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RESPONSABILIDADE CIVIL

SEBENTA 2021

2021
JOANA MOSER
Responsabilidade Civil | Joana Moser

Índice
INTRODUÇÃO 3
I. A RESPONSABILIDADE CIVIL 3
II. TRAÇOS FUNDAMENTAIS 3
I. TIPOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL 5
III. CONCEITO DE DANO 6
1. Apuramento do dano 7
RESPONSABILIDADE EXTRA-OBRIGACIONAL 7
I. ART. 483º - CLÁUSULA GERAL POR FACTO ILÍCITO EXTRA -OBRIGACIONAL 7
1. Requisitos cumulativos 8
1.1. Voluntário 8
1.1.1. Incapacidade Acidental - danos provocados p/motivos de força maior 8
1.2. Ilícito 9
1.2.1. El. Objetivo 10
1.2.2. El. Subjetivo 11
1.2.3. Casos em que a distinção entre uma pessoa que atue com dolo ou negligência é
relevante 12
2.1.1.1. Art. 494º - Limitação da indemnização no caso de mera culpa 12
2.1.1.2. Art. 496º-4 – Danos não patrimoniais (na fixação o T considera o 494º); 12
2.1.1.3. Art. 570º - Culpa do lesado 13
1.2.4. El. de verificação negativa: ausência de uma causa ou justificação para que a
violação tenha sido de facto “ilicitamente” cometida. 14
2.1.1.4. Figuras que apesar do dolo o OJ afirma não haver facto ilícito 15
1.3. Culposo 15
1.3.1. Só se pode considerar objeto de censura o que for imputável à decisão do agente.
16
1.3.2. Art. 488º - Imputabilidade 17
1.3.3. Tipos de culpa 18
1.3.4. Critério da exigibilidade 18
1.4. Danoso 19
1.4.1. Teoria da Causalidade Adequada 20
2. Requisitos verificados = obrigação de indemnizar (arts. 562º e ss.) 21
1.5. Como se faz esta reparação dos danos? 21
1.5.1. Danos não patrimoniais 21
1.5.2. Danos patrimoniais 21
1.6. Prescrição (art. 227º-2 que remete para o art. 498º): 22
II. AUTONOMIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA -OBRIGACIONAL 23
1. Ofensa do crédito e bom nome (Art. 484º) 23
2. Conselhos, recomendações, informações (Art. 485º) 23
3. Omissões (Art. 486º) 24
III. IMPUTAÇÃO ESPECÍFICA (DESVIO AO ART. 483º) 24
1. Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem (Art. 491º) 24
2. Danos causados por edifícios ou outras obras (Art. 492º) 25
3. Danos causados por coisas, animais ou atividades (Art. 493º) 25
4. Indemnização em caso de lesão ou morte de animal (Art. 493º-A) 26
5. Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal - danos patrimoniais (Art.
495º) 26
6. Danos não patrimoniais - ressarcibilidade do dano morte (Art. 496º) 26
7. Responsabilidade Solidária 27
I. ESQUEMA FINAL DA RESPONSABILIDADE EXTRA-OBRIGACIONAL 28
RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL 29
I. ARTS. 798º E SS. 29

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1. Requisitos gerais da responsabilidade obrigacional 29


1.1. Voluntário 29
1.2. Ilícito 29
1.1.1. Não Cumprimento vs Incumprimento 30
1.3. Culpa 30
1.4. Danos 30
1. Requisitos verificados = obrigação de indemnizar (art. 562º e ss.) 31
1.1. Tipos de obrigações 32
1.1.1. Obrigações com origem em contrato unilateral 32
1.1.2. Obrigações de fonte legal 32
2.1.2. Obrigações com origem em contrato bilateral 32
2.1.2.1. Eu sou o credor e pergunto-me (tabelas) 33
2.1.2.1.1. Mora 33
2.1.2.1.2. Incumprimento definitivo total 33
2.1.2.1.3. Incumprimento definitivo parcial (art. 802º) 34
2. Pode-se aplicar no âmbito da responsabilidade obrigacional os artigos 35
2.1. Art. 494º - Limitação da indemnização no caso de mera culpa 35
2.2. Artigo 496º - Danos não patrimoniais 35
2.3. Artigo 497º - Responsabilidade solidária 35
2.4. Artigo 498º - Prescrição 36
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL 36
I. ART. 227º - CULPA NA FORMAÇÃO DO CONTRATO 36
1. Requisitos gerais – necessária a sua verificação 37
1.1. Princípios relevantes 37
II. A PRESCRIÇÃO APLICA-SE NA RPC 40
III. ART. 497.º (RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA) 40
RESPONSABILIDADE PELO RISCO 40
I. INTRODUÇÃO 40
II. MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE PELO RISCO 41
1. Responsabilidade do comitente – art. 500º 41
2. Danos causados por animais – art. 502º 42
3. Acidentes causados por veículos – art. 503º 42
IV. LIMITAÇÕES AO NÍVEL DOS BENEFICIÁRIOS DA RESPONSABILIDADES 44
1. Limites máximos - art. 508º 44
2. Beneficiários da responsabilidade - art. 504º 44
3. Colisão de veículos - Art. 506º 44
4. Responsabilidade solidária - Art. 507º 45
RELAÇÕES ENTRE A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL E EXTRA OBRIGACIONAL 45
I. CASOS EM QUE AS FRONTEIRAS NÃO SÃO CLARAS 45
1. Eficácia externas das obrigações 45
3ª VIA DA RESPONSABILIDADE 46
I. EXEMPLO PARADIGMÁTICO 46
II. CONCURSO DE RESPONSABILIDADES 46

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Introdução

I. A responsabilidade civil
A RC é uma das fontes das obrigações pelo que, a base legal principal está presente no CC,
arts. 483º ss. A RC distingue-se de muitas outras figuras devido a:

i. Razão de ser – instituto que permite ao OJ promover a transferência de danos de uma


esfera jurídica para outra. A RC dá nos esse transporte dos danos.

Regra geral, se sofremos um determinado prejuízo ou temos um determinado dano é


considerado um problema nosso. Isto é, não podemos reclamar dos outros pelo que,
cada um absorve na sua esfera jurídica os danos que verifica. Assim, cada um de nós
comporta os seus próprios riscos.

Contudo, existem situações particulares em que o OJ se desvia desta regra geral, por
um conjunto de razões variadas. Neste sentido, o OJ considera que a solução adequada
não é que cada um de nós comporta mas que tenha, pelo menos, a possibilidade de
imputar aos outros a consequência a que esses danos se reportam acabam por não ser
absorvida na esfera jurídica inicial, mas sim na esfera jurídica de outro.

Por fim, a RC é o instituto ao qual recorremos para transportar os danos da esfera do


lesado para a esfera do responsável por esses danos.

Desta forma, a razão de ser da RC é que em determinada situação o OJ considera que


não é justo que alguém que sofreu um dano não tenha a possibilidade de imputar esse
dano a outro quando seja efetivamente culpa desse.

ii. Consequência – esta é sempre a obrigação de indeminização (arts. 562º e ss.)

II. Traços fundamentais


Ora, associado a esta configuração genérica da RC surgem três traços fundamentais do seu
regime que são transversais a toda a responsabilidade civil:

1) A RC tem uma função exclusivamente reparadora ou seja, aquilo que a RC nos dá é a


reparação de um dano1. Isto tem duas consequências:
a. só há RC se houver dano/resultado negativo.
b. a medida da responsabilidade civil é sempre a medida do dano/resultado negativo.
Tal medida afere-se pela gravidade, censura e intensidade do resultado produzido 2.

2) A resposta no âmbito da RC é sempre exclusivamente patrimonial. Assim, o responsável


pelos danos terá de responder exclusivamente em termos patrimoniais, não havendo
em RC agressão de bens em resposta de um dano.

1Crela doutrinária: no direito português não é permitido defender os danos punitivos. O professor VN
acredita que não há espaço para tal e, que tal regime pode constituir um incentivo à prática de
consequências negativas. Aqueles que creem que seja possível defender os danos punitivos incorrem de
um erro – erro de procurar que a RC dê aquilo que ela não quer dar.
2 O Direito Privado não trabalha com sanções: a resposta civil, ainda que uma consequência negativa, não

é um castigo. Para além disso, importa notar que por muito censurável que um comportamento seja, se
não houver danos, a RC “não é chamada.” A obrigação de indemnizar nunca vai para além dos danos.

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Contudo, isto pode ter desvantagens no caso de o dano ser de tal forma elevado e
pessoa em causa não tem forma de responder patrimonialmente, não irá fazê-lo. Isto
porque, o dano só irá ser respondido na medida do patrimonialmente possível da pessoa
que causou o resultado negativo. Neste sentido, é demonstrada a função
exclusivamente reparadora da RC.

3) A RC é excecional, regra geral, suportamos os prejuízos, as desvantagens, as


consequências negativas com que sejamos confrontados na nossa vida. Se colhemos as
vantagens, também havemos de suportar as desvantagens que venham a afetar esses
bens. Só existe para as situações que a lei prevê porque tenho um título que me permite
imputar a outros essas consequências – títulos de imputação.

a. É preciso que exista uma norma que imponha, naquelas situações concretas, que
alguém responda pelos danos causados. Se não identificarmos esse título de
imputação a RC não existe.

i. RC por factos ilícitos: o OJ diz “tu adotaste um comportamento contrário ao que


te impunha por isso, respondes por tal comportamento” – art. 483º-1 CC.

ii. RC pelo risco: o OJ diz “tu não fizeste nada de mal i.e., não praticaste nenhum
comportamento contrário ao que te impunha. Contudo, no âmbito do que
podes fazer concretizaste um risco para os outros e criaste um dano para o
lesado. Assim, se suportaste e criaste um risco deves reparar o dano do outro”.

“Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”
Art. 483º-2

✓ O que o OJ visa aqui dizer não é que possa haver RC nos outros casos não especificados
na lei. Contudo, mostra uma situação em que os títulos de imputação podem ter duas
características diferentes: tipos de imputação abertos ou fechados.

Mas temos de ter sempre um título de imputação na responsabilidade por factos ilícitos.
Assim, temos aquilo a que chamamos um título de imputação aberto porque está
construído em termos que determinam a sua a culpabilidade num OJ.

Num caso prático em que é verificada uma situação danosa:


1º - Partimos do pressuposto que não há RC;
2º - Só desviamos da regra geral se houver um titulo de imputação, tanto aberto como fechado.

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I. Tipos de responsabilidade civil

Extra-obrigacional circunstância do responsável


ter atuado contra uma sit. juri.
(art. 483º-1) ativa alheia

Obrigacional incumprimento de uma


(art. 798º e ss.) obrigação

Resp. por factos ilícitos / Pré-contratual violação da responsabbilidade


subjetiva (art. 224º e ss.) pré-contratual

quando existem deveres que


vão para além do contrato
Pós-contratual
pelo princípio da boa-fé e
estes são violados.

situações de
fronteira/transição entre a RC
Tipos de RC 3ªvia
extra-obrigacional e a
obrigacional.

pressupõe que determinada


pessoa em benefício próprio
Resp. pelo risco cria risco para os outros, tendo
por força do OJ o dever de
ressarcir os outros pelos danos
que causou.

causa de justificação para a


Resp. pelo sacrifício prática de um facto que à
partida seria ilícito
1. Responsabilidade por factos ilícitos/subjetiva: ideia de que alguém pratica um facto
contrário ao OJ deve portanto ser responsabilizado pelas consequências negativas que
resultam desse comportamento. Existem diferentes modalidades que derivam das
diferentes fontes da ilicitude (aquilo que é contrário do OJ).

i. Extra-obrigacional – genericamente prevista no art. 483º-1.

ii. Obrigacional - Traduz-se no incumprimento de uma obrigação (é um direito de


crédito e o responsável é o devedor na obrigação correspondente) – art. 798º e ss.

iii. Pré-contratual - Traduz-se na violação da responsabilidade pré-contratual (art. 224º


e ss). Surge num contexto de negociação, em que uma determinada pessoa se afasta
daquilo que lhe é exigível pela boa-fé

iv. Pós-contratual (menos falada) - quando existem deveres que vão para além do
contrato pelo princípio da boa-fé e estes são violados.

v. A terceira via da responsabilidade civil lida com situações de fronteira/transição


entre a RC extra-obrigacional e a obrigacional. Isto porque, há situações que não são
nem uma coisa, nem outra. Já existe uma relação prévia mas essa relação não é uma
obrigação. O objetivo é aferir se alguém deve ser responsável.

2. Responsabilidade pelo risco/objetiva: esta pressupõe que determinada pessoa em


benefício próprio cria risco para os outros, tendo por força do OJ o dever de ressarcir os
outros pelos danos que causou. Ora, o fundamento da responsabilidade é a criação do risco
em benefício próprio.

Ex.: acidente automóvel geral poderá cair neste tipo de responsabilidade. Ora, se o sujeito
estiver a conduzir embriagado poderá cair na responsabilidade por facto ilícito.

3. Responsabilidade pelo sacrifício – figura de aplicação limitada, mais aplicada no direito


público do que no privado – art. 339º do CC (estado de necessidade) é uma causa de
justificação para a prática de um facto que à partida seria ilícito. É um juízo de equidade é
um sacrifício que outra pessoa teve para que possa satisfazer uma necessidade. Existe em
casos muito limitados.

III. Conceito de dano


Existem duas situações paralelas delineáveis:
i. Situação real – um acontecimento histórico que se verificou e a história continuou após
a verificação desse facto.
ii. Situação hipotética – situação que existiria se aquele facto não tivesse ocorrido.

A diferença entre as duas, é aquilo a que se chama dano, de acordo com o artigo 564º-1 podem
ser:
> Danos emergentes: prejuízo causado/aquilo que se perde;
> Lucro cessante: benefícios que deixou de se ter em função do facto; aquilo que se
deixou de ganhar.

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Estes danos são indemnizáveis, obrigação que nasce para os reparar3. Quando a reparação é
integral e é perfeita, anula-se a diferença que existe entre a situação real e a situação hipotética.
O melhor que o lesado pode ficar é nesta situação hipotética, aquela em que estaria se não fosse
o facto gerador de responsabilidade.
O lesado não pode, nunca e em caso algum, ficar melhor após a indemnização do que estaria
na situação hipotética.

1. Apuramento do dano
Não se confunde com a violação de situações jurídicas ativas. Não posso dizer que violar o
direito de propriedade é um dano. Isto porque, dano são as consequências práticas que resultam
dessa violação.
A distinção entre danos presentes e danos futuros surge no artigo 564º-2. Todos estes danos
são indenizáveis, porque os danos futuros, por definição, hão de tornar-se, no futuro, em danos
presentes. Os danos presentes são aqueles que já se concretizaram num momento em que eu
identifico as consequências danosas de um determinado facto4. Os futuros só são ressarcíveis
se for previsível a sua superveniência.
É diferente fazer a análise quando está em causa:

(a) um direito - eu escolho os interesses que quero prosseguir com esse direito. Assim, em
abstrato tudo vai ser restituído porque todos os interesses que se queira prosseguir estão
ao abrigo do direito.

