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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0248...

Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


Processo: 289/14.8T8FND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PESSOA COLECTIVA
SOCIEDADE COMERCIAL
OFENSA AO BOM NOME
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 27/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.484 CC
Sumário: 1. A ofensa ao bom nome e reputação das pessoas coletivas não
releva apenas como dano patrimonial indireto, refletido na
diminuição da potencialidade de lucro, podendo relevar ainda
enquanto dano não patrimonial.
2. Nas pessoas coletivas, o bom nome apresenta uma densidade
instrumental, funcionando como um elemento indispensável à
prossecução dos seus fins.
3. Quando se afirma que a afixação de um placard foi objeto de
falatório, “o que denegriu a imagem, a credibilidade e o prestígio da
autora”, encontramo-nos ainda no âmbito da ofensa do bem
jurídico, integrando a ilicitude do comportamento dos réus.

4. Se o ato ilícito puser em causa o prestígio e a credibilidade da


pessoa coletiva a tal ponto que afete gravemente a sua capacidade
de prossecução do seu fim e se esse dano não for avaliável em
dinheiro, aí sim, podemos falar de um dano não patrimonial.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):


I – RELATÓRIO
J (…), Lda., intentou a presente ação declarativa de condenação sob a
forma de processo comum contra P (…), e mulher, D (…)
Alegando em síntese:
entre os dias 12 e 14 de Agosto de 2104 os Réus afixaram na varanda do
1º andar da moradia que compraram à Autora, virado para a via pública,
um placar com os seguintes dizeres: -“Humidade - Paredes Rachadas -
Pinturas Deficientes- Garantia = ZERO”;
a descrita atuação dos Réus está a denegrir gravemente a imagem da

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Autora e a causar-lhe elevadíssimos prejuízos, de momento ainda


inquantificáveis, por não ser ainda possível apurar em que medida se
repercutirá na comercialização das moradias contíguas à dos Réus e
doutros imóveis construídos ou a construir pela empresa, atrasando ou
impossibilitando a sua comercialização ou então obrigando a empresa a
reduzir significativamente os preços para conseguir concretizar vendas;
a afixação de tal placar foi objeto de comentários e falatórios em vários
locais da cidade do Fundão, o que denegriu a imagem, credibilidade e
prestígio da Autora, e levou ao afastamento de que potenciais
compradores das moradias e de outras construções da Autora;
a descrita atuação dos Réus causou à Autora não patrimoniais, que pela
sua relevância e gravidade merecem a tutela do direito, para cujo
ressarcimento deverá fixar-se indemnização não inferior a €5.000,00 (cinco
mil euros).
Em consequência, pede:
i) Que se declare que, com a afixação do placar aludido no artigo 24º e seg.
da p.i., os Réus ofenderam o bom-nome, imagem, honestidade,
credibilidade e prestígio social da Autora;
ii) A condenação dos Réus a absterem-se de colocar tal placar, ou qualquer
outro, dessa ou doutra natureza, contendo palavras ou imagens suscetíveis
de denegrir a imagem da Autora, e a não permitirem ou tornarem possível
que terceiros o façam, em qualquer local do prédio identificado na alínea
anterior;
iii) A condenação dos Réus a absterem-se de, por qualquer outro modo,
denegrirem ou porem em causa o bom-nome e imagem da Autora;
iv) A condenação dos Réus a pagar à Autora a quantia de €5.000,00 (cinco
mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
 v) a condenação dos Réus a indemnizar a Autora pelos danos
patrimoniais decorrentes da sua conduta, no montante que se vier a apurar
e a liquidar em execução de sentença.
Os réus apresentam contestação, pugnando pela improcedência da ação.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação
parcialmente procedente:
i) Declarando que com a afixação do placar aludido no ponto 7), da
matéria de facto dada como provada os Réus ofenderam o bom-nome,
imagem, honestidade, credibilidade e prestígio social da Autora;
ii) Condenando os Réus a absterem-se de colocar tal placar, ou qualquer
outro, dessa ou doutra natureza, contendo palavras ou imagens suscetíveis
de denegrir a imagem da Autora, e a não permitirem ou tornarem possível
que terceiros o façam, em qualquer local do prédio identificado na alínea

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anterior;
iii) Condenando os Réus a absterem-se de, por qualquer outro modo,
denegrirem ou porem em causa o bom-nome e imagem da Autora;
iv) Condenando os Réus a pagar à Autora a quantia de €3.000,00 (três mil
euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
Absolvendo os RR. do demais peticionado.

