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Adaptações do Sistema

Cardiorrespiratório
Profº Ivan Piçarro
Sumário

Adaptações do sistema cardiorrespiratório ao exercício.......................................... 3

Anatomia................................................................................................................ 3

Atividade Elétrica................................................................................................... 4

Sistema respiratório............................................................................................... 7

Controle da respiração............................................................................................ 8
A capacidade e os volumes respiratórios................................................................................... 9

Ajustes ao exercício.............................................................................................. 10

Adaptações cardiovasculares crônicas................................................................... 14

Ajustes ventilatórios............................................................................................. 16

Consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio................................................... 17


Adaptações do sistema cardiorrespiratório

Adaptações do sistema lado, nos exercícios dinâmicos, não existe


obstrução mecânica do fluxo sanguíneo,
cardiorrespiratório ao havendo um aumento da atividade nervosa
simpática, que é desencadeada pela ativação
exercício do SNC, dos mecanorreceptores musculares.
Em resposta ao aumento da atividade
simpática, observa-se aumento da frequência
O exercício físico caracteriza-se por cardíaca, do volume sistólico, do débito
retirar o organismo de sua homeostase, cardíaco e da ventilação pulmonar.
implicando no aumento instantâneo da Sistema cardiovascular
demanda energética da musculatura e, O sistema cardiovascular humano é
consequentemente, do organismo como o mais desenvolvido dos seres vivos.
um todo. Para suprir a nova demanda O coração é principal componente do
metabólica criada pelo exercício físico, sistema cardiovascular, e é o grande pelo
várias adaptações fisiológicas são transporte de O2 e outros nutrientes às
necessárias e, entre elas estão às funções células, permitindo também a eliminação
cardiorrespiratórias. O tipo e a magnitude das das suas toxinas. O coração funciona como
respostas cardiorrespiratórias dependem das uma bomba que mantém o sistema em
características do exercício realizado, ou seja, funcionamento que, com dois sistemas
o tipo, a intensidade, a duração e a massa fechados de vasos e a sua anatomofisiologia
muscular envolvida. Em relação ao tipo de específica formam a pequena circulação,
exercício, podemos caracterizar dois tipos circulação em que o sangue vai aos pulmões
principais: exercícios dinâmicos ou isotônicos oxigenar, e a grande circulação, circulação
(há contração muscular, seguida articular) sistêmica que transporta do sangue aos
estáticos ou isométricos (há contração órgãos do corpo.
muscular, sem movimento articular), sendo
que cada um desses exercícios implica Anatomia
diferentes respostas cardiovasculares e
respiratórias. Nos exercícios estáticos
observa-se aumento da frequência cardíaca, O músculo cardíaco denomina-se
com manutenção ou até redução do volume miocárdio. O músculo cardíaco é estriado,
sistólico e pequeno acréscimo do débito onde as células que o constituem,
cardíaco. Em compensação, observa se denominadas cardiomiócitos, apresentam
aumento da resistência vascular periférica, sarcômeros tal como às do músculo
que resulta na elevação da pressão esquelético. Os parâmetros utilizados para
arterial. Esses efeitos ocorrem porque a caracterizar o músculo cardíaco são a força,
contração muscular mantida durante a encurtamento e velocidade de encurtamento,
contração isométrica promove obstrução trabalho e potência. O músculo cardíaco é
mecânica do fluxo sanguíneo muscular, o abastecido com oxigênio e nutrientes a partir
que faz com que os metabólitos produzidos do sangue posto em circulação (circulação
durante a contração se acumulem, ativando coronária) e não por difusão do sangue nas
quimiorreceptores musculares, que paredes do coração.
promovem aumento expressivo da atividade O coração sofreu uma grande evolução
nervosa simpática. Devemos observar que a ao longo do tempo, tendo se tornado uma
magnitude das respostas cardiovasculares e estrutura complexa que se localiza na
respiratórias durante o exercício estático é cavidade torácica. Ele é constituído por dois
depende da intensidade exercício, da duração ventrículos e dois átrios que funcionam como
e a da massa muscular envolvida. Por outro duas bombas independentes. O lado direito é

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responsável pela circulação pulmonar em que os outros centros, assumindo o controle do


o sangue é rico em CO2 (sangue venoso), e ritmo cardíaco global. O potencial membranar
o lado esquerdo responsável pela circulação normal de uma célula em repouso é negativo
sistêmica caracterizada pelo sangue rico e está entre -90 mV e -60 mV.
em O2. A existência de válvulas entre as
aurículas e os ventrículos impede o retrocesso
do fluxo de sangue (tricúspide no lado
direito e a bicúspide no lado esquerdo), não
havendo mistura de sangues pela existência
de uma divisão longitudinal dos dois lados,
o septo. O coração é envolvido por um saco
de dupla membrana, o saco pericardial, que
assegura a posição do coração no peito. O
fluido pericardial, que se encontra entre as
membranas, previne a fricção entre as duas
camadas.

Figura 2. Localização das células marca-passo

Estes valores são mantidos por mecanismos


iônicos que fazem variar a permeabilidade da
membrana aos diversos íons presentes quer no
interior quer no exterior da célula. A velocidade
e a forma do potencial de ação variam com
o tipo de célula apesar da excitação das
células contráteis cardíacas serem causadas
por potenciais de ação gerados pelas células
marca-passo.
Figura 1. Anatomia do coração.
A duração da contração muscular cardíaca
é de cerca de 300ms. Como o período
Atividade Elétrica refratário é quase tão longo quanto a duração
da contração, o músculo não é novamente
O coração é composto por células estimulado sem que antes tenha havido o
musculares cardíacas contráteis que relaxamento. Nos músculos esqueléticos
funcionam de forma semelhante ao músculo este mecanismo não existe e se a célula
esquelético. Contudo, ao contrário do muscular continuar a ser estimulada sem
esquelético, o cardíaco não é estimulado haver relaxamento, pode haver uma contração
diretamente pelo sistema nervoso. Um tetânica. As células marca-passo possuem
pequeno número de células cardíacas tem a um período refratário lento. Nos neurônios a
capacidade de gerar o seu próprio potencial repolarização é rápida durando entre 1e 2ms.
de ação, e esse é transmitido em cadeia por Comparando os sinais que dão origem ao
todo o coração. As células chamadas marca- potencial de ação nas células auto-rítmicas e
passo é que fazem o tecido muscular cardíaco nas musculares cardíacas podemos verificar
se contrair, estão situadas em nódulos e que enquanto nas primeiras é o influxo estável
feixes. O nó sinusal (SA) é o principal gerador
e constante de Na+ o principal responsável
pela formação do potencial de ação, nas
de potenciais de ação com uma frequência
outras células este papel cabe à entrada de
superior a 70-80 /min. enviando-os a todos
Ca2+ na célula, como em células musculares

