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22/10/23, 18:41 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 07A402
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
ACÓRDÃO POR REMISSÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: SJ20070313004021
Data do Acordão: 13-03-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1) A responsabilidade pré contratual – situada na fase vestibular (ou negociatória) – destina-se a
tutelar a confiança das partes que não devem ser arrastadas para situações de frustração de
expectativas por rompimento injusto, ou arbitrário, do “iter negocial”, causando danos resultantes
da não celebração do negócio.
2) É o princípio geral da boa fé que vincula ao respeito pela confiança na situação que o proponente
criou e que determinou o declaratário à realização de despesas para cumprimento da obrigação que
acreditou vir a vincular as partes.
3) O dever geral de boa fé engloba (ou desdobra-se) em vários deveres de actuação: informação,
guarda e restituição, segredo, clareza, protecção, conservação e lealdade.
4) O dever de lealdade – que alguns inserem no de informação – impõe a obrigação de não utilizar
práticas menos lisas, dissimuladas ou de embuste, sendo sua violação a ocultação de negociações
paralelas, a decorrerem simultaneamente com outra pessoa, tendentes à celebração do mesmo
negócio.
5) A responsabilidade pré contratual situa-se no âmbito da responsabilidade aquiliana (ou extra
contratual).
6) O uso da faculdade remissiva do nº 5 do artigo 713º do CPC não se prende com a facilidade da
questão em apreciação, nem com a uniformidade, ou sedimentação jurisprudencial (como a opção
do artigo 705º) mas apenas com a desnecessidade de reproduzir as razões da decisão “a quo” por
existir um juízo absolutamente concordante e não terem sido alegadas novas e relevantes razões.
7) Só ocorre a nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil se for
silenciada questão que o tribunal deva conhecer por força do nº2 do artigo 660º.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

“AA e Companhia (Filhos), SA”, com sede em Leça da Palmeira, Matosinhos, intentou acção, com
processo ordinário, contra “ BB SA” (antes designada por “A... E... Agriculos, SA”) com sede em
Madrid, Espanha, pedindo a sua condenação a pagar-lhe, a titulo de indemnização, 155 264, 03
euros, por danos patrimoniais e não patrimoniais, pela responsabilidade pré-contratual da Ré.

Alegou que a ré incorreu em responsabilidade aquando das negociações encetadas entre ambas,
com vista à aquisição pela autora da totalidade das acções da sociedade portuguesa Fábricas CC –
Indústrias Transformadoras, SA, e suas participadas. A ré comprometera-se a negociar
exclusivamente com a autora. Porém, veio a vender as referidas acções a uma empresa concorrente
da autora, nunca a tendo informado de que se encontrava a negociar paralelamente com terceiros.

O conhecimento da venda das acções a outra empresa foi para si uma total surpresa.

Alega que teve variadas despesas durante as negociações de que pretende ser ressarcida, assim
como viu a sua imagem comercial ficar diminuída na praça, por causa da não conclusão do
negócio.

A ré defendeu-se dizendo que os contactos negociais entre ambas as partes foram meramente
incipientes. Que as propostas negociais de ambas as partes eram de tal forma distantes, que tal
justificou o abandono, sem mais, da ré e das negociações.

Para além disso, ambas as partes acordaram previamente e por escrito que as negociações podiam
ser rompidas sem pré-aviso.

Na 5ª Vara Cível da Comarca do Porto a acção foi julgada improcedente.

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Culminando a apelação da Autora, a Relação do Porto confirmou o julgado.