*
Inconformados com tal decisão, os Réus dela interpõem recurso de
apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:  
(…)

*
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo
657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas
conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de
eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º,
do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as
seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Se a atuação dos réus causou à autora prejuízos ressarcíveis enquanto
danos não patrimoniais.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Impugnação da matéria de facto
(…)
Improcede, assim, na sua totalidade, a impugnação deduzida à decisão
proferida quanto à matéria de facto.

*
A. Matéria de facto
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida,
que aqui se mantêm inalterados:

1) A Autora é uma sociedade comercial por quotas, que tem por


objeto a indústria da construção civil, por conta própria e alheia,
comercialização das respetivas construções, compra e venda de

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bens imobiliários, rústicos ou urbanos, na qual se compreende a


revenda dos adquiridos para esse fim, e a prestação de serviços
afins.

2) Por escritura pública de compra e venda, celebrada em 30 de


Dezembro de 2008, no Cartório Notarial do Fundão, perante a
notária privada (…) Autora declarou vender ao Réu-marido e
este, por seu turno, declarou comprar-lhe, um prédio urbano sito
em V (...), freguesia e concelho do Fundão, correspondente ao
lote 9, destinado a habitação, então inscrito na matriz predial
urbana da freguesia do Fundão sob o artigo P 4128 (atualmente
sob o artigo 4562 da União de freguesias de (...)), descrito na
competente Conservatória de Registo Predial sob o nº 2471.

3) O prédio atrás identificado consiste numa moradia, composta


de cave, rés-do-chão, 1º andar e logradouro.

4) A referida moradia faz parte duma banda de cinco moradias,


contíguas entre si, todas com idêntica arquitetura e com
características similares.

5) A moradia implantada no lote nº 9, vendida pela Autora ao


Réu-marido, corresponde à localizada na extremidade nascente
da referida banda.

6) No passado mês de Julho de 2014 a Autora vendeu a moradia


que construiu no lote 16 da mencionada urbanização de V (...),
localizada, precisamente, em frente à moradia dos Réus.

7) Entre os dias 12 e 14 de Agosto de 2104 os Réus afixaram na


varanda do 1º andar da moradia que compraram à Autora,
virado para a via pública, um placar com cerca de 1,30 mt. de
largura e 0,90 mt. de altura, pintado de branco, com os seguintes
dizeres escritos a preto:

“Humidade

Paredes Rachadas

Pinturas Deficientes

Garantia = ZERO”;

8) [relativamente ao artigo 7.º] – Provado que: As restantes


moradias dessa banda encontram-se implantadas nos lotes 10, 11,

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12 e 13.

9) [relativamente ao artigo 8.º] – Provado que: Os mencionados


lotes 9 a 13 foram adquiridos pela Autora, por escritura pública
celebrada em 1 de Junho de 2007.

10) [relativamente ao artigo 9.º] – Provado que: Tais lotes


integram-se na denominada urbanização de V (...), localizada no
sítio de V (...), no Fundão, composta por vinte e oito lotes,
destinados à construção de moradias unifamiliares, oito das
quais em banda, repartidas por duas bandas, uma de cinco e
outra de três moradias, e as restantes separadas.

11) [relativamente ao artigo 10.º] – Provado que: A Autora


adquiriu no mencionado loteamento os lotes 4, 9, 10, 11, 12, 13,
14, 15, 16, 17, 19, 21 e 23.

12) [relativamente ao artigo 11.º] – Provado que: A Autora


comprou tais lotes para neles construir moradias e proceder à
comercialização das mesmas.

13) [relativamente ao artigo 12.º] – Provado que: A Autora


construiu as moradias que se encontram implantadas nos lotes 4,
9 a 13, 14 a 16, 17, 19 e 21, num total de doze.