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esqueléticas. Quando se dá a passagem do


potencial de ação pelos túbulos transversos, a base comum de comparação, permitindo o
entrada de Ca2+ provoca a abertura dos canais reconhecimento de anormalidades. O traçado
na superfície dos retículos sarcoplasmáticos, do eletrocardiograma, em condições normais
libertando mais Ca2+ armazenado dentro da é composto por diferentes ondas. O ECG é
célula. Desta forma a concentração de Ca2+ normalmente utilizado para diagnóstico de
aumenta no citosol acionando o mecanismo problemas cardíacos tais como arritmias,
de contração. A concentração do Ca2+ insuficiências cardíacas, danos no músculo
permite não só aumentar o potencial de ação cardíaco, etc., pela análise do seu traçado.
das células cardíacas, como permite ainda
prolongar o tempo de contração muscular. Só
assim é possível assegurar o tempo necessário
para que o coração possa bombear o sangue
completamente. Finalmente, podemos
observar que a concentração de K+ e Ca2+
são, pela intervenção nos vários mecanismos
iônicos, indispensáveis para a contração do
músculo cardíaco. Quaisquer alterações nas
concentrações podem alterar a permeabilidade
da membrana para os íons, podendo levar a
arritmias cardíacas.
Figura 4. ECG: Ondas P – despolarização auricu-
lar, Complexo QRS – despolarização ventricular, e
Ondas T – despolarização ventricular.

A atividade mecânica do coração consiste


em períodos alternados de sístole (contração)
e diástole (relaxamento) que são iniciados
pelo ciclo elétrico e que controla o fluxo
sanguíneo que passa pelo coração, seguindo
Figura 3. Nó sinusal (NSA): geralmente é o grupo para a circulação pulmonar e sistêmica. Os
de células marca-passo que comanda o ritmo sons que se associam ao ciclo cardíaco são
cardíaco com a maior frequência (60 a 100 bpm).
Nó átrio-ventricular (NAV) é capaz de gerar im- os do fechamento das válvulas cardíacas. O
pulsos com frequência em torno de 50 bpm e o primeiro som é do fechamento das válvulas
feixe de His-Purkinje: é capaz de gerar impulsos
com frequência em torno de 35 bpm.
AV durante a sístole ventricular, e o segundo
som é do fechamento das válvulas das
artérias pulmonar e aorta durante a diástole.
O eletrocardiograma (ECG) baseia-se no O débito cardíaco (DC) é o volume de
registro da atividade elétrica do coração sangue bombeado pelo ventrículo em um
que se propaga até a superfície do corpo, minuto, e é determinado pela frequência
acompanhando sua atividade mecânica. cardíaca (bpm) e pelo volume sistólico (VS),
Os processos de excitação e repolarização que é o volume de sangue bombeado por
que ocorrem na membrana das células batimento. A frequência e a quantidade de
musculares cardíacas produzem os traçados sangue bombeado variam com as diferentes
de variações das voltagens que refletem necessidades metabólicas do organismo. O
os eventos associados ao ciclo cardíaco. DC em repouso é perto de cinco litros, mas
A atividade elétrica registrada se baseia aumenta com o exercício. A diferença entre o
na colocação de eletrodos em diferentes débito cardíaco, de um indivíduo, em repouso
pontos do corpo, de modo a se obter uma e o máximo que é capaz de gerar, é chamada

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de reserva cardíaca. As variações na de sangue bombeado por batimento”. O


frequência cardíaca se devem, basicamente, controle extrínseco é desencadeado por
à influência do sistema nervoso autônomo fatores externos ao coração, dois dos mais
sobre o nó sinoatrial. O sistema nervoso importantes são a estimulação do sistema
autônomo, parassimpático e simpático, simpático e pela epinefrina, que aumentam
tem efeitos antagônicos sobre a frequência a contratibilidade do coração. Este aumento
cardíaca. Enquanto o parassimpático provoca na força de contração do coração deve-se ao
uma redução, o simpático é responsável aumento de Ca2+ no citosol promovido pela
por um aumento. Quando há um aumento epinefrina libertada nos nervos terminais
na atividade do parassimpático é libertada do sistema simpático, que permite às fibras
a acetilcolina, que se ligará aos receptores do miocárdio se distenderem e assim
nas células do nódulo sinoatrial. Os canais gerar mais força atuando do bombeamento
de potássio sensíveis se fecharam mais (relação comprimento-tensão). No entanto,
lentamente, aumentando a permeabilidade a estimulação do simpático não aumenta o
do nódulo sinoatrial a K+. Assim as células volume sistólico apenas porque aumenta a
hiperpolarizam, levando mais tempo a atingir força de contração cardíaca, mas também
o limiar de disparo, reduzindo a frequência porque faz com que a quantidade de sangue
cardíaca. O sistema simpático estimula o venoso que chega ao coração seja maior.
nódulo sinoatrial liberando a norepinefrina, Como vimos, o rendimento cardíaco é
que diminui a permeabilidade da membrana determinado por dois fatores: ritmo cardíaco
celular ao potássio, pois acelera a inativação e volume sistólico, que por sua vez são
dos canais do mesmo, aumenta assim a controlados por mecanismos diferentes, com
sua taxa de despolarização atingindo o atuação de substâncias e sistemas diferentes.
limiar de disparo mais rapidamente. Este O funcionamento do coração busca sempre
aumento também contribui para o aumento atingir um estado de equilíbrio, conseguindo
da permeabilidade ao cálcio, promovido pela responder às situações de maior relaxamento
fosforilação dos seus canais, atingindo-se e descanso, e também às de intensa
assim o limiar de disparo mais rapidamente, atividade física e stress.
sendo os potenciais de ação gerados mais Pressão arterial é a força com a qual
frequentemente. O controle intrínseco não o coração bombeia o sangue através
é mais que a relação direta entre o volume dos vasos. É determinada pelo volume
final da diástole e o volume sistólico. Este de sangue que sai do coração e a pela
controle depende da relação comprimento- resistência que ele encontra para circular
tensão do músculo. Assim, ao receber no corpo. Ela pode ser modificada pela
volume maior de sangue venoso, as fibras variação da volemia, pela viscosidade do
musculares cardíacas tornam-se mais sangue, da frequência cardíaca e do tônus
distendidas, havendo um volume diastólico dos vasos. A pressão arterial é medida
maior. Assim, quando estas mesmas fibras em dois momentos distintos. A sistólica
se contraem para realizar a sístole, o fazem e a diastólica representam os pontos de
com mais força, se a força de contração máxima pressão gerada e pela máxima
aumenta, aumenta consequentemente o queda dessa pressão. Ela sofre variações
volume de sangue bombeado no batimento. ao longo do dia, de dia para dia e pode ser
Este controle intrínseco é resumido pela afetada por estados emocionais do indivíduo.
lei do coração de Frank-Starling que diz: Os valores considerados normais para a
“O coração normalmente bombeia todo o pressão arterial nos adultos são 120 mmHg
sangue que a ele regressa; aumentar a para a pressão arterial sistólica e de 80
quantidade de sangue venoso que regressa mmHg para a diastólica. Quando a pressão
ao coração implica aumentar o volume arterial ultrapassa de forma consistente os

