Você está na página 1de 22

A USUCAPIÃO E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Colegiado de Curso com


vistas à obtenção do grau de Bacharel em Direito — 5º. Ano, Noturno, do
Curso de Direito da Faculdade Zumbi dos Palmares, Instituto Afro-Brasileiro
de Ensino Superior.

Orientador: Prof. Paulo Pires Filho

São Paulo
Novembro de 2013

Folha de aprovação
Djalma da Silva Corrêa Filho

Título: A usucapião e a função social da propriedade

A Banca Examinadora considera o trabalho:


__________________________________

E atribui a nota: __________________________________

Professor (a): __________________________________


Prof. Paulo Pires Filho

Data: ________________________

Dedicatória

Dedico esse trabalho às pessoas que me permitiram sonhar e me deram


ferramentas para a construção dessa carreira jurídica que se inicia; dessarte,
dedico esse trabalho a meu pai, Djalma da Silva Corrêa, que sempre me
serviu e serve como um exemplo ao qual procuro ser reflexo; a minha irmã,
Anna Stevam Ribeiro Corrêa, que com seu cuidado e amor maternal, me deu
forças e me apoiou em cada momento de vacilo para que eu chegasse até
aqui; e em especial a memória de minha mãe, Galdina Maria Ribeiro Corrêa,
o maior exemplo de força que conheci, e que me ensinou que a fé e a
esperança são instrumentos indispensáveis para lutarmos e vencermos
quaisquer circunstâncias da vida.

Agradecimentos
Expresso meu primeiro agradecimento ao ser mais importante, e que tornou
esse sonho uma realidade, meu Deus, um amigo e parceiro que em todo
momento se fez e faz presente meu auxiliando, estando ao meu lado, e por
vezes até lutando por mim em cada conquista; também expresso profunda
gratidão a todos familiares e amigos, muitos deles mais chegados que
irmãos, que depositaram em mim confiança e não me deixaram esquecer da
importância de mais esta conquista. E com um enorme carinho, e sem
palavras para expressar o quanto sou grato, agradeço a magnificente
Faculdade Zumbi dos Palmares, que me deu luz a um caminho tão
ofuscado, e desembaraçou um futuro enleado por dúvidas quanto a uma
carreira profissional e, por conseguinte, realização pessoal; bem como ao
meu mestre Prof. Paulo Pires, que me direcionou e somou forças comigo
para elaboração desse trabalho.
A todos esses, minha profunda e sincera gratidão.

RESUMO

Esta pesquisa reflete a importância da usucapião para um cumprimento


constitucional/ social do país, fazendo ligação entre a usucapião e função
social da propriedade.
O trabalho promove um breve epítome histórico a respeito do surgimento
dessa ferramenta no Direito Romano como modo de aquisição de
propriedade pelo uso prolongado de um bem, e aponta os requisitos legais
atuais necessários para a usucapião, bem como as proibições para a
propositura desta ação, demonstrando, portanto, a utilização dessa
ferramenta para a aquisição de propriedade, legitimada pelo bem estar
social; equilibrada com um contexto social que eventualmente pode gerar
restrições que garantem a segurança jurídica atinente a propriedade de um
modo geral no país.
Palavras-chave: a usucapião, aquisição de propriedade, função social da
propriedade.

ABSTRACT

This research reflects the importance of the adverse possession for a


fulfillment constitucional/ social of the country, making connection between
the adverse possession and the social function of property.
The work promotes a brief epitome historic about the origin of this tool in
Roman law as a way of acquiring property by prolonged use of a movable or
immovable property, and points out the current legal requirements necessary
for adverse possession, as well as prohibitions for action , thus
demonstrating the use of this tool for the acquisition of property, legitimized
by social welfare; balanced with other tools and constraints which guarantee
legal certainty regards the property in general in the country.
Keywords: the adverse possession, acquisition of property, social function of
property.
SUMÁRIO

INSTITUTO AFRO BRASILEIRO DE ENSINO SUPERIOR 1


Introdução
Abordaremos no bojo deste trabalho o instituto da usucapião, que em
síntese é a aquisição da propriedade decorrente do uso de certo bem por um
tempo determinado em lei, em conjunto, abordaremos a função social da
propriedade, que se resume por ser a observância dos sujeitos que atuam
na sociedade em propiciar um uso adequado de sua propriedade, prezando
pelo interesse coletivo em detrimento do individual.
A importância em casar esses dois institutos, encontra-se no fato de a
função social da propriedade ser a legitimadora da usucapião, pois a
usucapião decorre em regra, da aquisição do domínio de um bem que
pertencia a outra pessoa, e esta conduta que poderia ser até tida como
criminosa é considerada legítima e protegida pelo nosso ordenamento
jurídico nacional, por conta de levar em consideração a importância da
função social da propriedade. Sob este prisma, observamos, portanto, que a
usucapião existe quando o proprietário não atende ou não se utiliza da
conduta social atinente a propriedade esperada pela sociedade, fato este
que legitima o ato de outro tomar seu domínio sobre esta propriedade por
atender a função social da propriedade, destarte, verificaremos nesta
monografia, qual é esta conduta contrária a função social da propriedade
tomada pelo até então proprietário, que legitima a perda de seu domínio para
um em regra, estranho.
Analisaremos também, a historicidade da usucapião, observando o contexto
histórico do direito romano antigo, período que data os primeiros passos da
usucapio, bem como a quem ela era destinada, e como a legislação previa
os seus requisitos legais quanto a prazo e aos bens passíveis de aquisição
pela usucapião.
No mesmo contexto, observaremos a usucapião no Brasil, tendo em vista a
relevância deste tema em um país que tem seu início marcado, pela
usurpação de terras pertencentes aos autóctones, que foram rendidos e
tiveram sua terra declarada como de propriedade da Cora Portuguesa.
E por fim, os aspectos constitucionais e infraconstitucionais que compõe a
usucapião e a função social da propriedade, bem como as espécies de
usucapião existentes no nosso ordenamento.

