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P R O F E S S O R M A R C O A U R É L I O B O R T O L I N

UNIARA - Curso de Direito – 3ª Série – “Disciplina de Direito Civil – Contratos I”.

Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin

Aulas 9 e 10 (sinopse) – Formação dos contratos (artigos 427 a 435, Código Civil). 1. Fase de negociações
preliminares. 2. Proposta (oferta, policitação). 2.1. Exceções decorrentes de elementos específicos da própria
proposta ou do negócio (artigo 427, Código Civil – segunda parte). 2.2. Exceções decorrentes do início e da própria
duração da vinculação inicial (artigo 428, Código Civil). 3. Proposta (oferta) ao público (artigo 429, Código Civil). 4.
Aceitação (oblação). Regras de chegada tardia da aceitação expedida no prazo, contraproposta, aceitação tácita e
retratação oportuna (artigos 430 a 433, Código Civil). 4.1. Aceitação entre ausentes (artigo 434, I a III, Código
Civil). 5. Lugar da formação (contratos de direito privado e contratos de consumo).

I. Formação dos contratos.

1. Fase de negociações preliminares. Os contratos paritários,


sobretudo aqueles de maior complexidade em sua construção, costumam apresentar um percurso de
desenvolvimento trilhado pelos contratantes até se tornarem perfeitamente celebrados, sendo que esse
caminho se inicia através de negociações preliminares que se notabilizam pela apresentação dos
interesses que surgem em pontos antagônicos do resultado final negocial, ou seja, cada qual mais
próximo do particular interesse de seu detentor, que pode avançar em seguida para uma fase de
formação propriamente dita composta de proposta e contraproposta, únicas ou sucessivas até ocorrer
a aceitação; há também a possibilidade de a proposta inicial gerar aceitação desde logo, e nos dois
casos, com a fase de desenvolvimento maior ou menor, culminar enfim com a celebração do contrato.

Antes da proposta de contratar propriamente dita, mais eventual


contraproposta e aceitação, encontramos uma fase antecedente, sobretudo nos contratos de objeto
complexo, rotulada de negociações preliminares (também chamada de fase de puntuação), e que
representam as sondagens que potenciais interessados em torno de um objeto negocial fazem sem
gerar vinculação contratual.

Pois bem. Sabemos que há contratos mais simples, firmados de forma


rápida e até por mera adesão. Mas em outros contratos, um pouco mais complexos, as partes
interessadas podem negociar sem grandes compromissos, aparando arestas de seus interesses
antagônicos iniciais (em suma, vender por preço maior contrariando a expectativa do outro
interessado de comprar por preço menor, por exemplo).

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Nessa fase pré-contratual, embora não possa se estabelecer uma


vinculação contratual, não podemos esquecer da boa-fé objetiva em todas as fases da negociação (CC,
artigo 422). Assim, se em meio a uma fase de negociações preliminares, um dos interessados é levado
a suportar despesas ou perdas pelo recuo inesperado do outro, tendo este último conduzido a
negociação de forma a criar uma expectativa válida e até locupletar-se desse interesse manifestado,
que, frustrada abruptamente e imotivadamente gera perdas ao outro, podemos pensar em carrear ao
desistente a devida responsabilização civil para reparação dos danos 1.

1 Exemplo: consideremos que uma pessoa interessada em locar um imóvel em Santos/SP, se dirija àquela cidade e contate uma
empresa do setor imobiliário, deixando claro que reside em Ribeirão Preto/SP, e que lá se encontra para localizar um imóvel para abrigar
seu filho em período de estudos ou práticas esportivas. A empresa apresenta vários imóveis e um apartamento específico é escolhido
pelo interessado, que preenche planilha que lhe é fornecida pela imobiliária para concretização do interesse na locação, apresentando,
ainda, conforme a planilha, proposta de valor de aluguel diverso do anunciado em pequena monta, além de todos os documentos e
comprovantes de renda, bem como, garantias exigidas pelo locador. O locador proprietário exige uma reunião de fechamento do negócio
em Santos/SP sem se manifestar sobre sua concordância. O interessado se desloca para Santos/SP, e nesta reunião, sem maiores
explicações, o locador traz para a reunião outro interessado, que, diante da percepção de que pode perder a oportunidade, oferece maior
preço até do que o inicialmente anunciado, justamente em razão da reunião de conclusão da locação. O locador, então, comunica o
primeiro interessado (ou seja, aquele que se deslocara de Ribeirão Preto/SP para a reunião marcada em Santos/SP) que recuou no
interesse de locar o imóvel por qualquer valor (da oferta inicial ou da contraproposta do primeiro interessado de Ribeirão Preto/SP).
Nesse caso, o primeiro interessado não pode compelir o locador a cumprir a proposta de locação pois o preço não estava definido.
Contudo, certamente podemos concluir que a forma de condução das negociações preliminares pelo locador fez com que o interessado
de Ribeirão Preto/SP se prestasse apenas como um fator de atração para que a locação fosse celebrada com terceiro e por maior valor,
gerando ao primeiro interessado prejuízos pelas despesas com a viagem para a reunião de fechamento do negócio, pois todas as
exigências já haviam sido atendidas nas tratativas anteriores e o recuo na negociação não necessitava da reunião custosa ao prmeiro
interessado que foi claramente usado. O exemplo é uma construção que visa mostrar a importância da probidade contratual, espécie da
boa-fé objetiva já referida, como princípio informador no Código Civil, algo que simplesmente não havia no texto de 1916.

