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22/10/23, 19:49 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 44/07.1TBGDL.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
BOA FÉ
DEVER DE LEALDADE
DANO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CULPA DO LESADO
INDEMNIZAÇÃO
REDUÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 16-12-2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANOXVIII, TOMO III/2010, P.211
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Ana Prata, ‘‘Notas sobre a responsabilidade pré contratual’’, in “Revista da Banca”, 16,
Outubro/Dezembro, 1990, 75 e segs..
- Manuel de Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª ed., 1963, pág. 402.
- Menezes Cordeiro, “Dolo na conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – “O Direito”,
125, 1993, I-II, 161.
- Mota Pinto, “A responsabilidade pré negocial pela não conclusão dos contratos”, 1963 –
separata do Boletim da FDC XIV.
- Vaz Serra, “Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 11.º, 227.º, NºS 1 E 2, 342.º, N.º2, 498.º, 570.º, NºS1 E 2, 799.º,
N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 4/4/2006 (WWW.DGSI.PT , SOB O N.º 06A222);
- DE 18/11/04, IGUALMENTE ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário : I - As regras da boa fé consagradas no art. 227.º do CC significam que,
nas negociações preliminares e preparatórias do contrato, as partes se
devem comportar como pessoas de bem, com correcção e lealdade.
II - Se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte
expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não
fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal
propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança
que a outra parte tenha formado na celebração deste, viola aquelas
regras, devendo indemnizar os prejuízos que cause.
III - A ordem jurídica pretende conciliar, na fase pré-contratual, o
interesse da liberdade negocial com o interesse criado pela confiança no
projecto de contrato.
IV - O dever de agir segundo os ditames da boa fé consagrado no citado
art. 227.º é válido tanto para os contratos consensuais como para os
contratos formais, proibindo toda a conduta consistente no rompimento
das negociações, que traduza uma apreciável falta de consideração
pelos interesses da contraparte, e originando a sua violação arbitrária e
culposa, isto é, merecedora de um juízo de censura ou reprovação, a
obrigação de indemnizar os danos causados.
V - Em princípio, apenas são objecto da obrigação de indemnizar os
danos que constituam lesão do chamado interesse contratual negativo

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ou interesse da confiança, ou seja, os danos que o lesado não teria


sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte
contrária.
VI - Podem também ser objecto de indemnização por culpa in
contrahendo os danos integrantes do interesse contratual positivo,
quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, já tenha sido obtido
acordo, faltando apenas a formalização do contrato, pois, nesse caso, é
de entender que existe um verdadeiro dever de conclusão, cuja violação
implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é,
considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da
celebração (formalização) do contrato e que não se obteve.
VII - O dever geral da boa fé na formação dos contratos desdobra-se em
vários deveres de actuação, em que se destacam o dever de informação,
os deveres de guarda e restituição, o dever de segredo, o dever de
clareza, o dever de lealdade e os deveres de protecção e conservação.
VIII - Os deveres de informação, clareza e lealdade, impõem a qualquer
das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções
negociais, nem os elementos no seu entender susceptíveis de
conduzirem à decisão de contratar ou não.
IX - A responsabilidade pré-contratual, por não determinar desde logo a
aplicação do regime próprio do contrato visado, mas já poder integrar
obrigações resultantes das próprias negociações e portanto já de
natureza negocial e não simplesmente derivadas de um dever de
conduta genérico, constitui um instituto de regime híbrido, situado a
meio caminho entre aqueles e justificativo da aplicação das normas
próprias de cada um daqueles outros dois regimes, ora de um, ora do
outro, conforme a situação concreta que se verifique, nomeadamente no
que respeita à norma constante do art. 799.º, n.º 1, do CC.
X - Assim, se no decurso das negociações forem desde logo alcançados
acordos de natureza contratual, embora não formalizados, justifica-se a
aplicação do regime da responsabilidade contratual, nomeadamente no
que à presunção de culpa se refere.
XI - A fixação da prescrição da responsabilidade pré-contratual nos
termos do disposto no art. 498.º do CC, para além de se justificar
perante a complexidade e carácter duvidoso da situação, que conduz a
uma mais rápida definição da situação jurídica, encontra-se
desacompanhada de qualquer outra regulamentação do instituto, o que
origina que se conclua que o legislador pretendeu a sua regulamentação
de acordo com a interpretação feita com base nos princípios gerais do
Direito e os plasmados naquele art. 227.º.
XII - Viola o dever de lealdade quem, tendo tomado a iniciativa de
negociações com outrem para celebração de um contrato de compra e
venda de um imóvel, desde que a contraparte nele levasse a cabo
alterações que lhe indicou, rompe as negociações, por desacordo quanto
ao preço, após a realização de tais obras, se não tiver sujeitado a
celebração do contrato à fixação de um determinado preço máximo.
XIII - Por força do disposto no art. 570.º, n.º 1, do CC, se a contraparte
executar as obras de alteração sem o prévio apuramento dos respectivos
custos e sem a correspondente informação à outra parte, assim

