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Artigo 227º no âmbito da Culpa in Contrahendo

A boa-fé objetiva concretiza-se em cinco institutos, todos de filiação germânica (nenhum deles
deriva da boa-fé, em termos conceptuais):
São eles o abuso de direito (334º); integração de negócios (239º); modificação dos contratos
por alteração das circunstâncias (437º, nº1); complexidade das obrigações (762º, nº2), e por
fim evidentemente a culpa in contrahendo tutelada pelo artigo 227º, nº1. A BFO remete para
princípios, regras, ditames ou limites por ela comunicados ou, simplesmente, para um modo
de atuação dito “de boa-fé”; atua como uma regra imposta do exterior e que as pessoas
podem observar;

Culpa in contrahendo (art.227º/1): corresponde à descoberta de Jhering; diz-nos que antes da


formação do contrato, as partes já têm diversos deveres a respeitar e, designadamente,
deveres de proteção, de lealdade e de informação; tais deveres visam prevenir que, nessa fase
pré-contratual, alguma das partes possa ferir a confiança da outra, provocando-lhe danos
(embora seja livre, a negociação contratual não deve ser usada para fins danosos, alheios à
finalidade em questão, a de procurar a eventual celebração de um contrato).

2 princípios da boa fé objetiva e os seus respetivos pressupostos: pagina 6 da sebenta da


Márcia*

A boa-fé pode ser chamada para enquadrar questões novas, que podem ser: a questão das
clausulas gerais, a defesa do consumidor, o levantamento da personalidade coletiva, ou a
procuração aparente.

Culpa in Contrahendo
Regras pré contratuais:
1. Contratual na medida em que as partes hajam decidido concluir pactos
preparatórios perante os quais as partes ficam vinculadas;
2. Legais especificas é o caso da lei sobre as CCG e da lei da defesa do consumidor;
3. Legais genéricas devem seguir as regras da boa fé, estando inseridas no 227º.

Jhering: demonstra que, na presença de contratos nulos por anomalias verificadas na sua
formação, podem ocorrer danos cujo não-ressarcimento seja injusto; perante tal situação, o
responsável, por via das regras gerais sobre danos e culpa, deveria indemnizar pelo interesse
contratual negativo, colocando o prejudicado na situação em que ele se encontraria se nunca
tivesse havido negociações e contrato nulo. Esta descoberta permite exemplificar o modo de
funcionamento da terceira sistemática, quando confrontada com novas necessidades para as
quais, num momento inicial, não haja, ainda, resposta.

A relação jurídica pré-contratual tem como conteúdo as vinculações interpessoais decorrentes


do dever de BF objetiva, isto é, a BF como regra de conduta. Como os padrões de
comportamento determinantes do juízo de BF não se encontram enunciados na lei, é
necessária uma referência aos padrões de comportamento aceitáveis e exigíveis vigentes na
sociedade, no circulo de pessoas e de atividades em que o contrato se insere, ou nos usos
próprios ou típicos da negociação ou típicos da negociação e da celebração daquele contrato.

Dentro destes deveres é nos possível enunciar 4:

1. Lealdade vinculam as partes em negociação a comportar-se na interação pré-


contratual com honestidade e correção. Compreendem toda a matéria dos deveres de
proteção e esclarecimento. Há violação do dever pré contratual de lealdade sempre
que alguma das partes entre em negociações sem a intenção de as concluir, ou
quando uma das partes faça incluir no contrato uma cláusula que sabe ser invalida ou
impossível, ou feche o contrato com consciência de dissenso ou de erro por parte da
outra.

2. Informação: vinculam as partes em negociação a partilhar os dados e informações


com relevância para a apreciação correta das circunstancias do contrato e das
qualidades das pessoas envolventes, para a avaliação tanto quanto possível real dos
bens com relevância na equação económica do contrato, e a prestar
espontaneamente ou a solicitação de outra parte as informações que razoavelmente
lhes sejam exigíveis em BF.

3. Segurança e Proteção sob a alça de MC: condições reunidas para se fazer o negócio.
Dever de ressarcir danos a pessoas e bens. Quando se está num ambiente contratual,
a parte deve proteger a outra para que se realize a posterior contratação.