Precedente jurisprudencial: “Recurso especial. Civil e processual civil. Responsabilidade civil pré-contratual. Negociações
preliminares. Expectativa legítima de contratação. Ruptura de tratativas. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Juros de mora.
Termo a quo. Data da citação. 1. Demanda indenizatória proposta por empresa de eventos contra empresa varejista em fac e do
rompimento abrupto das tratativas para a realização de evento, que já estavam em fase avançada. 2. Inocorrência de maltrato a o art.
535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgam ento da
lide, não estando o magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas partes. 3. Inviabilidade de se cont rastar,
no âmbito desta Corte, a conclusão do Tribunal de origem acerca da expectativa de contratação criada pela empresa v arejista. Óbice
da Súmula 7/STJ. 4. Aplicação do princípio da boa-fé objetiva na fase pré- contratual. Doutrina sobre o tema. 5. Responsabilidade
civil por ruptura de tratativas verificada no caso concreto. 6. Inviabilidade de se analisar, no âmbito desta Corte, estatutos ou contratos
de trabalho, para se aferir a alegada inexistência de poder de gestão dos prepostos participaram das negociações preliminares . Óbice
da Súmula 5/STJ. 7. Controvérsia doutrinária sobre a natureza da responsabilidade civil pré-contratual. 8. Incidência de juros de mora
desde a citação (art. 405 do CC). 9. Manutenção da decisão de procedência do pedido indenizatório, alterando-se apenas o termo
inicial dos juros de mora. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido” (STJ - REsp: 1367955
SP 2011/0262391-7, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 18/03/2014, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2014).

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Segundo a irreparável lição de Caio Mário da Silva Pereira, as


negociações preliminares podem ser assim consideradas:

“[...] As negociações preliminares (tractatus, trattative, pourparlers, memorandum of


understanding, letter of intent) são conversas prévias, sondagens, debates em que despontam os interesses de cada um,
tendo em vista o contrato futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há vinculação das pessoas.
Não raro, nos negócios que envolvem interesses complexos, entabula uma pessoa conversações com diversas outras, e
somente se encaminha a contratação com aquela que melhores condições oferece. Enquanto se mantiverem tais, as
conversações preliminares não obrigam. Há uma distinção bastante precisa entre esta fase, que ainda não é contratual,
e a seguinte, em que já existe algo preciso e obrigatório. Não obstante faltar-lhe obrigatoriedade, pode surgir
responsabilidade civil para os que participam das negociações preliminares, não no campo da culpa contratual, porém da
aquiliana (v. nº 114, supra, vol. I, e nº 175, vol. II), somente no caso de um deles induzir no outro a crença de que o
contrato será celebrado, levando-o a despesas ou a não contratar com terceiro etc. e depois recuar, causando-lhe dano.
O fundamento do dever de reparação é o ilícito genérico, definido no nº 113, supra (vol. I). As negociações preliminares,
repitamo-lo, não geram por si mesmas e em si mesmas obrigações para qualquer dos participantes. Esta responsabilidade
tem caráter excepcional (Serpa Lopes Carrara), e não pode ser transposta para fora dos limites razoáveis de sua
caracterização, sob pena de chegar--se ao absurdo jurídico de equiparar em força obrigatória o contrato e as negociações
preliminares, e a admitir que as obrigações contratuais nascem antes de surgir o contrato que as gera” (PEREIRA, Caio
Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III, 23ª edição. Forense, 12/2018. VitalBook file, p. 33/34).

Há divergência doutrinária significativa sobre a natureza jurídica dessa


eventual responsabilização patrimonial do desistente, competindo destacar corrente que vê nesta
responsabilização, por falta de vinculação contratual e regulação dessa fase preliminar no Código
Civil de 2002, a aplicação de uma responsabilidade civil extracontratual, fundada na culpa subjetiva
derivada do ato ilícito, este último extraído do fato de que o comportamento do desistente foi
inesperado, menosprezando o esforço e a crença criada no espírito do outro interessado com seu
comportamento (artigo 186, Código Civil). A sustentar tal linha de pensamento, citamos Maria
Helena Diniz, destacando em negrito:

[...] “As negociações preliminares nada mais são do que conversações prévias,
sondagens e estudos sobre os interesses de cada contratante, tendo em vista o contrato futuro, sem que haja qualquer
vinculação entre os participantes. Deveras, esta fase pré-contratual não cria direitos nem obrigações, mas tem por objeto
o preparo do consentimento das partes para a conclusão do negócio jurídico contratual, não estabelecendo qualquer laço
convencional. [...] Logo, não se poderá imputar responsabilidade civil àquele que houver interrompido essas negociações,
pois, se não há proposta concreta, nada existe, se nada existe de positivo, o contrato ainda não entrou em processo