Capítulo 1
Conceito e origem histórica da usucapião

A etimologia da palavra “usucapião” já nos remete a uma breve conclusão da


definição do termo; em latim usucapio - capio: “tomar”, uso: “pelo uso”, ou
seja, tomar pelo uso. A usucapião é conceituada por nossa doutrina,
segundo Farias e Rosenvald (2007, p. 258) como “modo originário de
aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da
coisa, acrescida de demais requisitos legais”; por essa definição observamos
dois requisitos essências à usucapião, a posse, e esta por um tempo
prolongado; a usucapião é então uma ferramenta utilizada com o escopo de
fazer a posse prolongada de algo se tornar propriedade do possuidor, a
usucapião é portanto, um modo de aquisição de propriedade.Os
doutrinadores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald acrescentam ainda
quando conceituam o tema, que a usucapião pode ser utilizada como meio
de aquisição de outros direitos reais, isto é, pode-se usucapir não só bens
móveis e imóveis, mas outros direitos reais como por exemplo o usufruto,
uso, habitação e servidões prediais.
A usucapião deve observância a todos os requisitos legais, e havendo a
subsunção de tais requisitos, o possuidor já faz jus a propriedade do bem ou
do direito real, afirmação esta confirmada pelo ilustre professor de direito civil
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p.275) que ao abordar a natureza da ação
de usucapião nos traz a seguinte redação: “A ação de usucapião é de
natureza meramente declaratória. Na sentença o julgador limita-se a declarar
uma situação jurídica preexistente”; sendo a usucapião apenas um modo de
tornar a propriedade devidamente declarada, destarte, observa-se que a
sentença da ação de usucapião tem caráter declaratório, e não constitutivo
ou condenatório, pois ao atender aos requisitos legais destinados a
usucapião, o possuidor já se torna proprietário da coisa no mundo dos fatos,
servindo a ação de usucapião apenas como um instrumento declaratório
dessa realidade, a fim de tornar essa propriedade real também no mundo
jurídico formal para efeitos de registro imobiliários (no caso de imóvel) ou
demais providencias necessárias a propriedade.

1.1 Origem histórica: A usucapião no Direito Romano


Os primeiros relatos de usucapião nos remontam ao direito romano antigo,
estando a usucapio presente na Lei das XII Tábuas (455 a.C), mais
especificamente na VI Tábua (Do direito da propriedade e da posse)
permitindo a utilização desse modo aquisitivo de propriedade apenas para os
cidadãos romanos, visto que os não romanos não fruíam dos direitos do ius
civile.
Nesse período a usucapião era empregada tanto para a aquisição de bens
móveis e imóveis, mas também como modo de aquisição de mulheres, tendo
sido a usucapião uma das formas de matrimônio prevista no ordenamento
legal do período romano antigo. Quanto ao período necessário de uso para a
caracterização da usucapião, a Lei das XII Tábuas, estipulou o prazo de dois
anos para bens imóveis e o prazo de um ano para bens móveis e mulheres.
(DINIZ, 2012)
Posteriormente, face à expansão do Império Romano, surgiu a necessidade
de respeitar e garantir direitos de peregrinos e outros estrangeiros que
residiam nos territórios conquistados e declarados como territórios romanos,
por conseguinte, os estrangeiros passaram a gozar de diversos direitos que
compunham o ius civile, estando entre estes direitos, o de usucapir, porém
em decorrência deste fato os prazos atinentes a imóveis foram dilatados de
2 anos, para 10 anos entre presentes e estendidos ainda mais, sendo o
prazo de 20 anos o período necessário para usucapir, entre ausentes.
Um grande marco para todo o direito romano antigo foi a nova vestidura que
o Imperador Justiniano concedeu para o ius civile; no que tange a usucapião,
ele foi o responsável pela união de dois preceitos legais até então
desagregados, a usucapião e a prescrição. Antes do Código Justiniano a
prescrição tinha o caráter de mera exceção processual, enquanto como
sabemos, a usucapião como um modo aquisitivo de propriedade pelo uso
por um determinado período de tempo, dessarte o Imperador Justiniano
tratou esse período necessário para compor a usucapião como um período
prescricional, unindo por conseqüência, a prescrição ao instituto da
usucapião, trazendo duas vertentes quanto a essa prescrição, a prescrição
aquisitiva e a prescrição extintiva, isto é, o prazo prescricional para a
usucapio é uno, porém essa prescrição possui dois caracteres distintos, mas
que se complementam, a prescrição aquisitiva que é aquela que se refere ao
possuidor que adquire a propriedade por estar com o bem pelo prazo legal
previsto, e do outro lado a prescrição extintiva, que se refere ao antigo
proprietário que perdeu, por sua negligência, sua propriedade.
Com o intuito de evitar posses ilegítimas tornarem-se legítimas por utilização
da usucapião, o ordenamento jurídico romano criou algumas leis para
restringir o uso desse instrumento de aquisição de propriedade para certos
bens considerados viciados quanto a sua origem ou meio de aquisição.
O direito romano compôs em seu ordenamento legal a fim de limitar a
usucapião as seguintes leis:
A Lei da Atínia, que impedia a usucapião para bens oriundos de furto;
A Lei Júlia e Pláucia, que abstinha a utilização da usucapio para coisas
conquistadas de modo violento;
A Lei Scribônia, que proibiu a usucapião de servidões prediais. (DINIZ, 2012,
p.170)

1.2 Origem histórica: A usucapião no Brasil


A usucapião tem um enorme significado no direito brasileiro, e para
observarmos a veracidade desta afirmação basta analisarmos como se deu
o que chamamos de “descobrimento” do Brasil, bem como também
analisarmos o mecanismo utilizado para construção de nossa nação.
O tema acerca de propriedade no Brasil necessariamente nos traz a
obrigação imprescindível de se observar como ocorreu o “início” de nosso
país. Como sabemos o Brasil foi invadido e conquistado por um grupo de
exploradores navegantes portugueses que utilizando de violência se
apropriou da terra de propriedade indígena e a declarou como sendo de
propriedade da Coroa Portuguesa, legitimando e demarcando essa
propriedade por meio de ordenamentos legais internacionais como por
exemplo, o Tratado de Tordesilhas; daí a importância deste instituto em
nosso país, tendo em vista o fato de o Brasil ter iniciado sua história com o
que seria uma usucapião, pois conquistou, possui como seu e depois
declarou por meios de documentos legais internacionais, as terras como
suas.
No Direito interno, a usucapião se apresentou tipificada no Código Civil de
1916 no livro II (Direito das coisas), seção IV (Do usucapião), porém esse
tema de enorme relevância foi tratado por apenas quatro artigos nesse
referido código, estando o tema prescrito do artigo 550 ao 553 e 619; sendo
importante salientar que o Código Civil de 1916 adotou a doutrina Justiniana
quanto ao prazo tratando da prescrição extintiva.