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140/90 mmHg, considera-se que a pessoa Sistema respiratório


tem pressão arterial Elevações ocasionais
da pressão podem ocorrer com exercícios A respiração é o mecanismo que permite
físicos, nervosismo, preocupações, drogas, aos seres vivos extrair a energia química
alimentos, fumo, álcool e café. armazenada nos alimentos e utilizar essa
A resistência vascular periférica ao energia nas diversas atividades metabólicas
fluxo de sangue (RVP) vai depender de do organismo. A respiração ocorre ao mesmo
fatores locais, neurais e humorais, que tempo em dois níveis diversos: o celular e
vão controlar o raio dos vasos e também a o do organismo. O processo que libera a
viscosidade do sangue. A PA tem que ser energia química necessária ao metabolismo,
mantida em um nível para manter uma através da quebra das cadeias de carbono,
determinada taxa de perfusão para todos é a respiração celular. Já a respiração ao
os tecidos. Obviamente, a cota que cada nível do organismo é a respiração orgânica,
tecido vai receber depende basicamente do que compreende a captura do oxigênio do
metabolismo do indivíduo e da função que ambiente, o transporte deste gás até as
aquele tecido exerce. Um percentual do células e a eliminação do gás carbônico
DC vai para cada tecido dependendo se o produzido nas células. O sistema respiratório
indivíduo está em repouso ou atividade. 5% humano é constituído por um par de pulmões
para as coronárias, 15% para o cérebro, 20% e por vários órgãos que conduzem o ar
para os rins. Quando em atividade física, o para dentro e para fora dos pulmões. Esses
debito cardíaco é redistribuído em função de órgãos são as fossas nasais, a faringe,
preservar a atividade de alguns tecidos como a laringe, e a traquéia. Os brônquios, os
o cérebro e o coração, aumentando para o bronquíolos e os alvéolos pulmonares estão
músculo em atividade. A PA é regulada por localizados nos pulmões. As fossas nasais
mecanismos complexos, que podemos dividir são duas cavidades paralelas que começam
em mecanismos de curtíssimo prazo, que nas narinas e terminam na faringe. Elas são
seriam os neurais. São três respostas que separadas uma da outra por uma parede
entrariam em ação logo nos 30 s. O reflexo cartilaginosa denominada septo nasal. Em
barorreceptor, o reflexo quimiorreceptor seu interior há dobras chamadas cornetos
e a resposta isquêmica. Os primeiros a nasais. Possuem um revestimento dotado
responder são os barorreceptores. O segundo de células produtoras de muco e de células
mecanismo que vai controlar a pressão é o ciliadas, também presentes nas porções
através de uma resposta quimiorreceptiva. inferiores das vias aéreas, como traquéia,
E finalmente, quando a pressão está muito brônquios e porção inicial dos bronquíolos.
alta, tem-se a resposta isquêmica causada No teto das fossas nasais existem células
por uma descarga simpática maciça. Na sensoriais, responsáveis pelo olfato. Têm as
resposta humoral, temos o sistema renina- funções de filtrar, umedecer e aquecer o ar.
angiotensina-aldosterona, o ADH e o peptídeo A faringe é um canal comum aos sistemas
atrial natriurétrico regulando a PA. O controle digestório e respiratório e comunica-se
da volemia pelo rim depende da ingestão e com a boca e com as fossas nasais. O ar
perda hídrica. inspirado passa pelas narinas ou pela boca,
passando necessariamente pela faringe,
antes de atingir a laringe. A laringe é um
tubo sustentado por peças de cartilagem
articuladas, situado na parte superior
do pescoço, em continuação à faringe. A
traquéia é um tubo de aproximadamente 1,5
cm de diâmetro por 10- 12 centímetros de

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comprimento, cujas paredes são reforçadas o ar a entre nos pulmões. A expiração se


por anéis cartilaginosos, de forma a manter dá pelo relaxamento do diafragma e dos
o tubo traqueal sempre aberto. Bifurca-se na músculos intercostais. O diafragma se eleva
sua região inferior, originando os brônquios, e as costelas abaixam, diminuindo o volume
que penetram nos pulmões. Seu epitélio de da caixa torácica, com consequente aumento
revestimento muco-ciliar adere partículas de da pressão interna, forçando o ar a sair dos
poeira e bactérias presentes em suspensão pulmões. Os principais centros nervosos
no ar inspirado, que são posteriormente que controlam o ritmo e a intensidade da
varridas para fora (graças ao movimento dos respiração estão no bulbo e na ponte.
cílios) e engolidas ou expelidas. O transporte do oxigênio está a cargo
Os pulmões são órgãos esponjosos, com da hemoglobina, proteína presente nas
aproximadamente 25 cm de comprimento, hemácias. Cada molécula de hemoglobina
envolvidos por uma membrana serosa combina-se com quatro moléculas de
denominada pleura. Nos pulmões os oxigênio, formando a oxi-hemoglobina.
brônquios se ramificam, dando origem a Nos alvéolos o oxigênio ser difunde para os
tubos cada vez mais finos, os bronquíolos. O capilares sanguíneos e penetra nas hemácias,
conjunto altamente ramificado de bronquíolos onde se combina com a hemoglobina,
forma a árvore brônquica ou respiratória. enquanto o gás carbônico é liberado para o
Cada bronquíolo termina em pequenas bolsas ar alveolar (hematose). Nos tecidos ocorre
formadas por células epiteliais achatadas um processo inverso, o oxigênio dissocia-
recobertas por capilares, denominadas se da hemoglobina e se difunde pelo líquido
alvéolos pulmonares. A base de cada pulmão intersticial até chegar às células. A maior
se apóia no diafragma, órgão músculo- parte do gás carbônico (cerca de 70%)
membranoso que separa o tórax do abdômen, liberado pelas células no líquido intersticial
promovendo, juntamente com os músculos penetra nas hemácias e reage com a água,
intercostais, os movimentos respiratórios. formando o ácido carbônico, que logo
Localizado logo acima do estômago, o nervo se dissocia, dando origem a íons H+ e
frênico controla os movimentos do diafragma, bicarbonato (HCO3-), difundindo-se para
enquanto os nervos intercostais são os o plasma, onde ajudam a manter o pH do
responsáveis pelo controle dos movimentos. sangue. Cerca de 23% do gás carbônico
liberado pelos tecidos se associam à própria
hemoglobina, formando a carboemoglobina.