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formativo, nem se iniciou. Já que as partes têm por escopo a realização de um ato negocial que satisfaça seus mútuos
interesses, se uma delas verificar que isso não será possível, por lhe ser inconveniente, assiste-lhe o direito de recusar,
dando por findas as negociações, recusando-se a entabular o acordo definitivo. [...] Todavia, é preciso deixar bem claro
que, apesar de faltar obrigatoriedade aos entendimentos preliminares, pode surgir, excepcionalmente, a
responsabilidade civil para os que deles participam, não no campo de culpa contratual, mas no da aquiliana [...].
Na verdade, há uma responsabilidade pré-contratual, que dá certa relevância jurídica aos acordos preparatórios, fundada
no princípio de que os interessados na celebração de um contrato deverão comportar-se de boa-fé e nos arts. 186 e 927
do Código Civil que dispõe que todo aquele que, por ação ou omissão, culposa ou dolosa, causar prejuízo a outrem fica
obrigado a reparar o dano” (DINIZ, Maria Helena – “Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais” – 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 46).

Outra corrente doutrinária entende a responsabilização patrimonial do


desistente que criara fundada expectativa no outro interessado como uma decorrência da aplicação
do Princípio da Boa-Fé Objetiva, previsto justamente no artigo 422, do Código Civil, e que por
guardar aplicação a todas as fases da contratação (e não apenas nas fases de conclusão e cumprimento
segundo a literal expressão do dispositivo), por representar uma flagrante ausência de obediência aos
deveres colaterais do comportamento esperado frente ao negócio, mais especificamente, dos deveres
de lealdade e confiança, e por tal motivo jurídico, não seria de se exigir prova da culpa subjetiva (ou
aquiliana), admitindo-se, assim, uma responsabilização contratual e objetiva, derivada do
inadimplemento.

Embora não se trate de posição pacífica na Doutrina, filiamo-nos a esse


segundo entendimento que vislumbra a possibilidade de ocorrer eventualmente um dano reparável
àquele interessado que se vê diante da quebra abrupta da negociação sem causa concreta, pelo abuso
do direito de prospectar o negócio (artigo 187, Código Civil), a ferir a fonte principiológica da boa-
fé objetiva (regra geral), pela inobservância dos deveres colaterais e anexos de quem se propõe a criar
expectativa fundada de negócio futuro, mas não somente isso, e sim, pior, gerando despesas que
realmente não foram assumidas por conta e risco do outro, mas sobretudo, porque criou-se um
ambiente de contratação, frustrado por um recuo sem causa. Citamos então Flávio Tartuce que destaca
a divergência, mas com filiação à corrente da responsabilização propriamente contratual:
“[...] Sem dúvidas, este autor também entende que a fase de debates ou negociações
preliminares não vincula os participantes quanto à celebração do contrato definitivo. Entretanto, está filiado ao
entendimento segundo o qual é possível a responsabilização contratual nessa fase do negócio jurídico pela aplicação do
princípio da boa-fé objetiva, que é inerente à eticidade, um dos baluartes da atual codificação privada. Repise-se que a
boa-fé objetiva é aquela relacionada com a conduta dos contratantes e com deveres anexos, ínsitos a qualquer contrato,
que sequer necessitam de previsão no instrumento contratual. Os principais deveres anexos, também denominados

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deveres laterais ou secundários, são: o dever de cuidado, o dever de colaboração ou cooperação, o dever de informar, o
dever de respeito à confiança, o dever de lealdade ou probidade, o dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e
a boa razão. Nesse sentido, vale transcrever as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, para quem:
“Todavia, ao se dar início a um procedimento negocitório, é preciso observar sempre se, a depender das circunstâncias
do caso concreto, já não se formou uma legítima expectativa de contratar. Dizer, portanto, que não há direito subjetivo de
não contratar não significa dizer que os danos daí decorrentes não devam ser indenizados, haja vista que, como vimos,
independentemente da imperfeição da norma positivada, o princípio da boa-fé objetiva também é aplicável a esta fase
pré-contratual, notadamente os deveres acessórios de lealdade e confiança recíprocas” (Novo curso..., 2005, p. 96). Como
se sabe, de acordo com o art. 422 do atual Código Civil, a boa-fé deve integrar tanto a conclusão quanto a execução do
contrato. Para a maioria da doutrina, esse dispositivo é o que traz a aplicação da boa-fé objetiva em todas as fases do
negócio jurídico. Os Enunciados 25 e 170 CJF/STJ reconhecem a aplicação da boa-fé objetiva em todas as fases pelas
quais passa o contrato, incluindo a fase pré-contratual, de tratativas. Por tal caminho, aquele que desrespeita a boa-fé
objetiva na fase de debates pode cometer abuso de direito (art. 187 do CC), o que gera o seu dever de indenizar. A
responsabilidade do abusador ou violador da boa-fé é objetiva, conforme o Enunciado n. 37 CJF/STJ, aprovado na I
Jornada de Direito Civil (2004). Por outro caminho, com relação à quebra dos deveres anexos, a qual conduz à violação
positiva do contrato, a conclusão é a mesma, pelo teor do Enunciado n. 24 CJF/STJ, também da I Jornada, eis que “em
virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie
de inadimplemento, independentemente de culpa” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 - Teoria Geral dos Contratos
em Espécie, 11ª edição. Forense, 12/2015. VitalBook file, p. 145).