(b) uma norma legal determinada a proteger interesses alheios, apenas estes são protegidos e
mais nenhum. Assim, os danos ressarcíveis são apenas os que a norma em concreto visa
proteger. Todos os outros não são ressarcíveis.

Responsabilidade Extra-obrigacional 5

A responsabilidade extra-obrigacional abrange determinados casos de ilícito civil como a


violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais. Isto é, de deveres de conduta impostos a todas
as pessoas que correspondem a direitos absolutos, ou até da prática de certos atos que, embora
lícitos, produzem dano a outrem.
O CC vigente sistematiza este tipo de responsabilidade civil nos arts. 483º e ss. Ora, no art.
483º surge a cláusula geral por facto ilícito extra-obrigacional.

I. Art. 483º - cláusula geral por facto ilícito extra-obrigacional


Esta é uma norma de caráter geral que permite olhar por trás da sua redação e identificar os
diferentes requisitos por facto de determinado comportamento ou determinada pessoa seja
responsável pelos danos causados a outrem.
Assim, o comportamento só é suscetível de originar responsabilidade civil extra-obrigacional
se for: (i) voluntário; (ii) danoso, i.e. o comportamento produziu consequências; (iii) culposo; e
(iv) ilícito.

3Ex.: Uma pessoa atira uma pedra contra um vidro de um táxi e parte-o. O proprietário do táxi vai à
oficina para pôr o vidro de novo. A despesa que tem na oficina corresponde a um dano emergente:
aquilo que ele vai despender no sentido de reparar aquilo que perdeu. Enquanto o táxi está na oficina,
o taxista não conseguiu trabalhar: para além do que perdeu na oficina, perdeu o que deixou de ganhar
no dia de trabalho (lucro cessante).
4Ex.: Estou a fazer este exercício pressupondo que o arranjo do táxi vai demorar uma semana. Pensando

nisso, a partir de quarta-feira, o lucro cessante de segunda, terça e quarta é presente, o de quinta e sexta
é futuro.
5 Também denominada de extracontratual, aquiliana ou delitual.

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Mais, precisamos de ter um lesado e um lesante. E, só é suscetível de censura o facto que é


voluntário.
No que toca ao nº 2 do art. 483º, alguns autores defendem que o sentido desta norma é
distinguir a responsabilidade objetiva6 da responsabilidade subjetiva7. Ora, o professor Vítor
Neves não concorda pois a previsão legal é sempre precisa. O que esta norma vem acrescentar
é o requisito da culpa.

1.Requisitos cumulativos
Na responsabilidade civil extra-obrigacional, estamos a falar de factos ilícitos, há uma
reprovação e censura tal do comportamento de alguém que nasce a obrigação de indemnizar.
Mas para isso, é necessário que estejam verificados cumulativamente os requisitos do art. 483º-
1 CC quanto a esse comportamento:

1.1. Voluntário

É um pressuposto dos elementos seguintes. Isto porque, o juízo de ilicitude ou culpa só


pode recair sobre um ato voluntário. Só um facto imputável a uma decisão pode ser censurável.

Como sei se é voluntário?

Se pela experiência e razoabilidade verificarmos que uma ação (ou não ação8) de uma
determinada pessoa corresponde a uma decisão dessa pessoa de fazer ou não aquele ato. Para
o Direito Privado, o que é voluntário?
Note-se que, não é necessária uma predeterminação da conduta. Por exemplo, um nadador
salvador que adormece. Ora, ele controlou o momento em que adormeceu, sabendo que estava
de serviço. Assim, segundo o critério objetivo do art. 236º isso correspondeu a uma decisão sua
pelo que o facto é voluntário9.

1.1.1. Incapacidade Acidental - danos provocados p/motivos de força maior

Devem ficar de fora da RC todos os casos em que os danos são provocados por motivos de
força maior ou pela atuação irresistível de circunstâncias fortuitas.
No que toca à incapacidade acidental, i.e. a privação da capacidade de entender os seus
próprios atos, só a própria pessoa o pode arguir (serve para se proteger). Os requisitos são:
i. relação causa-efeito entre a decisão e o estado de incapacidade;
ii. o facto era notório – qualquer pessoa repararia.

Deste modo, considera-se voluntário o facto que objetivamente apreciado eu devo


assumir como correspondente à exteriorização (há um elemento de decisão) de um
determinado comportamento.

Se este requisito mínimo de voluntariedade não estiver preenchido não podemos de forma
alguma aplicar o artigo 483º, uma vez que este é um requisito explícito do princípio geral.

6 pode haver RC, independentemente da culpa, só nos casos previstos na lei.


7 pode haver RC, ainda que não exista tipificação legal, se existir culpa.
8 São relevantes para a RC todos os atos ou omissões que nós olhamos de fora, segundo as experiências

da realidade, se exprime como uma decisão, e se transpõe num ato ilícito.


9 Mesmo recorrendo analogicamente à última parte do 488º-1, chegaríamos à mesma conclusão.

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Não podemos compreender exatamente o que estava na cabeça do agente, mas segundo
regras de comportamento comum, da situação concreta e dos fatores externos concretos
deduzimos se o comportamento era voluntário ou não.

1.2. Ilícito

Este requisito está presente no nº 1 do art. 483º, latu sensu - “violar ilicitamente”. A ilicitude
é toda a conduta contrária ao ordenamento jurídico. Porém, no âmbito da responsabilidade
extra-obrigacional cabe averiguar 3 requisitos:

Elementos de natureza objetiva + elementos de natureza subjetiva + causa de justificação

Existem assim 3 requisitos que se tem de verificar, para concluir que o comportamento é
contrário ao direito (ilicitude):

violação de direito alheio

El. objetivo

violação do interesse de
outrem

determinada pessoa pratica


Dolo direto intencionalmente um facto
ilícito

determinada pessoa pratica


Dolo um ato aceitando o facto
Dolo necessário ilícito como consequência
(intencionalidade) necessária desse
comportamento.

se for uma consequência eventual, e


a pessoa simplesmente não quer
Dolo eventual saber, apesar de não ser uma
consequência necessária, o agente
El. subjetivo aceita a sua eventualidade.

Requisitos da ilicitude
a pessoa sabe da possibilidade de vir
a violar o direito de outrem mas por
negligência consciente não seguir as regras de
cuidado, convence-se que não vai
acontecer nada.

Mera culpa = negligência


a pessoa que nem sequer configura
que pode vir a praticar um ato ilícito,
negligência inconsciente mas que segundo as regras de
cuidado, deveria saber dessa
eventual consequência.

Ação direta - art. 336º

Legítima defesa - art. 337º

El. de verificação negativa


(ausência de uma causa ou Estado necessidade - art.
justificação para que a 339º
violação tenha sido de facto
ilicitamente cometida)

Consentimento do Lesado -
art. 340º

Colisão de Direitos

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1.2.1. El. Objetivo

O art. 483º-1 do CC indica as 2 formas essenciais de ilicitude: a) violação de um direito de


outrem; b) violação de preceito legal tendente à proteção de interesses alheios.
O lesado é sempre, ou titular da situação jurídica ativa, ou o titular da proteção indireta. Este
é um conceito restrito, não é suficiente para justificar a responsabilidade civil. Logo, devemos
atender também a:

a) Violação de direito de outrem: violação de uma situação jurídica ativa absoluta


atribuída a um sujeito reservando-lhe o aproveitamento individual do bem que lhe foi
conferido (direitos subjetivos, absolutos 10, expectativas, direitos potestativos).

Falamos de direitos no sentido amplo, violação de quaisquer normas, legais ou não. É


qualquer violação de uma situação jurídica alheia (proteção indireta). Esta violação não significa
provocar uma lesão, mas invadir a esfera jurídica reservada a outrem pelo OJ11. Ou viola um
direito que é nosso ou viola uma norma geral que tinha como objetivo proteger-nos
individualmente.

b) Violação de preceito legal tendente à proteção de interesses alheios: tem-se em conta


a ofensa de deveres impostos por lei que vise a defesa de interesses particulares, sem
que confira, correspetivamente, quaisquer direitos subjetivos.

Ex.: a infração de uma lei que imponha determinadas providências sanitárias ou proíba
o estacionamento de veículos em certos locais.

Requisitos que devem ser verificados para a invocação deste fundamento da


responsabilidade12:

i. Que à lesão dos interesses particulares corresponda a ofensa de uma norma legal;
ii. Que se trate de interesses alheios legítimos ou juridicamente protegidos por essa
norma e não de simples reflexos por ela apenas reflexamente protegidos, enquanto
tutela interesses gerais indiscriminados;
iii. Que a lesão se efetive no próprio bem jurídico ou interesse privado que a lei tutela.

Se essa situação jurídica passiva for uma norma de proteção indireta (i.e. considera as
pessoas individualmente), então pode-se aplicar o nº1 do 483.º; se for de proteção reflexa
(i.e. considera a comunidade como um todo, protege um bem público – por ex. vacinação
obrigatória), então não se pode aplicar o nº113.
+
A lei inclui também a obrigação de reparar em consequência de omissões (art. 486º).

10 Constituem exemplos os direitos reais (arts. 1251º e ss.) e os direitos de personalidade (arts. 70º e ss.)
11 Reserva-se para A o bem x, de modo que se gera um dever de respeito pelos demais em relação a esse
bem.
12 Violação de preceito legal tendente à proteção de interesses alheios
13 Ex.: Existe uma norma que diz que ninguém pode perturbar a normal deslocação de transportes

públicos com o objetivo de permitir que os transportes públicos andem a horas. Imagine-se uma pessoa
que impede o autocarro de se deslocar e outra que perde a entrevista de emprego. Isto é uma norma
reflexa ou indireta? Se for uma norma reflexa não há indemnização. Se, ao contrário, estiver em causa
não a proteção e um bem público, mas do conjunto de pessoas que andam de autocarro, estaríamos
perante uma norma de proteção indireta. Havendo proteção indireta, já haveria indemnização.

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O facto que gera a responsabilidade pode ser positivo ou negativo, ambos podem ser
causa de responsabilidade civil.
Além dos requisitos legais que surgem do art. 482º CC, deve existir um dever de praticar
o ato omitido – aquilo que caracteriza a ilicitude é os requisitos gerais desta em conjunção
com o dever de atuar naquele caso concreto. Este dever pode ser resultante da lei ou de
negócio jurídico.
Note-se que, aqui trata-se de lei no sentido amplo, incluindo-se tudo aquilo que uma
pessoa média de boa fé faria. Já por negócio jurídico tem-se apenas os casos de
responsabilidade extra-obrigacional, isto é, quando não existe entre responsável e lesado
qualquer vinculo jurídico direto, ou seja, em que há contratos que beneficiam terceiros e
esses terceiros vêm pedir a responsabilidade pelos danos (se não, seria responsabilidade
obrigacional e não extra-obrigacional.

Ex.: animal que se atravessa na estrada por não haver proteções e estraga o carro, sendo
que o contrato é entre o Estado e a quem foi concedida a estrada, mas o objetivo era a proteção
do terceiro, o condutor, que foi o lesado.

Mais além, a ilicitude não basta somente que eu viole uma norma legal destinada a proteger
os interesses de outrem, é necessário que eu o faça dolosamente ou negligentemente
(elementos subjetivos):

1.2.2. El. Subjetivo

Para muitos autores “o dolo ou a mera culpa” (483º-1) são elementos da ilicitude, no
entanto, não faria sentido dizer que um facto é ilícito sem ter o mínimo de imputação do agente,
bastando ser um resultado indesejado - o facto e a valoração que merece é a circunstância
subjetiva do facto ser resultado da decisão que o agente tomou.

O dolo refere-se a uma ideia de intencionalidade, temos 3 tipos:

i. Dolo direto: determinada pessoa pratica intencionalmente um facto ilícito. Aqui


queremos mesmo aquele resultado, eu atuo porque quero aquilo (aquilo = o
comportamento que é objetivamente ilícito). Eu não quero todos os danos. O resultado
que eu quero é o facto ilícito em sentido objetivo; não é necessário que eu queira os
danos.
ii. Dolo necessário: determinada pessoa pratica um ato aceitando o facto ilícito como
consequência necessária desse comportamento. Eu não quero essa consequência, mas
tal consequência é uma consequência necessária do meu comportamento.
iii. Dolo eventual: se for uma consequência eventual, e a pessoa simplesmente não quer
saber, apesar de não ser uma consequência necessária, o agente aceita a sua
eventualidade. Aqui a consequência é eventual, é possível e eu me conformo com ela.
Ex: Entro num carro bêbado para o conduzir e digo “quero lá saber, estou mm cansado”

A mera culpa = negligência - não há ligação entre a intenção e o facto (como no dolo), o que
censuramos é a violação dos deveres de cuidado, o desvalor está neste desvio face à diligência
que deveria ter tido na situação concreta. O padrão pelo qual se afere a diligência é o do bom
pai de família (487º-2).

i. Negligência consciente: (muito próximo do dolo eventual), a pessoa sabe da


possibilidade de vir a violar o direito de outrem mas por não seguir as regras de
cuidado, convence-se que não vai acontecer nada.

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Ex.: entro num carro bêbado para o conduzir e digo “mas que raio, nunca acontece nada
a ninguém, vou mas é para casa”. O agente prevê a verificação do facto ilícito como
possível, confiando indevidamente que não se produzirá, por precipitação, incúria ou
desleixo, agindo nessa condição.

ii. Negligência inconsciente: a pessoa que nem sequer configura que pode vir a praticar
um ato ilícito, mas que segundo as regras de cuidado, deveria saber dessa eventual
consequência. Atos danosos praticados por distração ou falta de autodomínio não
deixam de construir o agente em responsabilidade.

Ex.: professor que adormece – um homem normal (487º-2) naquelas circunstâncias teria
sido diligente a um nível muito superior.

1.2.3. Casos em que a distinção entre uma pessoa que atue com dolo ou negligência
é relevante

Regra geral, para o direito civil, é indiferente que uma pessoa atue com dolo ou negligência,
já que o resultado será o mesmo: havendo dano, o mal será através deste medido. No entanto
há casos em que a distinção é relevante:

2.1.1.1. Art. 494º - Limitação da indemnização no caso de mera culpa

Do ponto de vista subjetivo, o facto é imputado ao agente por mera culpa, ou seja
negligência - apenas quando não há dolo. Pode tratar-se de uma negligência consciente ou
inconsciente. A norma é tendencialmente excecional, uma vez que, regra geral, a medida da
indemnização é a medida dos danos.
Ora, nos casos deste artigo a medida da indemnização é inferior à medida dos danos. A
negligência não impõe a aplicação deste artigo, mas permite-a, não sendo fundamento
suficiente.
É necessário avaliar a situação à luz da equidade, permitindo ver se esta determina uma
diminuição da medida da indemnização face à medida dos danos – elementos a avaliar em
conjunto com a negligência:
o grau de culpabilidade do agente: grau de censura que o comportamento do agente
merece naquele determinado momento/caso concreto – só faz sentido aplicar este
artigo nos casos em que seja menor;
o situação económica do agente e do lesado;
o outras circunstâncias (contributo de terceiro, por exemplo).