Os deveres das partes tendem a concretizar-se em torno das seguintes questões:

i) Vulnerabilidade pré-negocial: situações em que uma das partes depende da outra


ou, pelo menos, se coloca numa situação de fraqueza, dependendo de deveres de
segurança, de informação ou de lealdade, a cargo dessa outra.

ii) Interrupção injustificada de negociações: este tipo de situações anima o confronto


entre a autonomia privada e a BF. A conclusão de um contrato é, até ao ultimo
momento, totalmente livre, logo, qualquer uma das partes pode desistir do contrato
sem dar justificações; porem, caso a parte desistente tiver, com a sua conduta,
originado, na contraparte, uma confiança justificada de que, com segurança, se iria
concluir um contrato, a interrupção injustificada leva à cic.

iii) Contratação ineficaz: quando se origina um contrato nulo ou um contrato anulável,


que pode originar responsabilidade pré-negocial.

iv) Tutela da parte fraca: concretiza-se, predominantemente, através de deveres de


informação

v) Responsabilidade por atos de terceiros: podem estar na situação de terceiros o


representante, o gerente da sociedade, o consultor, o agente, o administrador da
insolvência ou fiduciário – qualquer um deles responderá por cic, a titulo pessoal,
na hipótese de quebra de deveres preliminares que lhes sejam dirigidos.

A proteção do contraente débil é assegurada através de diversos dispositivos,


fundamentalmente virados para deveres de informação e alojados na LCCG ou nos diversos
diplomas de defesa do consumidor. Quando surja um contrato que patenteie desequilíbrios
não queridos por alguma das partes, algo terá corrido mal nos preliminares; a parte que
conheça ou deva conhecer o desequilíbrio em causa tem o dever de dar conhecimento à
contraparte. Chega-se, assim, à ideia de proteção da parte fraca num contrato: ao contraente
que, por razoes económicas ou de conhecimento, se deva considerar inferiorizado, são
devidos, na fase preliminar, um esclarecimento e uma lealdade acrescidos; caso esses deveres
não sejam acatados, pode haver responsabilidade, por inobservância da BF.
O papel da cic na correção de contratos injustos, através da BF e do dever de informar, não
levantando duvidas, embora não possa ser levado ao ponto de pôr em causa a autonomia
privada. A parte fraca carecida de proteção equivale a um cidadão consumidor isolado, e por
isso o tema deve ser visto em ligação com os direitos dos consumidores, e no direito civil, em
articulação com as clausulas contratuais gerais.

Obrigação de contrata situação jurídica pela qual um sujeito fica adstrito à celebração de um
contrato, isto é, à emissão da declaração de vontade que, em conjunto com a da outra parte,
dá azo a um NJ bilateral. Exige uma forte situação de confiança, imputável à contraparte, de
que o contrato em jogo iria ser celebrado e isso ao ponto de o interessado ter realizado um
considerável investimento de confiança. Nessa eventualidade, o dever de contratar impõe-se,
tendo como contraface a ilicitude da interrupção injustificada das negociações, sendo que a
indemnização que daí decorra será calculada de acordo com o interesse positivo.

A aproximação entra BF e a cic veio a ganhar um relevo substancial: os vetores comunicados


pela BF não deixavam de se revelar, ainda em adaptações, nos preliminares
contratuais. Assim:
 Tutela da confiança – na fase de preparação dos contratos, as partes não devem
suscitar situações de confiança que, depois, venham a frustrar;
 Primazia da materialidade subjacente – a autonomia privada faculta, às partes,
negociar livremente os seus contratos, interrompendo as negociações quando o
entenderem.

No que toca à construção deste instituto, podemos separar dois cernes nucleares de teorias:
as contratuais e as legais.