1.2.1 A usucapião no Brasil: diferenças da usucapião no código de 1916


para o de 2002

As primeiras distinções entre os dois ordenamentos observam-se nos


primeiros artigos que tratam da temática nos dois códigos (1916/2002) e
essas distinções são principalmente observadas no que concerne aos
prazos legais.
O primeiro texto da legislação a respeito da usucapião do Código de 1916
previa o prazo de 30 anos para a usucapião sem justo título e boa fé, trinta e
cinco anos depois este prazo foi alterado para 20 anos por força da lei n°
2.437 de 1955 no texto do artigo 550 do Código Civil de 1916, ditava-se a
necessidade de o usucapiente requerer em juízo a declaração por sentença
da propriedade, para a promoção de transcrição no Registro de Imóveis,
podendo, portanto o proprietário por todo este longo e extenso período de 20
(vinte) anos, poderia a qualquer momento reivindicar e reaver a posse do
bem.
Já no Código Civil atual conforme dita o artigo 1.238, o prazo para usucapir
foi reduzido para 15 anos, podendo ainda ser o prazo reduzido a 10 anos,
conforme prega o parágrafo único do mesmo artigo, no caso de o possuidor
haver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras
ou serviços de caráter produtivo; verificamos neste novo contexto uma maior
atenção a função social da propriedade, reduzindo o período de aquisição da
propriedade em face da negligência do proprietário para 10 anos caso o
possuidor atenda a certos requisitos que compõe em tese questões de
natureza social; podendo ainda por meio de um modo especial de
usucapião, denominado de usucapião familiar, preconizada no artigo 1.240-
A, a propriedade ser, ainda mais reduzida, até o prazo mínimo de 2 (dois)
anos, conforme abordaremos de modo pormenorizado no subtítulo 3.3.1
Usucapião Especial Urbana.
. Algo comum é que ambos os ordenamentos consentiam no fato de que o
prazo para a usucapio estendia-se para os sucessores, isto é, os sucessores
podem somar o prazo de quem eles sucedem para propor a ação da
usucapião.
O Código Civil de 2002 também considerou necessário redigir um texto em
especial destinado a usucapião rural e se manifesta quanto a usucapião rural
no artigo 1.239, conforme transcrito:
Art. 1.239 Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra
em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade

Já o ordenamento legal de 1916 não fazia alusão ao usucapir rural, estando


demonstrado o preenchimento pelo atual ordenamento de um grande
espaço legal no que se refere à função social rural, até então
significativamente menos protegida.
Ainda o Código Civil de 1916 faz mais uma alusão à usucapião, no artigo
619 e parágrafo único, conforme transcrito:
Art. 619. Se a posse da coisa móvel se prolongar por 5 (cinco) anos,
produzirá usucapião independentemente de título e boa-fé.
Parágrafo único. As disposições dos arts. 552 e 553 são aplicáveis a
usucapião das coisas móveis.

Neste texto o legislador procurou positivar a usucapião de coisa móvel, visto


que o texto a respeito do tema (artigo 550) previa a utilização da usucapio,
apenas para bens imóveis.
Neste mesmo sentido o Código Civil de 2002 também prestou uma atenção
especial para a usucapião de coisa móvel, e de modo mais completo que o
código de 1916, reservou todo um capítulo para tratar o tema em três
artigos; está, portanto, no livro III (Do Direito das Coisas), Título III (Da
propriedade), Capítulo III (Da Aquisição da Propriedade Móvel), o tema é
tratado do artigo 1.260 ao 1.262, em textos curtos os artigos abordam a
possibilidade da usucapião de bem móvel e o prazo necessário, sendo então
o texto do artigo 1.260:
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e
incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á
a propriedade

É portanto, de três anos, o prazo para aquisição de coisa móvel por meio da
usucapião, quando houver justo título e boa fé; na falta de justo título e boa
fé, o prazo necessário para usucapir é de 5 anos, conforme dita o artigo
1.261.
E por último, o artigo 1.262, dita que a usucapião de bem móvel possui os
mesmos direitos dispostos nos artigos 1.243 e 1.244 (destinados até então
somente a bens imóveis), artigos que trazem para a usucapião móvel a
prerrogativa de que o possuidor pode acrescentar a sua posse a dos seus
antecessores, contando que todas sejam contínuas e pacíficas (1.243) e
estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas
obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se
aplicam a usucapião (1.244).
Percebe-se que o ordenamento jurídico de 1916 é extremamente frágil
quando comparado com a legislação de 2002, fato este confirmado ainda
mais, quando observamos a questão de em 1916 haver somente quatro
artigos que disciplinavam a usucapião (550 a 553 e 619), e em contraponto,
em 2002 são onze artigos (1.238 a 1.244 e 1.260 a 1.262) além dos
parágrafos que disciplinam a temática.

Capítulo 2
a função social da propriedade

Ao analisarmos a usucapião, devemos observância a um instituto que a sua


ausência tornaria irrelevante ou até mesmo injusto todo o mecanismo da
usucapião, pois a falta deste instituto não legitimaria a própria existência da
usucapião.
Este instituto de tanta valia e inerente a usucapião é a função social da
propriedade; a função da propriedade se baseia na ideia de que todo aquele
que habita em sociedade deve contribuir para preservar o bem-estar social,
elevando a proteção ao bem comum e rebaixando os interesses indivíduas
que chocam com os coletivos.
Neste sentido, o professor Guilherme J. Purvin Figueiredo (2008, p.83)
quando aborda a função social da propriedade nos traz o seguinte
ensinamento: “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar
determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua
individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função
social da melhor maneira”; essa concepção marca a importância da
consciência de cada indivíduo quanto ao cumprimento da função social da
propriedade, visto que esta é uma ferramenta primordial para a construção
do bem estar e paz social.