Apelou a Autora assim concluindo:

1- A Relação utilizou mal os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 713º nº5 do CPC, pois esta
norma não passa um cheque em branco à Relação.
2- A possibilidade de remissão para a sentença de 1ª instância que essa norma prevê é aplicável a
questões que não sejam complexas.
3- A culpa in contrahendo, é uma questão muito debatida na doutrina e jurisprudência, a qual
necessitava de um estudo muito mais aprofundado do que a simples remissão para o decidido na 1ª
instância.
4- A Relação utilizou incorrectamente os poderes conferidos pelo artigo 713º nº 5 CPC.
5- Ocorreu omissão de pronúncia, porque a Relação não se pronunciou sobre as conclusões nº4 a 9º
e 10º a 12º das conclusões da alegação da apelação.
6- Essas conclusões versam sobre questões sobre as quais a 1ª instância não se pronunciou e,
portanto, sobre as quais a Relação deveria ter decidido, pois isso constituía o objecto do recurso.
7- Ao não apreciar nem decidir sobre estas questões que a autora lhe levou ao conhecimento, sem
sede de objecto de recurso, incorreu, assim, o Acórdão recorrido na nulidade prevista no artigo 668º
nº 1 d) do CPC.
8- A boa fé consiste no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir, e tem
um sentido ético – artigo 227º do CC.
9- A ré tinha a obrigação de informar a autora de que estava a negociar com outro empresário
português desde Dezembro 2000/Janeiro 2001.
10- Ao não cumprir essa obrigação a ré violou os deveres de diligencia, zelo, lealdade, honestidade,
informação e esclarecimento, tendo em vista a protecção da confiança mútua e das expectativas de
cada um na condução leal e criteriosa das negociações e na conclusão do negócio.
11- A ré exigiu à autora o comportamento sigiloso quanto às negociações que estavam em curso
entre ambas, enquanto nas suas costas e sem conhecimento desta, mantinha paralelamente,
negociações com um empresário português concorrente da autora, tendentes à conclusão do mesmo
negócio.
12- A autora tinha a justificada confiança na formalização do contrato, criada e fomentada pela
própria ré, face à sua iniciativa de lhe fornecer informações confidenciais, mediante subscrição de
um acordo de confidencialidade, e de nunca a ter informado que estava a negociar com outrem.
13- A ré, não obstante manter negociações com a autora entre o 1º semestre de 2000 e Março de
2001, já vinha a manter paralelamente e ao mesmo tempo, negociações desde 2000 com outro
empresário português, concorrente da autora, o qual veio a celebrar o contrato que a ré negociava
com a autora.
14- O abandono das negociações não foi justificado, traindo a confiança da autora no desfecho das
mesmas.
15- A autora provou o facto ilícito da ré, traduzido no injustificado rompimento das negociações e
paralela negociação que a autora desconhecia o que gera responsabilidade pré contratual da ré.
16- A culpa da ré na ocorrência do facto ilícito presume-se, pois estamos no domínio da
responsabilidade pré contratual.
17- Estando presumida a culpa da ré, incumbia a esta a prova da inexistência de culpa sua (artigo
350º do CC), o que esta não logrou demonstrar, até porque nada alegou nesse sentido.
18- As respostas dadas aos quesitos 10º a 14º, 19º a 26º da base instrutória demonstram a existência
de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e o acto ilícito da autora.
19- Deve a ré ser obrigada a indemnizar a autora nas quantias liquidas de 39.903,83 euros
(respostas aos quesitos 10º a 14º e 20º) e de 67.344,71 euros (resposta ao quesito 24º) e ainda em
quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos constantes das
respostas aos quesitos 19º, 21º, 22º, 23º, 25º e 26º.
20- O acórdão recorrido e a sentença de 1ª instância fizeram incorrectas interpretações e aplicações
das normas dos artigos 653º nº2 do CPC, 227º e 350º do CC.

Contra alegou a ré em defesa do Acórdão recorrido.

A Relação disse não ocorrer a nulidade arguida.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1- A autora é uma sociedade que se dedica ao fabrico e comercialização de conservas de peixe.