Controle da respiração

Em repouso, a frequência respiratória


fica entre 10 e 15 movimentos por minuto.
A respiração é controlada automaticamente
por um centro nervoso localizado no bulbo.
Figura 5. Pulmões e árvore brônquica.
Desse centro partem os nervos responsáveis
pela contração dos músculos respiratórios
A inspiração acontece pela contração da (diafragma e músculos intercostais). Os
musculatura do diafragma e dos músculos sinais nervosos são transmitidos desse centro
intercostais. O diafragma abaixa e as costelas através da coluna espinhal para os músculos
se elevam, promovendo o aumento do da respiração. O mais importante músculo
volume da caixa torácica, com consequente da respiração, o diafragma, recebe os sinais
redução da pressão interna, permitindo que respiratórios através do nervo frênico, que

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deixa a medula espinhal na metade superior é deprimido, diminuindo a frequência e a


do pescoço e dirige-se para baixo, através amplitude dos movimentos respiratórios.
do tórax até o diafragma. Os sinais para os Com a diminuição na ventilação pulmonar,
músculos expiratórios, especialmente para os há retenção de CO2 e maior produção de íons
abdominais, são transmitidos para a porção H+, o que determina queda no pH plasmático
baixa da medula espinhal, para os nervos até seus valores normais. Se a concentração
espinhais que inervam esses músculos. de gás carbônico cair a valores muito baixos,
Impulsos iniciados pela estimulação pode ocorrer um quadro de alcalose, que
psíquica ou sensorial do córtex cerebral pode levar a uma irritabilidade do sistema
podem afetar a respiração. Em condições nervoso, resultando, algumas vezes, em
normais, o centro respiratório (CR) produz, tetânia ou mesmo convulsões.
a cada 5 segundos, um impulso nervoso
que estimula a contração da musculatura
torácica e do diafragma, fazendo-nos
inspirar. O CR é capaz de aumentar e
de diminuir tanto a frequência como a
amplitude dos movimentos respiratórios,
pois possui quimiorreceptores que são
bastante sensíveis ao pH do plasma. Essa
capacidade permite que os tecidos recebam
a quantidade de oxigênio que necessitam,
além de remover adequadamente o gás
carbônico. Quando o sangue se torna mais
ácido, o centro respiratório comanda um
aumento da aceleração dos movimentos
respiratórios. Dessa forma, tanto a frequência Figura 6. Diafragma na inspiração e expiração

quanto a amplitude da respiração tornam-


se aumentadas devido à excitação do CR. A capacidade e os volumes
Com a depressão do CR, ocorre diminuição respiratórios
da frequência e amplitude respiratórias. A
respiração é ainda o principal mecanismo
de controle do ph do sangue. O aumento da O sistema respiratório humano
concentração de CO2 desloca a reação para comporta, em média, um volume total de
a direita, enquanto sua redução desloca aproximadamente 5 litros de ar (capacidade
para a esquerda. Dessa forma, o aumento pulmonar total). Desse volume, apenas
da concentração de CO2 no sangue provoca meio litro é renovado a cada respiração em
aumento de íons H+ e o plasma tende ao pH repouso. Esse volume é chamado de volume
ácido. Se a concentração de CO2 diminui, o corrente Se no final de uma inspiração
pH do plasma tende a se tornar mais básico. forçada, executar uma expiração forçada,
Se o pH está abaixo do normal (acidose), retirará dos pulmões uma quantidade de
o centro respiratório é excitado, aumentando aproximadamente 4 litros de ar, o que
a frequência e a amplitude dos movimentos corresponde à capacidade vital, e é dentro de
respiratórios. O aumento da ventilação seus limites que a respiração pode acontecer.
pulmonar determina eliminação de maior Mesmo no final de uma expiração forçada,
quantidade de CO2, o que eleva o pH do resta nas vias aéreas cerca de 1 litro de ar, o
plasma ao seu valor normal. volume residual.
Caso o pH do plasma esteja acima do
normal (alcalose), o centro respiratório

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fisiológicos ao exercício físico podem ser


classificados em agudos e crônicos. Os efeitos
agudos acontecem em associação direta com
a sessão de exercício, como elevação da
frequência cardíaca, da ventilação pulmonar
e sudorese. Há efeitos agudos que ocorrem
nas primeiras 24 ou 48 horas que se seguem
a ma sessão de exercício e podem ser
identificados na discreta redução dos níveis
tensionais, especialmente nos hipertensos, na
expansão do volume plasmático, na melhora
da função endotelial e na potencialização
da ação e aumento da sensibilidade
Figura 7. Volumes pulmonares. insulínica na musculatura esquelética. Os
efeitos crônicos são resultado da exposição
frequente e regular às sessões de exercícios
Nunca se consegue encher os pulmões com e representam aspectos morfofuncionais
ar completamente renovado, já que mesmo que diferenciam um indivíduo fisicamente
no final de uma expiração forçada o volume treinado e um sedentário, tendo como
residual permanece no sistema respiratório. exemplos típicos a bradicardia relativa de
A ventilação pulmonar, portanto, dilui esse repouso, a hipertrofia muscular, a hipertrofia
ar residual no ar renovado, colocado em ventricular esquerda fisiológica e o aumento
seu interior. O volume de ar renovado por do consumo máximo de oxigênio (VO2
minuto, a ventilação pulmonar (ou volume- máximo). O treinamento causa importantes
minuto respiratório) é obtido pelo produto adaptações autonômicas e hemodinâmicas
da frequência respiratória (FR) pelo volume que vão influenciar o sistema cardiovascular,
corrente (VC): VE= FR x VC. com o objetivo de manter a homeostasia
Os atletas costumam utilizar o chamado celular diante do incremento das demandas
“segundo fôlego”. No final de cada expiração, metabólicas. Há aumento no débito cardíaco,
contraem os músculos intercostais internos, redistribuição no fluxo sanguíneo e elevação
que abaixam as costelas e eliminam mais ar da perfusão circulatória para os músculos em
dos pulmões, aumentando a renovação. atividade.
A pressão arterial sistólica (PAS) aumenta
Ajustes ao exercício diretamente na proporção do aumento
do débito cardíaco. A pressão arterial
Os mecanismos responsáveis pelos ajustes diastólica reflete a eficiência do mecanismo
do sistema cardiovascular ao exercício e os vasodilatador local dos músculos em
índices de limitação da função cardiovascular atividade, que é tanto maior quanto maior for
constituem aspectos básicos relacionados ao à densidade capilar local.
entendimento das funções adaptativas. Esses Além disso, a produção de metabólitos
mecanismos são multifatoriais e permitem musculares promove vasodilatação na
ao sistema operar de maneira efetiva nas musculatura ativa, gerando redução da
mais diversas circunstâncias. Os ajustes resistência vascular periférica. Dessa forma,
fisiológicos são feitos a partir das demandas durante os exercícios dinâmicos observa-
metabólicas, cujas informações chegam ao se aumento da pressão arterial sistólica
tronco cerebral através de vias aferentes, até e manutenção ou redução da diastólica.
a formação reticular bulbar, onde se situam Essas respostas são tanto maiores quanto
os neurônios reguladores centrais. Os efeitos maior for à intensidade do exercício, mas