2.1 Aspecto Constitucional da Função Social da Propriedade


Decorrente da enorme significância inata à função social da propriedade, a
nossa Constituição Federal de 1988, lhe concedeu um caráter de especial
importância, estando o tema no bojo das cláusulas pétreas, classificada
entre os Direitos e Garantias Fundamentais, no artigo 5°, inciso XXIII, por
conseqüência a função social da propriedade nunca poderá passar sem ser
observada, devendo estar presente em todas as situações que envolvam o
tema, propriedade.
Além desta já suficiente previsão constitucional citada no parágrafo anterior,
a nossa Constituição Federal trouxe o tema em diversos outros artigos,
fazendo com que este instituto exista em várias esferas jurídicas
(constitucional, civil e também tributária). Os demais artigos constitucionais
que aludem a função social da propriedade estão elencados do seguinte
modo:

153, § 4° e 156, §1 – relacionado à contribuição tributária;


170, II – a função social aparece como princípio atinente a justiça social;
182, § 2 – alude a função social da propriedade urbana;
184 e 185 – versa a respeito da desapropriação em prol da função social da
propriedade;
186 – alude a função da propriedade urbana

Todos esses dispositivos se preocupam diretamente em explanar a função


social da propriedade, demonstrando que não basta ao proprietário
preencher apenas os requisitos meramente formais (registro imobiliário,
escritura e outros instrumentos formais) para garantir sua propriedade de
modo perpétuo, mas há a necessidade de fazer com que sua propriedade
alcance os preceitos sociais adequados a coletividade para que ele não a
perca.

2.2 Aspectos processuais da função social da propriedade


A função social da propriedade, também se configura na esfera processual,
ou seja, existem prerrogativas no processo judicial para a aquisição da
propriedade por usucapião que trazem em si a natureza social da
propriedade, devendo àquele que propõe a ação de usucapião comunicar
certos sujeitos e entes públicos a respeito de sua intenção de usucapir, e
somente assim a função social da propriedade será devidamente constituída
a fim de se conceber plenamente a usucapião.
O artigo 942 do Código de Processo Civil elenca os sujeitos que devem ser
cientificados do interesse de usucapir de alguém, e na falta de comunicação
destes, a ação seria nula, visto não atender ao preceito social da
propriedade; vejamos a transcrição do artigo:
Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e
juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver
registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital,
dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto
ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.

a) Citação daquele cujo nome estiver registrado no imóvel: um dos sujeitos


que devem compor a citação no processo de usucapião, é o sujeito que seu
nome consta no registro de imóveis como sendo ele o proprietário, isso
ocorre por três motivos principais; o primeiro é que, como já visto, para
existir a usucapião é necessário existir posse, e só existe posse quando não
há clandestinidade, destarte, para demonstrar que a posse não é clandestina
e, portanto, válida, decorre a necessidade de citar o “proprietário” do imóvel;
o segundo motivo consiste no fato de que comunicado o proprietário do fato
de que ele não tem mais domínio sobre o bem, evita-se que este constitua
negócio jurídico sobre o bem que não lhe pertence mais; e o terceiro motivo
é dar a esse proprietário ciência da ação, a fim de propiciar condições para
que ele utilize da garantia constitucional prevista no artigo 5°, inciso LV, que
versa a respeito do contraditório e da ampla defesa, e por conseqüência
defenda o seu domínio, se assim achar de direito.
b) Confinantes: o texto do artigo ainda dispõe a necessidade de se citar os
confinantes (vizinhos) do imóvel usucapiendo; antes ainda, desta ordenação
e como complementação, o artigo prega a necessidade de o autor da ação
juntar ao processo, a planta do imóvel, pois desse modo os vizinhos podem
contestar se a área que se deseja usucapir os pertence. Portanto, com a
finalidade de evitar futuras demandas judiciais para limitação, demarcação
ou qualquer ação desta natureza proposta pelos vizinhos do usucapiente, a
legislação traz a obrigação de serem os confinantes comunicados, valendo-
se observar que o sujeito está no plural, não bastando, portanto, comunicar
um, mas todos os confinantes limítrofes do imóvel (vizinhos da esquerda,
direita, de traz e eventualmente da frente), a fim de evitar nulidade
processual.
c) Por edital: por fim, o artigo faz menção à necessidade da citação por
edital, prerrogativa esta que demonstra o caráter social da ação de
usucapião, tendo em vista o objetivo deste tipo de citação, por dar
conhecimento a todos o fato de que há um imóvel na sociedade sendo
usucapido, e abrindo por meio desta citação uma porta para intervenção de
eventuais interessados ou também de réus de lugar incerto.
A legislação vê também a necessidade de comunicar certos entes públicos,
a respeito desta ação. No artigo 943 do CPC prevê que “serão intimados por
via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da
Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e
dos Municípios”; a fim de que a Fazenda Pública se manifeste ou se resolva
qualquer questão tributária pendente a respeito do imóvel, além de saber
que há um novo proprietário, visto que os tributos anteriores a posse não
atingem ao novo proprietário que usucapiu, por ter a propriedade usucapida
um caráter originário e não derivado de aquisição, isto é, é como se o
usucapiente fosse o primeiro proprietário do bem.
Noutra medida, o artigo 944 do Código de Processo Civil, traz a necessidade
da presença do Ministério Público no processo, ditando que “intervirá
obrigatoriamente em todos os atos do processo o Ministério Público”, sendo
imprescindível a presença do Ministério em cada ato da ação de usucapião,
sob pena de nulidade de toda a demanda. O Ministério Público tem nestes
casos caráter custos legis, sendo fiscal da lei, e intervindo em todos os atos
que conflitem com o interesse público, e garantindo que conforme ordenado
pelo artigo 183, § 3º, da Constituição Federal de 1988, não haja a usucapião
de bens públicos.
Por fim, podemos concluir quanto aos aspectos processuais da função social
da propriedade, que se faz necessário nas ações de usucapião a
consciência da sociedade, da vontade de certo indivíduo de adquirir o
domínio sobre uma propriedade, devendo, por conseguinte, este indivíduo
comunicar a todos os sujeitos (particulares ou públicos) que possam ter
interesse sobre o objeto da ação, a respeito de sua intenção de adquirir
aquela propriedade como sua.