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contribuindo, por violação desse dever de informação, para os danos


que venha a sofrer, justifica-se a redução do montante indemnizatório à
luz de um critério de equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 23/01/07, AA-C... A... - Promoção Imobiliária, Unipessoal, Lda.,
propôs acção com processo ordinário contra BB e CC-Policlínica S...
J..., Lda., pedindo a condenação do réu, ou, subsidiariamente nos
termos do art.º 31º-B do Cód. Proc. Civil, da ré, no pagamento da
quantia de € 3.040,73 pelo custo financeiro do atraso na celebração dos
contratos definitivos, a quantia de € 3.040,73 a título de custo
financeiro do atraso na amortização dos empréstimos contraídos, a
quantia de € 1.942,52 correspondente ao custo que a autora teve que
suportar com a adaptação do projecto de arquitectura, e a quantia de
24.357,30 euros a título de obras suportadas com as alterações
introduzidas no imóvel por causa imputável aos réus, acrescidas de
juros de mora à taxa legal desde a citação até ao pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que ela autora é uma sociedade que se
dedica à indústria da construção civil e imobiliária, e nesse âmbito
construiu um edifício que incluía duas fracções no rés-do-chão
destinadas a habitação, em Grândola.
Em Setembro/Outubro de 2005 o réu visitou a obra de edificação e
mostrou-se interessado na aquisição das duas fracções de rés-do-chão
para aí instalar uma clínica caso as fracções pudessem ser licenciadas
para serviços, ficando unificadas numa só.
Então acordaram na venda das fracções por 200.000,00 euros e a autora
promoveu a alteração do alvará, a alteração ao projecto de arquitectura
– a qual foi feita mediante indicações expressas do réu -, e a realização
de obras de adaptação das fracções.
Em Maio de 2006, porém, o réu comunicou à autora que já não tinha
interesse na aquisição das fracções autónomas e, por isso, não iria
celebrar o negócio, sendo que desconhece se o réu actuou em nome
próprio ou em representação da ré.
Em face de ser ocasional a procura deste tipo de imóveis para esta
finalidade na localidade de Grândola e perante a desistência do réu, a
autora efectuou obras de readaptação do espaço novamente para a
finalidade de habitação.
A autora gastou € 1.942,52 no pagamento ao arquitecto das alterações
aos projectos, e € 24.357,30 nas obras que realizou. Acresce que as
obras originaram um atraso de sessenta dias na conclusão da obra, o
que impediu a obtenção das licenças de utilização e a realização das
escrituras, sendo que três das fracções já estavam prometidas vender
pelo preço total de 287.500,00 euros que a autora deveria receber na
data das escrituras definitivas.

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Assim a autora teve um atraso no recebimento deste valor deixando de


ganhar € 3.040,73 e teve custos financeiros - juros e encargos bancários
de igual montante por não poder amortizar o valor que pediu
emprestado antes desse período.
Contestaram os réus, impugnando parte dos factos articulados pela
autora e alegando, em síntese, que a ré explora uma clínica sita em
Grândola desde 1999, e, como se aproxima o fim do contrato de
arrendamento de duração limitada do imóvel onde está instalada, o réu
começou a procurar espaços para a instalação da mesma.
Nesse âmbito visitou o edifício que a autora estava a construir e iniciou
a negociação da aquisição das referidas fracções desde que as mesmas
pudessem ser utilizadas para serviços e existissem condições de preço
vantajosas.
Nesse sentido propôs dois preços alternativos e enviou a um arquitecto
um esboço de adaptação das fracções.
Todavia surgiu entre ele e a autora uma divergência fundamental no
respeitante ao preço, e por isso desinteressou-se do negócio nos
princípios de Março de 2006. Por isso, e por não ter sido por causa
imputável aos réus que as obras que a autora afirma ter levado a cabo
terão sido executadas, e que impugnam ser de adaptação, o atraso na
concretização de negócios também não lhes é imputável.
Acresce que a autora alega factos que sabe não corresponderem à
verdade, e por isso deve ser condenada como litigante de má fé.
Replicou a autora, rebatendo, em síntese, a atribuição de má fé.
Proferido despacho saneador que decidiu inexistirem excepções nem
nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo
considerada assente e elaborada a base instrutória, após o que se
realizou a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida
decisão sobre a matéria de facto instruenda.
Por fim foi proferida sentença onde se decidiu julgar parcialmente
procedente a acção, condenando-se a ré CC-Policlínica S... J..., Lda., a
pagar à autora a quantia de onze mil e trinta e sete euros e cinquenta e
dois cêntimos acrescida de IVA à taxa vigente em 2006 sobre a quantia
de nove mil e noventa e cinco euros, e juros de mora à taxa legal desde
a citação até ao pagamento, absolvendo a ré da parte restante do pedido,
e absolvendo o réu do pedido na totalidade, julgando por outro lado
improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má
fé.
Inconformada, a R. interpôs recurso de apelação, sem sucesso, uma vez
que a Relação negou provimento a tal recurso e confirmou a sentença
ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, pela
ré, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:

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1ª – A responsabilidade pré-contratual depende da verificação dos


requisitos fixados no n.º 1 do art.º 227° do Código Civil, a saber, um
facto voluntário, ilícito, culposo, de que resulte, como consequência
directa e necessária, um dano;
2ª - A A., empresa cuja actividade tem como objecto a promoção
imobiliária, tinha obrigação de, previamente à execução de qualquer
obra de alteração das fracções para adaptação a clínica médica, cuidar
da fixação de todos os elementos do negócio, incluindo o preço;
3ª - A Rte., não tinha obrigação de conhecer os meandros do negócio - a
sua actividade é a clínica médica - e tinha legítima expectativa de ver
reduzido o montante inicialmente pedido pela A. a título de preço;
4ª - Confrontada com a irredutibilidade do preço, e uma referência a
aumento, é legítima, lícita e não culposa a ruptura das negociações pela
Rte.;
5ª - Tendo o douto Acórdão, como a douta sentença para que remete,
feito errada valoração e ponderação crítica dos factos à luz dos dados da
experiência comum;
6ª - Pelo que, ao julgar verificados os requisitos de ilicitude e culpa da
responsabilidade pré-contratual da Rte., violou o disposto no n.° 1 do
art.º 227° do Código Civil;
7ª - Devendo ser proferido Acórdão revogando o douto Acórdão e,
julgando não verificados tais requisitos, absolvendo a Rte. do pedido;
8ª - A não ser assim, o que se admite, sem conceder, por mera cautela
de patrocínio, deverá reconhecer-se que estão abrangidos pelo nexo de
causalidade apenas os danos verificados até à data da ruptura das
negociações, em 28 de Fevereiro de 2006;
9ª - A não serem julgados inverificados os requisitos da
responsabilidade pré-contratual, mais uma vez sem conceder, deve
atender-se à culpa da A., quer na continuação da execução de obras de
adaptação após saber que o negócio não se iria concretizar,
10ª - Quer, fundamentalmente, por não ter acautelado, como lhe
competia como profissional da promoção imobiliária, a prévia
negociação de todos os elementos do contrato, incluindo o preço, antes
de iniciar qualquer obra de adaptação das fracções;
11ª - O que sempre poderia fazer, mesmo celebrando contrato-
promessa, condicionando-o à possibilidade física e legal de alteração do
uso das fracções;
12ª - Ao omitir tais deveres de cuidado, a A. agiu com culpa,
contribuindo decisiva e exclusivamente para a produção do dano, pelo
que, deve ser excluído o direito a indemnização, pelos alegados danos
anteriores a 28 de Fevereiro, porque outros nunca seriam
indemnizáveis, nos termos do n.° 1 do art.º 570° do Código Civil;

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13ª - Absolvendo-se a Rte. do pedido por Acórdão revogatório do douto


