normal, os produtos metabólicos microbianos, o estado hormonal e a
resposta imune da mulher (imunidade natural, humoral e celular). Quando este equilíbrio se rompe, ocorrem os processos inflamatórios e infecciosos.

Dependendo do agente etiológico envolvido na gênese das vulvovaginites, estas podem ser classificadas em vaginites e vaginoses infecciosas e não
infecciosas.

As quatro principais causas de vulvovaginites infecciosas são:


● Vaginose Bacteriana (VB);

● Candidíase Vulvovaginal (CVV);

● Tricomoníase;

● Vaginite descamativa.

As três primeiras são responsáveis, respectivamente, por 46, 23 e 20% dos corrimentos vaginais no Brasil.
Entre as vaginites e vaginoses não infecciosas incluem-se:

● Vaginose citolítica;

● Vaginite atrófica;

● Vulvovaginites inespecíficas;

● Outras causas: fatores físicos (traumas), químicos (uso de lubrificantes  e de absorventes internos e externos), hormonais (hiper e hipoestrogenismo),
anatômicos e orgânicos (imunodepressão secundária à doença sistêmica ou outras imunodepressões).

VULVOVAGINITES E VAGINOSES INFECCIOSAS

A seguir, serão detalhadas as principais particularidades das vulvovaginites e vaginoses infecciosas, bem como seu diagnóstico e tratamento.

VAGINOSE BACTERIANA
DEFINIÇÃO

A Vaginose Bacteriana (VB) é um conjunto de sinais e sintomas resultante de um desequilíbrio da flora vaginal, que culmina com uma diminuição dos
lactobacilos e um crescimento polimicrobiano (aumento da ordem de 100 a 1.000 vezes) de bactérias anaeróbias estritas (Prevotella sp.,
Bacteroides sp., Mobiluncus sp., Peptostreptococcus sp., Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum), e de anaeróbias facultativas
(Gardnerella vaginalis), cujo fator desencadeante é desconhecido. Entre os anaeróbios, a Gardnerella vaginalis é o que predomina na VB. Em mulheres
com esta afecção, a concentração de G. vaginalis é duas a três vezes maior se comparada com mulheres normais. Mas, definitivamente na VB, há a
proliferação de uma flora mista composta pelos germes anteriormente citados.

É importante destacar que todos os fatores que fazem diminuir a quantidade de oxigênio nos tecidos e, portanto, o seu potencial de oxirredução, favorecem a
infecção por anaeróbios estritos. Como resultado, ocorre liberação de citocinas, prostaglandinas e enzimas líticas por estes patógenos que respondem por
algumas das manifestações clínicas (teste de whiff positivo) e pelo substrato fisiopatológico das complicações da VB (Fluxograma 3). Há também um
pequeno aumento dos leucócitos que justifica a resposta inflamatória discreta.

FLUXOGRAMA 3 ALGORITMO DA VAGINOSE BACTERIANA.

MEMORIZE

 POR QUE CHAMAR DE VAGINOSE E NÃO VAGINITE BACTERIANA?


 Porque os sintomas inflamatórios são muito discretos ou até mesmo inexistentes e múltiplos agentes causais estão envolvidos.

EPIDEMIOLOGIA

É a desordem mais frequente do trato genital inferior entre mulheres em idade reprodutiva (gestantes ou não) e a causa mais prevalente de corrimento vaginal
com odor fétido.
A estimativa de prevalência depende da população estudada. Incide em aproximadamente 46% das mulheres. A VB tem sido observada em 15 a 20% das
gestantes e em cerca de 30% das mulheres com infertilidade.

Ocorre com maior frequência em mulheres com vida sexual ativa. Entretanto, pode acometer de forma esporádica crianças e mulheres celibatárias, o que
sugere a existência de outras formas de transmissão além da sexual.

FATORES DE RISCO

Fatores de risco para VB incluem múltiplos e novos parceiros do sexo feminino e masculino, uso de DIU, uso de duchas vaginais, tabagismo e a não utilização
de condom. Existe uma alta ocorrência em mulheres que têm intercurso sexual com parceiras do mesmo sexo. No entanto, ainda não está claro se um tipo de
atividade sexual é mais importante para a patogênese da infecção do que outro. Em outras palavras, não é possível concluir se o sexo oral é um fator de risco
mais importante do que o coito vaginal.

Embora a atividade sexual seja um fator de risco, a VB pode ocorrer em mulheres que nunca tiveram um intercurso sexual. Inclusive, a via sexual não é a
principal forma de transmissão da vaginose bacteriana, tanto que o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às
Pessoas com Infecções Sexualmente Trans­missíveis (Ministério da Saúde) informa que a VB não é uma infecção de transmissão sexual,
mas pode ser desencadeada pela relação sexual em mulheres predispostas – o contato com o sêmen que apresenta pH elevado contribui para o
desequilíbrio da microbiota vaginal. O uso de preservativo pode ter algum benefício nos casos recidivantes.

ATENÇÃO

A VB NÃO É UMA INFECÇÃO SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL (IST)…

A VB, causa mais frequente dos corrimentos genitais, é entendida como um desequilíbrio da flora vaginal com aumento da concentração de bactérias
anaeróbias em substituição aos lactobacilos. O coito frequente pode ser um fator desencadeador deste desequilíbrio, na medida em que torna o meio mais
alcalino. No entanto, a VB não tem como causa a clássica transmissão sexual. Esse aspecto tem que ser esclarecido nas mulheres com esse diagnóstico.

Agora vejam: mesmo não sendo uma IST, a VB aumenta o risco de aquisição das IST, incluindo o HIV. Neste caso, o decréscimo no número de lactobacilos
produtores de peroxidase impede a ativação local do linfócito T CD4.

Além disso, a VB pode trazer complicações às cirurgias ginecológicas e à gravidez, associada com rotura prematura de membranas, corioamnionite,
prematuridade e endometrite pós-cesárea. Quando presente nos procedimentos invasivos, como curetagem uterina, biópsia de endométrio e inserção de
Dispositivo Intrauterino (DIU), aumenta o risco de Doença Inflamatória Pélvica (DIP).

QUADRO CLÍNICO

Cerca de metade das mulheres com vaginose bacteriana são assintomáticas. O sintoma mais típico é a queixa de odor fétido, semelhante a “peixe
podre”. Este odor desagradável se agrava durante a menstruação e durante o coito. Em ambas as situações, o pH se torna mais alcalino, o que facilita a
volatização das aminas (cadaverina, putrescina e trimetilamina) produzida pelos patógenos.

O corrimento vaginal é fluido, homogêneo, branco acinzentado (mais comum) ou amarelado (raro), normalmente em pequena quantidade e
não aderente, e pode formar microbolhas. A presença de sintomas inflamatórios, como dispareunia, irritação vulvar e disúria, é exceção. A parede
vaginal das mulheres com VB é de aparência normal e não eritematosa.

DIAGNÓSTICO

A VB pode ser diagnosticada pelo uso de critérios clínicos (critérios de Amsel) ou pela coloração de Gram (sistema de Nugent).

CRITÉRIOS DE AMSEL

Se a microscopia estiver disponível, o diagnóstico é realizado na presença de pelo menos três dos quatro critérios de Amsel.

● Corrimento branco acinzentado, homogêneo, fino .

● pH vaginal > 4,5.

● Teste das Aminas (whiff test) positivo - adição de uma ou duas gotas de hidróxido de potássio a 10% na secreção coletada do fundo de saco vaginal
depositada em uma lâmina, com aparecimento imediato de odor desagradável.

● Visualização de clue cells ou células-guias ou células-pista ou células-indicadoras ou células-alvo ou células-índice ou células-chave no


exame microscópico a fresco do conteúdo vaginal.

saiba mais

SOBRE AS CLUE CELLS OU CÉLULAS-GUIA…


São também denominadas de células-pista ou células-indicadoras ou células-alvo ou células-índice ou células-chave. Correspondem às células epiteliais
vaginais com sua membrana recoberta por bactérias que se aderem à membrana celular e tornam seu contorno granuloso e impreciso.

O exame microscópico a fresco identifica as células-guia quando o conteúdo vaginal é misturado à solução salina. Este exame também pode ser realizado
pela coloração pelos métodos de Gram, Papanicolaou, azul cresil brilhante a 1%, entre outros.

A Gardnerella vaginalis é a bactéria mais comumente aderida à superfície das células, identificada pela presença de grande número de cocobacilos
aderidos. Outras bactérias podem aderir à superfície da membrana celular das células epiteliais vaginais. O Mobiluncus já foi identificado como bastões
curvos com motilidade do tipo saca-rolha.

CLUE CELLS OU CÉLULAS-GUIA SÃO PATOGNOMÔNICAS DA VAGINOSE BACTERIANA?

A identificação de clue cells no exame a fresco é muito sugestiva de Vaginose Bacteriana (VB), mas somente sua presença não “fecha” o diagnóstico.

A VB também pode cursar na ausência de visualização de clue cells, desde que os outros três critérios de Amsel estejam presentes.

Assim, embora as clue cells constituam um achado característico de VB, as células-guia podem estar ausentes em até 40% dos casos.

COLORAÇÃO POR GRAM DO FLUIDO VAGINAL

O padrão-ouro é a coloração por Gram do fluido vaginal, embora outras colorações possam ser empregadas, como Papanicolaou e azul cresil
brilhante a 1%. Evidenciam-se escassez de lactobacilos e leucócitos e presença de células-chave.

A coloração de Gram quantifica o número de bactérias e lactobacilos patogênicos, resultando em um escore que determina se há infecção. Em outras palavras,
determina a concentração relativa de lactobacilos (bastonetes longos Gram-positivos), bastonetes Gram-negativos, Gram-variáveis e cocos (G. vaginalis,
Prevotella, Peptostreptococcus) e bastonetes curvos Gram-negativos (Mobiluncus).

O sistema mais comumente utilizado é o de Nugent, conforme a Tabela 2. O critério que caracteriza a VB, somada à pontuação de todos os agentes, é um
escore de 7 ou mais; um escore de 4 a 6 é intermediário e de 0 a 3 é normal.
TAB. 2 SISTEMA DE NUGENT PARA DIAGNÓSTICO DE VAGINOSE BACTERIANA.

Fonte: adaptado de Nugent, 1991.

Nota: interpretação do resultado:


0 a 3 – negativo para VB; 4 a 6 – microbiota alterada; 7 ou mais – vaginose bacteriana.

RASTREAMENTO

Não há indicação de rastreamento de vaginose bacteriana em mulheres assintomáticas.

TRATAMENTO

INDICAÇÕES

É recomendado para mulheres sintomáticas e para assintomáticas quando grávidas, especialmente aquelas com histórico de parto pré-
termo e que apresentem comorbidades ou potencial risco de complicações (previamente à inserção de DIU, cirurgias ginecológicas e exames
invasivos no trato genital). O tratamento deve ser simultâneo ao procedimento, não havendo razão para sua suspensão ou adiamento.

Os benefícios estabelecidos da terapia em mulheres não grávidas são o alívio dos sinais e sintomas da infecção. Outros potenciais benefícios incluem redução
do risco de aquisição de infecção por C. trachomatis, N. gonorrhoeae, T. vaginalis, HIV e herpes-simplex tipo 2.

MEDICAMENTOS DISPONÍVEIS

A seguir, serão apresentadas as orientações terapêuticas segundo as recomendações mais recentes do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para
Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) (Tabela 3). As discordâncias deste órgão com
o CDC será esmiuçada na Tabela 4.

TAB. 3 TRATAMENTO DA VB SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Primeira opção (incluindo gestantes e lactantes):


● Metronidazol 250 mg, 2 comprimidos, VO, 2×/dia, por 7 dias;

● Metronidazol gel vaginal 100 mg/g, um aplicador cheio, via vaginal, à noite ao se deitar, por 5 dias.
Segunda opção:
● Clindamicina 300 mg, VO, 2×/dia, por 7 dias.
Casos recorrentes:
● Metronidazol 250 mg, 2 comprimidos, VO, 2×/dia, por 10-14 dias;
ou
● Metronidazol gel vaginal 100 mg/g, um aplicador cheio, via vaginal, 1×/dia, por 10 dias, seguido de tratamento supressivo com
óvulo de ácido bórico intravaginal de 600 mg ao dia por 21 dias e metronidazol gel vaginal 100 mg/g, 2×/semana, por 4-6 meses.
Fonte: PCDT-IST (MS).
TAB. 4 TRATAMENTO DA VB SEGUNDO O CDC.

Regimes recomendados:
● Metronidazol 500 mg, VO, 2×/dia, por 7 dias;

● Metronidazol gel, 0,75%, um aplicador cheio (5 g), via vaginal, 1×/dia, por 5 dias;

● Creme de clindamicina, 2%, um aplicador cheio (5 g), à noite, por 7 dias.


Regimes alternativos:
● Clindamicina 300 mg, VO, 2×/dia, por 7 dias;

● Óvulos de clindamicina 100 mg, via vaginal, à noite, por 3 dias;

● Tinidazol 2 g, uma vez ao dia, por 2 dias;

● Tinidazol 1 g, uma vez ao dia, por 5 dias.


Obs. 1: os regimes recomendados de metronidazol (oral ou tópico) são igualmente eficazes.
Obs. 2: o creme de clindamicina, como é à base de óleo, pode enfraquecer o condom e o diafragma por até cinco dias após o seu uso.
Obs. 3: preparações tópicas de clindamicina (intravaginais) não devem ser usadas a partir da segunda metade da gestação, pois estudos demonstraram um aumento de eventos adversos como baixo peso ao nascer e infecções neonatais.
Obs. 4: o consumo de álcool deve ser evitado durante o tratamento com metronidazol e por 24 horas após o término.
Obs. 5: o CDC apresenta o tinidazol como opção com duas posologias diferentes no regime alternativo da VB.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES TERAPÊUTICAS

MANEJO DOS PARCEIROS

O tratamento do parceiro não aumenta as taxas de cura ou diminui as taxas de recorrência. Por este motivo, não é recomendado de rotina.

ABSTINÊNCIA SEXUAL E USO DE CONDOM NA VIGÊNCIA DO TRATAMENTO

Mulheres devem ser avisadas de praticar abstinência sexual ou usar preservativos correta e consistentemente na vigência do tratamento da VB.

ABSTINÊNCIA ALCOÓLICA NO TRATAMENTO DA VB

O consumo de álcool deve ser evitado durante o tratamento com nitroimidazólicos.

Para reduzir a possibilidade da reação dissulfiram-like, a abstinência alcoólica deve se estender por 24h após o término do tratamento com o metronidazol e
por 72h após o término do tratamento com o tinidazol.

USO DE DUCHAS VAGINAIS

Seu uso pode aumentar o risco de recidiva.

Além disso, nenhuma evidência científica suporta o uso de duchas para o tratamento ou alívio dos sintomas da VB.

USO DE FORMULAÇÕES INTRAVAGINAIS DE LACTOBACILOS

Certos estudos avaliaram a eficácia clínica e microbiológica do uso de formulações intravaginais de lactobacilos para tratar a VB e restaurar a flora normal.
Nenhum deles provou o benefício das formulações de lactobacilos disponíveis ou de probióticos como terapia adjuvante ou de substituição em mulheres com
VB. Estudos adicionais para determinar o papel destes regimes na terapêutica da VB estão em andamento.

SEGUIMENTO DAS PACIENTES

É totalmente desnecessário se os sintomas se resolvem.

Só está indicado nas mulheres com múltiplas recorrências.

Como a VB persistente ou recorrente é comum, mulheres devem ser advertidas a retornar para avaliação em caso de recorrência dos sintomas. A detecção de
certos organismos combinados à VB foi associada à resistência antibiótica e pode ser preditiva do risco de falha terapêutica subsequente.

VB RECORRENTE

Parece encorajador o uso do triplo regime (metronidazol gel 10 dias + ácido bórico 21 dias + metronidazol gel 2×/semana, por quatro a seis meses), porém
requer validação com estudo prospectivo randomizado e controlado. O papel do ácido bórico é remover o “biofilme” vaginal que facilitaria a persistência das
bactérias patogênicas.

Convém salientar que o retratamento com o mesmo esquema terapêutico é aceitável para tratar a VB persistente ou recorrente. Para mulheres com recorrências
múltiplas após o término de um regime recomendado, o uso de metronidazol gel 0,75%, duas vezes por semana, por quatro a seis meses, demonstrou a redução
de recorrências, embora este efeito possa não persistir se a terapia supressiva é descontinuada.

MANEJO TERAPÊUTICO
EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

ALERGIA, INTOLERÂNCIA OU REAÇÕES ADVERSAS

Os óvulos de clindamicina intravaginal são preferíveis nos casos de alergia ou intolerância ao metronidazol ou tinidazol.
O gel de metronidazol intravaginal pode ser considerado em mulheres não alérgicas com intolerância ao metronidazol oral.

PACIENTES VIVENDO COM HIV (PVHIV)

A VB parece ocorrer com maior frequência em PVHIV.

Deve ser tratada com os esquemas habituais, mas atentar para interação medicamentosa entre o metronidazol e o ritonavir, que pode elevar a intensidade de
náuseas e vômitos, reduzindo a adesão aos antirretrovirais. Para evitar tal ocorrência, recomenda-se intervalo de duas horas entre as ingestas do metronidazol e
ritonavir.

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POR QUE A INFECÇÃO PELO HIV É CONSIDERADA UMA COMPLICAÇÃO DA VB?

Como a VB se caracteriza por um desequilíbrio da microbiota vaginal normal, com diminuição acentuada ou desaparecimento de lactobacilos acidófilos
(Lactobacillus spp.) e aumento de bactérias anaeróbias (Prevotella sp. e Mobiluncus sp.), G. vaginalis, Ureaplasma sp., Mycoplasma sp., entre
outros, ela aumenta o risco de aquisição das infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV. A provável explicação reside no decréscimo no número
de lactobacilos produtores de peroxidase que impede a ativação local do linfócito T CD4.

INFECÇÃO EM GRÁVIDAS

Todas as gestantes com doença sintomática devem ser tratadas para diminuição dos efeitos adversos perinatais. Preferencialmente, o tratamento deve ser
realizado de forma sistêmica. O uso de metronidazol é seguro na gestação, sem efeitos teratogênicos ou mutagênicos em recém-natos, segundo muitos estudos
e metanálises. Note que o Ministério da Saúde, na última atualização do protocolo, já aderiu a esta atualização (Tabela 3).

COMPLICAÇÕES

EM OBSTETRÍCIA

A ocorrência das complicações, esmiuçadas a seguir, justifica o tratamento das gestantes assintomáticas com alto risco para parto prematuro:

● Abortamento;

● Parto prematuro;

● Rotura prematura de membranas ovulares;


● Corioamnionite;

● Infecção placentária;

● Infecção pós-cesariana (infecção da ferida operatória, abscesso de parede e endometrite);

● Colonização no recém-nato.

EM GINECOLOGIA

A VB está relacionada a um grande número de infecções em ginecologia, de alta morbidade, tais como: endometrite, salpingite, pelveperitonite, celulite de
cúpula vaginal, DIP, infecções pós-operatórias e infecção pelo HIV.

Embora não seja consenso, alguns especialistas sugerem a antibioticoprofilaxia antes da realização de procedimentos diagnósticos e cirúrgicos, como
histerectomia, perineoplastia, curetagem semiótica ou curetagem uterina pós-abortamento, inserção de dispositivo intrauterino, biópsia de endométrio e
histerossalpingografia. Entretanto, são necessários mais estudos antes de recomendar o tratamento de casos assintomáticos de VB em pacientes candidatas a
procedimentos invasivos.

CANDIDÍASE VULVOVAGINAL
DEFINIÇÃO

Candidíase Vulvovaginal (CVV) é uma infecção da vulva e vagina causada por um fungo do gênero Candida, Gram-positivo, dimorfo, saprófita do trato
genital e gastrointestinal, com virulência limitada. A Candida é capaz de se proliferar em ambiente ácido, apesar da ação dos lactobacilos.

A Candida albicans é o agente etiológico da CVV em 80 a 92% dos casos, podendo o restante ser devido às espécies não albicans (glabrata, tropicalis,
krusei, parapsilosis) e Saccharomyces cerevisae. Vale lembrar que durante a vida reprodutiva, 10 a 20% das mulheres serão colonizadas por Candida
spp., de forma assintomática, sem requerer tratamento.

A via sexual não constitui a principal forma de transmissão na CVV, pois segundo livros didáticos recentes, este fungo Gram­-positivo é encontrado na flora
vaginal endógena em 10 a 20% das mulheres sadias e assintomáticas e, até mesmo, em celibatárias. Assim, a CVV é considerada como doença “eventualmente
de transmissão sexual”. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuti­cas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério
da Saúde) informa que as micro­abrasões no epitélio por micro-organismos colonizadores explica a maior frequência de CVV em mulheres sexualmente ativas.
Entretanto, outras fontes mencionam que episódios individuais de vulvovaginite por Candida sp. não parecem estar relacionados com o número de parceiros
nem com a frequência de coito, mas sim com o sexo orogenital.
EPIDEMIOLOGIA

A CVV é a segunda causa mais comum de corrimento vaginal, representando 23% dos casos de vulvovaginites.

Apesar de ser afecção rara antes da menarca e após a menopausa, estima-se que 75% das mulheres irão desenvolver pelo menos um episódio de CVV durante
suas vidas. Dessas, 5% cursarão com episódios de recorrência.

FATORES DE RISCO

Episódios esporádicos de CVV geralmente ocorrem sem fator desencadeante identificado.

No entanto, existem situações que predispõem ao seu aparecimento:

● Gravidez;

● Obesidade;

● Diabetes mellitus (descompensado);

● Uso de corticoides;

● Uso de antibióticos;
● Uso de contraceptivos orais;

● Uso de imunossupressores ou quimio/radioterapia;

● Alterações na resposta imunológica (imunodeficiência);

● Hábitos de higiene e vestuário que aumentem a umidade e o calor local;

● Contato com substâncias alergênicas e/ou irritantes (ex.: talcos, perfumes, sabonetes ou desodorantes íntimos);

● Infecção pelo HIV.

ATENÇÃO

1. AUMENTO NA CONCENTRAÇÃO DE GLICOGÊNIO VAGINAL


A gravidez, o uso de anticoncepcionais orais com altas doses de estrogênio, terapia hormonal somente com estrogênio e o diabetes propiciam aumento na
concentração de glicogênio vaginal, com consequente acidificação do meio e proliferação de levedura.

2. USO DE ANTIBIÓTICOS E CVV


O mecanismo exato da associação entre o uso de antibióticos e CVV ainda não está bem estabelecido. Parece que o antimicrobiano determina redução da
flora bacteriana vaginal normal, particularmente dos bacilos de Döderlein, diminuindo a competição por nutrientes, facilitando a proliferação da Candida
sp.

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RELAÇÃO ENTRE CANDIDÍASE E HIV...

Na clínica médica, no módulo de HIV, será detalhada a grande relação entre candidíase e imunodeficiência. As formas vulvovaginal recorrente e oral são
consideradas marcadores de imunodepressão precoce (sintomas fase B). Outras formas como a traqueobrônquica ou esofagiana, mais invasivas, são
doenças definidoras de uma fase mais avançada – a fase aids.

QUADRO CLÍNICO

Clinicamente, a paciente pode referir os seguintes sinais e sintomas, diante de uma CVV clássica:

● Prurido vulvovaginal: é o principal sintoma. Possui intensidade variável, de leve a insuportável, que piora à noite e é exacerbado pelo calor local;

● Queimação vulvovaginal;

● Disúria externa;

● Dispareunia de introito vaginal;

● Corrimento branco, grumoso, inodoro e com aspecto caseoso (“leite coalhado” – Figura 1).
FIG. 1 Vaginite por Candida.

Os sinais característicos são eritema e fissuras vulvares, corrimento grumoso, com placas aderidas à parede vaginal, de cor branca, edema vulvar, escoriações e
lesões satélites, por vezes, pustulosas pelo ato de coçar.

● Hiperemia e edema vulvar.

● Escoriações de coçadura.

● Fissuras e maceração da vulva.

● Vagina e colo recobertos por placas brancas, aderidas à mucosa.

O início do quadro é súbito. Os sintomas podem ser decorrentes de reação alérgica à toxina produzida pelo fungo e tendem a se manifestar ou se exacerbar na
semana antes da menstruação, quando a acidez vaginal é máxima. Há melhora dos sintomas durante a menstruação e no período pós-menstrual.

O parceiro sexual pode apresentar irritação e hiperemia do pênis ou balanopostite.

DIAGNÓSTICO

Na maioria dos casos, o quadro clínico e o exame a fresco são sufi­cientes para o diagnóstico. A avaliação do corrimento vaginal pode ser realizada pelo teste
do pH vaginal, em que são mais comuns valores < 4,5, e/ou pela microscopia, com a visualização de leveduras e/ou pseudo-hifas.

O exame microscópico a fresco com hidróxido de potássio a 10% revela a presença de pseudo-hifas (Figura 2) em cerca de 70% dos casos.

FIG. 2 Pseudo-hifas.
HIDRÓXIDO DE POTÁSSIO A 10%

O hidróxido de potássio a 10% pode ser empregado com dois objetivos na propedêutica das vulvovaginites:

● A primeira é no chamado teste das aminas (whiff test), em que é adicionada uma gota de KOH a 10% na secreção coletada, que é seguida da chamada
volatização das aminas produzidas pelos patógenos, que confere o odor característico de “peixe podre”;

● A segunda aplicação diz respeito ao próprio estudo da lâmina a fresco que permite a identificação de estruturas na candidíase (pseudo-hifas).

Sabe-se que as bactérias, as células epiteliais escamosas e os leucócitos dissolvem-se na presença de álcalis (hidróxido de potássio), diferentemente das
hifas e dos esporos, os quais ficam entumecidos, tornando-se mais evidentes ao exame a fresco.

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SOBRE O EXAME A FRESCO NA CANDIDÍASE…

A Candida se reproduz por brotamento e é considerada dimórfica, isto é, pode ser encontrada na forma de leveduras ou na forma de pseudomicélios (ou
pseudo-hifas).

As pseudo-hifas são um resultado de brotamentos sequenciais, onde cada broto se origina do anterior de forma linear. Durante a infecção, o fungo encontra-
se na forma de pseudo-hifas. Já a portadora assintomática apresenta o fungo na forma leveduriforme, que é também a forma de transmissão.

O exame a fresco é de fácil realização e pode ser realizado pelo ginecologista no momento da consulta. Retira-se material da cavidade vaginal que deve ser
misturado a uma gota de soro fisiológico e/ou KOH a 10%, que elimina os demais elementos celulares, permitindo a visualização das pseudo-hifas à
microscopia direta indicativa da infecção.

FORMAS CLÍNICAS

A CVV classifica-se em CVV não complicada e CVV complicada (Tabela 5).

TAB. 5 FORMAS CLÍNICAS DA CVV.

*Pacientes devem apresentar todos estes critérios. #Pacientes podem ter alguns destes critérios.

TRATAMENTO

Existem vários medicamentos antifúngicos disponíveis para o tratamento da candidíase vulvovaginal.

A seguir, serão listadas as opções terapêuticas preconizadas pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções
Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) e os regimes recomendados pelo CDC (Tabelas 6 e 7, respectivamente).
TAB. 6 TRATAMENTO DA CANDIDÍASE SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Primeira opção:
● Miconazol creme vaginal a 2%, um aplicador cheio, à noite ao se deitar, por 7 dias;

ou
● Nistatina 100.000 UI, uma aplicação via vaginal, à noite, ao se deitar, por 14 dias.
Segunda opção:
● Fluconazol 150 mg, VO, dose única;

● Itraconazol 100 mg, VO, 2 comprimidos, 2×/dia, por 1 dia.


Gestantes e lactantes:
Durante a gestação, o tratamento deve ser realizado somente por via vaginal.
O tratamento oral está contraindicado na gestação e lactação.

CVV complicada e CVV recorrente:


● Indução:
» Fluconazol 150 mg, VO, 1x/dia, dias 1, 4 e 7;
ou
» Itraconazol 100 mg, 2 comprimidos, VO, 2x/dia, por 1 dia;

ou
» Miconazol creme vaginal tópico diário por 10 a 14 dias.

● Manutenção:
» Fluconazol 150 mg, VO, 1x/semana, por 6 meses;
ou
» Miconazol creme vaginal tópico, 2x/semana;

ou
» Óvulo vaginal, 1x/semana, durante 6 meses.
Comentários:
● As parcerias sexuais não precisam ser tratadas, exceto as sintomáticas;

● A CVV é comum durante a gestação, podendo apresentar recidivas pelas condições propícias do pH vaginal que se estabelecem nesse período.

TAB. 7 TRATAMENTO DA CANDIDÍASE SEGUNDO O CDC.

Regimes recomendados:
● Clotrimazol creme a 1%, 1 aplicador (5 g) via vaginal por 7 a 14 dias;

● Clotrimazol creme a 2%, 1 aplicador (5 g) via vaginal por 3 dias;


● Miconazol creme a 2%, 1 aplicador (5 g) via vaginal por 7 dias;

● Miconazol creme a 4%, 1 aplicador (5 g) via vaginal por 3 dias;

● Miconazol 100 mg supositório vaginal, 1 supositório diariamente por 7 dias;

● Miconazol 200 mg supositório vaginal, 1 supositório diariamente por 3 dias;

● Miconazol 1.200 mg supositório vaginal, 1 supositório por 1 dia;

● Tioconazol creme a 6,5%, 1 aplicador (5 g) via vaginal em dose única;


● Butoconazol creme a 2%, 1 aplicador (5 g) via vaginal, aplicação única;

● Terconazol creme 0,4%, 1 aplicador (5 g) via vaginal por 7 dias;

● Terconazol creme 0,8%, 1 aplicador (5 g) via vaginal por 3 dias;

● Terconazol 80 mg supositório vaginal, 1 supositório via vaginal por 3 dias;

● Fluconazol 150 mg, 1 comprimido dose única.

Independentemente da opção terapêutica escolhida, recomenda-se, sempre que for pos­sível, a escolha por esquema posológico mais curto para aumentar a
adesão ao tratamento. Segundo o CDC, as formulações de dose única tratam efetivamente a candidíase não complicada.

O uso de medicamentos azólicos é mais efetivo do que a nistatina. O tratamento com estes medicamentos resulta no alívio dos sintomas em 80 a 90% das
pacientes que completam a terapia.

O tratamento tópico possui como efeitos colaterais ardência e irritação locais. Os cremes disponíveis para uso no Brasil são à base de óleo e enfraquecem o
látex do condom e do diafragma.
O tratamento oral pode produzir cefaleia, náuseas, dor abdominal e, em raros casos, elevação transitória das transaminases hepáticas.

A associação dos antifúngicos com corticoides promove um rápido alívio dos sintomas vulvares. No entanto, os corticoides isoladamente não tratam a
infecção vaginal. Por este motivo, se empregados, devem ser associados obrigatoriamente aos antifúngicos.

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OUTRAS CONSIDERAÇÕES TERAPÊUTICAS

MANEJO DOS PARCEIROS

As parcerias sexuais não precisam ser tratadas, exceto os sintomáticos, ou seja, uma minoria de parceiros sexuais do sexo masculino que podem apresentar
balanite e/ou balanopostite, caracterizada por áreas eritematosas na glande do pênis, prurido ou irritação, tem indicação de tratamento com agentes tópicos.

O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) não faz
menção ao tratamento empírico dos parceiros na candidíase vulvovaginal recorrente (quatro ou mais episódios sintomáticos em um ano).

SEGUIMENTO DA PACIENTE

É totalmente desnecessário se os sintomas se resolvem. Só está indicado em pacientes com persistência ou recorrência dos sintomas nos dois primeiros meses
após seu aparecimento inicial.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Clinicamente, importantes interações medicamentosas podem ocorrer quando os agentes azólicos são administrados com outros medicamentos, principalmente
antagonistas do canal de cálcio, agentes hipoglicemiantes orais, cisaprida, ciclosporina A, teofilina, fenitoína e inibidores da protease, tacrolimo, rifampicina,
entre outros.

MANEJO DA CANDIDÍASE COMPLICADA

Nos casos recorrentes ou de difícil controle deve-se investigar causas sistêmicas predisponentes (diabetes, imunodepressão, inclusive a infecção pelo HIV e
uso de corticoides).

Os medicamentos orais são preferíveis aos tó­picos no tratamento da infecção complicada. Especialistas sugerem dois possíveis esquemas:

● O primeiro de duas doses, no primeiro e quarto dias;

● O segundo de três doses, nos primeiro, quarto e sétimo dias.

Caso se opte pela utilização da via vaginal, o esquema deve ser prolongado por sete a quatorze dias.

Há ainda a opção pela terapia supressiva. O fluconazol (150 mg) é a medicação de escolha, com uma dose semanal durante seis meses.

Dentre as reações adversas raras (entre 0,01 e 0,1%) do uso do fluconazol citam-se dentre outros agranulocitose, leucopenia, neutropenia, trombocitopenia,
anafilaxia, angioedema, hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, hipocalemia, toxicidade e insuficiência hepática.

MANEJO TERAPÊUTICO
EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

MANEJO NA GRAVIDEZ

Somente os derivados azólicos de uso tópico estão indicados, por pelo menos sete dias.

HOSPEDEIROS IMUNOCOMPROMETIDOS

Está indicada terapia antimicótica de longa duração (sete a quatorze dias).

ABORDAGEM NAS PACIENTES VIVENDO COM HIV (PVHIV)

As taxas de colonização por Candida são maiores


nas PVHIV. A candidíase não complicada
sintomática também é mais comum nestas
pacientes. Em linhas
gerais, a terapia das
PVHIV não difere das soronegativas.

Entretanto, em casos recorrentes, a terapia profilática com fluconazol semanalmente foi efe - tiva na redução da colonização por C. albicans e dos episódios
sintomáticos de candidíase vulvovaginal. Este regime não deve ser realizado rotineiramente. Só está indicado na presença de candidíase vulvovaginal
recorrente.

ATENÇÃO

SOROLOGIA ANTI-HIV

Segundo o CDC, levando em consi­deração a frequência em que a candidíase vulvovaginal recorrente ocorre em pacientes imunocompetentes, sua presença
não representa uma indicação para a realização de sorologia anti-HIV.
Porém, no Manual do Ministério da Saúde, há a recomendação de oferecer anti-HIV nestes casos.

TRICOMONÍASE
DEFINIÇÃO

Consiste em uma infecção causada por um protozoário flagelado denominado Trichomonas vaginalis (Figura 3), anaeróbico facultativo, que possui os
seres humanos como os únicos hospedeiros conhecidos.

FIG. 3 Trichomonas vaginalis.

EPIDEMIOLOGIA

É a terceira causa mais comum de corrimento vaginal, correspondendo a 20% dos casos.

Afeta cerca de 180 milhões de mulheres em todo o mundo, sendo encontrada em cerca de 30 a 40% dos parceiros sexuais de mulheres infectadas.

Na maioria dos casos, a tricomoníase encontra-se associada a outras infecções de transmissão sexual, além de facilitar a transmissão do HIV.

As mulheres são em sua maioria sintomáticas, podendo permanecer, em algumas circunstâncias, assintomáticas, como acontece após a menopausa.

A tricomoníase é uma IST. Consequentemente, via de transmissão é quase unicamente sexual.

FATORES DE RISCO

A tricomoníase somente se relaciona com a prática da atividade sexual desprotegida. Não há ligação com a idade da mulher, fase do ciclo menstrual, uso de
anovulatórios, uso frequente de antibióticos ou frequência de intercursos sexuais.

Assim, a tricomoníase é uma IST e sua via de transmissão é quase unicamente sexual.

PONTOS IMPORTANTES

● A melhor forma de prevenção da tricomoníase é o uso consistente e correto do condom nas penetrações vaginais.

● Parceiras de homens circuncidados parecem apresentar menor risco de adquirir a tricomoníase.


● O uso de duchas vaginais não é recomendado, pois parece aumentar o risco de infecções vaginais, incluindo a tricomoníase.

QUADRO CLÍNICO

Os homens são geralmente portadores assintomáticos e, em linhas gerais, comportam-se como vetores. Entretanto, algumas vezes desenvolvem um quadro de
uretrite não gonocócica, epididimite ou prostatite.

As mulheres também podem ser assintomáticas (há referências que colocam um percentual de até 50%), especialmente na pós-menopausa. O CDC
informa que muitas pessoas infectadas (70 a 85%) são assintomáticas ou possuem poucos sintomas e as infecções não tratadas podem perdurar por meses ou,
até mesmo, anos.
No entanto, indubitavelmente, o que nos chama a atenção para o diagnóstico obvia­mente é a forma sintomática. A queixa mais comum é de corrimento
(35% dos casos), normalmente abundante, amarelo ou amarelo-esverdeado (mais comum), mal cheiroso e bolhoso (Figura 4). O pH vaginal é maior que 5,0
(normalmente entre 5,0 e 6,0), o que se observa em 70% dos casos.

FIG. 4 Corrimento bolhoso da infecção por Trichomonas vaginalis.

Na tricomoníase, o eritema vulvar ou a escoriação não são comuns. Por outro lado, são frequentes sinais inflamatórios da vagina, como:
ardência, hiperemia e edema. Algumas pacientes referem dispareunia superficial e prurido vulvar ocasional. O Trichomonas vaginalis, de forma bem
menos corriqueira, pode ainda acometer a uretra e a bexiga, e desencadear disúria, polaciúria e dor suprapúbica.

Um achado altamente específico da tricomoníase exige memorização: colpite focal ou difusa caracterizada por um “colo em framboesa” ou “colo em
morango” (Figura 5). Ele ocorre devido à dilatação capilar e hemorragias puntiformes. Esta alteração é vista a olho nu em apenas 2% dos casos, mas na
colposcopia é evidente em até 90%.

FIG. 5 “Colo em framboesa” – colpite difusa da tricomoníase.


Ao teste de Schiller, observa-se intensa colpite focal e difusa. Nos casos difusos, o teste de Schiller apresenta tipicamente o colo uterino em “pele de
onça” ou de aspecto “tigroide”.

A associação entre tricomoníase e outras infecções, como gonococcia e VB, é observada com certa frequência. Este fato parece decorrer da produção de
hidrogênio pelo Trichomonas vaginalis, que se liga ao oxigênio, promovendo sua remoção do ecossistema vaginal, facilitando o crescimento de bactérias
anaeróbias.

DIAGNÓSTICO

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Na maioria das vezes, é realizado com base nos dados da anamnese, achados ao exame físico, medida do pH vaginal, teste de whiff e microscopia a fresco do
fluido vaginal. O pH vaginal normalmente é igual ou superior a 5,0 (entre 5,0 e 6,0). O teste de whiff é positivo, mesmo que fracamente.

A microscopia a fresco do fluido vaginal revela o protozoário, móvel com seus quatro flagelos anteriores característicos. Há também a presença de uma
população bastante aumentada de leucócitos.

À bacterioscopia com coloração pelo método de Gram, observa-se o parasita Gram-negativo, de morfologia característica (Figura 6).

FIG. 6 Trichomonas vaginalis.

A cultura pode ser requisitada nos casos de difícil diagnóstico. Os meios de cultura são vários e incluem o de Diamond, Trichosel e In Pouch TV. A realizada
em meio de Diamond era considerada o método padrão-ouro para o diagnóstico da tricomoníase, antes que os métodos de detecção moleculares se tornassem
disponíveis (CDC). Ela apresenta uma sensibilidade de 75 a 96% e uma especificidade próxima de 100%.

O teste de amplificação do ácido nucleico (NAAT) é altamente sensível. É o método mais sensível e específico disponível, mas só está indicado nas pacientes
em que a suspeita de tricomoníase não foi confirmada pela microscopia.

Conceito: a citologia corada pelo Papanicolaou não substitui o exame a fresco.

● A microscopia a fresco tem sensibilidade próxima da cultura em meio Diamond. Entretanto, a citologia corada pelo método de Papanicolaou falha em mais
de 50% dos casos. Assim, a realização do exame a fresco é obrigatória.

● É importante lembrar que a tricomoníase pode alterar o resultado da citologia oncótica. Assim, nos casos em que ocorrem alterações morfológicas
celulares, estão indicados o tratamento e a coleta de nova citologia após três meses do término deste para avaliação da persistência das alterações
celulares.

TRATAMENTO

Deve ser sistêmico, pois o tratamento tópico não atinge níveis terapêuticos nas glândulas vaginais e na uretra.

O tratamento recomendado pelo PCDT IST – MS e pelo CDC encontra-se nas Tabelas 8 e
9, respectivamente.
TAB. 8 TRATAMENTO DA TRICOMONÍASE SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Primeira opção (incluindo gestantes e lactantes):


● Metronidazol 400 mg, 5 comprimidos, VO, dose única (dose total de tratamento 2 g);

● Metronidazol 250 mg, 2 comprimidos, VO, 2×/dia, por 7 dias.


Comentários:
● As parcerias sexuais devem ser tratadas com o mesmo esquema
terapêutico. O tratamento pode aliviar os sintomas de
corrimento vaginal em gestantes, além de prevenir infecção
respiratória ou genital em RN.

● Para as puérperas, recomenda-se o mesmo tratamento das


gestantes.

Fonte: DCCI/SVS/MS.

Observações
● Durante o tratamento com metronidazol, deve-se evitar a ingestão
de álcool devido ao risco do efeito antabuse;

● Durante o tratamento, devem-se suspender as relações sexuais;

● Manter o tratamento durante a menstruação.

TAB. 9 TRATAMENTO DA TRICOMONÍASE SEGUNDO O CDC.

Regimes recomendados:
● Metronidazol 2 g, VO, dose única;
● Tinidazol 2 g, VO, dose única.
Regime alternativo:
● Metronidazol 500 mg, VO, 12/12h, por 7 dias.

saiba mais

SOBRE O EFEITO ANTABUSE

As pacientes e os seus parceiros devem ser advertidos do consumo de álcool concomitante ao tratamento com metronidazol, tinidazol e secnidazol. Esta
conduta é justificada pelo risco potencial do efeito antabuse (dissulfiram-like), decorrente da interação de derivados imidazólicos com álcool (inibição da
enzima aldeído desidrogenase pelos nitroimidazólicos), que se caracteriza por mal-estar, náuseas, tonturas e “gosto metálico na boca".

A abstinência alcoólica deve persistir por até 24 horas após o término do tratamento com metronidazol e por até 72 horas após o término do tratamento com o
tinidazol. Não há menção na literatura quanto ao tempo de abstinência recomendado para o secnidazol.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES TERAPÊUTICAS

MANEJO DOS PARCEIROS

O tratamento dos parceiros e a abstinência sexual durante o tratamento são obrigatórios.

SEGUIMENTO DAS PACIENTES

É totalmente desnecessário se os sintomas se resolvem. Só está indicado nos pacientes com múltiplas recorrências.

MANEJO TERAPÊUTICO
EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

ABORDAGEM NAS PACIENTES VIVENDO COM HIV (PVHIV)

PVHIV devem ser tratadas com os esquemas habituais, mas se deve atentar para a interação medicamentosa entre o metronidazol e o ritonavir, que pode elevar
a intensidade de náuseas e vômitos, reduzindo a adesão aos antirretrovirais. Para evitar tal ocorrência, recomenda-se intervalo de duas horas entre as ingestas
do metronidazol e ritonavir.

O CDC recomenda o seguinte regime (Tabela 10):

TAB. 10 TRATAMENTO DA TRICOMONÍASE PARA MULHERES HIV POSITIVAS SEGUNDO O CDC.

Regime recomendado:
● Metronidazol 500 mg, VO, 12/12h, por 7 dias.

ALERGIA OU INTOLERÂNCIA À TERAPIA RECOMENDADA

A dessensibilização ao metronidazol é a conduta preconizada.

GRAVIDEZ E LACTAÇÃO

As gestantes com infecção por T. vaginalis deverão ser tratadas independentemente de sua idade gestacional, já que essa IST está associada com rotura
prematura de membranas, parto pré-termo e RN de baixo peso ao nascimento. Para as puérperas, recomenda-se o mesmo tratamento das gestantes. O
metronidazol (categoria B) 2 g, VO, dose única, é o regime de escolha. No entanto, o metronidazol requer suspensão do aleitamento materno por 12h e o
tinidazol por 72h.

COMPLICAÇÕES
A tricomoníase foi associada a resultados gestacionais e puerperais adversos, particularmente:

● Rotura prematura de membranas ovu­lares;

● Parto prematuro;

● Baixo peso ao nascer;

● Infecção puerperal.

VAGINITE DESCAMATIVA
DEFINIÇÃO

Vaginite purulenta, crônica, que ocorre na ausência de processo inflamatório cervical ou do trato genital superior.

EPIDEMIOLOGIA

A etiologia é desconhecida.

A prevalência da afecção encontra-se aumentada na perimenopausa.

Cerca de 70% das culturas vaginais de pacientes portadoras de vaginite descamativa revelam a presença de estreptococos beta-hemolítico.

O trato gastrointestinal funciona como um dos maiores reservatórios de estreptococos beta-hemolítico (Streptococcus agalactiae) ou GBS (Group B
Streptococcus).

As taxas de colonização do sistema geniturinário diferem de acordo com a raça, localização geográfica e idade.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Incluem-se:

● Conteúdo vaginal purulento em grande quan­tidade;

● pH vaginal alcalino;

● Microscopia:

» Processo descamativo vaginal intenso, com predomínio das células profundas (basais e parabasais);

» Flora vaginal do tipo 3 (ausência de lactobacilos): substituição da flora lactobacilar por cocos Gram-positivos;

» Número elevado de polimorfo­nu­cleares.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

● Líquen plano erosivo vaginal.