2.3 A atitude antissocial


Ao analisar a usucapio, de primeira mão verificamos que a atitude presente
na usucapião parece ser um ato antijurídico, visto que o ato inicial da
usucapião pode ser caracterizado como uma ação ilícita, se não vejamos, a
usucapião pode ser iniciada por uma invasão decorrente até de violência a
uma propriedade alheia, porém o Código Penal não tipifica essa ação como
criminosa e portanto, esse ato pode ser considerado legítimo, tudo isso
decorre por conta da função social da propriedade, isto é, se houver uma
conduta antissocial do proprietário possuidor dessa propriedade, o invasor
pode tê-la para si de modo legítimo.
Quando relacionamos a função social da propriedade com o instituto da
usucapião, devemos lembrar que há um elemento primordial para legitimar a
função social da propriedade, pois quando falamos que um indivíduo pode
perder a sua propriedade por consequência da necessidade de se atender
uma função social, é necessário responder a pergunta: qual a ação
antissocial adotada pelo proprietário é caracterizada como antissocial ao
ponto de legitimar que outro (um invasor) a retire? Eis que Troplong (1852) já
respondia a muito tempo a essa questão do seguinte modo:

Há interesse social de que a lei se aproveite da negligência do proprietário


para conceder uma anistia àquele que, durante anos de trabalho, de
atividade e esforço, pagou suficiente a violação de um direito não reclamado.

Portanto, verificamos que a negligência do proprietário é a atitude antissocial


legitimadora da usucapião, isto é, a nossa legislação entende que a
negligência possui tamanho suficiente para fazer uma propriedade se tornar
de outrem, e portanto, em regra, a usucapião inexiste na falta da negligência
do dono da coisa, sendo no caso da usucapião, a ação negligente a
responsável pela concepção da função social da propriedade. Existe,
portanto um segmento iniciado pela negligência que conduz a posse à
usucapião, conforme demonstrado abaixo:

Negligência concebe → a função social da propriedade que legitima → a


usucapião.

Por esse ponto observa-se que o direito a usucapião nasce, não quando o
indivíduo conquista a posse da coisa por um tempo determinado tempo, mas
a usucapião é concebida pela negligência do dono da coisa, isso significa
que a responsabilidade principal pela usucapião não está nas mãos do
possuidor “invasor”, mas nas mãos do proprietário, portanto o próprio
proprietário que cria as condições que conduzirão à usucapião de seu
próprio bem ou do direito real.
2.4 A função social da propriedade oposta à usucapião
A função social da propriedade, como já dito neste capítulo, consiste na
observação pelo indivíduo que compõe uma sociedade a fazer com que sua
propriedade atenda ao bem-estar social, sendo por conseqüência, uma
ferramenta necessária para o resultado de uma harmonia social entre os
sujeitos desta coletividade. Estando, portanto, claro o objetivo da função
social da propriedade, verificamos ainda que ela é a legitimadora da
usucapião, isto é, não haveria motivo para a existência da usucapião, senão
para atender a função social da propriedade.
Essa ferramenta social da propriedade é muito extensa e como sabemos
legitima a usucapião, porém ela não é cega, e tendo em vista o seu caráter
principal que é a harmonia social, ela também enxerga situações que não
cabem a usucapião, ou seja, existem situações que para se manter uma
segurança jurídica, a harmonia social, enfim, para atender a função social da
propriedade, se faz necessário não permitir a usucapião, pois pelo contrário
haveria uma injustiça e, por conseguinte uma desarmonia social. Vejamos,
portanto, quando a função social da propriedade se opõe a usucapião.

2.4.1 Oposição à usucapião: bens


A fim de se evitar a utilização abusiva da ferramenta da usucapião, fato este
considerado como uma atitude contra a função social da propriedade, a lei e
doutrina não permitem, a utilização da usucapião de bens, nas
circunstâncias a seguir apontadas pela ilustre professora Maria Helena Diniz
(2012, p.176):
a) Coisas fora de comércio, decorrente de sua natureza, por não serem
suscetíveis de apropriação pelo homem: a lei obsta de modo
terminantemente a aquisição de bens que por sua natureza não podem ser
apropriados pelo homem, como por exemplo, o vento e o ar, bens.
Imaginemos, em um exemplo hiperbólico, o absurdo que seria alguém
querer ser proprietário da luz solar, e como proprietário cobrar para que
pessoas a utilizassem em determinada região, sem dúvidas é algo
impensável tendo em vista a natureza desse bem (luz solar), e mesmo que
bens desta natureza fossem passíveis de usucapião, pensemos em quantas
pessoas iriam requerer sua propriedade pelo fato de terem utilizado o vento,
o ar ou a luz, por exemplo, por tempo suficiente para usucapir. Destarte a lei
sabiamente proíbe a usucapião de bens que por sua natureza, não são
suscetíveis de apropriação.
b) Os bens públicos: os bens públicos não passíveis de apropriação, por se
tratar de coisa comum da sociedade, ou seja, um não pode requerer como
seu algo que pertença a toda uma sociedade. Há algum tempo, esse tema
gerava grande controvérsia entre os juristas, e parte destes pregava que os
bens públicos poderiam ser usucapidos se houvesse posse tranqüila pelo
período de 40 anos, porém com o advento do Decreto n.22.785/33 esta
controvérsia foi resolvida, conforme ditado do texto do artigo 2° deste
decreto “os bens públicos, seja qual for sua natureza, não estão sujeitos a
prescrição”, neste sentido nenhum bem público pode ser usucapido, por não
correr prazo de prescrição sobre ele.
c) Bens que, por seu caráter subjetivo, mesmo estando em comércio, dele
são excluídos, necessitando que o possuidor invertesse o seu título
possessório: emprestando o exemplo de Diniz, podemos citar o caso do
condômino que deseja usucapir em face dos demais comunheiros; a
doutrina e a jurisprudência (RTTJSP, 45:184) entendem ser impossível a
usucapião entre condôminos, enquanto perdurar o estado indivisível do bem,
visto que não pode haver usucapião de área incerta. Para ser possível a
usucapião nesse caso, seria necessário o comportamento de proprietário
exclusivo ou o condômino inverter sua posse, abrangendo o todo, pois ao
possuir o todo cessará o estado de comunhão do bem.