Acórdão recorrido e da douta sentença para cujos fundamentos remete.
***
Em contra alegações, a autora pugnou pela confirmação do acórdão
recorrido.
***
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que se mostram
assentes os factos seguintes:
1º - A autora é uma sociedade que tem por objecto a compra, venda e
revenda de bens imobiliários e indústria de construção civil.
2º - No exercício da sua actividade a autora procedeu à construção de
um edifício, projectado com diversas fracções autónomas, sito na Rua
D. A... H..., em Grândola.
3º - O projecto e licenciamento do prédio referido incluíam no rés-do-
chão duas fracções destinadas a habitação.
4º - Entre os meses de Setembro - Outubro de 2005 o réu BB visitou a
obra deste edifício mostrando-se interessado na aquisição de duas
fracções destinadas à habitação no rés-do-chão se as mesmas pudessem
ser licenciadas para serviços e ficassem unificadas numa só.
5º - O réu visava instalar uma clínica médica que a ré tem em
funcionamento noutro local de Grândola.
6º - O autor e o réu BB negociaram a aquisição das referidas fracções
do imóvel em construção.
7º - A dada altura o réu desinteressou-se do negócio.
8º - Houve lugar a um processo de alteração camarário de uso do
loteamento com vista à alteração do uso das fracções inicialmente
previsto.
9º - O réu enviou ao arquitecto DD um esboço de adaptação das
fracções à actividade da ré.
10º - O edifício referido tem edificadas várias fracções, incluindo as
duas que o réu pretendeu adquirir.
11º - A fracção correspondente ao rés-do-chão d... foi prometida vender
em 4 de Janeiro de 2007 a EE pelo valor de 92.500,00 euros.
12º - A fracção correspondente ao 1.° andar direito foi prometida
vender em 23 de Outubro de 2006 a FF pelo preço de € 95.000,00.
13º - A fracção correspondente ao 1.° andar esquerdo foi prometida
vender a GG e a HH pelo valor de € 100.000,00 euros.

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14º - A autora e a ré acordaram verbalmente a venda/compra das duas


fracções de rés-do-chão indicadas mas desentenderam-se quanto ao
preço em 28 de Fevereiro de 2006.
15º - Porque o acordo referido implicava uma alteração da obra em
construção foi elaborado um projecto de alterações ao projecto já
licenciado.
16º - As alterações efectuadas na obra consistiram na alteração da
estrutura em betão armado, incluindo rebaixamento de fundações,
acrescento de pilares de construção de muro de suporte de terras e
acrescento de pé direito em 30 centímetros.
17º - Após orçamento datado de 9 de Março de 2006 também
consistiram na marcação de paredes divisórias e assentamento de tijolo,
na demolição de alvenarias existentes e carrego de entulhos e alteração
das janelas para portas de sacada em dois vãos da fachada principal.
18º - O réu entregou à autora os elementos de identificação para
posterior formalização de um negócio.
19º - Os elementos indicados referiam-se à ré CC-Policlínica de S... J...,
Lda.
20º - Por ser mais fácil encontrar comprador para fracções para
habitação a autora regressou ao projecto original.
21º - Em consequência, executou saídas de fumo, incluindo abertura de
roços em lajes, construção de chaminés no telhado, abertura de porta de
entrada no apartamento, rectificação da ombreira e carrego de entulho,
construção de nova parede divisória entre as cozinhas em tijolo 19 x 24
x 30 e alteração da rede de gás para dois contadores.
22º - Em virtude das obras indicadas ocorreu um atraso de trinta dias
úteis na conclusão da obra.
23º - A autora pagou ao arquitecto o trabalho pelas alterações ao
projecto inicial no valor de 1.942,52 euros.
24º - Pelas obras indicadas a autora pagou a quantia de 14.870,90 euros,
nos termos seguintes:
25º - Alteração da estrutura em betão armado, incluindo rebaixamento
de fundações, acrescento de pilares e construção de muro de suporte
para encosto de terras, no valor de 4.750,00 euros, acrescido de IVA;
26º - Acrescento do pé direito em 30 centímetros, incluindo tijolo,
estuque projectado, pinturas e azulejos, no valor de 1.545,00 euros,
acrescido de IVA;
27º - Marcação de paredes divisórias e assentamento de tijolo no valor
de 925,00 euros, acrescido de IVA;
28º - Demolição das alvenarias existentes, incluindo parede divisória
entre cozinhas, e carrego do entulhos, no valor de 1.100,00 euros,
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acrescido de IVA;
29º - Alteração de janelas para portas de sacada em dois vãos da
fachada principal (demolição de paredes e carrego de entulhos) no valor
de € 190,00, acrescido de IVA;
30º - Execução de saídas de fumos, incluindo abertura de roços em lajes
e construção de chaminé no telhado, no valor de € 2.800,00, acrescido
de IVA;
31º - Abertura para porta de entrada do apartamento, rectificação de
ombreiras e carrego de entulhos, no valor de € 265,00, acrescido de
IVA;
32º - Construção de nova parede divisória entre cozinhas em tijolo
19x24x30 no valor de 325,00 euros, acrescido de IVA; e
33º - Alterações na rede de gás para dois contadores por ter sido
considerado apenas um contador para uma fracção no valor de €
390,00, acrescido de IVA.
***
Como se vê pela análise das conclusões das alegações da recorrente,
começa esta por suscitar a questão de saber se incorreu ou não em
responsabilidade pré-contratual ao recusar celebrar com a autora o
contrato de compra e venda das fracções aludidas após o decurso de
negociações tendencialmente conducentes à conclusão desse contrato,
sustentando ela que tal responsabilidade não lhe pode ser imputada, por
inverificação dos requisitos de ilicitude e culpa sua.
Nos termos do art.º 227º, n.º 1, do Cód. Civil, “quem negoceia com
outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares
como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena
de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Tais regras da boa fé consagradas no art.º 227º significam que, nas
negociações preliminares e preparatórias do contrato, as partes se
devem comportar como pessoas de bem, com correcção e lealdade; pelo
que, se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte
expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não
fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal
propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança
que a outra parte tenha formado na celebração deste, deve indemnizar
os prejuízos que causa.
É que a ordem jurídica pretende conciliar, na fase pré-contratual, dois
interesses a salvaguardar: por um lado, o interesse da liberdade
negocial, que impõe que às partes, até ao último momento, seja
reconhecida liberdade de optar entre contratar ou não; por outro, o
interesse criado pela confiança no projecto de contrato, quer dizer, a
legítima expectativa de contratar que as próprias negociações vão
consolidando, pois que normalmente tal expectativa vai aumentando à
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medida que as negociações vão avançando e as partes vão chegando a


