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DIREITO CIVIL II

PLANO DE VALIDADE
DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO: COAÇÃO
Prof. PEDRO ANTONIO RIBEIRO DE ANDRADE

"ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE ADESÃO PACTUADO


COM PREVI-BANERJ. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. COAÇÃO. DECADÊNCIA.
APLICAÇÃO DO ART. 178, § 9º, V, a, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.1. A parte autora,
ex-participante da PREVI-BANERJ, optou por meio de contrato de adesão, por ser
excluída do programa de benefícios, recebendo as contribuições vertidas, negócio jurídico
este, existente, válido e eficaz, somente podendo ser invalidado pela existência de algum
vício que o tenha maculado, obedecido, neste caso, o respectivo prazo decadencial.2.
Tendo o ato sido celebrado em 1998, sob a égide, portanto, do Código Civil de 1916, e
estando o apelante alegando a existência de vício de coação na assinatura do referido
contrato, incide à hipótese, o comando contido no art. 178, § 9º, V, a, do referido estatuto
civil vigente à época, que prevê o prazo de quatro anos para a anulação do aludido
contrato por vício de consentimento.3. Desprovimento do recurso, por ato do relator."
(TJ-RJ - APL: 32733320108190001 RJ 0003273-33.2010.8.19.0001, Relator: DES.
LETICIA SARDAS, Data de Julgamento: 23/09/2010, VIGESIMA CAMARA CIVEL).

1. CONCEITO

Segundo CARLOS ROBERTO GONÇALVES, “coação é toda pressão injusta sobre um indivíduo para força-
lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que caracteriza é o emprego da violência
psicológica para viciar a vontade. A coação é o vício mais grave e profundo que pode afetar o negócio jurídico,
mais até que o dolo, pois impede a livre manifestação da vontade, enquanto este incide sobre a inteligência da
vítima”.
Para PAULO LÔBO “a coação é ameaça à pessoa ou à família da outra parte capaz de incutir medo de dano
pessoal ou material caso não realize o negócio jurídico pretendido pelo coator. É o receio do mal que leva o
coagido ou coato, ilicitamente ameaçado, à manifestação ou declaração negocial. A manifestação de vontade
negocial do coagido, apesar de viciada, é consciente. O coagido vê-se diante do dilema de não realizar o negócio e
sofrer o provável dano ou realizá-lo para evitar este, com possibilidade de pleitear sua anulação”.
Na lição de PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, “enquanto o dolo manifesta-se
pelo ardil, a coação traduz violência. Entende-se como coação capaz de viciar o consentimento toda violência
psicológica apta a influenciar a vítima a realizar negócio jurídico que a sua vontade interna não deseja efetuar.”
DANIEL EDUARDO CARNACCHIONI, por sua vez, assevera que na coação “o sujeito acaba declarando uma
vontade por conta de pressão psicológica, apta a intimidá-lo. A coação para anular o negócio jurídico, deve ter
poder de intimidação, influenciando o sujeito de forma decisiva em relação à formação da vontade. A coação deve
ser a causa determinante da vontade”.

2. ESPÉCIES DE COAÇÃO
DANIEL EDUARDO CARNACCHIONI aponta dois tipos ou espécies de coação:
a) COAÇÃO FÍSICA (vis absoluta)
Para o referido magistrado essa violência física exclui a vontade. A violência física atua no plano da
existência do negócio jurídico, pois a vontade manifestada não é do coagido e sim do responsável pela coação. Por
isso, nesse caso, não há vontade do coagido e, não havendo vontade, inexiste o negócio jurídico.
Segundo DANIEL EDUARDO CARNACCHIONI, “a violência física, também chamada de vis absoluta,
impede qualquer movimento corporal por parte do coagido, submetido a um processo de força física. É óbvia a
possibilidade de resistência em casos dessa natureza, mas tal possibilidade de superação da força do outro não
neutraliza o vício originário. Como assim? Se alguém é submetido a um processo de força física (Ex.: assina
escritura pública sob a mira de um revólver), essa violência física inicial é suficiente para tornar a vontade
manifestada inexistente, ainda que houvesse grande possibilidade de reação da vítima. A coação física originária é
suficiente para anular qualquer vontade exteriorizada”.