Não havendo, portanto, a possibilidade de se adquirir quaisquer dos bens


supracitados por meio da usucapião, em síntese os bens se resumem em
bens fora de comércio não suscetíveis de apropriação, bens públicos e bens
que necessitam da inversão do título possessório para a usucapião, visto
seu caráter subjetivo.

2.4.2 Oposição à usucapião: quanto aos sujeitos


Ainda por resultado social da propriedade, a legislação aponta sujeitos que
mesmo se tratando de bem suscetível a usucapião, não poderão usucapir
por conta de uma condição que a legislação entende que causaria um
desconforto social.
O artigo 1.244 do Código Civil traz o texto que trará luz a quem são estes
sujeitos, dizendo o texto do artigo “ estende-se ao possuidor o disposto
quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou
interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”, sendo,
conforme elencado por Diniz (2012, p.175), os seguintes sujeitos cuja
usucapião não é passível:
a) Entre cônjuges na constância do casamento
b) Entre ascendentes e descendentes, durante o poder família
c) Entre tutelados e tutores, curatelados e curados, durante a tutela ou
curatela
d) Em favor de credor solidário nos casos do artigos 201 e 204, §1° do
Código Civil, ou herdeiro do devedor solidário.
e) Contra absolutamente incapazes (artigo 3° do Código Civil)
f) Contra ausentes do País em serviço público a ente(s) federativo(s)
g) Contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de
guerra
h) Pendendo condição suspensiva
i) Não estando vencido o prazo
j) Pendendo ação de evicção
k) Antes da sentença que julgará fato que deva ser apreciado nas esfera
criminal
l) Havendo citação feita ao devedor
m) Havendo protesto
n) Se houver apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em
concurso de credores
o) Se houver ato judicial que constitua em mora o devedor
p) Havendo qualquer ato inequívoco que importe em reconhecimento do
devedor, alcançando inclusive o fiador.
Eis que insta reafirmar, que os bens podem ser suscetíveis de usucapião,
porém para estes sujeitos a usucapião não surtirá efeitos, a não ser que se
extinga a relação que os coloca nas condições supracitadas. O prazo para
estes indivíduos tem caráter suspensivo, sendo, portanto, suspensos quando
o sujeito se encontra condicionado a uma destas situações e, por
conseguinte, ao não mais estar em uma destas condições reinicia-se a
contagem do prazo para a usucapio.

Capítulo 3
dAS espécies de usucapião
Até chegarmos neste capítulo, vimos de um modo geral a usucapião,
tratando-a na grande maioria das vezes como gênero, vimos também sua
legitimadora, a função social da propriedade, porém a legislação traz
espécies (modos diferenciados) de usucapião que se diferem de acordo com
as intenções sociais voltadas a propriedade a ser adquirida.
Veremos neste capítulo as quatro espécies de usucapião, previstas na
legislação nacional atual: a usucapião extraordinária e a ordinária e as
especiais, urbana e rural (ou pro labore).

3.1 Usucapião extraordinária


Abordaremos como primeira espécie de usucapião, a mais decorrente delas
nos processos nacionais e também pelo fato de esta espécie estar prevista
no primeiro dos artigos que abordam o instituto da usucapião; a usucapião
extraordinária, está presente no capítulo II, seção I (Da usucapião) do
Código Civil; destarte, a inteligência do artigo 1.238 e o seu parágrafo único
disciplinam que:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente
de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por
sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos
se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou
nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Sendo, portanto, características da usucapião extraordinária:
a) A posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini;
instituto este obrigatório para qualquer espécie de usucapião, visto ser a
posse um elemento intrínseco ao instituto da usucapião.
b) A decorrência do prazo de 15 anos, ou se de acordo com o parágrafo
único, de 10 anos.
c) Dispensa-se justo título e boa-fé
Na usucapião extraordinária, como observamos, existe a previsão de dois
prazos, o primeiro de 15 (quinze) anos, e o segundo de 10 (dez) anos
explanado no parágrafo único do artigo 1.238.
Como regra utiliza-se o prazo de 15 anos previsto no caput do artigo, porém
se o possuidor cumprir a função social da propriedade nos ditames que a lei
prescreve esse prazo é reduzido em cinco anos, portanto, há redução do
prazo quando o possuidor usucapiente houver estabelecido no imóvel sua
moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Vemos, portanto, que a usucapião e a função da propriedade não se
separam, não servindo agora a função social da propriedade apenas como
legitimadora para usucapião, mas também como ferramenta redutora do
prazo de aquisição do direito de usucapião.
Quando a usucapião enquadra-se no parágrafo único, ela é denominada de
usucapião extraordinária abreviada, pelo fato óbvio de ser seu prazo para
aquisição abreviado; o professor Carlos Roberto Gonçalves (2011, p.260) ao
disciplinar a usucapião extraordinária abreviada faz um importante
comentário, quanto ao a redução do prazo:
Para que ocorra a redução do prazo não basta comprovar o pagamento de
tributos, uma vez que, num país com grandes áreas despovoadas, poderia o
fato propiciar direito a quem não se encontre em situação efetivamente
merecedora do amparo legal. Pareceu mais conforme aos ditames sociais,
situar o problema em termos de “posse-trabalho”, que se manifesta por meio
de obras e serviços realizados pelo possuidor ou de construção, no local, de
sua morada.