14) [relativamente ao artigo 13.º] – Provado que: Já vendeu as


moradias que construiu nos lotes 4, 9, 13, 14, 15, 16, 17, 19 e 21.

15) [relativamente ao artigo 14.º] – Provado que: Não vendeu


ainda as moradias que construiu nos lotes 10, 11 e 12.

16) [relativamente ao artigo 15.º] – Provado apenas que: As


moradias construídas nos lotes 10 a 12, encontram-se na fase de
acabamentos.

17) [relativamente ao artigo 16.º] – Provado que: A Autora só


ainda não procedeu ao acabamento das mesmas para possibilitar
aos potenciais compradores a escolha de alguns materiais e
pormenores de acabamento e, deste modo, permitir alguma
personalização da moradia que adquirem.

18) [relativamente ao artigo 17.º] – Provado que: Além das doze


moradias construídas pela Autora, na urbanização em causa
existe apenas mais uma, construída por outra empresa.

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19) [relativamente ao artigo 18.º] – Provado que: As construções


existentes na mencionada urbanização são associadas à Autora,
por ter construído a generalidade das mesmas e por ser a única
empresa que faz publicidade à urbanização e às construções nela
existentes, quer em diversos pontos do loteamento, quer fora do
mesmo, quer através de panfletos e publicidade publicada em
jornais e revistas.

20) [relativamente ao artigo 19.º] – Provado que: A Autora existe


desde 1995, dedicando-se, desde então, com carácter habitual e
fins lucrativos, à indústria de construção civil, por conta própria
e alheia.

21) [relativamente aos artigos 20.º e 21.º] – Provado apenas que:


Durante os mais de 19 anos de existência construiu por conta
própria e comercializou dezenas de imóveis, mormente
moradias, destinadas a habitação, nas cidades da Covilhã e do
Fundão.

22) [relativamente ao artigo 22.º] – Provado que: A Autora


cresceu e implantou-se no mercado da construção, em especial
no segmento das moradias.

23) [relativamente ao segundo artigo 21.º (dado haver repetição


da numeração -] – Provado apenas que: Constitui uma empresa
de construção civil por conta própria do concelho do Fundão que
resistiu às dificuldades da profunda crise que, sobretudo a partir
de 2010, se abateu sobre a generalidade dos sectores da economia
portuguesa, com particular impacto no sector da construção civil
e imobiliário.

24) [relativamente ao segundo artigo 22.º (dado haver repetição


da numeração -] – Provado apenas que: A manutenção da
laboração da Autora acarreta a assunção de compromissos para
com a banca, continuando a conseguir vender alguns imóveis, o
que de deve à qualidade dos mesmos.

25) [relativamente ao artigo 25.º] – Provado que: O placar a que


se alude em 7), pela sua dimensão e localização, era visível e
legível por quem passasse, a pé ou de carro, na Rua Chorão
Ramalho.

26) [relativamente ao artigo 26.º] – Provado que: A gerência da

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Autora tomou conhecimento da colocação do dito placar através


dos donos das moradias localizadas em frente, implantadas nos
lotes 15 e 16, que ficaram chocados e revoltados com o teor da
mesma e, assim, com a atitude dos Réus.

27) [relativamente ao artigo 27.º] – Provado que: Não obstante o


referido placar não faça, de forma direta, alusão à Autora, quem
o lê deduz que o seu teor se reporta à empresa construtora e
vendedora da moradia dos Réus e que tal empresa é a Autora,
quer porque a moradia daqueles faz parte duma banda de cinco,
ligadas entre si, todas com arquitetura, características e
acabamentos exteriores idênticos, quer porque nas moradias
contíguas, ainda não vendidas, existe publicidade da Autora,
quer porque esta tem feito publicidade de tais moradias, desde
que iniciou a sua construção, através de diversos meios.

28) [relativamente ao artigo 28.º] – Provado apenas que: A


descrita atuação dos Réus denegriu a imagem da Autora.