As negociações preliminares, portanto, servem para equalizar os


interesses dos contratantes aparentemente interessados, e preparam as partes para iniciar a formação
do contrato propriamente dita em que interessará ao Direito definir o momento de vinculação entre
os contratantes, iniciado com a proposta de um dos contratantes e concluído com a aceitação do outro
contratante, e que analisaremos a seguir.

2. Proposta (oferta ou policitação). A formação propriamente dita de


um contrato se inicia com a oferta de contratar, chamada de proposta, sendo seu autor identificado
como proponente, ofertante ou policitante. Não se confunde a proposta com as negociações
preliminares, pois ao contrário destas, a proposta encerra oferta com dois elementos que lhe são
característicos, ou seja, revela-se como uma definitiva intenção de realmente contratar, traduzindo
seriedade, tanto que bastará ser aceita para determinar a celebração, mas também completa, por conter
suficiência necessária do contrato a vingar, o que diferencia, por exemplo, a proposta de venda de um
carro específico de uma concessionária de veículos em face do conhecido interesse de determinado
comprador em potencial sobre um modelo de automóvel (ou seja, com o encaminhamento de proposta
de venda de carro de determinada marca, modelo, cor e preço concreto), do simples convite dessa
mesma concessionária para que aquele consumidor conheça o veículo em coquetel de lançamento do

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Segundo a primeira parte do artigo 427, do Código Civil, a proposta,


assim compreendida a oferta de contratar, séria e completa, vincula o proponente ao seu conteúdo, e
significa que se a outra parte, a quem foi dirigida a proposta, vier a aceitá-la, não mais poderá o
proponente se negar a mantê-la2. Temos aqui uma regra geral, incidente, inclusive, para a hipótese
de morte do proponente após a emissão da proposta, com vinculação de seu espólio (salvo se a
obrigação a ser contratada tivesse natureza personalíssima). Venosa, com clareza ímpar, também
ensina:

“[...] Importa precisar que a proposta é vinculativa da vontade do proponente, dentro


do sistema de nosso Código. Lembre-se de que tanto a proposta como a aceitação são manifestação de vontade
unilateral, com efeitos jurídicos. A proposta e a aceitação buscam a integração de duas vontades, para formar a vontade
contratual. No Código francês, não há dispositivo expresso acerca da obrigatoriedade da proposta. Entendemos ali que a
oferta não tem força vinculante. Em consequência, o ofertante pode retirar a proposta até a aceitação. Tal sistema gera
insegurança para os interessados. No sistema do Código alemão, a proposta é vinculativa e deve ser mantida sob certo
prazo e sob certas condições. Não se confunde a vinculação da proposta com sua revogabilidade. O ofertante pode deixar
de realizar o negócio, submetendo-se a perdas e danos. Não poderá fazê-lo, porém, se a proposta vier com a cláusula
de irrevogabilidade. O art. 427 de nosso Código filia-se ao sistema germânico. A proposta é vinculativa, com efeitos
concretos, sendo esses efeitos já disciplinados pela lei do consumidor. A formação do contrato diz respeito tanto aos
interessados presentes quanto aos ausentes. No entanto, como vemos da dicção legal, esse princípio vinculante da
proposta não é absoluto” (VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil - Vol. 3 - Contratos, 18ª edição. Atlas, 12/2017.
VitalBook file, p. 177).

A vinculação do proponente ao teor da sua proposta de contratar gera


responsabilidade contratual do proponente, exigível a critério do outro interessado a quem a proposta
foi dirigida, que pode buscar o cumprimento do negócio ou sua resolução e perdas e danos, seguindo
a regra clássica do Direito das Obrigações. No Direito do Consumidor, diante do seu caráter protetivo
a uma das partes na relação jurídica (consumidor), a vinculação da oferta não é somente uma regra a
comportar exceções (como no Direito Civil), tratando-se, na verdade, de um autêntico princípio de
forte incidência e alcance. Contudo, dado o caráter da regulação da relação contratual no Direito Civil
não ter o mesmo perfil de proteção, a regra estabelecida na primeira parte do artigo 427, do Código

2 Art. 427, Código Civil (primeira parte). A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela,
da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

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Civil comporta exceções legais, o que também é bastante útil para a percepção das diferenças de
tratamento legal específico nos dois sistemas de Direito Civil e de Direito do Consumidor, ainda que
incidam sobre o mesmo contrato.

Há ainda, por força da própria estrutura de formação paritária, a


possibilidade de dilatação da fase de formação, e com isso o Código Civil admite com maior abertura
um conjunto de exceções legais à vinculação decorrente da proposta por dar maior valor ao caráter
paritário de construção do vínculo obrigacional, seja em razão de elementos específicos da própria
proposta (artigo 427, Código Civil – segunda parte), seja em relação ao início e duração da
vinculação (artigo 428, Código Civil). Façamos, pois, as distinções devidas para cada um dos dois
grupos de exceções analisando o alcance dos referidos dispositivos legais.