O professor faz uma importante observação, dizendo que para utilizar-se da


usucapião extraordinária abreviada o que se leva em consideração não é
apenas o cumprimento de uma obrigação tributária, mas o contexto social da
propriedade no tocante a posse e o trabalho (obras, construções, serviços de
benfeitoria e etc) realizado por decorrência dessa posse.
3.2 Usucapião ordinária
A usucapião ordinária está disciplinada no artigo 1.242 do Código Civil, com
a seguinte prescrição:
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o
imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante
do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores
nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de
interesse social e econômico.
São, então as características da usucapião ordinária:
a) A posse mansa, pacífica e ininterrupta, exercida com a intenção de dono;
b) O decurso do tempo de 10 (dez) anos ou de 5(cinco) anos, conforme os
ditames do parágrafo único.
c) Justo título formalizado e devidamente registrado.
Para que falemos de usucapião ordinária, necessariamente, ao contrário da
usucapião extraordinária, deve existir justo título e boa-fé e, por conseguinte,
o prazo para usucapir é de dez anos, menor do que o prazo previsto na
usucapião extraordinária (quinze anos), que não possui existe justo título ou
boa-fé.
Ainda, o parágrafo único, dispõe a respeito da redução do prazo para
usucapir, que será reduzido para cinco anos quando, o imóvel for adquirido
onerosamente, com base no registro em cartório, e posteriormente
cancelado por consequência da presença de algum vício, destarte, se os
possuidores estabelecerem sua moradia ou realizarem investimentos que
atendam a interesses sociais e econômicos poderão utilizar do prazo
reduzido previsto no parágrafo; mais uma vez observamos na legislação
uma proteção diferenciada para atitudes que atendam a função social da
propriedade, neste caso, reduzindo o prazo de 10 (dez) para 5 (cinco) anos.
Por conta da redução prevista, a usucapião que atenda a subsunção do
parágrafo único é denominada de usucapião ordinária abreviada, ou
conforme preferem alguns doutrinadores, denominada de usucapião
ordinária social (DINIZ, 2012, p.184).

3.3 Usucapião especial

Por todo o nosso estudo, nos deparamos com a usucapião e a função social
da propriedade, e já há muito, nos convencemos que os dois institutos são
casados e inseparáveis, não existindo razão de haver a usucapião, ao não
ser, para atender a função social da propriedade.
Acontece que, mesmo estes institutos estando unidos em todo caso de
usucapião, existem situações em que a função social da propriedade é tão
relevante que a lei entende que deve-se utilizar o instituto da usucapião de
um modo especial, em prol dessa função social atinente a propriedade.
Destarte, a Constituição Federal disciplina dois tipos de usucapião,
denominados e conceituados pela doutrina como especiais, sendo, a
usucapião especial rural ou pro labore, e a usucapião especial urbana.

3.3.1 Usucapião especial urbana

Como dito, os modos de usucapião especiais são disciplinadas por nossa


Carta Magna, sendo a usucapião especial urbana uma novidade introduzida
pela Constituição Federal de 1988, estando esta espécie de usucapião
preceituada no artigo 183 da constituinte, e nos seus respectivos parágrafos,
in verbis:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem
ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma
vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
A usucapião especial urbana é também denominada pela doutrina de pró-
moradia, pro habitatione, ou habitacional (DINIZ, 2012, p.186), sendo
portanto, claro seu objetivo direto, que é propiciar de modo célere, habitação
a quem necessite.
Sob o prisma de que o solo urbano não deve ficar sem o devido
aproveitamento, a Constituição Federal, preceitua o direito de o possuidor
adquirir imóvel urbano, desde que este imóvel não seja público (183, §3º,
CF/88), que tenha sua dimensão limitada a até 250 m², seja destinado para
sua moradia ou de sua família, e o uscapiente não possua outro imóvel.
Vale ressaltar, que esta espécie de usucapião não se aplica ao terreno
urbano sem construção, tendo em vista a necessidade expressa no caput do
artigo 183 da CF/88, de ser requisito a utilização do imóvel para sua moradia
ou de sua família; ainda ressalta-se que a usucapião especial urbana, não
necessita de justo título ou boa-fé (GONÇALVES, 2011, p.264).
Como em todas as espécies de usucapião abordadas até esse momento,
existe também a possibilidade de uma alteração no prazo necessário para
legitimar essa espécie de usucapião, neste caso, o prazo de 5 (cinco) anos,
sofre alteração e é reduzido para 2 (dois) anos.
A usucapião especial urbana, também conhecida pela doutrina como
usucapião familiar, é aquela cujo prazo necessário soma dois anos, estando
prevista no artigo 1.240-A do Código Civil de 2002, verbis:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem
oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até
250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida
com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para
sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural

Portanto, se um cônjuge vier a abandonar um imóvel onde residia com sua


família, que era proprietário ou pertencia ao casal, poderá o ex-cônjuge ou
ex-companheiro que sofreu o abandono, passado o prazo de 2 (dois) anos,
requerer o domínio do bem, se após o abandono tiver permanecido no
imóvel e contando que este imóvel possua a metragem máxima de 250 m².
Perceba que a lei é muito clara ao definir a metragem necessária para a
composição da usucapião especial urbana, portanto, se um imóvel possui
300 m², mesmo que só tendo ultrapassado 50 m² do estipulado nos artigos,
o possuidor terá que recorrer aos preceitos da usucapião extraordinária ou
ordinária, mas conforme a lei dita, além dos outros requisitos, deve o imóvel,
necessariamente, ter até 250 m² para manter seu caráter de aquisição
especial.

3.3.2 Usucapião especial rural

O professor Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 262) traz uma análise