● Tricomoníase.

● Vaginite atrófica complicada.


● Vaginite por estreptococos do grupo A.

● Vaginite por corpo estranho (tampão vaginal).

● Úlceras idiopáticas em mulheres HIV positivas.

● Síndromes penfigoides.

TRATAMENTO

É preconizado o uso de clindamicina creme a 2% – 5 g via vaginal por sete dias.

Como a vaginite descamativa é comum em situações onde há deficit estrogênico, preconiza-se nas pacientes menopausadas, além da clindamicina, o uso de
estrogênio tópico, com uma aplicação vaginal diária, por uma a duas semanas consecutivas, com dose de manutenção de uma vez por semana.

HORA DA REVISÃO
PADRÕES CLÍNICOS DAS VULVOVAGINITES INFECCIOSAS MAIS COMUNS

PMN: polimorfonucleares.  EC: células epiteliais vaginais.  *Mais informações no texto.

Obs.: lembre-se: a história clínica isolada é insuficiente para o diagnóstico das vulvovaginites!

VULVOVAGINITES E VAGINOSES NÃO INFECCIOSAS

A seguir, serão detalhadas as principais particularidades das vulvovaginites e vaginoses não infecciosas, bem como seu diagnóstico e tratamento.

VULVOVAGINITES INESPECÍFICAS

As vulvovaginites representam o motivo de consulta ginecológica mais fre­quente na população infantojuvenil, compreendendo
aproximadamente 70% das queixas ginecológicas no grupo etário.

DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

Quando este termo é empregado, nos referimos simplesmente à inflamação dos tecidos da vulva e da vagina, onde não se identifica um agente principal. É
importante ressaltar que na criança é mais comum se encontrar uma vulvite sem o comprometimento da mucosa vaginal.

A vulvite caracteriza-se pela inflamação da mucosa vulvar, sem descarga vaginal. Pode ser desencadeada pelos germes da pele circundante ou ser secundária a
uma reação de contato (substâncias químicas, materiais sintéticos) ou alérgica. Já a vaginite compreende a inflamação da mucosa vaginal associada ao
corrimento, que pode ser acompanhada ou não da vulvite.

FATORES DE RISCO

A pré-púbere apresenta alguns fatores de risco para sua ocorrência (Tabela 11).
TAB. 11 FATORES DE RISCO PARA A VULVOVAGINITE INESPECÍFICA EM PRÉ-PÚBERES.

Fatores anatômicos:
● Proximidade uretra – vagina – ânus;

● Menor coaptação das formações labiais;

● Tecido adiposo e pelos da região púbica pouco desenvolvidos.


Fatores fisiológicos:
● Epitélio vaginal delgado;

● pH alcalino (6,5 a 7,5).


Hábitos/costumes:
● Higiene pobre ou inadequada;

● Uso de roupas apertadas e de material sintético (não permitem a evaporação do suor e de outras secreções);

● Uso de irritantes químicos: sabonetes, loções;


● Uso de fraldas;

● Traumatismos: abuso sexual, masturbação;

● Corpo estranho;

● Fatores socioeconômicos e culturais.


Comorbidades/medicações:
● Doenças sistêmicas: obesidade, diabetes, infecção das vias aéreas superiores;

● Parasitoses intestinais;

● Doenças dermatológicas (líquen escleroso, líquen plano, psoríase, dermatite atópica, dermatite de contato, dermatite das fraldas);

● Uso de antibióticos de amplo espectro.

AGENTES ETIOLÓGICOS

As vulvovaginites são provocadas por germes saprófitas. Eles se tornam agressivos frente à falta de integridade da mucosa ou por algum agente físico-
químico que rompe o equilíbrio ecológico entre os germes. Grande parte dos casos resulta de uma higiene perineal deficitária.

Os micro-organismos mais comumente associados às vulvovaginites inespecíficas são: Escherichia coli, Staphylococcus epidermidis, bacterioides,
enterococos, entre outros.

QUADRO CLÍNICO

Os principais sinais e sintomas são:

● Leucorreia: aspecto variável;

● Prurido vulvar;

● Ardência vulvar;

● Escoriação, hiperemia e edema de vulva;

● Disúria e polaciúria;
● Sinais de má higiene.

DIAGNÓSTICO

A anamnese cuidadosa levanta a suspeita diagnóstica. Antes de sua realização, o exame ginecológico deve ser explicado para a paciente e seu responsável.
Deve-se tranquilizá-los de que o orifício himenal não será alterado pelo exame.

A investigação se inicia pela coleta de material da vagina, através de sonda de nelaton acoplada a uma seringa, para realização de exame a fresco com SF a
0,9% e teste com hidróxido de potássio a 10% (1 gota da secreção vaginal + 1 gota de KOH) e bacterioscópico (Gram). Na suspeita da presença de corpos
estranhos, o toque retal pode ser realizado. Está indicada também a solicitação de exame parasitológico de fezes com pesquisa de oxiúros e exame qualitativo
de urina e urinocultura. A citologia não é necessária.

A cultura fica reservada para os casos em que o manejo inicial foi insuficiente para a resolução do problema ou em caso de suspeita de abuso sexual. Nestas
situações, deve-se solicitar cultura com meios seletivos para gonococo, micoplasma e ureaplasma; imunofluorescência direta e indireta para clamídia; VDRL e
HIV.

TRATAMENTO

O tratamento inclui:
● Boas medidas higiênicas com água abundan­­te e sabão neutro;

● Prevenir contato com irritantes;

● Evitar roupas sintéticas;

● Banhos de assento com antissépticos;

● Tratamento sistêmico de infecção urinária, se presente;

● Tratamento de parasitoses intestinais, se confirmada;

● Antibioticoterapia tópica, em caso de identificação do agente.

Cabe aqui a ressalva de que o uso rotineiro dos sabonetes para higiene íntima feminina não é preconizado, pois de acordo com evidências
científicas não há benefícios na sua utilização regular.

VAGINOSE CITOLÍTICA
DEFINIÇÃO

Corrimento vaginal caracterizado por aumento excessivo de lactobacilos, citólise importante e escassez de leucócitos.

FISIOPATOLOGIA

A vaginose citolítica tem sintomas semelhantes à CVV, relacionando-se mais frequentemente às condições que propiciam um maior desenvolvimento de
lactobacilos, a saber:

● Fase lútea;

● Gravidez;
● Diabetes mellitus.

O aumento excessivo da flora lactobacilar desencadeia um processo de citólise das células intermediárias do epitélio vaginal, com consequente liberação de
substâncias irritativas provocando o corrimento e a ardência vulvovaginal.

QUADRO CLÍNICO

● Prurido.

● Leucorreia.

● Disúria.

● Dispareunia.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

● pH vaginal entre 3,5 e 4,5.


● Microscopia com solução salina:

» Ausência de micro-organismos não pertencentes à microbiota vaginal normal;

» Raros leucócitos;

» Citólise (núcleos desnudos);

» Aumento significativo de lactobacilos.

TRATAMENTO

Consiste na alcalinização do meio vaginal (aumento do pH vaginal) com duchas vaginais com 30 a 60 g de bicarbonato de sódio diluído em um litro de água
morna. Deve-se usar de duas a três vezes por semana até a remissão do quadro clínico.

VAGINITE ATRÓFICA
DEFINIÇÃO

Vaginite que surge em consequência da deficiência de estrogênio.

Após a menopausa, seja ela natural ou cirúrgica (remoção dos ovários), os níveis circulantes de estrogênio (principalmente estradiol), são drasticamente
reduzidos. O epitélio vaginal e uretral são estrogênio-dependentes.

FATORES DE RISCO

Estão entre os fatores que aumentam o risco de desenvolver vaginite atrófica:


● Menopausa;

● Radioterapia;

● Quimioterapia;

● Ooforectomia;
● Pós-parto;

● Medicamentos: tamoxifeno, danazol, medroxiprogesterona, leuprolide, nafarelina.

QUADRO CLÍNICO

SINTOMAS

Estão presentes sintomas geniturinários.

Entre os genitais, destacam-se:

● Prurido vulvar intenso;

● Ardência;

● Dispareunia;

● Conteúdo vaginal amarelo-esverdeado.

Já entre os urinários incluem-se:

● Disúria;

● Hematúria;

● Frequência urinária aumentada;

● Infecção urinária;

● Incontinência urinária.

SINAIS

Estão presentes sinais genitais e uretrais.

Entre os genitais, destacam-se:

● Epitélio vaginal pálido, liso e brilhante;

● Perda de elasticidade e turgor da pele;


● Ressecamento dos grandes e pequenos lábios;

● Estenose de introito vaginal;

● Eritema vulvar;

● Petéquias no epitélio.

Já entre os uretrais incluem-se:

● Eversão da mucosa uretral;

● Pólipo uretral;

● Equimoses.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

● Candidíase vulvovaginal.
● Vaginose bacteriana.

● Tricomoníase.

● Reação de contato: perfumes, desodorantes, forros das roupas íntimas feitas com material sintético, sabonetes, espermicidas, lubrificantes.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

● pH vaginal > 5.

● Microscopia com solução salina:

» Ausência de parasitas;

» Grande quantidade de polimorfonucleares;

» Presença maciça de células basais e para-basais.


TRATAMENTO

Na maioria dos casos, há melhora com a reposição estrogênica local (estrogênio de uso tópico). No entanto, a quantidade e a duração necessárias para
eliminar os sintomas dependem muito do grau de atrofia vaginal e variam entre as pacientes.

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DIVERGÊNCIAS NA LITERATURA

A seguir, apresentaremos algumas das diver­gências encontradas sobre as vulvovaginites na literatura. Algumas delas já foram explo­radas nas provas de
residência médica. Por este motivo, nas provas de Ginecologia e Obstetrícia vale sempre a pena conferir as referências bibliográficas dos concursos.

VULVOVAGINITES OU COLPITES: QUAL É O TERMO CORRETO?

BEREK & NOVAK’S GYNECOLOGY (2020)

Este livro utiliza o termo infecções vaginais.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro emprega o termo vulvovaginites.

CDC, MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017) E GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM
EVIDÊNCIAS (2016)

Nestas referências, o termo empregado é de corri­mento vaginal.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

Não faz menção a nenhum dos termos. Dentro do capítulo Infecções Ginecológicas, apresenta como subitens a vaginose bacteriana e as vaginites
infecciosas, que englobam a candidíase vulvovaginal e a tricomoníase.

OBS.: entenda que os termos vulvovaginites, colpites e corrimentos são, na prática clínica, sinônimos.

VALOR DO pH NORMAL

BEREK & NOVAK’S GYNECOLOGY (2020)

Este livro informa que o pH normal da vagina é menor que 4,5.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro informa que o pH normal da vagina situa-se entre 3,8 e 4,5 e a 6ª edição (2017) não faz menção ao valor do pH vaginal normal.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

Este livro informa que o pH vaginal normal situa-se entre 4 e 4,5.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Este livro informa que o pH normal da vagina situa-se na faixa de 3,5 a 4,5 em mulheres na idade reprodutiva, não grávidas e que não estão em lactação. Já as
meninas pré-púberes e mulheres na pós-menopausa hipoestrogênicas apresentam o pH na faixa entre 5,0 e 7,0.

OBS.: as demais referências não entraram no âmbito da questão.

DIFERENÇA NAS CARACTERÍSTICAS DO CORRIMENTO VAGINAL DA VB

BEREK & NOVAK'S GYNECOLOGY (2020)

O corrimento vaginal é acinzentado e cobre levemente as paredes vaginais.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017) E GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Estas referências caracterizam o corrimento vaginal da VB como aderente às paredes vaginais e/ou ao colo, apesar de facilmente removível.

CDC E MANUAL SOGIMIG DE GINECO­LOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

Estas referências consideram o corrimento como fluido e não aderente.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

Esta fonte descreve como uma descarga vaginal não irritante, de odor desagradável, mas não descreve a coloração típica e nem a questão da aderência às
paredes vaginais.
OBS. 1: entenda, não é esta a característica isolada que vai definir o diagnóstico de vaginose.

OBS. 2: só apontamos essa polêmica para mostrar, mais uma vez, o quanto às referências bibliográficas divergem, mesmo em relação a pequenos detalhes.

DEFINIÇÃO DE CANDIDÍASE VULVOVAGINAL RECORRENTE

BEREK & NOVAK’S GYNECOLOGY (2020) E ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017) E CDC (2015)

Estas referências definem a candidíase recorrente como quatro ou mais episódios em um ano.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)


Este livro define a candidíase recorrente como mais de quatro episódios ao ano.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Este livro define a candidíase recorrente como a ocorrência de pelo menos quatro episódios documentados durante um ano.

OBS.: sugerimos que você memorize que a candidíase recorrente corresponde a ocorrência de quatro ou mais episódios em um ano, pois a maioria das fontes bibliográficas adota essa definição. Mas fique atento às referências dos concursos que você deverá se submeter.

VULVOVAGINITE POR TRICHOMONAS VAGINALIS: É SEMPRE SINTOMÁTICA?

BEREK & NOVAK'S GYNECOLOGY (2020)

Este livro informa que a vaginite por Trichomonas é frequentemente assintomática.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro informa que a maioria das pacientes não apresenta sintomas.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro informa que o Trichomonas vaginalis causa sintomas na maioria das mulheres, embora uma minoria possa ser assintomática.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Este livro informa que até 50% das pacientes acometidas por tricomoníase não apresentam qual­quer sintomatologia.

CDC

A vulvovaginite por Trichomonas nem sempre é sintomática. Muitas mulheres infectadas apresentam sintomas caracterizados por uma descarga vaginal
amarelo-esverdeada, difusa, de odor desagradável. No entanto, algumas têm sintomas mínimos ou são assintomáticas.

OBS.: infelizmente, não podemos orientá-lo quanto à informação que deverá ser memorizada. Fique atento às referências dos concursos que você irá se submeter!
CERVICITES E URETRITES
pontos principais

● Conhecer os agentes principais envolvidos nas cervicites e nas uretrites.

● Distinguir os métodos diagnósticos.

● Determinar as opções terapêuticas.

● Saber as complicações dos agentes envolvidos com as cervicites e as uretrites.

● Conhecer as principais divergências na literatura sobre o assunto. Sempre que existir algo divergente na literatura, você encontrará um símbolo para que
você fique de vivo! Todas as divergências serão listadas ao final do capítulo.

CERVICITES

DEFINIÇÃO

O colo é formado por dois tipos diferentes de células epiteliais: epitélio escamoso e epitélio glandular. A causa de inflamação cervical depende do tipo do
epitélio afetado.

A cervicite ou cervicite mucopurulenta ou endocervicite é a inflamação do epitélio colunar endocervical, ou seja, do epitélio glandular do colo
uterino.

AGENTES ETIOLÓGICOS

Os agentes etiológicos mais frequentes são Chlamydia trachomatis e a Neisseria gonorrhoeae. Eles infectam apenas o epitélio glandular e são
responsáveis pela endocervicite mucopurulenta.

A Neisseria gonorrhoeae é um diplococo Gram-negativo intracelular. Este agente apresenta tropismo pelo epitélio colunar e transicional do trato
geniturinário, além de ser capaz de infectar faringe, conjuntiva e articulações. Além de ser o agente das uretrites gonocócicas, é um dos patógenos primários da
doença inflamatória pélvica. Estudos epidemiológicos demonstram forte evidência de que a infecção pelo gonococo facilita a transmissão do HIV.

A Chlamydia trachomatis é um bacilo Gram-negativo intracelular obrigatório com tropismo pelas células epiteliais da conjuntiva, uretra, endocérvice e
tuba. Ela é o agente mais comum das uretrites não gonocócicas e é um dos patógenos primários da doença inflamatória pélvica. Há 17 sorotipos diferentes. Os
sorotipos D a K são responsáveis pelas infecções geniturinárias, e os L1, L2 e L3 são responsáveis pelo linfogranuloma venéreo.

Outros agentes envolvidos incluem o Mycoplasma hominis, Ureaplasma, urealiticum herpes-simplex vírus, bactérias da flora vaginal, Trichomonas
vaginalis.

FATORES DE RISCO

Os fatores associados à prevalência de cervicite são: mulheres sexualmente ativas com idade inferior a 25 anos, novas ou múltiplas parcerias sexuais, parcerias
com IST, história prévia ou presença de outra IST e uso irregular de preservativo.

QUADRO CLÍNICO

A infecção é assintomática em 70 a 80% dos casos. No entanto, a mulher portadora de cervicite poderá apresentar importantes complicações se não tratada.

Nos casos sintomáticos, as principais queixas são corrimento vaginal, sangramento intermenstrual ou pós-coito, dispareunia, disúria, polaciúria e dor pélvica
crônica.

Ao exame físico, podem estar presentes dor à mobilização do colo uterino, material mucopurulento no orifício externo do colo, edema cervical e sangramento
ao toque da espátula ou swab (friabilidade do colo uterino) – Figura 1. As pacientes podem apresentar, ainda, síndrome uretral e sangramento vaginal pós-
coito (sinusiorragia).
FIG. 1

ABORDAGEM ETIOLÓGICA

Onde haja instalações laboratoriais viáveis, pode-se fazer a distinção do agente etiológico e é admissível o tratamento específico (Fluxograma 1). Mas
convém lembrar que o custo para identificar os agentes envolvidos nas cervicites é alto. Por este motivo, o tratamento conjunto para gonococo e para clamídia
é mais conveniente e econômico.

FLUXOGRAMA 1 MANEJO DAS CERVICITES.

Algumas particularidades destas infecções serão apresentadas a seguir.

CERVICITE POR GONOCOCO

Na mulher, diferentemente do homem, a coloração pelo método de Gram tem uma sensibilidade de apenas 30%, motivo pelo qual não é indicada. A cervicite
gonocócica pode ser diagnosticada pela cultura do gonococo em meio seletivo (Thayer-Martin modificado), a partir de amostras endocervicais.

O diagnóstico laboratorial da cervicite causada por C. trachomatis e N. gonorrhoeae pode ser realizado por um método de biologia molecular (NAAT).
A captura híbrida é outro método de biologia molecular. Embora seja menos sensível que os NAAT, avalia qualitativamente a presença do patógeno. Se o
resultado mostrar infecção por algum desses patógenos, o tratamento apropriado deve ser instituído, referindo-se às parcerias sexuais para avaliação e
tratamento. A imunofluorescência direta tem leitura subjetiva, exige microscópio e profissionais bem treinados, sendo que a sensibilidade está aquém do
esperado.

Na ausência de laboratório, a principal estratégia de manejo das cervicites por clamídia e gonococo é o tratamento das parcerias sexuais de homens portadores
de uretrite.

Quanto à oftalmia neonatal gonocócica, o uso do esfregaço corado de exsudato conjuntival pelo método de Gram é altamente sensível e específico.

Estando disponível apenas o diagnóstico clínico, toda criança com oftalmia neonatal deve receber tratamento para gonococo (principalmente) e clamídia. A
conjuntivite pode ser também um marcador de uma infecção neonatal generalizada. Deve ser excluída infecção sistêmica, instituindo-se medidas para
prevenção de infecção hospitalar. A mãe e a parceria sexual devem ser tratadas para gonorreia e infecção por clamídia, submetidas a exame genital e testadas
para sífilis, HIV e HBV.

CERVICITE POR CLAMÍDIA

O diagnóstico definitivo da cervicite causada por Chlamydia trachomatis é realizado pela cultura em células de McCoy (pouco acessível na prática e muito
complexa sua realização) e pela imunofluorescência direta de material coletado do colo uterino (a leitura do resultado é subjetiva e a confiabilidade depende
do técnico, com sensibilidade e especificidade semelhante ao ELISA).

Os testes de triagem de clamídia mais sensíveis para populações de baixo risco são aqueles que se baseiam em DNA de amostra urinária. O PCR e o ELISA de
material endocervical têm 88,6% e 65% de sensibilidade, enquanto em amostra urinária atingem 96,5% e 38% de sensibilidade, respectivamente.

A captura híbrida pode ser utilizada para diagnóstico de clamídia, porém só está disponível em alguns laboratórios de referência para pesquisa.

A triagem da infecção por clamídia, independentemente dos sintomas, para grupos e/ou situações clínicas específicas, é outra estratégia a ser buscada, a
depender de recursos financeiros, materiais e pessoais. Entre estes grupos, devem-se priorizar as gestantes (pelo risco de complicações) e as adolescentes (para
prevenir a infertilidade futura, no grupo com maior prevalência).

Embora o Ministério da Saúde oriente em adolescentes e jovens (≤ 30 anos) para se checar a frequência conforme os subgrupos populacionais ou práticas
sexuais, o Center of Disease Control and Prevention (CDC) recomenda o rastreamento anual em pacientes sexualmente ativas com menos de 25 anos,
maiores de 25 anos com fatores de risco (vários parceiros, exposição a outras IST, história prévia de DIP, idade precoce da primeira relação sexual ou troca
recente de parceiro) ou gestantes.

Quanto à oftalmia neonatal, a utilização do corante Giemsa em células epiteliais da conjuntiva pode permitir o reconhecimento de inclusões
intracitoplasmáticas de C. trachomatis; porém, essa técnica é de difícil aplicação na atenção básica. Outra opção diagnóstica é a Imunofluorescência Direta
(IFD), exame útil para a elucidação diagnóstica de C. trachomatis no RN. Em alguns serviços de saúde, é o exame disponível para testagem em larga escala.

MACETE

 Lembre-se da nossa regrinha mnemônica: CLAMIDIA


C  CERVICITE

L  LINFOGRANULOMA/CEPAL

A  ADENITE

M  que drena MÚLTIPLOS ORIFÍCIOS

I  IMUNOFLUORESCÊNCIA

DI  DOXICICLINA

A  AZITROMICINA

ABORDAGEM SINDRÔMICA

O fluxograma de conduta para as cervicites do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente
Transmissíveis (Ministério da Saúde) foi apresentado no capítulo sobre as Vulvovaginites.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

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O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) propõe os
seguintes tratamentos de escolha para a infecção por gonococo e clamídia (Tabela 1).
TAB. 1 TRATAMENTO DE ACORDO COM O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

CONDIÇÃO CLÍNICA TRATAMENTO DE ESCOLHA


● Ceftriaxona 500 mg, IM, dose única.
Infecção gonocócica não complicada (uretra, colo do útero, reto e
+
faringe)
● Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única.
● Ceftria­xona 1 g, IM ou IV/dia, completan­do ao menos 7 dias de
tratamento.
Infecção gonocócica disseminada
+
● Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única.
Conjuntivite gonocócica no adulto Ceftriaxona 1 g, IM, dose única.
● Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única.
Infecção por clamídia ou
● Doxiciclina 100 mg, VO, 2×/dia, 7 dias (exceto gestantes).

Já o CDC (Tabelas 2 e 3) preconiza:

TAB. 2 TRATAMENTO RECOMENDADO PARA CERVICITE, URETRITE E INFECÇÃO RETAL POR GONOCOCO SEGUNDO CDC.

Regime recomendado:
● Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única.
Regime alternativo:
● Cefixime 400 mg, VO, dose única.
Obs. 1: o tratamento para clamídia deve ser considerado se a possibilidade de infecção por este agente não for excluída.
Obs. 2: o CDC não considera ciprofloxacino como opção terapêutica; apenas o MS.

TAB. 3 TRATAMENTO RECOMENDADO PARA CERVICITE POR CLAMÍDIA SEGUNDO CDC.

Regimes recomendados:
● Azitromicina 1 g, VO, dose única; 
ou
● Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, por 7 dias.
Regimes alternativos:
● Base de eritromicina 500 mg, 4×/dia, por 7 dias; 

ou
● Etilsuccinato de eritromicina 800 mg, VO, 4×/dia, por 7 dias; 

ou
● Levofloxacina 500 mg, VO, dose única, por 7 dias; 

ou
● Ofloxacina 300 mg, VO, 2×/dia, por 7 dias.
Obs.: o tratamento para gonococo deve ser considerado se a prevalência da gonorreia é alta na população avaliada.

TRATAMENTO DAS GESTANTES COM CERVICITE

A infecção gonocócica na gestante poderá estar associada a um maior risco de prematuridade, rotura prematura de membranas, perdas fetais, crescimento
intrauterino restrito e febre puerperal. No recém-nascido, a principal manifestação clínica é a conjuntivite, podendo haver septicemia, artrite, abscessos de
couro cabeludo, pneumonia, meningite, endocardite e estomatite.

A infecção por clamídia durante a gravidez poderá estar relacionada a partos prematuros, amniorrexe prematura, endometrite puerperal, além de conjuntivite e
pneumonias do recém-nascido. O recém-nascido de mãe com infecção da cérvice por clamídia corre alto risco de adquirir a infecção durante a passagem pelo
canal de parto.

Deve-se lembrar que as quinolonas, o estolado de eritromicina e doxiciclina são contraindicados na gravidez.

O tratamento da gonorreia na gestação deve utilizar alguma cefalosporina, e em casos de alergia, recomenda-se a dessensibilização da paciente. A escolha
deve recair sobre uma das opções contidas na Tabela 4.
TAB. 4 TRATAMENTO DA CERVICITE NA GRAVIDEZ SEGUNDO O CDC.

CLAMÍDIA
Regimes recomendados:
● Azitromicina 1 g em dose única.
Regimes alternativos:
● Amoxicilina 500 mg, 8/8h, por 7 dias; 

ou
● Base de eritromicina 500 mg, 6/6h, por 7 dias; 

ou
● Base de eritromicina 250 mg, 6/6h, por 14 dias; 
ou
● Etilsuccinato de eritromicina 800 mg, VO, 6/6h, por 7 dias;

ou
● Etilsuccinato de eritromicina 400 mg, VO, 6/6h, por 14 dias.
GONORREIA
● Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única.

ou
● Espectinomicina 2 g, IM, dose única (alergia à cefalosporina).

A oftalmia neonatal, definida como conjuntivite purulenta do RN, ocorre no primeiro mês de vida e pode levar à cegueira, especialmente quando causada pela
N. gonohrroeae. Por isso, a infecção deve ser tratada imediatamente, para prevenir dano ocular. Geralmente, o RN é levado ao serviço de saúde por causa
de eritema e edema de pálpebras e conjuntiva e/ou presença de material mucopurulento nos olhos.

A conjuntivite por clamídia é bem menos grave e seu período de incubação varia de cinco a 14 dias. A frequência relativa da infecção pelos dois agentes
etiológicos depende da prevalência dessas IST em gestantes e do uso da profilaxia ocular na primeira hora após o nascimento (Tabela 5), a qual é efetiva
contra N. gonor- rhoeae, mas frequentemente não o é contra C. trachomatis. Na ocasião do parto vaginal, o risco de transmissão vertical situa-se entre 30
e 50%, tanto para N. gonorrhoeae como para C. trachomatis.

TAB. 5 PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE OFTALMIA NEONATAL.

CONDIÇÃO CLÍNICA TRATAMENTO


● Nitrato de prata a 1% (método de Credé), aplicação única, na 1ª hora após o
nascimento.
Prevenção da oftalmia neonatal
ou
● Tetraciclina a 1% (colírio), aplicação única, na 1ª hora após o nascimento.
Tratamento da oftalmia neonatal ● Ceftriaxona 25-50 mg/kg/dia, IM, no máximo 125 mg, em dose única.
Recomendações gerais para o manejo da oftalmia neonatal:
● Instilação local de solução fisiológica, de hora em hora;

● Não se indica a instilação local de penicilina;

● Nos casos de resposta terapêutica não satisfatória, considerar a hipótese de infecção simultânea por clamídia.
Fonte: DCCI/SVS/MS.

COMPLICAÇÕES

Uma cervicite prolongada, sem o tratamento adequado, pode se estender ao endométrio e às tubas, causando Doença Inflamatória Pélvica (DIP) e suas
complicações (peri-hepatite, abscesso pélvico, dor pélvica crônica, gravidez ectópica e infertilidade).

URETRITES

DEFINIÇÃO

Uretrite significa simplesmente inflamação da uretra. Elas se caracterizam por inflamação e corrimento uretral.

Os agentes microbianos das uretrites podem ser transmitidos por relação sexual vaginal, anal e oral. O corrimento uretral costuma ter aspecto que
varia de mucoide a purulento, com volume variável, estando associado a dor uretral (independentemente da micção), disúria, estrangúria
(micção lenta e dolorosa), prurido uretral e eritema de meato uretral.
As uretrites são muito mais comuns no sexo masculino. Podemos dizer, em termos de importância, que as uretrites no homem são equivalentes
as cervicites na mulher.

As mulheres portadoras de uretrite são raramente sintomáticas. O risco de transmissão é maior do homem para mulher do que no sentido
contrário. Após uma relação sexual com parceiro infectado, sem o uso de proteção, as taxas de transmissão para a mulher situam-se entre 20 e 50%,
dependendo do agente etiológico envolvido.

AGENTES ETIOLÓGICOS

Os agentes etiológicos mais frequentes das uretrites são a Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis. Outros agentes, como Trichomonas
vaginalis, Ureaplasma urealyticum, enterobactérias (nas relações anais insertivas), Mycoplasma genitalium, vírus do herpes simples (HSV, do inglês
Herpes-Simplex Virus), adenovírus e Candida sp. são menos frequentes. Causas traumáticas (produtos e objetos utilizados na prática sexual) devem ser
consideradas no diagnóstico diferencial das uretrites.

FATORES DE RISCO

Entre os fatores associados às uretrites, foram encontrados: idade jovem, baixo nível socioeconômico, múltiplas parcerias ou nova parceria sexual, histórico de
IST e uso irregular de preservativos.

ASPECTOS ESPECÍFICOS DO CORRIMENTO URETRAL

Nos casos de uretrites, é interessante a distinção das uretrites gonocócicas das não gonocócicas, pois elas podem apresentar quadros clínicos e complicações
distintas.

URETRITE GONOCÓCICA

A infecção gonocócica é também chamada de blenorragia, blenorreia ou gonorreia. É um processo infeccioso e inflamatório da mucosa uretral causado pela
Neisseria gonorrhoeae (diplococo Gram-negativo intracelular). O risco de transmissão de um parceiro infectado a outro é de, em média, 50% por ato
sexual. Os sinais e sintomas são determinados pelos locais primários de infecção: as membranas mucosas da uretra (uretrite), endocérvice (cervicite), reto
(proctite), faringe (faringite) e conjuntiva (conjuntivite).

A infecção uretral no homem é assintomática em menos de 10% dos casos. Nos casos sintomáticos, há presença de corrimento em mais de 80% e de disúria
em mais de 50%. O período de incubação costuma ser de dois a cinco dias após a infecção. Nas mulheres, a uretrite gonocócica é frequentemente
assintomática.

O corrimento mucopurulento ou purulento é frequente (Figura 2). Raramente há queixa de sensibilidade aumentada no epidídimo e queixas compatíveis com
balanite (dor, edema, prurido, hiperemia da região prepucial, descamação da mucosa e, em alguns casos, material purulento e de odor desagradável no
prepúcio). As complicações no homem ocorrem por infecção ascendente a partir da uretra, podendo ocasionar orquiepididimite, prostatite e estenose de uretra.

FIG. 2

Entre as mulheres, muitas vezes não ocorrem sintomas até o apareci­mento de complicações como a Doença Inflamatória Pélvica (DIP).

URETRITE NÃO GONOCÓCICA


É a uretrite sintomática cuja bacterioscopia pela coloração de Gram, cultura e detecção de material genético por biologia molecular são negativas para o
gonococo. Vários agentes têm sido responsabilizados por essas infecções, como Chlamydia trachomatis, Mycoplasma genitalium, Ureaplasma
urealyticum, Mycoplasma hominis, Trichomonas vaginalis, entre outros.

A infecção por clamídia no homem é responsável por aproximadamente 50% dos casos de uretrite não gonocócica. A transmissão ocorre pelo contato sexual
(risco de 20% por ato), sendo o período de incubação, no homem, de 14 a 21 dias. Estima-se que dois terços das parceiras estáveis de homens com uretrite não
gonocócica hospedem a C. trachomatis na endocérvice. Elas podem reinfectar sua(s) parceria(s) sexual(ais) e desenvolver quadro de DIP se permanecerem
sem tratamento.

A uretrite não gonocócica caracteriza-se, habitualmente, pela presença de corrimentos mucoides, discretos, com disúria leve e intermitente. A uretrite
subaguda é a forma de apresentação em aproximadamente 50% dos pacientes com uretrite causada por C. trachomatis. Entretanto, em alguns casos, os
corrimentos das uretrites não gonocócicas podem simular, clinicamente, os da gonorreia. As uretrites causadas por C. trachomatis podem evoluir para
prostatite, epididimite, balanite, conjuntivite (por autoinoculação) e síndrome uretro-conjuntivo-sinovial ou síndrome de Fiessinger-Leroy-Reiter.

A uretrite masculina por clamídia geralmente tem apresentação mais branda e período de incubação mais longo. Além disso, está associada ao
desenvolvimento da chamada síndrome de Reiter, que consiste em uretrite, artrite e conjuntivite.
Já a infecção pelo gonococo associa-se a sintomas mais intensos e múltiplas complicações sistêmicas.

URETRITES PERSISTENTES

Os pacientes com diagnóstico de uretrite devem retornar ao serviço de saúde entre sete e dez dias após o término do tratamento.

Os sintomas persistentes ou recorrentes de uretrite podem resultar dos fatores descritos a seguir:

● Reexposição à parceria sexual não tratada;

● Infecção adquirida de outra parceria sexual;

● Medicamentos não tomados corretamente/não completados;

● Infecção por outros patógenos;

● Presença de organismos resistentes;


● Outras causas (por exemplo, infecção do trato urinário, prostatite, fimose, irritação química, estenoses uretrais, tumores).

Nesses casos, deve-se realizar a avaliação, principalmente, por meio da história clínica, considerando a possibilidade de reinfecção ou o tratamento inadequado
para clamídia e gonorreia. Descartadas tais situações, devem-se pesquisar agentes não suscetíveis ao tratamento anterior (ex.: Mycoplasma genitalium,
Trichomonas vaginalis e Ureaplasma urealyticum).

Outras causas não infecciosas de uretrites, como trauma (ordenha continuada), instrumentalização e inserção de corpos estranhos intrauretrais ou parauretrais
(piercings) e irritação química (uso de certos produtos lubrificantes e espermicidas) devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de uretrites
persistentes.

O M. genitalium não apresenta parede celular, portanto, antibióticos como os betalactâmicos (incluindo penicilinas e cefalosporinas) não são eficazes. A
introdução da azitromicina, usada como terapia de dose única para infecções por clamídia, resultou na depuração do M. genitalium do trato urogenital,
ocorrendo eliminação do patógeno sem o desenvolvimento de doença. Com o passar dos anos, o desenvolvimento de resistência aos macrolídeos começou a
ser identificado em algumas populações.

O insucesso do tratamento com azitromicina foi notificado pela primeira vez na Austrália e subsequentemente documentado em vários continentes. Relatórios
recentes indicam uma tendência ascendente na prevalência de infecções por M. genitalium resistentes aos macrolídeos (resistência transmitida); casos de
resistência induzida após terapia com azitromicina também foram documentados. Não há evidências de que um regime estendido com azitromicina (1,5 g) seja
superior ao regime de 1 g em dose única.

A moxifloxacina permanece altamente ativa contra a maioria dos M. genitalium resistentes a macrolídeos. No entanto, os primeiros casos clínicos de falha
do tratamento com moxifloxacina foram publicados recentemente.

Tratamentos contínuos e inapropriados provavelmente levarão a infecções intratáveis no futuro. Portanto, o M. genitalium é um problema emergente,
necessitando de uma vigilância frequente e estudos com novas opções de diagnóstico e tratamento. A moxifloxacina não está disponível no SUS para uso nas
infecções por Mycoplasma genitalium.

INFECÇÃO EXTRAGENITAL POR CLAMÍDIA E GONOCOCO

A infecção retal é geralmente assintomática, mas pode causar proctite (12%) ou desconforto perianal ou anal (7%), sendo mais frequentes em Homens que
fazem Sexo com Homens (HSH).
A infecção de faringe, tanto em homens como em mulheres, é habitualmente assintomática em mais de 90% dos casos. O diagnóstico se faz a partir do
histórico sexual e da prática sexual (sexo oral, boca-ânus), sendo estabelecido por meio das indicações de rastreamento.

A conjuntivite gonocócica é mais comum em recém-nascidos de mães infectadas e em adultos. Ela pode ocorrer por autoinoculação e fômites,
evoluindo com secreção purulenta e edema periorbital. Se não tratada, pode levar a complicações como ulceração de córnea, perfuração e cegueira.

A infecção gonocócica disseminada é rara, entre 0,5 e 3%. Ela resulta da disseminação hematológica a partir das membranas mucosas infectadas e
causa febre, lesões cutâneas, artralgia, artrite e tenossinovite sépticas. Raramente, pode também causar endocardite aguda, pericardite, meningite e peri-
hepatite. Acomete mais as mulheres, sendo associada à infecção assintomática persistente, e o maior risco é durante o período menstrual, gravidez e pós-parto
imediato.

MÉTODOS DIAGNÓSTICOS PARA URETRITES

A escolha do método diagnóstico dependerá da presença de sinais e sintomas. A seguir, separam-se os casos entre assintomáticos e sintomáticos.

MÉTODOS DIAGNÓSTICOS PARA URETRITES ASSINTOMÁTICAS

Após identificação de risco de IST (por meio da anamnese, incluindo história sexual) e exclusão de sinais e sintomas clínicos, é necessário realizar o
rastreamento dos assintomáticos (Tabela 6).

TAB. 6 RASTREAMENTO DE IST – CLAMÍDIA E GONOCOCO.

QUEM QUANDO
 CLAMÍDIA E GONOCOCO
Gestantes Na primeira consulta do pré-na­tal.
Adolescen­tes e jovens (≤ 30 anos)
Homoafeti­vos e HSH
Ver frequên­cia conforme outros subgrupos popula­cionais ou práticas
Trabalha­­dores(as) do sexo
sexuais.
Travestis/tran­sexuais
Pessoas que usam álcool e outras drogas

Pessoas com diagnós­tico de IST


No momento do diagnós­tico.
PVHIV

Pessoas com diagnós­tico de hepatites virais


Pessoas com diagnós­tico de tuber­culose –
Pessoas priva­das de liberdade

Pessoas com prática sexual anal receptiva (passiva)


Semestral.
sem uso de preserva­tivos
Violência sexual No atendimen­to inicial e 4 a 6 semanas após exposição.
Pessoas em uso de PrEP Semestral.
Pessoas com indicação de PEP No atendimen­to inicial e 4 a 6 semanas após exposição, exceto nos casos de
acidente com material biológico.
Clamídia e gonococo: detecção de clamídia e gonococo por biologia molecular. Pesquisa de acordo com a prática sexual: urina
(uretral), amostras endocer­vicais, secreção genital. Para amostras extrage­nitais (anais e faríngeas), utilizar testes com validação para
tais sítios de coleta.

Para os casos assintomáticos, o método diagnóstico de escolha é a detecção de clamídia e gonococo por biologia molecular.

MÉTODOS DIAGNÓSTICOS PARA URETRITES SINTOMÁTICAS

Após identificação dos sinais e sintomas clínicos de uretrite, devem-se executar os testes diagnósticos apropriados. Devido às taxas de resistência, é
fundamental priorizar testes que identifiquem o agente infeccioso, principalmente em casos de reinfecção. Segue a descrição dos métodos diagnósticos
incorporados ao SUS:
● Detecção de clamídia e gonococo por biologia molecular: consiste em um método com elevada sensibilidade e especificidade. 

Além de definir o agente etiológico para os casos de infecções sintomáticas, consiste no método de escolha para o rastreio de infecções assintomáticas;
● Bacterioscopia com Gram: a coloração de Gram (Fluxograma 2) é um método rápido. A infecção gonocócica é estabelecida pela presença de
diplo­cocos Gram-negativos intracelulares em leucócitos poli­morfonucleares.
Ela possui bom desempenho para o diagnóstico de gonorreia em homens sintomáticos com corri­mento uretral.
Em mulheres, no entanto, o esfregaço de secreções cervicais detecta apenas 40 a 60% das infecções. Isso ocorre porque a flora vaginal é densa e a
identificação dos diplococos Gram-negativos pode ficar comprometida. Outra razão para essa baixa sensibilidade pode ser o número reduzido de gonococos
nos esfregaços de amostras da endocérvice ou falha técnica na coleta.
O diagnóstico de pessoas assintomáticas por microscopia não é recomendado;

FLUXOGRAMA 2 MANEJO DAS URETRITES.

● Cultura de amostras de corrimento uretral em meio seletivo de Thayer-Martin ou similar: é útil na identificação de Neisseria
gonorrhoeae, quando causador da infecção. As colônias Gram-negativas, oxidase e catalase positivas devem ser submetidas a provas bioquímicas
(manuais ou automatizadas) para confirmação da espécie Neisseria gonorrhoeae, pois o meio seletivo permite o crescimento de demais espécies do
gênero Neisseria;

● Teste positivo de esterase leucocitária na urina de primeiro jato, ou exame microscópico de sedimento urinário de primeiro jato:
quando apresentam > 10 PMN por campo, sugere presença de infecção, mas não define o agente infeccioso. Portanto, poderá ser utilizado na ausência dos
outros métodos.
Além da identificação do patógeno, quando possível, é importante investigar o perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos para cepas isoladas e
identificadas como Neisseria gonorrhoeae, para fins de vigilância da resistência desse patógeno.

O Fluxograma 2 apresenta o manejo


das uretrites.

FLUXOGRAMA PARA O MANEJO DE CORRIMENTO URETRAL

O Fluxograma 3 sumariza o manejo do corrimento uretral, com suporte mínimo de laboratório.


FLUXOGRAMA 3 MANEJO DE CORRIMENTO URETRAL.

TRATAMENTO DAS URETRITES

O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) propõe os
seguintes tratamentos de escolha para as uretrites por gonococo e clamídia (Tabela 7):
TAB. 7 TRATAMENTO DE ACORDO COM O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Se o paciente apresenta alergia grave às cefalosporinas, indicar azitromicina 500 mg, 4 comprimidos, VO, dose única (dose total: 2
g).

Os pacientes e a(s) parceria(s) devem se abster de relações sexuais desprotegidas até que o tratamento de ambos esteja
completo (ou seja, após o término do tratamento com múltiplas doses ou por sete dias após a terapia com dose única).

Fonte: DIAHV/SVS/MS.

Já o CDC preconiza:

TAB. 8 TRATAMENTO RECOMENDADO PARA CERVICITE, URETRITE E INFECÇÃO RETAL POR GONOCOCO SEGUNDO CDC

Regimes recomendados:
● Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única.
Regimes alternativos:
● Cefixime 400 mg, VO, dose única.
Obs. 1: o tratamento para clamídia deve ser considerado se a possibilidade de infecção por este agente não for excluída.
Obs. 2: o CDC não considera ciprofloxacino como opção terapêutica; apenas o MS.
TAB. 9 TRATAMENTO RECOMENDADO PARA CERVICITE POR CLAMÍDIA SEGUNDO CDC.

Regimes recomendados:
● Azitromicina 1 g, VO, dose única; 

ou
● Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, por 7 dias.
Regimes alternativos:
● Base de eritromicina 500 mg, 4×/dia, por 7 dias;

ou
● Etilsuccinato de eritromicina 800 mg, VO, 4×/dia, por 7 dias;

ou
● Levofloxacina 500 mg, VO, dose única, por 7 dias;

ou
● Ofloxacina 300 mg, VO, 2×/dia, por 7 dias.
Obs. 1: o tratamento para gonococo deve ser considerado se a prevalência da gonorreia é alta na população avaliada.

DIVERGÊNCIAS NA LITERATURA

A seguir, apresentaremos algumas das divergências encontradas sobre as cervicites na literatura. Algumas delas já foram exploradas nas provas de residência
médica. Por este motivo, nas provas de Ginecologia e Obstetrícia vale sempre a pena conferir as referências bibliográficas dos concursos.

ABSTINÊNCIA SEXUAL DURANTE O TRATAMENTO DAS CERVICITES E URETRITES: QUAL É O PERÍODO CORRETO?

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro recomenda a suspensão da atividade sexual até a conclusão do tratamento e o desaparecimento dos sintomas.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro recomenda a abstinência sexual por até sete dias depois de iniciada a terapia, até a resolução dos sintomas e até o tratamento adequado do
parceiro.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)


Este livro recomenda a abstinência sexual até o término do tratamento do parceiro sexual (até sete dias após o término do tratamento com dose única, ou após
o término do tratamento com duração de sete dias).

CDC (2015)

Esta referência preconiza a abstinência sexual até que a terapia seja completada e até que a paciente e seu parceiro não apresentem mais sintomas. E ainda
completa: a abstinência sexual deve ser mantida até o término do tratamento, mais especificamente, por até sete dias após o regime de dose única ou após o
término do regime de tratamento de sete dias.

OBS. 1: infelizmente, não podemos orientá-lo quanto à informação que deverá ser memorizada, principalmente porque o Manual do Ministério da Saúde não se pronunciou quanto a esta questão. Fique atento às referências dos concursos que você deverá se submeter.

OBS. 2: é plausível recomendar a abstinência sexual até que a terapia seja completada e que a paciente e seu parceiro não apresentem mais sintomas.
DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA
INFECÇÃO GINECOLÓGICA DO TRATO GENITAL SUPERIOR

A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é um tema muito abordado nas provas de residência médica. A literatura revela alguns aspectos
controversos que serão assinalados ao longo deste capítulo. Fique atento às referências bibliográficas dos concursos. Memorize todos
os detalhes porque eles fazem a diferença na aprovação final.

pontos principais

● Conhecer o limite anatômico do trato genital superior.