29) [relativamente ao artigo 29.º] – Provado apenas que: No


corrente mês de Agosto (de 2014) as moradias contíguas à dos
Réus foram visitadas por um casal potencial comprador, aí
conduzido por um vendedor da imobiliária “ERA”, com quem a
empresa celebrou contrato de mediação imobiliária, com vista à
sua comercialização.

30) [relativamente ao artigo 31.º] – Provado que apenas: Em


Agosto 2014 ocorreu a visita desse casal potencial comprador,
acompanhado por um vendedor da imobiliária “ERA”, que
visitou as moradias construídas nos lotes 11 e 12, demonstrou ter
gostado das mesmas e manifestou interesse na compra duma
delas, mas que, ao sair, após ter visto e lido o placar colocado na
varanda da moradia dos Réus, alterou de imediato a sua atitude,
mostrando, desde logo, desinteresse por tais moradias.

31) [relativamente ao artigo 32.º] – Provado que: Na sequência da


visita anteriormente aludida a gerência da Autora foi alertada
pelo vendedor da “ERA” que acompanhou o referido casal, que
relatou o sucedido e manifestou grande preocupação face às
repercussões que tal situação poderá acarretar na venda das ditas
moradias, inviabilizando negócios que, doutro modo, se
concretizariam.

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32) [relativamente ao artigo 35.º] – Provado apenas que: O placar


supra aludido manteve-se afixado da varanda da fachada
principal da moradia dos Réus até à data em que estes foram
notificados da decisão proferida na providência cautelar
instaurada como preliminar desta ação, que ocorreu na primeira
semana de Setembro de 2014.

33) [relativamente ao artigo 36.º] – Provado que: No período em


que o dito placar esteve afixado foi visto pelas pessoas que
residem na urbanização onde se localiza a moradia dos Réus,
pelos familiares amigos e outras visitas de tais moradores que aí
se deslocaram, por diversas pessoas que se deslocaram ao
loteamento para visitar as moradias e por diversas outras que aí
se deslocaram somente para o verem.

34) [relativamente ao artigo 37.º] – Provado que: A afixação de tal


placar foi objecto de comentários e falatórios em vários locais da
cidade do Fundão.

35) [relativamente ao artigo 38.º] – Provado que: O que denegriu


a imagem, credibilidade e prestígio da Autora.

36) [relativamente ao artigo 39.º] – Provado que: E levou ao


afastamento de potenciais compradores das moradias e de outras
construções da Autora.

ii. Da contestação

37) [relativamente ao artigo 10.º] – Provado apenas que: Os RR.


mantêm um conflito com a Autora por causa de um conjunto de
defeitos que denunciaram – nos termos dos documentos
patenteados nos autos a fls.47 a fls.49.

38) [relativamente ao artigo 11.º] – Provado que: No âmbito desse


conflito a gerência da Autora em 14/08/2014 enviou o e-mail
patenteado nos autos a fls.52, que se dá aqui por integralmente
reproduzidos.

*
B. O Direito
A sentença recorrida, considerando a conduta dos réus como ilícita e
culposa e que a ofensa ao bom nome e crédito de uma sociedade