2- A ré é uma sociedade comercial de direito espanhol que se dedica à actividade industrial no
ramo alimentar.
3- A ré adquiriu, em 1995, uma participação de 95,4% no capital da sociedade portuguesa Fábricas
CC – Industrias Transformadoras, SA”, que desenvolve a sua actividade no sector das conservas

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alimentares.
4- Que por sua vez era titular da totalidade das acções de duas outras sociedades também ligadas à
industria conserveira: a Fábrica DD, SA e a EE – Imperial Conserveira, SA”.
5- A autora assinou o acordo de confidencialidade, junto a fls. 14 e ss, do qual consta
expressamente que “ambas as partes reconhecem mutuamente o direito de a outra parte poder a
qualquer momento e sem aviso prévio acabar com os contratos e negociações sobre a transacção
não tendo obrigação de aceitar qualquer das propostas que respectivamente apresentem uma à
outra”.
6- No decurso do ano de 2000 a ré contactou a autora no sentido de esta vir a adquirir as acções da
sociedade Fábricas CC – Indústria Transformadora, SA, EE, Lda. e Pátria, Lda.
7- A autora aceitou efectuar negociações com a ré tendente à celebração do negócio que consistia
na aquisição da totalidade das acções representativas do capital social das referidas sociedades.
8- A autora iniciou e prosseguiu negociações e contactos com a ré.
9- Para o efeito a ré exigiu da autora a subscrição de um compromisso de sigilo.
10- Por via disso, a autora subscreveu e enviou à ré um compromisso de sigilo no tocante ao
negócio e às informações que viesse a colher no decurso das negociações.
11- Tais negociações tinham como conteúdo e objectivo a aquisição que a autora viria a efectuar à
ré da totalidade das acções que esta ré era titular no capital social da referida CC e suas
participadas.
12- As negociações decorreram entre o 1º semestre de 2000 e Março de 2001.
13- Da parte da autora essas negociações eram efectuadas pelo seu presidente do conselho de
administração FF e da parte da ré pelo que resulta infra do facto nº26.
14- A autora contratou o banco BPI, para aconselhamento técnico, o qual efectuou estudos
económicos e financeiros para a autora, tendo em vista o negócio em formação.
15- A ré negociava com outro empresário português desde Dezembro 2000/Janeiro 2001.
16- Em Agosto de 2001, a empresa conserveira “GG Lda.”, adquiriu à ré as acções das Fábricas CC
– Indústria Transformadora, SA, EE, Lda. e Pátria, Lda.
17- Nunca a ré informou a autora que estava a negociar também com outro concorrente português
da autora.
18- A autora pagou ao BPI pelos serviços supra referidos a quantia de 39.903,83 euros.
19- A autora efectuou estudos internos dentro da empresa através do trabalho de 2 técnicos seus
funcionários.
20- Os funcionários da autora auferem remuneração de 3.000 euros mensais;
21- Houve gastos com material de escritório, informática e comunicação.
22- Os administradores da autora ficaram desolados.
23- No ano de 2000 a ré iniciou uma operação de desinvestimento em Portugal, com vista à
alienação das participações que directa ou indirectamente detinha nas empresas supra referidas e
tendo a autora tomado conhecimento desta decisão e manifestou, junto da ré, o seu interesse na
eventual aquisição daquelas participações.
24- No período supra referido em 12 realizaram-se vários contactos entre as duas empresas, para
apurar as reais possibilidades de concretizar este negócio.
25- As duas empresas, entre Junho de 2000 e Março de 2001, realizaram várias reuniões
exploratórias e trocaram informação sobre as empresas a alienar.
26- Da parte da ré, estes contactos foram conduzidos por quadros superiores da empresa,
assessorados por uma empresa espanhola de consultadoria – a HH – e posteriormente também por
uma sociedade de advogados.
27- Nestes contactos, houve manifestações de vontade pelas partes das condições em que estavam
dispostas a, respectivamente, vender e comprar.
28- Houve fornecimento, pela ré, de informação financeira e comercial relativa ao grupo de
empresas que pretendia vender, no sentido da autora avaliar o seu real interesse na aquisição.
29- Não foi observado o calendário estabelecido no documento de fls. 19 e ss, nem foram
concretizados os actos aí previstos, com excepção do constante do documento de fls. 219.
30- A ré estava disposta a vender e por isso, obviamente, receptiva a uma proposta da autora, mas
também de qualquer outro interessado.
31- A autora, após lhe ser explicado – pelo documento de fls. 19 e ss – que tipo de operação
interessava à ré, e a fim de apresentar uma proposta concreta de compra, solicitou um conjunto de
informação financeira, económica e comercial relativa ao grupo de empresas em causa que, por se
tratarem de documentos do qual constavam segredos comerciais.
32- Levou à assinatura do acordo de confidencialidade, supra referido em 5.
33- Foi neste contexto que a autora, após solicitar os documentos e informações que entendeu
convenientes, apresentou à ré, em 16 de Março de 2001, uma proposta concreta para a aquisição
das participações sociais por esta detidas no capital social da CC.
34- Formalizada por meio de uma minuta de contrato promessa de compra e venda de acções, na
qual concretizou aquelas que, para si, seriam as condições em que estaria disposta a realizar o
negócio.
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35- A ré não aceitou as condições propostas pela autora.
36- Por isso a ré enviou à autora uma nova versão do contrato promessa.
37- Dá-se aqui por reproduzido o teor do documento de fls. 81.
38- As propostas de uma e de outra parte encontravam-se distantes.
39- Cessaram todos os contactos entre autora e ré.
40- Na sequencia do abandono dos contactos com a autora, a ré celebrou, em 5 de Junho de 2001,
um contrato promessa de compra e venda das acções da CC com uma outra empresa do sector
conserveiro, a GG, Lda. e por sua vez o contrato definitivo viria a ser celebrado em 6 de Agosto de
2001.
41- O sector das conservas em Portugal resume-se a 3 ou 4 empresas e existem relações estreitas
entre os vários empresários do ramo.
42- Houve publicitação da alienação do grupo CC pela ré, conforme documento de fls. 208.
43- O presidente do conselho de administração da autora é um empresário experiente e um
profissional de referência no sector das conservas.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Omissão de pronúncia.
2- Artigo 713º nº 5 do CPC.
3- Responsabilidade pré contratual.
4- Dever de lealdade.