2.1. Exceções decorrentes de elementos específicos da própria


proposta ou do negócio (artigo 427, Código Civil – segunda parte)3. A oferta de contratação do
proponente, dirigida de forma séria e completa voltada para colher a aceitação da outra parte vinculará
seu emitente caso reste realmente aceita. Como vimos, essa será a regra geral.

Entretanto, a primeira ressalva possível para essa vinculação pode


decorrer de elementos específicos da própria proposta, principalmente, se a proposta for emitida
com a clara imposição de desvinculação a critério do proponente (na hipótese de o proponente
ressalvar na proposta a possibilidade de não mantê-la, a seu critério, e que normalmente
encontramos nas propostas apresentadas com um destaque de ser “sem compromisso” ou
dependente de “confirmação futura”); também é possível que a proposta não gera vinculação, a
depender nessa hipótese, da própria natureza do negócio (na hipótese de que em certas áreas, a
desvinculação possa ser costumeira, como em prospectos que limitam a oferta ao estoque do
proponente e que relaciona essa hipótese com a descrita no artigo 429, do Código Civil); ou ainda,
por fim, se a desvinculação for decorrência de circunstâncias especiais, o que nos remete para
eventuais situações extraordinárias, em que fatores imprevisíveis posteriores à emissão da proposta

3 Art. 427, Código Civil (segunda parte). A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela,
da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

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possam torna-la extremamente onerosa segundo um necessário juízo de desequilíbrio, mas


obviamente, dependente de declaração judicial.

2.2. Exceções decorrentes do início e da própria duração da


vinculação inicial. Conforme já mencionado, a vinculação deve ser a regra, mas a desvinculação
pode excepcionalmente ocorrer, além do próprio teor e natureza da proposta ou do negócio (como
preconiza o artigo 427, do Código Civil), mas também pela perda de vinculação da proposta, ou seja,
por força do aspecto de duração da vinculação, ou propriamente, do início de vinculação, consoante
dispõe o artigo 428, do Código Civil4.

Significa dizer, pois, que a proposta formulada sem prazo entre


pessoas presentes (por pessoas presentes devem os alunos considerar aqueles que conversam
diretamente no mesmo local, ou por telefone, ou por meio eletrônico que permita a troca de falas de
forma simultânea, como em um “Chat”, ou pelos conhecidos sistemas “Skype” e “MSN”) não
vinculará o proponente se não for imediatamente aceita pelo outro contratante (artigo 428, I,
Código Civil).

Outrossim, a proposta formulada sem prazo entre pessoas ausentes


(por pessoas ausentes devem os alunos considerar aqueles que não conversam diretamente no mesmo
local, ou que se utilizem de outro meio de comunicação que não permita a troca de falas simultâneas
em tempo real, o que pode ser considerado com o “fax”, o próprio “e-mail”, carta, telegrama ou até
mesmo por um mensageiro), não vinculará o proponente se a resposta do aceitante não chegar ao
proponente em tempo suficiente (artigo 428, II, Código Civil). Por “tempo suficiente” devemos
considerar o que normalmente bastaria para o aceitante encaminhar sua resposta até o proponente de
acordo com as circunstâncias de negociação daquela natureza, a critério judicial conforme o caso.

Terceira hipótese legal de desvinculação, e talvez a mais simples, é a da

4 Art. 428, Código Civil. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita.
Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a
pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente,
não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente.

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proposta formulada com prazo entre pessoas ausentes. Ora, se a proposta continha um prazo para a
aceitação, e o aceitante não observa tal prazo, poderá ser que o proponente até admita e contrate na
forma de sua proposta mesmo que a aceitação chegue após o prazo da proposta, mas essa aceitação
tardia não vinculará o proponente por estar a aceitação fora do prazo (artigo 428, III, Código
Civil). Por fim, ressalva a lei civil a possibilidade de a retratação do proponente chegar antes ou
simultaneamente com a própria proposta até o aceitante (artigo 428, IV, Código Civil).

3. Proposta (oferta) ao público. O Código Civil, em seu artigo 429,


trata da oferta dirigida ao público, ou seja, não direcionada a um contratante específico. Consideramos
possível que isso se aplique fora da relação de consumo, como, por exemplo, através de anúncio de
um particular em seção de classificados de um jornal, ou em um grupo de trocas por rede social.

Para o mencionado dispositivo legal, essa oferta dirigida a um número


indeterminado de pessoas terá o mesmo efeito da proposta dirigida em específico, o que significa
considerar que terá o mesmo efeito vinculador, mas desde que apresente os requisitos essenciais do
contrato futuro, e somente poderá apresentar-se sem vinculação do autor da oferta, se vier a ser
revogada pela mesma via da oferta, e desde que originariamente já apresentasse tal possibilidade de
revogação na sua veiculação original, como estabelece o dispositivo legal:

Art. 429, Código Civil. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os
requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode
revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.