● Saber definir o que é a doença inflamatória pélvica e conhecer as divergências na literatura sobre seu conceito.

● Saber os critérios diagnósticos e como pode ser conduzida sua investigação.

● Conhecer os principais diagnósticos diferenciais da DIP.


● Conhecer o estadiamento da DIP.

● Saber tratar a DIP.

● Conhecer as principais divergências na literatura sobre o assunto. Sempre que existir algo divergente na literatura, você encontrará um símbolo para que
você fique de vivo! Todas as divergências serão listadas ao final do capítulo.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Antes de aprofundarmos o estudo da Doença Inflamatória Pélvica (DIP), é preciso sedimentar alguns conceitos que são importantes para o seu completo
entendimento.

O limite anatômico do trato genital feminino superior é o Orifício Interno (OI) do colo uterino.

Em outras palavras, este orifício separa o trato genital feminino superior do inferior (Figura 1).
FIG. 1

Então, para configurar um quadro de DIP, as bactérias têm que ascender pelo OI.

DEFINIÇÃO

A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é um conjunto de sinais e sintomas secundário à ascensão e à disseminação, no trato genital feminino superior, de
micro-organismos provenientes da vagina e/ou da endocérvice. Estes micro-organismos podem acometer o útero, tubas de Falópio, ovários, superfície
peritoneal e/ou estruturas contíguas (fígado) – Figura 1.

Resumidamente, a DIP é uma afecção que com­preende vários espectros inflamatórios e infecciosos do trato genital superior feminino, que incluem quaisquer
combinações de endometrite, salpingite, abscesso(s) tubo-ovariano(s) e peritonite pélvica. Ela constitui a complicação mais comum e grave das infecções
sexualmente transmissíveis.

Mas cuidado! Nem sempre ela é uma "IST complicada”. Menos comumente, está associada à manipulação do trato genital feminino (inserção de dispositivo
intrauterino, biópsia de endométrio, curetagem uterina, histerossalpingografia), gestação ou outros processos primários abdominais.

A DEFINIÇÃO DE DIP INCLUI CICLO GRAVÍDICO-PUERPERAL OU


MANIPULAÇÃO DO TRATO GENITAL FEMININO?

Em princípio, sim, pois MS e CDC incluem ambos os fatores na definição de DIP. No entanto, em duas referências – “Rotinas em Ginecologia" e "Ginecologia
Ambulatorial Baseada em Evidências" – encontramos a seguinte "pérola": "a DIP é uma síndrome clínica secundária à ascensão de micro-organismos da
vagina e/ou endocérvice ao trato genital feminino superior, que não está relacionada com o ciclo gravídico-puerperal ou com cirurgias nos órgãos
pélvicos".

Lembre-se sempre: "o edital é amigo do candidato". Cheque se essas referências estão no edital da instituição
de sua escolha e fique atento.

EPIDEMIOLOGIA

A DIP constitui uma das mais importantes complicações das IST e um sério problema de saúde pública. É comum em mulheres jovens com atividade sexual
desprotegida, sendo mais prevalente entre os 15 e 25 anos. Cerca de 70% das pacientes acometidas apresentam idade inferior a 25 anos. As adolescentes
possuem risco três vezes maior de desenvolver DIP do que as pacientes acima de 25 anos.

A investigação epidemiológica da DIP é prejudicada por alguns fatores, a saber:

● Depende da realização de testes laboratoriais e de imagem que sejam simples, baratos e eficazes para um diagnóstico de certeza;
● Os critérios clínicos dificultam a definição dos casos de DIP, pois não existem sinais e sintomas patognomônicos da doença;

● Os sistemas de notificação e de informação são precários em nosso país.

A mortalidade, após o uso adequado dos antibióticos, reduziu-se praticamente a zero nos países desenvolvidos. No entanto, sua morbidade é alta. A DIP está
associada a sequelas importantes em longo prazo, que causam morbidades reprodutivas que incluem:
● Infertilidade por fator tubário em 12,5 a 50% das pacientes, aumentando com o número de episódios;

● Aumento da incidência de gravidez ectópica: mulheres que já tiveram um episódio de DIP tem chance de 12 a 15% de ter gravidez ectópica no futuro;

● Dispareunia e dor pélvica crônica em 18% das pacientes acometidas.

AGENTES ETIOLÓGICOS

Entre os micro-organismos sexualmente transmissíveis, merecem destaque C. trachomatis e N. gonorrhoeae, os dois únicos patógenos
primários da DIP relatados na literatura. A despeito do evento inicial, a microbiologia da DIP é polimicrobiana. Neste contexto, bactérias
facultativas anaeróbias (ex.: G. vaginalis, H. influenzae, S. agalactiae, entre outros), que compõem a flora vaginal, também tem sido associadas à DIP.
Além disso, CMV, M. genitalium, M. homini s e U. urealyticum podem ser associados com alguns casos de DIP. Todas as mulheres que tem DIP aguda
devem ser rastreadas para N. gonorrhoeae e C. trachomatis e testadas para HIV, sífilis e hepatites virais.

A DIP é um processo agudo, à exceção dos casos provocados por micro-organismos causadores da tuberculose e actinomicose. A DIP tuberculosa é uma
infecção de caráter insidioso que ocorre como consequência da disseminação hematogênica do bacilo de Koch. Portanto, a DIP causada por esse agente
etiológico não é sexualmente transmissível. Ela deve ser suspeitada naquelas pacientes que não apresentam melhora clínica após a terapêutica convencional
para a DIP. A DIP por Actinomyces incide em usuárias de Dispositivo Intrauterino (DIU). Mas, em cerca de 90% dos casos, a DIP é originária de agentes
sexualmente transmissíveis.

AGENTES ETIOLÓGICOS DA DIP

Os agentes mais comuns da DIP são a Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis!!! Esses são os dois únicos patógenos primários da DIP
reconhecidos formalmente, embora a flora associada à DIP posteriormente seja polimicrobiana.

ATENÇÃO

DIP TUBERCULOSA

Para configurar a DIP, os micro-organismos teriam que ascender pelo orifício interno do colo uterino. Então, a DIP tuberculosa não é uma DIP verdadeira?

Infecções secundárias por outras infecções (ex.: tuberculose) produzem um quadro clínico semelhante à DIP clássica, a qual ocorre por ascensão e
disseminação de micro-organismos provenientes da vagina ou do colo uterino ao trato feminino superior (lembrando que o limite é o orifício interno do colo
uterino). Por esta razão, são referenciadas por alguns autores como DIP. Contudo, as diferenças etiológicas entre os processos infecciosos deverão ser
levadas em consideração, pois tem implicações relevantes no tratamento e prevenção.

Vale ainda lembrar alguns aspectos:

1. A salpingite tuberculosa, afecção rara, não é uma infecção sexualmente transmissível e ocorre como consequência da disseminação hematogênica do
bacilo de Koch;

2. Em 80% dos casos, a bactéria provém de focos pulmonares;

3. A DIP tuberculosa é uma infecção de caráter insidioso e não deve ser esquecida, principalmente naquelas pacientes que não apresentam melhora clínica
após a terapêutica convencional para a DIP.

FATORES DE RISCO

A identificação dos fatores de risco para DIP pode ajudar na prevenção e no manejo terapêutico das pacientes. Mas é importante que você saiba que o
diagnóstico não pode jamais se fundamentar no conhecimento desses fatores, pois frequentemente a associação não é fidedigna.

DICA

Para memorizar os principais fatores de risco envolvidos na DIP, basta pensar em todas as condições e situações que facilitem a aquisição de uma IST.

Atividade Sexual na Adolescência

Devido a fatores biológicos e comportamentais próprios dessa fase, as adolescentes com atividade sexual apresentam risco três vezes maior de desenvolver
DIP aguda do que mulheres acima de 25 anos.

Início Precoce da Atividade Sexual

Pelos mesmos motivos descritos no item anterior.

Estado Civil

Mais comum em mulheres solteiras, sem relacionamentos estáveis. Estas, geralmente, apresentam mais de um parceiro sexual.
Condições Socioeconômicas Desfavoráveis (baixa escolaridade, desemprego e baixa renda familiar)

As mulheres que pertencem a classes mais desfavorecidas são mais acometidas pela DIP. É exatamente neste segmento da população que a DIP é mais
prevalente. Provavelmente, isto ocorre pela maior promiscuidade sexual. Porém, é importante que você saiba que atualmente a incidência da DIP aumentou
nas classes mais favorecidas. Certamente, a maior liberdade sexual contribuiu para esta tendência.

Tabagismo/Alcoo­lismo/Uso de Drogas Ilícitas

São cofatores imunossupressivos. Estes fatores se associam positivamente ao desenvolvimento da DIP aguda.

Múltiplos Parceiros Sexuais

Em mulheres com mais de um parceiro ou cujo parceiro possua mais de uma parceira, a probabilidade de ocorrência de salpingite aumenta de quatro a seis
vezes.

Parceiro Sexual Portador de Uretrite.

História de IST ou DIP Prévias ou Atuais

Pessoas com infecção por clamídia, micoplasmas e/ou gonococo na cérvice uterina apresentam um risco aumentado de DIP. A infecção por C. trachomatis
pode levar ao desenvolvimento de infecção do trato genital superior a partir de cervicite, em até 30% dos casos. Pacientes com salpingite prévia tem uma
chance aumentada em 23% de desenvolver um novo episódio infeccioso.

Vaginose Bacteriana (VB)

Apesar de uma relação direta não poder ser estabelecida, acredita-se que a VB facilite a ascendência da clamídia e do gonococo no trato genital.

O uso de duchas vaginais e de tampões vaginais deve ser desencorajado, pois pode aumentar o risco de desenvolver DIP aguda.

Uso de Métodos Contraceptivos

A escolha do método influencia o risco de DIP aguda e de complicações.

● Métodos de barreira: são reconhecidamente protetores contra as IST e, consequentemente, contra a DIP.

● Uso de Anticoncepcionais Orais (ACO) : os dados que correlacionam o emprego deste método à ocorrência de DIP são inconsistentes. A princípio,
como os ACO alteram o muco cervical, o que dificultaria a ascensão de micro-organismos, fator primordial para a ocorrência de DIP, este efeito configuraria
um papel protetor. No entanto, as usuárias podem ter uma menor percepção sobre a necessidade do uso de preservativos e ficarem mais expostas ao risco de
adquirir uma IST, como uma cervicite por clamídia. Além disso, a utilização de pílulas combinadas (pela possibilidade de causar ectopia) facilita a infecção
por N. gonorrhoeae e C. trachomatis.
Na prova, os ACO podem ser considerados como fator protetor, mas é importante checar o contexto em que ele aparece (ex.: em uma prova de medicina
preventiva, pode haver menção a “menor percepção de risco”).
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) menciona
que não existem trabalhos conclusivos sobre o aumento de DIP com uso do ACO.

● Dispositivo Intrauterino (DIU) : tradicionalmente, o uso de DIU sempre foi correlacionado à ocorrência de DIP, pela sua interferência mecânica nos
mecanismos de defesa do endométrio (Figura 2).  
FIG. 2

O PCDT IST – MS menciona que usuárias de Dispositivo Intrauterino (DIU) apresentam um risco ligeiramente aumentado de DIP em comparação com
mulheres que não usam contraceptivos ou que utilizam outros métodos. Esse risco parece guardar relação inversa com o tempo desde a inserção do DIU,
sendo mais alto nos primeiros 20 dias da inserção. A exposição à IST é responsável pela ocorrência de DIP no primeiro mês de uso, e não o uso do DIU. No
entanto, esse risco é reduzido nas mulheres tratadas para IST antes da inserção do DIU.

O CDC informa que não há evidência consistente entre a utilização de DIU e a ocorrência de DIP. O aumento do risco em usuárias só foi constatado nas
primeiras três semanas após a inserção do dispositivo, o que poderia refletir a presença de infecção preexistente, a falta de técnica e de precauções
assépticas no momento da inserção.

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FISIOPATOLOGIA

A DIP começa com a ascensão de micro-organismos pelo trato genital, mais precisamente pela passagem destes pelo OI do colo uterino
(Figura 3). Com exceção dos casos provocados por micro-organismos causadores da tuberculose e actinomicose, a DIP é um processo agudo. Acrescente-se a
estas informações um dado bastante lógico – este processo é facilitado em dois períodos: período perimenstrual e pós-menstrual imediato (Figura 4).
A explicação se dá por diversos motivos: abertura do colo, fluidez do muco cervical imposta pela ação estrogênica e sucção do conteúdo vaginal promovida
pela contratilidade uterina.
FIG. 3

FIG. 4

DICA

Para não esquecer as principais manifestações clínicas da DIP, basta memorizar o trajeto que os patógenos percorrem.

A partir daí, o processo começa com uma endometrite (Figura 5), que se caracteriza pela presença de plasmócitos no estroma endometrial. Esta é a
manifestação inicial da DIP. É devido à endometrite que a paciente se queixa comumente de dor à mobilização do colo uterino e de dor abdominal
infraumbilical.
FIG. 5 Visão histeroscópica de endometrite aguda.

Em seguida, o processo infeccioso pode se dirigir às tubas. Nestas, o gonococo e a clamídia causam lesão direta e indireta do epitélio ciliar, que induz à intensa
reação inflamatória, caracterizada por edema e infiltrado leucocitário. Isso explica a dor à palpação do(s) anexo(s).

A inflamação da superfície tubária pode acarretar na formação de aderências. Estas justificam a queixa de dor pélvica crônica que algumas pacientes
apresentam. As aderências podem levar à oclusão do lúmen tubário ou à formação de traves. A oclusão da tuba justifica a sequela de infertilidade
por fator tubário que algumas pacientes desenvolvem. Provavelmente, as traves são as responsáveis pelo aumento da incidência de gestações ectópicas.
A aglutinação das fímbrias pode produzir oclusão tubária total e a formação de piossalpinge.

Em alguns casos, as fímbrias envolvem o ovário e formam o abscesso tubo-ovariano. O processo infeccioso pode, então, progredir em direção à
cavidade peritoneal. Eventualmente, o conteúdo dos abscessos pode cair na cavidade e constituir um abscesso em fundo de saco de Douglas, ou
entre alças intestinais, ou no espaço subdiafragmático. Neste estágio, as pacientes já apresentam sinais de irritação peritoneal.

Cabe aqui a lembrança de que, nas infecções por gonococo e clamídia, podem incidir pequenos abscessos na superfície hepática, conhecidos como Síndrome
de Fitz-Hugh-Curtis (SFHC). A fase aguda da SFHC caracteriza-se pela presença de exsudato purulento visível na cápsula de Glisson, na
ausência de aderências ou acometimento do parênquima hepático. Na fase crônica há as aderências do tipo “corda de violino” (Figura 6) entre a
parede abdominal anterior e a superfície hepática. As manifestações clínicas incluem dor pleurítica à direita e dor em hipocôndrio direito.
FIG. 6 Visão laparoscópica de aderências em “corda de violino”.

Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis: os achados laparoscópicos da peri-hepatite incluem uma cápsula hepática edemaciada apresentando inflamação e exsudato,
muitas vezes com adesões fibrinosas entre o peritônio parietal e visceral, chamadas também de aderências em “corda de violino”.

A SFHC pode ocorrer tanto nas infecções por


Neisseria gonorrhoeae quanto nas infecções
por Chlamydia trachomatis.

QUADRO CLÍNICO

Na fase inicial, o estado da paciente normalmente não se altera. No entanto, à medida que a doença progride, pode-se observar piora do mesmo, com
surgimento de desânimo, fácies de sofrimento e ansiedade.

O sintoma básico (basta olhar o título da seção em que estamos para recordar!) será a presença de descarga vaginal purulenta. O corrimento genital
purulento é referido por 50% das pacientes (Figura 7). Mas isso já tínhamos visto na vaginose, candidíase, tricomoníase… Observem que, neste momento, o
corrimento vaginal é quase sempre acompanhado de dor abdominal infraumbilical, em topografia anexial e à mobilização do colo uterino. A febre pode se
manifestar em aproximadamente 30 a 40% dos casos. Podem ocorrer também os chamados sintomas atípicos, como sangramento uterino anormal
(hipermenorreia ou metrorragia), dispareunia e sintomas urinários. A disúria pode ocorrer em 20% dos casos, principalmente se há uretrite.
FIG. 7 Colo com secreção purulenta.

A dor pélvica aguda se exacerba quando são realizadas manobras de palpação do hipogástrio e/ou das fossas ilíacas. Ao toque vaginal, a mobilização do colo
uterino é altamente dolorosa.

Com a progressão da doença, podem surgir sinais de irritação peritoneal, com exacerbação da dor e ocorrência de náuseas e vômitos. Nessa fase, a palpação
abdominal evidenciará sinais de defesa em 90% e dor à descompressão em aproximadamente 70% dos casos. Massa palpável nas fossas ilíacas poderá ser
encontrada em aproximadamente 50% dos casos durante o toque vaginal. Os ruídos hidroaéreos quase sempre estão presentes.

DIP = CORRIMENTO GENITAL (SECREÇÃO


ENDOCERVICAL ANORMAL) +
FEBRE/DOR ABDOMINAL PÉLVICA

DIAGNÓSTICO

Na maioria dos casos de DIP, o diagnóstico é realizado pela história clínica e por achados ao exame físico. Porém, como muitos casos são subagudos ou
silentes, em determinadas situações está justificado o emprego de métodos auxiliares para o diagnóstico.

EXAMES LABORATORIAIS

O exame de sangue de uma paciente com DIP mostrará, em linhas gerais, os achados encontrados em infecções bacterianas (leucocitose com desvio para
esquerda, aumento da VHS e da proteína C-reativa). Geralmente, basta que você imagine a apresentação clínica para fazer uma correlação com o exame
complementar. Um exemplo para ver se você entendeu: em caso de suspeita de abscesso tubo-ovariano, um exame de imagem, como a Ultrassonografia
Transvaginal (USGTV), poderá mostrá-lo.

A seguir, esmiuçamos os principais exames complementares e seus achados:


● Teste de gravidez: para exclusão da suspeita de gravidez ectópica ou abortamento séptico;

● Hemograma completo: evidenciará a presença de leucocitose superior a 10.000-12.000/mm³, com aumento da contagem de bastões;

● Velocidade de hemossedimentação e proteína c-reativa: na quase totalidade dos casos, ambos os exames estarão elevados;

● EAS e/ou urinocultura: para afastar infecção do trato urinário;

● Cultura de materiais da cérvice uterina com antibiograma ou NAAT para N. gonorrhoeae: a cultura só tem valor se for realizada em meio
específico; para gonococo – Thayer-Martin; clamídia – células de McCoy, micoplasma e ureaplasma – meio A3 Shepard. Além disso, recomenda-se a
realização da pesquisa de GRAM da secreção cervical, do exame a fresco da secreção cervical e da pesquisa de imunofluorescência direta para clamídia;

● Exame bacterioscópico de outros sítios: com cultura e antibiograma de material obtido da uretra, por laparoscopia ou por punção do fundo de saco
posterior (culdocentese, que é usada excepcionalmente);
● Sorologia para sífilis (VDRL), hepatites B e C, HIV e imunofluorescência indireta para clamídia;

EXAMES DE IMAGEM

● Ultrassonografia abdominal e pélvica: estes exames poderão revelar a presença de líquido livre na pelve, abscessos tubo-ovarianos e pélvicos. O
principal achado ultrassonográfico na DIP é a presença de uma fina camada líquida preenchendo a tuba, com ou sem a presença de líquido livre na pelve;

● Ressonância magnética: poderá revelar a presença de líquido livre na pelve, abscessos tubo-ovarianos e pélvicos;

● Biópsia de endométrio: pode confirmar a presença de endometrite;

● Laparoscopia: permite a obtenção de um diagnóstico acurado nos casos de salpingite e de um diagnóstico bacteriológico mais completo.

A LSC É O MÉTODO DIAGNÓSTICO PADRÃO-OURO DA DIP?

Embora considerada por alguns autores como padrão-ouro, a LSC é um procedimento de alto custo, que não está frequentemente disponível e que possui
manuseio complexo. Estes fatores justificam que não seja recomendado seu emprego rotineiro na propedêutica da DIP, principalmente na presença de
sintomas suaves ou vagos.

Entenda o conceito: em uma paciente com DIP, quando o processo infeccioso já se dirigiu para as tubas (salpingite), o padrão-ouro para o diagnóstico é a
laparoscopia. Nesta situação, a laparoscopia é o método mais específico para o diagnóstico e os achados mais consistentes são a presença de edema e
eritema tubário, exsudato purulento nas tubas e aderências peritubárias. No entanto, em uma paciente cuja manifestação seja a endometrite, a laparoscopia
não é um método diagnóstico padrão-ouro, mas sim o estudo histopatológico. Em linhas gerais, a laparoscopia só é o padrão-ouro nos acometimentos
tubários e peritoneais da DIP, detectando inclusive infecções subclínicas da(s) tuba(s). Desse modo, a laparoscopia fica reservada para um diagnóstico mais
acurado nos casos atípicos e para um diagnóstico bacteriológico mais completo.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS NA DIP

As repercussões clínicas e econômicas da DIP impõem a mobilização para um diagnóstico precoce e um tratamento eficaz. No entanto, o diagnóstico é difícil
em função da grande variação na intensidade de sinais e sintomas em mulheres com esta condição – as pacientes podem apresentar desde infecções
assintomáticas a quadros emergenciais. Para complicar, não existe um teste diagnóstico definitivo para o diagnóstico de DIP!

Assim, embora impreciso, o diagnóstico da DIP usualmente baseia-se em achados clínicos. O objetivo é impedir a perda de diagnóstico nos casos
subclínicos e, idealmente, que o diagnóstico seja suficientemente específico para evitar a antibioticoterapia em mulheres não infectadas.

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Tradicionalmente, o diagnóstico baseia-se na presença de três critérios maiores mais um critério menor, ou na presença de apenas um critério
elaborado (Fluxograma 1).
FLUXOGRAMA 1 Critérios diagnósticos de DIP

saiba mais

Essa forma de diagnóstico não é um consenso na literatura… O critério diagnóstico de DIP mais recentemente recomendado pelo CDC inclui mulheres
sexualmente ativas ou aquelas em risco de desenvolver IST que tenham dor pélvica ou dor abdominal baixa, em que outras causas não possam ser
identificadas e apresentem um ou mais critérios mínimos no exame pélvico, a saber: dor à mobilização do colo, dor à palpação do útero, dor à
mobilização dos anexos.

O valor preditivo positivo (lembre-se da Preventiva: chance de ter a doença em que for positivo na testagem) dependerá das características da população. Altos
valores são registrados entre as mulheres jovens sexualmente ativas (principalmente em adolescentes), nas pacientes atendidas em clínicas de referência de
IST ou em amostras nas quais as taxas de infecções por clamídia ou gonococo são altas. Quando se considera a população geral, nenhuma informação na
anamnese, nenhum achado no exame físico ou laboratorial apresenta alta sensibilidade e especificidade que permita escolher apenas um método e dispensar os
outros.

A Tabela 1 os resume.

TAB. 1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA DIP.

MAIORES OU MÍNIMOS
● Dor abdominal infraumbilical ou dor pélvica.

● Dor à palpação dos anexos.

● Dor à mobilização do colo uterino.

Obs.: os critérios maiores ou mínimos estão relacionados à presença de dor.

MENORES OU ADICIONAIS
● Temperatura axilar > 37,5°C ou temperatura retal > 38,3°C.

● Conteúdo vaginal ou secreção endocervical anormal.

● Massa pélvica.

● Leucocitose.

● Proteína C-reativa ou VHS elevadas.

● Mais de cinco leucócitos por campo de imersão em secreção de endocérvice.

● Comprovação laboratorial de infecção cervical pelo gonococo, clamídia ou micoplasma.

Obs.: os critérios menores ou adicionais estão relacionados às alterações encontradas no exame físico (com exceção de dor) e nos
exames laboratoriais.

ELABORADOS OU DEFINITIVOS
● Evidência histopatológica de endometrite.

● Presença de abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas em estudo de imagem (ultrassonografia pélvica ou
ressonância magnética).

● LSC com evidências de DIP.


DICA

Os critérios maiores estão relacionados à presença de dor.

Os critérios menores estão relacionados às alterações encontradas no exame físico (com exceção de dor) e nos exames laboratoriais.

Os critérios elaborados, como o próprio nome já diz, estão relacionados às alterações encontradas em procedimentos elaborados (biópsia de endométrio,
exames de imagem, laparoscopia).

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial deve considerar causas ginecológicas e não ginecológicas (Tabela 2) antes da instituição da terapêutica.

TAB. 2
CAUSAS GINECOLÓGICAS
● Dismenorreia.

● Endometriose.

● Cisto ovariano.

● Torção ovariana.

● Tumor ovariano.

● Tuberculose.

● Degeneração de miomas.

CAUSAS OBSTÉTRICAS
● Gravidez ectópica.

● Abortamento séptico.

CAUSAS GASTROINTESTINAIS
● Apendicite.

● Colecistite.

● Constipação intestinal.

● Diverticulite.

● Gastroenterite.

● Doença inflamatória intestinal.


CAUSAS RENAIS
● Cistite.

● Pielonefrite.

● Nefrolitíase.

● Uretrite.

CAUSAS MUSCULOESQUELÉTICAS
● Psoíte.

● Discopatias.

ESTADIAMENTO

Em 1990, Monif propôs uma classificação para o estadiamento dos quadros de DIP (Tabela 3) segundo a evolução dos processos infecciosos.
TAB. 3 CLASSIFICAÇÃO DE MONIF.

● Estágio 1: endometrite e salpingite aguda sem peritonite.


Conduta: o tratamento é em âmbito ambu­latorial.

● Estágio 2: salpingite aguda com peritonite.


Conduta: o tratamento é hospitalar. Os sinais de peritonite justificam a internação.

● Estágio 3: salpingite aguda com oclusão tubária ou comprometimento tubo-ovariano (abscesso tubo-ovariano).
Conduta: o tratamento é hospitalar. Os sinais de peritonite e/ou a presença de abscesso tubo-ovariano justificam a internação.

● Estágio 4: abscesso tubo-ovariano roto com secreção purulenta na cavidade (queda acentuada do estado geral, refratariedade ao
tratamento clínico, febre persistente, comprovação ultrassonográfica) e abscesso acima de 10 cm.
Conduta: o tratamento é hospitalar e cirúrgico. O tratamento cirúrgico envolve a remoção cirúrgica do abscesso, preservando os
ovários sempre que possível. A extensão da cirurgia é determinada pelos achados durante a laparotomia.

Obs.: mais detalhes sobre o tratamento da DIP no tópico específico.

FLUXOGRAMA PARA O MANEJO DA DIP

O Fluxograma 2  apresenta o manejo de DIP, com suporte mínimo de laboratório.

FLUXOGRAMA 2 MANEJO CLÍNICO DE DIP.

TRATAMENTO

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da
Saúde), deve-se iniciar imediatamente o tratamento antimicrobiano nas mulheres jovens, sexualmente ativas, com queixa de desconforto ou dor pélvica, e que
preencham os critérios clínicos para DIP. A decisão de tratar a paciente ou de referi-la para unidade de maior complexidade baseia-se na gravidade do quadro
clínico e nas condições locais de trabalho para assistência e cuidados, considerando que o atraso no tratamento pode acarretar danos irreversíveis no sistema
reprodutor feminino.

Na prática, frente a uma paciente com DIP, a principal dúvida que se impõe é se o tratamento é ambulatorial, hospitalar ou cirúrgico. Em geral, é o estado
clínico da paciente que rege a indicação do tratamento.

Segundo o CDC, em virtude da dificuldade de diagnóstico e do potencial dano à saúde reprodutiva da mulher, mesmo nas DIP leves ou subclínicas, o
tratamento empírico deve ser iniciado em mulheres jovens sexualmente ativas e naquelas com risco de IST, que apresentem dor pélvica sem que nenhuma
outra causa possa ser identificada além da DIP e que possuam pelo menos um critério mínimo no exame pélvico.
Neste contexto, a indicação de um determinado tipo de tratamento deve considerar disponibilidade, custo, aceitação da paciente e suscetibilidade
antimicrobiana.

INDICAÇÕES DAS MODALIDADES TERAPÊUTICAS NA DIP


AMBULATORIAL

Aplica-se a mulheres que apresentam quadro clínico leve, exame abdominal e ginecológico sem sinais de pelviperitonite, que possam ingerir medicação por
via oral e que não estejam incluídas nos critérios para tratamento hospitalar.

HOSPITALAR

Geralmente, é indicado nas seguintes situações:

● Emergências cirúrgicas não podem ser excluídas (ex.: apendicite, abscesso tubo-ovariano roto);
● Presença de abscesso tubo-ovariano;

● Quadro grave com sinais de peritonite, náuseas, vômitos ou febre alta (maior que 39°C);

● Gravidez;

● Ausência de resposta adequada ao tratamento ambulatorial nas primeiras 72 horas;

● Intolerância ou baixa adesão ao tratamento ambulatorial.

CIRÚRGICO

Suas principais indicações incluem:

● Falha do tratamento clínico;

● Presença de massa pélvica que persis­­te ou aumenta, apesar do tratamento clínico;

● Suspeita de rotura de abscesso tubo-ovariano;

● Hemoperitônio;

● Abscesso de fundo de saco de Douglas.

REGIMES TERAPÊUTICOS NA DIP

Veja a seguir os regimes terapêuticos preconizados pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções
Sexualmente Transmissíveis
(Ministério da Saúde) e pelo CDC (Tabelas 4, 5 e 6, respectivamente).

REGIMES TERAPÊUTICOS PRECONIZADOS PELO PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE
TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE)
TAB. 4 TRATAMENTO DA DIP SEGUNDO PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

AMBULATORIAL
Primeira opção:
● Ceftriaxona 500 mg, IM, dose única;

+
● Doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2×/dia, por 14 dias;

+
● Metronidazol 250 mg, 2 comprimidos, VO, 2×/dia, por 14 dias.
Segunda opção:
● Cefotaxima 500 mg, IM, dose única;

+
● Doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2×/dia, por 14 dias;

+
● Metronidazol 250 mg, 2 comprimidos, VO, 2×/dia, por 14 dias.
HOSPITALAR
Primeira opção:
● Ceftriaxona 1 g, IV, 1× ao dia por 14 dias;

+
● Doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2×/dia, por 14 dias;

+
● Metronidazol 400 mg, IV de 12/12h.
Segunda opção:
● Clindamicina 900 mg, IV, 3×/dia, por 14 dias;

+
● Gentamicina (IV ou IM): dose de ataque 2 mg/kg; dose de manutenção: 3-5 mg/kg/dia, por 14 dias.
Terceira opção:
● Ampicilina/sulbactam 3 g, IV, 6/6h, por 14 dias;

+
● Doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2×/dia, por 14 dias.
Comentários:
● O uso parenteral deverá ser suspenso 24h após a cessação dos sintomas e a continuação terapêutica antimicrobiana por via oral deve se estender até 14 dias.

● Orientar quanto ao não uso de bebidas alcóolicas durante e após 24h do uso de metronidazol para evitar efeito dissulfiran (antabuse) símile.
● A doxiciclina é contraindicada durante a gravidez.

Fonte: PCDT IST – MS.

REGIMES TERAPÊUTICOS PRECONIZADOS PELO CDC


TAB. 5 TRATAMENTO AMBULATORIAL SEGUNDO CDC.

Regimes recomendados:
● Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única;

+
● Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas, por 14 dias;

com ou sem
● Metronidazol 500 mg, VO, 12/12h, por 14 dias;

ou
● Cefoxitina 2 g, IM, dose única;

+
● Probenecide 1 g, VO, dose única;

+
● Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas, por 14 dias*;
com ou sem
● Metronidazol 500 mg, IV de 12/12h, por 14 dias;

ou
● Cefalosporina de 3ª geração (ex.: cefotaxime, ceftizoxime);

+
● Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas, por 14 dias*;

com ou sem
● Metronidazol 500 mg, VO, 12/12h, por 14 dias.
Obs. 1: *a terapia com doxiciclina (100 mg, VO, 12/12h) deve ser mantida por um total de 14 dias.
Obs. 2: *a doxiciclina venosa é extremamente dolorosa e traz alto índice de flebite. Como sua biodisponibilidade é equivalente entre a VO e a IV, a via oral deve ser sempre preferida.
Obs. 3: as quinolonas não devem ser usadas em pessoas com história de viagens ou infecções adquiridas em regiões de alta prevalência para Neisseria gonorrhoeae resistente a quinolonas.
Obs. 4: a associação de metronidazol a esses esquemas se deve à cobertura limitada dos agentes aos anaeróbios, além de sua efetividade contra a vaginose bacteriana, que é frequentemente associada à DIP.

Atenção: de acordo com o Update Recommended Treatment Regimens for Gonococcal Infections and Associated Conditions – United States, anunciado em 13 de abril de 2007 na MMWR, as quinolonas não são mais recomendadas para
tratamento do gonococo nos Estados Unidos.
Regime alternativo: caso o tratamento com cefalosporina parenteral (IM) não seja possível, o uso de fluoroquinolonas (levofloxacina 500 mg uma vez ao dia ou ofloxacina 400 mg duas vezes ao dia por 14 dias) com ou sem metronidazol (500 mg 12/12h por 14
dias) pode ser considerado se a prevalência na comunidade ou o risco individual de infecção pelo gonococo é baixa. Essa recomendação permanece na edição do CDC.

TAB. 6 TRATAMENTO HOSPITALAR SEGUNDO CDC.

Regime A:
● Cefotetan 2 g, IV de 12/12h;

ou
● Cefoxitina 2 g, IV de 6/6 horas;

+
● Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas, por 14 dias*.
Regime B:
● Clindamicina 900 mg, IV, 8/8h;

+
● Gentamicina IV ou IM (2 mg/kg de peso), seguido por uma dose de manutenção de 1,5 mg/kg de 8/8 horas.
Regimes alternativos:
● Ampicilina/sulbactam 3 g, IV, de 6/6h;

+
● Doxiciclina 100 mg, IV ou VO, 12/12h, por 14 dias*.

Obs. 1: *a terapia com doxiciclina (100 mg, VO, 12/12h) deve ser mantida por um total de 14 dias.
Obs. 2: *a doxiciclina venosa é extremamente dolorosa e traz alto índice de flebite. Como sua biodisponibilidade é equivalente entre a VO e IV, a via oral deve ser sempre preferida.
Obs. 3: a terapia parenteral pode ser substituída 24 horas após a melhora clínica, sendo continuada por via oral com doxiciclina, 100 mg, a cada 12h, até completar 14 dias de tratamento.
Obs. 4: na presença de abscesso tubo-ovariano, o uso de clindamicina ou metronidazol em adição à doxiciclina provê cobertura mais efetiva contra anaeróbios.
Atenção: de acordo com o Update Recommended Treatment Regimens for Gonococcal Infections and Associated Conditions – United States, anunciado em 13 de abril de 2007 na MMWR, as quinolonas não são mais recomendadas para
tratamento do gonococo nos Estados Unidos. Essa recomendação é corroborada na edição CDC.

MODALIDADES DE TRATAMENTO CIRÚRGICO


LAPAROSCOPIA

Recomendada nos casos de dúvida diagnós- tica (DIP, apendicite e gravidez ectópica) e na ausência de resposta à terapia parenteral após 72 horas.

Caso as condições clínicas da paciente permitam, a abordagem primária por laparoscopia favorecerá resultados imediatos.
Entre as suas vantagens incluem-se:

● Permite o diagnóstico e estadiamento da infecção, bem como a avaliação inicial do prognóstico


reprodutivo com maior visualização da cavidade peritoneal e
coleta direcionada de material para análise microbiológica;

● Possibilita a lavagem exaustiva da cavidade na vigência de processos inflamatórios, com a finalidade de diluir e retirar possíveis agentes contaminantes,
debris teciduais e tecidos necróticos. Esta medida reduz o impacto na determinação de aderências e, possivelmente, determina menor comprometimento do
futuro reprodutivo dessas pacientes. Logo, promove menor agressão tecidual na manipulação das estruturas envolvidas;

● Admite a aspiração de secreções purulentas peritoneais, liberação de aderências e o tratamento de coleções purulentas associadas.

LAPAROTOMIA

Fica reservada para casos de emergência que cursam com instabilidade hemodinâmica, como rotura de abscesso tubo-ovariano.

Observação: a cirurgia (laparoscópica ou laparo- tômica) deve ser a mais conservadora possível. É recomendável drenar abscessos, lavar exaustivamente a
cavidade e coletar material para cultura.

TRATAMENTO DOS PARCEIROS

As parcerias sexuais dos dois meses anteriores ao diagnóstico, sintomáticas ou não, devem ser convocadas e tratadas empiricamente para Neisseria
gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis. Recomenda-se ceftriaxona 500 mg IM associada a azitromicina 1 g VO, ambas em dose única.

ACOMPANHAMENTO DAS PACIENTES

A melhora clínica das pacientes com DIP deverá acontecer nos três primeiros dias após o início do tratamento antimicrobiano. A cura se baseia no
desaparecimento dos sinais e sintomas. Se a avaliação for realizada com critérios bacteriológicos após trinta dias, 40% das mulheres ainda persistem com a
presença de um ou mais agentes bacterianos, de acordo com o PEACH (Pelvic Inflammatory Disease Evaluation Clinical Health trial). A paciente
deverá retornar ao ambulatório para seguimento na primeira semana após a alta hospitalar, observando abstinência sexual até a cura clínica.

SITUAÇÕES ESPECIAIS

● Adolescentes : embora possuam maior risco de DIP e complicações, não necessitam obrigatoriamente ser internadas.

● Gravidez: em virtude do alto risco de abortamento e corioamnionite, as gestantes devem ser hospitalizadas e tratadas com antibióticos intravenosos
de amplo espectro.
O uso de doxiciclina e quinolonas é contra­indicado no caso de gestação.

● Pessoas imunocomprometidas: têm comportamento similar às pacientes com imunidade normal, apenas com a ressalva de que desenvolvem mais
facilmente abscesso tubo-ovariano, merecendo, portanto, maior cuidado, sem necessidade de internação.

● Dispositivo intrauterino: se a paciente for usuária de DIU, não há necessidade de remoção do dispositivo; porém, caso exista indicação, a remoção não
deve ser anterior a instituição da antibioticoterapia, devendo ser realizada somente após duas doses do esquema terapêutico. Nesses casos, orientar a paciente
sobre uso de métodos de barreira (preservativo masculino e feminino, diafragma etc.). Não recomendar duchas vaginais.

COMPLICAÇÕES

A doença inflamatória pélvica produz sequelas que apresentam grande impacto na saúde global e reprodutiva da mulher, além de custos altos para o sistema de
saúde.

Inicialmente, existem três medidas para o controle da doença:

● Educação sexual;

● Rastreamento de casos assintomáticos;

● Diagnóstico e tratamento eficaz dos casos.

A prevenção primária, baseada em mudanças comportamentais, é indispensável para controle da doença. É importante salientar que, em âmbito nacional,
existem muitos aspectos a serem investigados acerca dos fatores clínicos que envolvem a DIP, como, por exemplo: definição precisa dos casos e estimativa da
verdadeira prevalência e incidência da moléstia.

As sequelas da DIP podem ser precoces e tardias.

Sequelas Precoces
● Abscesso tubo-ovariano.

● Fase aguda da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis.

● Morte.

Se houver piora do quadro clínico da DIP, deve-se considerar a realização de outros exames de imagem, como ressonância magnética ou tomografia
computadorizada axial ou laparoscopia, para diagnósticos diferenciais ou para excluir complicações de DIP. A laparotomia esta indicada nos casos de
massas anexiais não responsivas ao tratamento ou que se rompem. Também está indicada a culdotomia, caso o abscesso ocupe o fundo de saco de
Douglas.

Em casos particulares, abscessos tubo-ovarianos podem ser esvaziados com punção transabdominal guiada por ultrassonografia.

Sequelas Tardias

● Infertilidade: é diretamente proporcional à intensidade das reações inflamatórias. O risco de infertilidade tubária é proporcional ao número de episódios de
DIP: 10-12% após o primeiro; 23-35% após dois episódios e 54-75% após três episódios de DIP aguda.

● Gravidez ectópica: risco aumentado de seis a sete vezes após DIP, em virtude da lesão tubária desencadeada.

● Dor pélvica crônica: ocorre devido às aderências determinadas pelo processo infeccioso e pela reação inflamatória. Incide em 17 a 20% dos casos.

● Dispareunia: incide em 50% das pacientes com dor pélvica crônica.

● Recorrência da DIP: ocorre em aproximadamente 15 a 25% das mulheres.


● Fase crônica da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis.

ATENÇÃO

Quanto mais sintomática é a paciente, maiores as chances de ela evoluir com infertilidade?

Algumas pacientes podem ter quadros muito brandos de DIP, que acabam não sendo diagnosticados e se resolvem espontaneamente. Diante de uma
dificuldade de engravidar, são submetidas à investigação, na qual se evidenciam obstrução tubária bilateral e aderências pélvicas características de DIP. É
possível concluir, portanto, que tais pacientes podem evoluir com um quadro de infertilidade por fator tuboperitoneal.

Consequentemente, a intensidade dos sintomas de DIP não tem uma relação direta com o desenvolvimento de infertilidade, como sequela tardia.

DIVERGÊNCIAS NA LITERATURA

A seguir, apresentaremos algumas das divergências encontradas sobre a DIP na literatura. Algumas delas já foram exploradas nas provas de residência médica.
Por este motivo, nas provas de Ginecologia e Obstetrícia vale sempre a pena conferir as referências bibliográficas dos concursos.

DEFINIÇÃO DE DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA

BEREK & NOVAK'S GYNECOLOGY (2020)

Este livro não faz nenhuma menção ao fato de a DIP incluir ou não as situações relacionadas ao ciclo gravídico-puerperal ou à manipulação cirúrgica ou
propedêutica do trato genital feminino.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

A DIP é uma síndrome clínica secundária à ascensão de micro-organismos da vagina e/ou endocérvice ao trato genital feminino superior, que não está
relacionada com o ciclo gravídico-puerperal ou com cirurgias nos órgãos pélvicos.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

É uma afecção que compreende vários espectros inflamatórios e infecciosos do trato genital superior feminino, que incluem quaisquer combinações de
endometrite, salpingite, abscesso(s) tubo-ovariano(s) e peritonite pélvica, decorrentes da ascensão e disseminação de micro-organismos provenientes da
vagina e da endocérvice.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

A DIP é uma infecção do trato genital superior feminino. Esta fonte menciona que outro diagnóstico dado à DIP é salpingite aguda e complementa que embora
todos os órgãos reprodutivos possam ser envolvidos, o órgão de maior importância, com ou sem a formação de abscesso, é a tuba uterina.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)


A DIP é uma consequência da penetração e multiplicação de micro-organismos da vagina e da porção externa do colo uterino no endométrio, nas tubas, nos
ovários, no peritônio e nas estruturas contíguas fora do ciclo gravídico-puerperal.

CDC

A DIP é uma afecção que compreende vários espectros inflamatórios e infecciosos do trato genital superior feminino, que incluem quaisquer combinações de
endometrite, salpingite, abscesso(s) tubo-ovariano(s) e peritonite pélvica. Essa fonte bibliográfica inclui as situações relacionadas ao ciclo gravídico-puerperal
ou à manipulação (inserção de DIU, por exemplo) do trato genital feminino.

OBS. 1: perceba que a divergência principal é se a DIP inclui ou não o ciclo gravídico-puerperal ou a manipulação cirúrgica ou propedêutica do trato genital feminino na sua definição.

OBS. 2: Berek & Novak's Gynecology (2020) não faz nenhuma menção a esta divergência.

OBS. 3: para fins de prova de residência médica, siga as referências bibliográficas dos concursos que você irá se submeter. Caso o concurso não apresente referências bibliográficas, siga as recomendações do Ministério da Saúde.

AGENTES ETIOLÓGICOS DA DIP

FONTES BIBLIOGRÁFICAS DIVERSAS, INCLUINDO O MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

A maioria das fontes bibliográficas informa que os agentes mais comuns são a Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis, os quais são
considerados os patógenos primários da DIP.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

Esta fonte informa que a salpingite clássica se associa comumente à infecção pela Neisseria gonorrhoeae e pela Chlamydia trachomatis.

PAPEL DOS CONTRACEPTIVOS ORAIS NA DIP

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

Esta fonte informa que usuárias de ACO possuem maiores riscos de cervicite por clamídia, porém aparente proteção ao quadro de DIP aguda.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Os ACO são considerados fatores protetores relativos pelas alterações promovidas no muco cervical.

OBS.: fontes como o Williams Gynecology (3rd edition, 2016), o Berek & Novak's Gynecology (2020), o CDC (2015) e o Protocolo de Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde informam que a utilização de pílulas combinadas (pela possibilidade de causar ectopia) facilita a infecção por
Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis, mas não existem trabalhos conclusivos se há aumento de DIP com o seu uso.

USO DE DIU E OCORRÊNCIA DE DIP

BEREK & NOVAK'S GYNECOLOGY (2020)

Este livro não faz qualquer menção à associação DIP e DIU.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

A despeito do uso de DIU estar tradicionalmente correlacionado com a ocorrência de DIP, novos estudos mostraram pouca evidência desta ligação causal. O
aumento do risco de DIP entre as usuárias de DIU só ocorreria durante os 30 dias que seguem a inserção e para pacientes com alto risco para uma IST. Neste
caso, está provavelmente associado à técnica de colocação do DIU.