acordos parcelares ou suportando despesas e encargos relacionados com
essas negociações.
Há, assim, que verificar se a ora recorrente terá actuado, no decurso das
negociações que teve com a autora com vista à celebração do contrato
de compra e venda das aludidas duas fracções, de forma a violar aquele
princípio da boa fé, o que a recorrente sustenta não ter acontecido na
medida em que, segundo entende, o rompimento das negociações pela
sua parte não foi arbitrário mas resultante de desacordo quanto ao preço
a praticar.
Ora, na fase preliminar, vestibular ou negociatória, que se desenrola
durante um período de duração variável no decurso do qual se prepara,
discute e até, tantas vezes, se celebram acordos parcelares que podem
eles próprios originar obrigações contratuais, as partes usufruem de
uma liberdade muito maior que na fase posterior à conclusão do
negócio, podendo sempre proceder a reformulações ou a
reajustamentos, mais difíceis, senão mesmo impossíveis, na fase
ulterior. Mas essa margem de liberdade, perante a nítida intenção do
legislador de proteger a confiança formada na outra parte no decurso
das negociações, não é total, nem surge desenhada por forma
discricionária, em termos de abranger o simples capricho ou arbítrio
inesperado e imprevisível dos negociadores.
Com efeito, se bem que qualquer das partes, ao iniciar negociações,
tenha forçosamente de efectuar estudos preparatórios que lhe apontem
para a probabilidade de sucesso e de assumir o risco de não conduzirem
a bom termo, também há que ter em conta que as próprias negociações
e a conduta da outra parte a podem ter levado a proceder a novos
estudos de mercado, consultas, elaboração de orçamentos, contratos de
prestação de serviços com outrem, seguros e demais actividades
onerosas, porventura dispendiosas, determinantes de despesas que a lei
entende por bem proteger contra arbitrariedades e caprichos.
É esta a razão de ser do instituto da responsabilidade pré-contratual,
entre nós estudada ainda na vigência do Código Civil de 1867 (Prof.
Mota Pinto, “A responsabilidade pré negocial pela não conclusão dos
contratos”, 1963 – separata do Boletim da FDC XIV -, e Prof. Manuel
de Andrade – “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª ed., 1963, pág. 402), e
em sede dos trabalhos preparatórios do Código Civil (Prof. Vaz Serra,
“Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68), sendo que o dever de agir
segundo os ditames da boa fé consagrado no citado art.º 227º é válido
tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais,
proibindo toda a conduta, consistente no rompimento das negociações,
que traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da
contraparte, e originando a sua violação culposa, isto é, merecedora de
um juízo de censura ou reprovação, a obrigação de indemnizar os danos
causados, pois, como refere o Prof. Menezes Cordeiro (“Dolo na
conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – “O Direito”, 125, 1993,
I-II, 161), “a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de certos
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limites e sob as valorações próprias do Direito; em consequência, são


