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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 1610/07.0TMSNT.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
EQUIDADE
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Data do Acordão: 18/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO
JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES -
MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDMENIZAÇÃO
Doutrina: - Ana Prata, in Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, in “Revista da Banca”, 16,
Outubro/Dezembro, 1990, p. 75 e segs.; Notas sobre responsabilidade pré-contratual,
Coimbra, 2005 (reimpressão), p. 40 e ss..
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 3ª edição, pp. 185 e 186, 190 a 193, 196, 198, 200,
201, 202, 205.
- Dário Moura Vicente, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Volume III, pp. 273,
doutrina e jurisprudência aí citadas, 274.
- Diez-Picazo, Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, I, 1996, Madrid, p. 278.
- Heinrich Ewald Höster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito
Civil, pp. 473, 474.
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pp. 69 e 70, 71, 73,
76, 77.
- João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, pp. 526 a 529.
- João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pp. 268 a 271.
- José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, pp. 441 a 446,
449; Direito Comercial, Volume IV, Sociedades Comerciais, 1993, p. 138.
- José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, p. 440.
- Mariana Fontes da Costa, Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção,
2011, p. 56.
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, pp. 299 a 302, 306 a 310.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pp. 490 a 495.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 232.º, 566.º, N.º3.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 7.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/5/01, IN CJ/STJ,2001, TOMO II, P. 71 E SS.;
-DE 29/1/04 (PROCESSO 03B4187), ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O iter negotii caracteriza-se por envolver duas fases distintas, a
negociatória, constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato,
e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, devendo as partes,
durante todo o percurso do caminho contratual, proceder segundo as
regras da boa fé, conforme prescreve o art. 227.º do CC.

II - A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da


expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada
pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa fé,
na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em
negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra

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parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo


antes de ter surgido qualquer contrato.

III - A relação pré-contratual estabelecida com os contactos e


negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de
elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa fé,
implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir
na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será
concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a
conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os
danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas
não pode ser arbitrária.

IV - Em concreto, se houve negociações avançadas entre os autores e os


réus, por forma a criar nestes legítimas expectativas de consumação do
negócio societário, com vista à exploração de uma loja, ao ponto de os
levar a um grande investimento de tempo, de entusiasmo, de trabalho e
de custos, envolvendo, inclusivamente, a família, a desistência dos réus,
sem justa causa, de formalizar o contrato implica responsabilidade pré-
contratual e a inerente obrigação de indemnizar os autores.

V - Esses danos correspondem, no caso, ao chamado interesse


contratual negativo ou da confiança, ou seja, os danos que os autores
não teriam sofrido se porventura não tivessem confiado na conclusão do
contrato de sociedade. Nessa medida, devem os réus proceder à
reconstituição da situação que existira anteriormente à criação da
confiança, designadamente reembolsando os autores das despesas que
efectuaram e dos trabalhos que realizaram, directamente ou através de
familiar, na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teriam
efectuado e realizado se não tivessem confiado), englobando tanto os
danos patrimoniais como os não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório
I – AA e sua mulher, BB, intentaram acção declarativa com processo
ordinário contra CC e mulher, DD, alegando, em síntese, que:
Em Maio de 2006, a autora, que tinha em mente a futura criação de um
espaço para venda de flores secas e outros artigos de decoração manual,
iniciou aulas de aprendizagem de artes decorativas ministradas pela ré,
no seu Atelier A..., que funcionava numa garagem sita em A....
Com o tempo, entre a autora e a ré foi-se desenvolvendo uma amizade
assente no gosto e interesse pelas artes decorativas, passando a pedido