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comercial, ainda que se não projete num dano patrimonial, gera obrigação
de indemnizar o respetivo dano de natureza não patrimonial, veio a fixar a
indemnização por tais danos na quantia de 3.000,00 €.
Insurgem-se os apelantes contra tal condenação, alegando ter-se
considerado que a atuação dos réus acarretou prejuízos ressarcíveis
enquanto danos não patrimoniais, sem que se fizesse prova válida sobre a
séria e grave afetação da capacidade de prosseguimento do seu fim, o que
manifestamente aqui não aconteceu.
A alegação dos apelantes remete-nos para uma questão altamente debatida
e relativamente à qual a nossa jurisprudência se mostra ainda dividida,
respeitante à ressarcibilidade por danos não patrimoniais pela ofensa ao
bom nome de pessoa coletiva e, em caso afirmativo, qual a sua medida.
Segundo uma corrente jurisprudencial, toda a ofensa ao bom nome acaba
por se projetar num dano patrimonial indireto – um reflexo negativo na
potencialidade de lucro a auferir –, não sendo suscetível de indemnização
por danos não patrimoniais que apenas afetariam os indivíduos com
personalidade moral[1].
Sem personalidade física ou moral, as sociedades comerciais são alheias,
por natureza, às emoções e estados físicos e psicológicos, que caraterizam
os prejuízos desta natureza. Daí que a ofensa perpetrada sobre tais bens
jurídicos só relevará, para efeitos de indemnização, na medida em que seja
suscetível de projetar-se no seu património[2].
Entendimento diverso vem sendo já adotado maioritariamente pelos
tribunais, no sentido de admitir que a ofensa ao bom nome e reputação
das sociedades comerciais não releva apenas como dano patrimonial
indireto, podendo também relevar como dano não patrimonial[3].
Contudo, este entendimento esbarra-se com dificuldades na delimitação de
quais os danos suscetíveis de serem ressarcidos por essa via, recorrendo-se
por vezes à fixação de uma indemnização a título de danos não
patrimoniais como forma de se contornar a falta de prova da ocorrência
de danos patrimoniais e fazendo-os equivaler à própria lesão do bom
nome, prestígio da pessoa coletiva[4].
É indiscutida a titularidade de um direito ao bom nome e ao crédito por
parte das pessoas coletivas, dada a proteção legal que lhe é concedida
pelos artigos 484º do Código Civil e 187º do Código Penal.
Se o bom nome nas pessoas singulares constitui uma dimensão da sua
honra (dimensão externa), nas pessoas coletivas ela representa uma
densidade diferente, muito mais ténue e instrumental. Funciona como um
elemento indispensável à prossecução dos seus fins por parte da pessoa
coletiva. Marcadamente relacional, a pessoa coletiva precisa de ganhar e
conservar intacto um conceito ou uma imagem de credibilidade, de

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reputação e de prestígio social, sob pena (em caso de violação do seu


direito ao bom nome) de se ver incapacitada de prosseguir o seu
escopo[5].
Partindo-se de um conceito de danos “não patrimoniais” enquanto “danos
insuscetíveis de avaliação pecuniária”[6], os danos não patrimoniais das pessoas
coletivas prender-se-ão com dimensões que, compatíveis com a sua
natureza e os seus fins, não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária, que
não sejam traduzíveis em dinheiro.
Salientando a necessidade de proceder à distinção entre a ofensa do bem
jurídico e o dano, Nuno Alonso Paixão (cuja posição, quanto a esta
questão, seguimos de perto) sustenta que da violação de um direito de
personalidade pode resultar um dano que não seja suscetível de ser
avaliado em dinheiro, nem se consubstancie propriamente na perda de
prestígio da pessoa coletiva. “Este dano será relevante apenas e só quando
se produza numa concreta dimensão da pessoa coletiva: quando afete
gravemente a sua capacidade de prossecução do seu fim. É aquilo a que
chamaríamos “dano de frustração na capacidade de prossecução do fim[7]”.
Segundo tal autor, a perda de prestígio ou de credibilidade não são em si
um dano não patrimonial, sendo meros acessórios, instrumentos essenciais
para a creditação social da pessoa.
Se um ato ilícito que ofenda um direito de personalidade de uma pessoa
coletiva puser em causa o seu prestígio e a sua credibilidade a tal ponto
que danifique a sua capacidade de prossecução do seu fim, aí, sim, temos um
dano. E este dano é um dano de natureza não patrimonial, na medida em
que o interesse danificado é, pela sua natureza, insusceptível de avaliação
pecuniária[8].
Salientar-se-á, ainda, que nem toda a frustração dessa capacidade de
prossecução do fim merecerá tutela ao nível de uma indemnização por
danos não patrimoniais: só quando a aptidão para a prossecução do fim
for seriamente afetada e esse dano não for avaliável em dinheiro é que
podemos falar de um dano não patrimonial[9].
O que é lesado (para além de poder importar um menor lucro efetivo –
dano patrimonial) é a sua capacidade de prosseguir o lucro como fazia até
à verificação do facto ilícito.
No caso em apreço, o juiz a quo reconheceu a existência de danos não
patrimoniais ressarcíveis, com base na seguinte argumentação:
“Ora, no caso, resultou provado que:
A Autora é uma que tem por objecto a indústria da construção civil, por conta própria
e alheia, comercialização das respetivas construções, compra e venda de bens
imobiliários, rústicos ou urbanos, na qual se compreende a revenda dos adquiridos para
esse fim, e a prestação de serviços afins;