5- Conclusões.

1- Omissão de pronúncia.

A recorrente vem, em primeira linha, arguir a nulidade do Acórdão por ter omitido pronúncia sobre
os pontos 4º a 9º e 10º a 12º das conclusões da sua apelação.
Esses pontos são os seguintes:

4- A ré tinha obrigação de informar a autora de que estava a negociar com outro empresário
português desde Dezembro 2000/Janeiro 2001.
5- Ao não cumprir essa obrigação a ré violou os deveres de diligência, zelo, lealdade, honestidade,
informação e esclarecimento, tendo em vista a protecção da confiança mútua e das expectativas de
cada um na condução leal e criteriosa das negociações e na conclusão do negócio.
6- A ré exigiu à autora o comportamento sigiloso quanto às negociações que estavam em curso
entre ambas, enquanto nas suas costas e sem conhecimento desta, mantinha paralelamente,
negociações com um empresário português concorrente da autora, tendentes à conclusão do mesmo
negócio.
6- A autora tinha a justificada confiança na formalização do contrato, criada e fomentada pela
própria ré, face à sua iniciativa de lhe fornecer informações confidenciais, mediante subscrição de
um acordo de confidencialidade, e de nunca a ter informado que estava a negociar com outrem.
7- A ré, não obstante manter negociações com a autora entre o 1º semestre de 2000 e Março de
2001, já vinha a manter paralelamente e ao mesmo tempo, negociações desde 2000 com outro
empresário português, concorrente da autora, o qual veio a celebrar o contrato que a ré negociava
com a autora.
8- O abandono das negociações não foi justificado, traindo a confiança da autora no desfecho das
mesmas.
9- A autora provou o facto ilícito da ré, traduzido no injustificado rompimento das negociações e
paralela negociação que a autora desconhecia o que gera responsabilidade pré contratual da ré.
10- A culpa da ré na ocorrência do facto ilícito presume-se, pois estamos no domínio da
responsabilidade pré contratual.
11- Estando presumida a culpa da ré, incumbia a esta a prova da inexistência de culpa sua (artigo
350º do CC), o que esta não logrou demonstrar, até porque nada alegou nesse sentido.”