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não se alteram com a duração do exercício, se aborda a hipotensão pós-exercício é


caso ele seja realizado numa intensidade o mecanismo responsável pela redução
inferior ao limiar anaeróbio. Além disso, pressórica e a pós-exercício aeróbio se deve
quanto maior a massa muscular exercitada à redução do débito cardíaco, em função da
de forma dinâmica, maior é o aumento da diminuição do volume sistólico. A redução
frequência cardíaca, mas menor é o aumento da pressão arterial parece diferir entre os
da pressão arterial Embora as respostas indivíduos, de modo que alguns respondem
cardiovasculares aos exercícios dinâmicos em função da redução do débito cardíaco e
e estáticos sejam bem características, na outros, em função da redução da resistência
prática diária, os exercícios executados vascular periférica. Independentemente
apresentam componentes dinâmicos do mecanismo hemodinâmico sistêmico,
e estáticos, de modo que a resposta a resistência vascular muscular está
cardiovascular a esses exercícios depende reduzida após o exercício, o que se deve
da contribuição de cada um desses à vasodilatação muscular mantida após o
componentes. Nesse sentido, os exercícios exercício. Um dos mecanismos responsáveis
resistidos ou exercícios de musculação, por essa vasodilatação é a redução da
possuem papel de destaque, pois quando atividade nervosa simpática. Um aumento
executados em altas intensidades, apesar de na sensibilidade barorreflexa até 60 minutos
serem feitos de forma dinâmica apresentam após a execução de exercício sugere que
componente isométrico bastante, fazendo alterações reflexas no controle da pressão
com que a resposta cardiovascular durante arterial também podem influenciar na
sua execução assemelhe-se àquela observada resposta observada na fase de recuperação.
com exercícios estáticos, ou seja, aumento Em relação aos exercícios resistidos, a queda
da frequência cardíaca e, principalmente, da pressão arterial pós-exercício se deve à
aumento exacerbado da pressão arterial, redução do débito cardíaco por diminuição do
que se amplia à medida que o exercício volume sistólico, sendo que essa queda não
vai sendo realizado. Além das alterações é compensada pelo aumento da resistência
cardiovasculares observadas durante a vascular periférica. Outro aspecto importante
execução do exercício físico, algumas é que, além do exercício, outras condutas
modificações ocorrem após a finalização do comumente utilizadas em sessões de
exercício. Dentre elas, uma que tem atraído condicionamento físico, como o relaxamento
muito a atenção é o fenômeno da hipotensão também possuem efeito hipotensor após sua
pós- exercício. realização.
Em relação ao exercício aeróbio, a Os efeitos do treinamento físico sobre o
influência da duração desse exercício está nível tensional em repouso de indivíduos
bem demonstrada, apontando para o normotensos e hipertensos tem sido objeto
fato de que exercícios mais prolongados de vários estudos. Há um consenso na
possuem efeitos hipotensores maiores e literatura de que o treinamento físico leva à
mais duradouros.. Na realidade, a execução diminuição da pressão arterial de repouso.
de outras medidas conjuntas à medida da O treinamento físico restaura a sensibilidade
pressão arterial pode ser responsável pela do reflexo pressorreceptor e cardiopulmonar,
diferença de respostas observada, ou seja, o além de aumentar a atividade aferente
exercício mais intenso promove uma maior pressorreceptora a variações na pressão
redução da resposta de alerta às medidas arterial. O efeito crônico do exercício físico
hemodinâmicas, fazendo com que quando sobre a frequência cardíaca têm mostrado
essa medida for feita junto com a medida ter uma relação direta entre a frequência
de PA, o efeito hipotensor dessa execução cardíaca de repouso ou submáxima e
seja evidente. Outro fator relevante quando risco de desenvolvimento de doenças

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Adaptações do sistema cardiorrespiratório

cardiovasculares, ou seja, indivíduos com


VOLUME SISTÓLICO MÁXIMO
menor frequência cardíaca em repouso
ou menor taquicardia durante o exercício
físico submáximo apresentam menor 40% do VO2 max
VS
probabilidade de desenvolverem cardiopatias.
ml
O treinamento físico aeróbio resultava em 180 ml
bradicardia de repouso e que o mecanismo
110 ml
associado a essa resposta era uma
diminuição na frequência cardíaca intrínseca
e também está associada ao aumento ao
tônus vagal cardíaco, seguida por uma menor VO2
intensificação simpática. l/min

Figura 9. Ajustes do volume sistólico em exercício


de carga progressiva, antes (vermelho) e após o
FC treinamento aeróbio (azul).

b.p.m.

O leito vascular muscular pela sua


extensão desempenha um papel importante
na regulação da pressão arterial. Numa
situação de exercício, a resposta central ao
início do mesmo é uma descarga simpática
VO2 pela libertação sistêmica (supra-renal)
l / min e local de adrenalina e noradrenalina
respectivamente. A noradrenalina, atuando
Figura 8. Ajustes da frequência cardíaca em exer- sobre receptores, produz principalmente
cício de carga progressiva, antes (azul) e após o vasoconstricção, enquanto que a adrenalina
treinamento aeróbio (vermelho).
tem uma ação predominante, induzindo
vasodilatação. Em doses altas, a adrenalina
produz igualmente vaso constrição. Nos
O fluxo sanguíneo ao tecido muscular músculos envolvidos no exercício físico,
sofre um aumento durante os exercícios contudo, os fatores locais de regulação
dinâmicos. No repouso, os vasos musculares vascular sobrepõem-se aos fatores neurais.
encontram-se sob o controle do sistema Os metabólitos produzidos, o aumento da
nervoso simpático e, permanecem em vaso pressão parcial de CO2, uma hipóxia local, as
constrição. Os esfíncteres pré-capilares perdas de potássio para o meio extracelular,
impedem parcialmente o fluxo sanguíneo no a acidificação do mesmo e a libertação
leito vascular muscular. Em repouso, o tono de adenosina atuam diretamente sobre o
simpático é influenciado principalmente pela músculo liso vascular, relaxando-o. O sangue
informação proveniente dos barorreceptores é assim efetivamente desviado da circulação
periféricos, nomeadamente do seio carotídeo. esplânquica, cutânea e dos leitos dos
Um aumento de pressão nesses receptores músculos inativos para as regiões de maior
leva a uma queda no tono simpático consumo de energia, oxigênio e de maior
muscular, causando uma vasodilatação. produção de metabolitos.

12
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

DÉBITO CARDÍACO MÁXIMO PRESSÃO ARTERIAL E EXERCÍCIO

PS
DC PA

mm Hg
PD
P Difer.

VO2 EXERCÍCIO

Figura 10. Ajustes do débito cardíaco em exercício Figura 11. Ajustes da pressão arterial em exer-
de carga progressiva, antes (vermelho) e após o cício de carga progressiva, pressão sistólica e
treinamento aeróbio (azul). diastólica (azul) e diferencial (vermelho).