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Durante os mais de 19 anos de existência construiu por conta própria e comercializou


dezenas de imóveis, mormente moradias, destinadas a habitação, nas cidades da Covilhã
e do Fundão;
A Autora cresceu e implantou-se no mercado da construção, em especial no segmento
das moradias;
A manutenção da laboração da Autora acarreta a assunção de compromissos para com
a banca;
- À data ainda lhe quedavam vender 3 moradias naquele loteamento (terá vendido
entretanto uma);
- A descrita actuação dos Réus denegriu a imagem da Autora.
- O placar supra aludido manteve-se afixado da varanda da fachada principal da
moradia dos Réus até à data em que estes foram notificados da decisão proferida na
providência cautelar instaurada como preliminar desta acção, que ocorreu na primeira
semana de Setembro de 2014;
- No período em que o dito placar esteve afixado foi visto pelas pessoas que residem na
urbanização onde se localiza a moradia dos Réus, pelos familiares amigos e outras
visitas de tais moradores que aí se deslocaram, por diversas pessoas que se deslocaram
ao loteamento para visitar as moradias e por diversas outras que aí se deslocaram
somente para o verem.
A afixação de tal placar foi objeto de comentários e falatórios em vários locais da cidade
do Fundão, o que denegriu a imagem, credibilidade e prestígio da Autora, e levou ao
afastamento de potenciais compradores das moradias e de outras construções da Autora.
Assim, ponderando estes dados, levando em consideração que os RR. atingiram um
elemento indispensável à capacidade da autora vingar no mercado em que está inserido
(a saber: a confiança dos potenciais compradores), à difusão do facto propalado e ao
grau de culpa dos RR., mesmo levando em consideração algum desespero associado à
demora na reação da autora na correção dos defeitos, afigurando-se elevado o seu grau
de culpa, até porque agiram intencionalmente, afigura-se equitativo fixar o montante dos
danos não patrimoniais no valor de €3.000,00 (três mil euros).
Falece todavia o pedido de condenação a título de danos patrimoniais, dado que a
autora não logrou provar a correspondente matéria.”
Em nosso entender, dos factos que foram objeto de valoração por parte
do juiz a quo, nenhum deles integra um dano suscetível de ser valorado
enquanto dano não patrimonial. Alguns respeitam à própria lesão do
direito tutelado – quando se afirma que a afixação de tal placard foi objeto
de comentários e falatório não só das pessoas que visitaram a urbanização
mas em vários locais da cidade do Fundão, “o que denegriu a imagem,
credibilidade e prestígio da Autora”, encontramo-nos ainda e tão no âmbito da
lesão. O denegrir a imagem, a credibilidade e prestígio da autora respeita à
consumação da lesão do seu bom nome. A perda de prestígio ou de
credibilidade não constituem em si um dano, integrando a ilicitude do

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comportamento dos réus.


A divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito representam
um ilícito extracontratual[10].
A violação do direito ao bom nome, tal como sucede no caso de o lesado
ser pessoa humana, pode, ou não, acarretar um dano efetivo para o lesado
(imaginemos que é publicado um artigo que ofende a imagem de uma
pessoa, mas que esta, ou porque na altura nem chegou a ter conhecimento
do mesmo, ou se dele tendo conhecimento, porque lhe deu pouca
importância ou porque os outros não acreditaram nos factos publicitados,
não se sentiu afetada, não chega a provocar qualquer dano).
De entre os factos de que o juiz a quo se socorre, apenas um poderia ser
valorado ao nível dos danos causados pela ofensa à sua credibilidade – a
circunstância de o denegrir da sua imagem através da afixação do placard,
ter levado “ao afastamento de potenciais compradores das moradias e de outras
construções da Autora”.
Este facto poderia acarretar um dano suscetível de avaliação pecuniária –
um dano patrimonial – não o constituindo por se tratar de uma afirmação
genérica, faltando a alegação e prova de quantos interessados se
desinteressaram da compra de alguma das moradias, de quanto tempo
levou a autora a arranjar novos interessados para as mesmas, e se esse
atraso lhe acarretou algum prejuízo, por ex. pela perda da disponibilidade
que o recebimento do respetivo preço lhe traria (ou não, uma vez que caso
ocorresse uma valorização das moradias por efeito da inflação ou da
especulação imobiliária superior ao valor dos juros perdidos, poderia não
ocorrer qualquer prejuízo).
Para a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais haveria
de ter sido alegado e dado como provado que a ofensa ao seu bom nome
causada pela afixação do placard, durante quase um mês, lhe teria causado
uma perda da sua credibilidade social de modo a afetar gravemente a sua
capacidade de prossecução do seu fim.
Reconhecendo que as dificuldades de prova são neste campo enormes,
Nuno Miguel Paixão, chama a atenção de que não bastará o recurso às
regras da experiência para aceitar como provado que a ofensa ao bom
nome de uma pessoa coletiva tenha gerado necessariamente um descrédito
social. Para que haja um dano na pessoa coletiva, esta ofensa terá de se
“materializar” em algo mais concreto.
Concluindo, a circunstância de lesão da imagem, credibilidade e o prestígio
da autora, ter levado ao “afastamento de potenciais compradores das moradias e de
outras construções da autora” é, por si só insuficiente para atribuir à autora o
direito a uma indemnização, seja a título de danos patrimoniais – de tal
facto não se pode por si só, a ocorrência de qualquer prejuízo para o
património da autora – seja a título de danos não patrimoniais – não é
alegado que tal ofensa tenha afetado a credibilidade da autora pondo em

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causa a sua capacidade de prossecução dos seus fins.


A apelação terá de proceder, revogando-se a decisão recorrida.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a
apelação procedente, revogando-se parcialmente a decisão recorrida e
julgando-se, nesta parte, a ação improcedente, absolvem-se os réus do
pedido contra si formulado na al. iv) do pedido.
Custas a suportar pela apelada.                       
     Coimbra, 27 de abril de 2017
Maria João Areias ( Relatora )
Vítor Amaral
Luís Cravo

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.


1. A ofensa ao bom nome e reputação das pessoas coletivas não
releva apenas como dano patrimonial indireto, refletido na
diminuição da potencialidade de lucro, podendo relevar ainda
enquanto dano não patrimonial.
2. Nas pessoas coletivas, o bom nome apresenta uma densidade
instrumental, funcionando como um elemento indispensável à
prossecução dos seus fins.
3. Quando se afirma que a afixação de um placard foi objeto de
falatório, “o que denegriu a imagem, a credibilidade e o
prestígio da autora”, encontramo-nos ainda no âmbito da
ofensa do bem jurídico, integrando a ilicitude do
comportamento dos réus.
4. Se o ato ilícito puser em causa o prestígio e a credibilidade
da pessoa coletiva a tal ponto que afete gravemente a sua
capacidade de prossecução do seu fim e se esse dano não for
avaliável em dinheiro, aí sim, podemos falar de um dano não
patrimonial.

[1] Neste sentido, Acórdão do STJ de 23-01-2007, relatado por Faria


Antunes, Acórdão do TRL de 18-02-2014, relatado por Rosa Ribeiro
Coelho, e Acórdão do TRC de 24-02-2015, relatado por Fonte Ramos,
todos disponíveis in www.dgsi.pt.. Na doutrina, Filipe Miguel Cruz de
Albuquerque Matos, “Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou
ao Bom Nome”, Teses, Almedina, p.379-380: “(…) o bom nome, a