Note-se que, alguns autores portugueses tentam justificar a aplicabilidade dos danos
punitivos no ordenamento jurídico português através deste artigo, defendendo que a medida
da indemnização pode ir além da medida dos danos, uma vez que o próprio ordenamento
permite que esta seja menor. Contudo, o professor VN discorda ao defender que a função da
responsabilidade civil é meramente reparadora.

2.1.1.2. Art. 496º-4 – Danos não patrimoniais (na fixação o T considera o 494º);

Estes são danos que não têm repercussão patrimonial, mas que devem ser tidos em
consideração consoante a sua gravidade. Estes têm, essencialmente, 2 características:
i. Correspondem a lesões de natureza não patrimonial;
ii. como consequência disso, não têm um equivalente patrimonial imediato – ex.: ofensa
ao bom nome, dor.

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A própria linguagem da responsabilidade civil, assente na função reparadora, demonstra a


sua natureza patrimonial, pelo que a função que surge nos danos não patrimoniais é
compensadora.
O artigo estabelece 2 requisitos:
i. Gravidade - a gravidade é auferida pela conjunção de 2 critérios: situação em que
determinada pessoa subjetivamente avaliada tenha sido efetivamente afetada (critério
subjetivo) + se o homem médio teria sido afetado da mesma forma (critério objetivo) –
ou seja, um desconforto pessoal que seja objetivamente justificável.
ii. Mereçam tutela do direito.

A lei permite criar um crivo para estabelecer os danos não patrimoniais relevantes para a
responsabilidade civil pois têm um caráter subjetivo ao serem intimamente ligados à pessoa em
si.
Relativamente ao ressarcimento por dano morte14, que é um assunto amplamente discutido
por estar relacionado com o limite da personalidade jurídica, é de notar que tradicionalmente,
por regra, não pode ser ressarcido, pois no momento em que é provocado o dano (morte) o
lesado perde a personalidade jurídica, não podendo nascer um direito ao ressarcimento.
Contudo, atualmente, entende-se que este dano não é ressarcível à pessoa que morre, mas
sim àqueles que lhe são próximos.
Este artigo pretende que se reconheça o sofrimento das pessoas pela morte de ente querido
como situação gravosa o suficiente para ser ressarcível, mas, também esclarecer quem pode ser
ressarcido por tal e os critérios para definir a medida do ressarcimento

2.1.1.3. Art. 570º - Culpa do lesado

A medida dos danos é em parte consequência do comportamento culposo do próprio lesado.


O lesado, atuando segundo as regras da boa fé, fez aquilo que é normal no sentido de mitigar
aqueles danos. Se pelo contrário, o lesado culposamente adota um comportamento que
contribui para esses danos, claro que isso tem de ser valorado quando se averigua da
responsabilidade do agente.
Não nos impõe uma solução; abre-nos a porta para, atendendo ao caso concreto, averiguar
a melhor decisão atendendo à responsabilidade do agente.

Art. 570º-1: Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou
agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de
ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser
totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

> A prática de um determinado facto ilícito culposo e danoso resulta na existência de


determinados danos e, por isso, o autor desse facto, de acordo com os princípios gerais,
deverá responder por esses danos. Contudo, se durante o processo causal que conduziu
a esses danos, o próprio lesado tiver contribuído para o agravamento dos mesmos, tal
irá mudar o quadro da responsabilidade civil a aplicar.

> Caso o lesado atue de acordo com os princípios da boa fé, com vista a mitigar o dano, a
indemnização fica totalmente a cabo do lesado, não podendo ser reduzida ou excluída.
Mas, caso contrário, culposamente, o lesado agir em contradição com as regras de
conduta e adotar um comportamento que contribui para o agravamento dos danos, tal
conduta terá de ser tida em conta aquando a análise e ponderação da responsabilidade
do agente. É o art.570o que nos abre a porta a essa ponderação.

14 Melhor desenvolvido no tópico 6. Danos não patrimoniais - ressarcibilidade do dano morte (Art. 496º)

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> É importante ressalvar que este artigo não nos impõe nenhuma solução, apenas abre a
porta a que façamos uma certa ponderação, de acordo com as circunstâncias do caso
concreto. Esta possibilidade consiste em que possamos responder à responsabilidade
de uma forma diferente à que responderíamos caso o lesado não tivesse intervindo no
processo, pois, nestes casos, a obrigação de indemnizar poderá vir a ser reduzida ou até
mesmo excluída. O lesado, neste caso, não foi culpado pela totalidade dos danos
causados.

> Cabe ao intérprete aplicador do direito decidir se a responsabilidade se deverá manter,


limitar ou excluir, tendo em conta o caso concreto, principalmente, o contributo das
partes para os danos provocados.

Art.570º-2: Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado,


na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar .

> A culpa do lesado exclui o dever de indemnizar. Aqui, é o próprio legislador que nos diz
a solução a ser aplicada, sem necessidade de ponderação do caso concreto.

1.2.4. El. de verificação negativa: ausência de uma causa ou justificação para que a
violação tenha sido de facto “ilicitamente” cometida.

Há violação ilícita quando não há causa de justificação. Contudo, existem determinadas


situações em que determinamos um facto com dolo e o OJ afirma não haver facto ilícito (ex.:
legítima defesa). Existem, desde logo, duas causas gerais, sem disciplina expressa na lei civil, que
afastam a ilicitude:

i. O regular exercício de um direito;


ii. O cumprimento de um dever jurídico.

Ao lado destas, encontram-se certas causas justificativas do facto, que se consagram a


propósito do exercício e tutela dos direitos (arts. 334º e ss.):

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2.1.1.4. Figuras que apesar do dolo o OJ afirma não haver facto ilícito

Ação direta Legítima defesa Estado necessidade Consentimento Colisão de


336º 337º 339º do lesado direitos
340º
Dt. subjetivo do Lesões pessoais/ Apenas justifica o
próprio agente patrimoniais, do sacrifício de bens
próprio ou 3.º patrimoniais
• Agente é titular • Direitos da
do direito que mesma
pretende • Agressão atual e ilí • Meio de defesa a espécie.
salvaguardar; cita contra o qualquer perigo. (ou na sua
agente ou 3º; vontade • Não se pode
• O recurso à força • Bens sacrificados presumível) verificar um
é indispensável • Reação necessária, são de uma esfera total
para o fazer: não adequada e já distinta daquela sacrifício de
é possível recorrer proporcional; ameaçada pelo um em prol
em tempo útil aos perigo. do outro
meios coercivos • Impossibilidade de (desequilíbrio
normais; recurso aos meios • O prejuízo a que se inadmissível).
normais; visa abster é
• Adequação da manifestamente
conduta para • Prejuízo do ato não superior ao que é
evitar o prejuízo: superior ao de sacrificado.
o sacrifício agressão
causado não pode
ser superior ao
que estava em
causa.
Aplica-se 338º

Na resolução de uma hipótese/caso prático:


(1) estão verificados os elementos objetivos da ilicitude? Se não, paramos aí, se sim, passamos
para os próximos elementos.
(2) estão verificados os elementos subjetivos? Se não, paramos aí, se sim, passamos para os
próximos elementos.
(3) estão verificados os elementos de causa de justificação? Se não, paramos aí, se sim o facto
é ilícito.

1.3. Culposo

Este requisito está presente no nº2 do art. 483º CC: “dolo ou mera culpa”. Em que se traduz a
culpa?

> Para alguns traduz-se para dolo ou negligência (visão mais tradicional).
> Para quem entende que o dolo e a negligência são elementos subjetivos da ilicitude, torna-
se necessário encontrar elementos adicionais para a culpa.

Assim, a culpa é o juízo subjetivo que recai sobre uma pessoa que, de acordo com as
circunstâncias em que se encontrava, é feito face ao comportamento da pessoa que atuou de
forma desconforme ao ordenamento jurídico.

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• Ilicitude: juízo objetivo de desvalor.


• Culpa: apreciação subjetiva (negativa) do facto perante o ordenamento jurídico 15. Juízo
subjetivo de censura. É subjetivo porque se mede a partir da situação concreta de cada
pessoa.

Ora, para que nós saibamos se existe ou não culpa num caso concreto é necessário que a
pessoa:
i. seja suscetível de culpa16.
ii. tenha atuado com culpa.

Artigo 487º-1
“É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.

A culpa teria de ser sempre demonstrada por aquele que invoca o direito, o lesado. Ora, se
ele está a invocar o seu direito à indemnização ele tem de fazer prova de todos os elementos
constitutivos do facto (ilícito, culposo). Este artigo surge porque existem diversas situações em
que a lei presume a existência de culpa; clarifica que não podemos deduzir dessas exceções um
princípio geral, pois esse é o oposto.

Na responsabilidade extra-obrigacional, a culpa tem de ser demonstrada pelo lesado, nos


termos gerais do 342º, não se presume (487º-1). Pelo que, cabe avaliar se é imputável à decisão
do agente e se este verifica o critério de exigibilidade.

1.3.1. Só se pode considerar objeto de censura o que for imputável à decisão do


agente.

Eu só posso censurar uma pessoa que em abstrato seja suscetível de ser censurável17, a
pessoa tem de reunir características suficientes para que algo lhe seja exigível. Nem todas as
pessoas são suscetíveis do juízo de culpa. Como é que isto se concretiza? Imputabilidade.

Ser capaz de culpa, ser capaz de conformar seu comportamento com as exigências do OJ –
arts. 488º e 489º CC. Ter capacidade natural para prever os efeitos e proceder à correta

15 O OJ não visa lidar com pessoas dotadas de super poderes, mas sim com pessoas normais. Assim, há
casos em que uma pessoa normal, em determinadas circunstâncias, “legitimamente” adota um
comportamento em que desobedece ao OJ.
Ex.: O professor vinha dar aulas, chegava a tempo à faculdade. Mas recebeu uma chamada da escola do
filho a dizer que o filho tinha tido um acidente grave. O professor deixa de ter o dever de dar aulas? Não.
Mas o OJ pode censurá-lo por não ter cumprido este dever? Não. Não lhe era exigível que o cumprisse. O
professor não tinha culpa. Há circunstâncias especiais que podem fazer com que não nos seja exigível pôr
o OJ acima de tudo o resto
16 Art. 488º e 489º a propósito da imputabilidade.
17 *Culpa:

1º- O agente, em abstrato, é imputável?


↓ ↳ Não → normalmente acaba aqui
Sim

2º - Mas, em concreto, atuou com culpa? (art. 487º)

Geralmente, se o agente for inimputável, não há responsabilidade. Não é imputável → não há culpa →
não há responsabilidade.

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valoração dos seus atos, e de se determinar em harmonia com o juízo que faça acerca deles (a
contrario do n.º1 do arts. 488.º), isto é, ter a capacidade de entender ou querer os efeitos dos
comportamentos que adotamos – o que varia consoante o comportamento.

> Art. 488º-1: uma pessoa pode ser inimputável por características intrínsecas ou uma
situação temporária em que se encontre.

> Art. 488º-2: uma pessoa entre os 7-18 é inimputável (ainda que sem capacidade de
exercício), pelas suas características intrínsecas. Há pessoas que pelas características
intrínsecas também são imputáveis, deficientes profundos. No entanto, não se presume
que o são, é necessário prová-lo.

Mas para os autores que consideram que o dolo ou mera culpa são elementos da ilicitude,
o que consideram ser a culpa?

A culpa traz então um juízo negativo que é subjetivo, atende à posição individual do agente.
O OJ considera que há casos em que o nosso primeiro critério de decisão não seja cumprir o
dever, que é "legítimo" que uma determinada pessoa não adote o comportamento que OJ exige.
Faz parte de sermos humanos e não super-heróis.

Ex.: O prof está a caminho da faculdade e ligam-lhe da escola a dizer que um filho foi para o
hospital. O prof desviou o caminho e não veio dar aula. O dever de dar a aula (o dever perante
o OJ) não deixou de lá estar, mas houve uma circunstância especial que fez com que não seja
exigível por o OJ acima do resto, ainda que o comportamento seja ilícito, não é censurável.

Excecionalmente: art. 489º - indemnização por pessoa não imputável.

Art. 491º - responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem


✓ normalmente quando alguém inimputável produz danos, haverá um responsável
pela vigilância que terá de reparar esses danos. Quando não há dever de vigilância,
temos de estar disponíveis para colher os danos das pessoas inimputáveis, faz
parte de viver em sociedade.

A solução justa pode ser outra, por exemplo: uma pessoa muito rica, imputável, danifica uma
pessoa muito pobre. Nestas circunstâncias concretas, eu posso impor ao imputável muito rico a
reparação do dano que causou, com o limite estabelecido no art. 489º-2 (“... por forma a não
privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição,
nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos.”).

1.3.2. Art. 488º - Imputabilidade18

Conceito geral de imputabilidade: ser capaz de entender e querer a decisão que está a ser
imputada àquela pessoa. Só é imputável aquele em que nas circunstâncias em que se encontra
tenha a capacidade de entender que está a praticar um facto que é contrário ao ordenamento
jurídico e tenha a capacidade de querer essa contradição.

18Imputabilidade = atribuir (a alguém); vs. inimputável = não se pode atribuir ou imputar / quem não
pode ser responsabilizado por um facto punível.

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Nº2: Presume-se a falta de imputabilidade nos menores de 7 anos

✓ Presume-se inimputabilidade nos menores de 7 anos. Em relação a estes,


entende-se que não têm capacidade de entender suficiente para praticar factos
ilícitos.
✓ Há pessoas com +7 anos, mas que pelas suas características intrínsecas
continuam a ser inimputáveis. No entanto, não se presume que o são, é
necessário prová-lo;
✓ Há pessoas inimputáveis transitoriamente, pelas circunstâncias em que se
inserem. Mas se for eu a pôr-me numa situação em que não tenha
consciência/discernimento, a minha culpa não me pode ser retirada.

Ex.: Vou para uma festa e bebo muito. É possível que no final da noite faça algo
sem consciência, mas fui eu que me pus nessa situação por isso a culpa não me
pode ser retirada.

Há sempre uma pessoa vigilante pela pessoa imputável que responde pelos factos geradores
de danos (491º) mas há situações em que isso não acontece, o lesado tem que suportar o dano
na sua esfera jurídica. 489º, mas pode haver situações em que pela equidade é possível
encontrar um equilíbrio mais justo, naquele caso concreto, com o limite no nº2.

1.3.3. Tipos de culpa

i. Lata: deixar de observar um dever de cuidado que a generalidade das pessoas observa.
ii. Leve: deixar de observar um dever de cuidado que poucas pessoas observam.
iii. Levíssima: deixar de observar um dever de cuidado que quase ninguém observa (não
tem relevância jurídica).

Na perspetiva de que a culpa é um juízo subjetivo de censura: eu só posso censurar uma


pessoa que seja, em abstrato, suscetível de ser censurada.

Ex.: o professor tem 5 filhos. O mais velho tem 17 anos, o mais novo tem 2 anos. O professor
não pode exigir ao filho de 2 anos os mesmos comportamentos que exige ao filho de 17 anos.
Há pessoas a quem não posso exigir determinadas coisas.