Tratar-se-ia, no fundo, de falta de argumentação sobre a violação de deveres negociais pela ré –


diligencia, zelo, lealdade, honestidade, informação e esclarecimento – por ter mantido,
simultaneamente, negociações com outro concorrente e saber se a culpa é de presumir, no âmbito
da responsabilidade extra contratual.
Vejamos,
A Relação confirmou a sentença recorrida, lançando mão da faculdade do nº5 do artigo 713º do
CPC, aditando alguns argumentos “ex abundantia”.
A sentença da 5ª Vara Cível da Comarca do Porto, ponderou a questão dos deveres de
comunicação, informação e esclarecimento e desenvolveu todo um raciocínio tendente a
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demonstrar o não incumprimento, no cotejo da doutrina com a matéria de facto apurada.
Concluiu que a recorrida não abandonou as negociações injustificadamente e que a sua conduta
“não é pois geradora de responsabilidade pré contratual”.
Adiante abordou o dever de informação, na perspectiva da não comunicação das negociações
paralelas e tomou posição sobre o ónus da prova (fls. 290/292).
Assim fica claro que todas as questões suscitadas foram conhecidas, sendo que, com a remissão, o
Acórdão recorrido incorporou, e fez seus, os argumentos utilizados, ainda que, e à cautela, não
tivesse deixado de usar argumentos adjuvantes.
Só haveria omissão de pronúncia, geradora da nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º do
Código de Processo Civil se se silenciar uma questão que o tribunal deva conhecer por força do nº2
do artigo 660º daquele diploma, sem que esse dever implique o abordar, exaustiva e
detalhadamente, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor correados pelas partes.
Não há vício de limite mas, eventualmente, “error in judicando”, ou erro judicial, se a questão foi
decidida em termos opostos aos defendidos pela parte, ainda que tal segmento decisório surja muito
sucinto e isento de argumentação convincente.
Destarte, improcede a arguição de nulidade.

2- Artigo 713º nº5 do Código de Processo Civil.

Insurge-se, a recorrente, quanto ao uso, pela Relação, da faculdade do nº5 do artigo 713º da lei
processual.
Diz este preceito que “quando a Relação confirmar inteiramente, e sem qualquer declaração de
voto, o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão quer quanto aos respectivos fundamentos,
pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da
decisão impugnada.”
Esta norma, que (juntamente com o preceito homologo – artigo 705º) surge no processo civil com a
reforma do DL nº 329 A/95, buscou uma maior simplificação na elaboração dos acórdãos, tal como
já acontecia nos casos previstos nos artigos 78 A da Lei do Tribunal Constitucional e 420º nº3 do
Código de Processo Penal.
E não implica qualquer violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, que tem
dignidade constitucional (cf. os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 151/99 e 56/97).
Certo que existem algumas reservas de principio à utilização da faculdade remissiva.
De um lado, toda a tramitação formal dos Acórdãos, sedimentada ao longo de décadas assentou em
critérios de exposição minuciosa, muitas vezes com elaborados exercícios de exegese jurídica,
sendo que tal prática faz parte do lastro cultural da maioria dos Juízes.
De outra banda, defende-se a autonomia das decisões (devem bastar-se a si próprias) o que é
dificultado pelas incorporações remissivas.
Também alguns olham com certa desconfiança os arestos que não redescobrem a argumentação do
juízo “a quo” e a não sindicam “pari passu”, considerando-os sintomas de facilitismo e menor
cuidado na reponderação do julgado, no cotejo com as alegações das partes.
Mas não pode deixar de considerar-se que o escopo primeiro da decisão é dirimir o conflito,
declarar o direito no caso concreto, que não produzir um trabalho doutrinário de fôlego; que, muitas
vezes, o tempo e as energias perdidas nessas exposições a exaurir os institutos, implicam uma
deficiente gestão do contingente processual, contribuindo para uma menor celeridade.
Também, e muitas das vezes a remissão surge mais justificada quando o recorrente, “maxime” nas
alegações para o STJ não acrescenta nenhum argumento, e, na verdade, nem sequer afronta a
decisão recorrida, limitando-se à reprodução “ipsis verbis” do alegado no tribunal “a quo”. (cf., v.g,
o Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2006 – 06 A2993 – do mesmo Relator).
Finalmente, o uso da faculdade do nº 5 do artigo 713º do CPC, não tem a ver com a facilidade ou
uniformidade de jurisprudência anterior, da questão “sub judicio”, como acontece com a situação
do artigo 705º.
Aqui, tratando-se de conferir poderes excepcionais ao Relator que julga o mérito desinserido do
conclave, há que acautelar certos pressupostos rígidos conducentes à manifesta inviabilidade do
recurso, sempre sem prejuízo de reclamação para a conferência.
Já na remissão típica o que está em causa é a desnecessidade de reproduzir as razoes da decisão
recorrida se verificado um juízo concordante do colégio julgador e não se perfilarem diferentes
argumentos adicionais ou necessidade de rebater novas razoes pertinentes surgidas na alegação de
recurso.
Improcede, pois, este segmento conclusivo.