Existem regiões, como o cerebral, Nas condições que se estabelecem


cardíaco, pulmonar e muscular respiratório, durante o exercício, as trocas são facilitadas
que possuem mecanismos próprios de pelo desvio da curva de dissociação da
regulação de fluxo que impedem a queda oxihemoglobina. A produção de CO2 e de
excessiva do fluxo sanguíneo. O fluxo ácido láctico, o aumento de temperatura
muscular pode aumentar cerca quinze a e o aumento de 2,3- difosfoglicerato nas
vinte vezes. Em determinados exercícios, hemácias desviam a curva para a direita,
especialmente os isométricos e os isotônicos o que se traduz em uma maior dissociação
pós-carregados realizados contra resistência entre o oxigênio e a hemoglobina para
elevada a contração muscular intensa, qualquer pressão parcial. No final de um
exerce uma pressão sobre os vasos que exercício físico os membros envolvidos,
podendo causar à interrupção do fluxo na atividade, podem apresentar algum
venoso e depois do arterial. Em exercícios grau de edema. Isto se deve não só ao
com cargas menores, a contração muscular aumento de fluxo sanguíneo, mas também
dinâmica funciona como uma ação de bomba, a uma perda de fluídos para o espaço
favorecendo o retorno venoso. O aumento extracelular secundário ao aumento da
do retorno venoso é um importante fator osmolaridade do mesmo e ao aumento da
determinante da função cardíaca durante o pressão hidrostática nos capilares (maior
exercício pelo efeito de pré-carga. O aumento fluxo sanguíneo muscular). Ao aumento da
do consumo de oxigênio pelo músculo, pressão osmótica extracelular seguem-se
durante o exercício, se reflete no aumento do à perda dos íons potássio, para o espaço
gradiente da sua difusão. No interior da célula extracelular, os muitos potenciais de ação,
(especialmente nas fibras tipo I) a mioglobina em que a repolarização se através da perda
funciona simultaneamente como reserva e deste íon para o exterior. Paralelamente, há
como transportador de oxigênio. A tradução também uma entrada passiva de sódio para
imediata do consumo de oxigênio fenômeno o interior da célula. Nas células o balanço
é o aumento da diferença arteriovenosa de hidroeletrolítico é favorável à absorção de
oxigênio, que se reflete nas trocas gasosas grandes volumes de água e isto se verifica
pulmonares. em todas as intensidades de exercício,
invertendo-se apenas se a duração do mesmo
é extremamente longa. O aumento de

13
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

potássio plasmático na sequência do exercício


é um fenômeno complexo e que não depende
apenas do efluxo muscular e da contração de
volume plasmático.

Adaptações

cardiovasculares crônicas

O sistema cardiovascular sofre


transformações que o tornam mais capaz,
no longo prazo, de suprir o tecido muscular
em graus de atividade progressivamente
maiores. Os estudos sobre as adaptações
crônicas têm as suas origens na preocupação
sobre o desempenho dos atletas de provas Figura 12. Consumo máximo de oxigênio antes e
depois do treinamento físico.
de resistência e com o aparecimento de
ferramentas que a permitissem avaliarem
com objetividade e base cientifica essas No pulmão existe uma barreira física
adaptações. O índice aeróbio chamado de constituída pelas paredes dos alvéolos
consumo máximo de oxigênio, criado na e dos capilares e durante o exercício o
década de 60 permitiu a criação de um gradiente de oxigênio entre o sangue
instrumento cientifico, que mais tarde se venoso e o ar alveolar aumenta e há uma
revelou ser um bom instrumento para avaliar melhor distribuição da perfusão face à
indiretamente a função cardíaca. O consumo ventilação. Esses fatores contribuem para
máximo de oxigênio durante o exercício é que os pulmões sejam capazes de saturar
calculado como a diferença do conteúdo todo o sangue que passa pelos pulmões,
entre oxigênio entre o ar inspirado e o ar em qualquer situação. Nestas condições o
expirado. É igualmente possível calculá- sistema pulmonar não constitui uma limitação
lo pelo produto do débito cardíaco pela para o consumo de oxigênio. Indivíduos
diferença arteriovenosa de O2. Quando altamente treinados possuem um débito
consideramos a origem e o destino que esse cardíaco altamente elevado, resultando em
oxigênio tem após abandonar os espaços um fluxo sanguíneo extremamente rápido
alveolares, vemos que existe uma série de pelos capilares pulmonares, com perda de
sistemas entre os pulmões e as mitocôndrias capacidade de saturação. Nestes casos o
musculares que podem limitar a quantidade VO2máx encontra-se parcialmente limitado
de oxigênio que é possível transportar num pela função pulmonar. O débito cardíaco que
dado período de tempo. aumenta à custa da frequência cardíaca e do
volume sistólico, que se estabiliza perto de
50% do consumo máximo de oxigênio, não
sendo possível bombear mais sangue por
unidade de tempo, limitando o aumento do
VO2max.
Os músculos são capazes de consumir
mais oxigênio do que aquele que lhes chega
durante um exercício aeróbio que envolva
grandes grupos musculares, não usando

14
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

todo o seu potencial oxidativo. Apesar das percentagem do VO2máx. no limiar do lactato
barreiras físicas e enzimáticas que possam é uma informação sobre qual intensidade
existir, o tecido muscular não constitui de exercício que é possível sustentar,
um limite para a quantidade de oxigênio sem se recorrer ,de forma importante, à
consumida. Em um grupo populacional via anaeróbia lática. Este valor combina
heterogêneo podemos achar quais os simultaneamente informação sobre o sistema
melhores atletas de resistência pelo VO2máx, cardiovascular e muscular, ao mesmo tempo
mas em indivíduos com valores próximos, as em que a sua evolução acompanha mais
diferenças no desempenho não podem ser proximamente a do desempenho com o treino
avaliadas,então pelo VO2máx. em longo prazo. Permanece controverso
o eventual papel do aumento crônico da
contratilidade intrínseca do miocárdio,
embora existam evidências da alteração da
cinética do cálcio com o treino.
A diferença entre atletas treinados e
sedentários não exceda os 10% no diâmetro
ventricular, mas essa se traduz em um
aumento de volume de 33%. Em algumas
semanas, o músculo cardíaco adapta-se
a uma subida da sua carga de trabalho
mantendo constante a tensão sobre a parede
de acordo com a lei de LaPlace, através da
Figura 13. Consumo máximo de oxigênio de difer- dilatação global das câmaras cardíacas.
entes atletas. O exercício isométrico leva a outro
padrão de hipertrofia. O coração responde
à pós-cargas elevadas, aumentando sua
A aplicação destes testes para determinar espessura sem aumentar, significantemente
o consumo máximo de oxigênio tem se as dimensões das câmaras cardíacas.
generalizado nas últimas décadas, e os Os exercícios de resistência causam um
fatores genéticos ainda são considerados os aumento progressivo e proporcional à
principais determinantes do VO2máx e dá intensidade do trabalho cardíaco, ou seja,
sua evolução entre os indivíduos. Quando se da frequência, tensão parietal e velocidade
treina indivíduos sedentários verifica-se uma de encurtamento, que simultaneamente
rápida evolução do VO2máx. nos primeiros são os maiores determinantes do consumo
meses de treino. Para esse aumento são de oxigênio pelo miocárdio. Para acomodar
importantes as adaptações musculares e estas exigências o fluxo vascular coronário
periféricas, que passam pelo aumento da acompanha aguda e cronicamente a evolução
capilaridade, da densidade mitocondrial e da intensidade do trabalho cardíaco. A rede
enzimática e pela capacidade de recrutar vascular coronária apresenta um aumento da
mais fibras musculares. Um fator importante densidade capilar cardíaca, e se agudamente
para a evolução do VO2max em sedentários o papel da pré-carga é secundário na
encontra-se a evolução técnica na execução adaptação ao exercício físico é mais incerto
do exercício que melhora a economia do o seu papel em longo prazo. O treino um
movimento. Este termo classifica a eficiência aumento da volemia e que apesar pequena
mecânica, o custo de oxigênio para a do ponto de vista quantitativo parece ser
realização de um movimento. Atualmente é vantajosa durante o exercício. A expansão
possível encontrar outras ferramentas que artificial do volume plasmático, através da
nos dão uma visão mais global e completa. A autotransfusão, causa temporariamente