Teorias contratuais
 Soluções negociais– procuram reconduzir a cic e os deveres que, com ela, se
conexionem, a NJ;
 Franz Leonhard: a cic reconduz-se ao contrato posteriormente celebrado. O efetivo
cumprimento de um contrato exige o acatamento de deveres que se desenham já
antes da sua celebração (a parte que venda um objeto, previamente à venda, deve
providenciar para que ele esteja em bom estado); há, por isso, uma pré-eficácia –
celebrado um negocio, certos deveres retroatuariam até ao inicio das negociações.
 Criticas: ilogismo (assenta na ideia de pré-eficácia, contraditória em si mesma; antes
de um contrato não se podem retirar deveres a observar, e depois deve estar
celebrado, não se está numa fase pré-negocial que habilite ao acatamento de deveres
pré-contratuais); excessiva restrição (só contempla a hipótese de haver um contrato
valido que, não obstante, tivesse provocado danos na sua celebração, excluindo as
negociações prévias, injustificadamente, sem que se tenha chegado à formação de
qualquer contrato, e as negociações inválidas)
 Heinrich Siber: os deveres pré-contratuais na celebração de um contrato preparatório,
aquando do inicio das negociações, estão filiados. Ao aceitar negociar a eventual
procura de um consenso negocial, as partes estariam, desde logo, a aceitar, pelo
menos, algumas regras de jogo.
 Critica: ficciosa (nas negociações comuns, não se descobrem quaisquer declarações
destinadas a originar um consenso contratual, que permita retirar deveres de
comportamento minimamente consistentes).

Teorias legais
 Soluções legais– remetem a base da figura da cic para a lei.
 Teoria da relação de facto: as partes conseguem, no trafego social, através de puras
condutas materiais, originar situações semelhantes a contratos, mas sem qualquer
declaração a tanto destinada, estando entre estas situações, as negociações
preliminares; daí adviria uma relação contratual de facto à qual, por analogia, se
aplicaria o regime dos contratos
 Teoria dos deveres extralegais: em situações de acrescida proximidade, surgiria uma
especial confiança, entre as partes, que não poderia ser desemparada. No silencio da
lei, haveria que construir um principio de onde resultaria uma proteção extralegal,
impondo-se também deveres e informação e de comunicação, que poderiam ser
apoiados na BF ou numa interpretação alargada da vontade das partes.
 Teoria da confiança: na presença de negociações, assistir-se-ia à criação de uma
situação de confiança e ao aproveitamento da situação criada. Daí adviria uma
particular forma de negocio jurídico
 Teoria da autovinculaçao sem contrato: os agentes, através de condutas
comunicativas, criaram, um nos outros, expetativas de conduta futuras, que iria ser
conduzido à ideia de autovinculaçao, perfeitamente conhecida através da
vinculatividade da promessa
 Teoria dos deveres unitários: ao analisar as diversas situações nas quais, por exigência
ético-jurídica, se procede à tutela da confiança e preconizar a existência de um dever
unitário de proteção, de base legal, e que, surgindo in contrahendo, se mantêm na
vigência do negocio e da sua própria nulidade.

A cic também pode ser tomada como uma fonte de responsabilidade. Essa responsabilidade
pode ser contratual ou obrigacional (caso exista, entre as partes, uma obrigação especifica), ou
também pode ser aquiliana (quando se opta por um dever de ordem geral, eventualmente
concretizado em deveres de tráfego). Baseando-me na jurisprudência alemã, podemos
considerar que da cic pode se reconduzir ao instituto da responsabilidade contratual ou
obrigacional. O prejuízo da parte lesada pode contudo, ser estimado de duas formas:

1. Interesse negativo: prevalece a ideia de que as próprias negociações foram ilícitas; o


lesado irá receber uma indemnização que permita coloca-lo na situação em que
estaria se não tivessem ocorrido as negociações.
2. Interesse positivo: a interrupção das negociações ou a incapacidade de, por eles, se
chegar a um contrato válido e eficaz; a indemnização procurará colocar o lesado na
situação em que estaria se o contrato fosse válido e eficaz.
3. Terceira via da responsabilidade civil: adveio da preocupação de ordenar a cic, em
conjunto com outros institutos derivados da BF e que poderiam envolver
responsabilidade, entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade aquiliana.

Determinação da indemnização aponta para o art. 798º, 562º e 564º/1 e depende da


intensificação do processo negocial. Natureza e âmbito da indemnização (art. 403º ou 798º +
799º). Assegura o respeito pelos valores gerais da ordem jurídica no caso em que se aspira a
uma concretização.
 Obrigacional/contrat – presume ilicitude e culpa 798
 Não-obrigacional/extra– tem que se provar a ilicitude e a culpa
Recondução do art. 227º a responsabilidade obrigacional (Palma Ramalho)

Vamos agora desdobrar o artigo 227º na íntegra:


 As regras da cic funcionam perante qualquer negocio, atendendo ao espirito da lei;
 Entende-se por “negociar”, o seu sentido mais amplo da palavra. Ou seja, a simples
proximidade negocial permite que a cic se manifeste;
 Estão fixadas duas fases na preparação do contrato:
 “preliminares”, que pressupõe toda a troca de informações necessárias, para
se alcançar um acordo consensual entre as partes;
 “formação”, que exprimiria a formalização do acordo, designadamente
quando estivesse em jogo uma forma solene, que requeria atividade de
redocumentação.
 A boa fé referida neste artigo, é objetiva, que equivale a uma remissão para os valores
fundamentais do sistema, presentes nas situações consideradas;
 O preceito não delimita nem exclui quaisquer danos: são todos os que sejam
“culposamente causados”. Representa um juízo de culpa, abrangendo, nos termos
gerais, quer o dolo, quer a negligencia. O que nos possibilita a constatação de que o
advérbio culposamente visa delimitar os danos a indemnizar.
 O nº2 remete. No que toca à prescrição para o artigo 489º. Trata-se de uma previsão
de prescrição subjetiva, uma vez que começa a correr não a partir do momento em
que o direito possa ser exercido, mas apenas quando o titular dele tenha
conhecimento, ainda que ignorando a identidade responsável ou a extensão dos
danos. Consequentemente o prazo é curto: 3 anos. Paralelamente, corre a prescrição
ordinária, objetiva, correspondente a 20 anos.

Atos preparatórios todos os atos, inseridos na fase pré-negocial de um contrato, não


podendo estas reconduzir a um objetivo contrário do mesmo. Podem ser materiais ou
jurídicos.
 Materiais, falando-se neste caso em contratos preliminares, em que as partes
procuram conhecer-se e indagar a possível negociação dos sus interesses, onde se
mantém a liberdade de contratar, devendo respeitar a BF;
 Jurídicos, em que se fala de contratos vinculativos, que obrigam as partes a práticas
ulteriores (ex.: contrato-promessa), e contratos não-vinculativo.

No âmbito das CCG: - Dever de informação, artigo 6.º: O dever de informação é o dever de
esclarecimento sobre um conteúdo, diferente do dever de comunicação cujo objetivo é levar
ao conhecimento da outra parte. As cláusulas que respeitem estes dois deveres consideram-se
excluídas do contrato. artigo 8.º. Esta exclusão, não obsta de indemnizar relativamente aos
deveres causadas e neste sentido, aplicamos aqui o artigo 227.º.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/
a8b5ad9c2d585f6a802584ab006050d4?OpenDocument

Jhering
MC (1)

A descoberta de Jhering não foi no seu todo pioneira, contudo, foi com a sua investigação e
recurso ao instituto da cic, que se pôde falar numa inovação no campo da ciência do direito.
Constata que contratos dados como nulos por anomalias na sua formação, devem contudo
resultar no ressarcimento de danos, que antes não acontecia. Propõe que o responsável pelos
danos deveria indemnizar pelo interesse contratual negativo, colocando assim o lesado na
situação em que se encontraria se o contrato nunca tivesse dado lugar.

Apoiou-se fortemente em diversos textos romanos, o que foi fortemente questionado pela
doutrina mais especializada do sec. XIX. Tenta então exemplificar de modo prático a terceira
sistemática, que necessitava de inúmeras respostas. A verdade é que a fase pré contratual do
contrato, a que antecede a sua perfeita celebração, não tem normas que vinculem as partes, já
que a única coisa que realmente se priorizava era a autonomia privada e a liberdade negocial,
seno esta um dos maiores, senão o maior pilar do direito civil.

Era então fulcral a existência de um novo instituto que viesse balançar a disparidade entre
liberdade e limitação. Instituto esse que passa a assumir um papel central nos negócios
jurídicos dali em diante, baseado na culpa e/ou na responsabilidade. Não foi acolhida de
imediato pela tutela do BGB, contudo a jurisprudência alemã atendeu à possibilidade de
regressar com maior relevância.