histórica da usucapião rural ou pro labore , que foi introduzida no direito
brasileiro pela Constituição Federal de 1934, permaneceu na constituinte de
1937 e de 1946, tendo tido sua eficácia reduzida pela Emenda Constitucional
de 1969, que conduziu sua matéria ao aguardo de promulgação de lei
ordinária.
Até ser sancionada lei ordinária atinente a usucapião pro labore, aplicou-se a
Lei n.4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), dezessete anos
depois foi sancionada a Lei n.6.969, datada de 10 de dezembro de 1981,
sancionada especialmente para reger a usucapião especial rural.
Atualmente, a Constituição Federal de 1988, regula este modo especial de
usucapião, estando em seu artigo 191 e no parágrafo único respectivo, os
preceitos que norteiam esta usucapião:
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra,
em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
O artigo 1.239 do Código Civil de 2002 copiou o texto constitucional, estando
o tema assegurado pela Constituição Federal e mesmo já sendo bastante,
também encontra-se previsto no Código Civil de 2002.
Portanto, a usucapião especial rural é destinada a áreas rurais de até 50
(cinquenta) hectares, e o prazo necessário para a concepção do direito de
usucapir é de 5 (cinco) anos, não sendo possível, assim como em qualquer
outra espécie de usucapião, mas é necessário reafirmar, por conseguinte do
parágrafo único do artigo 191 que trata da usucapião especial rural, a
usucapião de imóveis públicos.
Acontece que, para se utilizar o instituto da usucapião rural especial, não
basta haver a posse cumprida pelo prazo legal estipulado, sobre uma área
da metragem ditada, mas exige-se uma ocupação produtiva deste imóvel,
devendo o usucapiente não só morar, mas trabalhar neste imóvel rural.
Deparamos-nos novamente com a importância da função social da
propriedade, visto aqui ser ela aqui observada para existir ou não esta
espécie de usucapião, pois se ela não atuar do modo esperado pelo
ordenamento jurídico, se quer existe a usucapião especial rural.
Outro importante requisito, também relacionado à função social da
propriedade é a necessidade de, para caracterização deste modo especial
rural de usucapião, existir a morada do usucapiente e de sua família, fato
este que impede, por exemplo, pessoas jurídicas utilizarem desta espécie,
por consequência de não terem família nem morada (GONÇALVES, 2011,
p.263); não havendo, assim como vimos na usucapião especial urbana, a
necessidade de justo título e boa-fé.
Portanto, atendendo a função social da propriedade rural, que o artigo 191
da Constituição Federal sintetiza por ser o trabalho rural do usucapiente na
propriedade, de até 50 (cinquenta) hectares, pode o usucapiente que
ininterruptamente, por 5 (cinco) anos possuir a propriedade, a adquirir por
esta modalidade de usucapião.

Considerações finais

Observamos nesta pesquisa que a usucapião e a função social da


propriedade são dois institutos casados, e proporcionam à sociedade, o
direito de propriedade de bens particulares, como também protegem todos
de eventuais abusos decorrentes de um proprietário.
A usucapião é um instituto que objetiva conceder a aquisição do domínio de
um bem particular a um determinado sujeito, por consequência do tempo de
posse desse indivíduo com o bem.
A função social da propriedade por sua vez, se configura por ser a
observação do proprietário, sobre sua conduta, que não pode se contradizer
com o interesse social da coletividade, isto é, deve-se por observância a este
instituto, o proprietário utilizar o seu domínio sobre o bem para que este
atenda a sua função social, sempre objetivando uma harmonia social.
A usucapião, em tese, seria uma ação criminosa, tendo em vista ela decorrer
da posse exercida por um indivíduo sobre uma propriedade alheia, e que
certas vezes pode resultar até de violência, porém o ordenamento jurídico
nacional não criminaliza a usucapião, e pelo contrário a protege e legitima;
isso decorre, por consequência da função social da propriedade, ou seja, a
lei entende que o proprietário anterior por não atender a função social da
propriedade, deva perder seu domínio para outro que observe esta função
social da propriedade, sendo, portanto, a função social da propriedade a
legitimadora da usucapião, destarte, não existiria, ou seria injusto existir, o
instituto da usucapio, senão em virtude da função social da propriedade.
Observando que a legitimadora da usucapião é a função social da
propriedade, devemos questionar qual a conduta adotada pelo proprietário
do bem usucapido que contrariou a função social da propriedade ao ponto
de fazê-lo perder o domínio sobre o bem. A resposta é, a conduta negligente
de quem dominava o bem, a atitude negligente do proprietário que, não toma
nenhuma providência quando alguém invade sua posse, deixando que uma
pessoa fique na posse do bem, por tempo suficiente para adquirir o direito de
usucapir, faz com que a legislação entenda que ele não se importa com sua
propriedade, enquanto que o possuidor usucapiente, por estar nesta
propriedade se importa e a utiliza, cumprindo portanto sua função social.
Destarte, a pessoa que conduz a usucapião não é o possuidor que invade,
ou se apossa de certo bem, mas o proprietário negligente que condiciona
esta situação, isto é, o condão que dá partida a usucapião é iniciado pelo
próprio proprietário do bem que irá perder a propriedade.
Outro ponto de extrema importância abordado no bojo desta monografia é o
fato de a função social da propriedade não ser cega, isto significa que ela
age sempre em prol da harmonia social e, portanto, existem situações que
este instituto atua contra a usucapião, isto é, existem certos momentos que o
instituto da função social da propriedade entende que não se deve usucapir,
e, portanto a legislação elenca determinadas condições que impedem alguns
sujeitos de utilizarem da ferramenta da usucapio. Observemos que em regra,
a função social da propriedade atuará de forma a legitimar a existência da
usucapião, porém de modo excepcional, sua atuação pode ser contrária a
usucapião, a fim de que este instituto não perca sua principal característica
que compõe sua essência, assegurar a prevalência do interesse coletivo.
Ainda, observando a função social da propriedade, a legislação traz quatro
espécies de usucapião: a extraordinária, a ordinária, a especial urbana e a
especial rural; cada uma tem suas particularidades voltadas a função social
da propriedade, sendo que de acordo com essa função social são
estipulados os ditames legais quanto a prazo, sujeitos e condições de se
usucapir.
Por fim, a função social da propriedade a usucapião integram um conjunto
de extrema importância para o bem estar social, visto eles resguardarem
garantias de propriedade, moradia, habitação e até mesmo terra rurais que
servirão como morada, além de serem trabalhadas; são portanto, dois
grandes institutos que tem como principal escopo, e alcançam quando
devidamente observados e utilizados a harmonia social de toda uma
sociedade.

REFERÊNCIAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 4. Direito das Coisas.
27º edição. Editora Saraiva. São Paulo 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 4. Rio


de Janeiro Ed. Lumen Juris, 2007

FIGUEIREDO, Guilherme J. Purvin. A Propriedade no Direito Ambiental. 3º


edição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. Direito das Coisas.


6º edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2011.

Documentos legais:

Código Civil de 1916 (Lei n. 3.071, de 1º de JANEIRO de 1916.)

Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406, de 10 DE JANEIRO de 2002)

Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973)

Constituição Federal Brasileira de 1988

Você também pode gostar