Em paciente portadora de cervicite, o DIU pode representar um risco três a cinco vezes maior para o desenvolvimento de DIP e está contraindicado.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

Este livro informa que o uso de DIU pode representar um risco três a cinco vezes maior para o desenvolvimento de DIP se a paciente for portadora de cervicite.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Este livro informa que o DIU é fator de risco para o desenvolvimento de DIP se as mulheres possuem vários parceiros sexuais.

CDC

O CDC mostrou que não há evidência consistente entre a utilização de DIU e a ocorrência de DIP. O aumento do risco em usuárias só foi constatado nas
primeiras três semanas após a inserção do dispositivo.

OBS.: perceba que a principal divergência é se o uso de DIU predispõe à ocorrência de DIP.

LAPAROSCOPIA × TESTE PADRÃO-OURO NA DIP


CDC E BEREK & NOVAK'S GYNECOLOGY (2020)

Essas importantes referências não concordam com a existência de um teste padrão-ouro no diagnóstico da DIP.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7a EDIÇÃO, 2017) E MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017)

Estas fontes consideram a laparoscopia como teste padrão-ouro para DIP.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION,


2016) E PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS
PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE)

Não entram no mérito da existência de um teste padrão-ouro para diagnóstico da DIP.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Este livro não entra no mérito desta questão.

OBS. 1: perceba que a principal divergência é se a LSC é o teste padrão-ouro no diagnóstico de DIP.

OBS. 2: em linhas gerais, a laparoscopia só é o padrão-ouro nos acometimentos tubários e peritoneais da DIP.

CRITÉRIOS MÍNIMOS REFERENTES À TEMPERATURA AXILAR

BEREK & NOVAK'S GYNECOLOGY (2020)

Este livro considera a temperatura axilar maior que 38°C.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7a EDIÇÃO, 2017), MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017), WILLIAMS
GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016) E CDC

Todas essas referências consideram a temperatura axilar maior que 38,3°C.

GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Este livro não entra no mérito desta questão.

MANUAL DE CONTROLE DAS DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE – 2006)

Considera a temperatura axilar maior que 37,5°C.

OBS. 1: perceba que a principal divergência é a partir de qual temperatura axilar se considera febre.

OBS. 2: você não precisará memorizar todas essas variações encontradas na literatura. Mas é importante que você não esqueça que questões de Gineco­logia e Obstetrícia que envolvem valores numéricos nem sempre apresenta­rão os valores encontrados nos livros didáticos. Basta que você “fique esperto” quando
se deparar com questões desse tipo.

TRATAMENTO DOS PARCEIROS

BEREK & NOVAKS GYNECOLOGY (2020), CDC, GINECOLOGIA AMBULATORIAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS (2016)

Todas essas referências informam que os parceiros sexuais devem ser tratados empiricamente com antibióticos efetivos contra Neisseria gonorrhoeae e
Chlamydia trachomatis, mas não o especificam.

ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017)

Não define a opção terapêutica para os parceiros.

MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017)

Os esquemas terapêuticos para o tratamento dos parceiros devem incluir antibióticos com atividade contra N. gonorrhoeae e C. trachomatis, como
ceftriaxona (250 mg) IM, mais azitromicina (1 g) VO, em dose única, ou doxiciclina (100 mg) VO, a cada 12 horas, por sete dias.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

Essa fonte não faz menção à conduta em relação aos parceiros de pacientes com DIP.

OBS.: para fins de prova de residência médica, memorize a cobertura que a antibioticoterapia deverá prover.

INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES COM DIP


WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016)

Essa fonte preconiza a internação de pacientes adolescentes para antibioticoterapia parenteral.

CDC

O CDC (Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines) relata que não existem evidências científicas que justifiquem a internação de todas as
adolescentes com DIP. A decisão de internar estas pacientes deve obedecer aos mesmos critérios de hospitalização das pacientes adultas.

OBS. 1: perceba que a principal divergência é se está indicada ou não a internação em pacientes adolescentes.

OBS. 2: o Ministério da Saúde e todas as outras fontes bibliográficas citadas ao longo deste capítulo não fazem menção a esta controvérsia.

ÚLCERAS GENITAIS
As úlceras genitais são um tema muito abordado nas provas de residência médica. Como tudo em Ginecologia, existem diversos
aspectos controversos na literatura e seu estudo deve sempre focar em tais divergências, pois muitas vezes elas farão a diferença.
Fique atento às referências bibliográficas dos concursos. Memorize todos os detalhes porque eles são importantes na aprovação final.
Vamos com tudo!
pontos principais

● Conhecer as características clínicas das principais úlceras genitais.

● Conhecer o tratamento específico de cada agente etiológico das úlceras genitais.

● Conhecer os métodos diagnósticos de cada agente causador das úlceras genitais.

● Conhecer a abordagem das úlceras genitais na gravidez, especialmente a sífilis.

● Conhecer as principais divergências na literatura sobre o assunto. Sempre que existir algo divergente na literatura, você encontrará um símbolo para que
você fique de vivo! Todas as divergências serão listadas ao final do capítulo.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As infecções genitais podem apresentar vários tipos de lesão: úlcera, mácula, pápula, placa, verruga ou pústula.

O termo úlcera (do latim, ulcus; do grego, helkosis: ferida) representa um defeito transcutâneo (epiderme e derme).
A etiologia da úlcera vulvar é extensa. Compreende doenças infecciosas, neoplasias e condições sistêmicas. É importante ressaltar que independentemente da
sua etiologia, três importantes preceitos devem ser obrigatoriamente seguidos na avaliação de uma úlcera genital:

AVALIAÇÃO DE ÚLCERA GENITAL

1. Avaliação cuidadosa do aspecto da úlcera, consistência e grau de acometimento.

2. Avaliação do status linfonodal, particularmente pela presença de linfadenopatia local ou generalizada, consistência e presença de supuração.

3. Exame físico geral com ênfase na pele, na boca e nos olhos.

Estes aspectos resumem a necessidade de diagnóstico e tratamento precoces e, sobretudo, de medidas profiláticas incessantes.

O diagnóstico clínico das úlceras genitais, por vezes, é difícil. O exame físico apropriado da lesão associado às informações prestadas pelas pacientes auxiliam
no diagnóstico e orientam a solicitação dos exames complementares. Estes devem ser solicitados para confirmação diagnóstica, entretanto não devem retardar
o tratamento.

A inspeção deve ser metódica e cuidadosa, exigindo boa iluminação. Deve começar pelo sulco genitocrural esquerdo, examinando-se a raiz da coxa, seguindo-
se o exame dos grandes e pequenos lábios e dedicando atenção especial às dobras e sulcos cutâneos. Segue-se o exame sistemático do lado direito. Examina-se
o monte de Vênus, principalmente a raiz dos pelos, o clitóris, o vestíbulo, o períneo e a região perianal, assim como todo o tegumento cutâneo em busca de
lesões extragenitais.

A palpação superficial e profunda de toda vulva é de extrema importância, devendo ser extensiva às regiões inguinais, ao vestíbulo da vagina e às glândulas
vestibulares. Pela palpação superficial percebe-se a textura da pele podendo-se investigar sua elasticidade, bem como seu grau de trofismo. A palpação
profunda é de grande utilidade na identificação e localização de linfonodos, mobilidade, tamanho ou aderência aos tecidos circunvizinhos.

Este capítulo propõe-se a abranger as úlceras genitais resultantes de infecções sexualmente transmissíveis. Estas afecções apresentam considerável relevância
tanto pelas repercussões negativas das IST nas esferas social, psicológica e econômica quanto pelas possíveis sequelas reprodutivas. Além disso, as IST que
cursam com ulcerações apresentam risco 18,2 vezes maior na transmissão do HIV, segundo o manual de DST/aids da FEBRASGO.

SÍFILIS

SINONÍMIA

Lues, mal venéreo, mal gálico, sifilose, lues venérea.

DEFINIÇÃO

A sífilis é uma infecção bacteriana sistêmica, crônica, curável e exclusiva do ser humano. Quando não tratada, evolui para estágios de gravidade variada,
podendo acometer diversos órgãos e sistemas do corpo.

Sua transmissão se dá principalmente por contato sexual. Contudo, pode ser transmitida verticalmente para o feto durante a gestação de uma mulher com sífilis
não tratada ou tratada de forma não adequada. Sua evolução caracteriza-se por episódios sintomáticos (doença ativa) interrompidos por períodos de latência.

A maioria das pessoas com sífilis é assintomática. Quando apresentam sinais e sintomas, muitas vezes não os percebem ou valorizam, e podem, sem saber,
transmitir a infecção às suas parcerias sexuais. Quando não tratada, a sífilis pode evoluir para formas mais graves, comprometendo especialmente os sistemas
nervoso e cardiovascular.

AGENTE ETIOLÓGICO

A sífilis é causada por uma espiroqueta anaeróbia de movimentos lentos – Treponema pallidum. A umidade é fator indispensável para seu
desenvolvimento e, por isso, as lesões crescem preponderantemente na boca e nas regiões genitoanais. A espiroqueta é capaz de penetrar o organismo através
da pele ou das mucosas, determinando, no local da inoculação, a lesão característica da fase primária, o protossifiloma ou cancro duro.

TRANSMISSÃO DA SÍFILIS

A transmissibilidade da sífilis é maior nos estágios iniciais (sífilis primária e secundária), diminuindo gradualmente com o passar do tempo (sífilis latente
recente/tardia). Essa maior transmissibilidade explica-se pela riqueza de treponemas nas lesões, comuns na sífilis primária (cancro duro) e secundária (lesões
mucocutâneas). As espiroquetas penetram diretamente nas membranas mucosas ou entram por abrasões na pele. Essas lesões se tornam raras ou inexistentes a
partir do segundo ano da doença.

Em gestantes, a taxa de transmissão vertical de sífilis para o feto é de até 80% intraútero. Essa forma de transmissão ainda pode ocorrer durante o parto
vaginal, se a mãe apresentar alguma lesão sifilítica. A infecção fetal é influenciada pelo estágio da doença na mãe (maior nos estágios primário e secundário) e
pelo tempo em que o feto foi exposto. Tal acometimento fetal provoca entre 30 a 50% de morte in utero, parto pré-termo ou morte neonatal.
CLASSIFICAÇÃO

Inicialmente, podemos dividir a sífilis em congênita e adquirida. A primeira forma será revista no módulo de Pediatria. Por ora, nos focaremos na
adquirida. Esta, por sua vez, pode ser classificada em:

● Adquirida recente (até um ano após a infecção): primária, secundária e latente recente;

● Adquirida tardia (com mais de um ano de evolução): latente tardia e terciária.

Observe a Figura 1 que esquematiza estes termos para uma melhor compreensão.

FIG. 1 CLASSIFICAÇÃO EVOLUTIVA DA SÍFILIS.

FORMAS CLÍNICAS

Clinicamente, classifica-se em sífilis primária, secundária e terciária. Denomina-se latência o intervalo aparentemente silencioso entre as manifestações
clínicas, detectáveis por sinais e sintomas.

SÍFILIS PRIMÁRIA

O tempo de incubação é de dez a 90 dias (média de três semanas).

A primeira manifestação é caracterizada por  uma úlcera rica em treponemas, geralmente única e indolor, com borda bem definida e regular, base
endurecida e fundo limpo, que ocorre no local de entrada da bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca ou outros locais do tegumento), sendo
denominada “cancro duro” ou "protossifiloma" (Figura 2).

FIG. 2 Cancro duro, a lesão primária.

A lesão primária é acompanhada de linfadenopatia regional (acometendo linfonodos localizados próximos ao cancro duro). Sua duração pode variar
muito, em geral, de três a oito semanas, e seu desaparecimento independe de tratamento. Pode não ser notada ou não ser valorizada pelo paciente. Embora
menos frequente em alguns casos, a lesão primária pode ser múltipla.

SÍFILIS SECUNDÁRIA

Ocorre, em média, entre seis semanas a seis meses após a cicatrização do cancro, ainda que manifestações iniciais, recorrentes ou subentrantes do
secundarismo, possam ocorrer em um período de até dois anos. Excepcionalmente, as lesões podem ocorrer em concomitância com a manifestação primária.
As manifestações são muito variáveis, mas tendem a seguir uma cronologia própria.
Inicialmente, apresenta-se uma erupção macular eritematosa pouco visível (roséola), principalmente no tronco e raiz dos membros. Nessa fase, são comuns
as placas mucosas, assim como lesões acinzentadas e pouco visíveis nas mucosas. As lesões cutâneas progridem para lesões mais evidentes, papulosas
eritemato-acastanhadas (sifílides papulosas), que podem atingir todo o tegumento, sendo frequentes nos genitais. Habitualmente, atingem a região plantar e
palmar, com um colarinho de escamação característico, em geral, não pruriginosa.

Mais adiante, podem ser identificados condilomas planos nas dobras mucosas, especialmente na área anogenital. Estas são lesões úmidas e vegetantes que
frequentemente são confundidas com as verrugas anogenitais causadas pelo HPV. Alopecia em clareiras e madarose são achados eventuais. O
secundarismo é acompanhado de micropoliadenopatia, sendo característica a identificação dos linfonodos epitrocleares. São comuns sintomas inespecíficos
como febre baixa, mal-estar, cefaleia e adinamia.

Os sintomas desaparecem em algumas semanas, independentemente de tratamento, trazendo a falsa impressão de cura. Atualmente, têm-se tornado mais
frequentes os quadros oculares, especialmente uveítes. A neurossífilis meningovascular, com acometimento dos pares cranianos, quadros meníngeos e
isquêmicos, pode acompanhar essa fase, contrariando a ideia de que a doença neurológica é exclusiva de sífilis tardia. Há que se considerar esse diagnóstico
especialmente, mas não exclusivamente, em pacientes com imunodepressão.

Toda erupção cutânea sem causa determinada deve ser investigada com testes para sífilis.

ATENÇÃO

Não confunda condiloma plano (sífilis) e condiloma acuminado (verrugas) do HPV.

Condiloma Plano é do Treponema pallidum!

As lesões cutâneo-mucosas podem se manifestar


de diferentes formas (Figuras 3 e 4), as
quais são apresentadas no Quadro 1 a seguir.

FIG. 3 Manchas eritematosas (A), sifílides papulosas (B), condiloma plano (C) e alopecia (D).
FIG. 4 Lesões difusas observadas em paciente com sífilis secundária.

QUADRO 1
LESÕES CARACTERÍSTICAS DA SÍFILIS SECUNDÁRIA

● Roséolas: lesões papulares ou planas eritematosas que acometem principalmente o tronco. Pode formar exantema morbiliforme (
Figura 5).

● Sifílides: lesões papuloerosivas, pustulosas e hipertróficas que acometem a cavidade oral, genital, palmas das mãos e plantas dos
pés (pápulas eritemato-acastanhadas, lisas a princípio e, após, escamosas). Nos indivíduos de raça negra, as lesões podem
apresentar configuração anular e circinada: é a sifílide elegante, mais comum ao redor dos orifícios naturais (boca e ânus) –
Figura 6.

● Condiloma plano: formado a partir da confluência de placas infectantes (papulo-hipertróficas).

● Placas mucosas: lesões elevadas nas mucosas (Figura 7).

● Alopecia irregular: couro cabeludo.

● Madarose: queda da porção distal das sobrancelhas.


FIG. 5 Exantema morbiliforme em uma paciente com sífilis secundária.

FIG. 6 Exantema papular em palmas das mãos na sífilis secundária.


FIG. 7 Placas mucosas.

SÍFILIS LATENTE

Período em que não se observa nenhum sinal ou sintoma. O diagnóstico se faz exclusivamente pela reatividade dos testes treponêmicos e não treponêmicos. A
maioria dos diagnósticos ocorre nesse estágio.

Classifica-se em:

● Recente : menos de um ano de evolução;

● Tardia : mais de um ano de evolução.

Aproximadamente 25% dos pacientes não


tratados intercalam lesões de secundarismo
com os períodos de latência, durante um a dois
anos da infecção.
Acompanhe o período de
latência das sífilis recente e tardia na Figura 9.
FIG. 9

Embora não seja muito utilizada, a OMS (2016) utiliza como critério para diferenciar a sífilis latente inicial da latente tardia o prazo de dois anos.

SÍFILIS TERCIÁRIA

Ocorre aproximadamente em 15 a 25% das infecções não tratadas, após um período variável de latência, podendo surgir entre 2 e 40 anos depois do início da
infecção.

A inflamação causada pela sífilis nesse estágio provoca destruição tecidual. É comum o acometimento do sistema nervoso (tabes dorsalis), do sistema
cardiovascular (aneurisma aórtico) e articular (artropatia de Charcot). Além disso, verifica-se a formação de tubérculos ou gomas sifilíticas (tumorações com
tendência a liquefação) na pele (Figura 8), mucosas, ossos ou qualquer tecido. As lesões podem causar desfiguração, incapacidade e até morte.

FIG. 8 Goma.

PRINCIPAIS APRESENTAÇÕES DA SÍFILIS TERCIÁRIA


● Lesões cutâneo-mucosas: tubérculos ou gomas – 15% – Figura 8.

● Neurológicas: tabes dorsalis, mielite transversa e demência – 8 a 10%.

● Cardiovasculares: aneurisma aórtico pela aortite sifilítica, estenose coronariana e insuficiência aórtica – 10%.

● Articulares: artropatia de Charcot.

A Tabela 1 correlaciona as manifestações clínicas de sífilis adquirida com a evolução e estágios


da doença.

TAB. 1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE SÍFILIS ADQUIRIDA, DE ACORDO COM O TEMPO DE INFECÇAO, EVOLUÇÃO E ESTÁGIOS DA DOENÇA.

ESTÁGIOS DE SÍFILIS ADQUIRIDA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS


● Cancro duro (úlcera genital).
Primária
● Linfonodos regionais.
● Lesões cutâneo-mucosas (roséola, placas mucosas,
sifílides
papulosas, sifílides palmoplantares, condiloma
plano, alopecia
em clareira, madarose, rouquidão).

Secundária ● Micropoliadenopatia.

● Linfadenopatia generalizada.

● Sinais constitucionais.

● Quadros neurológicos, oculares, hepáticos.


Latente recente
Assintomática.
(até um ano de duração)
Latente tardia
Assintomática.
(mais de um ano de duração)
● Cutâneas: lesões gomosas e nodulares, de
caráter destrutivo.

● Ósseas: periostite, osteíte gomosa ou esclerosante,


artrites,
sinovites e nódulos justarticulares.

● Cardiovasculares: estenose de coronárias, aortite e


aneurisma
Terciária da aorta, especialmente da porção torácica.

● Neurológica: menin­gite, gomas do cérebro ou da


medula,
atrofia do nervo óptico, lesão do sétimo par
craniano, mani‐­
festações psiquiátrica, tabes dorsalis e
quadros demenciais
como o da paralisia geral.
Fonte: DCCI/SVS/MS.

saiba mais

SOBRE A NEUROSSÍFILIS

O envolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC) Dificuldades de memória.


pode ocorrer durante qualquer estágio da sífilis e Confusão mental
anormalidades laboratoriais do LCR são comuns
em pessoas infectadas já nos estágios iniciais da Meningite sifilítica.
doença, pois o T. pallidum invade
precocemente o
SNC dentro de horas a dias após a inoculação. A
neuroinvasão pode ser transitória e não estão bem
estabelecidos os preditores de sua
persistência e
do início de sinais e sintomas clínicos.

QUAIS PODEM SER SUAS


MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS?
● Envolvimento ocular (uveíte, paralisia de nervos
cranianos).

● Envolvimento auditivo.

● Paresia geral.

● Deficiência cognitiva.

● Mudanças de comportamento.

● Demência.

● Depressão.

● Mania.

● Psicose com alucinações visuais ou auditivas.

● Dificuldades de memória.

● Confusão mental.

● Meningite sifilítica.

● Lesão meningovascular: acometimento isquêmico,


principalmente cápsula interna, artéria cerebral
média, carótida, artéria basilar, artéria cerebral
posterior, vasos cerebelares.

● Tabes dorsalis.

● Goma sifilítica.

● Epilepsia.

QUANDO INVESTIGAR NEUROSSÍFILIS?

Segundo o PCDT IST – MS, o líquido cerebroespinhal


(punção lombar) deve ser investigado na presença de:

● Sintomas neurológicos ou oftalmológicos;

● Em caso de evidência de sífilis terciária ativa;

● Após falha ao tratamento clínico sem reexposição


sexual. Para PVHIV, a punção lombar está indicada
após falha ao tratamento, independentemente da
história sexual.

SÍFILIS E GRAVIDEZ

Apesar de cerca de 20% dos recém-natos de


gestantes infectadas não tratadas não apresentarem
sintomas, a doença pode se relacionar
a diversas complicações,
como:

● Crescimento intrauterino restrito;

● Óbito fetal;

● Óbito neonatal;

● Parto prematuro;

● Anomalias congênitas.

Tradicionalmente, sempre se acreditou que a contaminação do feto só ocorreria a partir do quarto mês de gestação, pois antes disso o espesso epitélio
trofoblástico impediria a passagem das espiroquetas. No entanto, já existem evidências que sustentam que a infecção possa acometer o feto em qualquer idade
gestacional, mesmo antes de 16 semanas, contrariando o que se acreditava anteriormente. Assim, apesar de alguma divergência, o conhecimento atual sugere
que a sífilis possa ser transmitida em qualquer fase da gravidez.

As taxas de transmissão vertical da sífilis são maiores nas infecções recentes (< 1 ano), o que pode ser explicado pela maior carga de espiroquetas
encontrada nas infecções recentes (Tabela 2).

TAB. 2 TAXAS DE TRANSMISSÃO VERTICAL CONFORME AS FASES CLÍNICAS DA SÍFILIS.

FASES CLÍNICAS TAXA DE TRANSMISSÃO VERTICAL


Primária 70 a 100%
Secundária 90 a 100%
Latente precoce 40 a 80%
Latente tardia 10 a 30%
Terciária 10 a 30%
MÉTODOS DIAGNÓSTICOS

Os testes utilizados para o diagnóstico de sífilis são divididos em duas categorias: exames diretos e testes imunológicos.

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EXAMES DIRETOS DE SÍFILIS

Os exames diretos são aqueles em que se realiza a pesquisa ou detecção do T. pallidum em amostras coletadas diretamente das lesões, e estão descritos na
Tabela 3.

TAB. 3 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS DE SÍFILIS – EXAMES DIRETOS

Fonte: DIAHV/SVS/MS.

Em relação à coleta do material biológico,


sempre que houver disponibilidade, deve-se
fazer o exame a fresco do exsudato seroso da
lesão, livre de eritrócitos,
outros organismos
e restos de tecido.

FIG. 10

TESTES IMUNOLÓGICOS DE SÍFILIS

Os testes imunológicos são, certamente, os mais utilizados na prática clínica. Caracterizam-se pela realização de pesquisa de anticorpos em amostras de sangue
total, soro ou plasma. Esses testes são subdivididos em duas classes, os treponêmicos e os não treponêmicos (Tabela 4).
TAB. 4  MÉTODOS DIAGNÓSTICOS DE SÍFILIS – TESTES IMUNOLÓGICOS

Fonte: DIAHV/SVS/MS.

A análise isolada do título de um único resultado de um teste não treponêmico (ex.: VDRL, RPR) é um equívoco frequente. Textos antigos mencionavam ponto
de corte acima do qual seria indicativo de doença. Essa ideia leva a decisões terapêuticas inadequadas.

Há que se incorporar definitivamente a ideia de que títulos altos nos testes não treponêmicos (em queda) podem ser encontrados em pacientes
adequadamente tratados e títulos baixos podem ser encontrados em três situações:

• Infecção recente;

• Estágios tardios da infecção (sífilis tardia e latente tardia);


• Casos de pessoas adequadamente tratadas que não tenham atingido a negativação. Esse pode ser um fenômeno temporário ou persistente, denominado
cicatriz sorológica.

Os testes treponêmicos (ex.: testes rápidos, FTA-Abs, TPHA), por sua vez, ficam quase sempre reagentes por toda a vida, apesar de tratamento adequado.
Entretanto, frente a achados clinicoepidemiológicos, na ausência de tratamento, são indicativos de doença ativa. Ainda assim, os testes não treponêmicos
devem ser solicitados para acompanhamento sorológico.

TESTES NÃO TREPONÊMICOS

Esses testes detectam anticorpos anticardiolipina não específicos para os antígenos do T. pallidum. Permitem a análise qualitativa e quantitativa.

Sempre que um teste não treponêmico é realizado, é imprescindível analisar a amostra pura e diluída, em virtude do fenômeno prozona. Uma vez observada
reatividade no teste, a amostra deve ser diluída em um fator dois de diluição, até a última diluição em que não haja mais reatividade no teste. O resultado final
dos testes reagentes, portanto, deve ser expresso em títulos (1:2, 1:4, 1:8, etc.).

Os testes não treponêmicos são utilizados para o diagnóstico (como primeiro teste ou teste complementar) e também para o monitoramento da resposta ao
tratamento e controle de cura. A queda adequada dos títulos é o indicativo de sucesso do tratamento.

Os testes não treponêmicos mais comumente utilizados no Brasil são o VDRL (do inglês Venereal Disease Research Laboratory), o RPR (do inglês
Rapid Plasma Reagin) e o USR (do inglês Unheated-Serum Reagin).

Resultados falso-reagentes, ainda que raros, podem ocorrer. Anticorpos anticardiolipinas podem estar presentes em outras doenças, como gravidez, lúpus,
síndrome antifosfolipídeo, doença de Chagas, hanseníase, malária, mononucleose, leptospirose, doenças febris e tuberculose, dentre outros. Por isso, é sempre
importante realizar testes treponêmicos e não treponêmicos para a definição laboratorial do diagnóstico.

Os testes não treponêmicos tornam-se reagentes cerca de uma a três semanas após o aparecimento do cancro duro. Se a infecção for detectada nas fases tardias
da doença, são esperados títulos baixos nesses testes. Títulos baixos (≤ 1:4) podem persistir por meses ou anos. Pessoas com títulos baixos em testes não
treponêmicos, sem registro de tratamento e sem data de infecção conhecida, são consideradas como portadoras de sífilis latente tardia, devendo ser tratadas.

A diferenciação entre teste qualitativo e quantitativo faz parte da rotina laboratorial para testar amostras com testes não treponêmicos. O teste qualitativo se
inicia com amostra pura e diluída 1:8 ou 1:16, para evitar resultados falso-negativos em virtude do fenômeno de prozona.

Toda amostra reagente no teste qualitativo deve ser testada com o teste quantitativo para determinar o título, ou seja, a maior diluição da amostra que ainda
é reagente. As diluições testadas são 1:2, 1:4, 1:8, 1:16, 1:32, 1:64, 1:128, 1:256, 1:512, 1:1024 e assim sucessivamente.
O fenômeno de prozona consiste na falta de reatividade no teste realizado em uma amostra que, embora contenha anticorpos não treponêmicos, apresenta
resultado não reagente quando é testada sem diluir. Trata-se de fenômeno produzido por excesso de anticorpos em relação à quantidade de antígenos, com
formação de imunocomplexos solúveis, gerando resultados falso-negativos.

Se a amostra for não reagente no teste qualitativo, naturalmente não precisa de diluição para quantificação de anticorpos.

saiba mais

FENÔMENO PROZONA

Consiste na não visualização da aglutinação que normalmente acontece quando um Antígeno (Ag) e Anticorpo (Ac) se ligam formando um complexo Ag-Ac.

Em soros com altos títulos de anticorpos anti- cardiolipínicos (decorrente do excesso de treponemas), pode não ocorrer aglutinação Ag e Ac nas diluições
iniciais, gerando um resultado aparentemente negativo.

Para evitar este fenômeno, é importante realizar sempre a diluição do soro.

QUANDO CONSIDERAR UM VDRL SUGESTIVO DE INFECÇÃO?

● Títulos maiores que 1:4 (1:8, 1:16, 1:32, 1:64...).

● Aumento dos títulos em quatro vezes em sorologias sequenciais (p.e., 1:4 → 1:16).

● Positivação dos títulos em paciente com sorologia prévia negativa.

TESTES TREPONÊMICOS

São testes que detectam anticorpos específicos produzidos contra os antígenos de T. pallidum. São os primeiros a se tornarem reagentes, podendo ser
utilizados como primeiro teste ou teste complementar. Em 85% dos casos, permanecem reagentes por toda vida, mesmo após o tratamento e, por isso, não são
indicados para o monitoramento da resposta ao tratamento.

Existem vários tipos de testes treponêmicos:

● Os Testes Rápidos (TR) utilizam principalmente a metodologia de imunocromatografia de fluxo lateral ou de plataforma de duplo percurso (DPP). São
distribuídos pelo Ministério da Saúde para estados e Distrito Federal, sendo os mais indicados para início de diagnóstico;

Os TR são práticos e de fácil execução, com leitura do resultado em, no máximo, 30 minutos. Podem ser realizados com amostras de sangue total colhidas
por punção digital ou venosa. Têm a vantagem de serem realizados no momento da consulta, possibilitando tratamento imediato.

● Testes de hemaglutinação (TPHA, do inglês T. Pallidum Haemagglu­tination Test) e de aglutinação de partículas (TPPA, do inglês T. Pallidum
Particle Agglutination Assay); ensaios de micro-hemaglutinação (MHA-TP, do inglês Micro-Haemagglu­tination Assay);

● Teste de imunofluorescência indireta (FTA-Abs, do inglês Fluorescent Treponemal Antibody-Absorption);

● Ensaios imunoenzimáticos (como os testes ELISA, do inglês Enzyme-Linked Immunossorbent Assay) e suas variações, como os ensaios de
quimiluminescência (CMIA). A vantagem desses ensaios é sua elevada sensibilidade e capacidade de automação.

Os testes de hemaglutinação (TPHA), aglutinação de partículas (TPPA) e de imunofluorescência indireta (FTA-Abs) são produzidos com antígenos naturais de
Treponema pallidum. Esses antígenos são difíceis de obter e, por isso, tornam tais testes mais caros. As metodologias do tipo ELISA, CMIA e os testes
rápidos são produzidos com antígenos sintéticos ou recombinantes, fator que favorece sua comercialização por preços menores.

A Figura 11 apresenta o desempenho dos testes laboratoriais em cada estágio de sífilis.


FIG. 11 ESTÁGIOS CLÍNICOS E MÉTODOS DIAGNÓSTICOS DE SÍFILIS.

INTERPRETAÇÃO DOS TESTES IMUNOLÓGICOS E CONDUTA

A Tabela 5 apresenta as possíveis interpretações e conduta frente ao resultado dos testes imunológicos.

TAB. 5 RESULTADOS DE TESTES TREPONÊMICOS DE SÍFILIS, INTERPRETAÇÃO E CONDUTA.

Fonte: DCCI/SVS/MS.

DIAGNÓSTICO DE SÍFILIS
O diagnóstico de sífilis exige uma correlação entre dados clínicos, resultados de testes laboratoriais, histórico de infecções passadas e investigação de
exposição recente. Apenas o conjunto de todas essas informações permitirá a correta avaliação diagnóstica de cada caso e, consequentemente, o tratamento
adequado.

A presença de sinais e sintomas compatíveis com sífilis (primária, secundária e terciária) favorece a suspeição clínica. Entretanto, não há sinal ou sintoma
patognomônico da doença. Portanto, para a confirmação do diagnóstico é necessária a solicitação de testes diagnósticos. Nas fases sintomáticas, é possível a
realização de exames diretos, enquanto os testes imunológicos podem ser utilizados tanto na fase sintomática quanto na fase de latência.

Considerando a sensibilidade dos fluxos diagnósticos, recomenda-se, sempre que possível, iniciar a investigação por um teste treponêmico, preferencialmente
o teste rápido.

A combinação de testes sequenciais tem por objetivo aumentar o Valor Preditivo Positivo (VPP) de um resultado reagente no teste inicial. O fluxograma em
série é custo-efetivo e está apresentado na Figura 12.

FIG. 12 TESTES IMUNOLÓGICOS PARA DIAGNÓSTICO DE SÍFILIS.

Os profissionais de saúde, tanto da medicina quanto da enfermagem, devem solicitar os testes imunológicos para sífilis, explicitando no formulário de
solicitação a finalidade do exame:

● Diagnóstico de sífilis: solicitação para rede laboratorial. Deverá ser solicitado na indisponibilidade do teste rápido no serviço;

● Diagnóstico de sífilis após TR reagente: quando foi realizada a testagem rápida no serviço de saúde e com resultado reagente. Nesse momento, o
laboratório iniciará a investigação com o teste não treponêmico;

● Monitoramento do tratamento de sífilis: quando o diagnóstico e tratamento da sífilis já foram realizados e é necessário monitorar os títulos dos
anticorpos não treponêmicos.

Não existe imunidade adquirida contra a sífilis, pois o nível de anticorpos decai, o que significa que uma pessoa pode se reinfectar inúmeras vezes.

TRATAMENTO

A benzilpenicilina benzatina é o medicamento de escolha para o tratamento de sífilis, sendo a única medicação com eficácia documentada durante a
gestação. Não há evidências de resistência de T. pallidum à penicilina no Brasil e no mundo.

Outras opções para não gestantes, como a doxiciclina e a ceftriaxona, devem ser usadas somente em conjunto com um acompanhamento clínico e laboratorial
rigoroso, para garantir resposta clínica e cura sorológica.

Devido ao cenário epidemiológico atual, recomenda-se tratamento imediato, com benzilpenicilina benzatina, após apenas um teste reagente para sífilis (teste
treponêmico ou teste não treponêmico) para as seguintes situações, independentemente da presença de sinais e sintomas de sífilis:
● Gestantes;

● Vítimas de violência sexual;

● Pessoas com chance de perda de seguimento (que não retornarão ao serviço);

● Pessoas com sinais/sintomas de sífilis primária ou secundária;

● Pessoas sem diagnóstico prévio de sífilis.

O fato da realização do tratamento com apenas um teste reagente para sífilis não exclui a necessidade de realização do segundo teste (melhor análise
diagnóstica), do monitoramento laboratorial (controle de cura) e do tratamento das parcerias sexuais (interrupção da cadeia de transmissão).

Para pacientes sintomáticos com suspeita de sífilis primária e secundária, e impossibilidade de realização de qualquer teste diagnóstico, recomenda-se
tratamento empírico imediato para sífilis recente, assim como para as respectivas parcerias sexuais.

APLICAÇÃO DE BENZILPENICILINA BENZATINA

Como medida de garantia de acesso, a benzilpenicilina benzatina passou a ser componente estratégico na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
(Rename), com aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde. A compra e distribuição tem como base de cálculo os casos notificados de sífilis adquirida e
de sífilis em gestantes. A benzilpenicilina benzatina dever ser administrada exclusivamente por via Intramuscular (IM). A região ventro-glútea é a via
preferencial, por ser livre de vasos e nervos importantes, sendo tecido subcutâneo de menor espessura, com poucos efeitos adversos e dor local. Outros locais
alternativos para aplicação são a região do vasto lateral da coxa e o dorso glúteo.

A presença de silicone (prótese ou silicone líquido industrial) nos locais recomendados pode impossibilitar a aplicação IM da medicação.

TRATAMENTO DE SÍFILIS RECENTE, SÍFILIS TARDIA E NEUROSSÍFILIS

As Tabelas 6 e 7 apresentam os esquemas terapêuticos utilizados para sífilis, de acordo com a classificação clínica.

TAB. 6  TRATAMENTO E MONITORAMENTO DE SÍFILIS.

Notas:

a A benzilpenicilina benzatina é a única opção segura e eficaz para tratamento adequado das gestantes.

b A regra é que o intervalo entre doses seja de sete dias para completar o tratamento. No entanto, caso esse intervalo ultrapasse 14

dias, o esquema deve ser reiniciado (WHO, 2016).

Fonte: DCCI/SVS/MS.
TAB. 7  TRATAMENTO DA SÍFILIS SEGUNDO O CDC.

A benzilpenicilina benzatina é a única opção segura e eficaz para o tratamento adequado das gestantes. Qualquer outro tratamento realizado durante a
gestação, para fins de definição de caso e abordagem terapêutica de sífilis congênita, é considerado tratamento não adequado da mãe; por conseguinte, o RN
será notificado como sífilis congênita e submetido a avaliação clínica e laboratorial.

A resolução dos sinais e sintomas após o tratamento,


caso estes tenham estado previamente
presentes, é indicativa de resposta à terapia.
No entanto, o
monitoramento pós-tratamento
com teste não treponêmico é recomendado a todos os pacientes para determinar se ocorreu
resposta imunológica adequada.

REAÇÃO DE JARISCH-HERXHEIMER

A reação de Jarisch-Herxheimer é um evento que pode ocorrer durante as 24 horas após a primeira dose de penicilina, em especial nas fases primária ou
secundária. Caracteriza-se por exacerbação das lesões cutâneas – com eritema, dor ou prurido, mal-estar geral, febre, cefaleia e artralgia, que regridem
espontaneamente após 12 a 24 horas. Pode ser controlada com o uso de analgésicos simples, conforme a necessidade, sem ser preciso descontinuar o
tratamento.

As pessoas com prescrição de tratamento devem ser alertadas quanto a possibilidade de ocorrência dessa reação, em especial para que se faça distinção em
relação aos quadros de alergia à penicilina. Estes são muito raros com o uso da benzilpenicilina benzatina e, quando ocorrem, apresentam-se frequentemente
na forma de urticária e exantema pruriginoso.

Gestantes que apresentam essa reação podem ter risco de trabalho de parto prematuro, pela liberação de prostaglandinas em altas doses. Entretanto, caso a
gestante não seja tratada adequadamente para sífilis, o risco de abortamento ou morte fetal é maior que os riscos potenciais da reação.

SEGURANÇA E EFICÁCIA DA ADMINISTRAÇÃO DA BENZILPENICILINA BENZATINA

A administração de benzilpenicilina benzatina pode ser feita com segurança na Atenção Básica, tanto para a pessoa com sífilis quanto para suas(s)
parceria(s) sexual(is).

A probabilidade de reação adversa às penicilinas, em especial as reações graves, é muito rara. Diversos medicamentos normalmente prescritos e utilizados na
prática clínica diária (ex.: Anti-Inflamatórios Não Esteroides – AINE – lidocaína etc.), bem como alimentos (ex.: nozes, frutos do mar, corantes etc.)
apresentam maiores riscos de anafilaxia; todavia, não há tanto temor quanto à sua administração ou consumo. Infelizmente, o receio de reações adversas à
penicilina por profissionais de saúde, em especial a raríssima reação anafilática, tem contribuído para a perda do momento oportuno de tratamento de pessoas
com sífilis, colaborando para a manutenção da cadeia de transmissão da doença, inclusive sua faceta mais grave, a sífilis congênita. A possibilidade de reação
anafilática à administração de benzilpenicilina benzatina é de 0,002%.
O receio de ocorrência de reações adversas não é impeditivo para a administração de benzilpenicilina benzatina nos serviços de saúde, especialmente na
Atenção Básica. A anafilaxia, como discutido anteriormente, não é exclusiva das penicilinas e, portanto, os serviços devem estar cientes dos procedimentos a
serem adotados em tal situação. A adrenalina é a medicação de escolha para tratamento da reação de anafilaxia, caso esta ocorra.

A seguir complemente sua leitura aprendendo sobre dessensibilização à penicilina.

DESSENSIBILIZAÇÃO À PENICILINA

ALERGIA À PENICILINA BENZATINA

O diagnóstico de alergia à penicilina deve ser adequadamente avaliado antes de se indicar outro medicamento para o tratamento da sífilis. Em primeiro lugar,
esta avaliação compreende um interrogatório eficiente que oriente a real necessidade dos testes de sensibilidade à penicilina. Na grande maioria dos casos não
são necessários, porque o antecedente da “alergia” não se confirma por reações urticariformes ou lesões mais graves após o uso de derivados penicilínicos.

A maioria das reações à penicilina é de natureza relativamente benigna. As reações anafiláticas ocorrem em 10 a 40 por 100.000 injeções aplicadas, com
aproximadamente duas mortes por 100.000. Muitos autores advogam contra a realização dos testes de sensibilidade à penicilina. No entanto, é muito comum a
prescrição da penicilina após teste que, na maioria dos casos, são realizados de forma incorreta, expondo o paciente ao mesmo risco de reação a que seria
submetido se recebesse a injeção da penicilina prescrita. A história de alergia à penicilina só pode ser confirmada com a realização de testes adequados de
sensibilidade. Tais testes cutâneos podem fazer parte da rotina de atividades de qualquer unidade de saúde, seguindo-se protocolo específico.

REAÇÃO ALÉRGICA

São reações por hipersensibilidade imediata do tipo I mediada por IgE, mastócitos e basófilos. Ocorrem em 10 a 40 aplicações a cada 10.000. Possui cerca de
dois óbitos por 100.000 aplicações.

São fatores de risco para sua ocorrência:

● Genética (atopia e sexo feminino);

● Doenças associadas como: imunodepressão, Epstein-Barr vírus e leucemia linfoide aguda;

● Posologia parenteral (maior risco que a oral);

● Uso concomitante de betabloqueadores;

● Reações alérgicas prévias à penicilina.

TESTES CUTÂNEOS DE ALERGIA À PENICILINA

Os testes ancoram-se na administração cutânea de volumes mínimos de penicilina G cristalina, na concentração de 10.000 UI/ml. São de dois tipos:

Teste de Puntura ou Prick Test

Deve ser realizado pingando-se uma gota da solução na face anterior do antebraço. A seguir, pressiona-se a pele, no centro da gota, com um puntor plástico
descartável ou com a ponta de uma agulha fina tipo insulina. O procedimento deverá ser repetido no outro antebraço, ou até mesmo no mesmo braço com uma
distância mínima de 2 cm entre os pontos, empregando-se soro fisiológico (teste controle). Deve-se aguardar 30 minutos.

● Teste negativo: não apresentará alterações locais quanto à cor da pele, prurido ou outro sinal; neste caso, proceder em seguida ao teste intradérmico.

● Teste positivo: apresentará formação de pápula, eritema e/ou prurido locais. Não está indicada a realização do teste intradérmico. Neste caso, está indicada
a dessensibilização.

Teste Intradérmico

Só está indicado no caso do teste de puntura ser negativo. É realizado com a injeção de 0,02 ml da solução na derme da face anterior do antebraço, com agulha
de insulina. Deverá aparecer imediatamente no local uma pequena pápula. O procedimento deverá ser repetido no outro antebraço, ou até mesmo no mesmo
braço com uma distância mínima de 2 cm entre os pontos, empregando-se soro fisiológico (teste controle). Deve-se aguardar 30 minutos.

● Teste negativo: não apresentará alterações locais quanto à cor da pele, prurido ou outro sinal; neste caso, estará descartada a possibilidade de reação
alérgica imediata e grave e, portanto, poderá ser aplicada a penicilina.

● Teste positivo: apresentará aumento da pápula inicial, com ou sem eritema e/ou prurido locais. Não está indicada a realização do teste intradérmico. Neste
caso, está indicada a dessensibilização.

ESQUEMA DE DESSENSIBILIZAÇÃO ORAL À PENICILINA


Segundo o Manual das Doenças Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, a dessensibilização é realizada com a administração oral de penicilina V
(fenoximetilpenicilina potássica), em diluições gradativamente menores e volumes inversamente maiores (Quadro 2). Todo processo deve ser realizado em
ambiente hospitalar ou onde se possa assegurar atendimento de urgência, caso ocorram manifestações de alergia. Nesse caso, a dessensibilização será
interrompida e o tratamento alternativo instituído. O período de observação deverá ser de 30 minutos após o término do processo, para que se possa proceder à
administração parenteral de penicilina.

QUADRO 2

PREPARO DA SOLUÇÃO DE PENICILINA

● Para a concentração de 1:80.000 – reconstituir um frasco de penicilina V colocando água filtrada diretamente dentro do frasco, aos poucos, e ir agitando
até que a solução atinja a marca indicada no rótulo. O frasco conterá 60 ml.

● Cada 5 ml = 400.000 UI de fenoximetilpenicilina potássica; cada 1 ml = 80.000 UI de fenoximetilpenicilina potássica.

● Para a concentração de 1:10.000 – aspirar 1 ml da solução acima e diluir em 7 ml de água filtrada, resultando em uma concentração de 1 ml = 10.000 UI de
fenoximetilpenicilina potássica.

● Para concentração de 1:1.000 – aspirar 1 ml da solução acima e diluir em 9 ml de água filtrada, resultando em uma concentração de 1 ml = 1.000 UI de
fenoximetilpenicilina potássica.

Manual de Controle das DSTs – Ministério da Saúde.

MONITORAMENTO PÓS-TRATAMENTO DE SÍFILIS

Para o seguimento do paciente, os testes não treponêmicos (ex.: VDRL-RPR) devem ser realizados mensalmente nas gestantes e, no restante da
população (incluindo PVHIV), a cada três meses até o 12º mês do acompanhamento do paciente (3, 6, 9 e 12 meses).

A pessoa tratada com sucesso pode ser liberada de novas coletas após um ano de seguimento pós-tratamento. Entretanto, a aquisição de uma nova IST,
especialmente sífilis, é um fator de risco para outras IST. Deve ser fortemente considerada a realização de rastreamento de acordo com a história sexual e o
gerenciamento de risco para sífilis e outras IST na população de pessoas curadas de sífilis.

Os testes não treponêmicos não são automatizados; portanto, pode haver diferença entre leituras em momentos diferentes e/ou quando realizadas por mais de
um observador. Por essa razão, variações do título em uma diluição (ex.: de 1:2 para 1:4; ou de 1:16 para 1:8) devem ser analisadas com cautela.

O monitoramento é fundamental para classificar a resposta ao tratamento, identificar possível reinfecção e definir a conduta correta para cada caso.
Didaticamente, a resposta ao tratamento foi classificada em:
● Resposta imunológica adequada;

● Critérios de retratamento: reativação e/ou reinfecção.