É necessário que o sujeito seja imputável (capaz de culpa), ou seja, entender o que são ou
querer produzir factos ilícitos.

1.3.4. Critério da exigibilidade

Naquelas circunstâncias específicas era exigível que uma pessoa se guiasse pelos critérios da
licitude ou ilicitude? Não? Então praticou um facto ilícito, mas sem culpa. A conduta só é
reprovável quando não só em virtude da capacidade do lesante, como também em face das
circunstâncias do caso, ele pudesse e devesse ter agido de outro modo.
A culpa traz então um juízo negativo que é subjetivo, atende à posição individual do agente19.
O OJ considera que há casos em que o nosso primeiro critério de decisão não seja cumprir o
dever, que é "legítimo" que uma determinada pessoa não adote o comportamento que OJ exige.

19Na opinião do professor, a culpa corresponde a mais um juízo de censura que se soma à ilicitude. Na
culpa, o juízo de censura recai sobre o comportamento individual daquele e traduz-se no facto de aquela
pessoa, naquelas circunstâncias, dever ter agido de outra forma.

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Faz parte de sermos humanos e não super-heróis. Nesses casos, quanto muito pode haver
responsabilidade nos termos do artigo 489º, mas não responsabilidade extra obrigacional.
Mas como saber o padrão de comportamento com que se deve comparar? Com a
generalidade das pessoas (critério abstrato) ou com as pessoas parecidas com ela (critério
concreto)?
Art. 487º-220 resolve adotar o padrão abstrato: pessoa que atua segundo padrões de
honestidade, razoabilidade, não se satisfaz de sacrifícios excessivos que impõe aos outros, tem
em conta os seus interesses, ou seja, conforma o seu comportamento com aquilo que nós
consideramos ser a boa-fé no sentido objetivo.
Art. 487º Culpa
nº1: sendo a culpa um elemento constitutivo da responsabilidade (pressuposto da obrigação de
indemnizar), o que invoca o direito de ser indemnizado tem de provar a existência de culpa do
outro. Na responsabilidade por facto ilícito extra-obrigacional, a culpa não se presume, não
obstante as várias situações em que isso acontece.

nº2: padrão pelo qual medimos a existência de culpa. Um juízo de culpa é sempre um juízo
comparativo. Comparamos o comportamento da pessoa concreta com o comportamento
padrão. Daqui surge um problema: qual é o padrão?

− Eu devo comparar o comportamento de uma determinada pessoa com o comportamento
das pessoas parecidas com ela?
− ou devo comparar o comportamento de uma pessoa com o comportamento da
generalidade das pessoas? Vou adotar um padrão geral ou um que atenda às
especificidades de cada um?

Ora, o nº 2 do art. 487º resolve dizendo: adotem um padrão abstrato (bom pai de família21).
Este artigo trata mais do que a mera culpa: trata de todos os elementos subjetivos dos factos
geradores de responsabilidade.
Também se aplica este artigo aos elementos subjetivos da ilicitude:
No art. 483º, a mera culpa = negligência. A negligência pode ser consciente ou inconsciente.
Na negligência o que está em causa é a violação de regras de cuidado → é necessário comparar
o comportamento daquelas pessoas com o comportamento normal (da generalidade das
pessoas). Pelo art. 487º-2: temos de pensar “O que é que o bom pai de família anda a fazer?” Se
uma pessoa não violar as regras de cuidado que o bom pai de família cumpre, não está a violar
regras de cuidado.

1.4. Danoso

O facto tem de ser danoso. O que é que isto significa? A função da responsabilidade civil é
exclusivamente reparadora - sem danos não há responsabilidade civil. Para que um facto seja
danoso é necessário que, em primeiro lugar, do facto tenham resultado danos. Em segundo

20 Também se aplica este artigo aos elementos subjetivos da ilicitude. Por ex., na negligência há uma
violação das regras de cuidado. E como é que eu sei o que é uma regra de cuidado? As regras que a maioria
das pessoas observa.
21 gere-se pela boa-fé em sentido objetivo (padrões de honestidade, integridade…).

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lugar, é necessário que esses danos sejam elegíveis para efeitos de ressarcimento. A
responsabilidade civil não assenta numa ideia de causalidade natural. É necessário que os danos
satisfaçam determinados requisitos e os tornem elegíveis.

O que é um dano? Uma das formas pelas quais se define dano é que o mesmo corresponde
à supressão ou à limitação de uma situação de vantagem tutelada pelo Direito. O dano tem
assim como característica fundamental a circunstância de retirar a uma determinada pessoa
uma vantagem que o ordenamento lhe tinha atribuído. É dano se alguém danificar uma coisa
alheia, o que implica que terceiro deixe de aproveitar essa coisa. Dano é toda a situação de
desvantagem que é trazida a uma pessoa e que antes estava numa situação de vantagem
atribuída pelo Direito.

Este requisito está presente na última parte do nº1.

O objetivo da indemnização é reparar os danos. Sem danos, não há RC. A existência de dano
significa a supressão ou limitação de uma posição de vantagem protegida pelo direito.

1) do facto têm que ter resultado danos (ou prejuízos): limitação (ou supressão total) de
uma situação de vantagem tutelada pelo direito, que o OJ lhe tinha atribuído. Estar privado
do aproveitamento daquela coisa. (Art. 564.º extensão do conceito de dano – no início).

2) esses danos têm de ter determinadas características que os tornem ressarcíveis. O dano
só é elegível se:

a) Causalidade natural - releve do âmbito de proteção ofendido - o lesado viu que a


proteção que o OJ lhe deu não foi respeitada pelo terceiro, ocorrendo uma supressão
das vantagens conferidas pela norma violada 22.

b) Causalidade jurídica - nexo de causalidade - o dano estabeleça com o facto um dano


de causalidade que seja juridicamente relevante23.

> Art. 563º - nexo de causalidade - “só existe”- Este artigo não se basta com um conceito
puramente natural de causalidade: introduz a ideia de probabilidade, só não há a
indemnização pelos danos que provavelmente não teriam acontecido se não fosse a
lesão.

1.4.1. Teoria da Causalidade Adequada

O dano é consequência normal do facto. Como é que eu sei se é normal? Porque é previsível,
corresponde a uma sequência habitual do desenrolar da vida. Se não houver a coincidência
causal mínima, não pode haver ressarcimento24.

22 Esta situação de vantagem era tutelada pelo direito que eu digo que está a ser violado? Se a resposta é
não, o dano não pode ser ressarcido por esta via.
23 Este nexo de causalidade entre o facto e o dano, assume uma dupla função: surge como pressuposto e

limite da indemnização.
24 Ex.: aquele acidente dos jovens que vinham a conduzir e bateram num poste. 1. Se em vez do poste

fosse num carro, e as pessoas desse carro morressem, eles são responsáveis. 2. Se batessem num carro,
a pessoa ficasse só ferida e acabasse por morrer no hospital, não. 3. No que aconteceu, bateu no poste e
o poste caiu num carro e as pessoas morreram, sim, pois naquelas circunstâncias era previsível.

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De acordo com esta teoria, não basta que, em concreto, uma determinada causa tenha sido
condição de determinado efeito, sendo também de exigir, em abstrato que ela se revele
adequada para o produzir tal e qual as regras normais da experiência e da vida. Mas como saber
isto? Existem, quanto a esta teoria, duas formulações diferentes:

1) Formulação positiva: só haveria responsabilidade relativamente aos danos que fossem


consequência normal ou a mais provável desse facto. Ou seja, eu teria de dizer que praticado
este facto, é provável que aconteça este dano (+ exigente).

2) Formulação negativa: tem por objetivo alargar o âmbito dos danos ressarcíveis. Como? A
adequação deve assentar num juízo negativo, o que é relevante é eu dizer que deixam de
ser ressarcíveis aqueles danos que não sejam consequência normal do facto 25.

O critério operativo é o juízo de prognose: perguntarmos a um homem médio, enriquecido


com os especiais conhecimentos da pessoa que praticou o facto ilícito, e colocando-o no
momento em que praticou o facto ilícito: poderias tu prever como consequência provável do
teu ato ilícito aquele dano? Se a resposta for não, o dano não pode ser ressarcido por esta via.

2. Requisitos verificados = obrigação de indemnizar (arts. 562º e ss.)

A consequência da verificação destes requisitos é a obrigação de indemnizar prevista nos


arts. 562.ºss. Há uma lógica de tudo ou nada, ou estão verificados os pressupostos da RC e eu
tenho direito à indemnização, ou não estão e eu não tenho direito a nada.

> Obrigação geral: Art. 562º


> Objetivo: situação hipotética (“situação que existiria”) passe a coincidir com a situação
real.

1.5. Como se faz esta reparação dos danos?

1.5.1. Danos não patrimoniais

Estes correspondem à lesão de bens de natureza pessoal, sendo insuscetíveis de avaliação


pecuniária – art. 496º. Condiciona o seu ressarcimento a especial gravidade de:

> Um bem de personalidade protegido pelo OJ.


> Objetivamente grave: uma pessoa normal naquela situação.
> Subjetivamente grave: na perspetiva do lesado, há uma dimensão relevante, há um
desconforto sério.

Art. 496º-4: O montante da indemnização é fixado segundo critérios de equidade e no caso de


se fundar na mera culpa, tendo-se em consideração o art. 494º.

1.5.2. Danos patrimoniais

Estes correspondem a um decréscimo patrimonial, sendo suscetível de avaliação pecuniária.


Assim, devem ser restituídos em natura ou não sendo possível, pelo seu valor patrimonial.

25 Deve ser feita esta!

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O princípio geral é que esta reparação deve ser feita em espécie, in natura: o lesado deve
ser colocado exatamente na situação que estaria se não tivesse ocorrido a lesão. Ex.: é lhe tirado
um livro, dá-se lhe um livro.

Só depois, é que a indemnização deve ser em dinheiro. Ex.: destrói-se um livro que era o
último no mundo, dá-se o valor do livro. A maneira de o fazer está enunciada no 566º-2.

A medida da indemnização = medida dos danos

Com 2 exceções:

1. Mera culpa (art. 494º): no sentido de diminuir a indemnização. Quais os requisitos?


i. A responsabilidade tem de ser a título de mera culpa. Analisando os elementos
da ilicitude se existir dolo, a aplicação deste artigo está excluída. Se for mera
culpa, sim.

ii. Ponderação das circunstâncias do caso concreto, segundo juízos de equidade, o


que é justo é não responsabilizar aquela pessoa pela totalidade dos danos
causados. (2ª parte)

Então, pode-se ter em conta a situação económica do agente e do lesado e a


indemnização não ser a medida do dano.

2. Culpa do lesado (arts. 570º-572º)

Existe tal culpa sempre que o comportamento daquele que pede a indeminização se
interpõe no processo causal entre facto do responsável e o dano ou seja, o lesado contribui de
alguma forma para o dano.

Ex.1: se alguém atire um apedra contra o vidro do meu carro e eu fico com o carro a apanhar
chuva naturalmente o interior vai ficar danificado mas ai o responsável pode dizer é verdade
que eu parti o vidro mas os danos no interior foram resultados não só de eu ter partido o carro
mas também do dono do carro não ter atuado para evitar tal situação.

Ex.2: num prédio uma determinada pessoa, este nota que existe uma infiltração da casa de cima,
como sabe que o outro é que o tem de reparar, não diz nada e vai trabalhar. Quando volta tem
a casa inundada, exige que o outro lhe pague a mobília nova toda. NÃO! O lesado não atuou no
sentido de mitigar os danos, como manda a boa-fé. Isso é valorado quando se mede a
responsabilidade do agente.

A culpa do lesado poder ter três consequências diferentes:

i. Ser irrelevante;
ii. Levar a uma redução da indeminização;
iii. Levar a uma exclusão da indeminização.

1.6. Prescrição (art. 227º-2 que remete para o art. 498º):

Há dois prazos concorrentes de prescrição. Temos um prazo ordinário de prescrição de 20


anos (geral) que se começa a contar do facto danoso, i.e. do facto gerador dos danos 20 anos

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para adiante. Um prazo de 3 anos (especial) que se começa a contar do conhecimento do facto
danoso por parte do lesado – 498º-1.
Se este prazo acabar primeiro a prescrição dá-se ao fim destes 3 anos e não dos 20. Há
prescrição quando acabar o primeiro prazo.

O direito à indemnização, fundado na responsabilidade civil, está sujeito a uma prazo


prescricional de três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu
direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que
condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos direitos sofridos,
conforme resulta da análise do art. 498º, mas com o limite do prazo ordinário de 20 anos previsto
pelo art. 309º.

Ex.: imaginemos que há danos em casa de alguém que é imigrante, que não vem a Portugal
habitualmente. Este regressa após 19 anos e vê que danos lhe foram causados, então contámos
3 anos a partir e como os 20 anos acabam, neste caso antes dos 3 anos, é nessa data que se dá
a prescrição.

Na generalidade acaba primeiro o prazo de 3 anos 26, só não acontece quando o


conhecimento do dano tiver acontecido após 17 anos.

II. Autonomização de situações de responsabilidade civil extra-obrigacional


1. Ofensa do crédito e bom nome (Art. 484º)

A ofensa ao crédito e ao bom nome corresponde a um facto objetivamente ilícito para efeito
do art. 482º, mas não prescinde dos requisitos gerais do 483º, apenas se preenche o el. objetivo
da ilicitude. Abrange tanto quem cria informação, como que a difunde (divulga). Um facto
verdadeiro também pode ser ofensivo, não tem nada a ver com a falsidade dos factos, ser
verdadeiro não desculpa. A única desculpa poderá ser algum interesse legítimo na divulgação
da informação.

2. Conselhos, recomendações, informações (Art. 485º)

✓ nº1: não somos responsáveis pelos conselhos que damos a alguém, sem pensar –
princípio geral da irresponsabilidade.
✓ nº2 - exceções:
> Em que nos vinculamos à informação que damos, assumimos a responsabilidade
perante o outro;
> Quando temos o dever juridicamente exigível de dar conselho, não é espontâneo.
Se eu violo regras de cuidado, não sou diligente, posso ser civilmente
responsabilizado;
> Por uma interpretação teleológica, se atuo com intenção de prejudicar, com dolo,
isso implica responsabilização. Esta norma pretende regular a vida em sociedade, o
que também implica responsabilizar quem aconselha com intenções contrárias à
boa-fé;
> Certos casos em que a prestação de informação falsa constitui relevância civil.

26 Todavia, se tivermos perante um facto ilícito que constitui crime (ofensa à integridade física por
negligência, nos termos do art. 148.º do Código Penal, por exemplo), o prazo de prescrição será de 5 anos
– art. 118.º, n.º1, al. c), do CP – e não de 3 anos.

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Mas aqui está uma obrigação extracontratual. Aplica-se este artigo apenas aos casos em que
mesmo não existindo contrato, há a obrigação de dar conselho. Numa relação advogado-cliente
há contrato. Se existir relação contratual, vamos ao regime da responsabilidade obrigacional.