Afora a possibilidade de revogação expressa, imperioso é notar que a


oferta ao público já comporta ressalva de desvinculação de acordo com circunstâncias do negócio ou
costumes, o que claramente é relacionado ao artigo 427, do Código Civil, e sempre citamos a oferta
de produtos em panfletos com menção de limitação de estoque, mas que se ajusta melhor ao Direito
do Consumidor.

4. Aceitação (oblação). A formação do contrato pressupõe que a


proposta séria e completa emanada pelo proponente receba a aceitação do outro contratante, o que
representará a concordância deste ao teor da proposta deduzida pelo proponente. Portanto, a formação
do contrato compreende a formulação da proposta pelo proponente e a aceitação pelo aceitante, e já
vimos que a proposta, em regra, vincula o proponente, mas nem sempre, e essa desvinculação surge
se aceitação não é formulada no tempo certo (imediatamente entre presentes, e no prazo assinado ou

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em tempo razoável entre ausentes). Entretanto, se a aceitação respeitar o prazo legal compreendido
por exclusão nas regras dos artigos 427 e 428, do Código Civil, estará o proponente vinculado ao teor
da sua oferta de contratação (proposta).

A aceitação também observa regras específicas na lei civil para ser


considerada perfeita e acabada, e tais regras estão estampadas nos artigos 430 a 434, do Código Civil.
As quatro primeiras são reflexas do regramento que analisamos para a proposta no artigo 428, do
Código Civil, e assim não guardam complexidade, podendo ser assim compreendidas:

a) chegada tardia da aceitação e comunicação ao aceitante desse


fato (artigo 430, Código Civil)5: se, em razão de fatores imprevistos, a aceitação emitida no prazo
correto, chegar ao conhecimento do proponente após o prazo assinado, e o proponente não mais
apresentar interesse de contratar com o aceitante, deverá imediatamente comunicá-lo desse fato (qual
seja, a chegada tardia da aceitação que acarretou a não contratação), sob pena de se sujeitar a arcar
com eventuais perdas e danos do aceitante, que desconhecendo a chegada tardia de sua aceitação,
assumiu despesas a descoberto da contratação não formada, vindo a sofrer prejuízos com a não
contratação por crer que havia celebrado o contrato pelo cumprimento do prazo de aceitação;

b) contraproposta (artigo 431, Código Civil)6: a aceitação tardia


(depois de tempo suficiente na proposta entre ausentes sem prazo, ou se emitida com prazo e este
não for observado – artigo 428, II e III, Código Civil) ou que apresentar modificações, acréscimos
ou restrições em relação ao teor da proposta inicial é considerada uma contraproposta,
desnaturando-se como aceitação propriamente dita. Por consequência, o aceitante, ao responder à
proposta com modificações em relação àquela, ou fazê-lo fora do tempo devido tem em sua resposta
não propriamente uma aceitação, mas sim, uma contraproposta, que inverte o rumo da formação do
contrato, e que sugere deva ser aceita pelo proponente inicial, de acordo com as mesmas regras já
estudadas para a proposta inicial à luz do artigo 428, do Código Civil, mas com inversão dos polos
da contratação;

5 Art. 430, Código Civil. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-
á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos;

6 Art. 431, Código Civil. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta;

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c) dispensa de aceitação expressa ou aceitação tácita (artigo 432,


Código Civil)7: estabelece ainda a norma que se os costumes para aquele tipo de negócio dispensarem
a aceitação expressa, ou se o próprio proponente dispensar essa aceitação expressa (a carrear valor
jurídico ao silêncio do outro celebrante), o contrato será considerado concluído se não houver recusa
do aceitante, através do que consideramos tratar-se de aceitação tácita. Para melhor ilustrar, ainda
que sob tom mais restritivo, citamos a lição de Arnaldo Rizzardo:

“[...] Sempre que expresso o propósito do aceitante sobre a proposta dirigida pelo
ofertante, a aceitação é expressa. Mas, se a lei não exigir a forma expressa, a aceitação poderá ser tácita, que se
manifestará por fatos que levam necessariamente a concluir que deles se deduz ou decorre o direito. Os fatos e as
circunstâncias do ato são de molde a forçar a dedução da vontade. Naqueles expressos, a lei exige uma manifestação
de qualquer modo da vontade, não se fazendo necessário que tenham uma forma solene. Quer dizer, em certas relações
a lei prescreve a declaração expressa da vontade, sem reclamar, todavia, uma forma solene para o contrato. O art. 432
refere-se à aceitação tácita, ao rezar: “Se o negócio for daqueles, em que não seja costume a aceitação expressa, ou o
proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”. Duas são as hipóteses
contidas no dispositivo para a aceitação tácita: a) não ser costume a aceitação expressa; b) dispensar o proponente a
aceitação. O relacionamento existente entre as partes leva a dispensar a aceitação expressa. Fica perfeito e concluído o
negócio com a aceitação tácita. É frequente o costume ou hábito nas relações entre certos comerciantes, como quando
o industrial ou distribuidor remete seus produtos em caráter habitual a um cliente, o qual, igualmente, os recebe habitual
e normalmente, efetuando os pagamentos segundo as cobranças procedidas posteriormente. Com mais razão,
reconhece-se a aceitação tácita quando o proponente dispensa o direito a que tinha de obter uma aceitação expressa do
contrato proposto. Exemplo significativo é o pedido de reserva de acomodações em um hotel, declarando o interessado
que se deslocará em determinada data, caso não receber aviso em contrário. Não recebendo resposta negativa, presume-
se a aceitação da proposta. A recusa posterior ou tardia será considerada como ineficaz, acarretando a consequência de
reparar os danos emergentes. Tanto o proponente como o aceitante respondem pela indenização. O primeiro, se pediu a
reserva de acomodações, fica obrigado a pagar as diárias pela reserva garantida, ainda que não vá para o hotel,
responsabilizando-se pelos dias acertados de hospedagem, ou até que o hoteleiro alugue para outra pessoa as
dependências contratadas. O segundo, indenizando as diferenças ou excessos de despesas decorrentes do rompimento
do acerto e da hospedagem em outro hotel. Nem todo silêncio será havido como aceitação ou consentimento ao negócio
proposto. Uma série de circunstâncias, indícios e presunções devem acompanhar o convite para uma relação contratual.
Lembra Washington de Barros Monteiro, em texto que se adapta ao vigente Código Civil, que “não se poderá inferir
aceitação do silêncio não circunstanciado, do silêncio desacompanhado de atos que a pressuponham, ainda que a
proposta venha complementada por cláusulas cominatórias, como, por exemplo, a de considerar aceito o objeto remetido,
se não for devolvido dentro em certo prazo. Tal expediente não tem base jurídica; o policitante não pode violentar a

7 Art. 432, Código Civil. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado,
reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa;

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vontade daquele a quem propõe a conclusão de um contrato. Assim, quem recebe um jornal com o aviso de que se não
o devolve será tido como assinante, não pode ser considerado juridicamente vinculado, para o efeito de pagar o preço da
assinatura, porque seu silêncio não pode ser interpretado como manifestação de vontade, já que nada o obriga a devolver
jornal não encomendado. O proponente não pode impor a falta de resposta como aceitação de sua oferta”. Em resumo,
a remessa da mercadoria aguardada ou a realização do fato solicitado traduzem a aceitação tácita, dispensando qualquer
manifestação oral ou por escrito nesse sentido. Há elementos que levam a tal conclusão, como a expectativa do aceitante,
a qual pode derivar indiretamente de sua conduta” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 17ª edição. Forense, 01/2018.
VitalBook file, p. 144/145).

Seguimos a parte final da lição acima destacada, pois entendemos que


nas atuais relações de consumo, e especialmente, de comércio eletrônico, as práticas de contratação
já se seguem a um sistema de proposta que consigna aceitação tácita pelo uso gratuito após um tempo
determinado de degustação, não seguido de ruptura expressa da relação de trato sucessivo, em
especial, assinaturas em comércio eletrônico de canais esportivos ou acesso à periódicos de notícias,
e de acordo com a proposta, não há que se confundir com a prática menos atual de envio de produto
sem solicitação.

d) inexistência da aceitação por retratação prévia ou simultânea


(artigo 433, Código Civil) 8: trata-se de disposição análoga ao que o legislador estabeleceu para a
proposta no artigo 428, IV, do Código Civil, ou seja, a aceitação perde eficácia se antes dela ou
simultaneamente com a sua chegada o proponente receber expressa retratação da aceitação pelo
aceitante.

4.1. Aceitação entre ausentes (artigo 434, I a III, Código Civil) 9. O


regramento da aceitação no Código Civil contempla disposições específicas para a aceitação entre
ausentes. Isso porque a aceitação entre presentes, por interpretação sistemática do artigo 428, I, do
Código Civil, deve obrigatoriamente ocorrer de forma imediata, tão logo formalizada a proposta.
Caso não seja emitida imediatamente, também por interpretação sistemática do artigo 431, do Código
Civil, a aceitação tardia será considerada autêntica contraproposta.

8 Art. 433, Código Civil. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.

9 Art. 434, Código Civil. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo
antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado.

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Agora, passaremos a analisar a aceitação entre ausentes. Invocaremos,


pois, por seu brilho e didatismo, a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Novo
Curso de Direito Civil – V 4, T. I, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006), que mencionam a importância
de se estender o que no passado estava focado em tratativas por correspondência epistolar (carta,
telegrama) para a atual fase de comércio eletrônico por e-mail, e nesse prisma, investigar em que
momento a aceitação entre ausentes estaria apta a vincular o proponente e dar por formado o contrato.