15
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

um aumento do desempenho, que é estirados. Pensasse que nestas condições


traduzido por um maior VO2máx. e por se atenua a resposta cronotrópica positiva
um maior volume de ejeção. O papel ao estiramento. Outro mecanismo proposto
da pós-carga no desempenho cardíaco para explicar a bradicardia em repouso
é facilmente compreendido se levarmos é o efeito de feedback negativo exercido
em consideração que é um determinante pelos barorreceptores carotídeos perante o
essencial do débito cardíaco. Se este último aumento do débito cardíaco.
parâmetro aumentasse isoladamente, sem as
concomitantes alterações periféricas, a subida Ajustes ventilatórios
rápida de pós-carga limitaria os benefícios do
seu aumento. O sistema pulmonar se adapta ao
Uma importante modificação induzida pelo treinamento, com uma redução na
treinamento, principalmente o aeróbio, é por ventilação pulmonar durante o exercício
isso o crescimento do numero dos capilares submáximo. Em geral, o volume corrente
musculares e as alterações da regulação aumenta e a frequência respiratória diminui.
do tono arteriolar. Em treinados estes Consequentemente, o ar permanece nos
fatores atuam reduzindo a pós-carga para pulmões por um período mais longo entre os
níveis fisiológicos aceitáveis. Ao contrário ciclos respiratórios, resultando em uma maior
do que seria de esperar observando os extração de oxigênio do ar inspirado. O ar
fenômenos agudos, os atletas não possuem expirado em indivíduos treinados, durante
maiores frequências cardíacas em esforço. o exercício submáximo, contém entre 14
A frequência cardíaca máxima permanece a 15% de oxigênio, enquanto em pessoas
a mesma ou diminui ligeiramente e parece destreinadas contém, em média, 18% para
se relacionar com a idade e não com a a mesma quantidade relativa de exercício.
treinabilidade. É importante que para o As pessoas destreinadas ventilam mais para
mesmo esforço, ou para o mesmo consumo conseguir o mesmo consumo submáximo de
de oxigênio, a frequência cardíaca é inferior oxigênio.
à dos indivíduos não treinados. Em repouso,
os valores podem ser classificados como
bradicardicos. Estas diferenças refletem
as alterações na regulação autonômica
que não estão ainda completamente
esclarecidas. Com o efeito do treino, a
remoção parassimpática que é parcialmente
responsável pela maior frequência
cardíaca em exercício torna-se menos
marcada durante a atividade. Em repouso
existe igualmente um acentuar do tono
parassimpático. Os níveis de catecolaminas
circulantes e no tecido cardíaco não sofrem
Figura 14. Ventilação pulmonar durante o exercí-
alteração quando são comparadas situações cio de carga progressiva, antes e depois do trei-
de idêntica percentagem relativa do esforço namento.
máximo. O ritmo de descarga intrínseco
(após bloqueio adrenérgico e colinérgico) Existe uma especificidade para as
do tecido pacemaker do nodo SA torna- respostas ventilatórias em relação ao tipo de
se menor e por razões 18 desconhecidas exercício e às adaptações ao treinamento.
todos os tecidos pacemaker aumentam Quando os indivíduos realizavam exercício
a sua frequência de descarga quando apenas com os braços e apenas com as

16
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

pernas, ocorriam equivalentes ventilatórios ao treinamento são benéficas para o


mais altos com os braços. A redução ocorria desempenho nos exercícios por que:
somente com o exercício que utilizava ●● Reduzem as demandas ener-
os músculos treinados. Para o grupo géticas do exercício global, em
treinado por ergometria representada por virtude de um menor trabalho
uma manivela acionada com os braços, o respiratório.
equivalente ventilatório diminuía somente ●● Reduzem a produção de lactato
durante o exercício realizado com os braços pelos músculos ventilatórios du-
e vice-versa para o grupo que recebia rante o exercício prolongado de
treinamento para as pernas. A adaptação alta intensidade
ventilatória relacionava- se intimamente ●● Aprimoram a maneira pela qual
com uma elevação menos pronunciada no os músculos ventilatórios metab-
lactato sanguíneo e na frequência cardíaca olizam o lactato circulante como
durante o exercício com treinamento combustível metabólico
específico. Isso sugere que as adaptações
locais nos músculos especificamente
treinados afetam os ajustes ventilatórios ao
exercício. Os níveis mais baixos de lactato
com o treinamento eliminam o impulso
para a ventilação proveniente de qualquer
quantidade adicional de dióxido de carbono Figura 15. Ajustes da ventilação pulmonar em
função da PO2 e da PCO2 arterial.
produzido no tamponamento do lactato. A
fadiga dos músculos inspiratórios pode ocorre
durante o exercício intenso e prolongado. Consumo máximo de
Esses exercícios reduzem a capacidade
dos músculos abdominais de gerarem uma oxigênio e limiar anaeróbio
pressão expiratória máxima. O treinamento
eleva a capacidade de suportar níveis altos
de ventilação submáxima. O treinamento de O consumo máximo de oxigênio (VO2
endurance estabiliza o meio interno durante máx.) pode ser definido como o maior
o exercício submáximo, causando um menor volume de oxigênio por unidade de tempo
desequilíbrio hormonal e ácido-básico total, que um indivíduo consegue captar, respirando
que poderia afetar negativamente a função ar atmosférico durante a realização de um
dos músculos inspiratórios. Os músculos exercício aeróbio. Isto acontece quando se
respiratórios são beneficiados também atinge o débito cardíaco máximo, e ele não
diretamente pelo treinamento com exercícios. aumenta mesmo com incremento na carga
Cinco meses de treinamento aeróbios de trabalho muscular, em exercício de carga
aprimoravam a endurance dos músculos progressiva. O VO2 máx. é considerado
respiratórios em aproximadamente 15%. um dos parâmetros de grande importância
O aumento causado, pelo treinamento, nos como preditor de desempenho físico, pois a
níveis das enzimas aeróbicas e na capacidade capacidade para realizar exercícios de longa
oxidativa da musculatura respiratória e média duração depende principalmente do
contribui para aprimorar a função dessa metabolismo aeróbio. Há aumento de 4 a
musculatura. O treinamento aumenta a 10% dos valores de VO2máx em indivíduos
capacidade dos músculos expiratórios de submetidos a programas de treinamento
gerar força e suportar um determinado nível com pesos, visando a resistência muscular
de pressão inspiratória. Essas adaptações e hipertrofia. Esse tipo de treinamento,
no entanto, não resultaria no aumento da