O monitoramento deve ser realizado com teste não treponêmico e, sempre que possível, com o mesmo método diagnóstico. Por exemplo: se o diagnóstico for
realizado com VDRL, deve-se manter seguimento com VDRL. Em caso de diagnóstico realizado com RPR, manter seguimento com RPR.

RESPOSTA IMUNOLÓGICA AO TRATAMENTO DE SÍFILIS

Tradicionalmente, é indicação de sucesso de tratamento a ocorrência de diminuição da titulação em duas diluições dos testes não treponêmicos em até três
meses e quatro diluições até seis meses, com evolução até a sororreversão (teste não treponêmico não reagente). Essa resposta é mais comum em pessoas de
menos idade, com títulos não treponêmicos mais altos no início do tratamento e em estágios mais recentes da infecção (sífilis primária, secundária e latente
recente). Mesmo que ocorra resposta adequada ao tratamento, o seguimento clínico deve continuar, com o objetivo de monitorar possível reativação ou
reinfecção.

Atualmente, para definição de resposta imunológica adequada, utiliza-se o teste não treponêmico não reagente ou uma queda na
titulação em duas diluições em até seis meses para sífilis recente e queda na titulação em duas diluições em até 12 meses para sífilis
tardia. Quanto mais precoce for o diagnóstico e o tratamento, mais rapidamente haverá desaparecimento dos anticorpos circulantes e consequente
negativação dos testes não treponêmicos, ou, ainda, sua estabilização em títulos baixos.

Deve-se realizar a coleta do teste não treponêmico, sempre que possível, no início do tratamento (idealmente, no primeiro dia de tratamento), uma vez que os
títulos podem aumentar significativamente se o tratamento só for iniciado após alguns dias do diagnóstico. Isso é importante para documentação da titulação
no momento do início do tratamento e servirá como base para o monitoramento clínico.

A persistência de resultados reagentes em testes não treponêmicos após o tratamento adequado e com queda prévia da titulação em pelo menos duas diluições,
quando descartada nova exposição de risco durante o período analisado, é chamada de “cicatriz sorológica” (serofast) e não caracteriza falha terapêutica.

TÍTULO × DILUIÇÃO

Quando os títulos da amostra diminuem em duas diluições (ex.: de 1:64 para 1:16), isso significa que o título da amostra caiu quatro vezes. Isso porque a
amostra é diluída em um fator 2; logo, uma diluição equivale a dois títulos.

Para realizar um teste não treponêmico, são feitas várias diluições da amostra. A última diluição que ainda apresenta reatividade permite determinar o título
(ex.: amostra reagente até a diluição 1:16 corresponde ao título 16).

No Brasil, a maioria dos laboratórios libera o resultado na forma de diluição.

CRITÉRIOS DE RETRATAMENTO DE SÍFILIS: REATIVAÇÃO OU REINFECÇÃO

Muitas vezes, é difícil distinguir entre reinfecção, reativação e cicatriz sorológica, sendo fundamental a avaliação da presença de sinais e sintomas clínicos
novos, da epidemiologia (reexposição), do histórico de tratamento (duração, adesão e medicação utilizada) e dos exames laboratoriais prévios, para facilitar a
elucidação diagnóstica.

São critérios de retratamento e necessitam de conduta ativa do profissional de saúde:

● Ausência de redução da titulação em duas diluições no intervalo de seis meses (sífilis recente, primária e secundária) ou 12 meses (sífilis tardia) após o
tratamento adequado (ex.: de 1:32 para > 1:8; ou de 1:128);

ou

● Aumento da titulação em duas diluições ou mais (ex.: de 1:16 para 1:64; ou de 1:4 para 1:16);

ou

● Persistência ou recorrência de sinais e sintomas clínicos.

O esquema de retratamento, se para sífilis recente ou tardia, irá depender de cada caso. A investigação de neurossífilis por meio de punção lombar está
indicada na população geral, quando não houver exposição sexual no período que justifique uma reinfecção.

Para PVHIV, a investigação está recomendada em todos os casos de retratamento, independentemente de haver ocorrido ou não nova exposição.
O monitoramento mensal das gestantes e da população geral aos três e aos nove meses não tem o intuito de avaliar queda da titulação, mas principalmente
descartar aumento da titulação em duas diluições, o que configuraria reinfecção/reativação e necessidade de retratamento da pessoa e das parcerias
sexuais.

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SÍFILIS: PARTICULARIDADES EM POPULAÇÕES ESPECIAIS

GESTANTES

As gestantes com sífilis, devido à grande probabilidade de transmissão vertical, devem ser tratadas com cuidados especiais, conforme segue:

● As gestantes devem ser testadas para sífilis na primeira consulta, no início do terceiro trimestre e na internação para o parto, em caso de
aborto/natimorto ou história de exposição de risco/violência sexual;

● As gestantes com testes rápidos reagentes para sífilis deverão ser consideradas como portadoras de sífilis até prova em contrário;

● Na ausência de tratamento adequado, recente e documentado, deverão ser tratadas no momento da consulta;

● Existe evidência de que os benefícios suplantam o custo e o risco do tratamento com benzilpenicilina benzatina;

● Ainda nesse momento, deve ser solicitado, ou preferencialmente colhido, teste não treponêmico (linha de base), para seguimento sorológico;

● O atraso do tratamento no aguardo de resultados de teste complementar faz com que o profissional perca tempo e a oportunidade de evitar a transmissão
vertical da sífilis;

● O monitoramento sorológico deve ser mensal até o termo. Após o parto, o seguimento é trimestral até o 12º mês de acompanhamento (3, 6, 9, 12 meses);

● A gravidez também é um assunto de homens. Estimular a participação do pai/parceiro durante todo o processo de pré-natal é essencial para o bem-estar
biopsicossocial da mãe, do bebê e dele próprio;

● É fundamental a implementação do pré-natal do parceiro;

● Para o combate à sífilis congênita, o tratamento da gestante com benzilpenicilina benzatina após um teste reagente é fundamental.

Cada semana que uma gestante com sífilis passa sem tratamento é mais tempo de exposição e risco de infecção para o feto. Esta medicação é segura e a
melhor opção para o tratamento da mãe e da criança. Garantir o tratamento adequado da gestante, além de registrá-lo na caderneta de pré-natal, é impedir que
o recém-nascido passe por intervenções biomédicas desnecessárias que podem colocá-lo em risco, além de comprometer a relação mãe-bebê.

SÍFILIS E HIV

A prevalência de sífilis é maior entre as PVHIV que entre as pessoas negativas para o HIV. Estudos sugerem que a alta taxa de sífilis é mais provavelmente
causada por fatores comportamentais que por fatores imunológicos.

A aquisição de sífilis e de outras IST em PVHIV confirma a vulnerabilidade e a falha na adesão às orientações de prevenção. Pessoas com comportamento
sexual de alto risco muitas vezes têm acesso limitado aos cuidados de saúde, devido a questões econômicas e/ou estigmatização social.

Úlceras genitais podem facilitar a transmissão sexual e perinatal do HIV. A quebra da integridade do epitélio mucoso ocasiona uma via de entrada para o vírus.
Além disso, há um influxo local de linfócitos T CD4+ e aumento da expressão de correceptores CCR5 em macrófagos, aumentando a probabilidade de
aquisição do HIV.

Há relatos isolados de comportamento anormal dos testes imunológicos de sífilis e resposta terapêutica atípica em PVHIV. As recomendações diagnósticas
para essa população, no entanto, são as mesmas utilizadas para pessoas sem infecção por HIV. O tratamento com benzilpenicilina benzatina deve ser realizado
de acordo com a fase clínica da doença.

Recomenda-se mais atenção às complicações oculares e neurológicas, que tendem a ser mais frequentes nos pacientes com HIV, pelo menos naqueles não
tratados ou tratados de forma não adequada.  Todas as PVHIV diagnosticadas com sífilis devem ser submetidas a um exame neurológico
minucioso. Em caso de sinais ou sintomas oculares e/ou neurológicos, a consulta com especialista não deve ser retardada e a punção lombar passa a ser uma
imposição diagnóstica.

O curso clínico da sífilis pode ser alterado pela coinfecção com HIV, com a ocorrência de manifestações atípicas ou mais agressivas. As apresentações clínicas
de cada estágio geralmente são semelhantes às dos pacientes sem infecção pelo HIV. No entanto, podem ocorrer:

● Desenvolvimento de cancros múltiplos e profundos ou atípicos, os quais apresentam resolução mais lenta;

● Maior frequência de sobreposição de estágios; concomitância de lesões primárias e secundárias no momento do diagnóstico;

● Maior frequência de forma clínica de secundarismo; habitualmente, os sintomas constitucionais são mais exuberantes e as lesões cutâneas mais agressivas;

● Predisposição para o desenvolvimento de lesões oftálmicas e neurológicas.


O diagnóstico de sífilis em PVHIV é realizado da mesma forma que nos indivíduos sem infecção. Quando os achados clínicos são sugestivos de sífilis, mas os
testes imunológicos são não reagentes ou as interpretações deixam dúvidas, formas alternativas de diagnóstico, como biópsia da lesão e microscopia de campo
escuro de material da lesão, podem ser úteis para o diagnóstico.

SÍFILIS: PARCERIAS SEXUAIS

Um terço das parcerias sexuais de pessoas com sífilis recente desenvolverá sífilis dentro de 30 dias da exposição. Portanto, além da avaliação clínica e do
seguimento laboratorial, se houve exposição à pessoa com sífilis (até 90 dias), recomenda-se oferta de tratamento presuntivo a esses parceiros sexuais
(independentemente do estágio clínico ou dos sinais e sintomas), com dose única de benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM (1,2 milhão de UI em cada
glúteo).

Todas as parcerias devem ser testadas. Quando o teste de sífilis for reagente, recomenda-se tratamento de sífilis adquirida no adulto, de acordo com o estágio
clínico.

A avaliação e tratamento das parcerias sexuais é crucial para interromper a cadeia de transmissão da infecção.

CANCRO MOLE

SINONÍMIA

Cancroide, cancro venéreo, úlcera de Ducreyi, cancro de Ducreyi, cavalo, cancrela.

DEFINIÇÃO

É doença de transmissão exclusivamente sexual. Acredita-se que a infecção se transmita por microabrasões epidérmicas durante o ato sexual.

AGENTE ETIOLÓGICO

Causado por um cocobacilo Gram-negativo, Haemophilus ducreyi, inoculado em pequenas soluções de continuidade na pele ou mucosa, consequente ao
coito.

PERÍODO DE INCUBAÇÃO

Varia de três a sete dias. O risco de infecção em um intercurso sexual é de 80%, mais frequente em homens.

ETIOPATOGENIA

Acredita-se que a infecção ocorra por múltiplas microabrasões epidérmicas durante o coito. Este dado baseia-se em experiências clínicas, que demonstraram a
necessidade de abrasão cutânea para ocorrência da infecção.

QUADRO CLÍNICO

As lesões são dolorosas, geralmente múltiplas,


e devido à autoinoculação. A borda é irregular,
apresentando contornos eritematoedematosos
e fundo
heterogêneo, recoberto por exsudato
necrótico, amarelado, com odor fétido, que,
quando removido, revela tecido de granulação
com sangramento fácil (
Figura 13).
FIG. 13

No homem, os locais mais acometidos são o frênulo e o sulco balanoprepucial; na mulher, a fúrcula e a face interna dos pequenos e grandes lábios.

Em 30 a 50% dos pacientes, a bactéria atinge


os linfonodos inguinocrurais (bubão), sendo
unilaterais em 2/3 dos casos, observados quase exclusivamente no
sexo masculino pelas características anatômicas da drenagem linfática. No início, ocorre tumefação sólida e dolorosa, evoluindo para liquefação e fistulização
em 50% dos casos, tipicamente por orifício único. Raramente, apresenta-se sob a forma de lesão extragenital ou doença sistêmica.

A cicatrização pode ser desfigurante.

O diagnóstico diferencial é realizado com


cancro duro (sífilis primária), herpes genital,
LGV, donovanose e erosões traumáticas
infectadas.

O cancro misto de Rollet é a denominação da


associação de cancro mole com cancro duro
(12 a 15% dos casos).

DIAGNÓSTICO

Nenhum método de identificação possui uma sensibilidade adequada.

EXAME FÍSICO

É bem sugestivo. O achado de úlcera dolorosa com adenopatia inguinal dolorosa é bastante sugestivo e quando se associa à presença de supuração, é
considerada patognomônica. Sua diferenciação clínica pode ser difícil mesmo quando realizada por observadores muito experientes. Em 10% dos casos pode
coexistir com outra doença.

MICROSCOPIA DE MATERIAL
CORADO PELA TÉCNICA DE GRAM

A visualização de bacilos Gram-negativos


típicos, de tamanho pequeno, agrupados em
correntes dos tipos "cardume de peixes”, "vias férreas" ou "impressões
digitais” em material
coletado das úlceras genitais.

● Coleta do material biológico: coleta do exsudato


seroso da base da lesão, livre de eritrócitos,
outros organismos e restos de tecido.

» Resultado positivo: presença de achados


morfológicos típicos de Haemophilus
ducreyi na amostra biológica.

» Resultado negativo: ausência de achados morfológicos típicos de Haemophilus ducreyi na amostra biológica. O resultado negativo não exclui a
possibilidade de presença do patógeno, pois nem sempre é possível visualizar as morfologias tipicas.

CULTURA

A cultura com identificação do Haemophilus ducreyi faz o diagnóstico definitivo. No entanto, apresenta difícil execução pelas exigências de crescimento
do bacilo que necessita do fator X (ferriprotoporfirina, derivada da hemoglobina não destruída por ocasião do aquecimento indispensável para o preparo do
ágar chocolate). Possui 80% de sensibilidade. Na cultura identifica-se crescimento em pares e em cadeias paralelas. O CDC não recomenda o diagnóstico de
cancroide baseado na identificação do micro-organismo pela cultura.

PCR

Possui alta sensibilidade, porém de alto custo e pouco disponível. Segundo o CDC, o diagnóstico presuntivo do cancro mole é definido por:
● Presença de uma ou mais lesões ulce­radas;

● Ausência de evidência do T. pallidum em exame de campo escuro ou teste sorológico (este realizado após sete dias do aparecimento da lesão);

● Aspecto da úlcera e da linfadenopatia regional característicos do cancroide;

● Teste negativo (PCR, cultura) para herpesvírus na lesão ulcerada.

TRATAMENTO
GESTANTES

Deve-se evitar o tratamento com ciprofloxacino, devido ao potencial efeito teratogênico da medicação. Está autorizado o uso de azitromicina ou ceftriaxona
durante este período e na amamentação.

A infecção não representa ameaça ao feto ou ao neonato. Deve-se lembrar da associação com Treponema pallidum que ocorre em 10 a 15% dos casos de
cancro mole.

RECOMENDAÇÕES GERAIS

● O tratamento sistêmico deve ser acompanhado de higiene local rigorosa para evitar a autoinoculação.

● É mandatório o tratamento do parceiro, pelo fato de existirem portadores assintomáticos, principalmente entre as mulheres.

● O paciente deve ser reexaminado de três a sete dias após o início da terapia, pois após este período deve ser constatada a melhora dos sintomas e da lesão.

● O seguimento deve ser realizado até a involução total das lesões.

● Segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde), T
abela 8, a aspiração com agulha de grosso calibre dos gânglios linfáticos regionais comprometidos pode ser indicada para alívio dos linfonodos tensos e com
flutuação. É contraindicada a incisão com drenagem ou a incisão dos linfonodos acometidos. Por outro lado, o CDC (Tabela 9) recomenda a incisão com
drenagem ao invés da aspiração com agulha devido à menor necessidade de procedimentos de drenagem subsequentes.

● Por vezes, lesões maiores necessitam de maior tempo de tratamento com antibióticos.

● É muito importante excluir a possibilidade de sífilis associada pela pesquisa de Treponema pallidum na lesão genital e/ou por reação sorológica para
sífilis, no momento e trinta dias após o aparecimento da lesão.

TAB. 8 TRATAMENTO DO CANCRO MOLE SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Primeira opção:
● Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos,
VO, dose única.

Segunda opção :
● Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única; ou
● Ciprofloxacino 500 mg, 1 comprimido,
VO, 2x/dia, por três dias.
Comentários:

● PVHIV com cancroide deve ser monitorada cuidadosamente, visto que podem necessitar de maior tempo de tratamento, além do que a cura pode ser retardada e a falha terapêutica pode ocorrer com qualquer dos esquemas recomendados.

● O ciprofloxacino está contraindicado para gestantes, lactantes e crianças.

TAB. 9  TRATAMENTO AO CANCRO MOLE SEGUNDO O CDC.

Recomendados:
● Azitromicina 1 g, dose única, VO; ou

● Ceftriaxona 250 mg, dose única, IM; ou

● Ciprofloxacino 500 mg, 12/12h, por 3 dias, VO; ou

● Eritromicina 500 mg, 8/8h, por 7 dias.

LINFOGRANULOMA VENÉREO

SINONÍMIA

Mula, doença de Nicolas-Favre-Durand, bubão climático, linfogranuloma inguinal.

AGENTE ETIOLÓGICO

Causado pela Chlamydia trachomatis, bactéria Gram-negativa obrigatoriamente intracelular, sorotipos L1, L2 e L3. É cerca de três vezes mais frequente
em mulheres do que em homens. Afeta, predominantemente, o sistema retículo-histiocitário, preferencialmente os linfonodos inguinais e ilíacos. A
disseminação ocorre primariamente pela via linfática.
PERÍODO DE INCUBAÇÃO

● Varia de 3 a 21 dias.

ETIOPATOGENIA

Apresenta três fases:

● Fase de inoculação;

● Fase de disseminação linfática regional;

● Fase de sequelas.

QUADRO CLÍNICO

A manifestação clínica mais comum é a linfadenopatia


inguinal e/ou femoral, já que esses
sorotipos são altamente invasivos aos tecidos
linfáticos.

Como já mencionado, a evolução da doença


ocorre em três fases, que são descritas a seguir:

FASE DE INOCULAÇÃO

Inicia-se por pápula, pústula ou exulceração


indolor, que desaparece sem deixar sequela.
Muitas vezes, não é notada pelo paciente e raramente
é observada
pelo profissional de saúde.

Localiza-se, no homem, no sulco coronal,


frênulo e prepúcio (Figura 14).

FIG. 14

Na mulher, ocorre na parede vaginal posterior


e fúrcula. Pode haver formação de úlcera
crônica na fúrcula, com fundo granulomatoso
e friável, conhecida
como síndrome de
Clémont-Simon.

FASE DE DISSEMINAÇÃO
LINFÁTICA REGIONAL

A adenite pode evoluir em nódulos inguinais


superficiais dolorosos ou bulbões, que frequentemente
rompem a pele com exsudação
de descarga purulenta. A
fistulização pelos
locais de drenagem pode permanecer por
períodos prolongados. Fecha-se um trajeto
e abrem-se outros, o que resulta em aspecto
semelhante
a um bico de regador. Ocorre, em
geral, após uma média de quatro dias, podendo
surgir entre uma a seis semanas após a lesão
de inoculação.

No homem, a linfadenopatia inguinal se desenvolve entre uma a seis semanas após a lesão inicial; geralmente unilateral (em 70% dos casos) e se constitui no
principal motivo da consulta. Na mulher, a localização da adenopatia depende do local da lesão de inoculação (Figura 15).
FIG. 15

FASE DE SEQUELAS

O comprometimento linfonodal evolui com supuração e fistulização por orifícios múltiplos, que correspondem a linfonodos individualizados, parcialmente
fundidos em uma grande massa. A lesão da região anal pode levar à proctite e à proctocolite hemorrágica. O contato orogenital pode causar glossite ulcerativa
difusa, com linfadenopatia regional. Podem ocorrer sintomas gerais, como febre, mal-estar, anorexia, emagrecimento, artralgia, sudorese noturna e
meningismo. Os bulbões que se tornarem flutuantes podem ser aspirados com agulha calibrosa, não devendo ser incisados cirurgicamente. A obstrução
linfática crônica leva à elefantíase genital, que na mulher é denominada estiomene. Além disso, podem ocorrer fístulas retais, vaginais e vesicais, além de
estenose retal.

DIAGNÓSTICO

Na maioria dos casos, o diagnóstico do Linfogranuloma Venéreo (LGV) é realizado em bases clínicas, não sendo rotineira a comprovação laboratorial. Assim,
esse diagnóstico deve ser considerado em todos os casos de adenite inguinal, elefantíase genital, estenose uretral ou retal.

Recomenda-se a pesquisa de C. trachomatis em


praticantes de sexo anal que apresentem úlceras
anorretais. Mulheres com prática de coito anal ou
HSH
receptivos podem apresentar proctocolites
como manifestação inicial.

O uso de preservativos ou outros métodos de barreira para sexo oral, vaginal e anal previnem a infecção por C. trachomatis.

Acessórios sexuais devem ser limpos antes de sua utilização, sendo necessariamente de uso individual.

Neste contexto, existem alguns testes diagnósticos que podem auxiliar o diagnóstico, a saber:

TESTE DE FIXAÇÃO DO
COMPLEMENTO OU ELISA

É o método mais usado na atualidade. Devem ser feitas duas dosagens com intervalo de duas semanas. O teste torna-se positivo após quatro semanas de
infecção. Um aumento de quatro vezes nos títulos de anticorpos tem valor diagnóstico. Além disso, altos títulos (> 1:64) também são sugestivos de infecção
atual. O título do teste de fixação do complemento não tem associação com o grau de comportamento clínico da doença. Este teste também se apresenta
positivo em casos de uretrite, cervicite, conjuntivite e psitacose, causados por outros subtipos de clamídia.

REAÇÃO EM CADEIA
POLIMERASE (PCR)

Amplifica as sequências de DNA de clamídia. Tem sido recentemente utilizada com resultados favoráveis. Apesar do alto custo operacional, é a técnica mais
precisa no diagnóstico de infecção por clamídia.

TESTE DE
MICROIMUNOFLUORESCÊNCIA

É considerado mais sensível e específico do que a fixação do complemento. A desvantagem é que ainda se encontra restrito a laboratórios de pesquisa.

TESTE DA INTRADERMORREAÇÃO
DE FREI

É um teste cutâneo em que são inoculados antígenos derivados da clamídia com surgimento de nodulação de mais de 5 mm, com halo eritematoso após 48
horas da inoculação. É reativo na presença de todos os sorotipos de clamídia e apresenta baixa especificidade e sensibilidade.

EXAME HISTOPATOLÓGICO

O exame do material obtido de secreções ou tecidos infectados não é específico, mas é sugestivo.

CULTURA
Utiliza-se o meio de McCoy ou de HeLa 229. O isolamento da clamídia é feito a partir do aspirado do linfonodo e de material obtido da uretra e da
endocérvice. É um procedimento dispendioso e demorado.

MÉTODOS RADIOLÓGICOS

A linfografia e o enema opaco avaliam a extensão e o envolvimento linfonodal e fazem diagnóstico diferencial com outras doenças, como o câncer.

IMPORTANTE

A FEBRASGO (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia) orienta que o diagnóstico deve ser feito por meio de cultura em células McCoy ou HeLa ou
por técnicas de PCR.

TRATAMENTO

A medicação de escolha é a doxiciclina, mas na gestação, por ser contraindicada, o tratamento deve ser realizado com azitromicina. O prolongamento da
terapia pode ser necessário até a resolução da sintomatologia.

Caso não haja resposta clínica ou sorológica após três semanas de tratamento, este deverá ser reiniciado com outro medicamento.

A terapêutica adequada é associada ao declínio terapêutico dos anticorpos. As parcerias sexuais devem ser tratadas. Se a parceria for sintomática, o
tratamento deve ser realizado com os mesmos medicamentos do caso-índice. Se o parceiro for assintomático, recomenda-se azitromicina 500 mg, 2
comprimidos, VO, dose única ou doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 7 dias.

A antibioticoterapia não tem efeito expressivo na remissão da linfadenopatia inguinal nem reverte sequelas, como a estenose retal. Mas os sintomas agudos são
frequentemente erradicados de modo rápido.

A aspiração cirúrgica do bulbão, em caso de flutuação, pode ser realizada. O CDC recomenda incisão e drenagem dos bulbões para evitar sequelas. Segundo o
Ministério da Saúde, os bulbões que se tornarem flutuantes podem ser aspirados por agulha calibrosa, não devendo ser incisados cirurgicamente.

As Tabelas 10 e 11 detalham as recomendações terapêuticas do Ministério da Saúde e do CDC, respectivamente.

TAB. 10 TRATAMENTO DO LINFOGRANULOMA VENÉREO SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
(MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Recomendado:
● Doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por 21 dias.
Alternativo:
●  Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, 1×/semana, por 21 dias (preferencial nas gestantes).
Comentários:

● PVHIV com LGV devem ser monitoradas cuidadosamente, visto que podem necessitar de maior tempo de tratamento, além do que a cura pode ser retardada e a falha terapêutica pode ocorrer com quaisquer dos esquemas recomendados.

● A doxiciclina está contraindicada para gestantes e lactantes.

TAB. 11  TRATAMENTO DO LINFOGRANULOMA VENÉREO SEGUNDO O CDC.

Recomendado:
● Doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por 21 dias.
Alternativos:
● Eritromicina 500 mg, VO, 6/6h, por 21 dias;

● Azitromicina 1 g, 1x/semana, por três semanas provavelmente é efetivo, apesar da falta de dados, e deve ser utilizada na gestação.

TRATAMENTO NA GESTAÇÃO

O Ministério da Saúde e o CDC recomendam que a infecção na gestação seja tratada com azitromicina, 500 mg, 2 comprimidos, VO, 1x/semana, por 21 dias.

DONOVANOSE

É uma IST crônica progressiva, que acomete preferencialmente pele e mucosas das regiões genitais, perianais e inguinais. É pouco frequente, ocorrendo na
maioria das vezes em climas tropicais e subtropicais.

Não é totalmente conhecido o mecanismo de transmissão. Pode ocorrer por contaminação fecal ou autoinoculação. Sua transmissão provavelmente não é
somente sexual, pois pode ser encontrada em crianças, jovens inativos sexualmente, é rara em profissionais do sexo, rara em parceiros de casos-índice e não
possui período de incubação definido. A região genital é afetada em 90% dos casos e a inguinal em 10%.

Apresenta frequência semelhante em homens e mulheres. A lesão primária pode ocorrer na vulva, na vagina ou na cérvice e apresentar-se como pápulas
indolores ou úlceras necrosantes com bordas friáveis. A adenopatia inguinal usualmente está ausente.
SINONÍMIA

Granuloma inguinal, granuloma venéreo, granuloma tropical, úlcera serpiginosa, granuloma contagioso e granuloma esclerosante.

AGENTE ETIOLÓGICO

Klebsiella granulomatis (anteriormente chamado de Calymmatobacterium granulomatis), também conhecido como Donovania granulomatis, é
um bacilo Gram-negativo, pleomórfico, imóvel, raramente cultivável, com formas extracelulares (não capsuladas e jovens) e intracelulares (capsuladas e
maduras). Parece pertencer à flora intestinal.

PERÍODO DE INCUBAÇÃO

Varia de trinta dias a seis meses (média de cinquenta dias).

QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico inicia-se com ulceração de borda plana ou hipertrófica, bem delimitada, com fundo granuloso, de aspecto vermelho vivo e de sangramento
fácil. A ulceração evolui lenta e progressivamente, podendo se tornar vegetante ou ulcerovegetante. As lesões costumam ser múltiplas, sendo frequente a
configuração em "espelho" nas bordas cutâneas e/ou mucosas.

Na mulher, a forma elefantiásica é uma sequela tardia, sendo observada quando há predomínio de fenômenos obstrutivos linfáticos. A localização extragenital
é rara e, quase sempre, ocorre a partir de lesões genitais ou perigenitais primárias (Figuras 16, 17, 18 e 19).

FIG. 16
FIG. 17

FIG. 18
FIG. 19

DIAGNÓSTICO

Realizado através da identificação dos corpúsculos


de Donovan em esfregaço com coloração de Wright, Giemsa ou Leishman
ou histopatológico.

O QUE SÃO CORPÚSCULOS DE DONOVAN?

São corpos intracelulares com largas células mononucleares encontrados em raspados de tecido ou em material de biópsia (Figura 20).

FIG. 20 Corpúsculos de Donovan.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial de donovanose inclui sífilis, cancroide, tuberculose cutânea, amebíase cutânea, neoplasias ulceradas, leishmaniose tegumentar
americana e outras doenças cutâneas ulcerativas e granulomatosas.

TRATAMENTO
A cura é incomum na ausência de tratamento. A lesão evolui para extensa destruição tecidual com cicatrizes retráteis, deformidades cutâneas e estase linfática.

A Tabela 12 apresenta as recomendações


terapêuticas do PCDT IST – MS.

TAB. 12  TRATAMENTO DA DONOVANOSE SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES


TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES
SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA
SAÚDE).

Recomendado:
● Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, 1x/semana, por pelo menos três semanas, ou até a
cicatrização das lesões.
Alternativos:
● Doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por pelo menos 21 dias ou até o desaparecimento
completo das lesões;
ou
● Ciprofloxacino 500 mg, 1 e ½ comprimido, VO, 2x/dia, por pelo menos 21 dias ou até a
cicatrização das lesões (dose total 750 mg);

ou
● Sulfametoxazol + trimetoprima (400/80 mg), 2 comprimidos, VO, 2x/dia, por no mínimo
três semanas, ou até a cicatrização das
lesões.
Comentários:

● Não havendo resposta na aparência da lesão nos primeiros dias de tratamento com ciprofloxacino, recomenda-se adicionar um aminoglicosídeo, como a
gentamicina 1 mg/kg/dia, EV, 3x/dia, por pelo menos três semanas, ou até cicatrização das lesões;

● Em PVHIV, sugerem-se os mesmos esquemas terapêuticos e o uso de terapia parenteral com a gentamicina deve ser considerado nos casos mais graves;

● O critério de cura é o desaparecimento da lesão, não tendo sido relatada infecção congênita. As sequelas da destruição tecidual ou obstrução linfática
podem exigir correção cirúrgica;

● Devido à baixa infectividade, não é necessário fazer o tratamento das parcerias sexuais.

O CDC (Tabela 13) recomenda que parceiros que tiveram contato sexual com mulheres que desenvolveram o granuloma inguinal, nos 60 dias que precederam
o aparecimento dos sintomas, deverão ser examinados. No entanto, o valor da terapia empírica na ausência de sinais clínicos e sintomas não foi estabelecido.
Já o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) considera
que, devido à baixa infectividade, não é necessário o tratamento dos parceiros sexuais.

TAB. 13  TRATAMENTO DA DONOVANOSE SEGUNDO O CDC.

Tratamento:
● Azitromicina 1 g, VO, 1x/semana, ou 500 mg/dia, por pelo menos três semanas ou até o
desaparecimento completo das lesões.
Alternativos:
● Doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por pelo menos 21 dias ou até o desaparecimento completo
das lesões;

● Ciprofloxacino 750 mg, VO, 12/12h, por pelo menos três semanas e até a cura clínica;
● Estearato de eritromicina 500 mg, VO, 6/6h, por no mínimo três semanas e até a cura clínica;

● Sulfametoxazol + trimetoprima (800 mg e 160 mg), VO, 12/12h, por no mínimo três semanas e
até a cura clínica.

O critério de cura é clínico, baseado no desaparecimento


da lesão.

TRATAMENTO NA GESTAÇÃO

Na gravidez, usar estearato de eritromicina ou


azitromicina por três semanas. A ciprofloxacino
e a doxiciclina são contraindicadas.

Não há evidências de riscos para a gestante


ou para a gravidez e não há relato de infecção
congênita resultante de infecção intrauterina
ou anteparto para o
feto.

Carcinoma é complicação em 0,25% dos casos.

HERPES GENITAL

Doença incurável e recorrente. É a IST ulcerativa mais frequente, seguida pelo cancro duro. A incidência vem aumentando, principalmente, entre os
adolescentes, devido ao início precoce da atividade sexual e à maior exposição sexual. Existem cerca de 100 espécies virais na família Herpesviridae, sendo
oito de interesse médico. São elas:
● HSV-1;

● HSV-2;

● Tipo 3: varicela-zóster;

● Tipo 4: Epstein-Barr vírus;


● Tipo 5: citomegalovírus;

● Tipo 6: exantema súbito;

● Tipo 7;

● Tipo 8: relacionado a indivíduos com sarcoma de Kaposi.

Vamos nos ater ao estudo do HSV-1 e HSV-2. Embora o HSV-1 esteja associado primariamente à infecção oral e perioral (herpes labial) e o HSV-2 à infecção
genital, ambos podem causar infecções em qualquer parte do corpo. Compartilham antígenos. A resposta imune caracteriza-se por reatividade cruzada entre
anticorpos. Alguns estudos sugerem um aumento da participação do tipo 1 na lesão genital, porém a infecção pelo tipo 2 persiste como a mais prevalente.

AGENTE ETIOLÓGICO

● Herpes-Simplex Vírus (HSV) de dupla-hélice de DNA, parte da subfamília dos alfa-herpesvirinae, tipos 1 (predominante nas lesões orais e periorais) e 2
(predominante nas lesões genitais).

● Transmissão sexual, inclusive orogenital. Os casais devem se abster de intercursos sexuais se houver lesões ativas.

PERÍODO DE INCUBAÇÃO

Média de seis dias.

QUADRO CLÍNICO

As manifestações da infecção pelo HSV podem ser divididas em primoinfecção herpética e surtos recorrentes. Sabe-se que muitas pessoas que adquirem a
infecção por HSV nunca desenvolverão manifestações e que a proporção de infecções sintomáticas é estimada entre 13 e 37%. Entre as pessoas com infecção
pelo HIV, as manifestações tendem a ser dolorosas, atípicas e de maior duração.

PRIMOINFECÇÃO

A primoinfecção herpética tem um período de incubação médio de seis dias. As lesões cutâneas sucedem os sintomas prodrômicos em horas ou dias. Estas são
transmitidas por contato direto ou fômites.

Em geral, é uma manifestação mais grave,


caracterizada pelo surgimento de lesões eritematopapulosas de um a três milímetros de diâmetro, que rapidamente
evoluem para vesículas sobre base eritematosa (Figura 21 A), muito dolorosas e de localização variável na região genital. O conteúdo dessas vesículas é
geralmente citrino, raramente turvo.

FIG. 21

As vesículas se rompem e originam ulcerações dolorosas, com bordas lisas, de mínima profundidade, não ultrapassando 1 mm e que não sangram à
manipulação (Figuras 21 B e C). Posteriormente, são recobertas por crostas sero-hemáticas que cicatrizam por completo.

O quadro local na primoinfecção costuma ser bastante sintomático e, na maioria das vezes, é acompanhado de manifestações gerais, podendo cursar com
febre, mal-estar, mialgia e disúria, com ou sem retenção urinária. Pode durar de duas a três semanas.

Em especial, nas mulheres, pode simular quadro de infecção urinária baixa. Quando há acometimento do colo do útero, é comum o corrimento vaginal, que
pode ser abundante. Nelas, as lesões são mais frequentes nos pequenos lábios, no clitóris, nos grandes lábios, na fúrcula e no colo do útero.

Entre os homens, o acometimento da uretra pode provocar corrimento e disúria, e raramente é acompanhado de lesões extragenitais. Neles, as lesões são mais
frequentes na glande e no prepúcio.
A linfadenomegalia inguinal dolorosa bilateral está presente em 50% dos casos. Após a infecção genital, o HSV ascende pelos nervos periféricos sensoriais,
penetra nos núcleos das células dos gânglios sensitivos e entra em um estado de latência. A ocorrência de infecção do gânglio sensitivo não é reduzida por
qualquer medida terapêutica. Episódios de recorrência são bem mais frequentes entre pacientes que apresentam primoinfecção por HSV-2 que por HSV-1.

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INFECÇÃO RECORRENTE

Após a infecção genital primária por HSV-2 ou HSV-1, respectivamente, 90 e 60% dos pacientes desenvolvem novos episódios nos primeiros 12 meses, por
reativação viral. Essa reativação se deve a quadros infecciosos, exposição à radiação ultravioleta, traumatismos locais, menstruação, estresse físico ou
emocional, antibioticoterapia prolongada e/ou imunodeficiência.

O quadro clínico das recorrências é menos intenso que o observado na primoinfecção e pode ser precedido de sintomas prodrômicos característicos, como
prurido leve ou sensação de "queimação", mialgias e "fisgadas" nas pernas, quadris e região anogenital.

A recorrência tende a ser na mesma localização da lesão inicial, geralmente, em zonas inervadas pelos nervos sensitivos sacrais. As lesões podem ser cutâneas
e/ou mucosas. Apresentam-se como vesículas agrupadas sobre base eritematosa, que evoluem para pequenas úlceras arredondadas ou policíclicas. Nas
mucosas, é incomum a visualização das vesículas, uma vez que seus tetos rompem muito facilmente. Mais raramente, a ocorrência de lesões pode ser
acompanhada de sintomas gerais. As lesões têm regressão espontânea em sete a dez dias, com ou sem cicatriz. A tendência natural dos surtos é se tornarem
menos intensos e menos frequentes com o passar do tempo.

DIAGNÓSTICO

Apesar de diversos autores sugerirem que o diagnóstico clínico é bastante sensível, o CDC cita que o diagnóstico clínico pode ser difícil porque as clássicas
lesões vesiculares dolorosas ou ulcerativas estão ausentes em várias pacientes.

CITODIAGNÓSTICO DE TZANCK

O citodiagnóstico de Tzanck pode ser útil como método auxiliar, permitindo o achado de células multinucleadas (células duas a cinco vezes maiores que um
leucócito normal) e balonização celular (Figura 22). É uma forma de diagnóstico complementar que FIG. 22 Citodiagnóstico de Tzanck. sugere infecção por
HSV, mas como outros vírus, como o da varicela, podem apresentar o mesmo aspecto, não é específica do herpes. Além disso, não é capaz de diferenciar entre
HSV tipos 1 e 2. A coloração de Papanicolaou pode demonstrar inclusões virais.

FIG. 22 Citodiagnóstico de Tzanck.

SOROLOGIA

Os anticorpos contra o herpes desenvolvem- se após a infecção primária e permanecem por toda a vida. Tem valor se houver elevação dos títulos em quatro
semanas. Estima-se que aproximadamente 90% da população tenha anticorpos IgG para HSV-1 e 22% para o HSV-2.

IMUNOFLUORESCÊNCIA DIRETA

Pesquisa de anticorpos monoclonais com eficácia semelhante à cultura, mas de menor custo, fácil realização e maior rapidez do resultado. Os anticorpos
contra o herpes desenvolvem-se após a infecção primária e permanecem por toda a vida.

A cultura e o estudo histopatológico são os exames mais sensíveis, sobretudo na fase de vesícula. Nesta fase ocorre crescimento em 95% dos casos,
decresce para 70% na úlcera e 30% na crosta. A sensibilidade também é maior na infecção primária que na recorrência, devido à maior quantidade de
vírions (1.000.000 contra 100 a 1.000 em 0,2 ml de inoculado na infecção recorrente).
Para investigar o tipo de HSV devemos observar
a glicoproteína específica do HSV, que pode ser
G1 ou G2, diferenciando, respectivamente, entre
HSV-1 e
HSV-2.

CULTURA

Técnica mais específica. A sensibilidade varia


de acordo com o estágio sendo progressivamente
menor em lesões vesiculosas, pustulosas,
ulceradas e
crostosas. Sua execução na
prática é de menor importância.

BIÓPSIA

Não é rotineiramente realizada.

SITUAÇÕES ESPECIAIS
HERPES E IMUNOSSUPRESSÃO

Nos pacientes com imunodepressão, podem ocorrer manifestações atípicas, com lesões ulceradas ou hipertróficas de grandes dimensões, que persistem na
ausência de tratamento local ou até mesmo sistêmico. Os diagnósticos diferenciais incluem o cancroide, a sífilis, o LGV, a donovanose e as ulcerações
traumáticas.

HERPES EM PACIENTES VIVENDO


COM HIV (PVHIV)

A história natural das lesões do herpes pode se alterar na coinfecção pelo HIV. Nas pessoas infectadas por HIV, muitas lesões do herpes responderão ao
aciclovir, mas poderá ser necessário aumentar a dose e prolongar o tratamento para além da duração recomendada. Subsequentemente, os pacientes podem ter
benefícios com a terapia crônica de supressão.

Resumidamente, toda vez que uma úlcera genital seja claramente diagnosticada como uma infecção sexualmente transmissível, os testes diagnósticos
apresentados ao longo do capítulo deverão ser aplicados de acordo com os dados clínicos obtidos. Na ausência de exames laboratoriais disponíveis, a paciente
deverá ser tratada da mesma forma, considerando a importância para a saúde pública.

TRATAMENTO

O herpes é uma doença recorrente e incurável. O tratamento (Tabelas 14 e 15) possui o objetivo de encurtar o curso da doença, diminuir sua intensidade e
recorrências.
TAB. 14  TRATAMENTO DO HERPES GENITAL SEGUNDO O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (MINISTÉRIO DA
SAÚDE).

Comentários:

antivirais é eficaz para redução da intensidade e duração do episódio, quando usado precocemente;
• O tratamento com

• O tratamento local pode ser realizado com compressas de solução fisiológica ou degermante em solução aquosa, para higienização das lesões;
• Analgésicos orais podem ser utilizados, se necessário;

• É recomendado retorno em uma semana para reavaliação


das lesões;

• A forma de transmissão, a possibilidade de infecção assintomática, o medo de rejeição por parte das parcerias sexuais e as preocupações sobre a capacidade de ter filhos são aspectos que devem ser abordados;
• É importante mencionar que não há associação entre herpes simples genital e câncer.

Fonte: DIAHV/SVS/MS.

TAB. 15 TRATAMENTO DO HERPES GENITAL SEGUNDO O CDC.

Primoinfecção:
● Aciclovir 400 mg 3x/dia por sete a dez dias;

● Aciclovir 200 mg 5x/dia por sete a dez dias (= 4/4h, porém omite-se a última dose da noite);

● Fanciclovir 250 mg 3x/dia por sete a dez dias;

● Valaciclovir 1 g 2x/dia por sete a dez dias.


Recorrente:
Iniciar no primeiro dia ou nos sintomas prodrômicos.
● Aciclovir 400 mg 3x/dia por cinco dias.
● Aciclovir 800 mg 2x/dia por cinco dias.

● Aciclovir 800 mg, VO, 3x/dia por dois dias.

● Fanciclovir 125 mg 2x/dia por cinco dias.

● Fanciclovir 1 g, VO, 2x/dia por um dia.

● Fanciclovir 500 mg em dose única, seguido de 250 mg 12/12 horas por dois dias.

● Valaciclovir 500 mg 2x/dia por três dias.

● Valaciclovir 1 g 1x/dia por cinco dias.


● Tratamento sintomático: pode ser realizado com analgésicos orais para alívio de sintomatologia dolorosa e limpeza local com compressas de solução
fisiológica ou degermante em solução aquosa, para higienização das lesões.
Não devem ser empregados corticoides. Podem ser utilizados antibióticos tópicos (neomicina) nos casos de infecções secundárias.

● Tratamento específico do primeiro episódio: segundo o guideline CDC, pode ser realizado com aciclovir, valaciclovir ou fanciclovir por sete a dez
dias. Caso não haja cura até dez dias pode-se estender o tratamento. Já o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com
Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) recomenda apenas o aciclovir.

● Tratamento tópico: eficácia questionável (ver quadro). Não parece alterar o curso da doença e sua utilização deve ser desencorajada. Convém lembrar que
antibióticos tópicos, como a neomicina, podem ser empregados nos casos de infecções secundárias.

● Tratamento das recorrências: no caso de recorrência, o tratamento deve ser iniciado aos primeiros sintomas prodrômicos, por cinco dias de duração.

● Tratamento em casos graves: em caso de manifestações graves, o uso de aciclovir deverá ser venoso (5 a 10 mg/kg, 8/8h, 5-7 dias ou até resolução
clínica).

● Tratamento supressivo: está indicado em pacientes que apresentam recidiva de seis ou mais vezes ao ano e consiste em aciclovir 200 mg, 2 comprimidos,
VO, 2x/dia, por até seis meses, podendo o tratamento ser prolongado por até 2 anos.

O tratamento antiviral (oral ou tópico) não erradica o vírus, mas pode reduzir a frequência e duração das recorrências após a infecção primária (vanciclovir,
fanciclovir, aciclovir) quando usado de forma profilática. Segundo Ridley (doenças da vulva), o tratamento oral nas recorrências parece ter efeito importante
na duração e na gravidade dos sintomas. Ensaios randomizados não mostraram diminuição de recorrências com o tratamento durante a infecção primária. A
sua melhor indicação é em pacientes infectados pelo HIV durante a primoinfecção ou com herpes genital persistente.

O tratamento tópico com aciclovir, embora seja discutível sua eficácia, parece diminuir sintomas, tempo de infecção e liberação do vírus, mas não há dados
suficientes para se recomendá-lo. Ensaios clínicos de fase III mostram que o resiquimod tópico apresenta bons resultados, mas ainda está em estudo.

HERPES E GRAVIDEZ

As gestantes portadoras de herpes simples apresentam risco acrescido de complicações fetais e neonatais, sobretudo quando a infecção ocorre no final da
gestação.