ilegítimos os comportamentos que, desviando-se de uma procura
honesta e correcta de um eventual consenso contratual, venham a
causar danos a outrem. Da mesma forma são vedados os
comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma
ideia distorcida sobre a realidade contratual”.
Por outro lado, em princípio, apenas são objecto da obrigação de
indemnizar os danos que constituam lesão do chamado interesse
contratual negativo ou interesse da confiança, ou seja, os danos que o
lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial
criada pela parte contrária, embora possam ser também objecto de
indemnização por culpa in contrahendo os danos integrantes do
interesse contratual positivo quando, pelo encontro da proposta e da
aceitação, já tenha sido obtido acordo, com a chegada a bom termo da
fase decisória da negociação e faltando apenas a formalização do
contrato, pois nesse caso é de entender que existe um verdadeiro dever
de conclusão cuja violação implica a indemnização do interesse do
cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que
derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve.
Necessário é, porém, que, para haver obrigação de indemnizar quando o
contrato negociado não chegue a ser concluído, se verifique o
rompimento arbitrário e culposo, por uma das partes, das negociações,
determinante de danos da outra parte, e o facto específico da criação,
nesta, por força da conduta da primeira, da expectativa ou da confiança
na celebração do contrato.
Acresce que o dever geral de boa fé na formação dos contratos se
desdobra em vários deveres de actuação, sabiamente enumerados pela
Dra. Ana Prata (‘‘Notas sobre a responsabilidade pré contratual’’, in
“Revista da Banca”, 16, Outubro/Dezembro, 1990, 75 e segs.), que são
o dever de informação, os deveres de guarda e restituição, o dever de
segredo, o dever de clareza, o dever de lealdade e os deveres de
protecção e conservação, entre eles se destacando com interesse para a
hipótese dos autos os deveres de informação, clareza e lealdade, que
impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas
respectivas intenções negociais nem os elementos no seu entender
susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo
a contraparte do que efectivamente pretendem no tocante à celebração
do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das
negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa.
Por outro lado ainda, sendo certo que não se trata de questão pacífica
saber se a responsabilidade pré-contratual constitui uma forma de
responsabilidade contratual ou antes de responsabilidade aquiliana
(para os Profs. Menezes Cordeiro e Vaz Serra e Cons. Mário de Brito,
constitui responsabilidade obrigacional, ao passo que para os Profs.
Mota Pinto e Almeida Costa e Dra. Ana Prata, integra responsabilidade
extracontratual), entende-se que a responsabilidade pré-contratual, por
não determinar desde logo a aplicação do regime próprio do contrato
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visado mas já poder integrar obrigações resultantes das próprias


negociações e portanto já de natureza negocial e não simplesmente
derivadas de um dever de conduta genérico, constitui um instituto de
regime híbrido, situado a meio caminho entre aqueles, como referiu por
exemplo o Acórdão deste Supremo de 4 de Abril de 2006 (www.dgsi.pt,
sob o n.º 06A222), e justificativo da aplicação, em parte por analogia, e
em parte, no que nomeadamente à norma constante do art.º 799º, n.º 1,
do Cód. Civil, respeita, - por tal norma ser de considerar excepcional na
medida em que como excepcional deve ser considerada a culpa
ficcionada -, por interpretação extensiva, visto tratar-se, qualquer
acordo celebrado no domínio das negociações prévias, de uma situação
que nitidamente cabe no espírito daquele dispositivo (art.º 11º do Cód.
Civil), das normas próprias de cada um daqueles dois outros regimes,
ora de um, ora do outro, conforme a situação concreta que se verifique,
neste sentido apontando também o Acórdão deste Supremo Tribunal de
18/11/04, igualmente acessível em www.dgsi.pt.
Isto é, se no decurso das negociações forem desde logo alcançados
acordos de natureza contratual, embora não formalizados, justifica-se a
aplicação do regime da responsabilidade contratual, nomeadamente no
que à presunção de culpa se refere, ao contrário das hipóteses em que
não se tenha chegado a tais acordos parcelares, se bem que o n.º 2 do
art.º 227º, citado, tenha consagrado para este tipo de responsabilidade a
prescrição nos termos do disposto no art.º 498º do Cód. Civil. É que a
fixação da prescrição nesses termos, para além de se justificar perante a
complexidade e carácter duvidoso da situação, que conduz à
necessidade de uma mais rápida definição da situação jurídica,
encontra-se desacompanhada de qualquer outra regulamentação do
instituto, o que origina que se conclua que o legislador pretendeu a sua
regulamentação de acordo com a interpretação feita com base nos
princípios gerais do direito e os plasmados naquele art.º 227º.
Ora, na hipótese dos autos, comprovado que se encontra que foi a
recorrente que, por intermédio do seu representante, se apresentou na
obra que se encontrava a ser levada a cabo pela autora, tomando a
iniciativa de lhe propor o negócio de compra e venda das duas fracções
inicialmente destinadas à habitação desde que as mesmas pudessem ser
licenciadas para serviços e ficassem unificadas numa só a fim de nela
instalar uma clínica médica, com ela negociando a respectiva aquisição,
que com a autora veio a acordar verbalmente, entregando-lhe inclusive
os elementos de identificação necessários à posterior formalização do
negócio, e enviando mesmo ao arquitecto um esboço de adaptação das
fracções à actividade para que as pretendia adquirir, tem de se concluir
que criou na autora forte expectativa e confiança na celebração
definitiva do contrato, a ponto de originar um processo de alteração
camarário de uso do loteamento com vista à alteração do uso das
fracções inicialmente previsto, conduzindo à elaboração de um projecto
de alterações ao projecto já licenciado, e à execução, pela autora, de
diversas obras de alteração e de adaptação das aludidas fracções ao fim
pretendido por ela recorrente.
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Assim, manifesto se torna que o rompimento das negociações pela ré,