Fora da Alemanha, as repercussões deram-se a diferentes níveis. Primeiramente, no


ordenamento jurídico francês, a cic nunca conheceu grande desenvolvimento. As poucas
referências a este novo instituto, pouco seguimento tiveram. Esta contramaré pode ser
justificada pela técnica napoleónica quanto à responsabilidade civil. Que se verifica, aliás, até
aos dia de hoje: a responsabilidade pré contratual, ainda é reconduzida à responsabilidade
civil. A técnica em questão que se sentes ainda nos dias de hoje é baseada pela feição central
da sistemática do sistema francês, que se considera imune a inovações de tipo periférico. No
caso italiano, a cic teve alguma divulgação doutrinária, contudo não suficiente para a sua
divulgação no seu seguinte código civil de 1865. Já no CC de 1942, a cic foi expressamente
tutelada, no entanto, com falta de pragmatismo. Tratou-se mais de uma receção da
jurisprudência alemã do que propriamente uma nova aplicabilidade no seu ordenamento. Uma
mera aparência.

PDF SP (2)

O famoso artigo de Rudolf von Jhering “Culpa in Contrahendo ou indemnização pelos


contratos nulos ou não chegados à perfeição” publicado em 1861 é tido como uma
“descoberta” jurídica fundante da responsabilidade pré-contratual como atualmente
compreendida. Jhering escrevia motivado pela injustiça e inadequação prática da teoria da
vontade, segundo a qual eram inválidos os contratos nos quais a vontade fosse proferida em
erro, o que impediria a parte lesada de obter compensação pelos danos oriundos dessa
situação.

Baseando-se nas fontes romanas para fundamento no que toca a uma ação que ressarcisse,
Jhering constrói a cic, que estaria na inobservância de uma diligentia in contrahendo no
momento anterior à conclusão do contrato, pois aquele que vende, tem o dever de conhecer o
objeto vendido de modo a evitar a nulidade do negócio.

Afirma ainda, que a tutela da parte prejudicada se daria por uma ação de natureza contratual
pela qual poderia obter indemnização pelo interesse negativo, segundo a conhecida bipartição
entre interesse positivo e negativo. Toda a sua teoria no que toca a este instituto deve-se a
fontes romanas. Contudo deve-se ao seu insucesso imediato na época, essencialmente pela
falta de referencias à fase das negociações preliminares do negocio.

A verdade é que há apontar a realidade histórica em que Jhering estava inserido, onde a teoria
subordinava os conceitos pragmáticos da realidade de uma sociedade, que na verdade
necessitava de respostas e de soluções jurídicas. Tudo o que fugia do cerne do que pensava
que era Direito, como conceitos inovadores, tomavam-se por abstratos e complexos. As figuras
que realmente tinham reconhecimento no seculo XIX eram a propriedade, o dolo, o contrato, a
posse e poucos mais…

Jhering através da interpretação das fontes romanas e da sua reconhecida dialética, começa
por trilhar o seu caminho. Contudo, apercebeu-se que de vagos conceitos, estava o Direito
cheio, optando por tomar outro caminho. Inicia uma vivida critica ao que chamava a
jurisprudência dos conceitos, e ao fazê-lo criticava-se a si próprio, tendo consciência de que foi
o que fez toda a sua vida, no seio da escola histórica e panteística. Sofre então uma enorme
rutura: de uma visão conceitualista artificial para o verdadeiro caracter instrumental do
direito. Da combinação de elementos de forma lógica para chegar a conceitos, chega à
conclusão de que a vida não é o conceito, mas antes se deve à sua existência por causa da
vida. 1861 marca não só a escrita deste artigo, como a transição de método do autor.

Ambicionava resolver a seguinte questão: a parte que cometeu um erro ao celebrar o


contrato, e que com isso o levou à nulidade, responde pelo dano causado à outra parte por sua
própria culpa? Segundo a teoria da vontade, então dominante no pensamento jurídico
germânico, eram inválidos os contratos nos quais a vontade fosse proferida em erro. O que
impedia a parte prejudicada de obter compensação pelos danos sofridos com o negocio não
aperfeiçoado. A injustiça e a inadequação às necessidades do comercio decorrentes da
ausência de tutela para essas situações, fizeram com que Jhering procurasse, nas fontes
romanas, o fundamento teórico de uma ação para a parte prejudicada pela conclusão de
contrato, que restou nulidade, obtivesse o ressarcimento sem prejuízos. A questão levantada
realmente evidenciava os limites da construção panteística, cuja clareza conceitual por vezes
sufocava as exigências concretas da justiça.