PRIMOINFECÇÃO NA GRAVIDEZ

TRATAMENTO DA INFECÇÃO PRIMÁRIA

O tratamento com antivirais, inclusive no primeiro trimestre da gravidez, pode ser conveniente, principalmente se os sintomas maternos forem muito intensos.
O aciclovir e o valaciclovir são seguros em qualquer época da gravidez. A supressão antiviral também pode ser oferecida ao parceiro com infecção genital
pelo HSV (em associação com o condom), para diminuir o risco de transmissão à grávida.

TIPO DE PARTO NA INFECÇÃO PRIMÁRIA

A primoinfecção genital, seja do tipo 1 ou do tipo 2, no terceiro trimestre da gravidez consiste no risco mais alto ao feto (30 a 50%).

Há, assim, indicação de cesariana na vigência de lesão genital ou se esta aconteceu até uma/duas semanas antes do início do trabalho de parto, especialmente
em caso de primomanifestação.

Muitos autores indicam a terapia de supressão com aciclovir da 36a semana até o parto, para gestantes com herpes de repetição ocorridos na gestação. O
objetivo é a redução da infecção e de suas complicações no feto.

INFECÇÃO RECORRENTE

Sua apresentação clínica é variável. Pode se manifestar desde uma eliminação viral assintomática e não reconhecida até a recorrência clínica declarada, que
normalmente é mais branda e mais rápida do que a infecção primária.

A grávida que adquiriu anticorpos antes da gestação terá anticorpos IgG contra o her- pes simples e os passará com certeza para o feto por via transplacentária.
Em virtude desta proteção imunológica passiva, é incomum o recém-nascido desenvolver a infecção herpética quando se trata de doença materna recorrente.
No entanto, na vigência de infecção genital pelo HSV no momento do parto vaginal, o risco será de 2 a 5%. Além disso, paciente com história de herpes
recorrente sem lesão evidente no momento do parto ainda possui risco muito pequeno de eliminação assintomática (cerca de 1%) e, nesse caso, o risco
estimado de infecção neonatal situa-se entre 0,02 a 0,05%.

Mulheres com surtos recorrentes durante a gravidez não têm indicação de terapia antiviral antes de 36 semanas de gestação, salvo se as manifestações da
doença forem acentuadas. Mas a terapia antiviral supressiva se impõe a partir das 36 semanas para mulheres com herpes genital ativo recorrente.

PREVENÇÃO DO HERPES NEONATAL (Fluxograma 1)


FLUXOGRAMA 1 PREVENÇÃO DO HERPES NEONATAL.

● Evitar contato com pessoas infectadas.

● Interrupção da gestação por via alta na presença de lesões ativas no canal de parto (embora esta medida não evite completamente a chance do neonato ser
contaminado).

● Em caso de gestante sem infecção genital conhecida, deve-se evitar relações sexuais durante o terceiro trimestre com parceiros sabidamente infectados ou
suspeitos para infecção herpética.

● Realizar cesariana dentro de quatro a seis horas nos casos de rotura prematura de membranas amnióticas em gestantes com doença genital clinicamente ativa,
com o objetivo de diminuir o risco de transmissão. Em caso de rotura das membranas ovulares, quanto maior o tempo de rotura, maior será a chance de
contaminação. Essa conduta parece não trazer nenhum benefício quando a bolsa amniótica estiver rota além deste período.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ÚLCERAS GENITAIS

INFECÇÕES

● Mononucleose: há casos relatados na literatura de úlcera genital por EBV, nenhum deles em imunocomprometidos. É encontrada particularmente em
adolescentes. Apresenta-se com episódios febris, faringite, linfadenopatia cervical e úlceras genitais. Estas podem acontecer durante um episódio agudo de
mononucleose infecciosa e infecção pelo EBV. O diagnóstico da infecção é típico na adolescente com múltiplas ulcerações genitais associadas à
linfadenopatia, esplenomegalia e uma cultura para herpes negativa. O diagnóstico é confirmado pela demonstração de linfócitos atípicos no esfregaço de
sangue e um teste anticorpos heterófilos positivo, como o monospot. O tratamento é sintomático, limitado ao alívio da dor e ao manejo da superinfecção
das úlceras genitais. Caracteriza-se pela presença de úlcera dolorosa nos pequenos lábios durante a infecção primária de mononucleose infecciosa. Essa
úlcera tem sua cicatrização completa em torno de 32 dias.

● HIV: úlcera primária induzida pelo HIV é rara e diagnóstico de exclusão. O tratamento consiste em zidovudina 100 mg, VO, 4/4h associada a aciclovir,
cetoconazol ou corticoides tópicos.

● Candidíase: pode levar a fissuras e ulcerações com prurido local. O tratamento consiste em nistatina local ou derivados imidazólicos locais ou triazólicos
sistêmicos em dose única.

● Histoplasmose: associada a trabalho em galinheiros, cavernas e construções, esta infecção fúngica tem casos descritos na literatura de ulceração genital
como manifestação da doença disseminada. O tratamento requer anfotericina B sistêmica.

● Miíase: a invasão de tecido humano por larvas de insetos dípteros, principalmente em pacientes com nível de higiene precário e áreas rurais pode ocorrer na
região genital. O tratamento consiste na remoção cirúrgica das larvas, debridamento local, lavagem abundante e diária, além de controle da dor e do prurido
com analgésicos e anti-histamínicos.

DOENÇAS SISTÊMICAS
● Síndrome de Behçet: condição rara, que consiste em diagnóstico de exclusão. Corresponde a uma vasculite de etiologia indeterminada que se apresenta
com úlceras orais e genitais, profundas, dolorosas e recidivantes. Tendem a se desenvolver em áreas de trauma (o que mostra o fenômeno da patergia). Não
há teste diagnóstico histológico e a biópsia da lesão evidencia área de vasculite. Lesões neurológicas e oculares podem ocorrer. Tratamento local se limita a
antissépticos locais ou esteroides tópicos na presença de grandes erosões. O tratamento sistêmico é multidisciplinar, envolvendo oftalmologistas e
reumatologistas.

● Penfigoide cicatricial: é uma doença autoimune que pode cursar com úlceras vulvares, vaginite descamativa e conjuntivite.

● Pênfigo vulvar.

● Pioderma gangrenoso.

● Doença de Crohn (anorretal): cerca de 2/3 das crianças com manifestações cutâneas possuem envolvimento dos genitais com aumento da sensibilidade,
fissuras, edema e as clássicas ulcerações “em facada” nas dobras cutâneas que são consideradas patognomônicas. O diagnóstico é feito pela biópsia local e
investigação intestinal. O tratamento pode ser sistêmico ou intralesional tópico. Corticosteroides, dapsona, sulfassalazina, azatioprina, metronidazol,
tetraciclina, 6-mercaptopurina e suplementação oral de zinco estão entre os tratamentos propostos.
● Penfigoide bolhoso.

Estude o diagnóstico diferencial das principais


úlceras genitais na Tabela 16 a seguir.

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TAB. 16  DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS PRINCIPAIS ÚLCERAS GENITAIS.

Estude no Fluxograma 2 o manejo de infecções que causam úlcera genital.


FLUXOGRAMA 2 MANEJO DE INFECÇÕES QUE CAUSAM ÚLCERA GENITAL.

DIVERGÊNCIAS NA LITERATURA

CARACTERÍSTICAS DO CANCRO DURO

O livro ROTINAS EM GINECOLOGIA (7ª EDIÇÃO, 2017) descreve o cancro duro como uma lesão endurecida, fundo liso e limpo, com bordos infiltrados e cor de
carne. Já em relação à duração da lesão, este livro cita que a lesão persiste por seis a sete semanas.

O MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6ª EDIÇÃO, 2017) descreve o cancro duro como uma lesão sem bordas proeminentes. Em relação à
duração da lesão, este livro cita que a mesma dura de dez a vinte dias, podendo chegar a dois meses.

WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016): essa fonte descreve o cancro duro como úlcera indolor, bordos elevados e fundo limpo.

LINFADENOPATIA NA SÍFILIS

O BEREK & NOVAKS GYNECOLOGY (2020), o WILLIAMS GYNECOLOGY (3rd EDITION, 2016) e o CDC não incluem a linfadenopatia na apresentação da
sífilis primária. Apenas a presença de úlcera única, com as características detalhadas na apostila.

O livro ROTINAS EM GINECOLOGIA (7a EDIÇÃO, 2017) refere presença de enfartamento ganglionar regional, com linfadenomegalias que aparecem uma a duas
semanas após o cancro, mas não especifica se uni ou bilateral.

O MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017) não menciona se a linfadenopatia é uni ou bilateral.

O PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
(MINISTÉRIO DA SAÚDE) só informa que ela é múltipla, mas não diz se é uni ou bilateral.

Portanto, a dúvida persiste. Entretanto, o mais importante parece ser o conceito de que o quadro é acompanhado por múltiplas adenopatias regionais.

CLASSIFICAÇÃO DA SÍFILIS

A OMS define sífilis latente como a sífilis latente inicial, sendo uma infecção com menos de dois anos de duração. Uma infecção com mais de dois anos que
não apresente manifestações clínicas de infecção por treponemas é classificada como sífilis latente tardia.
Nenhuma outra referência pesquisada apresenta esta classificação.

TRANSMISSÃO VERTICAL NA GESTAÇÃO INICIAL

O ROTINAS EM OBSTETRÍCIA (7a EDIÇÃO, 2017) cita que já existem evidências que sustentam que a infecção possa acometer o feto em qualquer idade
gestacional, mesmo antes de dezesseis semanas, contrariando o que se acreditava anteriormente, informação esta também compartilhada pelo MINISTÉRIO
DA SAÚDE.

O livro MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017) cita que a contaminação do feto só ocorre a partir do quarto mês de gestação,
pois antes disso o epitélio trofoblástico é espesso, impedindo a passagem das espiroquetas.

Pelas evidências, parece que a crença de barreira trofoblástica contra a sífilis não vem se confirmando.

TRATAMENTO DA SÍFILIS

SÍFILIS RECENTE: SECUNDÁRIA E LATENTE RECENTE

O tratamento da sífilis secundária e latente recente (< 1 ano) varia na literatura. Vamos resumir estas diferenças.

● Duas aplicações de penicilina benzatina 2,4 milhões


UI com intervalo de uma semana.

Autor:
» Ministério da Saúde (2006).

● Apenas uma dose única de 2,4 milhões de UI.

Autores:
» Rotinas em Ginecologia (7a edição, 2017);

» Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrícia


(6a edição, 2017);

» CDC (2010);

» Ginecologia (Unifesp, 2009);

» OMS;

» Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde).

SEGUIMENTO APÓS TRATAMENTO DA SÍFILIS

O ROTINAS EM GINECOLOGIA (7a EDIÇÃO, 2017) recomenda o seguimento com VDRL quantitativo com 6, 12 e 24 meses após o tratamento.

O MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017) recomenda que, após o tratamento, o seguimento deve ser realizado com exame
sorológico de 6 a 12 meses depois da terapia.

O WILLIAMS GYNECOLOGY (3rdEDITION, 2016) informa que o seguimento pós-tratamento deve ser semestral, mas não detalha por quanto tempo.

A OMS recomenda que o seguimento dos pacientes tratados de sífilis inicial deve basear-se nos serviços e recursos médicos disponíveis. Os pacientes com
sífilis inicial que tenham sido tratados com doses e preparações adequadas de penicilina benzatina devem ser clínica e sorologicamente avaliados, usando um
teste não treponêmico, três meses após para a avaliação dos resultados da terapia. Deve-se proceder a uma segunda avaliação passados seis meses e, se os
resultados o aconselharem nesse momento, novamente doze meses mais tarde, para reavaliar a condição do paciente e detectar uma possível reinfecção.

Portanto, o seguimento das pacientes com sífilis não grávidas varia com as condições de cada serviço, mas o que não cabe discussão é que nas gestantes, o
mesmo deve sempre ser mensal.

RASTREIO DA SÍFILIS NA GESTAÇÃO

O livro ROTINAS EM OBSTETRÍCIA (7a EDIÇÃO, 2017) preconiza que as gestantes sejam testadas com o VDRL na primeira consulta de pré-natal e nos dois
trimestres posteriores.

TRATAMENTO DA SÍFILIS EM PACIENTES VIVENDO COM HIV (PVHIV)

O GUIDELINE DE DST DO CDC recomenda o tratamento similar ao de pacientes sem HIV, justificando que dados atuais não justificam o tratamento
prolongado. A punção lombar em pacientes vivendo com HIV só deve ser realizada caso haja sintomas neurológicos sugestivos de neurossífilis.

TRATAMENTO NO CANCRO MOLE

O ROTINAS EM GINECOLOGIA (7a EDIÇÃO, 2017) cita a eritromicina como opção terapêutica, na seguinte posologia:
● Estearato de eritromicina 500 mg, 6/6h por 7 dias.

O MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017) recomenda, além das opções já citadas, um medicamento alternativo ao tratamento
do cancro mole:

● Eritromicina (estearato) 500 mg, VO, 6/6 horas por sete dias.

O DOCUMENTO DA OMS também cita a eritromicina em quatro tomadas diárias durante sete dias como opção terapêutica e não de 8/8 horas, como sugere o
CDC.

Perceba que as alternativas terapêuticas supracitadas são diferentes das recomendadas pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção
Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde).

DIAGNÓSTICO ATRAVÉS DA FIXAÇÃO DO COMPLEMENTO NO LINFOGRANULOMA VENÉREO

O livro ROTINAS EM GINECOLOGIA (2011) cita que valores maiores ou iguais a 1:64 são compatíveis com o diagnóstico. A nova edição (7a edição, 2017) não faz
menção aos títulos necessários para diagnóstico na fixação do complemento.

O CDC e o MANUAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE "DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS" citam como sugestivos de infecção quando maiores que 1:64.

Vamos pela maioria: > 1:64.

TRATAMENTO NO LINFOGRANULOMA VENÉREO

O MANUAL SOGIMIG DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (6a EDIÇÃO, 2017) recomenda a eritromicina 500 mg, VO, a cada 6h, por 21 dias.

VIOLÊNCIA SEXUAL
A violência sexual, independentemente do sexo e da idade, deve ser considerada uma prioridade na assistência, devido aos danos
psicossociais, à gravidez indesejada e ao risco de aquisição de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), incluindo o HIV e hepatites
virais.
Neste capítulo, daremos ênfase às condutas burocráticas, médicas e éticas que estão intrinsecamente envolvidas no atendimento
destas vítimas. Cabe salientar que este tema está “na moda"! Aparece em muitos concursos por todo o Brasil, seja em provas
objetivas, discursivas
ou, até mesmo, nas provas práticas. Errar questões sobre este assunto pode significar a perda da sua vaga. Mas
temos certeza de que isso não vai ocorrer! Por quê? Porque, certamente, vocês memorizarão todas as condutas preconizadas nestes
casos. Lembrem-se de que elas se baseiam nas recomendações do Ministério da Saúde, com base no Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de Risco à Infecção pelo HIV, IST e Hepatites Virais, liberado no final de 2017 e, até o
momento, ainda em vigor.

Chega de conversa e vamos ao que interessa...

pontos principais

● Conhecer a definição de estupro.

● Saber que a violência sexual é um agravo de notificação compulsória imediata (em até 24h) ao SINAN.

● Distinguir as profilaxias de doenças não virais e virais e a prevenção de gestação indesejada.

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA VIOLÊNCIA SEXUAL

A violência sexual é um agravo de notificação compulsória imediata, em até 24h, em território nacional ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(SINAN), desde junho de 2014 (Portaria 1.271 de 06 de junho de 2014).

Em âmbito nacional, destaca-se a Lei nº 12.845/2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual e,
ainda, as Leis de Notificação Compulsória no caso de violência contra mulheres, crianças, adolescentes e pessoas idosas atendidas em serviços de saúde
públicos ou privados (Lei nº 10.778/2003, Lei nº 8.069/1990, Lei nº 10.741/2003), a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), entre outros.

O atendimento à vítima de violência sexual é complexo, necessitando idealmente de cuidados de uma equipe multidisciplinar familiarizada com casos
similares. Convém lembrar que a real frequência desse ato criminoso é desconhecida, uma vez que as vítimas hesitam em informá-lo, devido a humilhação,
medo, sentimento de culpa e desconhecimento das leis.

A seguir, serão destacadas as condutas preconizadas com base nas recomendações do Ministério da Saúde, com base no Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde) e no Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de Risco à Infecção pelo HIV, IST e Hepatites Virais.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL: ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

O termo “violência sexual” significa a realização de qualquer ato sexual, com ou sem penetração oral, vaginal, anal, desde que seja um ato praticado sob força.
É agravo de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos ou privados, assim como todos os atos de violência contra a mulher.

Do ponto de vista jurídico, atualmente, a violência sexual inclui tanto a capitulação do estupro quanto do atentado violento ao pudor. Portanto, é considerada
crime, previsto nos artigos 213 e 214 do Código Penal Brasileiro.

O QUE MUDOU?

ESTUPRO x ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

O QUE MUDOU?

● Estupro: constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Entende-se por "violência" o emprego de força física,
suficientemente capaz de sobrepujar a resistência da vítima. A “grave ameaça" configura-se como a promessa de efetuar tamanho mal, capaz de impedir a
resistência da vítima. A "conjunção carnal" corresponde ao coito vaginal, o que limita o crime ao sexo feminino.

● Atentado violento ao pudor: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso
da conjunção carnal. Aqui, incluem-se todas as situações diferentes do coito vaginal, a exemplo das manobras digitais eróticas e a cópula anal ou oral. O
atentado violento ao pudor pode ser praticado contra pessoas de ambos os sexos, sob as mesmas formas de constrangimento previstas para o estupro.

A Lei n° 12.015, de 7 de agosto de 2009, alterou a antiga definição de estupro, passando a designá-lo como: "constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". A pena é a reclusão de 6 (seis) a 10 (dez)
anos.

Portanto, a nova definição de estupro contempla a conjunção carnal e o que antes era capitulado como atentado ao pudor. Pela nova
definição, tanto a mulher quanto o homem podem ser vítimas de estupro, quando
constrangidos, mediante violência (física) ou grave ameaça
(psicológica) a praticar conjunção carnal (penetração do pênis na vagina) ou qualquer outro ato libidinoso (exemplo: penetração anal ou oral).
NORMAS GERAIS DE ATENDIMENTO
ATENÇÃO INTEGRAL

A violência sexual está ligada a problemas de saúde pública e reprodutiva, tais como infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada,
além das disfunções sexuais subsequentes. Se praticada durante a gravidez, representa fator de risco para a saúde da mulher e do feto, por
aumentar a possibilidade de complicações obstétricas, como abortamento e baixo peso ao nascimento.

As infecções de transmissão sexual adquiridas durante o estupro, quando não tratadas, podem levar a quadros de doença inflamatória pélvica, infertilidade e
infecção pelo vírus HIV. O grau de risco de contrair HIV depende da condição clínica e sorológica do agressor, do tipo de trauma e da frequência das
agressões. O tipo de exposição sexual (vaginal, anal ou oral), o trauma associado, a presença de outra IST inflamatória ou ulcerativa e a exposição a secreções
sexuais e/ou sangue também são relevantes.

As vítimas de estupro necessitam de diagnóstico e acompanhamento cuidadosos para uma multiplicidade de condições clínicas, incluindo apoio psicológico,
amparo forense, prevenção da gravidez indesejada e profilaxia das IST.

Em geral, cabe ao ginecologista ou ao planto- nista nos serviços de emergência o primeiro atendimento à vítima de estupro.

O acolhimento é elemento importante para a qualidade e humanização da atenção. Por acolher, entende-se o conjunto de medidas, posturas e atitudes
dos(as) profissionais de saúde que garantam credibilidade e consideração à situação de violência. A humanização dos serviços demanda um ambiente
acolhedor e de respeito à diversidade, livre de quaisquer julgamentos morais. Isso pressupõe receber e escutar as vítimas, com respeito e solidariedade,
buscando-se formas de compreender suas demandas e expectativas.

As vítimas em situação de violência sexual devem ser informadas, sempre que possível, sobre tudo o que será realizado em cada etapa do atendimento e a
importância de cada medida. Sua autonomia deve ser respeitada, acatando-se a eventual recusa de algum procedimento. Deve-se oferecer atendimento
psicológico e medidas de fortalecimento às vítimas, ajudando-as a enfrentar os conflitos e os problemas inerentes à situação vivida.

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Devem ser informadas sobre a necessidade de:

● Receber atendimento clinicolaboratorial, psicológico e social imediato;

● Buscar providências policiais e judiciais cabíveis. Mas, caso a vítima não o faça, não lhe pode ser negado atendimento;

● Receber profilaxia de gravidez, das IST não virais e do HIV;

● Receber vacinação e imunização passiva para HBV;

● Coletar imediatamente material para avaliação do status sorológico de sífilis, HIV, HBV e HCV, para seguimento e conduta específica;

● Agendar retorno para seguimento sorológico após 30 dias e acompanhamento clinicolaboratorial, psicológico e social, se necessário.

ATENDIMENTO CLÍNICO

O atendimento à vítima de violência sexual é complexo, necessitando de cuidados de uma equipe multidisciplinar familiarizada com casos
similares.

Convém lembrar que a real frequência desse ato criminoso é desconhecida, uma vez que as vítimas hesitam em informá-lo, devido a humilhação, medo,
sentimento de culpa e desconhecimento das leis.

ANAMNESE

O primeiro atendimento da vítima deve atentar para o registro de alguns dados específicos, conforme resumido no quadro a seguir:

REGISTRO DE ENCAMINHAMENTO

História da Violência

Registrar em prontuário:

1. Local, dia e hora aproximada da violência sexual;

2. Tipo(s) de violência sexual sofrido(s);

3. Forma(s) de constrangimento utilizada(s);

4. Tipificação e número de autores da violência;

5. Órgão que realizou o encaminhamento.

EXAME FÍSICO
É necessário que o serviço de saúde realize exame físico completo, exame ginecológico, coleta de amostras para diagnóstico de infecções genitais e coleta de
material para identificação do(a) provável autor(a) da agressão.

Poucas mulheres em situação de violência sexual sofrem traumas físicos graves. Contudo, na ocorrência dos traumatismos físicos, genitais ou extragenitais, é
necessário avaliar cuidadosamente as medidas clínicas e cirúrgicas que atendam as necessidades da mulher, da criança ou da adolescente, o que pode resultar
na necessidade de atenção de outras especialidades médicas. Deve-se proceder aos cuidados imediatos de lesões graves com risco de morte por lacerações e
hemorragias.

Dessa forma, após anamnese e exame clinicoginecológico, a extensão das lesões deve
ser avaliada. As lesões encontradas deverão ser cuidadosamente
observadas e anotadas no prontuário. Se possível, os traumatismos físicos devem ser fotografados e anexados ao prontuário. Na indisponibilidade desse
recurso, representações esquemáticas ou desenhos podem ser utilizados e igualmente incluídos no prontuário.

Os hematomas e as lacerações genitais são os danos físicos mais frequentes. Nas lesões vulvoperineais superficiais e sem sangramento deve-se proceder
apenas com assepsia local. Havendo sangramento, indica-se a sutura com fios delicados e absorvíveis, com agulhas não traumáticas. Na presença de
hematomas, a aplicação precoce local de bolsa de gelo pode ser suficiente. Quando instáveis, os hematomas podem necessitar de drenagem cirúrgica.

Na constatação de lesões leves, a sequência no atendimento dependerá da disponibilidade ou não de exames laboratoriais. Caso exista tal possibilidade, os
exames deverão ser solicitados após coleta imediata das amostras. Assim, no atendimento à mulher, que corresponde à maioria dos casos de violência sexual,
deve-se coletar material de conteúdo vaginal para diagnóstico de tricomoníase, gonorreia e infecção por clamídia. Além disso, coletam-se outros materiais,
como fragmentos de vestes, para comparação com o DNA do agressor.

Por fim, na ocorrência de traumatismos físicos, deve-se considerar a necessidade de profilaxia do tétano, avaliando-se o status vacinal da mulher.

Mais detalhes sobre anticoncepção de emergência e profilaxia do tétano serão encontrados adiante em tópicos específicos.

ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS

A atenção à violência sexual é condição que requer abordagem intersetorial, multiprofissional e interdisciplinar, com importante
interface com questões de
direitos humanos, questões policiais, de segurança pública e de justiça.

A seguir, resumiremos informações fundamentais para os(as) profissionais de saúde que atendam pessoas em situação de violência sexual.

NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA

A "Ficha de Notificação e Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências" deverá ser preenchida.

A violência sexual é um agravo de notificação compulsória imediata, em até 24h, em território nacional ao Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (SINAN), desde junho de 2014 (Portaria 1.271 de 06 de junho de 2014).

Em âmbito nacional, destaca-se a Lei 12.845/2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual e, ainda,
as leis de Notificação Compulsória no caso de violência contra mulheres, crianças, adolescentes e pessoas idosas atendidas em serviços de saúde públicos ou
privados (Lei N° 10.778/2003, Lei N° 8.069/1990, Lei N° 10.741/2003), a Lei Maria da Penha (Lei N° 11.340/2006), entre outros.

Em crianças e adolescentes menores de 18 anos de idade, a suspeita ou confirmação de abuso sexual deve ser, obrigatoriamente, comunicada ao Conselho
Tutelar ou à Vara da Infância e da Juventude.

NOTIFICAÇÃO X SIGILO MÉDICO

O atendimento de pessoas em situação de violência sexual exige o cumprimento dos princípios de sigilo, de ética e de segredo profissional. A Constituição
Federal, artigo 5°, garante que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização material ou
moral decorrente de sua violação”.

O artigo 154 do Código Penal Brasileiro caracteriza como crime “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Da mesma forma, o Código de Ética Médica, artigo 103, estabelece que “é
vedado ao médico revelar segredo profissional referente à paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha
capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucionámos, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao
paciente”.
Neste contexto, vale a pena complementar que o atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência sexual também se submete aos mesmos
fundamentos éticos e legais. A assistência à saúde da menor de 18 anos deve observar ao princípio de sua proteção. Se a revelação dos fatos for feita para
preservá-la de danos, está afastado o crime de revelação de segredo profissional. Entretanto, a revelação do ocorrido também pode lhe acarretar danos, em
algumas circunstâncias. Entre outros prejuízos ainda mais graves, ela pode se afastar do serviço e perder a confiança nos profissionais que a assistem.
Nesse caso, a decisão do profissional de saúde deve estar justificada no prontuário da criança ou da adolescente. A negociação da quebra de sigilo com as
adolescentes poderá evitar os prejuízos; além de ser um direito garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Art. 16, item II, como o direito à
liberdade de opinião e expressão, e no Art. 17, no que diz respeito à autonomia. Entretanto, salienta-se que frente a qualquer suspeita ou confirmação de
violência contra criança e adolescente, independentemente do tipo ou natureza da violência cometida, a notificação é obrigatória e o profissional de saúde
que não o fizer estará cometendo negligência no atendimento, estando sujeito às medidas legais e administrativas.

Então, entenda: a notificação imediata ao SINAN e a notificação ao Conselho Tutelar é obrigatória em indivíduos com idade inferior a 18 anos, mas,
sobretudo em adolescentes, a quebra de sigilo deve ser preferencialmente “negociada” para que não haja “quebra da confiança” na relação médico-
paciente.

ATENÇÃO

AUTONOMIA,
INDIVIDUALIDADE E DIREITOS DAS VÍTIMAS EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL

É fundamental respeitar a autonomia, a individualidade e os direitos das pessoas em situação de violência sexual. Deve-se resguardar sua identidade e sua
integridade moral e psicológica, tanto no espaço da instituição quanto no espaço público (por exemplo: junto à mídia, à comunidade, etc.). Da mesma forma,
deve-se respeitar a vontade expressa da vítima em não compartilhar sua história com familiares e/ou outras pessoas. No caso de crianças e adolescentes a
lei é clara: cabe ao profissional de saúde notificar o Conselho Tutelar casos suspeitos ou confirmados (artigo 13° ECA).

No caso de violência cometida por parceiro íntimo, a mulher pode estar assustada, traumatizada, e emocionalmente ferida. Seus limites precisam ser
respeitados. É preciso reconhecer que cada pessoa tem seu tempo próprio de amadurecimento para romper a situação de violência e que esse tempo
precisa ser respeitado. A pressa do(a) profissional para alcançar resultados imediatos pode intimidar a mulher ou paralisá-la.

PROVIDÊNCIAS POLICIAIS E JUDICIAIS CABÍVEIS

O Boletim de Ocorrência (BO) policial registra a violência para o conhecimento da autoridade policial, que determina a instauração do inquérito e da
investigação.

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) é documento elaborado para fazer prova criminal.

VÍTIMA

Após o atendimento médico, se a vítima tiver condições e desejar, poderá ir à delegacia para lavrar o boletim de ocorrência policial, prestar depoimento ou
submeter-se a exame de corpo
de delito pelos peritos do IML. Se, por alguma razão, não for mais possível a realização dos exames periciais diretamente pelo
IML, os peritos podem fazer o laudo de forma indireta, com base no prontuário médico. Assim, os dados sobre a violência sofrida e suas circunstâncias, bem
como os achados do exame físico e as medidas instituídas, devem ser cuidadosamente descritos e registrados em prontuário.

Cabe salientar que a exigência de apresentação destes documentos (BO e laudo de exame de corpo de delito) para atendimento nos
serviços de saúde é incorreta e ilegal.

PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Conforme o artigo 7° da Portaria N° 2.561, de 23 de setembro de 2020, e em razão da Lei N° 13.718, de 24 de setembro de 2018, que
alterou o artigo 225 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos
crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, o médico e os demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de
saúde que acolherem a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro, deverão observar as seguintes medidas:

● Comunicar o fato à autoridade policial responsável. Convém pontuar que a referida Portaria não detalha como deverá ser realizada esta
comunicação;
● Preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial ou aos peritos
oficiais, tais como fragmentos de embrião ou
feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do
crime, nos termos da Lei Federal n° 12.654, de 2012.

EXPOSIÇÃO ÀS INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

A transmissão de determinadas IST, como sífilis e HPV, pode ocorrer mesmo com o uso correto e regular de preservativos. Por outro lado, a atividade sexual
sem o uso do preservativo, ou no caso de falhas no uso, pode gerar ansiedade e risco de transmissão de HIV, IST e hepatites virais. Destaca-se que a
violência sexual, independentemente do sexo e da idade, deve ser considerada uma prioridade na assistência,
devido aos danos
psicossociais, à gravidez indesejada e ao risco de aquisição de HIV, IST e hepatites virais.
A prevalência de IST em situações de violência sexual é elevada. O risco de infecção depende de diversas variáveis, como o tipo de violência sofrida (vaginal,
anal ou oral), o número de agressores, o tempo de exposição (única, múltipla ou crônica), a ocorrência de traumatismos
genitais, a idade e a suscetibilidade da
mulher, a condição himenal e a presença de IST ou úlcera genital prévia.

As crianças apresentam maior vulnerabilidade às IST, devido à imaturidade anatômica e fisiológica da mucosa vaginal, entre outros fatores. O
diagnóstico de uma IST em crianças pode ser o primeiro sinal de abuso sexual e deve ser notificado (como já mencionado) e investigado.

ACOMPANHAMENTO LABORATORIAL

A coleta imediata de sangue e de amostra do conteúdo vaginal realizada no momento de admissão da vítima de violência sexual é necessária para estabelecer a
eventual presença de IST, HIV ou hepatite prévias à violência sexual. Entretanto, tal coleta não deve retardar o início da profilaxia.

A realização de hemograma completo, dosagem de transaminases, ureia, creatinina e glicemia de jejum são necessárias somente para
mulheres que iniciem a profilaxia com antirretrovirais, devendo ser solicitados no primeiro atendimento, com exceção do hemo- grama, e repetidos após
duas semanas de uso da profilaxia antirretroviral e a critério clínico.

A avaliação do conteúdo vaginal compreende a coleta de material para a realização de exame bacterioscópico e de cultura da secreção vaginal.
De forma análoga, em casos individualizados, pode ser coletado material de conteúdo oral, endocervical e retal por meio de swab ou similar
para a realização de exame bacterioscópico e de cultura. Eventualmente, quando houver suporte laboratorial, biologia molecular com investigação
endocervical para o gonococo, clamídia e HPV podem ser empregados. O material deve ficar arquivado no serviço, em condições adequadas, à disposição do
poder judiciário.

O material obtido por meio de swab estéril, deve ser acondicionado em papel filtro, mantido em envelope lacrado, identificado e, se possível, em
ambiente climatizado. Ele não deve ser colocado em sacos plásticos que mantenham a umidade, facilitando a proliferação bacteriana e, consequentemente, a
destruição do DNA. Deve-se abolir o uso de fixadores, incluindo-se álcool e formol, por resultar na desnaturação do DNA. Deve-se, ainda, realizar esfregaço
desse material biológico em duas lâminas de vidro, sem fixadores, devidamente identificadas.

Os exames que devem ser solicitados segundo a cronologia e frequência encontram-se no


Quadro 1.

QUADRO 1
RESUMO DO ATENDIMENTO/CRONOGRAMA DE EXAMES LABORATORIAIS

O Quadro 2 descreve as situações em que a investigação laboratorial da gravidez está indicada.


QUADRO 2
ATENÇÃO: INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DE GRAVIDEZ

PROFILAXIA DAS IST NÃO VIRAIS

Diferentemente do que ocorre na profilaxia da infecção pelo HIV, a prevenção das IST não virais pode ser eventualmente postergada, em função das condições
de adesão da mulher ou mesmo por intolerância gástrica, mais prevalente em situações de estresse. De toda forma, recomenda-se que seja realizada
precocemente, sempre que possível.

Para evitar o uso concomitante de diversas medicações, que poderia levar à intolerância gástrica e baixa adesão, deve-se optar, preferencialmente, pela via
parenteral para administração dos antibióticos. Caso seja feita a opção por medicações orais, recomenda-se realizar a profilaxia para as IST em, no máximo,
duas semanas após a violência sexual (Quadro 3).

QUADRO 3
PROFILAXIA DAS IST NÃO VIRAIS
A gravidez, em qualquer idade gestacional,  não contraindica a profilaxia para as IST não
virais. O esquema para gestante é idêntico
ao preconizado para
mulheres não grávidas,
com a ressalva de que as quinolonas devem
ser evitadas durante toda a gestação.

Em mulheres com história comprovada de hipersensibilidade aos medicamentos de primeira escolha, especialmente à penicilina, deve-se utilizar alternativa de
profilaxia. Assim, os medicamentos de primeira escolha poderão ser substituídos por medicações alternativas em caso de contraindicação - ver Quadro 4.

QUADRO 4
ALTERNATIVAS PARA A PROFILAXIA DAS IST NÃO VIRAIS EM CASO DE CONTRAINDICAÇÕES

PROFILAXIA DAS IST VIRAIS


PROFILAXIA DA HEPATITE B
(Quadro 5)

Em caso de pessoas em situação de violência sexual não imunizadas ou com esquema vacinal incompleto para hepatite B, o MS recomenda vacinação para
HBV e Imunoglobulina Hiperimune para Hepatite B (IGHAHB). Assim, a imunoprofilaxia contra a hepatite B está indicada em casos de violência sexual nos
quais ocorra exposição ao sêmen, sangue ou outros fluidos corporais do agressor.

VACINA

Indivíduos já imunizados contra hepatite B, com esquema vacinal completo, não necessitam de dose de reforço ou do uso de imunoglobulina humana anti-
hepatite B. Também pode ser dispensada em caso de agressor sabidamente imunizado.

Indivíduos não imunizados ou com esquema vacinal incompleto devem receber uma dose de vacina e completar o esquema posteriormente, se necessário.
Deve ser aplicada por via intramuscular na região deltoide. A administração da vacina induz imunidade em 90 a 95% dos casos.

O esquema vacinal para adultos consiste em três doses, com intervalo de um mês entre a primeira e a segunda dose, e de seis meses entre a primeira e a
terceira dose.

GAMAGLOBULINA HIPERIMUNE
(HBIG)

Indicada apenas quando o agressor sabidamente


tem hepatite B aguda. Devido à dificuldade
prática de comprovar o fato nas
circunstâncias de violência
sexual, o Programa
Nacional de Imunização e o Programa Nacional de Hepatites Virais (PNHV) recomenda o uso de imunoglobulina em todas as mulheres em
situação de violência sexual não imunizadas ou com esquema vacinal incompleto.

Administra-se 0,06 ml/kg de peso corporal, IM, dose única, em extremidade diferente da vacina. Se a dose total ultrapassar 5 ml, dividir a aplicação em duas
áreas diferentes. Maior eficácia na profilaxia é obtida com o uso precoce da imunoglobulina (dentro de 48 horas após o acidente) devendo ser administrada até,
no máximo, o 14° dia após o evento. A gravidez, em qualquer idade gestacional, e a lactação não são contraindicações para imunização ou uso da
imunoglobulina.

Não deverão receber a imunoprofilaxia para hepatite B mulheres vítimas de violência sexual crônica e repetida com o mesmo agressor, situação frequente em
casos de violência sexual intrafamiliar; assim como não deverão receber a imunoprofilaxia para hepatite B mulheres cujo agressor seja sabidamente vacinado
ou quando ocorrer uso de preservativo, masculino ou feminino, durante o crime sexual.

Cabe lembrar que para a hepatite C não existem alternativas de imunoprofilaxia, sendo apenas indicado o seguimento laboratorial da paciente com sorologia,
pesquisa de HCV-RNA e bioquímica.
QUADRO 5
PROFILAXIA DAS IST VIRAIS

PROFILAXIA DA INFECÇÃO PELO HIV

A infecção pelo HIV é uma das grandes preocupações para a maioria das mulheres em situação de violência sexual. Os estudos existentes indicam que o risco
de transmissão em casos de violência sexual está entre 0,8 e 2,7%, sendo comparável, e até mesmo superior, ao observado em outras formas de exposição
sexual (heterossexual) única ou em acidentes perfurocortantes entre profissionais de saúde. O trauma genital com lacerações pode chegar a 40% nas vítimas
violentadas, comparando com 5% nas situações de sexo consentido.

O risco de infecção pelo HIV, à semelhança do que ocorre com as IST, depende de muitas condições. Entre elas, destacam-se:

● Os tipos de exposição sexual (anal, vaginal, oral);

● O número de agressores;

● A suscetibilidade da mulher;

● A rotura himenal;

● A exposição a secreções sexuais e/ou sangue;

● A presença de IST ou úlcera genital;


● A carga viral do agressor;

● O início precoce da profilaxia ARV, quando indicada.

Também está associado ao trauma subjacente, na medida em que a escassa lubrificação produz lesões abrasivas e soluções de continuidade mais frequentes,
contribuindo para elevar os riscos de infecção.

Não existem estudos definitivos que assegurem que os antirretrovirais protejam a mulher em situação de violência sexual. Da mesma forma, não existem
evidências científicas que afastem esta possibilidade. Cabe considerar o êxito da profilaxia antirretroviral em outras situações, embora as comparações sejam
metodologicamente imperfeitas. A drástica redução da transmissão do HIV durante a gravidez e o parto, bem como o sucesso alcançado na profilaxia dos
acidentes entre profissionais de saúde, têm estimulado o uso dos antirretrovirais em situações de violência sexual. Além disso, serviços especializados no
atendimento a mulheres em situação de violência sexual têm encontrado indicadores consistentes da eficácia profilática dos antirretrovirais, com expressiva
adesão das mulheres ao tratamento.
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de Risco à Infecção pelo HIV, IST e Hepatites Virais teve como objetivo
atualizar as recomendações do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DIAHV)/Secretaria de Vigilância
em Saúde (SVS)/Ministério da Saúde (MS) quanto ao emprego de antirretrovirais para a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP). As novas recomendações
buscam simplificar as orientações da PEP de forma a ampliar o uso da profilaxia, principalmente, nos atendimentos de emergências, por profissionais não
especialistas.

Atualmente, indica-se o uso de profilaxia com antirretrovirais o mais breve possível, idealmente nas primeiras duas horas após a exposição, tendo como limite
as 72 horas subsequentes à exposição (violência sexual), que serão mantidos por quatro semanas consecutivas. As situações de exposição ao vírus do HIV
constituem uma emergência médica, em função da necessidade de início precoce da profilaxia para maior eficácia da intervenção. Ressalta-se que pessoas
que procurarem atendimento após 72 horas, apesar de a PEP para HIV não estar mais indicada, devem sempre ser avaliadas quanto à necessidade de
acompanhamento clínico e laboratorial e de prevenção de outros agravos.

Nas situações em que o estado sorológico do agressor não pode ser conhecido em tempo elegível, a profilaxia do HIV deve ser indicada quando ocorrer
penetração vaginal e/ou anal, associada ou não ao coito oral. Essa condição corresponde à maioria dos casos de violência sexual atendidos pelos serviços de
saúde. Em situações de violência sexual com sexo oral exclusivo, não existem evidências para assegurar a indicação profilática dos antirretrovirais até o
momento, mesmo com ejaculação dentro da cavidade oral. Nestes casos, riscos e benefícios devem ser cuidadosamente ponderados e a decisão deve ser
individualizada.

Em situações de violência sexual com sexo oral exclusivo, não existem evidências para assegurar a indicação profilá- tica dos antirretrovirais até o momento,
mesmo com ejaculação dentro da cavidade oral. Nestes casos, riscos e benefícios devem ser cuidadosamente ponderados e a decisão deve ser individualizada.

De uma forma resumida, está indicada a profilaxia antirretroviral (Tabela 1).

TAB. 1
● Violência sexual com penetração vaginal e/ou anal desprotegida
Recomendada
com ejaculação sofrida há menos de
72 horas.
Individualizar
● Penetração oral com ejaculação.
decisão
● Penetração oral sem ejaculação.

● Uso de preservativos durante toda a agressão.


Não

● Agressor sabidamente HIV negativo.


recomendada
● Violência sofrida há mais de 72 horas.

● Abuso crônico pelo mesmo agressor.

A realização do teste anti-HIV no agressor deve ser feita sempre que possível, mesmo após o início da quimioprofilaxia, com o objetivo de suspender a
medicação antirretroviral, caso o resultado seja negativo. Também o uso de teste rápido pode ser indicado para a tomada de decisão terapêutica, quando a
condição sorológica do agressor é desconhecida, mas este é identificável, e possa ser avaliado em menos de 72 horas da violência. Caso o resultado seja
negativo, a quimioprofilaxia antirretroviral não deve ser realizada.

Nos casos em que o agressor é sabidamente HIV positivo e está em tratamento com uso de antirretrovirais, a decisão do tipo de combinação de medicamentos
para profilaxia deverá ser individualizada.

O seguinte esquema preferencial antirretroviral (Quadro 6) está indicado para realização da profilaxia pós-exposição ao HIV:

QUADRO 6
ESQUEMA PREFERENCIAL PARA PEP

Tenofovir (TDF) + Lamivudina (3TC) + Dolutegravir (DTG)


A duração da PEP é de 28 dias.

A preferência por tenofovir (TDF) + lamivudina (3TC) nos casos de PEP (Quadro 7) é baseada em dados comparativos de estudos de terapia antirretroviral,
de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e de PEP.

A opção pelo DTG como terceiro medicamento (Quadro 7) para a composição do esquema de PEP baseia-se na possibilidade de administração em dose única
diária, o que pode apresentar impacto positivo na adesão a PEP, fator primordial para sua eficácia. O dolutegravir é seguro e bem tolerado em PEP, e apresenta
maior barreira genética, ou seja, aumenta a segurança para evitar a resistência transmitida, principalmente quando a fonte é multiexperimentada.
QUADRO 7
APRESENTAÇÕES DE ANTIRRETROVIRAIS PREFERENCIAIS PARA PEP E POSOLOGIAS

Entre os esquemas alternativos preconizados, incluem-se (Quadros 8 e 9):

QUADRO 8
APRESENTAÇÕES DE ANTIRRETROVIRAIS ALTERNATIVOS PARA PEP E POSOLOGIAS

QUADRO 9
ESQUEMAS ALTERNATIVOS PARA PEP OPÇÕES
Impossibili­dade de TDF AZT + 3TC + DTG
Impossibili­dade de DTG TDF + 3TC + DRV/r

Em gestantes, recomenda-se (Quadros 10 e 11):


QUADRO 10
ESQUEMA PREFERENCIAL DE ARV E MEDICAÇÕES ALTERNATIVAS PARA PEP EM GESTANTES

ESQUEMA PREFEREN­CIAL MEDICAÇÕES ALTERNATI­VAS

TDF + 3TC + RAL(a) Impossibilidade de TDF: AZT

Impossibilidade de RAL(b): ATV/r


Impossibilidade de RAL e ATV/r: DRV/r

Fonte: DIAHV/SVS/MS.
(a) O RAL está indicado a partir da 14ª semana de gestação.
(b) Em caso de gestação com menos de 14 semanas, recomenda-se o uso de ATV/r.

QUADRO 11
APRESENTAÇÕES E POSOLOGIAS DE ARV PREFERENCIAIS PARA PEP EM GESTANTES

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A ARV EM PUÉRPERAS

1. As mulheres que estejam amamentando devem ser orientadas sobre os potenciais riscos de transmissão do HIV pelo leite materno.

2. Em tais situações, deve-se orientá-las no sentido da interrupção temporária da amamentação. Durante o período de janela imunológica, pode-se realizar
extração e descarte do leite. Exame de controle (12a semana após início da PEP) com resultado HIV não reagente autoriza a reintrodução do aleitamento
materno.

ATENÇÃO

O esquema preferencial de profilaxia antirretroviral está de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de
Risco à Infecção pelo HIV, IST e Hepatites Virais.