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A maioria da doutrina sustenta que a violência física anula completamente a vontade. No entanto, há
quem defenda a violência física pode, em situações excepcionais, se situar no plano de validade, assim como a
coação moral. Isso ocorrerá quando houver possibilidade de resistência ou superação da ameaça por parte do
coagido.
Na verdade, se houver possibilidade de resistência por parte do coagido é porque a coação é apenas moral
e não física. Na coação física a violência corporal, não se pode exigir resistência do coagido pressionado que está
com os movimentos corpóreos tolhidos, eliminando completamente a sua vontade.
Por isso, DANIEL EDUARDO CARNACCHIONI, PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO
defendem a coação moral como a única capaz de invalidar o negócio jurídico, estando a física situada no plano de
existência.
b) COAÇÃO MORAL (vis compulsiva)
A coação moral atua no plano de validade, pois, quem manifesta a vontade é o coagido, a vontade é deste,
mas é uma vontade viciada por uma pressão psicológica.
A coação é uma espécie de vício de consentimento, mas apenas a que resulta da violência moral, onde o
coagido formula uma emissão de vontade, mas maculada.
Nas palavras de PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, “por não tolher
completamente a liberdade volitiva, é causa de invalidade (anulabilidade) do negócio jurídico, e não de
inexistência. Figure-se o exemplo do sujeito que é ameaçado de sofrer um mal físico se não assinar determinado
contrato. Embora se lhe reconheça a opção de celebrar ou não o negócio, se o fizer não se poderá dizer que
externou livremente a sua vontade, Poderá, pois, anular o contrato”.
No magistério de MARIA HELENA DINIZ, "a moral ou vis compulsiva atua sobre a vontade da vítima, sem
aniquilar-lhe o consentimento, pois conserva ela uma relativa liberdade, podendo optar entre a realização do
negócio que lhe é exigido e dano com que é ameaçada. P. ex.: o assaltante que ameaça a vítima dizendo : "a bolsa
ou a vida"; esta tem uma alternativa, ou entrega a bolsa ou sofre as consequências da ameaça - persa da vida.

3. REQUISITOS PARA A CARACETRIZAÇÃO DA COAÇÃO


Para a caracterização da coação faz-se necessário a conjugação dos seguintes requisitos: 1º Requisito:
poder de intimidação e gravidade da ameaça; 2º Requisito: ameaça como causa determinante da coação; 3º Requisito:
ameaça deve ser injusta; 4º Requisito: ameaça de dano atual ou iminente e proporcional ao mal prometido; e 5º
Requisito: destinatário do mal prometido.
1º Requisito: PODER DE INTIMIDAÇÃO e GRAVIDADE DA AMEAÇA.
A coação moral somente será eficaz se incutir na vítima fundado temor de nado à sua pessoa, à sua
família ou aos seus bens.
A pressão psicológica ou força externa deve ser intensa a ponto de intimidar, amedrontar, aterrorizar a
vítima ou coagido. Em razão desse medo provocado pela violência ou coação moral, acaba cedendo e
exteriorizando uma vontade que não seria exteriorizada se não fosse a coação.
A vítima é submetida a um intenso processo de constrangimento, pressão psicológica e, por conta de sua
estrutura emocional, cede à pressão por não ter condições de suportá-la.
A coação terá o poder de intimidar a vítima quando for grave. O Art. 151 do CC/02 evidencia essa
gravidade quando enuncia que a coação deve ser “tal”, ou seja, tão grave, que incuta ao paciente ou à vítima da
coação fundado temor de dano iminente.
O Art. 152 do CC/02 adotou um critério subjetivo para análise da coação, ao dispor:
Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
Desta forma, a gravidade da coação deve ser analisada levando-se em conta as peculiaridades indicadas
no Art. 152, acima transcrito. Assim sendo a personalidade e as características pessoais de cada pessoa
individualmente considerada. Não se adota aqui o critério do “padrão do homem médio”.

Imagine-se a situação em que um rapaz de 23 anos, forte, campeão de artes marciais, é ameaçado por
uma velhinha de 80 anos que, de posse de uma bengala, diz que se ele não fizer certa doação para ela, levará uma
surra de bengala. Dessa forma não há coação, vez que as circunstâncias do fato não influenciaram o sujeito em
relação à formação da vontade.
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2º Requisito: AMEAÇA COMO CAUSA DETERMINANTE DA COAÇÃO
Segundo HARILSON DA SILVA ARAÚJO, “não há que se falar em negócio viciado por coação pela
ocorrência de ameaça, pois além desta ter que ocorrer, deve o paciente realizar o negócio tendo em vista a ameaça
sofrida, ou seja, deve ela ser a causa do consentimento”.
Imagine-se a situação em que uma pessoa que deseja adquirir um certo bem por R$ 100,00, sofre ameaça
do vendedor para comprá-lo por este preço, sob pena de ser espaçando. Ora, aqui o negócio se faria
independentemente da ameaça realizada, logo não foi ela a causa do consentimento, motivo pelo qual não há que se
falar em anulabilidade do negócio.
3º Requisito: AMEAÇA DEVE SER INJUSTA
A ameaça, além de grave, com poder de intimidação, deve ser injusta. O Código Civil, no Art. 153,
afirma não se considerar coação a ameaça do exercício normal de um direito e nem o simples temor reverencial:

Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor
reverencial.
Não haverá coação se o sujeito estiver no exercício do direito subjetivo. Por exemplo, pode o credor
ameaçar o devedor de protestá-lo ou cobrá-lo judicialmente se a dívida não for paga imediatamente. Tal ameaça de
protesto e de cobrança judicial está nos limites do direito subjetivo. Verifica-se que o devedor está no Exercício
Regular de seu Direito.
Acerca do temor reverencial, nada mais é do que o temor de causar desgosto àquelas pessoas a quem se
deve obediência, seja, por laços familiares, seja por laços profissionais. O temor reverencial é o respeito entre
pessoas a quem se deve submissão ou onde houver uma relação de hierarquia. As pessoas a quem o coagido
socialmente deve respeito e, por essa razão, desenvolve um medo de contrariá-las, pode evidenciar um temor
reverencial. Tal temor, desde que não haja intimidação, não anula o negócio jurídico.
4º Requisito: AMEAÇA DE DANO ATUAL OU IMINENTE
O temor deve dizer respeito a um dano iminente, pois a ameaça que produz efeitos em futuro distante não
se mostra suficiente para coagir alguém a negociar, do modo a configurar o vício na vontade do agente.
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado
temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
A ameaça deve estar relacionada à consumação de um dano atual ou iminente à pessoa, família ou bens.
A expressão iminente não implica dizer que a ameaça deva se realizar imediatamente, podendo ser ela futura, desde
que haja incutido no paciente o temor de um mal inevitável.
Há um detalhe no Art. 151 do CC/02: o dano deve ser iminente e CONSIDERÁVEL. O que significa a
expressão “considerável”? O Art. 98 do CC/16 exigia que o dano fosse iminente e “igual, pelo menos, ao receável
do ato extorquido”. O atual Código Civil substituiu a expressão ‘igual ao menos’ pela expressão ‘considerável’.
No diploma anterior exigia-se um juízo de proporcionalidade e razoabilidade. O mal prometido na
ameaça levada a efeito deveria ser mais grave do que o negócio jurídico que se pretendia extorquir.
Veja-se o Art. 98 do CC/16:
Art. 98. A coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta ao paciente fundado
temor de dano à sua pessoa, à sua família, ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato
extorquido.
Na ponderação de valores, a vítima optava em se sujeitar à extorsão ou coação, porque o mal prometido
era mais grave do que o negócio objeto da coação. Por exemplo, se o coator ameaçasse matar o filho da vítima se
esta não assinasse um documento, na ponderação dos valores em jogo, a vítima optava pelo negócio extorquido,
uma vez que o mal prometido era mais grave. Entre os dois sacrifícios, a vítima opta pela declaração de vontade,
como sendo o mal menor, em prejuízo de valor e razoabilidade.

O atual Código Civil mantém essa proporcionalidade ou valoração quando exige o dano iminente e
considerável. O dano considerável refere-se ao mal prometido na ameaça. O mal prometido deve ser considerável a
ponto de levar a pessoa sacrificar outro bem jurídico para não submeter ao mal prometido.
O coator ameaça a vítima prometendo um mal menor do que o próprio negócio, não haverá coação. Por
exemplo, se o coator prometer por fogo no veículo da vítima cujo valor é de R$ 3.000,00, se ela assinar a escritura

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de venda de um imóvel no valor de R$ 30.000,00, não haverá coação, pois o mal prometido é muito menos grave
do que o negócio a ser extorquido com a ameaça. Essa ideia da proporcionalidade ou razoabilidade é exigida pelo
Art. 151 do Código Civil, quando expressa a necessidade do dano iminente ser considerável, ou seja, o mal
prometido é mais grave do que o negócio jurídico extorquido. Essa ponderação de valores é essencial para se
verificar a caracterização da coação.
5º Requisito: DESTINATÁRIO DO MAL PROMETIDO
O dano iminente e considerável ou o mal prometido pela ameaça pode estar relacionado à própria vítima
da coação, aos seus familiares ou aos seus bens (última parte do Art. 151).
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado
temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
4. COAÇÃO EXERCIDA POR TERCEIRO (Art. 154)
O Art. 154 do Código Civil permite a coação originária de um terceiro independente de ser ou não
conhecimento da parte a quem beneficie a coação.
Se o beneficiário tiver conhecimento da coação ou se, de qualquer modo, devesse ter, respondem o
terceiro e o beneficiário solidariamente perante o coagido, com perdas e danos. Por outro lado, se o beneficiário
desconhece a coação do terceiro, o negócio subsiste entre o beneficiário e a vítima, mas o autor da coação
responderá por todas as perdas e danos que houver causado à vítima.
É o que dispõe os artigos 154 e 155 do Código Civil:
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter
conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Seguindo os ensinamentos de HARILSON DA SILVA ARAÚJO “nos termos do dispositivo citado, o negócio
é anulável se a coação é praticada por terceiro contra uma das partes e a outra, que dela se beneficia, sabe ou
devesse saber da sua prática”.
ANULAÇÃO

A Negócio Jurídico B
“A” comprou
casa de “B” O terceiro
ciente da (3º) por meio
coação do de coação fez
terceiro (3º) ciência “B” vender
COAÇÃO imóvel a “A”

Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite
dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que
houver causado ao coacto.

O terceiro (3º)
“A” comprou por meio de
casa de B sem coação fez “B”
ter ciência da vender imóvel a
coação do “A”
terceiro (3º)
A Negócio Jurídico B

Sem
COAÇÃO
ciência

Nesse caso, tendo em vista a boa fé de “A”, o negócio não será anulado. “B” apenas tem direito a exigir
de do terceiro o ressarcimento por perdas e danos.
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