3- Responsabilidade pré-contratual.

3.1- “Pulcra quaestio” é apurar se a recorrida incorreu em responsabilidade pré contratual.


Movemo-nos na fase vestibular (ou negociatória), por contraposição à fase decisória (ou
outorgatória) do contrato.

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Há que percorrer o “iter negotii” por forma a garantir a tutela da confiança das partes que não
poderão ser arrastadas para situações de invalidade negocial culposa ou para a frustração de
expectativas (alicerçadas em interpretação correcta dos usos do comércio) quando, injusta ou
arbitrariamente, a contraparte rompe as negociações causando danos sofridos com vista à
celebração do contrato.
Nesta fase, que se desenvolve, durante um período de duração variável no decurso do qual se
prepara, discute (e tantas vezes se celebram acordos parciais) as partes gozam de uma muito maior
liberdade, podendo sempre proceder a reformulações, reajustamentos, mais difíceis, ou senão
impossíveis, na fase ulterior.
Mas essa margem de liberdade não é total, nem surge desenhada por forma discricionária, em
termos de abrigar o mero capricho ou arbítrio inesperado dos negociadores.
É que, e cada vez mais, a actividade negocial se profissionaliza e este período vestibular integra a
realização de estudos de mercado, consultas, orçamentos cotejados, contratos de tarefa, seguros e
outras actividades onerosas que tem de ser protegidas contra arbitrariedades e precipitações.
Esta a razão de ser da responsabilidade pré contratual, entre nós estudada ainda na vigência do
Código Civil de 1867 (cf. o Prof. Mota Pinto – “A responsabilidade pré negocial pela não
conclusão dos contratos”, 1963 – sep. BFDC XIV e Prof. Manuel de Andrade – “Teoria Geral das
Obrigações”, 2ª ed, 1963, 402) e em sede dos trabalhos preparatórios do Código Civil (Prof. Vaz
Serra, “Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68).
Não tendo autonomia na lei substantiva apela-se geralmente para o artigo 227º do Código Civil que
consagra a necessidade de acatamento das “regras de boa fé”, “tanto nos preliminares como na
formação” de um contrato.
Como se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Outubro de 1991 – BMJ 410-754 – “a
responsabilidade (pré contratual) não surge apenas na ruptura injustificada das negociações –
expressão da liberdade de concluir ou não o negócio jurídico –, mas é preciso verificar-se, ainda, o
facto especifico da criação da expectativa e confiança, com respeito à qual a ruptura é contrária à
boa fé (Revista dos Tribunais, 86, 12. Com fundamento no citado artigo 227º do Código Civil, pode
responsabilizar-se, pelos danos ligados à frustração da confiança depositada na celebração de um
negócio, a parte que culposamente, provoca ou não evita a invalidade (bem como,
excepcionalmente, dado o principio da liberdade de conclusão dos negócios, a parte que provoca a
ruptura das negociações – cf. “Revista de Direito e Estudos Sociais”, XVII, nº 88).”
No fundo, considera-se que é o principio da boa fé que vincula ao respeito pela confiança na
situação que o proponente criou e que determinou o declaratário à realização de despesas para
cumprimento da obrigação que entendeu vir a vincular-se.
O Prof. Menezes Cordeiro (“Dolo na conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – apud “O
Direito”, 125, 1993, I-II, 161) recorda que “em termos gerais, o instituto da culpa in contrahendo,
ancorado no princípio da boa fé, recorda que a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de
certos limites e sob as valorações próprias do direito; em consequência, são ilegítimos os
comportamentos que, desviando-se de uma procura honesta e correcta de um eventual consenso
contratual, venham a causar danos a outrem. Da mesma forma são vedados os comportamentos pré
contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual.”
O dever geral de boa fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de actuação.
Adere-se ao conjunto elencado pela Dra. Ana Prata (“Notas sobre a responsabilidade pré
contratual”, in “Revista da Banca”, 16, Outubro-Dezembro, 1990, 75 e ss) que são o dever de
informação; os deveres de guarda e restituição; dever de segredo; o dever de clareza; o dever de
lealdade e os deveres de protecção e conservação. (para o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit. 160)
perfilam-se os deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade; o Prof. Almeida Costa
(“Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, 1994, 57)
refere, a titulo exemplificativo, os deveres de clareza, de confiança e de informação; o Acórdão do
STJ de 4 de Julho de 1991 – BMJ 409-743 – reconduz a boa fé ao dever de confiança, o que,
nuclearmente faz o Acórdão de 4 de Abril de 2006 – 06 A222, quanto ao dever de confiança).
Abordaremos, dentro da classificação mais ampla acima referida, o dever de lealdade que poderia
ser o relevante “in casu”.