Bancas examinadoras desatualizadas ainda poderão “cobrar” o esquema que consta na Norma Técnica de “Prevenção e tratamento dos agravos
resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes”, do Ministério da Saúde, motivo pelo qual optamos por disponibilizá-los em nosso material
didático.
 Esquema Preferencial:

PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PLANEJADA

A possibilidade de concepção em um coito desprotegido em qualquer fase do ciclo menstrual é de 2 a 4%. Esse risco aumenta no período fértil. No entanto, a
gravidez decorrente de violência sexual representa, para grande parte das mulheres, uma segunda forma de violência. A complexidade dessa situação e os
danos por ela provocados podem ser evitados, em muitos casos, com a utilização da Anticoncepção de Emergência (AE). O método anticonceptivo pode
prevenir a gravidez forçada e indesejada utilizando compostos hormonais concentrados e por curto período de tempo.

INDICAÇÕES DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

A AE deve ser prescrita para todas as mulheres e adolescentes expostas à gravidez, através de contato certo ou duvidoso com sêmen, independentemente do
período do ciclo menstrual em que se encontrem, de que tenham tido a primeira menstruação e de que estejam antes da menopausa.

A AE é desnecessária se a mulher ou a adolescente estiver usando regularmente método anticonceptivo de elevada eficácia no momento da violência sexual, a
exemplo do anticoncepcional oral ou injetável, esterilização cirúrgica ou DIU.

Obviamente, também só se aplica se houve


ejaculação vaginal, pois, em caso de coito oral
ou anal, não é necessária.

A AE hormonal constitui o método de eleição devido ao seu baixo custo, boa tolerabilidade, eficácia elevada e ausência de contraindicações absolutas.

MECANISMOS DE AÇÃO DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

O mecanismo de ação da AE, se utilizada na primeira fase do ciclo menstrual, altera o desenvolvimento dos folículos, impedindo a ovulação ou a retardando
por vários dias. Usada na segunda fase do ciclo menstrual, após a ovulação, a AE atua modificando o muco cervical, tornando-o espesso e hostil, impedindo
ou dificultando a migração sustentada dos espermatozoides do trato genital feminino até as tubas em direção ao óvulo. A AE não produz efeitos sobre o
endométrio, não modifica sua receptividade e não altera as condições para a implantação do blastocisto, caso a fecundação ocorra. Por esses mecanismos a AE
impede somente a fecundação. Não existem indicadores de que a AE exerça efeitos após a fecundação, altere o endométrio, prejudique a implantação ou que
resulte na eliminação precoce do embrião. Portanto, acumulam-se evidências científicas suficientes de que não existe "efeito abortivo" com o uso da AE.

MÉTODOS DE ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

Recomenda-se, como primeira escolha, o uso de progestogênio puro, ou seja, o método de levonorgestrel. O Quadro 12 descreve a apresentação e posologia
da anticoncepção de emergência.

QUADRO 12
APRESENTAÇÃO E POSOLOGIA DE ANTICONCEPÇÃO

APRESENTA­ÇÃO POSOLOGIA
Comprimidos de levonorges­trel: 1ª opção:
● 0,75 mg ● 1 comprimi­do de 1,5 mg, VO;
(cartela com 2 comprimi­dos); ou

e ● 2 comprimi­dos de 0,75 mg, dose única, até 5 dias após a

● 1,5 mg relação sexual*.

(cartela com 1 comprimi­do). 2ª opção:


● 1 comprimi­do de 0,75 mg, VO, de 12/12 horas, no total de 2
comprimi­dos, até 5 dias após a relação sexual*.
Fonte: DCCI/SVS/MS.
*A eficácia é sempre maior quanto mais próximo à relação for utilizada a anticoncepção de emergência.

O método de Yuzpe, segunda opção, consiste na administração oral da associação de estrogênios e progestogênios. Prescreve-se anticoncepcional hormonal
oral contendo etinilestradiol 50 mcg/levonorgestrel 250 mg por comprimido, dois comprimidos, VO, a cada 12 horas, ou quatro comprimidos, VO, dose única,
ou anticoncepcionais orais com etinilestradiol 30 mcg/levonorgestrel 150 mg por comprimido, usando-se quatro comprimidos, VO, a cada 12 horas, ou oito
comprimidos, VO, dose única.

Todos os esquemas deverão ser iniciados o mais precocemente possível, preferencialmente em até 72 horas e, excepcionalmente, em até 120 horas após a
violência sexual.

ATENÇÃO

DIU DE COBRE

A inserção do Dispositivo Intrauterino (DIU) de cobre, como anticoncepção de emergência, não é recomendada pelo Ministério da Saúde, devido ao risco
potencial de infecção genital agravado pela violência sexual.

EFICÁCIA DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

A eficácia da anticoncepção de emergência é elevada, com índice de Pearl (índice de falha) de cerca de 2%. No entanto, a eficácia da anticoncepção de
emergência pode variar em função do número de horas entre a violência sexual e a sua administração.

As taxas de falha do método de Yuzpe variam de 2% (0-24 horas) até 4,7% (49-72 horas). As taxas de falha do levonorgestrel variam de 0,4% (0-24 horas) até
2,7% (49-72 horas). Entre o 4° e 5° dia da violência sexual, a anticoncepção de emergência ainda oferece razoável proteção, embora com taxas de falha
expressivamente
maiores (eficácia de 50 a 70%). Caso ocorra a implantação, o uso de anticoncepção de emergência não produz efeito.

Portanto, a AE deve ser administrada tão rápido quanto possível dentro dos cinco dias da violência sexual.

CONTRAINDICAÇÕES DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

Todas as mulheres podem usar o método de AE com segurança, mesmo aquelas que, habitualmente, tenham contraindicações ao uso de anticoncepcionais
hormonais combinados. Mulheres com antecedentes de acidente vascular cerebral, tromboembolismo, enxaqueca grave ou diabetes com complicações
vasculares, são enquadradas na categoria 2 da Organização Mundial da Saúde, que recomenda precauções. Nesses casos, a anticoncepção de emergência deve
ser realizada, preferentemente, substituindo-se o método de Yuzpe pelo levonorgestrel.

A única contraindicação absoluta da anticon- cepção de emergência, classificada como categoria 4 da OMS, é a gravidez confirmada. Apesar disso, como já
foi apontado, não está prevista a solicitação de teste de gravidez no atendimento inicial das pacientes vítimas de violência sexual.

INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DECORRENTE DE VIOLÊNCIA SEXUAL

A mulher em situação de gravidez decorrente de violência sexual, bem como a adolescente e seus representantes legais, devem ser esclarecidos sobre as
alternativas legais quanto ao destino da gestação e sobre as possibilidades de atenção nos serviços de saúde. É direito dessas mulheres e adolescentes serem
informadas da possibilidade de interrupção da gravidez, conforme Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, artigo 128, inciso II do Código Penal
brasileiro.
Da mesma forma e com mesma ênfase, devem ser esclarecidas do direito e da possibilidade de manterem a gestação até o seu término, garantindo-se os
cuidados pré-na- tais apropriados para a situação. Nesse caso, também devem receber informações completas e precisas sobre as alternativas após o
nascimento, que incluem a escolha entre permanecer com a futura criança e inseri-la na família, ou proceder com os mecanismos legais de adoção. Nessa
última hipótese, os serviços de saúde devem providenciar as medidas necessárias junto às autoridades que compõem a rede de atendimento para garantir o
processo regular de adoção.

PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO E AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO PREVISTA EM LEI

A Portaria MS/GM n° 2.561, do Ministério da Saúde, de 23 de setembro de 2020, estabelece os Procedimentos de Justificação e Autorização da Interrupção da
Gravidez nos casos previstos no âmbito do Sistema Único de Saúde. Esses procedimentos devem ser adotados pelos serviços de saúde para a realização do
abortamento em situações de violência sexual, e incluem cinco diferentes termos:

● Termo de Relato Circunstanciado;

● Parecer Técnico;

● Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção de Gravidez.

● Termo de Responsabilidade;

● Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;

Todos os termos, devidamente assinados, devem ser anexados ao prontuário hospitalar e cópia de cada um deve ser entregue para a mulher e/ou seu
representante legal. Os casos que não recebam aprovação devem ter motivos justificados e cuidadosamente registrados em prontuário hospitalar.

ORIENTAÇÕES DA PORTARIA N° 2.561, DE 23 DE SETEMBRO DE 2020

A referida portaria dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema
Único de Saúde. Levando em consideração que o Código Penal brasileiro estabelece como requisitos para o abortamento humanitário ou sentimental, previsto
no inciso II do art. 128, que ele seja praticado por médico e com o consentimento da mulher e que há, ainda, a necessidade de se garantir aos profissionais de
saúde envolvidos no procedimento de interrupção da gravidez segurança jurídica efetiva para a realização do aludido procedimento nos casos previstos em lei,
foi resolvido que: o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão
ser registradas no formato de termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida sua confidencialidade.

PRIMEIRA FASE
TERMO DE RELATO CIRCUNSTANCIADO

Será constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante 2 (dois) profissionais de saúde do serviço. O Termo de Relato
Circunstanciado deverá ser assinado pela gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por 2 (dois) profissionais de saúde do
serviço, e conterá:

I. Local, dia e hora aproximada do fato;

II. Tipo e forma de violência;

III. Descrição dos agentes da conduta, se possível; e

IV. Identificação de testemunhas, se houver.

SEGUNDA FASE
PARECER TÉCNICO + TERMO DE APROVAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE INTERRUPÇÃO

Acontecerá com a intervenção do médico responsável que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação
do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver.

A gestante receberá atenção e avaliação especializada por parte da equipe de saúde multi- profissional, que anotará suas avaliações em documentos
específicos.

Três integrantes, no mínimo, da equipe de saúde multiprofissional subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, não
podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico.

EQUIPE DE SAÚDE MULTIPROFISSIONAL

A equipe de saúde multiprofissional deve ser composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.

TERCEIRA FASE
TERMO DE RESPONSABILIDADE

Verifica-se com a assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse termo conterá advertência
expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima do
crime de estupro.
QUARTA FASE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que obedecerá aos seguintes requisitos:

I. O esclarecimento à mulher deve ser realizado em linguagem acessível, especialmente sobre:

a. Os desconfortos e riscos possíveis à sua saúde;

b. Os procedimentos que serão adotados quanto a realização da intervenção médica;

c. A forma de acompanhamento e assistência, assim como os profissionais responsáveis; e

d. A garantia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos, passíveis de compartilhamento em caso de requisição
judicial;

II. Deverá ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica, pela gestante ou, se for incapaz, também por seu representante legal; e

III. Deverá conter declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de interromper a gravidez.

ASSINATURAS EXIGIDAS NOS DOCUMENTOS E NÚMERO DE VIAS

Todos os documentos que integram o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei deverão ser
assinados pela gestante ou, se for incapaz, também por seu representante legal, e elaborados em duas vias, sendo uma fornecida à gestante.

A seguir complemente sua leitura aprendendo sobre os


documentos que integram o procedimento de justificação e autorização da
interrupção da gravidez.

DOCUMENTOS QUE INTEGRAM O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO E AUTORIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ

A   Portaria Nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da
Gravidez nos casos previstos em lei, estipulou quatro fases que deverão ser registradas no formato de termos anexados ao prontuário
e garantida a sua confidencialidade. Esta medida visa garantir segurança jurídica efetiva aos profissionais de saúde envolvidos. A
seguir, são listadas as quatro fases mencionadas. 

● 1ª fase: Termo de Relato Circunstanciado (Anexo I).

● 2ª fase: Parecer Técnico (Anexo II) + Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez (Anexo III).

● 3ª fase: Termo de Responsabilidade (Anexo IV).

● 4ª fase: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo V).

ANEXO I - TERMO DE RELATO CIRCUNSTANCIADO

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)

Eu, ____________________________________________________, brasileira, _______ anos, portadora do documento de identificação tipo ___________,
nº________, declaro que no dia _____, do mês _______________ do ano de ________, às ________, no endereço ________________________________
(ou proximidades - indicar ponto de referência) ______________________________, bairro ____________, cidade __________________________, fui
vítima de crime de estupro, nas seguintes circunstâncias: _________________________________________.

EM CASO DE AGRESSOR(ES) DESCONHECIDO(S)

Declaro, ainda, que fui agredida e violentada sexualmente por _______ homem(ns) de aproximadamente ____________ anos, raça/cor ______________,
cabelos ___________________________, trajando (calça, camisa, camisetas, tênis e outros), outras informações (alcoolizado, drogado, condutor do
veículo tipo ________ etc.).

O crime foi presenciado por (se houver testemunha)________________________________________________.

EM CASO DE AGRESSOR(ES) CONHECIDO(S)

Declaro, ainda, que fui agredida e violentada sexualmente por_______________________________________________ (informação opcional), meu
_________________________ (indicar grau de parentesco ou de relacionamento social e afetivo), com ___________ anos de idade, e que no momento do
crime encontrava-se/ou não (alcoolizado, drogado).

O crime foi presenciado por (se houver testemunha)________________________________________________.

É o que tenho/temos a relatar.


Local e data: _____________________________________

___________________________________________________
Nome, identificação e assinatura

TESTEMUNHAS:

___________________________________________________
Profissional de saúde
Nome, identificação e assinatura

___________________________________________________
Profissional de saúde
Nome, identificação e assinatura

ANEXO II - PARECER TÉCNICO

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)

Em face da análise dos resultados dos exames físico geral, ginecológico, de ultrassonografia obstétrica e demais documentos anexados ao prontuário
hospitalar nº______________ da paciente __________________________________________________, portadora do documento de identificação
tipo______, nº_______; manifesta-se pela compatibilidade entre a idade gestacional e a data da violência sexual alegada.

Local e data: _________________________________

Médico

(assinatura e carimbo)

ANEXO III - TERMO DE APROVAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)

Nesta data, a Equipe de Saúde multidisciplinar do Serviço de __________________ do Hospital _________________________ avaliou o pedido de
interrupção de gestação, fundamentado na declaração de estupro apresentada pela paciente _______________________________________________,
portadora do documento de identificação tipo __________, nº ________, registro hospitalar nº__________, com ________ semanas de gestação. Atesta-se
que o pedido se encontra em conformidade com o artigo 128, inciso II, do Código Penal Brasileiro, sem a presença de indicadores de falsa alegação de crime
sexual. Portanto, APROVA-SE, de acordo com a conclusão do Parecer Técnico, a solicitação de interrupção de gestação formulada pela paciente e/ou por
seu representante legal.

Local e data: _________________________________

RESPONSÁVEIS PELA APROVAÇÃO

Equipe multiprofissional:

_______________________________________________
Carimbo e assinatura

_______________________________________________
Carimbo e assinatura

_______________________________________________
Carimbo e assinatura

ANEXO IV - TERMO DE RESPONSABILIDADE

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)
Por meio deste instrumento, eu _______________________, portadora do documento de identificação tipo____________, nº__________, ou legalmente
representada por ___________________________________________, portador(a) do documento de identificação tipo _____________, nº_________,
assumo a responsabilidade penal decorrente da prática dos crimes de Falsidade Ideológica e de Aborto, previstos nos artigos 299 e 124 do Código Penal
Brasileiro, caso as informações por mim prestadas ao serviço de atendimento às vítimas de violência sexual do Hospital
________________________________ NÃO correspondam à legítima expressão da verdade.

Local e data: ______________________________

____________________________________________
Nome, identificação e assinatura

ANEXO V - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)

INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO

Por meio deste instrumento, eu,__________________________, documento de identificação tipo __________, nº_____________, registro hospitalar
nº____________ e/ou meu representante legal/responsável _______________________, documento de identificação tipo _________, nº ___________, em
conformidade com o artigo 128, inciso II, do Código Penal Brasileiro, exerço o direito de escolha pela interrupção da gestação, de forma livre, consciente e
informada.

Declaro estar esclarecida dos procedimentos médicos que serão adotados durante a realização da intervenção (abortamento previsto em lei), bem como
dos desconfortos e riscos possíveis à saúde, as formas de assistência e acompanhamentos posteriores e os profissionais responsáveis.

Os riscos podem ser encontrados nos protocolos da Organização Mundial de Saúde — OMS (Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para
sistemas de saúde — 2ª ed. 1. Aborto induzido. 2. Cuidado pré-natal. 3. Bem-estar materno. 4. Política de saúde. 5. Guia - ISBN 978 92 4 854843 7), bem como
do National Health Service — NHS, disponível em: <https://www.nhs.uk/conditions/abortion/risks/>.

Declaro que me é garantido o direito ao sigilo das informações prestadas, passíveis de compartilhamento em caso de requisição judicial.

Declaro também que, após ter sido convenientemente esclarecida pelos profissionais de saúde e entendido o que me foi explicado, solicito de forma livre e
esclarecida a interrupção da gestação atual decorrente de estupro, e autorizo a equipe do Hospital ___________________________ aos procedimentos
necessários.

Declaro também que, após ter sido convenientemente esclarecida pelos profissionais de saúde e entendido o que me foi explicado, solicito de forma livre e
esclarecida a interrupção da gestação atual decorrente de estupro, e autorizo a equipe do Hospital ___________________________ aos procedimentos
necessários.

Local e data: __________________________________

________________________________________________
Nome, identificação e assinatura

________________________________________________
Testemunha
Nome, identificação e assinatura

________________________________________________
Testemunha
Nome, identificação e assinatura

ASPECTOS LEGAIS DO ABORTAMENTO

De acordo com o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940, artigo 128, inciso II do Código Penal brasileiro (BRASIL, 1940), o abortamento é permitido
quando a gravidez resulta de estupro, risco de morte da gestante ou anencefalia (ADPF 54 – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental).
O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesse caso, a não ser o consentimento da mulher. Assim, a mulher que sofre
violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o
faça, não lhe pode ser negado o abortamento. O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência
deve ter credibilidade, ética e, legalmente, deve ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à
saúde, portanto, não cabe ao profissional de saúde duvidar da palavra da vítima, o que agravaria ainda mais as consequências da violência sofrida. Seus
procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados à polícia ou justiça.

Caso se revele, após o abortamento, que a gravidez não foi resultado de violência sexual, o Código Penal brasileiro, artigo 20, § 1°, afirma que "é isento de
pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Assim, se todas as cautelas
procedimentais foram cumpridas pelo serviço de saúde, no caso de se verificar, posteriormente, a inverdade da alegação de violência sexual, somente a
gestante, em tal caso, responderá criminalmente pelo crime de aborto.

A realização do abortamento não se condiciona à decisão judicial que sentencie e decida se ocorreu estupro ou violência sexual. A lei penal brasileira
também não exige alvará ou autorização judicial para a realização do abortamento em casos de gravidez decorrente de violência sexual. O mesmo cabe
para o Boletim de Ocorrência Policial e para o laudo do Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal, do Instituto Médico Legal. Embora esses documentos
possam ser desejáveis em algumas circunstâncias, a realização do abortamento não está condicionada a apresentação dos mesmos. Não há sustentação
legal para que os serviços de saúde neguem o procedimento caso a mulher não possa apresentá-los.

CONSENTIMENTO POR ESCRITO PARA REALIZAÇÃO DO ABORTAMENTO

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Segundo o Código Penal brasileiro é imprescindível o consentimento por escrito da mulher para a realização do abortamento em caso de violência sexual, que
deve ser anexado ao prontuário médico.

No caso de adolescentes, a existência de limitações etárias para o exercício de seus direitos em diversas normas legais como o Código Civil, o Código Penal,
dentre outros, suscita dúvidas e receios entre profissionais
de saúde no atendimento, do ponto de vista ético e legal, a esta população.

O Código Civil estabelece que, a partir dos 18 anos, a mulher é considerada capaz de consentir sozinha para a realização do abortamento. Entre
16 e 18 anos, a adolescente deve ser assistida pelos pais ou pelo representante legal, que se manifestam com ela. Se a adolescente ou criança tem
idade menor que 16 anos, deve ser representada pelos pais ou por seu
representante legal, que se manifestam por ela. Menores de 14 anos
necessitam adicionalmente de uma comunicação ao Conselho Tutelar e acompanhamento do processo, com
sua solicitação de agilização.

O consentimento do(a) representante legal também é necessário se a mulher, por qualquer razão, não tiver condição de discernimento e expressão de sua
vontade, a exemplo das deficientes intelectuais.

OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA

O médico não é obrigado a realizar o abortamento se isto for contra os ditames de sua consciência. É garantido ao médico o direito de recusa em realizar o
abortamento em casos de gravidez resultante de violência sexual. No entanto, é seu dever informar à mulher sobre seus direitos e garantir a atenção ao
abortamento por outro profissional da instituição ou de outro serviço.

Cabe salientar que não há direito de objeção de consciência em algumas situações excepcionais:

● Risco de morte para a mulher;

● Em qualquer situação de abortamento juridicamente permitido, na ausência de outro(a) profissional que o faça;

● Quando a mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do(a) profissional;

● No atendimento de complicações derivadas do abortamento inseguro, por se tratarem de casos de urgência.

PROCEDIMENTOS DE INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ

Este tema foi abordado com mais detalhes na apostila de MEDCURSO Obstetrícia 3 – Sangramentos na Gravidez, no capítulo Abortamento, mas,
basicamente, a interrupção da gravidez pode ser realizada através de AMIU (Aspiração Manual Intrauterina), indução com misoprostol ou ocitocina e
curetagem uterina.

A interrupção só poderá ser realizada até a 20a ou 22a semana de gestação, e com o produto da concepção pesando menos que 500 g.

Após esta idade gestacional, a mulher deve ser informada da impossibilidade de atender a solicitação e aconselhada ao acompanhamento pré-natal
especializado, facilitando-se o acesso aos procedimentos de adoção, se assim o desejar.

PREVENÇÃO DO TÉTANO
A OMS e o Ministério da Saúde recomendam a profilaxia antitetânica seguindo os mesmos critérios para acidentes perfurocortantes, caso haja lesões
detectáveis ao exame físico.

Poucas mulheres em situação de violência sexual sofrem traumas físicos graves. Contudo, na ocorrência dos traumatismos físicos, genitais ou extragenitais, é
necessário avaliar
cuidadosamente as medidas clínicas e cirúrgicas que atendam às necessidades da mulher.

Na ocorrência de traumatismos físicos, deve-se considerar a necessidade de profilaxia do tétano, avaliando-se o status vacinal da mulher
(Tabela 2).

TAB. 2  PREVENÇÃO DO TÉTANO.

*5.000 unidades de SAT (Soro Antitetânico), via IM, após realização do teste de sensibilidade; aos alérgicos ao SAT, indicar IGHAT (Imunoglobulina Humana Antitetânica) em dose única de 250 unidades.

DOENÇAS VIRAIS
A infecção pelo herpesvírus foi abordada na seção de úlceras genitais.

Em relação à infecção pelo HIV e às hepatites virais, daremos ênfase à ocorrência durante a gestação, uma vez que ambas são
abordadas em apostilas específicas de infectologia e gastroenterologia, respectivamente.

pontos principais

● Conhecer as principais infecções virais.

● Saber diagnosticá-las e tratá-las.

● Conhecer o seu manejo durante a gestação.


INFECÇÃO PELO PAPILOMAVÍRUS HUMANO (HPV)

O HPV (sigla em inglês para papilomavírus humano) é um DNA-vírus de cadeia dupla, não encapsulado, membro da família Papovaviridae. Infecta
epitélios escamosos e pode induzir uma grande variedade de lesões cutâneo-mucosas. Atualmente, são identificados mais de 200 tipos de HPV, sendo que,
desses, aproximadamente 40 tipos acometem o trato anogenital.

O risco geral estimado para a exposição a essa infecção é de 15 a 25% a cada nova parceria sexual e a quase totalidade das pessoas sexualmente ativas irá
adquirir a infecção em algum momento de suas vidas. As infecções são tipicamente assintomáticas.

Aproximadamente 1 a 2% da população apresentam verrugas anogenitais e cerca de 2 a 5% das mulheres mostram alterações provocadas por infecção pelo
HPV na colpocitologia. A prevalência é maior em mulheres abaixo dos 30 anos. A maioria das infecções por HPV em mulheres (sobretudo quando
adolescentes) tem resolução espontânea, em um período aproximado de até 24 meses.

TRANSMISSÃO DO PAPILOMAVÍRUS HUMANO (HPV)

A transmissão do HPV se dá por qualquer tipo de atividade sexual e, excepcionalmente, durante o parto, com a formação de lesões cutâneo-mucosas em
recém-nascidos ou papilomatose recorrente de laringe. A transmissão por fômites é rara.

TIPOS DE HPV

Os tipos de HPV que infectam o trato genital são divididos em dois grupos, de acordo com o risco oncogênico e o tipo de lesão:

Baixo Risco Oncogênico

Detectados em lesões anogenitais benignas e lesões intraepiteliais de baixo grau — tipos 6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72 e 81.

Alto Risco Oncogênico

Detectados em lesões intraepiteliais de alto grau e, especialmente, nos carcinomas — tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82.

Os tipos 26, 53 e 66 são provavelmente de alto risco oncogênico, enquanto os tipos 34, 57 e 83 são de risco indeterminado.

A infecção por um determinado tipo viral não impede a infecção por outros tipos de HPV, podendo ocorrer infecção múltipla.

Conforme descrição acima, os tipos que causam verrugas genitais são quase sempre diferentes daqueles que causam câncer.

O tempo médio entre a infecção pelo HPV de alto risco e o desenvolvimento do câncer cervical é de aproximadamente 20 anos, de acordo com o tipo do vírus,
sua carga viral, sua capacidade de persistência e o estado imunológico do hospedeiro.

Tabagismo e deficiências imunológicas, incluindo as causadas pela infecção pelo HIV, desnutrição, cânceres e medicações
imunossupressoras são fatores predisponentes.

Na maioria das pessoas, a infecção pelo HPV não produz qualquer manifestação. O tempo de latência pode variar de meses a anos e, quando presentes, as
manifestações podem ser subclínicas.

PREVENÇÃO

A vacinação é uma opção segura e eficaz na prevenção da infecção pelo HPV e suas complicações. Existe robusta evidência do benefício individual e
populacional, com demonstração de redução da ocorrência de lesões benignas e malignas.

A vacina é potencialmente mais eficaz para adolescentes vacinadas(os) antes do primeiro contato sexual, induzindo a produção de anticorpos em quantidade
dez vezes maior que a encontrada na infecção naturalmente adquirida em um prazo de dois anos.

A partir de 2014, o MS ampliou o Calendário Nacional de Vacinação, com a introdução da vacina quadrivalente contra HPV tipos 6 e 11 (de baixo risco
oncogênico, responsáveis por lesões verrucosas) e 16 e 18 (de alto risco oncogênico). A Tabela 1 apresenta a indicação de vacinação do HPV.
TAB. 1 VACINA HPV.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES
2 doses (0 e 6 meses).
Meninas de 9 a 14 anos.
Meninos de 11 a 14 anos.

PVHIV, TRANSPLANTADOS DE ÓRGÃOS SÓLIDOS, DE MEDULA ÓSSEA OU PACIENTES ONCOLÓGICOS


3 doses (0, 2 e 6 meses).
Mulheres de 9 a 45 anos.
Homens de 9 a 26 anos.
Fonte: Ministério da Saúde, 2021.

A vacinação das Pacientes Vivendo com HIV (PVHIV) passa a ser realizada em todos os postos de vacinação, nos Centros de Referência de Imunobiológicos
Especiais (CRIE) e nos Serviços de Assistência Especializada (SAE) que possuam salas de vacina. Mantém-se a necessidade de prescrição médica com
indicação do motivo da vacinação nos casos de PVHIV, transplantados de órgãos sólidos, de medula óssea ou pacientes oncológicos.

FORMAS DE APRESENTAÇÃO

A infecção pelo HPV, tanto no homem como na mulher, tem sido descrita sob três formas de apresentação: latente, subclínica e clínica.

Apresentação Latente

Ocorre quando as pessoas infectadas por HPV não desenvolvem qualquer lesão. Essa condição pode permanecer durante toda a vida. Apenas algumas pessoas
podem, anos mais tarde, vir a expressar a doença com condilomas ou alterações celulares do colo uterino. Nessa situação, não existe manifestação clínica,
citológica ou histológica, podendo a infecção ser apenas demonstrada por meio de exames de biologia molecular (detecção do DNA viral).

Apresentação Subclínica

As alterações são detectadas pelo exame colpocitológico de câncer de colo do útero, por meio de lupas, corantes e colposcopia, acompanhada ou não de
biópsia. Os tipos virais de baixo risco oncogênico são geralmente associados ao padrão de Lesões Escamosas de Baixo Grau (Low Grade Intraepithelial
Lesions – LSIL), equivalendo ao quadro histopatológico de displasia leve ou neoplasia intraepitelial cervical grau 1 (NIC 1).

Os tipos de alto potencial oncogênico são, em geral, associados a Lesões Intraepiteliais Escamosas de Alto Grau (High Grade Intraepithelial Lesions –
HSIL), correspondendo à histopatologia aos quadros de displasia moderada, grave ou carcinoma in situ — também denominadas neoplasias intraepiteliais
cervicais grau 2 (NIC 2) ou grau 3 (NIC 3). Esta última é considerada carcinoma in situ. Como mencionado, outros epitélios podem sofrer a ação oncogênica
do vírus, originando Neoplasias Intraepiteliais Vaginais (NIVA), Vulvares (NIV), Perineais (NIPE), Penianas (PIN) e Anais (NIA).

Apresentação Clínica (Lesão Macroscópica)

As lesões da infecção pelo HPV são polimórficas, sendo as lesões pontiagudas denominadas condiloma acuminado. Variam de um a vários milímetros,
podendo atingir vários centímetros. Costumam ser únicas ou múltiplas, achatadas ou papulosas, mas sempre papilomatosas. Por essa razão, a superfície
apresenta-se fosca, aveludada ou semelhante à da couve-flor. Apresentam-se da cor da pele, eritematosas ou hiperpigmentadas. Em geral, são assintomáticas,
mas podem ser pruriginosas, dolorosas, friáveis ou sangrantes. As verrugas anogenitais resultam quase exclusivamente de tipos não oncogênicos de HPV.

No homem, as lesões ocorrem mais frequentemente no folheto interno do prepúcio, no sulco bálano-prepucial ou na glande. Podem acometer, ainda, a pele do
pênis e/ou do escroto.

Na mulher, costumam ser observadas na vulva, vagina e/ou cérvice.

Em ambos os sexos, podem ser encontradas nas regiões inguinais ou perianais. As manifestações perianais são mais frequentes, ainda que não exclusivas, em
pessoas que tenham atividade sexual anal receptiva. Menos frequentemente, podem estar presentes em áreas extragenitais, como conjuntivas e mucosas nasal,
oral e laríngea.

As PVHIV apresentam maior frequência de neoplasias anogenitais e lesões intraepiteliais decorrentes da infecção pelo HPV.

DIAGNÓSTICO/MÉTODOS DE RASTREAMENTO PARA DETECÇÃO DO HPV NA CÉRVICE UTERINA

O diagnóstico das verrugas anogenitais é tipicamente clínico. Em situações especiais, há indicação de biópsia para estudo histopatológico:
● Dúvida diagnóstica, suspeita de neoplasias ou outras doenças;

● Lesões atípicas ou que não respondam adequadamente aos tratamentos;

● Lesões suspeitas em pessoas com imunodeficiências — incluindo a infecção pelo HIV, cânceres e/ou uso de medicações imunossupressoras — caso em que
esse procedimento deve ser considerado com mais frequência e precocidade.

As mulheres com verrugas anogenitais requerem um exame ginecológico completo, incluindo o exame colpocitológico de câncer de colo do útero e, quando
indicada pelas alterações citológicas, colposcopia acompanhada ou não de biópsia. Pacientes com lesões anais, idealmente, devem ter um exame proctológico
com anuscopia e toque retal.

O estudo citológico de material coletado do canal anal ainda tem sua realização debatida, mas pode ter importância em populações especiais (HSH e pessoas
com prática sexual anal receptiva), em razão de aumento da incidência de câncer anorretal.

Não são recomendados testes que identificam os diferentes tipos de HPV na rotina clínica ou mesmo no rastreamento de pessoas assintomáticas com a
finalidade de diagnosticar a infecção pelo HPV. Esses testes tem importância para o rastreio de câncer genital, como câncer de colo uterino e de pênis.

TRATAMENTO DAS VERRUGAS ANOGENITAIS

O objetivo do tratamento das verrugas anogenitais é a destruição das lesões identificáveis. Apesar de haver recomendação de tratamento, não há evidência de
que os tratamentos disponíveis modifiquem a história natural da infecção pelo HPV. Independentemente da instituição de tratamentos, as lesões podem
desaparecer, permanecer inalteradas ou aumentar em número e/ou volume. Recidivas são frequentes em tempo bastante variável, podendo ocorrer após meses
ou anos.

O tratamento deve ser individualizado, considerando as características das lesões, a disponibilidade de recursos, os efeitos adversos e a experiência do
profissional. Em se tratando de uma doença geralmente autolimitada, devem ser evitados tratamentos que gerem cicatrizes desfigurantes.

As situações de imunodeficiência não modificam as recomendações terapêuticas, sendo necessário lembrar, porém, que os pacientes nessas condições tendem
a apresentar pior resposta ao tratamento, requerendo maior atenção quanto a possibilidade de complicações.

Recomenda-se considerar a mudança de opção terapêutica quando não houver melhora significativa após três sessões, ou se as verrugas não
desaparecerem após seis sessões de tratamento. Existe a possibilidade de combinação de tratamentos, com estrito controle dos efeitos inflamatórios sobre
os tecidos normais.

Deve-se considerar o impacto psicossocial das manifestações da infecção pelo HPV. As pessoas com HPV se preocupam muito quanto a evolução das lesões
— que são, em muitos casos, de longa duração, com muitas recidivas —, ao potencial de transmissão a outros parceiros, a origem da infecção em uma parceria
e, em especial, a possibilidade de transformação maligna. O conhecimento desses aspectos, a completude, a clareza e a firmeza das informações oferecidas
pelos profissionais de saúde são indispensáveis.

A Figura 1 resume as recomendações para o tratamento das verrugas anogenitais, conforme sua morfologia e distribuição.
FIG. 1 Fluxograma para o manejo clínico de verrugas anogenitais.

Frente à grande incidência de verrugas anogenitais e ao elevado número de consultas implicadas, os tratamentos realizados em ambulatórios tendem a
sobrecarregar os serviços. Em geral, esses tratamentos são dolorosos, sendo importantes a abordagem preventiva, o suporte e a segurança do profissional
durante o procedimento. Todos exigem cuidado em sua realização, pois podem produzir bolhas, úlceras e cicatrizes. Também é necessário alertar os pacientes
quanto à possibilidade de infecção secundária e seus sinais de alerta. Normas padrão de biossegurança devem ser utilizadas durante o tratamento, incluindo
máscaras quando dos procedimentos que gerem aerossóis e/ou fumaça, transportando partículas virais que podem ser inaladas.

Dividem-se os tratamentos em domiciliares (realizados pelo próprio paciente) e ambulatoriais (realizados pelos profissionais de saúde).

TRATAMENTO DOMICILIAR

É bastante conveniente por ser autoaplicado, dispensando visitas ao serviço de saúde. São imprescindíveis instruções detalhadas sobre a forma de aplicação e
as potenciais complicações.

Como autotratamentos já incorporados ao SUS, têm-se o imiquimode e a podofilotoxina. O imiquimode apresenta menos efeitos locais que a podofilotoxina,
mas implica maior tempo de tratamento (quatro meses vs. quatro semanas). Não há diferença entre as taxas de abandono.

IMIQUIMODE 50 MG/G CREME

É um modulador da resposta imunológica pela indução do interferon alfa e de outras citocinas.

Homens não circuncidados que estiverem tratando verrugas localizadas sob o prepúcio devem retraí-lo e limpar a região diariamente.

O imiquimode não destrói o vírus, mas auxilia na eliminação da verruga. Portanto, novas verrugas podem aparecer durante o tratamento. A exposição da pele à
luz solar (inclusive ao bronzeamento artificial) durante o tratamento deve ser evitada, em razão do aumento da sensibilidade cutânea a queimaduras.

A inflamação provocada pelo imiquimode é o seu mecanismo de ação terapêutico; portanto, será observada uma irritação e eritema no local do tratamento. É
destinado apenas para uso externo, não deve ser usado na uretra, vagina, colo do útero ou na parte interna do ânus.

Como Aplicar
1. Antes de se deitar, lavar as mãos e a área a ser tratada com água e sabonete neutro. Secar bem a área limpa. Abrir um sachê novo de imiquimode e espremê-
lo, a fim de liberar o creme na ponta do dedo indicador.

2. Aplicar uma camada fina de imiquimode sobre a região afetada e massagear suavemente até o creme desaparecer.

3. Após a aplicação, jogar fora o sachê e lavar as mãos com água e sabão.

4. Deixar o creme agir por seis a dez horas sobre as verrugas genitais externas.

5. Durante esse período, evitar qualquer banho ou ducha.

6. Após esse período, lavar a região tratada com água e sabonete suave. Abrir sempre um novo sachê a cada aplicação do produto.

7. Após o uso, sempre jogar fora o sachê.

8. Nunca guardar a sobra do sachê para usá-la posteriormente. Doses maiores que as recomendadas podem levar a um aumento de reações adversas no local de
aplicação.

Posologia

Para as verrugas externas genitais/anais, as aplicações devem ser realizadas em dias alternados (três vezes por semana), por exemplo, às segundas, quartas e
sextas, ou às terças, quintas e sábados. O tratamento com imiquimode deve ser mantido até o desaparecimento das verrugas ou por um período máximo de 16
semanas a cada episódio de verrugas.

Reações Adversas

As reações adversas mais comuns ocorrem na área de aplicação do produto e incluem vermelhidão, descamação, erosão da pele, escoriação e inchaço.

PODOFILOTOXINA

É a forma purificada da podofilina e possui propriedades antimitóticas. A absorção sistêmica após a aplicação tópica é muito baixa.

Como Aplicar

1. Antes de aplicar o creme, lavar as áreas afetadas com água e sabão e secar completamente.

2. Utilizando a ponta dos dedos, aplicar quantidade de creme suficiente para cobrir cada verruga, permanecendo com as pernas afastadas uma em relação a
outra até que o creme seja totalmente absorvido.

3. Se o creme entrar em contato com a pele sadia, ele deve ser retirado com água e sabão.

4. O contato prolongado com a pele sadia deve ser evitado.

5. As mãos devem ser completamente lavadas após cada aplicação.

Posologia

A aplicação de podofilotoxina deve ser feita duas vezes ao dia, pela manhã e à noite, por três dias consecutivos (dias 1, 2 e 3), seguida por um período de
quatro dias sem aplicação (um ciclo de tratamento). Caso haja qualquer verruga remanescente após sete dias de aplicação, outro ciclo de tratamento pode ser
realizado. Recomenda-se, no máximo, quatro ciclos de tratamento.

Reações Adversas

Pode ocorrer irritação local no segundo ou terceiro dia de aplicação, associada ao início da necrose da verruga. Na maioria dos casos, as reações são leves.
Sensibilização da pele, prurido, ardor, eritema, úlcera epitelial superficial e balanopostite foram relatados. A irritação local diminui gradativamente após o
tratamento.

TRATAMENTO AMBULATORIAL

ÁCIDO TRICLOROACÉTICO (ATA) 80–90% (SOLUÇÃO)

Agente cáustico que promove destruição das condilomas pela coagulação química de seu conteúdo proteico. Deve ser aplicada uma pequena quantidade com
um aplicador de algodão, adequado ao tamanho das lesões. Deve-se evitar o contato com a mucosa normal e permitir que a solução seque — é observado um
branqueamento semelhante à porcelana. A frequência e número de sessões deve variar conforme a resposta, sendo adequado iniciar com aplicações semanais.
É um tratamento que pode ser utilizado durante a gestação. Não deve ser prescrito para uso domiciliar, frente ao potencial dano aos tecidos e suas
complicações.

PODOFILINA 10–25% (SOLUÇÃO)


Derivada de plantas (Podophyllum peltatum ou Podophyllum emodi), tem ação antimitótica, podendo trazer dano ao tecido lesado e ao tecido normal.
Aplicar a podofilina sobre as verrugas e aguardar a secagem, evitando o contato com o tecido são. A frequência e o número de sessões variam conforme a
resposta ao tratamento, sendo adequado iniciar com aplicações semanais. Em cada sessão, limitar o volume utilizado a 0,5 ml e a área tratada a 10 cm². Além
de irritação local, a absorção de grande quantidade da substância pode acarretar cardio, neuro e nefrotoxicidade. É contraindicada na gestação.

ELETROCAUTERIZAÇÃO

Exige equipamento específico e anestesia local. É apropriada para o caso de lesões exofíticas, pedunculadas e volumosas. Como vantagem, permite a
destruição de todas as lesões em uma sessão. Os resultados dependem da experiência do operador; o uso inadequado da técnica pode resultar em cicatrizes
desfigurantes e, excepcionalmente, estenose ou fístulas em estruturas tubulares, como uretra, canal anal e vaginal.

EXÉRESE CIRÚRGICA

Requer anestesia local. A exérese tangencial (shaving) com tesoura delicada ou lâmina é um excelente método, uma vez que, além da remoção completa das
lesões, permite o estudo histopatológico dos fragmentos. É adequada para lesões volumosas, especialmente as pedunculadas. Em geral, não é necessário
realizar sutura ou procedimento para hemostasia, sendo suficiente a compressão do local operado.

CRIOTERAPIA

O nitrogênio líquido é atualmente a substância mais usada no tratamento ambulatorial das verrugas. Tem seu ponto de ebulição a -192ºC e promove citólise
térmica. Pode ser utilizada por meio de sondas, aplicadores de algodão ou, em sua forma mais prática, em spray, mediante equipamento específico. A
crioterapia é atóxica, podendo ser utilizada na gestação. É muito apropriada em caso de lesões isoladas e queratinizadas. Geralmente bem tolerada,
pode, excepcionalmente, requerer anestesia. A frequência e o número de sessões variam conforme a resposta ao tratamento, sendo adequado iniciar com
aplicações semanais.

HPV: SEGUIMENTO

Sabe-se que o tratamento das verrugas anogenitais não leva à erradicação viral. Consequentemente, recorrências são frequentes. O paciente e sua(s) parceria(s)
sexual(is) devem retornar ao serviço, caso se identifiquem novas lesões. Testes de detecção viral não são indicados em nenhuma situação, por não trazerem
qualquer benefício às pessoas acometidas.

HPV: PARCERIAS SEXUAIS

É importante que as parcerias sexuais sejam orientadas e examinadas.

O profissional precisa ter segurança quanto às informações, eliminando dúvidas sobre os aspectos da transmissão.

Pelo fato de a infecção ser assintomática e por ter um período de incubação potencialmente longo, na maioria das vezes, não é possível estabelecer em qual
parceria sexual se iniciou a infecção. É mesmo possível que a infecção inicial tenha ocorrido na parceria sexual que não apresenta qualquer manifestação.

A ocorrência de verrugas anogenitais pode ser causa de sofrimento psicológico, com repercussão nos relacionamentos interpessoais.

A presença das lesões, como de outras IST, pode trazer insegurança às relações, inclusive com risco de estabelecimento de violência. Daí a importância de
abrir uma possibilidade de consulta para as parcerias sexuais.

HPV: GESTAÇÃO

O HPV não causa infertilidade. Na gestação, as lesões podem apresentar crescimento rápido, atingirem grande volume, tornarem-se friáveis e sangrantes.

O tratamento das gestantes muitas vezes tem pior resultado.

A podofilina e o imiquimode não devem ser usados na gestação.

O ácido tricloroacético ou o nitrogênio líquido são boas opções.

Por vezes, especialmente no caso de lesões volumosas, a eletrocoagulação ou a exérese tangencial (shaving) são as melhores opções.

Não há indicação de parto cesáreo pela presença das lesões, ainda que haja a possibilidade de transmissão destas ao recém-nascido. A indicação seria a
obstrução do canal de parto ou sangramento (ocorrências excepcionais).

HPV: CRIANÇAS E ADOLESCENTES


A ocorrência de lesões anogenitais em crianças deve sempre levantar a suspeita de abuso sexual. Ainda que possa ocorrer na ausência de abuso, o achado
merece uma investigação cuidadosa, que evite ao mesmo tempo a negligência dessa possibilidade e as consequências indesejáveis de uma acusação
injustificada.

Ao contrário do que frequentemente se acredita, a presença de lesões em membros da família não é uma prova de abuso, bem como a ausência de lesões em
um potencial abusador não significa inexistência de violação. Essa crença gera, inclusive, demandas equivocadas por parte de profissionais de saúde,
conselhos e autoridades judiciárias. O manejo dessas situações deve ser individualizado e judicioso.

HPV EM DETERMINADAS POPULAÇÕES

Pessoas com prática sexual anal, em especial PVHIV, sabidamente tem maior incidência de verrugas genitais perianais e complicações com lesões
malignizáveis e neoplasias. É indispensável a informação para a identificação de queixas e alterações proctológicas e, idealmente, o exame periódico da região
deve ser incluído nas rotinas de atendimento.

Nas Pacientes Vivendo com HIV (PVHIV), a coinfecção com o HPV tem especial relevância.

HEPATITES VIRAIS E GRAVIDEZ

Uma vez que as hepatites virais são abordadas mais profundamente no bloco de Gastroenterologia, nos deteremos aqui apenas aos aspectos obstétricos das
infecções.

HEPATITE B

A transmissão do vírus da hepatite B (HBV) se faz por via parenteral e, sobretudo, pela via sexual, sendo considerada uma IST. A transmissão vertical
(materno-infantil) também é causa frequente de disseminação do vírus. Aproximadamente 5 a 10% dos indivíduos infectados tornam-se portadores crônicos do
HBV. Caso a infecção ocorra por transmissão vertical, a chance de cronificação é de cerca de 70 a 90%. Destes, cerca de 20 a 25% evoluem para doença
hepática avançada (cirrose).