que se desinteressou do negócio por força de desentendimentos quanto
ao preço, em relação ao qual os factos provados não fornecem
elementos de comparação para se determinar se se justificaria ou não
que excedesse o de outras fracções vendidas pela autora e que, de todo
o modo, não dependia do preço dessas outras fracções mas da vontade
das partes, não se mostra, só por força de tais desentendimentos,
justificado. A divergência quanto ao preço, a menos que fosse
inultrapassável, - o que os factos provados não mostram, pelo que se
ignora se, com um prolongamento das negociações, não seria possível
chegar a acordo quanto a ele, e que constituiria excepção peremptória
porque poderia impedir o efeito jurídico dos factos aduzidos pela
autora, a provar pela ré (art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civil), que não o fez -,
não justifica só por si o rompimento, uma vez que a ré não sujeitou
previamente a realização das obras de alteração e adaptação à prática de
um determinado preço final máximo razoável das fracções, tendo em
consequência, ao permitir a execução das obras sem alertar a autora
para a sua intenção de não pretender a conclusão do negócio se viesse a
ser praticado um preço acima de determinado montante, violado o
dever de lealdade a que se encontrava sujeita para com ela e que lhe
impunha que obstasse a que a autora tivesse de suportar as despesas e
os atrasos inerentes àquela execução, em vez de se limitar a aguardar a
indicação, pela autora, do preço que, após a realização das obras com
vista a concretizar o negócio acordado, esta pretendia praticar, para só
depois decidir celebrá-lo ou não e comunicar-lhe a sua intenção de
desistir da celebração do mesmo.
Daí que seja de considerar, como as instâncias fizeram, arbitrário o
rompimento das negociações pela recorrente, determinante de danos
consistentes nas obras de adaptação realizadas pela autora, causadas
pela confiança criada nesta pela conduta negocial daquela.
Verificam-se, pois, todos os requisitos determinantes da
responsabilidade pré-contratual da ré para com a autora: o facto
voluntário, consistente na criação, nesta, da expectativa ou confiança na
conclusão do contrato negociado, e no rompimento das negociações; o
dano, consistente no prejuízo que a autora sofreu em consequência da
alteração do projecto, da execução das obras de adaptação das fracções
ao fim visado pela ré e de readaptação para habitação, e do atraso na
conclusão das obras; a ilicitude, traduzida na própria arbitrariedade do
rompimento e violação do dever de lealdade nos termos acima
indicados em infracção do disposto no citado art.º 227º; a culpa,
consistente no juízo de censura e de reprovação que a demonstrada
conduta negocial da recorrente merece e que, aliás, pelo acima exposto,
seria de presumir face ao acordo negocial alcançado; e o nexo de
causalidade entre a descrita conduta da ré e os danos sofridos pela
autora. Pelo que sobre a ré recai efectivamente a obrigação de
indemnizar a esta.
Suscita a recorrente, porém, uma segunda questão: a de saber quais os
danos indemnizáveis, na medida em que, tendo o rompimento das
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negociações tido lugar em 28 de Fevereiro de 2006, não há nexo de