3. Omissões (Art. 486º)

O facto ilícito culposo pode ser uma ação ou omissão. Se existir a obrigação de praticar um
ato, e a não prática desse ato preencher os requisitos do 483º, há indemnização.

Sempre que seja uma omissão que esteja na causa do dano, na ilicitude em sentido objetivo
temos que cumular os requisitos do 483º (violação de direito alheio ou de qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios) com o requisito do 486º (violação do dever de
agir).

A fonte do dever de atuar pode resultar:


> Da lei (no sentido amplo): inclui por ex., a concretização da boa-fé.
> De NJ (que não seja entre o responsável e o lesado, obv).

A responsabilidade baseada em factos ilícitos assenta sempre, no todo ou em parte, sobre


um facto da pessoa obrigada a indemnizar. Esse facto consiste na maioria das vezes, uma ação,
um facto positivo, que importa a violação de um dever geral de não ingerência na esfera de ação
do titular do direito absoluto. No entanto, pode traduzir-se também numa facto negativo, numa
abstenção ou omissão, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar uma ato que de
forma plausível, teria impedido a consumação desse dano.

III. Imputação específica (desvio ao art. 483º)


1. Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem (Art. 491º)

Requisitos:
● Dever jurídico de vigilância (pais, babysitter, creche, tem que existir um contrato)
● vigiado causa danos a 3.º

Regra geral: o vigiado causa danos → o vigilante paga pelos danos causados a terceiros.

Presume-se a culpa e a ilicitude para os terceiros. Quanto aos danos do vigiado, cabe-lhe
provar esses elementos.
No entanto, neste artigo, há inversão do ónus da prova. Isto porque, é o vigilante que tem o
ónus de provar que não houve violação do dever de vigilância que vigiou adequadamente.
Alguns autores falam aqui de uma presunção de culpa. Temos mais do que isso, temos a
ilicitude do comportamento do vigilante.
Este artigo parte do princípio de que o que vamos ter é a violação de um dever. Assim, na
segunda parte do artigo (a partir de “salvo se…”), temos 2 causas de exclusão da
responsabilidade do vigilante: (temos sempre de excluir a exclusão para justificar o
ressarcimento)
i. cumpriu os deveres de vigilância: “... salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de
vigilância…”, ou seja, permite ao vigilante que demonstre que fez tudo o que devia,
vigiou adequadamente, mas mesmo assim o vigilado causou danos.

ii. os danos teriam acontecido na mesma: “... salvo se (...) os danos se teriam produzido
ainda que o tivessem cumprido”, ou seja, permite ao vigilante demonstrar que de facto
não cumpriu os seus deveres de vigilância, que o “vigiado” de facto causou danos, mas

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que esses danos ter-se-iam produzido de qualquer forma, mesmo que ele tivesse
cumprido o seu dever de vigilância. Logo, não deve ser responsabilizado.


Quando isto se verifica, o dever de indemnizar não recai sobre ninguém (risco de viver em
sociedade).

A esta (ii) causa está associada a matéria da relevância da causa virtual - são casos que
poderiam ter produzido um certo dano, não fosse o facto histórico.
Ex.: Uma pessoa A quer matar outra (B). Por isso, convida B para jantar em sua casa e põe
veneno no seu prato. No entanto. quando a pessoa B está a caminho da casa da pessoa A, leva
um tiro e morre. Se tivesse ido a casa da pessoa A, teria morrido envenenada.

> Facto histórico = tiro.


> Causa virtual da morte = envenenamento (teria provocado a morte (dano) se o facto
histórico não tivesse ocorrido.

Vamos atribuir a esta causa virtual efeitos de Responsabilidade Civil?

● Relevância positiva: quando responsabilizamos pelo dano o autor da causa virtual (a pessoa
A que ia envenenar a pessoa B). Não existe lugar para a relevância positiva no Direito
Português.

● Relevância negativa: ex anterior: B vai a casa de A, come o jantar, sendo envenenada. No


entanto, só morrerá dali a umas horas, devido ao tempo que o veneno demora a produzir
os seus efeitos. Entretanto, sai de casa de A e leva um tiro, morrendo. Esta pessoa já tinha
sido envenenada, ia morrer devido ao veneno, mas morreu por causa do tiro.

Vamos responsabilizar a pessoa que envenenou? Não, porque a morte não resultou do
envenenamento. Responsabilizamos apenas quem deu o tiro.
Princípio Geral do Direito Português: a relevância da causa virtual não existe. No entanto,
existem casos especiais em que o legislador atribui relevância negativa à causa virtual. É o caso
da (ii) causa de exclusão da responsabilidade, contemplada no art. 491º.

2. Danos causados por edifícios ou outras obras (Art. 492º)


O nº1 aplica-se tanto ao proprietário como ao consumidor, que podem ilidir a presunção de
culpa.
Há uma presunção de culpa: el. subjetivos para efeitos de RC – el. subjetivo da ilicitude (dolo,
negligência) e que naquele contexto específico, não era exigido outro comportamento. Pode
ainda demonstrar que se ele tivesse mostrado todo o empenho, o dano se teria igualmente
concretizado.
O nº2 estabelece o dever de conservação do imóvel que se encontra-se transferido para outra
pessoa, mas esta só é responsável desde se se demonstre que os danos advém de defeitos de
conservação.

3. Danos causados por coisas, animais ou atividades (Art. 493º)


O nº1 demonstra que se devem verificar os requisitos do 483º. A presunção de culpa e ilicitude
subjetiva: era lhe exigível que atuasse de outra forma.
O nº2 esclarece a situação em que as circunstancias são tais que envolvem uma certa
perigosidade. O responsável tem de demonstrar que tomou todas as diligencias exigíveis.

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4. Indemnização em caso de lesão ou morte de animal (Art. 493º-A)


Em 2017 houve uma revisão, em que os animais deixaram de ser considerados “coisas” para
conceito apartado. As lesões a coisas, vão ser diferentes de lesões a animais.
Danos causados A animais, não POR animais. A lesão tem de ser significativa, lesão grave ou
morte, nos termos da primeira parte do n.º3.

!!! - Não é por este artigo existir que não continua a haver animais em que aplica a valorização
do animal como coisa, de direito tradicional, em que o animal é um valor económico, e se algo
acontece a esse animal, tem direito ao seu valor económico. O art.493º-A é uma tutela
acrescida.

5. Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal - danos patrimoniais (Art.


495º)
− O 1 tem como pressuposto a morte. O direito à indemnização do próprio lesado que afinal
veio a morrer. O próprio lesado pode ter feitos despesas para tentar salvar-se, tal como as
despesas do funeral e do que foi feito para o salvar.
− O 2 trata do direito à indeminização de terceiros que auxiliam o lesado.
− O 1 e 2 quem vai ressarcir é o autor da lesão.
− O 3 dá direito a uma pessoa que depende de outra, a exigir uma indemnização.

6. Danos não patrimoniais - ressarcibilidade do dano morte (Art. 496º)


Tradicionalmente o dano morte é insuscetível de ser indemnizado, porque a supressão da vida
ocorre no exato momento em que a pessoa perde a personalidade jurídica. Não podia haver um
direito a ser exigido no momento em que deixávamos de ser pessoas. Neste sentido, por
definição, o dano morte não pode ser indemnizado, embora seja a perda do mais essencial que
existe.
Contudo, o artigo 496º vem esclarecer. Na medida em que é admitido no nº1 o ressarcimento
dos danos não patrimoniais. É evidente que relativamente a tais danos não funciona uma lógica
reparadora, mas sim compensadora. Ou seja, já que não pode ser reparado o mal que feito, o
lesante irá compensar o lesado pelo mal causado. Isto é, na medida do possível,
compensar/apagar o mal que foi feito.
Deste modo, está-se perante uma grande esfera de subjetividade, daí o nº1 incluir um
elemento especificador: para que o direito intervenha é preciso que estejamos perante uma
situação grave. Como é que nós aferimos esta gravidade? Pela conjugação de 2 critérios:

i. Estamos perante uma situação onde uma determinada pessoa subjetivamente


considerada tenha evidentemente ficado afetada (teve um sofrimento, uma dor, qualquer
situação que seja efetivamente grave e que tenha afetado o bem-estar em termos
significativos).

ii. É necessário também fazer um controle objetivo: devemos ver se o homem médio naquelas
situações cria ou não um impacto como aquele, devemos chegar à conclusão que o homem
médio também teria resultado afetar.

Note-se que, uma lesão pode ter simultaneamente danos patrimoniais e não patrimoniais (por
exemplo, uma depressão e a necessidade de ir a um psicólogo).
Conclui-se que, aquilo que faz o direito intervir é o desconforto individual que seja
objetivamente justificado.

> Nº2: delimita o universo de pessoas que podem exigir ressarcimento pelo sofrimento que
a morte de uma pessoa lhes trouxe.

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> Nº3: especifica as pessoas.


> Nº4: quais o danos morais que estas pessoas podem pedir. Para efeitos do nº2 e 3, estas
pessoas vão ser ressarcidas pelos danos morais que lhes foram causados, bem como os
causados à pessoa que morreu – o sofrimento antes da sua morte, o dano intercalar.

A existência deste regime justifica-se, por um lado, pelo reconhecimento afirmativo da


relevância do sofrimento de alguém em consequência da morte de outrem para efeitos
jurídicos. Assim, o art. 496º vem dizer vem dizer que tal sofrimento é suficientemente grave
para justificar o direito à indemnização.
Numa perspetiva inversa, serve para delimitar quais são as pessoas que têm efetivamente tal
direito. Isto porque, deve-se evitar que à conta da morte de alguém se alargue de forma
descontrolada um universo dos potenciais ressarcíveis. Por isso, este artigo tem uma dupla
função:
i. Esclarecer que o dano morte é um dano ressarcível.
ii. Delimitar o âmbito das pessoas que podem reclamar essa mesma indemnização.

Ex.: há uma determinada pessoa que causa uma lesão a outrem no entanto, não causa a morte
do mesmo - antevendo que vai morrer e fica no hospital internado. Há aqui dois tipos de dano:

i. Dano da pessoa que está a sofrer - o dano morte não é ressarcível a ela mas todo o
sofrimento que esta tem durante 1 mês e antecipar a sua morte com a angústia deve ser
considerado um sofrimento relevante. Por isso, este dano dá direito a uma indemnização
porque vai integrar a esfera jurídica daquela pessoa e quando essa pessoa morrer esse dano
vai passar para os seus sucessores.

ii. Dano daqueles que vêem tal pessoa naquela circunstâncias - sentimos antecipação e
desconforto da morte daquela pessoa e ver o sofrimento dos outros durante aquele mês
também ele é ressarcível como dano não patrimonial (nº 4).

Assim, quem causa a morte desta pessoa responde perante a própria pessoa (nº1) e pelo
dano não patrimonial face às pessoas que lhe eram próximas (nº4).

7. Responsabilidade Solidária
Note-se que, lida-se apenas com as relações internas dos devedores. Por isso, se forem várias
as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respetivas culpas e das
consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.
Quando não é possível distinguir a culpa de cada um, internamente distribuímos a culpa de
forma equitativa.
Este artigo traz um regime que é excecional, o regime regra é o da não solidariedade
(obrigações parciárias - cada um responde pelo valor da sua parte na obrigação).
Na RC temos aqui um caso onde a lei se afasta do regime regra afirmando a solidariedade
neste artigo. Ora, aqui a lógica é de proteção do lesado e na medida em que ele deve obter, na
máxima extensão possível, a reparação integral do seu dano.

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I. Esquema final da responsabilidade extra-obrigacional

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Responsabilidade Obrigacional 27

A responsabilidade contratual resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em


sentido técnico. No entanto, não exclusivamente, visto que estes direitos podem suscitar
proteção do art. 483º (âmbito da responsabilidade extra-obrigacional), nos casos em que
discutimos a responsabilidade de um terceiro. Ora, neste tipo de responsabilidade civil estamos
sempre numa relação devedor-credor.
O que acontece neste tipo de responsabilidade é que a ilicitude que apontamos ao
comportamento do responsável traduz-se na atuação deste responsável em termos
desconformes a uma obrigação em que ele era devedor.
Portanto, traduz-se na circunstância de aquela pessoa, naquela circunstância em concreto,
não ter feito aquilo que lhe era juridicamente exigível numa obrigação em que ele era o
devedor. Assim, trata-se das situações em que um devedor, numa determinada situação, não
realiza a prestação que lhe era exigida e fica investido no dever de indemnizar o credor pelos
danos causados.

I. Arts. 798º e ss.


1. Requisitos gerais da responsabilidade obrigacional
Ora, os requisitos gerais da responsabilidade obrigacional são iguais aos da responsabilidade
extra obrigacional28, por terem ambas como causa um facto voluntário ilícito, um
comportamento que o responsável adotou que o OJ lhe exigia que não tivesse adotado. No
entanto, o conteúdo concreto de cada um dos requisitos é diferente.

1.1. Voluntário

Este é um domínio pré-jurídico. Isto é, tem de corresponder à exteriorização de uma


decisão. Com base em dados de experiência comum, tentamos deduzir se aquele
comportamento corresponde à exteriorização de uma decisão, ou seja, perceber se aquela
pessoa agiu assim porque decidiu efetivamente assim o fazer. Se sim, podemos fundamentar
uma ideia subsequente de censura

1.2. Ilícito

No que toca à ilicitude, enquanto na responsabilidade extra obrigacional, passava pela


distinção entre subjetiva e objetiva, aqui traduz-se, invariavelmente, no incumprimento de uma
determinada obrigação.

Ilicitude = incumprimento de uma determinada obrigação.

Como sabemos deste incumprimento? O que é que ele devia ter feito e o que é que ele fez?
> Podemos concluir que a resposta às duas questões são iguais, existindo uma
conformidade pontual -» cumprimento (extinção da obrigação);
> Podemos concluir também que existem divergências entre os dois, maiores ou menores
e aí estamos no domínio -» não cumprimento.

27 Também denominada de Contratual


28 Voluntário, ilícito, culposo e danoso.

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1.1.1. Não Cumprimento vs Incumprimento29

Nesta fase, a única coisa que é realmente relevante é que ainda não houve cumprimento de
obrigação nenhuma, o que pode gerar ou o não cumprimento ou o incumprimento per se, mas
é prematuro fazê-lo.
Se concluirmos que estamos perante uma situação de não cumprimento, teremos que
concluir porquê. Em abstrato, com diferentes soluções à face do OJ, podemos identificar três
causas alternativas para o não cumprimento:

i. Causas imputáveis ao devedor - e aí teremos incumprimento (arts. 798º CC a 812º CC);


ii. Causas imputáveis ao credor – e aí teremos não cumprimento -» mora do credor (arts.
813º CC a 816º CC);
iii. Impossibilidade (bem como a mora não imputável ao devedor – arts. 790º CC a 798º
CC).

> Só na situação de incumprimento imputável ao devedor é que há responsabilidade


obrigacional. Ou seja, quando se dá o incumprimento.

As consequências em cada uma destas alternativas são diferentes:

− A impossibilidade extingue a obrigação.


− No incumprimento em sentido estrito, estamos perante uma situação clara de
incumprimento da obrigação.

