Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Foucault aponta, contudo, que entre todas essas formas possíveis de governo
dentro do Estado, há uma comum a todas elas. Ele cita François La Mothe Le Vayer,
que, em seus textos para o Delfim da França, falará das três formas de governo: a)
governo de si, que diz com a moral; b) governo da família, relacionado a econômica; c)
governo do Estado, que estaria ligado a política. Mas o que Foucault ressalta de
importante, apesar da tipologia das artes de governar apresentadas, é que no final a arte
de governar, como sempre é apresentada, acaba por ser a continuidade essencial de uma
a outra. Foucault ressalta que enquanto a doutrina do princípe ou a teoria jurídica da
Soberania sempre buscam deixar clara uma descontinuidade, um afastamento do poder
soberano e qualquer outro poder, na arte de governar há sempre uma continuidade entre
as formas de se governar, seja ascendente ou descendente.
A continuidade é ascendente, quando se pensa que quem quer governar o Estado
deve saber governar a si mesmo, e depois sua família, seu domínio, para aí chegar ao
Estado. Era essa pedagogia que se aplicava aos ensinamentos do Delfin, que primeiro
aprendia sobre a moral, depois sobre a economia, e por último sobre a política. Mas essa
linha também é descendente, na medida que o Estado bem governado faz com que os
pais de família também saibam governar suas famílias e as pessoas em geral se governem
como convém. Conforme esclarece Foucault, a linha descendente que faz o bom
governo do príncipe chegar até as famílias e as pessoas começa a ser chamada nessa
época de “polícia”.
Foucaut diz que a peça central desse governo, que se encontra tanto na ligação
ascendente da pedagogia, quanto na descendente da polícia é o governo da família,
chamado, justamente, de economia, que a ligação tanta do movimento ascendente da
pedagogia, quanto do descendente da polícia.
Foucault diz que a arte de governar tenta fazer, então, exatamente a pergunta:
“como introduzir a economia na arte de governar o Estado? Como fazer o método de
governo do pai de família, que dirige seus bens, sua mulher, seus filhos para a riqueza,
ser o método de governo da gestão do Estado? Foucault diz que a introdução da
economia no seio do exercício político será, para ele, a meta do governo. Foucault diz
que em Rousseau ainda aparece o sentido da palavra economia como “ o sábio governo
da casa para o bem comum da família”.
Governar o Estado será, então, aplicar a economia no sentido da gestão da família
pelo pai de família, mas para todo o Estado, em relação aos habitantes, às riquezas, às
condutas de todos e de cada um uma forma de vigilância, não menor do que aquela
exercida pelo pai de família sobre a casa e seus bens.
A frase “bom governo é um governo econômico” de Quesnay é citada por
Foucault como exemplo, ao mesmo tempo que refere nessa época, século XVIII, a
palavra econômica já vai atingindo o significado moderno que compreendemos até hoje.
Até o século XVI, a palavra economia designava uma forma de governo, mas a partir do
século, adotando seu sentido moderno, vai designar “um campo de intervenção para o
governo, através de uma série de processos complexos, e creio” diz Foucault
“absolutamente essenciais para a nossa história. Eis portanto que é governar e ser
governado”.
Seguindo no texto de Guillsume de La Perrière, Foucault cita a frase “Governo é
a correta disposição das coisas, das quais alguém se encarrega para conduzi-las a um fim
adequado”. Foucault destaca o termo “coisas”. Diz que no Princípio de Maquiável,
coisas seriam os objetos sobre os quais o poder agiria, ou seja, o território e as pessoas
que estivessem nele. Foucault diz que maquiável apenas se estava utilizando da noção de
soberania prevalente na idade média, para qual, o ponto chave seria o território.
Já no texto Guillsume de La Perrière, não há referência ao território, já que se
governam coisas, ou seja, todo um complexo, constituído por homens e coisas:
O governador deve ser alguém com paciência, ou seja, não pode ser mais o
direito de matar, o direito de valer sua força que deve ser determinante no personagem
governador. Ao invés do ferrão para ferir, o governador deve ter sabedoria e inteligência.
A sabedoria do soberano, no entanto, não será mais o conhecimento da leis humanas e
divinas, da tradição, como até então era, mas sim o conhecimento das coisas, das
finalidades específicas de cada uma delas, do que pode ser alcançado, e o que fazer para
se alcançar, a disposição de casa coisa, o emprego delas para atingir as finalidades. Já a
diligência será entendida como a norma que impõe a quem governa, seja o soberano ou
outro (são multiplus governos imanente, como já visto), que só governo na medida que
aja e considere como se estivesse a serviço dos governados.