Segundo os referidos autores, lastreados nos ensinamentos de Caio


Mário da Silva Pereira e Silvio Rodrigues, duas teorias jurídicas procuram definir a validade da
aceitação, sendo a primeira a Teoria da Cognição (através da qual se considera que a aceitação
somente estaria apta a tornar formado o contrato no momento em que chegasse de fato ao
conhecimento do proponente) e a segunda extraída da Teoria da Agnição (através da qual se
considera que a aceitação estaria apta a tornar formado o contrato independentemente do
conhecimento efetivo do proponente, e que comportaria subdivisão em três linhas de pensamento,
quais sejam: a) “subteoria da declaração propriamente dita”, b) “subteoria da expedição”; e c)
subteoria da recepção” – ob. cit. P. 94).

Em brevíssima síntese da Teoria da Agnição explicada à luz da


subteoria da declaração propriamente dita, estaria formalizado o contrato no momento da redação
da aceitação; já sob orientação da subteoria da expedição, conforme sua denominação sugere, estaria
formalizado o contrato no exato momento em que o aceitante envia, remete, expede a aceitação; por
fim, segundo a subteoria da recepção, o contrato poderia ser considerado perfeitamente formado no
momento em que a aceitação viesse a ser recebida formalmente pelo proponente (não propriamente
chegando ao seu conhecimento pessoal). O Código Civil de 1916 aclamava a Teoria da Agnição
seguindo a linha da subteoria da expedição em seu artigo 1086, caput.

O Código Civil de 2002, em vigor, indica adotar uma corrente mista no


campo da Agnição, reconhecendo a subteoria da expedição como regra (artigo 434, caput, Código
Civil), mas admitindo, por exceção, a subteoria da recepção nas seguintes hipóteses:

a) se a aceitação chegar ao proponente em simultaneidade, ou


mesmo vier a ser precedida, de retratação do aceitante: ao se referir ao artigo 433, está o Código
Civil acolhendo a subteoria da recepção para a hipótese em que a aceitação é precedida em sua
chegada de uma retratação, ou a aceitação e a retratação chegam simultaneamente ao proponente

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(artigo 434, I, Código Civil);

b) se o proponente, na proposta, tiver admitido esperar a aceitação:


nessa hipótese, é a proposta que renuncia ao teor da regra da expedição, encartada no artigo 434,
caput, do Código Civil, aceitando que a sua proposta venha a se prorrogar até a efetiva recepção da
aceitação do oblato (artigo 434, II, Código Civil);

c) se a aceitação não chegar no prazo assinado: para a hipótese de


aceitação expedida no prazo mas que chega ao proponente tardiamente, adota a norma como critério
de estabilização e segurança jurídica a recepção da aceitação pelo proponente, o que também
excepciona a regra do caput do artigo 434 (artigo 434, III, Código Civil); também para estabilizar
o tratamento legal específico, não podemos nos esquecer que na referida hipótese o proponente
assume o dever legal de informar o aceitante acerca da não celebração visando evitar que o aceitante
suporte perdas e danos (artigo 430, Código Civil).

5. Lugar. Satisfeito o estudo das regras relacionadas ao processo de


formação dos contratos, com as disposições acerca da proposta e da aceitação, nos resta mencionar
dispositivo de relevância prática, qual seja, o artigo 435, do Código Civil, que é de fato importante
para definição da competência territorial para processamento e julgamento de causas que envolvam
a formação do contrato, vez que o referido dispositivo estabelece que o contrato se considera formado
no lugar em que foi proposto, e não no lugar em que foi aceito10.

Há, aqui, uma aparente contradição com a regra do dispositivo anterior


(artigo 434, caput, Código Civil), que elegeu a expedição da aceitação como regra de formação cabal
do contrato, já que de acordo com o citado artigo 435, do Código Civil, o lugar do contrato acaba por
ser o do domicílio do emitente da proposta.

Contudo, temos aqui um alinhamento no ordenamento, conforme a


própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657, de 04/09/1942), que
em seu artigo 9º, § 2º, estabelece:
Art. 9o , LINDB. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em

10 Art. 435, Código Civil. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

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que se constituírem. [...] § 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o
proponente”.

Deixaremos para debater essa regra à luz do Direito do Consumidor em


outro momento pois é notório que o CDC fixa o domicílio do consumidor aceitante não apenas como
um critério de competência, mas sim, como uma prerrogativa processual importante de facilitação da
defesa dos direitos do consumidor em juízo para as ações de responsabilidade do fornecedor.

Para as regras de direito privado, principal foco da disciplina, temos um


alinhamento normativo entre o Código Civil de 2002 e a LINDB, estabelecendo que o local de
formação do contrato é o do domicílio do proponente, o que não exclui a possibilidade de se
estabelecer contratualmente outro foro para debate acerca do desenvolvimento do contrato (cláusula
de foro de eleição).

III. Dispositivos do Código Civil referidos nesta aula (fonte: www.planalto.gov.br).

Art. 427, Código Civil. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da
natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

Art. 428, Código Civil. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi
imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação
semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao
conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

Art. 429, Código Civil. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo
se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua
divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.

Art. 430, Código Civil. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este
comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.

Art. 431, Código Civil. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta.

Art. 432, Código Civil. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a
tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.

Art. 433, Código Civil. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação
do aceitante.

Art. 434, Código Civil. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no
caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no
prazo convencionado.

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Art. 435, Código Civil. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto

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