Existe uma diferença clara entre não cumprimento e incumprimento: aquilo que deveria ter
acontecido nos termos do plano obrigacional não aconteceu e o incumprimento é apenas uma
das modalidades do não cumprimento, que se traduz na circunstância de o incumprimento ser
imputável ao devedor. É o próprio CC a fazer esta distinção de conceitos.

1.3. Culpa

De acordo com o art. 487º a culpa presume-se30. Aquilo que é exigível ao credor demonstrar
para aceder à responsabilidade é apenas a demonstração de uma situação de incumprimento
por parte do devedor. Consequentemente, tudo o resto, se presume nos termos do art. 799º.

1.4. Danos

No que toca aos danos devemos sempre questionar se:


i. Houve danos?
ii. Esses danos são objetivamente imputáveis ao comportamento? (plicamos o princípio da
causalidade adequada).
O objetivo da obrigação de indemnizar é aproximar a situação real à que deveria ter
acontecido. Reconstituição da situação hipotética. Na responsabilidade obrigacional
trabalhamos com a possibilidade de reconstituição de uma das duas situações hipotéticas
objetivas.
A obrigação de indemnizar pode ter em vista a reconstituição de duas situações hipotéticas
(são alternativas):

29É apenas uma das modalidade do não-cumprimento


30Já na responsabilidade extra-obrigacional, regra geral, a culpa não se presume, cabendo ao lesado
demonstrar a existência de culpa.

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i. Dano de confiança - interesse contratual negativo (ICN) - aquilo que existiria se a


obrigação nunca tivesse existido, a situação que estaria se nunca tivesse contratado.
ii. Interesse no cumprimento - interesse contratual positivo (ICP) - aquilo que existiria se a
obrigação tivesse sido pontualmente cumprida.

No interesse contratual negativo, vamos reconstituir a situação como se o contrato nunca


tivesse sido celebrado, como se o credor nunca tivesse beneficiado daquela obrigação. Por isso
se fala em dano da confiança, porque alguém assumiu perante ele uma obrigação e confiou. Se
essa confiança saiu frustrada, então ele tem os danos próprios da perda desse investimento. O
ressarcimento procura colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não se tivesse
realizado, apaga-se a obrigação, ressarce o credor por todas as perdas que teve em
consequência da confiança que investiu numa relação que se demonstrou frustrada.
No interesse contratual positivo, reconstituimos a situação que existia se a obrigação
existisse, se o contrato tivesse sido celebrado e a obrigação pontualmente cumprida. Aqui,
tutelamos o interesse no cumprimento. Reconstituimos a situação hipotética em que o credor
estaria se o devedor tivesse cumprido a sua obrigação.
Note-se que estas são sempre alternativas. Isto é, ou uma ou outra, nunca se aplica as duas
simultaneamente. Por isso como devemos escolher? Ora, isso depende da modalidade concreta
de incumprimento em causa. Há situações em que a lei define a opção ou nos dá a escolha.

1. Requisitos verificados = obrigação de indemnizar (art. 562º e ss.)

A lei regula a obrigação de indemnizar como figura única – art. 562º e ss. – quer seja
obrigacional ou extra obrigacional. A aplicação destes artigos à responsabilidade obrigacional
exige um certo esforço interpretativo adicional, pois foi considerado apenas o regime extra
obrigacional aquando a sua redação. Especialmente em dois artigos:

(1) Art. 563º - nexo de causalidade - a referência a “lesão”:


a) na responsabilidade extra-obrigacional, “lesão” corresponde à tal violação de direito
subjetivo alheio, ou de norma legal que protege interesses alheios, diferente de dano.

b) na responsabilidade obrigacional, “lesão” corresponde ao incumprimento da


obrigação. No entanto, aí estaríamos a restringir ao interesse contratual positivo. Pelo
que, a expressão “lesão” vai ter um conteúdo diferente consoante estejamos a
ressarcir um interesse positivo ou negativo:
i. Interesse Contratual Positivo – dano de confiança – “lesão” traduz-se em
incumprimento em sentido próprio.
ii. Interesse Contratual Negativo – interesse no cumprimento - assentamos a ideia
de “lesão” no tal dano de confiança, no plano frustrado, não corresponde tanto
ao facto ilícito, mas a frustração de confiança que daí resulta.

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(2) Art. 566º - princípio de reconstituição de indemnizar.


Por princípio, a reconstituição deve ser in natura. Isto aplica-se à responsabilidade extra
obrigacional. Quando passamos para a obrigacional, há que ter cuidado. Quando se passa
para uma situação de incumprimento definitivo, o cumprimento da obrigação fica
dependente do credor, ele é que determina se ainda tem interesse no seu cumprimento ou
não. Se chegarmos à conclusão que de uma forma lícita, o credor resolveu o contrato, nesses
casos, não podemos impor ao credor que receba a prestação que lhe era devida, seria
completamente ilógico.

1.1. Tipos de obrigações

1.1.1. Obrigações com origem em contrato unilateral

A vontade do credor não entra, pelo que a indemnização exigível é relativa à colocação da
situação em que estaria se a obrigação tivesse sido plenamente cumprida.
Se as obrigações não tiverem origem num contrato bilateral, mas sim unilateral, então a
segunda questão desaparece31, pois não existe uma contraprestação.

1.1.2. Obrigações de fonte legal

Não faz sentido falar em interesse contratual, pois não há contrato, a lei é que as impõe em
determinadas situações (ex: ESC, GN). Pelo que, em sede indemnizatória, o credor só pode exigir
o interesse por incumprimento, isto é, ser colocado na situação em que estaria se aquela
obrigação tivesse sido pontual e integralmente cumprida.
O dano de confiança não é relevante nas obrigações de fonte legal uma vez que não é possível
de ser ressarcido.

2.1.2. Obrigações com origem em contrato bilateral

Perante uma situação de incumprimento, o credor possui ainda um conjunto de decisões


que terá de tomar devido ao destino da prestação que lhe é devida, resposta essa que poderá
variar consoante a modalidade do cumprimento. Quando a obrigação teve origem num contrato
bilateral (a situação mais comum), o credor, perante uma situação de incumprimento por parte
do devedor, terá de responder a três questões sucessivas:
i. Que fazer com a prestação que me é devida e foi incumprida?
ii. Que fazer com a prestação que eu próprio devo (contraprestação)32?
iii. Que indemnização pedir?33

31 Que fazer com a prestação que eu próprio devo (contraprestação)?

32Ou seja, a contraprestação do credor (pois se estamos no âmbito de um contrato bilateral, com certeza
que existem obrigações recíprocas e o incumprimento de uma obrigação repercute efeitos na outra).

33Esta pergunta tem sempre de ser a última, pois é uma espécie de reserva face às consequências do
incumprimento, caso as outras soluções falhem.

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As respostas vão depender do tipo de incumprimento com que estamos confrontados:


> Mora;
> Incumprimento definitivo total;
> Incumprimento definitivo parcial.

2.1.2.1. Eu sou o credor e pergunto-me (tabelas)

2.1.2.1.1. Mora

1. 2. 3.
Que fazer com a prestação que Que fazer com a prestação Que
me é devida e foi incumprida? que eu próprio devo indemnização pedir?
(contraprestação)? (o credor)
INSISTIR – Exigir a realização da
prestação ICP residual (danos de atraso –
CONTINUA OBRIGADO A 804º)
(ou fazer interpelação CUMPRIR (exceção de não
Admonitória – para não chegar ao cumprimento – 428º) A indemnização convive com a
incumprimento definitivo -, se realização da prestação34.
não cumprir este novo prazo
entra numa solução
definitiva)

2.1.2.1.2. Incumprimento definitivo total

1. 2. 3.
Que fazer com a Que fazer com a prestação que eu próprio Que
prestação que me devo indemnização pedir?
é devida e foi (contraprestação)?
incumprida?
CONTINUA OBRIGADO A CUMPRIR (exceção de ICP residual (danos do
INSISTIR na não cumprimento – 428) não vai exigir uma atraso)
realização da coisa e não fazer a parte dele. Quanto muito
prestação pode adiar o seu cumprimento para quando Depois de tudo estar
receber a prestação cumprido, só o atraso é
ressarcível
DESISTIR da DESISTIR da realização da contraprestação ICN ou ICP total (com
realização da (resolução – desconto do valor da
prestação 801/2) contraprestação)

34 Assim é porque vamos compensar o credor, ressarci-lo, pelos danos que ele não teria tido se a obrigação

tivesse sido pontualmente cumprida. O interesse contratual positivo pode conviver ou não com a
realização da própria prestação que seja devida. Nos casos em que convive, a indemnização surge no fim
que a realização da prestação em si mesma não permitiu acautelar. Num caso como este, nunca pode
haver interesse contratual negativo porque se pressupõe a manutenção do contrato. A indemnização é
somente pelo interesse residual porque corresponde ao momento da mora, já que a prestação poderá
ser posteriormente cumprida e, assim sendo, simplesmente se indemniza o credor pelo tempo em que o
devedor se encontrou em mora – durante o tempo em que o cumprimento não se verificou. Caso a
indemnização seja pelo interesse total, então é porque o devedor não cumpriu de todo a prestação a que
estava obrigado.

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INSISTIR na realização da contraprestação – é


DESISTIR da um direito que tem, se a outra parte recusar
realização da estamos numa situação de mora do credor ICP (grande indemnização)
prestação (resolução – 801/2)
Este artigo dá ao credor a faculdade de não
realizar a contraprestação; portanto pode
também insistir!)

Ex.: Imagine-se um negócio em que uma pessoa vai trocar o seu carro novo pelo carro velho de
outra. O dono do carro velho entra em mora, depois ultrapassa o prazo admonitório e por isso
entra numa situação de incumprimento definitivo. O dono do carro novo diz que ainda quer o
carro velho (mantém a vontade da realização da prestação) e, por isso, vai recorrer aos meios
coercivos. Se ele exige a prestação, também tem de cumprir a contraprestação (entregar o seu
carro). Se demonstrar que o atraso do devedor lhe trouxe prejuízo, será indemnizado.

No entanto, ele poderia desistir tanto da prestação como da contraprestação. Quando se


estipula a indemnização, o credor pede ICN (deseja ficar na situação em que estaria se não
tivesse havido contrato). Ora, nesta situação, imagine-se que o credor já tinha tido despesas,
por exemplo, na marcação de uma hora na oficina onde iria colocar o carro obtido. A
indemnização teria de cobrir esses gastos.

Outra solução seria a de o credor pedir ICP (deseja ficar na situação em que estaria se o contrato
tivesse sido celebrado e cumprido). Se o contrato tivesse sido cumprido, o credor teria o carro
velho, mas teria ficado sem o seu carro novo (contraprestação). Por isso, quando se contabiliza
a indeminização, é necessário descontar o carro novo, sob pena de o credor enriquecer.

Outra situação seria de o credor não querer receber o carro velho (desistir da prestação) mas
insistir em dar o carro novo (insistir na contraprestação). Este é um direito potestativo do credor.
Se a outra parte não aceitar, temos uma situação de mora do credor.

5 causas
Legais:
i. Incumprimento da interpelação admonitória;
ii. Perda de objetivo de interesse do credor na prestação;
iii. Impossibilidade imputada ao devedor;

Doutrina e Jurisprudência:
iv. Declaração perentória de não cumprimento;
v. Justa causa;

2.1.2.1.3. Incumprimento definitivo parcial (art. 802º)

Pode ser parcialidade quantitativa, ele faz parte daquilo que devia, ou qualidade, ele faz a
prestação total, mas com defeito). Escassa importância. Nestas situações é como se a prestação
se dividisse em 2: prestação realizada e prestação em falta

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Parte cumprida/realizada da prestação:


1. 2. 3.
Que fazer com a prestação Que fazer com a prestação que eu Que
que me é devida e foi próprio devo indemnização pedir?
incumprida? (contraprestação)?
INSISTIR (aceitar) CONTINUA obrigado a realizar a ___________
na sua realização contraprestação, reduzindo o valor da
prestação em falta (correu bem, não há
nada a indemnizar)

Parte incumprida/não realizada da prestação:


Continua obrigado a contraprestação integral ICP
INSISTIR (exceção do não cumprimento) (danos do
atraso)
INSISTIR na realização integral da contraprestação ICP

DESISTIR DESISTIR da realização da parte da contraprestação,


correspondente à parte da prestação não realizada ICN ou ICP
– redução da contraprestação

> Parte em falta não tem escassa importância 802º, nº 1


> O credor pode:
− Recusar a totalidade da prestação -> regime do incumprimento definitivo total.
− Aceitar a parte da prestação cumprida/realizada -> incumprida definitivo parcial com
escassa importância.

2. Pode-se aplicar no âmbito da responsabilidade obrigacional os artigos

2.1. Art. 494º - Limitação da indemnização no caso de mera culpa

Neste caso, o lesado não tem de demonstrar a existência de dolo ou negligência, basta
demonstrar que existiu incumprimento, pela natureza da relação, exige-se mais a um
devedor do que a uma qualquer pessoa. No entanto, não há nenhuma razão para que se
exclua totalmente a aplicação deste artigo. Contudo, esta deve levar-nos a ser mais exigentes
na limitação da responsabilidade do que quando se trate de responsabilidade extra-
obrigacional.

2.2. Artigo 496º - Danos não patrimoniais

O critério deste artigo é que sejam danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do
direito. Se merecerem a tutela do direito em função da sua gravidade, devem considerar-se
ressarcíveis quer na responsabilidade extra-obrigacional, quer na obrigacional.

2.3. Artigo 497º - Responsabilidade solidária

Há quem defenda que este artigo não se aplica à responsabilidade obrigacional por ser
contraditório ao artigo 513º que diz que a solidariedade só existe nos casos previstos na lei.
No entanto, o argumento não serve porque o artigo 513º trata das obrigações em geral,
e não da obrigação e indemnizar: a circunstância de a primeira obrigação não ser solidária,
em nada implica que a obrigação de indemnizar também não o seja.

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2.4. Artigo 498º - Prescrição

Não há nenhuma razão para que se verifique a incompatibilidade deste artigo com a
responsabilidade extra-obrigacional.

Responsabilidade Pré-Contratual 35

Esta encontra-se prevista no artigo 227º CC. Em primeiro lugar, deve ser claro que a
responsabilidade pré-contratual não é responsabilidade obrigacional. Ou seja, do que falamos é
da responsabilidade de alguém que provoca danos a outrem num contexto pré-contratual.
Na verdade, não podemos deixar de notas as diferenças que existem entre a RPC e a
responsabilidade extra-obrigacional em geral.
Numa visão tradicional, a RPC é contrária ao sentido do princípio da autonomia privada
(plena liberdade onde as pessoas podem tomar decisões – art. 405º CC). O momento da
celebração do contrato seria o de transição entre a liberdade contratual e a responsabilidade
(art. 416º CC) – o contrato deve ser cumprido.
Deste modo, a RPC antecipa para um momento prévio à celebração do contrato algumas
vinculações e restrições. O não respeito dessas determinadas vinculações e restrições pode
levar à responsabilização. O lesado ainda não está vinculado por uma relação obrigacional antes
da prática do ato ilícito e do nascimento da obrigação de indemnizar. No entanto, não se encaixa
na responsabilidade extra-obrigacional, porque também não é certo que previamente à
constituição da obrigação de indemnizar não existia vínculo entre as partes. Existe um vínculo
próprio do negócio que irão celebrar (como a concretização do dever da boa fé – art. 227º), mas
esse vínculo não tem natureza obrigacional.
Ora, a RPC só existe quando identificamos 2 pessoas (lesado e responsável) que estão
numa situação pendente à celebração de um contrato. Só se estivermos nestas circunstâncias
é que há responsabilidade pré-contratual e, consequentemente, se aplica:

I. Art. 227º - culpa na formação do contrato

O nº1 diz-nos que a RPC pode dar-se ao longo de todo o processo negocial, i.e. durante os
preliminares ou durante a formação do contrato.

