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Para se realizar uma investigação, seguindo-se o consequente processo-crime,

resultando em uma condenação, pode-se utilizar variados sistemas.


Historicamente, há, como regra, três sistemas regentes do processo penal: a)
inquisitivo; b) acusatório; c) misto. Entretanto, convém, desde logo, mencionar que,
na atualidade, eles jamais conseguiram ser adotados, integral e individualmente, por
um único ordenamento jurídico. Há vantagens de um que, associadas aos aspectos
positivos de outro, constroem o mais apurado método de persecução penal.

1. SISTEMA INQUISITIVO
É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce,
também, a função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas;
não há debates orais, predominando procedimentos exclusivamente escritos; os
julgadores não estão sujeitos à recusa; o procedimento é sigiloso; há ausência de
contraditório e a defesa é meramente decorativa.
Esse sistema foi utilizado com sucesso em parte da Idade Média para combater os
abusos cometidos pelos senhores feudais e pela aristocracia em detrimento de vassalos
e pessoas pobres. Diante disso, os reis podiam enviar os juízes inquisidores, em seu
nome, com poder suficiente para se voltar contra os ricos, autores de delitos graves,
que não podiam ser tratados com absoluta igualdade. Aliás, aplicava-se a ideia da
isonomia – tratar desigualmente os desiguais.
Atuando contra ricos e poderosos, o processo penal jamais poderia lastrear-se, à
época, em plena igualdade. Eis o motivo pelo qual o juiz inquisidor consegue
amealhar provas, sem que as testemunhas se furtassem aos depoimentos, com temor
de represálias, fazendo-o de maneira sigilosa, até que ficasse pronta a instrução.
Assim, vítimas pobres poderiam ver a justiça ser realizada mesmo quando seus
algozes fossem nobres ou afortunados.
Por óbvio, o sistema inquisitivo, mesmo servindo a um lado positivo, apresentou
várias falhas e deu ensejo a abusos. Um dos principais custos do referido sistema deu-
se, justamente, no âmbito da inquisição promovida pela Igreja, à cata de hereges. Em
lugar de combater a injustiça social, terminou por promover uma autêntica caça às
bruxas (literalmente), sem a menor chance de defesa.
O advento da Revolução Francesa, com as ideias iluministas, torna o sistema
inquisitivo incompatível com a nova realidade. Isso jamais significou que seus
postulados fossem completamente despropositados e inválidos para garantir a
eficiência de uma investigação criminal. Tanto é verdade que, no mundo atual, vê-se o
sistema inquisitivo permear a persecução penal em vários momentos. No caso do
Brasil, é o sistema eleito para a investigação do delito, antes que a peça acusatória seja
apresentada em juízo.

2. SISTEMA ACUSATÓRIO
Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de
acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a
liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do
procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do
julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação
popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.
Pode-se apontar a prevalência do sistema acusatório na época romana antiga, ao
mesmo tempo em que se pode encontrá-lo na legislação atual de vários países. Não é
uma criação inédita do Iluminismo, tampouco um sistema infalível. Mesmo os
ordenamentos jurídicos mais modernos, que adotam a prática acusatória como regra,
terminam por acolher alguns aspectos do inquisitivo, no mínimo para a primeira fase
da colheita da prova, pois mais eficiente e célere.

3. SISTEMA MISTO
Surgido após a Revolução Francesa, uniu as virtudes dos dois anteriores,
caracterizando-se pela divisão do processo em duas grandes fases: a instrução
preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com a
predominância do sistema acusatório. Num primeiro estágio, há procedimento secreto,
escrito e sem contraditório, enquanto, no segundo, presentes se fazem a oralidade, a
publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de
juízes populares e a livre apreciação das provas.
Conforme bem atesta Gilberto Lozzi, na realidade, não existe um processo
acusatório puro ou um processo inquisitório puro, mas somente um processo misto, de
onde se possa perceber a predominância do sistema acusatório ou do inquisitivo
(Lezioni di procedura penale, p. 5). Essa é, sem dúvida, a realidade da maioria dos
ordenamentos jurídicos do mundo atual.

4. OPÇÃO DO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO


O sistema adotado no Brasil era o misto. Na Constituição Federal de 1988, foram
delineados vários princípios processuais penais, que apontam para um sistema
acusatório; entretanto, como mencionado, indicam um sistema acusatório, mas não o
impõem, pois quem cria, realmente, as regras processuais penais a seguir é o Código
de Processo Penal.
De outra parte, encontram-se na Constituição as normas prevendo a existência da
polícia judiciária, encarregada da investigação criminal. Para essa fase, por óbvio, os
postulados acusatórios não se aplicavam. Porém, com a reforma trazida pela Lei
13.964/2019, muita coisa foi alterada na captação de provas durante a investigação
criminal.
Em primeiro lugar, o art. 3º-A do CPP mencionou, expressamente, que o processo
penal “terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a
substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Criou-se, ainda, a figura do
juiz das garantias (art. 3º-B, CPP) com várias atribuições, mas com a principal delas:
controlar a legalidade da investigação criminal e salvaguardar os direitos individuais.
Enfim, torna-se o fiscal da atividade investigatórias de outros órgãos públicos.
Com isso, afastando-se o juiz do processo de qualquer participação no
procedimento investigatório e, até mesmo, vedando o seu acesso aos autos do
inquérito, depois de recebida da denúncia, pelo juiz das garantais, o processo penal
tomou rumo em direção do sistema acusatório.
Entretanto, não se atingiu um sistema puro, mas mitigado, pois continuam todos os
poderes instrutórios do magistrado, durante o processo, agindo de ofício em variadas
situações. É preciso refletir sobre isso e verificar se, realmente, o sistema puro seria o
ideal para o processo penal brasileiro.
A figura do juiz das garantias, prevista nos arts. 3º-A a 3º-F, do CPP, ainda não
entrou em vigor, pois uma liminar do STF suspendeu a sua eficácia por prazo
indefinido até que o Plenário da Corte avalie o mérito (Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 6.299-DF, rel. Luiz Fux, 22.1.2020).

SÍNTESE
Sistema inquisitivo: ausência de contraditório e ampla defesa; sigilo no procedimento; ausência ou limitação de
recursos; inviabilidade de recusa do órgão investigador/julgador; confusão no mesmo órgão das funções acusatória
e julgadora; predomínio da linguagem escrita.
Sistema acusatório: enaltecimento do contraditório e da ampla defesa; publicidade dos atos; duplo grau de
jurisdição assegurado; possibilidade de recusa do julgador; impossibilidade de confusão no mesmo órgão de
acusador e juiz.
Sistema misto: início da investigação contando com os princípios regentes do sistema inquisitivo; processo-
crime instruído pelos princípios condutores do sistema acusatório; predomínio da linguagem oral.

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