3.2- Antes, porém, há que tomar posição sobre a “vexata quaestio” de, nestes casos, ocorrer
responsabilidade contratual – o que implicaria o lançar mão da culpa presumida do nº1 do artigo
799º CC – ou mera responsabilidade aquiliana.
Não se trata de questão pacífica.
Para o Prof. Menezes Cordeiro trata-se de responsabilidade obrigacional (“Da Boa Fé no Direito
Civil”, I, 572 e ob. cit. “Dolo na conclusão…”, 165).
Esta opinião é perfilhada, v.g, pelo citado Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 1991, pelo Prof. Vaz
Serra (in “Culpa do Devedor ou do Agente”, BMJ, 68-130) e pelo Cons. Mário de Brito (in
“Código Civil Anotado”, I, 1, 265).
No sentido da responsabilidade extra contratual pronunciaram-se o Prof. Mota Pinto (“Cessão da
Posição Contratual”, 351 ss), a Dra. Ana Prata (ob. cit. mas Janeiro-Março 1991, nº 17) e o Prof.

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Almeida Costa (ob. cit. 97).
Este Mestre, culmina convincente exposição afirmando dever “entender-se que é função precípua
da construção jurídica a explicação teórica das soluções práticas mais razoáveis, tem pleno
cabimento afirmar que, em face do nosso direito, o ilícito civil de que nos ocupamos reveste a
natureza extra contratual ou aquiliana”. E em nota: “A idênticos resultados práticos se chegaria,
aliás, por exigência de integração da lei, partindo do ponto de vista que considera a
responsabilidade pré contratual como um “tertium genus” ou mesmo das teorias ecléticas ou
dualistas.”
O Acórdão do STJ de 4 de Abril de 2006, já citado, envereda por este último caminho ao decidir
que “rigorosamente a responsabilidade pré contratual é um instituto situado algures a meia
distância entre a responsabilidade contratual e a delitual.”
Convence-nos mais a caracterização como responsabilidade aquiliana por não estar em causa o
incumprimento de qualquer cláusula contratual negociada mas, e apenas, um ilícito por violação
culposa de um dever de conduta genérico consistente no olvidar de um estado de confiança criado,
o que merece censura até por deslealdade.
Mas mesmo que se desse adesão à figura híbrida sempre, na prática valeriam as normas da
responsabilidade extra contratual e seguramente seria afastada a presunção de culpa, sabido que a
culpa ficcionada tem sempre carácter excepcional.