A imunização contra a hepatite B está indicada em toda população com menos de trinta anos de idade, assim como em indivíduos pertencentes a grupos em
situações de maior vulnerabilidade, independentemente da faixa etária:

● Gestantes;

● Trabalhadores da saúde;

● Portadores de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST);

● Bombeiros, policiais civis, militares e rodoviários;

● Carcereiros de delegacia e de penitenciárias;

● Coletadores de lixo hospitalar e domiciliar;

● Comunicantes sexuais de portadores de hepatite B;

● Doadores de sangue;
● Homens e mulheres que mantêm relações sexuais com pessoas do mesmo sexo;

● Pessoas reclusas (presídios, hospitais psiquiátricos, instituições de menores, forças armadas, dentre outras);

● Manicures, pedicures e podólogos;

● Populações de assentamentos e acampamentos;

● Populações indígenas;

● Potenciais receptores de múltiplas transfusões de sangue ou politransfundidos;

● Profissionais do sexo/prostitutas;

● Usuários de drogas injetáveis, inaláveis e pipadas;

● Caminhoneiros.

Apesar de anteriormente ser recomendado apenas após o primeiro trimestre da gestação, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para prevenção da
transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais (PCDT — Prevenção da Transmissão Vertical) recomenda a vacinação durante a gestação para todas as
gestantes com resultado HBsAg não reagente em qualquer trimestre.

O esquema vacinal consiste em três doses, com intervalo de um mês entre a primeira e a segunda dose, e de seis meses entre a primeira e a terceira dose.
O Ministério da Saúde modificou o esquema vacinal para crianças até sete anos. Agora, faz parte do calendário vacinal básico das crianças a vacina
pentavalente (DTP/HB/Hib —  difteria, tétano, pertussis, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo B). No total, então, a partir de agora serão
quatro doses de imunização contra o HBV para todas as crianças...

A primeira dose para imunização ativa contra a hepatite B, que deve ser feita logo após o nascimento (de preferência nas primeiras 12 horas de vida), continua
sendo com a vacina recombinante monovalente (isto é, aquela que protege apenas contra a hepatite B). A partir do segundo mês de vida a criança deverá
receber três doses da vacina pentavalente (DTP/HB/Hib), com intervalo de sessenta dias entre cada aplicação.

Em pacientes com hepatite B aguda durante a gestação, o risco de transmissão vertical é pequeno (menor que 10%) quando ela ocorre no primeiro trimestre,
mas atinge níveis superiores a 60% quando a infecção ocorre no segundo ou terceiro trimestres da gestação.

O risco de transmissão vertical em gestantes com hepatite B crônica é maior que 90% em mulheres HBeAg positivo, demonstrando fase de replicação viral e
varia entre 10 a 40% nas mulheres HBeAg negativo. O risco de transmissão parece ocorrer principalmente no momento do parto, pela passagem fetal pelo
canal vaginal, com exposição do recém-nascido a sangue ou líquido amniótico (onde está presente o HBV), sendo rara a transmissão intrauterina. A cesariana
como via de parto, com intuito de prevenir a transmissão vertical, não se mostrou eficaz e não deve ser indicada.

Estudos mais recentes demonstraram que os níveis séricos maternos de HBV-DNA são os melhores marcadores do risco de transmissão vertical da hepatite B.
O PCDT — Profilaxia da Transmissão Vertical — passou a recomendar o uso de tenofovir 300 mg, um comprimido ao dia por via oral, que deverá ser iniciado
entre 28 e 32 semanas de gestação para pacientes com carga viral HBV maior que 200.000 UI/ml ou ALT duas vezes maior que o limite superior da
normalidade, como forma de profilaxia da transmissão vertical. A carga viral HBV-DNA deverá ser solicitada na primeira consulta e repetida com 28 semanas.
Gestantes com perfil imunológico HBsAg e HBeAg reagentes, que apresentam alto risco de transmissão vertical, também deverão receber a profilaxia com
tenofovir independentemente da quantificação da carga viral HBV-DNA.

A terapia com tenofovir, quando indicada, deverá ser mantida após o parto e a sua retirada deverá ser avaliada por um especialista.

Após o nascimento, deve-se proceder a imediata vacinação (1ª dose) da criança associada à imunoglobulina humana anti-hepatite B ainda na sala de parto ou,
no máximo, dentro das primeiras 12 horas após o nascimento. Este procedimento, seguido das doses de vacina subsequentes, evita a transmissão do vírus B da
mãe para a criança em 90% dos casos. Com relação à amamentação, apesar de o vírus da hepatite B poder ser encontrado no leite materno, o aleitamento em
crianças filhas de mães portadoras do VHB não é contraindicado, podendo ser realizado, preferencialmente, logo após a aplicação da primeira dose do
esquema vacinal e da imunoglobulina humana anti-hepatite B.

HEPATITE C

A transmissão da hepatite C ocorre principalmente por via parenteral. Em percentual significativo de casos não é possível identificar a via de infecção. São
consideradas populações de risco para a infecção pelo HCV por via parenteral: indivíduos que receberam transfusão de sangue e/ou hemoderivados antes de
1993, usuários de drogas intravenosas ou usuários de cocaína inalada que compartilham os equipamentos de uso, pessoas com tatuagem, piercing ou que
apresentem outras formas de exposição percutânea. A transmissão sexual é pouco frequente (risco de 2 a 6% para parceiros estáveis) e ocorre, principalmente,
em pessoas com múltiplos parceiros e com prática sexual de risco (sem uso de preservativo), sendo que a coexistência de alguma IST — inclusive o HIV —
constitui-se em um importante facilitador dessa transmissão. Após contato com o HCV, a taxa de cronificação da infecção é de 70 a 85% dos casos, sendo que,
em média, um quarto a um terço deles evolui para formas histológicas graves no período de vinte anos. O restante evolui de forma mais lenta e talvez nunca
desenvolva hepatopatia grave.

O rastreio pré-natal rotineiro não é recomendado, devendo ser realizado apenas para as pacientes com fatores de risco.

O risco de transmissão de hepatite C da mãe para o filho é baixo, entre 3 e 5% dos casos, mas aumenta se houver coinfecção com o HIV. Não existem medidas
profiláticas específicas para a transmissão vertical do vírus C, assim como a cesariana não parece evitar o risco de transmissão vertical. O aleitamento não está
contraindicado na prevenção, mas devem ser ponderados riscos e benefícios.

DIVERGÊNCIAS NA LITERATURA

AMAMENTAÇÃO NA HEPATITE B
● A Sociedade Brasileira de Pediatria cita em seu site que a literatura médica em geral dá respaldo convincente para a recomendação de que as mães
portadoras crônicas do vírus da hepatite B amamentem ao seio os seus filhos, mesmo que elas sejam HBeAg positivas. O vírus da hepatite B tem sido
encontrado no leite materno, porém não há evidências epidemiológicas de que o aleitamento materno aumente o risco de transmissão mãe-bebê da hepatite
B, mesmo sem vacinação. Recomenda-se que os recém-nascidos filhos de mães portadores do vírus da hepatite B recebam a primeira dose da vacina contra
hepatite B logo após o nascimento, nas primeiras 12-24 horas (quanto mais cedo melhor) e imunoglobulina específica (0,5 ml) — sempre que disponível — tão
logo quanto possível, dentro dos primeiros sete dias após o nascimento. É importante salientar que não há necessidade de retardar o início do aleitamento
materno até que a criança seja imunizada.

● A OMS publicou recomendação, onde afirma que, mesmo nos lugares onde a infecção pelo VHB é altamente endêmica e a imunização contra o VHB não é
disponível, o aleitamento materno permanece como o método recomendado de alimentação infantil.

● O CDC recomenda a vacinação e administração de imunoglobulina nas primeiras 12 horas após o parto e orienta que as pacientes HBsAg positivas devem
ser conscientizadas que podem amamentar seus recém-nascidos após o parto.

● O livro Zugaib Obstetrícia (2020) cita que a infecção materna pelo HBV não é contraindicação para a amamentação. Os RN filhos de mães HBsAg positivo
devem receber tratamento preventivo com imunoglobulina e vacinação para hepatite B.

● O livro Rotinas em Obstetrícia (7ª edição, 2017) autoriza a amamentação após imunoprofilaxia adequada.

Assim, o aleitamento parece ser seguro, mas parece ser mais prudente administrar a vacina e imunoglobulina antes de iniciá-lo.

HIV E GRAVIDEZ

A transmissão do vírus do HIV pode ocorrer por via transplacentária, desde a 8ª semana de gestação, ou no momento do parto por contato direto de sangue ou
secreção cervicovaginal materna através da pele, exposição traqueobrônquica ou ingestão pelo recém-nato. A maior parte dos casos de transmissão vertical do
HIV ocorre durante o trabalho de parto e no parto (cerca de 75% dos casos). Os 25% restantes ocorrem intraútero, principalmente nas últimas semanas de
gestação, e por meio do aleitamento materno, que representa risco adicional de transmissão de 7 a 22%. Amostras de leite materno avaliadas por técnicas de
PCR mostraram que 58% das amostras eram infectadas com partículas virais. A carga viral materna é o maior fator de risco independente para esta
transmissão.

Estudos antes do Aids Clinical Trial Group (ACTG 076) de 1994 mostravam que a transmissão vertical do HIV variava entre 14 e 33%, podendo chegar,
em algumas séries, até 50%. O estudo ACTG 076 inaugurou uma nova era na transmissão do HIV para o recém-nato, pois foi a partir dele que se difundiu a
profilaxia durante a gestação e trabalho de parto. Este estudo avaliou o uso de AZT durante a gravidez entre 14 e 34 semanas na dose de 100 mg 5x/dia,
durante o trabalho de parto, com dose de ataque de 2 mg/kg, manutenção de 1 mg/kg e uso de xarope para o recém-nato durante seis semanas. O resultado
final evidenciou que, do grupo que recebeu a profilaxia, somente 8,3% das crianças se contaminaram, enquanto no grupo-controle houve 25,5% de
contaminação, o que representou uma diminuição do risco em 67,5%.

A discussão sobre o HIV na gestação é extensa e frequentemente são divulgados artigos sobre o tema. Entretanto, para manter a objetividade, serão transcritas
as recomendações do Ministério da Saúde publicadas em 2020, que adapta as condutas internacionais de acordo com a realidade brasileira.

PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DE HIV, SÍFILIS E HEPATITES VIRAIS
MINISTÉRIO DA SAÚDE

INTRODUÇÃO

A taxa de transmissão vertical do HIV, sem qualquer intervenção, situa-se em torno de 25,5%. No entanto, diversos estudos publicados na literatura médica
demonstram a redução da transmissão vertical do HIV para níveis entre 0 e 2% com o uso de esquemas contendo antirretrovirais combinados, com a cesariana
eletiva e quando a carga viral é menor do que 1.000 cópias/ml ao final da gestação. Nos países desenvolvidos, a ampla implementação de intervenções para a
redução da transmissão vertical do HIV, principalmente a administração de antirretrovirais, a cesariana eletiva e a substituição do aleitamento materno,
resultaram na redução significativa da incidência de casos de aids em crianças. Estima-se que, quando a profilaxia antirretroviral se inicia no momento do
parto, a redução da transmissão é de 37%, enquanto o uso de antirretrovirais combinados durante a gestação resulta em taxas de transmissão inferiores a 3%.

A patogênese da transmissão vertical do HIV está relacionada a múltiplos fatores. Destacam-se:

a. Fatores virais, tais como a carga viral, genótipo e fenótipo viral;

b. Fatores maternos, incluindo estado clínico e imunológico, presença de IST e outras coinfecções, estado nutricional da mulher e tempo de uso de
antirretrovirais na gestação;

c. Fatores comportamentais, como o uso de drogas e prática sexual desprotegida;

d. Fatores obstétricos, tais como a duração da ruptura das membranas amnióticas, a via de parto e a presença de hemorragia intraparto;

e. Fatores inerentes ao recém-nascido, tais como prematuridade, baixo peso ao nascer;

f. Fatores relacionados ao aleitamento materno.

Algumas considerações iniciais:


● A principal via de transmissão vertical é através do parto, correspondendo a cerca de 75% dos casos. Os outros 25% se referem à transmissão intraútero e
pelo aleitamento;
● A carga viral elevada e a ruptura prolongada das membranas amnióticas são reconhecidas como os principais fatores associados à
transmissão vertical do HIV. A carga viral nas secreções cervicovaginais e no leite materno tem se mostrado um importante determinante de risco de
transmissão intraparto e pela amamentação;

● Está amplamente comprovado que o uso de Terapia Antirretroviral (TARV) combinada é capaz de reduzir significativamente a carga viral plasmática do HIV
para níveis indetectáveis;

● Dados de estudos epidemiológicos e de ensaios clínicos sugerem que mulheres que recebem TARV combinada potente apresentam taxas muito baixas de
transmissão, inferiores à 1%;
● Estudos randomizados, observacionais e de metanálise mostraram que a operação cesariana, quando eletiva, constitui fator protetor da transmissão vertical
do HIV. No entanto, atualmente notou-se que este efeito protetor da cesariana só ocorre em pacientes com carga viral alta;

● Carga viral elevada associada à longa duração de monoterapia tem sido associada à maior ocorrência de mutações.

TRIAGEM SOROLÓGICA E ACONSELHAMENTO

É recomendada a realização de teste rápido para HIV, com aconselhamento e consentimento, para todas as gestantes na primeira consulta pré-natal ou no
primeiro trimestre da gestação. As gestantes cujos resultados sejam reagentes para o HIV devem ser encaminhadas para o seguimento ao pré-natal em
serviços de atenção especializada em IST/aids de referência. Em caso de resultado não reagente, recomenda-se a testagem para HIV no terceiro trimestre.

O novo Manual do Ministério da Saúde também passou a recomendar a realização de testagem rápida para o HIV também na admissão da mulher na
maternidade, hospital ou casa de parto, devendo ser ofertada, nessa ocasião, a testagem combinada para HIV, sífilis e hepatite B (para a gestante sem
esquema vacinal completo). Outra situação recomendada para testagem seria caso haja história de risco/violência sexual (Figura 2).

FIG. 2 Momentos para oferecer testagem de HIV à gestante.


USO DE ANTIRRETROVIRAIS EM GESTANTES

a. Considerações:

A regra geral é que todas as gestantes infectadas pelo HIV deverão fazer uso de três antirretrovirais com o objetivo de reduzir a transmissão vertical,
independentemente de critérios clínicos e imunológicos. A novidade dos últimos PCDTs é que a TARV não deverá ser suspensa após o parto,
independentemente do nível de linfócitos T-CD4 no momento do início do tratamento. Esta recomendação tem os seguintes objetivos:
● Suprimir a replicação viral de forma sustentada, prevenindo a transmissão vertical e sexual do HIV;

● Reduzir o risco de progressão da doença, diminuindo a morbidade e a mortalidade associadas ao HIV;

● Melhorar a qualidade de vida;

● Preservar e, quando possível, restaurar o sistema imunológico;

● Evitar uso intermitente de ARV em diferentes gestações;

● Promover proteção precoce, em relação à transmissão vertical, em futuras gestações.

O PCDT orienta que a TARV poderá ser iniciada na gestante antes mesmo de se ter os resultados dos linfócitos T CD4 e da carga viral, principalmente nos
casos de gestantes que iniciam tardiamente acompanhamento pré-natal, com o objetivo de alcançar a supressão viral o mais rapidamente possível. Ele relata
que não há estudos suficientes para garantir total segurança à exposição fetal à TARV até 12 semanas de gestação e que os benefícios à saúde materna, assim
como à redução do risco de transmissão vertical, devem ser ponderados frente aos potenciais riscos.

De qualquer maneira, o protocolo recomenda abordar junto à gestante portadora de HIV a relação de risco-benefício, a necessidade de boa adesão e iniciar
TARV o mais rápido possível.

b. Genotipagem pré-tratamento:

A genotipagem pré-tratamento está indicada para todas as gestantes infectadas pelo HIV, com objetivo de orientar o esquema terapêutico inicial e deve ser
considerada uma prioridade dentro da rede de assistência. No entanto, o início do tratamento não deve ser atrasado pela não obtenção do resultado desse
exame.

c. Escolha dos antirretrovirais para gestantes virgens de TARV:

Para as gestantes que irão iniciar TARV no primeiro trimestre, o esquema proposto é o seguinte:

Se genotipagem pré-tratamento comprovar ausência de mutações para Inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeo (ITRNN):
Tenofovir (TDF)/Lamivudina (3TC)/Efavirenz (EFZ). 
 
Se genotipagem pré-tratamento não estiver disponível ou quando comprovar resistência transmitida a ITRNN:
TDF/3TC + Atazanavir/ritonavir (ATV/r).

Na impossibilidade de composição da TARV com ITRNN e com o Inibidor de Protease (IP) preferencial ATV/r, pode ser utilizado darunavir potencializado
por ritonavir (DRV/r), obrigatoriamente na dose recomendada de duas vezes ao dia (DRV 600 mg/ritonavir 100 mg de 12/12h).

O Dolutegravir (DTG) não é recomendado para início de terapia no primeiro trimestre de gestação. Contudo, após o primeiro trimestre, recomenda-se avaliar a
troca do terceiro ARV do esquema para DTG, considerando menor incidência de eventos adversos e maior tolerabilidade. Pacientes estáveis, com boa
tolerância ao esquema em uso e carga viral indetectável, devem, preferencialmente, manter o esquema iniciado.

Gestantes que irão iniciar TARV a partir de 13 semanas (segundo trimestre) devem receber dois Inibidores da Transcriptase Reversa Análogos de
Nucleosídeos (ITRN) associados a um Inibidor de Integrase (INI). O esquema preferencial neste momento é:

Tenofovir* (TDF) + Lamivudina* (3TC) + Dolutegravir (DTG).


*preferencialmente na apresentação de dose fixa combinada.

O uso concomitante com os anticonvulsivantes oxicarbamazepina, dofetilida ou pilsicainida e a reação adversa ou intolerância ao medicamento são
contraindicações ao uso do DTG. Os esquemas alternativos para o uso do DTG a partir do segundo trimestre estão descritos na Tabela 2.

TAB. 2 ESQUEMAS INICIAIS ALTERNATIVOS DE TARV PARA GESTANTES A PARTIR DO 2º TRIMESTRE DE GESTAÇÃO (APÓS 12 SEMANAS).

Contraindicação ao DTG 1ª opção: utilizar EFZ, caso genotipagem mostre sensibilidade.


Contraindicação ao EFZ 2ª opção: utilizar ATV/r.
Contraindicação ao ATV/r 3ª opção: utilizar DRV/r.
Contraindicação ao DTG e início tardio do pré-natal (a partir do 3º Avaliar a introdução de Raltegravir (RAL).
trimestre de gestação)

A Tabela 3 resume os esquemas para gestantes virgens de TARV.


TAB. 3 ESQUEMAS DE TARV PARA INÍCIO DE TRATAMENTO EM GESTANTES VIVENDO COM HIV/AIDS.

ESQUEMA PREFERENCIAL PARA INÍCIO DE TARV NA GESTANTE  CONSIDERAÇÕES


TDF + 3TC + DTG Iniciar DTG após 12 semanas de gestação. Contraindicado no
primeiro trimestre de gestação.
Contraindicação ao TDF: AZT
Contraindicação ao TDF e AZT: ABC(a)

ESQUEMA ALTERNATIVO PARA INÍCIO DE TARV NA GESTANTE CONSIDERAÇÕES


TDF + 3TC + EFV Pode ser iniciado no 1º trimestre de gestação.
Para uso do EFZ, é mandatória a demonstração de sensibilidade
na genotipagem pré-tratamento.
Pode ser preferencial quando estejam presentes aspectos de má
adesão ou contraindicação ao uso do DTG.
Contraindicação ao EFZ: ATV/r.

TDF + 3TC + ATV/r Pode ser preferencial na gestante com indicação de iniciar TARV
no 1º trimestre de gestação.
Contraindicação ao ATV/r: DRV/r.

TDF + 3TC + DRV/r Esquema alternativo na gestante com indicação de iniciar TARV
no 1º trimestre de gestação.

TDF + 3TC + RAL(b) Pode ser preferencial na gestante apresentadora tardia (início da
TARV no 3º trimestre de gestação).
Deve ser programada ainda no pré-natal a troca do RAL para o
DTG após o parto.

d. Gestante em uso de TARV com carga viral indetectável:

Para aquelas gestantes infectadas pelo HIV, já em uso de TARV prévia ao diagnóstico da gestação e apresentando supressão viral (< 50 cópias/ml), deve-se
manter o mesmo esquema ARV, desde que não contenha medicamentos contraindicados na gestação.

A decisão para substituição do DTG para aquelas pacientes já em uso deve considerar que o defeito no fechamento do tubo neural pode acontecer de forma
aleatória e é um evento raro, com um risco atribuível ao DTG pequeno (0,2% em adição ao risco de cerca de 0,1% em mulheres sem uso de DTG). Além
disso, o fechamento do tubo neural se conclui até a 8a semana, portanto a troca depois deste período pode apresentar mais riscos que benefícios.

O MS recomenda os seguintes pontos para a gestante em uso de DTG no início da gestação:

● Uso de ácido fólico para redução de defeitos de fechamento do tubo neural; 

● Não é recomendada troca do DTG após 12 semanas. Para gestantes com menos de 12 semanas, é recomendada troca para esquemas contendo IP/r,
preferencialmente ATV/r; 

● Caso ocorra a troca do DTG, avaliar a gestante semanalmente para efeitos adversos e adesão;

● Considerar a possibilidade de escapes virais e perda de controle viral devido à troca de medicação.

e. Gestante em uso de TARV com carga viral detectável:

Devemos considerar a possibilidade de falha virológica para a gestante já em uso de TARV com CV detectável, sendo que a principal causa para este evento é
a má adesão. Após a avaliação da adesão e interação medicamentosa, estas pacientes deverão ter exame de genotipagem solicitado para adequação da TARV
em uso. Vale ressaltar que aquelas gestantes com apenas uma CV detectável (> 500 cópias/ml) já devem realizar nova genotipagem.

Durante a gestação, o conceito de falha virológica é mais rápido para evitar riscos para o feto. Desta forma, recomenda-se o seguinte:

1. Todas as gestantes deverão realizar carga viral na primeira consulta de pré-natal;

2. Gestantes em início de tratamento ou após modificação de TARV deverão ter nova amostra de CV-HIV coletada em duas a quatro semanas. Caso não tenha
ocorrido queda de pelo menos 1 log na CV-HIV, deverá ser avaliada a efetividade da TARV através do resultado do exame de genotipagem pré-tratamento,
se a adesão está adequada ou se há interação medicamentosa.

3. A TARV deve ser adequada de acordo com o resultado da genotipagem, dentro do menor prazo possível.

EXAMES LABORATORIAIS NA GESTANTE HIV POSITIVO


A contagem de linfócitos CD4+ estabelece o risco de progressão para aids e óbito, sendo, portanto, o indicador laboratorial mais importante em pessoas
assintomáticas.

Já a carga viral é um dos fatores associados ao risco de transmissão vertical do HIV e auxilia na definição da via de parto. A taxa de transmissão é inferior a
1% em gestantes em uso de antirretrovirais que mantêm níveis de carga viral abaixo de 1.000 cópias/ml, sendo, portanto, muito baixa quando a carga viral
estiver indetectável. Além disso, a carga viral é utilizada para monitoramento da gestante infectada pelo HIV, auxiliando a avaliação da resposta ao tratamento
antirretroviral. Na Tabela 4 apresentamos o protocolo recomendado para a solicitação de exames laboratoriais.

TAB. 4 

VACINAÇÃO NA GESTANTE VIVENDO COM HIV

A vacinação deve ser considerada em toda gestante HIV positivo e algumas regras devem ser respeitadas: as vacinas de vírus vivo ou bactérias vivas estão
contraindicadas em pessoas portadoras do HIV, sendo seu emprego nessa população condicionado a uma análise individual de risco-benefício. Não deve ser
realizada em casos de imunodepressão grave.

Mulheres infectadas pelo HIV sintomáticas ou com baixa contagem de linfócitos T-CD4+ em nenhuma circunstância devem ser imunizadas, pois, além de
responderem mal ao esquema vacinal, podem apresentar complicações inerentes à vacina. Sempre que possível, deve-se adiar a administração de vacinas em
pacientes sintomáticos ou com imunodeficiência grave (contagem de LT-CD4+ inferior a 200 céls/mm³), até que um grau satisfatório de reconstituição imune
seja obtido com o uso de terapia antirretroviral, o que proporciona melhora na resposta vacinal e reduz o risco de complicações pós-vacinais.

A imunização para a febre amarela deverá ser indicada para gestantes com risco de exposição ao vírus ou em regiões de risco elevado, devido à alta
morbimortalidade da doença, a partir do terceiro trimestre da gestação, considerando-se o risco-benefício. Nessas situações, será necessária a avaliação de um
especialista e a correlação com a contagem de LT-CD4+ da gestante.

A Tabela 5 resume a indicação de vacinação na gestante HIV positivo.


TAB. 5
EXAME RECOMENDA­ÇÃO
Vacina para pneumococo Recomendadas duas doses, com intervalo de cinco anos,
independente­mente da idade.
Vacina Meningocó­cica Conjugada (MncC) Recomendada.
Vacina Haemophilus influenzae tipo b (Hib) Nas mulheres menores de 19 anos, não previamente vacinadas.
Indicado o reforço caso a última dose tenha sido administrada há
Vacina para tétano e difteria (dT) mais de cinco anos. Se a gestante não for vacinada ou o estado
vacinal for desconhecido, indicar três doses (esquema padrão).
Se a gestante não for vacinada ou o estado vacinal for
desconhecido, indicar três doses (esquema padrão) e considerar
uma dose de dTpa. Caso a gestante precise do reforço de difteria
Vacina acelular contra difteria, tétano e coqueluche (dTpa)
e tétano, poderá realizá-lo contendo as três vacinas (dTpa) após a
27ª semana, conforme orientações sobre imunização contra a
coqueluche em gestantes.
Recomendada para as gestantes suscetíveis (anti-HBs negativas).
Vacina para hepatite B A dose deve ser o dobro daquela recomendada pelo fabricante:
momento 0, 1, 2 e 6 ou 12 meses.

Recomendada para as gestantes suscetíveis (anti-HBs negativas),


as usuárias de drogas que compartilham seringas e agulhas,
aquelas que tenham tido contato sexual desprotegido com
Imunoglobu­lina humana para vírus da hepatite B (HBIG) pessoas HBsAg positivas ou em caso de vítimas de violência
sexual.
Deve ser iniciada ainda nos primeiros quatorze dias de
exposição.

Recomendada para as gestantes suscetíveis (anti-HAV IgG


Vacina para hepatite A
negativas). Realizar duas doses com intervalo de 6 a 12 meses.
Recomendada anualmente para os infectados pelo HIV, antes do
Influenza/H1­N1 período da influenza. Vacina inativada trivalente, uma dose anual,
pode ser feita na gestação.
Recomendada para as gestantes suscetíveis (anti-VVZ negativas),
Imunoglobu­lina para Vírus da Varicela-Zóster (VVZ)
após exposição.
A vacinação está contraindicada em gestantes, independente‐­
mente do estado vacinal. Na impossibilidade de adiar a
vacinação, como em situações de emergência epidemiológica,
Febre amarela
vigência de surtos, epidemias ou viagem para área de risco de
contrair a doença, o médico deverá avaliar o benefício e o risco
da vacinação.

MANEJO OBSTÉTRICO E VIA DE PARTO

a. Indicação da via de parto:

Os conhecimentos acerca da patogenia da transmissão vertical do HIV, dados clínicos, virológicos e imunológicos, demonstram que pelo menos 75% das
transmissões ocorrem durante ou próximo ao período intraparto, sugerindo que intervenções obstétricas, como o parto cesáreo, pudessem reduzir essas taxas.
A partir de 1998, vários estudos demonstraram o benefício adicional do parto cesáreo na redução da transmissão vertical em mulheres em uso de zidovudina.
Dados do Grupo de Estudo Suíço de HIV Neonatal (414 crianças) e da Coorte Perinatal Francesa (2.834 crianças) demonstraram uma taxa de transmissão de 6
e 8%, respectivamente, em crianças nascidas de parto cesáreo eletivo. No estudo francês, a interação entre uso de zidovudina e cesariana eletiva foi associada à
taxa de 0,8%, comparada a 8% com cesariana eletiva sem zidovudina e 20% no grupo sem intervenção.

Um estudo de metanálise (quinze estudos prospectivos) referiu taxas de transmissão perinatal do HIV-1 em mulheres submetidas à cesariana eletiva de 8,2%
nas mulheres sem uso de zidovudina e de 2% nas mulheres sob uso de zidovudina. No mesmo ano, um estudo colaborativo europeu mostrou taxa de
transmissão de 1,8% (3 de 170) em crianças nascidas de parto cesáreo eletivo, comparado com 10,5% (21 de 200) em crianças nascidas de parto vaginal.

A biblioteca Cochrane realizou uma revisão sistemática para avaliar a efetividade e segurança da cesariana eletiva na prevenção da transmissão vertical.
Concluiu-se que a cesariana eletiva foi uma intervenção eficaz para a prevenção da transmissão vertical do HIV nas mulheres que não fizeram uso de TARV
na gestação e naquelas que usaram apenas AZT.
A frequência de morbidade pós-parto, definida como febre, infecção urinária, endometrite e tromboembolismo foi maior nas mulheres soropositivas para o
HIV com cesariana eletiva se comparada àquelas submetidas a parto vaginal. O risco de morbidade da cesariana eletiva foi intermediário entre o parto vaginal
e a cesariana de emergência. Outros fatores associados a maior risco de morbidade materna foram o estágio mais avançado da doença e a presença de
comorbidades, como diabetes.

Embora exista evidência de que a cesariana possa colaborar para a redução da transmissão perinatal do HIV, os estudos realizados até
agora não demonstraram diferenças nas taxas de transmissão vertical ao se comparar cesariana eletiva e parto vaginal na prevenção
da transmissão do HIV quando a carga viral é inferior a 1.000 cópias/ml em gestantes que estão em uso de esquema antirretroviral
combinado.

Com base nas evidências científicas acima mencionadas, a definição da via de parto deverá ser baseada no resultado da carga viral materna, realizada a partir
da 34ª semana, em associação com a avaliação obstétrica.

A cesariana eletiva na 38ª semana, com o fim de reduzir a transmissão vertical do HIV, está indicada para as gestantes que, após 34 semanas de gestação,
apresentem carga viral desconhecida ou superior a 1.000 cópias/ml. Quando a carga viral for inferior a 1.000 cópias/ml em gestantes em uso de
antirretrovirais, a via de parto vaginal é indicada caso não haja indicação de cesárea por outro motivo.

A cesariana eletiva deve ser indicada para gestantes HIV+ que não realizaram profilaxia antirretroviral durante a gestação ou que tenham sua carga viral,
com 34 semanas ou mais de gestação, desconhecida ou maior que 1.000 cópias/ml.

O AZT intravenoso está indicado em todos os partos de gestantes HIV positivo. No entanto, caso a CV-HIV seja indetectável após 34 semanas, a paciente
pode apenas manter a TARV habitual, sem necessidade do uso de AZT intravenoso no momento do parto (Tabela 6).

TAB. 6

*Operação cesariana eletiva significa aquela realizada antes do início do trabalho de parto, encontrando-se as membranas amnióticas íntegras.
(A)Para efeito de indicação da via de parto, considerar também carga viral desconhecida, aquela que tenha sido aferida antes da 34ª semana de gestação.

(B)Nesse grupo de mulheres, a operação cesariana deverá ser a via de parto de escolha desde que esteja a dilatação cervical em até 3 a 4 cm e as membranas amnióticas íntegras.

Se houver risco de má adesão, o médico pode considerar o uso do AZT intraparto mesmo que a CV esteja indetectável. Caso indicado, o AZT intravenoso
deverá seguir o seguinte esquema posológico:

PREPARAÇÃO DA ZIDOVUDINA PARA INFUSÃO INTRAVENOSA


EM 100 ML DE SORO GLICOSADO A 5%

Apresentação comercial do AZT injetável (IV): frasco ampola de 200 mg com 20 ml (10 mg/ml). A dose de ataque na primeira hora é de 2 mg/kg e manutenção com infusão contínua de 1 mg/kg, diluído em
100 ml de soro glicosado a 5%.
A parturiente deve receber AZT
endovenoso desde o início do trabalho de parto até o clampeamento do cordão umbilical.
A concentração não deve exceder 4 mg/ml.

Não é recomendável a substituição do AZT injetável no momento do parto pelo AZT via oral para gestante, por conta da absorção errática do AZT VO, sem
evidência que garanta nível sérico adequado no momento oportuno.

b. Operação cesariana — considerações para seu manejo adequado:

Uma vez decidido pela operação cesariana, as seguintes considerações devem ser observadas:

● A confirmação da idade gestacional deve ser cuidadosamente estabelecida, para prevenir a prematuridade iatrogênica. Para tanto, a avaliação deve ser feita
utilizando-se parâmetros obstétricos (data da última menstruação correta, altura de fundo uterino) e da ultrassonografia precoce, realizada idealmente no 1º
trimestre ou antes da 20ª semana. Estes critérios auxiliam no estabelecimento do dia do parto operatório eletivo, que deverá ser realizado na 38ª semana de
gestação, a fim de se evitar a prematuridade e/ou o trabalho de parto e a ruptura prematura das membranas;

● Caso a gestante tenha indicação para a cesárea eletiva, inicie o trabalho de parto antes da data prevista para a cirurgia e chegue à maternidade com dilatação
cervical mínima (menor que 4 cm), o obstetra deve iniciar a infusão intravenosa do AZT e realizar a cesárea, se possível, após três horas de infusão;

● Sempre que possível, proceder ao parto empelicado (retirada do neonato mantendo a bolsa das águas íntegra);

● Não realizar ordenha do cordão umbilical, ligando-o imediatamente após a retirada do recém-nascido;

● Realizar a completa hemostasia de todos os vasos da parede abdominal e a troca das compressas ou campos secundários antes de se realizar a histerotomia,
minimizando o contato posterior do recém-nascido com sangue materno;

● Recomenda-se a utilização de profilaxia antibiótica com cefazolina 2 g intravenosa administrada tanto na cirurgia eletiva quanto na cirurgia de urgência.

c. Parto vaginal — considerações para seu manejo adequado:

Havendo condições favoráveis para o parto vaginal, as seguintes considerações devem ser observadas:
● Estão contraindicados os procedimentos invasivos durante a gestação e no trabalho de parto, como a cordocentese, a amniocentese, a amniotomia precoce e a
monitorização fetal invasiva durante o trabalho de parto;

● O parto instrumentalizado deve ser evitado, porém, quando indicado, o fórcipe deve ser preferido ao vácuo-extrator. Aplicação do fórcipe (ou vácuo-extrator)
só será admitida se houver uma indicação obstétrica precisa e que supere os riscos maiores de infecção da criança pelo procedimento;

● Havendo condições favoráveis para o parto vaginal e estando este indicado, iniciar o AZT intravenoso logo que a parturiente chegar ao serviço, conforme o
protocolo estabelecido, e manter a infusão até a ligadura do cordão umbilical;

● Diante da integridade da bolsa amniótica, a progressão normal do trabalho de parto é preferível à sua indução;

● Monitorar o trabalho de parto cuidadosamente, evitando toques repetidos (usar o partograma);

● Deve-se evitar que as parturientes permaneçam com bolsa rota por tempo prolongado, visto que a taxa de transmissão vertical aumenta progressivamente
após quatro horas de bolsa rota;

● O uso de fármacos que aumentam a atividade uterina não está contraindicado, mas deve ser utilizado segundo os padrões de segurança já conhecidos. A
amniotomia artificial deve ser evitada, a menos que extremamente necessária;

● Após a expulsão do feto, realizar, sem ordenha, o clampeamento imediato do cordão umbilical;

● A episiotomia deve ser evitada sempre que possível. Se for realizada, a mesma deverá ser protegida com compressas umedecidas com degermante por um
auxiliar para evitar o contato do recém-nascido com a episiotomia.

d. Manejo da ruptura de membranas:

A conduta em gestante HIV positivo com ruptura prematura de membranas está relacionada com a idade gestacional:

Ruptura prematura de membranas em idade gestacional inferior a 34 semanas.

Em geral, está associada a um período de latência (sem trabalho de parto) longo, que pode durar até algumas semanas. Na ausência de corioamnionite e
sofrimento fetal, recomenda-se medida semiconservadora, com observação e utilização de medicamentos que melhorem o prognóstico materno e perinatal.
Sugere-se o uso de hiper-hidratação na presença de oligoâmnio, utilização de corticoterapia para aceleração da maturidade pulmonar fetal e profilaxia para o
estreptococo do grupo B.

Nas gestantes infectadas pelo HIV, o risco da transmissão vertical associado à ruptura das membranas deve ser contrabalançado com o risco de prematuridade,
que também está associado a um maior risco de transmissão vertical do HIV.

Ruptura prematura de membranas em idade gestacional superior a 34 semanas.

Em gestantes com idade gestacional superior a 34 semanas e com ruptura prematura de membranas, a resolução da gestação deve ser considerada. A decisão
pela via de parto irá depender das condições do colo uterino, da presença de atividade uterina e da presença de carga viral indetectável. Sabendo-se que o
tempo de trabalho de parto está associado à maior ocorrência de transmissão vertical, nas situações de colo desfavorável e ausência de atividade uterina, deve-
se considerar a realização de parto por cesárea, com a intenção de evitar induções prolongadas.

Caso as condições do colo do útero sejam favoráveis e a gestante estiver em uso de TARV, com carga viral menor que 1.000 cópias/ml e apresentação cefálica,
a via de parto pode ser vaginal. Essa decisão deve ser tomada junto com a paciente. É possível utilizar ocitocina e misoprostol para induzir ou acelerar o
trabalho de parto.

Já as pacientes com CV maior ou igual a 1.000 cópias/ml, coletada com 34 semanas, deverão ser submetidas à cesariana. O tratamento de corioamnionite e a
profilaxia para o estreptococo do grupo B possuem as mesmas indicações habituais.

Na gestante em trabalho de parto e com bolsa rota, é preciso avaliar as condições de evolução do trabalho de parto e o risco de complicações. Frente à previsão
de um parto demorado ou distócico, deve-se considerar a resolução por cesariana.

e. Trabalho de parto prematuro com membranas amnióticas íntegras:

A presença de infecção pelo HIV não interfere no manejo do trabalho de parto prematuro, recomendando-se a tentativa de inibição das contrações e prescrição
de corticoterapia antes de 34 semanas. A principal diferença é a associação do AZT IV materno à inibição medicamentosa do parto, que deve ser suspenso
caso a inibição do trabalho de parto seja bem-sucedida.

Caso se decida pela conduta ativa no trabalho de parto prematuro, a via de parto deve ser escolhida com base na carga viral materna e em indicações
obstétricas, com infusão de AZT IV, evitando-se trabalho de parto prolongado em virtude do maior risco de transmissão vertical.

As indicações de profilaxia contra sepse neonatal pelo estreptococo do grupo B são iguais àquelas recomendadas para gestantes sem HIV.

RECOMENDAÇÕES NO PUERPÉRIO
O risco de transmissão vertical se mantém durante a amamentação, mesmo que a paciente esteja em uso de TARV. Desta forma, recomenda-se que mulheres
infectadas pelo HIV sejam orientadas a não amamentar e devem ser informadas sobre o direito de receber fórmula láctea infantil pelo menos até seis meses de
idade.

A inibição farmacológica da lactação deve ser realizada imediatamente após o parto, utilizando-se cabergolina 1,0 mg via oral, em dose única (dois
comprimidos de 0,5 mg por via oral). Frente à ocorrência de lactação rebote, fenômeno pouco comum, pode-se realizar uma nova dose do inibidor.

O enfaixamento das mamas para inibição da lactação deve ser realizado apenas na ausência dos inibidores de lactação farmacológicos. O procedimento
consiste em realizar compressão das mamas com atadura, imediatamente após o parto, com o cuidado de não restringir os movimentos respiratórios ou causar
desconforto materno. O enfaixamento é recomendado por um período de dez dias, evitando-se a manipulação e estimulação das mamas. A adesão é baixa,
especialmente em países de clima quente, e sua efetividade é questionável.

A puérpera deverá ser orientada quanto à importância de seu acompanhamento clínico e ginecológico, e do acompanhamento da criança até a definição de sua
situação sorológica. É muito comum após o parto haver diminuição da adesão da mulher ao acompanhamento médico. Seu comparecimento às consultas deve
ser estimulado e monitorado, lançando-se mão de busca ativa, se necessário.

No momento da alta, a puérpera deve ter consulta agendada em serviço de saúde especializado para seu acompanhamento e da criança. O seguimento
obstétrico da mulher com HIV no puerpério, salvo situações especiais de complicações ocorridas durante o parto e puerpério imediato, é igual ao de qualquer
outra mulher, ou seja, deve prever seu retorno entre o 5º e o 8º e no 42º dia pós-parto.

Considerando que as pacientes não amamentam, elas podem voltar a ovular mais precocemente e devem ser acompanhadas nas ações de planejamento
familiar, para que façam escolhas reprodutivas de forma consciente e segura.

A TARV após o parto não deve ser suspensa, independentemente da contagem dos linfócitos T CD4 e dos sinais e sintomas clínicos. Todas as gestantes que
iniciarem TARV durante a gestação com esquema TDF + 3TC + RAL deverão realizar troca do raltegravir para dolutegravir, em um prazo de até três meses
após o fim da gestação, desde que a carga viral seja indetectável nos últimos seis meses.

Quando ocorrer hemorragia pós-parto por atonia uterina, não se deve administrar derivado do ergot nas parturientes que fazem uso de inibidores de protease
ou efavirenz. O uso concomitante destas medicações com derivados do ergot está associado a respostas vasoconstritoras exageradas. Havendo condições
clínicas, preferir ocitocina ou misoprostol.

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO

● Imediatamente após o nascimento (ainda na sala de parto), realizar o banho, preferencialmente com chuveirinho, torneira ou outra fonte de água corrente.
Limpar com compressas macias todo sangue e secreções visíveis no RN. A compressa deve ser utilizada de forma delicada, com cuidado ao limpar as
secreções, para não lesar a pele delicada da criança e evitar uma possível contaminação.

● Quando for necessária a realização de aspiração de vias aéreas do recém-nascido, deve-se proceder delicadamente, evitando traumatismo em mucosas.

● Aspirar delicadamente o conteúdo gástrico de líquido amniótico (se necessário) com sonda oral, evitando traumatismos. Se houver presença de sangue,
realizar lavagem gástrica com soro fisiológico.

● Colocar o recém-nascido junto à mãe o mais breve possível e manter o alojamento conjunto em período integral.

● Iniciar a primeira dose do AZT solução oral, preferencialmente, ainda na sala de parto, logo após os cuidados imediatos, ou nas primeiras quatro horas após o
nascimento.

● Quando indicado, administrar a nevirapina o mais precocemente possível, antes das primeiras 48 horas de vida.

● Orientar a mãe para substituir o leite materno por fórmula láctea até 6 meses de idade. O aleitamento misto também é contraindicado;

● Iniciar precocemente o monitoramento laboratorial de todas as crianças expostas;

● A quimioprofilaxia do recém-nascido está descrita na Tabela 7.


TAB. 7 INDICAÇÃO DE TERAPIA ANTIRRETROVIRAL PARA O RECÉM-NASCIDO PARA PROFILAXIA DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV.

BIOSSEGURANÇA NO PARTO

CONSIDERAÇÕES

As precauções básicas e universais são medidas de prevenção que devem ser adotadas com qualquer paciente, independentemente do diagnóstico definido ou
presumido de doenças infecciosas, na manipulação de sangue, secreções, excreções, mucosas ou pele não íntegra.

Estas medidas incluem a utilização de Equipamentos de Proteção Individual — EPI (luvas, máscara, óculos de proteção, capotes e aventais) com a
finalidade de reduzir a exposição da pele e das mucosas do profissional de saúde ao sangue ou fluidos corpóreos de qualquer paciente.

Em caso de exposição a materiais biológicos, o profissional exposto deve ser avaliado com rapidez para que possa, caso seja indicado, realizar a profilaxia
devida. A profilaxia ao HIV não confere segurança absoluta e, portanto, não substitui a boa prática de saúde no que confere minimizar risco mediante o uso
correto dos EPI e técnica de excelência.

CUIDADOS ESPECÍFICOS DURANTE O PARTO

1. Preferir sempre o uso de tesouras, em vez de bisturi.

2. Nunca utilizar lâmina de bisturi desmontada (fora do cabo).

3. Preferir fios de sutura agulhados.

4. Evitar agulhas retas de sutura, pelo seu maior risco de acidente percutâneo.

5. Utilizar sempre pinças auxiliares nas suturas, evitando manipulação dos tecidos com os dedos durante a sutura da episiotomia (quando essa for necessária),
durante o fechamento por planos na operação cesariana e outros procedimentos.

6. Evitar sutura por dois cirurgiões, simultaneamente, no mesmo campo cirúrgico.

7. A passagem de materiais perfurocortantes (bisturi, porta-agulhas montados etc.) do auxiliar para o cirurgião deve ser através de cubas, após aviso verbal.

8. Utilizar EPI na manipulação da placenta, do cordão umbilical e nos cuidados imediatos ao recém-nascido, devido à possibilidade de exposição a sangue e
líquido amniótico.

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