> Preliminares: fase inicial em que as partes estão a discutir o que querem até
chegarem a um acordo. Uma vez atingido esse acordo, as partes estão prontas
para emitir as suas declarações negociais.

Ex.: comprador e vendedor têm de chegar a um consenso sobre o preço da coisa, as


condições de pagamento, a garantia sobre a qualidade etc. Num momento inicial, é
provável que queiram coisas diferentes (comprador quer um preço mais baixo e o
vendedor que um preço mais alto). Contudo, têm de chegar a acordo, provavelmente ao
chamado meio caminho.

> Formação: fase final do contrato em que as partes emitem as declarações


negociais que o constituem.

Mais, este artigo vem esclarecer que em certas situações, o OJ impõe limites a nossa
autonomia e liberdade de ação. É verdade que a regra é a da liberdade mas em determinadas
situações particulares não posso fazer aquilo que o meu arbítrio pretende fazer. Isto porque, o
OJ limita o espetro daquilo que posso fazer. Ora, é destas limitações que trata o artigo 227º CC.

35 Também chamada de culpa in contrahendo.

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A possível responsabilização referida neste artigo começa assim que as partes iniciam o
processo negocial.

1. Requisitos gerais – necessária a sua verificação


Sabemos que para haver responsabilidade é necessário que haja um facto voluntário, ilícito,
culposo e danoso. Este artigo não menciona estes requisitos, mas devemos considerar que são
necessários porque são os requisitos gerais do Direito Português necessários à Responsabilidade
em Factos Ilícitos (e a Responsabilidade Pré-Contratual é uma modalidade de Responsabilidade
em Factos Ilícitos).

Na Responsabilidade Pré-Contratual, o que se deve considerar como facto ilícito? Aqui, o


facto ilícito resulta da violação dos deveres de atuação conformes à boa-fé.

Nota: no art. 227º encontramo-nos perante a boa-fé em sentido objetivo, ou seja, temos de
comparar o comportamento que estamos a analisar com o comportamento de um homem
médio.

1.1. Princípios relevantes

No artigo 227º está boa fé está naturalmente usada em sentido objetivo (corresponde ao
padrão comum da honestidade). Aquilo que o artigo 227º remete é para o tal padrão de
comportamento do homem razoável, homem médio. Não podemos dizer em abstrato que um
determinado comportamento é ou não contrário à boa fé, é um registo que podemos fazer em
concreto, em relação às especificidades do caso concreto.

Os deveres que a boa fé impõe em cada uma das fases negociais é diferente. Uma das situações
é a tutela da confiança (fundamental ao artigo 227º), que vai variando, crescendo à medida que
o processo negocial se aproxima do fim. Não obstante esse conhecimento que a boa fé em
sentido objetivo suscita exatamente os mesmos problemas que por exemplo o 334º, devemos
verificar nas circunstâncias do caso concreto se o comportamento seguiu os ditames da boa fé,
existem determinadas situações típicas que estão cimentadas como concretizações da boa fé.
Diz-se que a boa fé traz como temas principais deveres que são de proteção da confiança,
deveres de informação e deveres de proteção.

Este é essencial para a concretização do princípio da boa-fé, principalmente no 227º. Para além
da comparação do comportamento com o homem médio, a boa fé traz ainda 3 deveres
específicos para a Responsabilidade Pré-Contratual:

1) Dever da proteção da confiança: quem está envolvido no processo negocial tem de


respeitar a confiança da outra parte. Para isso, não podem:

> Adotar comportamentos erráticos, contraditórios durante o processo negocial


> Abandonar injustificadamente o processo negocial: o que a boa-fé censura não é o
abandono do processo, isso é aceitável. O que a boa-fé censura é o facto de não
haver nenhuma razão objetiva que justifique esse abandono.

O dever de proteção da confiança vai aumentando à medida que o processo negocial


avança. É importante relembrar que, para que haja tutela de confiança, é necessário
que se verifiquem 4 requisitos:

i. Existência de uma situação de confiança em sentido objetivo;

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ii. Investimento resultante da confiança;


iii. Que situação de confiança seja imputável à outra pessoa;
iv. Que a situação de confiança seja justificável;
2) Dever de informação: Em geral pelo 485º não existe responsabilidade pelas informação
que prestamos aos outros mas esta é uma situação completamente diferente: quem
está envolvido no processo negocial tem especial dever de esclarecimento da outra
parte. No entanto, este dever não deve substituir o ónus de cautela de cada uma das
partes. Cada uma das partes deve ser diligente e informar-se de tudo o que considera
necessário. No entanto, quando existe uma situação de desigualdade marcada entre as
partes ou uma das partes detém o monopólio da informação, então há dever de
informação. É ainda necessário que, tendo em conta as circunstâncias, o facto
desconhecido seja essencial para a parte que o desconhece. Uma pessoa leal não
deixaria de informar.

> o objeto não é TUDO. Informação decisiva para celebrar AQUELE contrato, tanto
a celebração em si como na própria negociação.
> exclusividade de informação: quando temos determinada informação que
sabemos que a outra parte só conseguirá obter se nós dissermos.
> profunda desigualdade entre as partes: no esforço que se tem de fazer para aceder
a determinada informação ou a quantidade de informação que se tem.

✓ Existência de uma especial relação de confiança entre as partes: por confiar no


outro, “baixa a guarda”, não é tão cauteloso.

**Pode ajudar ir buscar critério ao 253º. Se a ilicitude estiver excluída aqui, deverá
estar excluída no 227º.

3) Deveres de proteção: Há casos, que em função da situação que se encontra uma


determinada pessoa, em relação a outras, surgem deveres impostos a essa pessoa que
têm como objetivo proteger os interesses de outros. O art. 227º é um dos casos em que
isto aparece. Na celebração do negócio exige-se que as partes se empenhem, e isto
pressupõe que ganhem um grau de confiança com a outra parte, que se não fosse a
circunstância do negócio, não existiria. É natural que por exemplo, se tivermos a
celebrar uma parceria o outro queira descobrir sobre mim informação que é natural,
pelo que, eu devo prestar-lhe. Esta informação não se pode concretizar em prejuízo.

Uma pessoa adotou um comportamento que normalmente não atoaria? Esta atuação
contribui para o incremento de um qualquer risco?

Sim, então a outra parte tem o dever de fazer o que razoavelmente possa fazer para evitar
que esse risco se torne em dano.

Aplica-se então os requisitos gerais:


i. Culposo: neste terceiro género, em quem recai o ónus de provar a culpa? A culpa
presume-se ou assume-se?

Na opinião do prof., a culpa presume-se porque na simulação com as outras duas, se


aproxima mais com a responsabilidade obrigacional. O art. 227º não prescinde da culpa
e deve-se aplicar analogicamente o 799º (aplica-se a regra geral do art. 342º e 344º).

ii. Danoso: dolo ou negligência (elementos subjetivos).


✓ Existe aqui a distinção entre o ICP e o ICN.

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Regra geral, a responsabilidade pré-contratual só justificaria indemnização pelo ICN, ou


seja, não poderia à luz do art. 227º, reclamar uma indemnização pelo ICP. Isto porque,
a lógica fundamental é a de que afirmar a existência de responsabilidade numa contexto
pré-contratual, seria um confronto com o princípio da autonomia privada e não faria
sentido.

O que se pretende aqui é mitigar a liberdade das partes no momento anterior à


celebração do contrato. Estas limitações não podem impor-lhe o dever de celebrar o
contrato sob pena de violação do princípio da autonomia privada. A Responsabilidade
Pré-Contratual não gera o dever de celebrar o contrato, por isso é incompatível com o
ICP.

Portanto, a frustração da confiança que se gerou por se ter entrado em negociações e


estas não terem seguido em frente (nos termos do art. 227º) eu posso exigir que ele me
coloque na situação em que eu estaria se não tivesse iniciado negociações.

Uma pessoa deveria ser livre de decidir celebrar ou não os contratos que quisesse até
ao momento de celebração do contrato, aí sim, existindo responsabilidade. O que se diz
aqui, é que nesta fase pré-contratual já há obrigações que resultam do princípio da boa
fé objetiva, limitando esta liberdade total.

Estas limitações impõe-lhe que atue de forma honesta, leal, mas não lhe impõe o dever
de celebrar o contrato (o que de facto poria em causa a autonomia das partes).

Assim, se eu disser que uma pessoa tem o dever de indemnizar pelo ICP, não posso dizer
que tem o dever de celebrar o contrato, pelo que existe aqui uma lógica diferente. Deve
indemnizar a frustração de confiança que causou no outro – ICN.

Existem 2 desvios a este princípio em que se admite a indemnização pelo ICP:


1. Quando estamos a discutir a responsabilidade pré-contratual já depois de o
contrato estar celebrado. Regra geral não fazemos isto, mas nada impede que
aconteça.

Ex.: imagine-se que uma das partes omitiu informação. Se o contrato se mantém,
e nesta hipótese mantém-se, a indemnização faz-se nos termos do ICP. (Atenção
o ICN pressupõe a destruição do contrato!).

Violação de deveres de informação + manutenção do contrato.

2. Casos em que, não obstante o contrato ainda não estar celebrado, o único
comportamento conforme à boa fé é a celebração do contrato. É aquilo a que
habitualmente se chama momento posterior ao pré-acordo final.

Qual a lógica desta situações?


Ao longo do processo negocial até que as partes se entendam sobre tudo, é sempre
possível que o processo negocial não se venha a ser concluído com sucesso, e pode não ser por
resultado de má-fé de uma das partes. Podem simplesmente não se entender. Aquilo que a
boa-fé traz é a lealdade do outro, não a celebração do contrato. Assim, qualquer das partes,
tem que contar que não obstante a boa-fé do outro, pode não se dar a celebração do contrato.
No entanto, há circunstâncias em que o processo negocial está de tal forma avançado que
já se impõe pela boa-fé que o negócio se celebre – situação em que já se concordou em tudo.

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Só falta mesmo a formalização. Aí já não existe razão legítima para que depois deste momento
uma pessoa se retire deste acordo final, momento em que a boa-fé tutela a confiança que o
contrato será celebrado, se uma das partes violar este dever, pode-se justificar a indemnização
pelo ICP.

II. A prescrição aplica-se na RPC


O art. 227º-2 (responsabilidade pré-contratual) remete para o art, 498º (prescrição), o que
significa duas coisas: (i) há o reconhecimento legal de que a responsabilidade pré-contratual não
é extra-obrigacional, porque se fosse, iríamos diretamente para este artigo; (ii) o art. 498º não
é um artigo de aplicação geral, porque se fosse se aplicaria por si próprio.

III. Art. 497.º (Responsabilidade solidária)


Aplica-se apenas à Responsabilidade Extra-obrigacional ou também à Responsabilidade
Obrigacional? A aplicação não é direta, nunca podemos assumir isso pois são dois regimes
diferentes. No entanto, nada impede a aplicação analógica, desde que estejam justificadas as
razões de analogia. O professor considera que sim, mas é necessário verificar-se caso a caso.
Nada impede que da Responsabilidade Obrigacional possam resultar danos morais.

Responsabilidade pelo Risco 36


I. Introdução
É uma circunstância em que colhemos uma vantagem de um comportamento suscetível
de gerar dano, por isso, se alguém cria uma situação de risco em proveito próprio - ainda que
permitida – deve depois responder pelos danos da concretização desse risco.

O seu fundamento/razão de ser não é a censura do comportamento do agente. Estamos


perante uma situação em que o agente agiu de forma conforme com o que o OJ exigia. No
entanto, a pessoa fez algo que é fonte de um potencial risco para outrem, o que aumenta a
possibilidade de que os outros sofram danos.
Este é um regime especial ao regime geral da responsabilidade subjetiva (fundado na culpa),
consubstanciado na responsabilidade objetiva (fundada no risco). O carácter excecional deste
tipo de casos resulta não só de prescindir da culpa do lesante, como de nem sequer ser exigível,
como pressuposto o requisito da ilicitude da conduta. Isto porque, se uma pessoa faz algo para
seu próprio interesse e aumenta os riscos para os outros, deve suportar esses riscos e ser
responsabilizada pelas consequências do seu ato.

Duas notas a priori:


i. Esta responsabilidade apenas existe nos casos em que o legislador a tenha previsto37.
ii. Encontra-se prevista, em geral, nos artigos 499º e ss.
> Art. 499º: o regime que vamos encontrar é parcelar. Este artigo diz-nos que à
responsabilidade pelo risco são aplicáveis as normas que regulam a responsabilidade
por factos ilícitos, com duas exceções:
a) Existência de disposição legal em contrário: por exemplo, na utilização de
automóveis, temos regras quando ao limite do valor da indemnização.

36 Também pode ser chamada responsabilidade objetiva/factos lícitos.


37 Nos casos em que não se pode recorrer à imputação objetiva pode recorrer-se à responsabilidade extra-

obrigacional. Nessa situação não se responsabiliza a pessoa por ter criado a situação de risco, mas a
responsabilizá-la por faltar ao cumprimento de um dever que o ordenamento jurídico impõe, como a boa-
fé em tomar as medidas necessárias para evitar o risco. Se o incumprimento desse dever for culposo,
determinar dano e estiver num nexo de causalidade com o dano, então há responsabilidade nos termos
dos artigos 483º e 484º.

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b) Diferença na parte aplicável: As regras que regulam os requisitos da culpa, por


exemplo, por definição, não são aplicáveis na responsabilidade pelo risco por,
pela sua natureza, serem incompatíveis.

Assim, se não for regulado pela Responsabilidade pelo Risco, temos de:
i. ver como é regulado pela Responsabilidade por Factos Ilícitos;
ii. perceber se essa solução é compatível com os princípios e fundamento da RPR.