17
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

densidade capilar, podendo inclusive, haver


uma redução no número de capilares por
fibra e também diminuição da densidade
mitocondrial que dificultaria os processos
metabólicos oxidativos, não alterando de
forma significativa os valores de VO2máx.
O consumo de oxigênio de pico é afetado
minimamente pelo treinamento de resistência
com sobrecarga, e a busca para entender
Figura 16. Limiar anaeróbio encontrado, utilizan-
os efeitos do treinamento com sobrecarga do-se o método ventilatório.
sobre o consumo de oxigênio e melhoria
da capilarização do sistema muscular ainda
desperta interesse. Os valores absolutos O limiar anaeróbio também pode
O do VO2max são de 40 a 60% mais altos determinado através do uso de
nos homens que nas mulheres. individuo procedimentos invasivos, durante um teste
do sexo masculino terá um VO2max de de esforço físico incremental. Esse parâmetro
aproximadamente 3,5 litros / minuto e 45 ml de capacidade aeróbia tem sido identificado
/ kg / min. No esporte, onde a resistência é por meio da variação da concentração
um componente importante no desempenho, sanguínea de lactato.
tais como ciclismo , remo, natação e correr
, os atletas de nível internacional em geral
têm altos valores de VO2max, normalmente
superiores a 75 ml / kg / min e alguns casos
pode alcançar valores próximos a 85 ml / kg
/ min para homens e 70 ml / kg /min.
O limiar anaeróbio é a transição do
metabolismo aeróbio sem acumulo de lactato
para o aeróbio com acumulo de lactato
e, portanto acidose metabólica. O limiar
anaeróbio é um índice que mede a aptidão
Figura 17. Limiar anaeróbio encontrado, utilizan-
física, que quando medido exclusivamente do-se o método do lactato, em um individuo antes
em função das trocas respiratórias recebe e depois do treinamento.
a denominação de limiar ventilatório. A
ergoespirometria é um procedimento não
invasivo, utilizado para avaliar o desempenho Os mecanismos fisiológicos que limitam o
físico ou a capacidade funcional de um limiar anaeróbio ainda não estão totalmente
indivíduo, conciliando a análise de gases esclarecidos, mas a utilização prática é útil
expirados, variáveis respiratórias. Esse para a prescrição de exercícios e avaliar
método tem sido útil na determinação de melhoras causadas pelo treinamento
fatores ligados a desempenho, a identificação aeróbio. O limiar de anaeróbio é considerado
de intolerância ao exercício, a determinantes um ótimo marcador da transição entre o
de transição metabólica e a prescrição de trabalho aeróbio sem acumulo de lactato
intensidade do exercício. e o metabolismo aeróbio com aumento da
lactacidemia.
Embora exista ainda muita controvérsia
sobre os mecanismos básicos do limiar
anaeróbio, mesmo assim tem sido
amplamente utilizado. A principal aplicação

18
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

prática que a determinação do LA pode um elevado componente genético e é o


apresentar é a prescrição da intensidade mais sensível indicador das adaptações
adequada para o treinamento aeróbio. de treinamento especialmente em atletas
Encontramos também o uso do LA na altamente treinados. A medida do LA é mais
predição do desempenho em atividades bem correlacionada com o desempenho de
de endurance e a avaliação dos efeitos do endurance que o VO2max e sua medida
treinamento aeróbio. Respeitando o princípio fornece informação para otimizar as cargas
da especificidade, e eliminando a necessidade de treinamento, para prevenir “overreaching”.
de ergômetros específicos. As avaliações de
atletas de elite têm procurado aproximar-
se o máximo possível, do gesto desportivo
praticado pelo atleta no treinamento e na
competição. Desta forma, nadadores são
avaliados na piscina e atletas que se utilizam
da corrida, como corredores, jogadores
de basquete, vôlei, futebol, handebol,
entre outros, são avaliados em pista de
atletismo. Assim as avaliações e prescrições,
principalmente do treinamento aeróbio para
ciclistas, tem se baseado em testes que se
utilizam do ciclo ergômetro. Em função disso,
pouca atenção tem sido dada à tentativa de
padronização de um teste de campo para a
determinação do LA no ciclismo, bem como,
para as possíveis aplicações e limitações que
as informações obtidas nestes testes podem Figura 18. Limiar anaeróbio antes e depois do
treinamento aeróbio.
apresentar. Em termos práticos, a aplicação
deste conceito permite a identificação de
modo não invasivo, através de parâmetros
ventilatórios, da intensidade de exercício em A frequência cardíaca é de fundamental
que o metabolismo anaeróbio complementa a importância para que tenhamos um marcador
energia produzida por mecanismos oxidativos de carga adequado para podermos aplicar,
e o consequente posterior desenvolvimento no dia a dia, o conceito de carga de trabalho
de fadiga acúmulo de íons H+. Entretanto, e treinamento aeróbio. Os monitores
as bases conceituais da hipótese do LA cardíacos são uma ajuda simples e efetiva ao
têm sido sistematicamente criticadas. As treinamento. Correr dentro de uma zona de
principais críticas estão relacionadas aos frequência cardíaca específica, assegura estar
mecanismos originalmente propostos para treinando na intensidade apropriada Utilizar
explicar o aumento da síntese muscular de a frequência cardíaca do LA faz com que o
ácido lático e associação entre os limiares treino ocorra com a intensidade adequada.
Alguns autores, por exemplo, ao observarem Caso se tenha aumentado substancialmente
a ocorrência de adaptações ventilatórias o nível de treinamento, deve-se testar a
dissociadas da acidose metabólica em frequência cardíaca do LA, pois essa pode
estudos utilizando depleção de glicogênio variar ligeiramente. De forma similar, caso
sugerem que a relação entre os limiares é se tenha ficado um longo período inativo, se
apenas incidental e a hipótese proposta para deve verificar a frequência cardíaca do LA,
explicar o fenômeno LA incorreta. O LA é pois ela pode ter se elevado.
mais sensível que VO2max, que apresenta

19
Adaptações do sistema cardiorrespiratório

FC do LA

Figura 19. Frequência cardíaca do limiar anaer-


óbio, usada como marcador de carga.

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