4- Dever de lealdade.

Insiste a recorrente que ao negociar com terceiro, na pendência de negociações que consigo
mantinha e que, depois, abandonou, a recorrida rompeu injustificadamente as negociações violando
o dever de lealdade.
Este dever, que alguns consideram estar ínsito no de informação, impõe que as negociações
decorram com lisura de processos e que as partes não ocultem os seus propósitos e não utilizem a
salércia, a dissimulação e o embuste na prática negocial.
Ora, independentemente do recíproco dever de sigilo (destinado, essencialmente, a acautelar a
estabilidade na praça) há a obrigação de dar a conhecer que decorrem outros contactos/negociações,
sem que tal implique se revele com quem e em que termos.
É que, muito diferente é pensar ser o único declaratário, ficando dependente apenas de si e de
acertos com o proponente, do que existirem outros em concorrência, o que, desde logo, faz baixar o
nível de expectativa na conclusão do negócio e poderá levar a corrigir, ou adaptar, os termos
contratuais.
Se existe uma oferta a várias pessoas simultaneamente, é de mínima lealdade que a situação lhes
seja dada a conhecer em termos de poderem, querendo, preparar-se para uma situação concursal
que, eventualmente, poderá não lhes interessar, até por ser muito diferente ser escolhido “ab initio”
para negociar do que a escolha surgir ulteriormente na sequência de concurso, embora limitado.
Ora, tendo a recorrida tomado a iniciativa de contactar a recorrente para negociações tendentes à
celebração de um contrato, exigindo-lhe a subscrição de um compromisso de sigilo, mas omitindo-
lhe estar já a negociar o mesmo contrato com um seu concorrente, poderá ter incumprido o dever de
lealdade o que afasta a sua lisura negocial, sendo que irreleva o ter quedado improvada a garantia
prévia de exclusividade (quesito 7º).
Só que essa conduta não basta para demonstrar o requisito da ruptura irrazoável e injustificada das
negociações.
Para além de indemonstrada a ruptura culposa, não é patente o nexo causal entre a referida quebra
do dever de lealdade e a não celebração do contrato, antes resultando da matéria de facto que a
ruptura resultou de falta de acordo quanto à proposta da recorrente.
Não se perfilam assim os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, que relevam na
fase pré contratual.

5- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) A responsabilidade pré contratual – situada na fase vestibular (ou negociatória) – destina-se a


tutelar a confiança das partes que não devem ser arrastadas para situações de frustração de
expectativas por rompimento injusto, ou arbitrário, do “iter negocial”, causando danos resultantes
da não celebração do negócio.
b) É o princípio geral da boa fé que vincula ao respeito pela confiança na situação que o proponente
criou e que determinou o declaratário à realização de despesas para cumprimento da obrigação que
acreditou vir a vincular as partes.
c) O dever geral de boa fé engloba (ou desdobra-se) em vários deveres de actuação: informação,
guarda e restituição, segredo, clareza, protecção, conservação e lealdade.
d) O dever de lealdade – que alguns inserem no de informação – impõe a obrigação de não utilizar

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práticas menos lisas, dissimuladas ou de embuste, sendo sua violação a ocultação de negociações
paralelas, a decorrerem simultaneamente com outra pessoa, tendentes à celebração do mesmo
negócio.
e) A responsabilidade pré contratual situa-se no âmbito da responsabilidade aquiliana (ou extra
contratual).
f) O uso da faculdade remissiva do nº 5 do artigo 713º do CPC não se prende com a facilidade da
questão em apreciação, nem com a uniformidade, ou sedimentação jurisprudencial (como a opção
do artigo 705º) mas apenas com a desnecessidade de reproduzir as razões da decisão “a quo” por
existir um juízo absolutamente concordante e não terem sido alegadas novas e relevantes razões.
g) Só ocorre a nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil se for
silenciada questão que o tribunal deva conhecer por força do nº2 do artigo 660º.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Março de 2007

Sebastião Póvoas (relator)


Moreira Alves
Alves Velho

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