Foucault que essas ideias, que seriam esboço do que viria a ser governo,
ainda que incipiente, não se limitou ao plano teórico, mas já se mostrava nas
organizações administrativas das Monarquias territoriais, e até mesmo em suas
representações para essas estruturas. Também em todo um conjunto de saberes relativos
ao conhecimento do Estado em seus mais diferentes aspectos, que se desenvolveram a
partir do final do século XVI e tiveram sua amplitude no século XVII, depois chamados
“estatística”. Além disso, Fooucault destaca o desenvolvimento do mercantilismo e do
cameralismo, que foram o mesmo tempo esforços para racionalizar o exercício de poder
a partir dos novos saberes estatisticos, e, também, “princípios doutrinais” para aumentar
a riqueza do Estado.
Mas Foucault refere que as questões históricas do século XVII,
especificamente as constantes guerras e crises, aliada a prevalência teórica da noção de
soberania da idade média, impediram o desenvolvimento dessas técnicas de governo no
período, que acabaram presas as estruturas fechadas das monarquias territoriais.
O mercantilismo é de fato a primeira racionalização do exercício do
poder como prática do governo; é de fato a primeira vez que
começa a se constituir um saber do Estado capaz de ser utilizado
para as táticas do governo. É a pura verdade, mas o mercantilismo
viu-se bloqueado e detido, creio eu, precisamente por ter se dado o
que como objetivo? Pois bem, essencialmente o poder do soberano:
como fazer de modo que não tanto o país seja rico, mas que o
soberano possa dispor de riquezas, possa ter tesouros, que possa
constituir exércitos com os quais poderá fazer sua política? O
objetivo do mercantilismo é o poder do soberano, e os
instrumentos que o mercantilismo se dá, quais são? São as leis, os
decretos, os regulamentos, isto é, as armas tradicionais da soberania.
Objetivo: o soberano; instrumentos: as próprias ferramentas da
soberania. O mercantilismo procurava fazer as possibilidades dadas
por urna arte refletida de governo entrarem numa estrutura
institucional e mental de soberania que a bloqueava. De sorte que,
durante todo o século XVII e até a grande liquidação dos temas
mercantilistas do início do século XVIII, a arte de governar ficou
de certo modo andando sem sair do lugar, pega entre duas coisas.
E nesse exato ponto, quando não precisa mais funcionar apenas em benefício
da monarquia, como até então ocorria, é que a estatista, como conjunto de saberes sobre
as coisas de governo, que vai se tornar um dos fatores principais do desbloqueio da arte
de governar.
A perspectiva da população e a realidade dos
fenômenos próprios da população vão possibilitar afastar
definitivamente o modelo da família e recentrar essa noção de
economia noutra coisa. De fato, essa estatística que havia
funcionado até então no interior dos marcos administrativos e,
portante, do funcionamento da soberania, essa mesma
estatística descobre e mostra pouco a pouco que a populaçãoo
tem suas regularidades próprias: seu número de morros, seu
número de doentes, suas regularidades de acidentes. A
estatística mostra igualmente que a população comporta efeitos
próprios da sua agregação e que esses fenômenos são
irredutíveis aos da família: serão as grandes epidemias, as
expansões epidêmicas, a espiral do trabalho e da riqueza. A
estatística mostra [também] que, por seus deslocamentos, por
seus modos de gir, por sua atividade, a população tem efeitos
econômicos específicos. A estatística, ao possibilitar a
quantificação dos fenômenos próprios da população, faz
aparecer sua especificidade irredutível [ao] pequeno âmbito da
família. Salvo certo número de temas residuais, que podem ser
perfeitamente temas morais e religiosos, a família como modelo
do governo vai desaparecer.
E segue:
Pois bem, é apreendendo essa rede continua e múltipla de
relações entre a população, o território e a riqueza que se
constituirá uma ciência chamada "economia política" e, ao
mesmo tempo, um tipo de intervenção característica do
governo, que vai ser a intervenção no campo da economia e
da população. Em suma, a passagem de uma arte de governar
a uma ciência política", a passagem de um regime dominado
pelas estruturas de soberania a um regime dominado pelas
técnicas do governo se faz no século XVIII em tomo da
população e, por conseguinte, em tomo do nascimento da
economia política.
Foucault ressalta, contudo, que essa arte de governar ter se tornado ciência
política de maneira alguma eliminou a questão da soberania. O que Foucault aponta
como mudança é a ordem: não se busca mais uma arte de governar a partir das teorias
da soberania, mas, ao contrário, buscar descobrir, a partir da constatação e do
desenvolvimento dessa arte de governar, qual a forma jurídica, qual forma institucional,
qual fundamento de direito seria dado à soberania que caracteriza um Estado (?).
Foucault aponta que essa questão já seria vista em Rousseau, que já descartaria o modelo
de economia da família. Logo, o problema passa a ser encontrar o fundamento que
justifique a ideia de soberania, ao mesmo tempo que sirva de fundamento para os novos
elementos da arte de governar. Compatibilizar o soberano com os governos que tem
como finalidade a população, ou seja, o conjunto dos governador. O problema da
soberania estaria mais agudo do que nunca.
A questão das disciplinas igualmente ganham importância, já que tendo a
administração da população como objetivo máximo, e sendo essa população ao mesmo
tempo também o principal instrumento para atingir tal fim, pois:
E Foucault arremata: