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FILIAÇÃO, VIDA DE OBEDIÊCIA E LIBERDADE

Leandro B. Ferreira
Analista de Sistemas e Pós Graduado em Filosofia da Educação
Comunidade Javé Nissi

A vida nova adquirida em Cristo, vida no Espírito, traz à tona a condição da


filiação divina que é efetivada no amor (Rm 8, 14-15). O senhorio de Jesus é a base
dessa nova vida que é construída sobre dois grandes pilares: A obediência e a liberdade.
Tais pilares são indispensáveis para que o filho consiga ordenar seus atos ao fim último,
a felicidade.

A obediência é a grande expressão de fé daquele que reconhece Jesus como


Senhor e responde ao seu chamado de amor (Jo 14,15): Pela fé, o homem submete
completamente a Deus a inteligência e a vontade; com todo o seu ser, o homem dá
assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura chama «obediência da fé» a esta
resposta do homem a Deus revelador (CIC 143).

A obediência assumida em Cristo não é mera justiça, nem opressão, mas pura
expressão de amor traduzida na confiança ao Pai. Não é apenas homenagem de nossas
vontades à autoridade de Deus. É a livre união de nossas vontades com o amor de Deus.
Obedecemos a Deus porque queremos fazer, não por obrigação. Faz-se a vontade de
Deus não por opressão, mas por atração.

O filho compreende a partir da experiência de amor que tudo o que provém do


Pai é melhor, por isso ainda que não compreenda ou pareça difícil, deseja fazer a
vontade do Pai assim como fizeram Abraão, a Virgem Maria (CIC 144) e o próprio
Cristo (Lc 22, 42).

O servilismo de modo algum representa essa obediência efetivada no amor: Não


podemos tornar-nos filhos de Deus por uma obediência que seja mera renúncia cega à
nossa própria autonomia. Ao contrário, a liberdade espiritual consagra nossa autonomia
ao Cristo e, em Cristo, ao Pai, para que possamos amar o Pai com o próprio Espírito
dele que é espírito de liberdade ou, por assim dizer com sua própria autonomia. Quando
essa verdade não é aprendida, o cristianismo se extingue e dá lugar ao legalismo que
pregou Cristo na Cruzi.

A vida nova não se resume a uma religião de leis, mas a religião de Pessoa(s)
(CIC 202). O amor exprime-se exatamente nessa realidade pessoal. A compreensão do
amor pessoal nos insere então na óptica de relacionamento. O amor é um
relacionamento pessoal, portanto só se efetiva em liberdade.

A razão e a vontade humana dão base à liberdade. O homem deve utilizar-se


dessas faculdades para viver conforme sua própria opção e não segundo a dominação
incondicional de Deus. Diferentemente dos animais é conduzido pela vontade livre e
não pela necessidade, de tal forma que há assim, espaço para a virtude. É nisto que está
baseado o fato de existir um julgamento justo para os pecadores e justa recompensa para
santos e justos (São Jerônimo).

Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu a dignidade de uma pessoa
agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. “Deus deixou o homem nas mãos
de sua própria decisão” (Eclo 15, 14), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador
e, aderindo livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição (CIC 1730).

A liberdade é a condição desejada por Deus. O homem deve viver sem estar
acorrentado, preso a nada, contudo pode utilizar-se de sua capacidade de escolha para
recusar o projeto de amor de Deus e dessa forma prender-se ao pecado.

A Vida no Espírito, resultado da salvação adquirida em Cristo, é um usufruir


dessa da graça que restitui a liberdade perdida (Gl 5, 1). O homem reconhece a
necessidade de obedecer a Deus (Gn 2, 17) e com a luz da razão ordena livremente sua
vontade para que não recaia na escravidão, mas permaneça livre à medida que se
relaciona com Deus.

A filiação nos leva a compreender a harmonia existente entre liberdade e


obediência. O filho se reconhece dependente do Pai e sabe que sua felicidade está no
relacionamento com Ele, portanto é obediente a sua palavra que sempre indica o melhor
(Jo 14, 23). Por outro lado o Pai não criou o filho para ser escravo, mas para que possa
livremente procurá-lo e assim estabelecer um relacionamento de amor.

O homem que não se relaciona com Deus é um ser na escuridão. Sem luz o
indivíduo de certo modo pode ainda escolher caminhos diversos, mas não é capaz de
tomar decisões perfeitas que preserve a vida segura em liberdade. Ao se aproximar da
Luz pode ir tomando decisões mais claras e seguras em vista da felicidade que o
sustenta livre. Tal analogia nos ajuda a compreender que só há autêntica liberdade se
está em Cristo (a luz) e que a obediência é o “mecanismo” do Pai para que o filho não
se perca na escuridão da infelicidade.

Feliz é a vida do filho obediente e livre em amor.


i
MERTON, Tomas; O Homem Novo; Agir; 1966; p.59-81.

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