causalidade entre a sua conduta e os danos, posteriores àquela data,
ainda consistentes em obras de adaptação, mas apenas entre a sua
conduta e os danos anteriormente produzidos.
Nesta parte, a recorrente tem razão, mas daí, apenas, não deriva a
diminuição do montante fixado como indemnização.
Com efeito, as obras referidas no n.º 17º da descrição dos factos
provados, sendo ainda de adaptação ao fim pretendido pela ré e não de
readaptação ao fim inicialmente visado, já não se justificavam, pois,
tendo as partes, como na sentença da 1ª instância se refere, entrado em
desacordo antes dessas obras quanto a um aspecto fundamental do
negócio – o preço -, não é sustentável o entendimento de que a autora
continuasse a crer na conclusão do negócio e, com base nessa crença,
continuasse a realizar despesas com obras de adaptação ao uso que era
anteriormente pretendido pela ré mas que deixara de o ser face ao
próprio rompimento das negociações. Por isso, em relação a tais obras,
bem como às de readaptação por elas determinadas, já não existe nexo
de causalidade: não foi a conduta da recorrente, mas uma decisão
precipitada e injustificada da autora, que as originou, pelo que em
relação a elas não se verifica obrigação de indemnização pela
recorrente.
Mas a esse respeito a própria sentença da 1ª instância, confirmada pelo
acórdão recorrido, concluiu não haver lugar a indemnização por essas
obras de adaptação e de correspondente readaptação, por concorrência
de culpa da autora e por inexistência de nexo causal.
Daí, porém, parte a recorrente para suscitar uma terceira questão: a da
consideração de que a própria autora contribuiu, com culpa, para a
produção dos danos verificados antes de 28 de Fevereiro de 2006.
Nos termos do art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil, “quando um facto
culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos
danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas
de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a
indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo
excluída”. E acrescenta o n.º 2 deste artigo que “se a responsabilidade
se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta
de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”.
A concluir-se pela existência de culpa da autora, o afastamento das
consequências da presunção de culpa da ora recorrente, fixado neste
último número, não origina, porém, a exclusão da obrigação de
indemnizar, uma vez que, como acima se referiu, já se concluiu que a
responsabilidade da ré se baseia não em simples presunção, a que a
latere se aludiu, mas mesmo em culpa efectiva.
Entende-se, porém, que na verdade existe culpa da autora, concorrente
com a da ré, na produção dos danos que sofreu. Isto porque não pode
deixar de se concluir que a autora actuou com certa precipitação ao
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lançar-se no empreendimento das obras de adaptação sem uma prévia


averiguação, que se lhe impunha a fim de informar de modo mais
completo a ré sobre os elementos com relevo para as negociações, do
montante das despesas e demais custos que essas obras e o atraso na
conclusão do edifício iriam provocar, retirando daí as necessárias
conclusões quanto ao preço a praticar e dando de tal conhecimento
oportuno à ora recorrente, pelo que igualmente se tem de considerar a
conduta da autora digna de censura.
Manifesto é, pois, que o facto da autora, consistente na realização das
obras de adaptação sem o prévio apuramento dos respectivos e
consequentes custos que acabariam por ter de sobrecarregar a ré, e sem
a correspondente informação a esta, é também culposo, por digno de
censura, e contribuiu para a produção dos danos indicados, justificando-
se, perante a gravidade das respectivas condutas, - uma vez que dessa
forma a própria autora acabou por violar o seu dever de cuidado e de
informação -, e suas consequências, e à luz de um critério de equidade
com base no disposto no art.º 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a redução para
metade do montante indemnizatório fixado nas instâncias.
***
Pelo exposto, acorda-se em conceder em parte a revista, alterando-se o
acórdão recorrido no sentido de a ré ficar condenada a pagar à autora a
quantia de 5.518,76 euros, acrescida de IVA à taxa vigente em 2006
sobre a quantia de 4.547,50 euros, e de juros legais de mora desde a
citação até integral pagamento, absolvendo-a do pedido na parte
restante e confirmando o acórdão recorrido em tudo o mais.
Custas, aqui e nas instâncias, na proporção dos respectivos
vencimentos.
***
Supremo Tribunal de Justiça,
Lisboa, 16 de Dezembro de 2010.
Silva Salazar (Relator)*
Nuno Cameira
Sousa Leite
__________________________
* Sumário elaborado pelo relator.

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