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da ré a auxiliá-la na execução das montras e na ajuda da escolha de


materiais junto dos fornecedores, começando, nesse contexto, a planear
a criação de uma sociedade, atendendo aos anseios da autora e à
necessidade de um novo espaço da ré.
Em Junho de 2006, realizou-se uma reunião entre autores e réus que
decidiram criar uma sociedade, procurar um novo espaço para a
abertura da loja e manter a denominação (A...), mas gerida pela
sociedade.
No início do mês de Julho é celebrado o contrato de arrendamento da
loja sita no C..., em nome do réu, pagando este o mês de caução e os
autores a renda desse mês contra a entrega da chave, acordando que as
novas instalações abririam ao público a 16 de Agosto, após
remodelação e decoração da loja, bem como projecção da imagem,
criação e alteração da mesma, tarefas de que se encarregaram os
autores, enquanto aos réus caberia a tarefa de manter a antiga loja e
mudarem o material para a nova quando as obras estivessem
concluídas.
Na sequência disso fizeram diversos estudos para a decoração do
interior da loja, tomaram providências para o desenvolvimento da
imagem corporativa da A..., encomendaram materiais para as obras e
executaram-nas, realizaram trabalhos de estudo e tratamento de imagem
da loja, criaram cartazes e folhetos publicitários, que distribuíram,
criaram cartões de visita, etiquetas de identificação dos produtos e
página na internet, criaram o logótipo para a loja, tudo feito com o
conhecimento e aprovação dos réus que, ao longo do desenrolar das
obras, se deslocaram frequentemente à loja, mostrando grande
satisfação com aquelas.
Apesar de sucessivas insistências, os réus foram protelando a
constituição da sociedade, mas fizeram a mudança para a nova loja e,
após a abertura desta, a ré passou a comportar-se como única dona,
tratando a autora como empregada.
Os autores nunca chegaram a receber qualquer montante referente às
despesas realizadas e trabalho prestado, que avaliam em € 12.603,60.
Além disso, a autora, que à data se encontrava grávida, ficou
psicologicamente afectada, sentindo-se triste, deprimida e ansiosa em
resultado desse comportamento dos réus.
Com tais fundamentos, concluíram por pedir a condenação dos réus a
pagarem-lhes as quantias de € 12.603,60, relativa a despesas e trabalho
prestado, e de € 1.500,00, a título de indemnização por danos não
patrimoniais, acrescidas de juros moratórios à taxa legal desde a data da

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interpelação e até efectivo e integral pagamento.


Os réus apresentaram contestação a contrapor diferente versão factual
em que refutaram quaisquer negociações tendentes à constituição da
sociedade, desse modo, pugnando pela improcedência da acção e, em
reconvenção, pediram a condenação dos autores a pagarem-lhes a
quantia de € 3.942,80, relativa a material adquirido e não pago, bem
como a prejuízos decorrentes da impossibilidade de angariação de
alunas, através do site criado pelo autor, mas nunca disponibilizado,
acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção e
até integral pagamento.
Os autores responderam a pugnar pela improcedência da reconvenção e
a manter a sua posição inicial.
Saneado o processo e condensada a matéria de facto, realizou-se
audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos aí
prestados, e, dirimida a matéria de facto, foi proferida sentença que, na
total improcedência da acção e da reconvenção, absolveu réus e autores
dos respectivos pedidos.
O autores apelaram, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa
revogado a sentença, na parte em que absolvera os réus dos pedidos, e,
na parcial procedência da acção, condenou estes a pagarem aos autores
as quantias de € 7.704,34, a título de danos patrimoniais, e € 500,00, a
título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios, à taxa
legal, desde a citação e até integral pagamento.
Agora inconformados, interpuseram os réus recurso de revista,
rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões:
1. Atenta a factualidade provada nos autos, não existe responsabilidade
pré-contratual dos Recorrentes.
2. O Tribunal a quo ao condenar os Recorrentes por considerar existir
responsabilidade pré-contratual, violou o art. 227º, n.º 1, e o art. 405º,
n.º 1, do Código Civil.
3. As negociações e a fase preliminar de formação de um contrato
merecem a tutela do direito, exigindo-se que as partes ajam de acordo
com os princípios gerais de boa fé, nomeadamente, com os deveres de
protecção, deveres de informação e deveres de lealdade.
4. Vigorando na ordem jurídica portuguesa o princípio da liberdade
contratual, são as partes livres de celebrar ou não os contratos que
bem entenderem, devendo, no entanto, agir de acordo com os deveres
de protecção, informação e lealdade.

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