A descoberta de Jhering estaria em encontrar o meio de tutela à parte prejudicada, pelo


negocio nulo, já previsto nas fontes romanas. Invocou fontes relacionadas à compra e venda
de coisas fora do comércio e de uma herança inexistente (ambas tuteladas pela digesta e pelas
institutiones iustiniani). As quais mostravam que era concedida ação de natureza contratual
nos casos em que o comprador enganado (deceptus) sobre essa característica prejudicial do
bem que adquiria, mesmo sendo o contrato inválido.

Na sua conceção, a cic estaria na ignorância de um facto relacionado ao objeto da venda que a
torna nula e decorreria da inobservância de uma diligentia in contrahendo, a ser observado
antes mesmo da conclusão do contrato, pois aquele que vende tinha o dever de conhecer o
objeto vendido. A culpa foi o elemento unificador necessário à construção de um principio
geral de ressarcimento da parte prejudicada nos contratos nulos (até então inexistente), a
partir de uma generalização dessas hipóteses específicas das fontes romanas. Mais de um
século e meio depois, o texto é um verdadeiro clássico e segundo o Prof. Mota Pinto,
representa a origem da figura da cic, a qual, porem ainda receberia diversas reformulações e
vicissitudes. No seu tempo, por uns ignorada, por outros desvalorizada, o seu artigo não teve
grandes repercussões. Inclusive, Jhering veio a aperceber-se que o seu próprio alicerce da
teoria (a culpa), vinha posteriormente a ser reconhecido como insuficiente.

Abandona a artificialidade da jurisprudência para verdadeiramente valorizar a finalidade


prática do direito e dos ideais de justiça. Fundamento no direito romano + injustiças da vida
quotidiana decorrentes da sobrevalorização da teoria da vontade.

Começa por enunciar, através das fontes, casos de compra e venda de coisas sagradas,
religiosas ou publicas, presentes no digesto; passando pela venda de uma herança inexistente.
Onde todas demonstraram a possibilidade da conceção de uma ação contratual para a tutela
da parte prejudicada em contratos nulos para obtenção de ressarcimento pelo interesse
negativo.
Conclusão da tese:

 A culpa é o elemento unificador para tornar regra geral a reparação da parte


prejudicada nos contratos nulos, alem da aplicação casuística desse novo principio a
outras situações práticas (nem sempre perfeita, pois casos houve em que o próprio
jhering reconheceu a falha da teoria, como no caso de morte do proponente).
 As fontes que basearam a cic:
 A teoria não se baseia em hipóteses de erro, e sim na impossibilidade inicial
da obrigação;
 A configuração da impossibilidade de objeto no direito romano + categoria da
res extra commercium.
 A análise da compra e venda de uma res extra commercium e as suas consequências:
invalidade do contrato. Meio de tutela da parte prejudicada e o elemento subjetivo do
vendedor a ensejar essa tutela, além da venda do homem livre como escravo, de uma
herança inexistente e da bipartição entre interesse nativo e positivo. Na sua análise,
pode concluir que estas situações foram objeto de duvidas e de desentendimentos
dentre os romanos.
 Em relação à nulidade da venda de uma coisa fora do comércio no direito romano, é
possível atestar com apoio em doutrina mais recente, o acerto de jhering ao afirmar
que a nulidade contratual não significava necessariamente a ausência de produção de
quaisquer efeitos, apenas dos efeitos principais da obrigação (entrega da coisa
vendida, pagamento do preço), permanecendo a ação contratual para ressarcimento
dos prejuízos.
 No que toca à tutela do prejudicado, constatamos que o direito romano permitia a
utilização de uma condictio para que o preço já pago, fosse devolvido alem de um
meio para obtenção do interesse do comprador (o interesse em não ser enganado de
que falavam as fontes).
 Jhering empregou a culpa como “ponte” que permitiria estender a proteção da cic
para alem das hipóteses especificas das fontes, como regra geral, que ate então
inexistia.
 Sempre se suportou no sentido da expressão “decipere” (enganar) que se mostrava
nas fontes fundantes da teoria, porém verificamos, com a analise da doutrina
romanista e de outros fragmentos que apresentavam o termo que, por vezes, decipere
tem o sentido ativo de enganar e, em alguns casos, implicava a responsabilidade do
vendedor mesmo que desconhecesse as circunstancias prejudiciais (não
necessariamente implicando culpa). Ou ainda, com um sentido mais objetivo de se
“cair em engano”, sem intenção ou culpa da outra parte.
 Quanto à venda da herança inexistente e pela diferenciação entre interesse positivo e
interesse negativo, é notável que Jhering afirmava que as fontes previam apenas
tutela do interesse negativo para os contratos nulos, bem como a própria existência
dessa bipartição artificial no direito romano.
 Podemos concluir que o autor partia de alguns fundamentos válidos e acertados, mas
a partir deles deu um passo argo para elaborar o seu principio da responsabilidade por
cic, que tinha como um dos seus pontos de maior fragilidade o seu alicerce principal a
culpa. O autor direciona e subordina toda a sua interpretação dos textos romanos a
um resultado que ele próprio já havia definido, o que poderia ser explicado pela
tensão de métodos que permeou a teoria.
 Prof. Mota Pinto bem resume a sensação transmitida pela obra ao observar que
Jhering parte de um resultado e procura fundamentá-lo ultrapassando para tal todos
os obstáculos, desde a insuficiência das bases positivas até à confessada violentação
da noção de culpa.
Análise final do instituto da culpa in contrahendo:

Embora não se tratasse de um tema tão novo assim, coube realmente a Jhering o mérito de
sistematizar o estudo da questão e chamar a atenção a relevância do problema, até então
pouco discutido. Não obstante os contributos de Donellus e Richelmann. Coloca-se então a
questão do fundamento da teoria da culpa in contrahendo no direito romano, seria uma
invenção ou uma descoberta de Jhering, sobretudo pela fragilidade do elemento culposos na
construção da mesma insuficiência que o próprio acabara por reconhecer.

Mesmo que seja notável que o que moveu o autor foi o senso de justiça, ainda não tinha
conseguido desapegar-se da logica panteística, o que pôde ser vislumbrado quando:
 Afirma que estava a empreender a construção de um fundamento teórico para a cic;
 Anuncia como seu fim basilar encontrar nas fontes romanas fundamento para a sua
argumentação;
 Na própria estruturação da tese, ao partir de um problema, procura os conceitos e
fundamentos nas fontes e deduz uma lógica e um principio a partir deles, criando
assim um novo conceito.

Como conceito que não tolerou contacto com a realidade, formado e reproduzido a partir de
um processo lógico, também podemos ponderar que a cic de Jhering pode não ter alcançado a
sua finalidade ultima, que era exatamente uma solução eficaz para a prática. Podendo assim
analisar a descontinuidade da doutrina imediatamente posterior a Jhering que procurava
outros fundamentos e outros contornos para o problema, o insucesso da teoria pratica dos
tribunais, alem do processo de alargamento pelo qual passaria a cic em diversos
ordenamentos europeus, desprendendo-se do âmbito restrito dos contratos nulos, tal qual
idealizada por jhering, para abranger a responsabilidade na fase pré-contratual até se tornar a
responsabilidade pré-contratual como atualmente concebida.

O uso da denominação “culpa in contrahendo” permanece como tradição, não obstante que a
responsabilidade pré-contratual de hoje já não corresponde à figura criada por Jhering, por
abranger a rutura das negociações e ter fundamento na boa-fé objetiva. É de frisar que os
tribunais pátrios ainda utilizam a diferenciação entre interesse positivo e negativo, afirmando
que a indemnização em sede de responsabilidade pré-contratual se dá pelo interesse negativo,
como foi enunciado por Jhering.

O Prof. Mota Pinto afirma qua ainda que não tenha sido uma verdadeira descoberta jurídica, o
artigo é inequivocamente um dos escritos de doutrina jurídica mais celebres, fazendo de algo
que fosse inteiramente desconhecido, pelo menos um marco notável. Prof. Menezes Cordeiro
destaca que Jhering procurava justamente chamar à atenção da ciência do direito para a
“necessidade de complementação juspoitiva”, quanto à formação dos contratos e, assim,
lançou um pré entendimento de fenómeno que ainda se mantem. A sua intuição, como
destaca a prof. Eva Moreira da silva, estava correta: as partes devem adotar um
comportamento leal e honesto no período que antecede a conclusão do contrato.

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19890408.html
https://jurisprudencia.pt/acordao/199589/

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