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reputação, a projeção social, tem um cunho manifestamente mais


relacional quando a sua titularidade se reporta às pessoas coletivas.
Particularmente relevante para a tutela jurídica é o bom nome enquanto
fonte geradora de contactos, relações negociais, possibilidades
aquisitivas para os entes coletivos, e não o valor emocional, afetivo ou
estimativo normalmente associado a estes bens jurídicos. Razão por
que, uma vez verificado o ilícito ao bom nome e ao crédito cujo lesado
seja uma pessoa coletiva, recai sobre o agente a obrigação de
indemnizar os danos emergentes, os lucros cessantes, bem como outras
perdas económicas significativas sofridas pelas organizações de pessoas
ou de bens a quem tenha sido reconhecida personalidade jurídica”.
[2] Acórdão do TRL de 18-02-2014, relatado por Rosa Ribeiro Coelho.
[3] Acórdãos do STJ de 12-09-2013, relatado por Oliveira Vasconcelos,
de 09-07-2014 relatado por João Bernardo, de 06-07-2011 relatado por
Gabriel Catarino,
[4] Veja-se, entre outros o Acórdão do TRL de 23-03-2010 de João
Aveiro Pereira (disponível in www.dgsi.pt.) onde se considerou que a
publicitação de uma dívida da autora – mediante a afixação de um
cartaz – constituiu um atentado à boa reputação da sociedade autora,
pelo que, não se provando a existência de danos patrimoniais, sempre
mereceria ser indemnizada a título de danos patrimoniais, sem que,
contudo, façam alusão a quaisquer prejuízos causados pela lesão da
ofensa ao bom nome, fazendo coincidir os danos com a lesão do bem
protegido.
[5] Nuno Miguel Alonso Paixão, “Danos Não Patrimoniais em Pessoas
Coletivas”, Dissertação de Mestrado, realizada sob a orientação de
Manuel Carneiro da Frada, Julho de 2012, disponível na net in file:///C:
/Users/MJ01318/Downloads/Nuno_paixao.pdf.
[6] “O dano não patrimonial corresponde à frustração de utilidades de
índole não patrimonial (insuscetíveis de avaliação pecuniária),
resultante do bem que as assegurava ter sido colocado em situação do
seu beneficiário não o poder utilizar para esse fim” – Rui Soares
Pereira, “A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais, do
Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra
Editora, p. 237. Como salienta tal autor, a importância do conceito
impõe-se na medida em que a lesão de um direito ou interesse
patrimonial (v.g., uma coisa) pode determinar danos de natureza
patrimonial (v.g., redução do seu valor comercial) ou não (v.g. dano
psíquico) e a lesão de um direito ou interesse não patrimonial (v.g., a
integridade física) pode ocasionar danos não patrimoniais (v.g., dor ou
sofrimento físico) ou patrimoniais (v.g., perda da capacidade de ganho)
– obra citada, p. 234. Tal conceito de danos não patrimoniais (mais
alargado do que o de “os danos morais”), é partilhado pela generalidade

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da doutrina – cfr., entre outros, Antunes Varela, “Das Obrigações em


Geral”, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p.601, e Galvão Teles,
“Direito das Obrigações”, 6ª ed., Coimbra Editora, 1989, p.370.
[7] Obra e local citados, p. 130.
[8] Nuno Alonso Paixão dá o seguinte ex. para nele distinguir os danos
patrimoniais dos não patrimoniais: determinada associação que tem por
fim altruístico ajudar mulheres vítimas de violência doméstica, é
acusada, num determinado pasquim, de ter incentivado muitas mulheres
a não apresentarem queixa às autoridades; em consequência de tal
notícia, a esta associação, que ajudava anualmente cerca de 10.000
mulheres, passou a ajudar apenas 500 mulheres por ano. Esta
consequência deveu-se à perda de credibilidade social operada pela
violação ilícita do seu nome. Poderá neste caso haver lugar a
indemnização por danos patrimoniais (indiretos) na vertente de danos
emergente, mas também de lucros cessantes (provando que até esse
facto recebia donativos na ordem de 4.000,00€/ano e a partir desse
momento não recebeu mais donativos), assim como poderão ter
ocorrido danos não patrimoniais – em consequência da notícia falsa, as
pessoas deixaram de confiar na associação e menos mulheres
recorreram ao seu auxílio; a capacidade de prosseguir o fim altruístico a
que se destina foi frustrada – local citado, p. 132.
[9] Nuno Alonso Paixão, local citado, p.133-134.
[10] Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos, “Responsabilidade
Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome”, Teses, Almedina,
p.484.

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