II. Modalidades de Responsabilidade pelo Risco


1. Responsabilidade do comitente – art. 500º
A lógica é que havendo uma pessoa que pode atuar por si, decide atuar por outro: o
comitente decide não atuar por si, encarregando um comissário de fazer o que ele faria. Quem
retira o beneficio do ato que está a ser praticado é o comitente. É sobre suas instruções que
está a atuar o comissário. O comissário, ao atuar nestes termos, provoca danos a terceiro. Se
o comissário for responsável, ou seja, se em relação ao comissário verificarmos os requisitos
da responsabilidade civil, é evidente que o comissário responde.
Art. 500º: enuncia uma série de pressupostos que têm de se verificar para que este artigo
seja aplicável:
✓ comitente tem de incumbir o comissário de fazer algo (nº2);
✓ comissário tem de ter o poder jurídico de dizer ao comissário como vai fazer
essa coisa;
✓ comissário, ao dar cumprimento à comissão, “no exercício” da função, e não
apenas por ocasião, causa danos a terceiros, sendo irrelevante que tenha sido
intencionalmente ou até mesmo contra as instruções do comitente (nº2).
✓ a obrigação de indemnizar recai também sobre o comissário.

nº1: se se verificarem estes requisitos, o comitente responde por estes danos!

Isto porque, o que estava a ser feito pelo comissário beneficiava o comitente e porque se
parte do pressuposto de que normalmente temos mais cuidado com as situações que nos dizem
diretamente respeito do que com as que dizem respeito aos outros.

Um exemplo de uma comissão poderia ser uma obra, em que o comitente é a pessoa que
manda fazer a obra e o comissário é o empreiteiro. No entanto, acaba por não se tratar de uma
comissão porque o comitente não tem o poder jurídico de dizer ao comissario como vai fazer a
obra (pelos conhecimentos/experiência do comissário, por exemplo).

É ainda importante referir que a responsabilidade do comitente perante o lesado não se


afasta pelo facto de ele mostrar que o comissário causou os danos contra as suas instruções, ou
abusando das suas funções.

!!!: a culpa do comitente é 100% irrelevante para a indemnização do terceiro

nº2: o comitente só responde se o comissário responder. O lesado pode pedir a


indemnização ao comissário e ao comitente.

É ainda importante referir que a responsabilidade do comitente perante o lesado não se


afasta pelo fato de ele mostrar que o comissário causou os danos contra as suas instruções.

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nº3: depois de indemnizado o lesado, olhamos para a situação entre comitente e


comissário. Se o comitente não tiver culpa, depois de satisfazer a indemnização, pode exigir do
comissário o reembolso de tudo o que tiver pago. No entanto, não o pode fazer se também
houver culpa da sua parte, i.e. tiver responsabilidade subjetiva.

− Se escolher mal o comissário = culpa in elegendo. Ex.: escolher uma pessoa que nunca
tenha pegado numa grua para o fazer.
− Se não vigar adequadamente segundo os deveres de diligência que são exigíveis ao bom
pai de família, a atividade do comissário – culpa invigilante
− Se der instruções erradas ao comissário ou se não lhe der instruções necessárias = culpa
nas instruções.

Se houver culpa do comitente, é aplicável o nº2 do art. 497º.

Em abstrato, regra geral, existe uma diferença relevante na capacidade patrimonial para
pagar a indemnização entre o comitente e o comissário: comitente é geralmente mais rico do
que o comissário O que nos diz ao artigo 500º é que o comissário não responde sozinho, mas
juntamente com o comitente. O lesado vai receber exatamente o mesmo que tinha direito a
receber da sua relação com o comissário – este art. funciona como uma garantia do lesado.

2. Danos causados por animais – art. 502º


Art. 502º: quem utilizar animais no seu próprio interesse, responde pelos danos que eles
causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização. Um
animal que seja especialmente perigoso acarreta um risco maior. Temos de ver se o dano
causado advém do perigo daquele animal.
Ex.: se eu for passear o meu cão e ele morder alguém, eu sou responsável. Aqui, a pessoa
não violou qualquer dever de vigilância, não praticou um facto ilícito (isso cai no art. 493º).

3. Acidentes causados por veículos – art. 503º


Nos termos do artigo 503º, encontramos no nº1 a enunciação dos requisitos gerais desta
modalidade de responsabilidade objetiva. Vários requisitos (cumulativos) gerais desta
responsabilidade:

i. Que a pessoa tenha direção efetiva do veículo: significa ter a possibilidade jurídica ou
prática de tomar as decisões sobre aquele veículo. Para se ter direção efetiva não é
necessário ter-se um direito real sobre o veículo (possibilidade jurídica) ou ter “o volante
nas mãos”.

Na ausência de prova em contrário, a direção efetiva está com o seu proprietário, ainda
assim, admite-se prova em contrário: que se demonstre que afinal a direção efetiva não
coincide com o direito de propriedade sobre o veículo.

Ex.: Se alguém rouba um carro, apenas tem a possibilidade prática sobre ele. Mesmo
assim, tem a direção efetiva do veículo. O furto quebra a ligação entre o proprietário e o
veículo fazendo com que do ponto de vista prático o proprietário fique impedido de
exercer os poderes materiais que tem sobre as coisas.

ii. Para além da pessoa ter direção efetiva, é necessário que o veículo seja utilizado no seu
próprio interesse: este interesse deve ser interpretado em sentido amplo, não tem de se
tratar de interesse económico. Existe sempre interesse quando o veículo está a ser
utilizado de acordo com a decisão que o titular da direção efetiva tomou. “Interesse” pode
ser tanto um interesse material, como moral ou espiritual.

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Ex.: 1 pessoa tem a direção efetiva de um carro e empresta-o a um amigo durante o fim
de semana. O amigo tem um acidente com o carro. Neste caso, o carro ainda está a ser
utilizado no interesse do dono do carro, pois emprestar o carro ao amigo foi algo
conveniente à sua vontade (queria agradar ao amigo).

Este requisito visa excluir da responsabilidade objetiva aqueles que, como é o caso do
comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em benefício ou às ordens
de outrem (por ex. o comitente).

iii. Que os danos verificados sejam concretização dos riscos próprios do veículo: para
entendermos o que isto significa temos de ver o art. 505º e delimitar pela negativa o que
não são riscos próprios do veículo:

a. Situações de força maior: quaisquer factos que sejam estranhos ao funcionamento


do veículo, circunstâncias que sejam imprevisíveis e irresistíveis. Ex.: Um carro está
estacionado e dá-se um incendio ao seu lado. Há uma fagulha que cai em cima do
carro e o motor explode. É uma situação de força maior.
b. Comportamento de terceiro: por exemplo, um peão atravessa-se à frente do carro.
O carro, ao se desviar do peão, bate noutro carro. Não se trata de riscos próprios do
veículo, quem é responsável é o peão (terceiro).
c. Comportamento do lesado: neste caso, por exemplo, um peão atravessa-se a correr,
de repente, fora de uma passadeira, à frente do carro e é atropelado.
d. Comportamento ilícito do agente: por exemplo, alguém vai em excesso de
velocidade, conduzir com excesso de índice de alcoolémia, passar num sinal
encarnado. Essa pessoa não responde pelo art. 503º porque não se trata de riscos
próprios do veículo, mas responde pelo 493º porque se trata de responsabilidade por
factos ilícitos.

No campo dos danos abrangidos pela responsabilidade objetiva, estas são as únicas causas
de exclusão da obrigação de indemnizar, sendo que a verificação de qualquer uma delas exclui,
a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, quebrando o nexo de causalidade entre os
riscos próprios do veículo e do dano, já que este deixa de ser um efeito resultante do risco
próprio do veículo.
No artigo 503º/1 há um titulo de responsabilidade objetiva.

nº3 – título de responsabilidade subjetiva: Se o comissário estiver a usar o veículo no seu


interesse, é objetivamente responsável nos termos do nº1. Se estiver a utilizar no interesse do
comitente: presume-se culpado (na relação com o lesado) Deixará de ser responsável se
demonstrar que não teve culpa.

Houve culpa? 505º + 570º


(1) responsabilidade subjetiva - se há causalidade entre o comportamento do lesado/causa de
força maior e o acidente, exclui-se a culpa do comissário no 503º-3.
> Se a responsabilidade de que estivermos a falar for subjetiva, devemos aplicar o 570º/1
e 2 consoante a situação. se a situação, apesar de subjetiva, assentar numa presunção
de culpa, aplicamos o nº2. Se a culpa for subjetiva e não existir presunção de culpa,
aplicamos o nº1.

(2) responsabilidade objetiva, - 503º-1, se existe culpa do lesado, também se exclui esta
responsabilidade do comissário, por força do art. 505.º.
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> Mesmo que não existe causalidade com o acidente, mas houver com os danos: temos a
possibilidade de aplicar o artigo 570º, pois apesar de ter sido criado para a
responsabilidade extra-obrigacional, em relação à responsabilidade objetiva, temos
uma remissão direta pelo 505.º., pelo que por força do 570/1 a indemnização pode ser
reduzida.

No caso dos acidentes de viação, o instituto da comissão é mais complexo do que o


preceituado no 500º:
1. Comissário conduz veículo no exercício das suas funções - presunção de culpa (503º-3).
Consegue ilidir?
− Não - responsabilidade subjetiva (503º-3), e comitente responde solidariamente
nos termos do art. 500º.
− Sim – o comissário não responde por força do 503/3 mas o proprietário (comitente)
– responde objetivamente nos termos do 503º-1, resp. pelo risco (dentro dos limites
do 508º)

Mas e há responsabilidade subjetiva do comitente? (in elegendo,…) – 483ss.


Não: 500º-3 -> tem direito de regresso.
Sim: 497º-2 -> não tem direito regresso.

2. Comissário conduz veículo no seu próprio interesse – parte final 503º-3 remete para a
r. objetiva – aplica-se 503º-1. Comitente não responde.

IV. Limitações ao nível dos beneficiários da responsabilidades


Na Responsabilidade pelo Risco, existem limitações ao nível dos beneficiários da
responsabilidade, ao nível dos danos ressarcíveis e ao nível dos limites máximos da
responsabilidade:

1. Limites máximos - art. 508º


A indemnização está limitada a montantes máximos. Nº1: só se aplica este art. se não
houver culpa do responsável, se houver aplicar-se-á o regime geral da responsabilidade
subjetiva.

2. Beneficiários da responsabilidade - art. 504º


Estabelece quem pode beneficiar da responsabilidade e que danos sofridos por essas
pessoas podem ser considerados ressarcíveis: os terceiros, e as próprias pessoas que são
transportadas por quem causa o dano (nº1).
Nos outros números é que vêm os limites: n.2 são “contratos” gratuitos ou onerosos? Na
opinião do prof, o n.º2 é para onerosos. Fica de fora tudo o que aqui não é explicitado, são
apenas os danos pessoais e os patrimoniais que eram transportados por aquela pessoa e no nº3
os gratuitos e todas aquelas situações em que uma pessoa transporta a outra sem contrato
algum (ex: dar boleia).

3. Colisão de veículos - Art. 506º


Fala de culpa. Mas sempre numa lógica de contraposição entre responsabilidade subj e obj.
Este artigo aplica-se apenas às de responsabilidade objetiva (com exceção do nº2, aplicável às
situações de responsabilidade subjetiva), às de subj são os 503º e ss.
Esta responsabilidade objetiva parte do pressuposto que nas maiores partes das situações
temos dois ou mais veículos envolvidos.
Vamos então medir o contributo dos riscos de cada veículo naquele acidente e fazer a
repartição da responsabilidade em função disso. Sendo de difícil determinação, aplicamos o nº2,
presumindo que as medidas de risco são iguais.

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4. Responsabilidade solidária - Art. 507º


Diferença para o artigo anterior: o 506 trata dos danos causados aos próprios veículos, este
trata da responsabilidade de várias pessoas perante terceiros a quem causaram danos. Se temos
vários responsáveis, a regra é a da solidariedade, que se mantém sempre independente de culpa
individual (nº1). O nº2 trata das relações internas. Se respondem igualmente perante terceiros,
o mesmo não se verifica nas relações internas.

Relações entre a responsabilidade obrigacional e extra obrigacional

I. Casos em que as fronteiras não são claras


1. Eficácia externas das obrigações
Na eficácia externa das obrigações discute-se a possibilidade de responsabilizar um terceiro,
que não é o devedor, pelo incumprimento de uma obrigação. Neste caso, coloca-se a questão
de saber se a responsabilidade do terceiro é obrigacional ou extra-obrigacional.
Por um lado, a causa da ilicitude está no direito crédito, por outro, aquele que no caso
contribui para a violação do direito de crédito não é o devedor. E portanto, os pressupostos da
RC obrigacional não se verificam aqui por inteiro.
A visão tradicional de que a violação de direitos de crédito nunca se inclui no âmbito da
previsão do art. 483º CC, e portanto de que a violação de direitos de crédito não seria nunca
fundamento de responsabilidade extra-obrigacional, na opinião do professor, não é exata.
Porquê? Esquece-se que o direito de crédito é um direito subjetivo, assim, o que o OJ faz, é
atribuir um determinado bem a uma determinada pessoa com exclusão de todas as outras.
Daí resulta que se uma determinada pessoa que não é devedora, adotar um comportamento
que tenha como consequência necessária a violação do direito de crédito, nesse caso, ele pratica
um facto ilícito, não porque tenha incumprido uma obrigação – porque na verdade ele não era
devedor -, mas porque ele viola um direito subjetivo alheio. E por isso, na opinião do professor
deve responder no âmbito da responsabilidade extra-obrigacional.

Ex.: A sabe que B tem de ir fazer um pagamento num determinado dia. A não quer que B faça o
pagamento. Então fecha-a no quarto, impedindo-a de sair de casa e realizar o pagamento. O
que terá como consequência necessária a violação de um direito subjetivo alheio. O credor tinha
o direito de naquele dia receber aquela prestação, mas por causa de terceiro (A) não a vai
receber. Se o comportamento do terceiro verificar todos os pressupostos do 483.º, é obrigado
a indemnizar.

Não esquecer que é sempre preciso verificar os elementos subjetivos da ilicitude também:
dolo e negligência. Se A não soubesse ou não tivesse de saber que ao fechar B no quarto, este
não conseguiria cumprir uma obrigação, não existiria responsabilidade.
Noutros casos, a atuação de terceiro pode inscrever-se na responsabilidade obrigacional
apesar de ele não ser devedor. Quando? Quando a sua responsabilidade é acessória da do
devedor. No exemplo acima, não existe qualquer colaboração entre o devedor e o terceiro para
a violação do direito de crédito, mas por ex: A promete vender uma bem a B, mas depois vende
a C para que não tenha de vender a B. Há um conluio entre A e C, para que A não cumpra a
obrigação com B. C, atuando de má-fé pode responder pelos danos causados a A.
E C responde como? Pode-se discutir ser obrigacional porque ele é de facto participante
num facto ilícito de A que se traduz num incumprimento de uma obrigação.

Ou seja, a violação do direito de crédito pode cair no âmbito de aplicação do art. 483º
(regime geral), é o que acontece na chamada eficácia externa das obrigações, embora ainda aí
se possa distinguir entre:

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> Os casos em que terceiro pratica um facto autónomo ao incumprimento do devedor:


responsabilidade extra-obrigacional;

> Os casos em que imputamos ao terceiro uma colaboração com o devedor na prática do
facto em que o incumprimento se traduz: responsabilidade obrigacional.

3ª via da responsabilidade
I. Exemplo paradigmático
Responsabilidade pré-contratual. Situações que não são bem de R. Obri ou R. ExtraObri,
não podemos dizer que existe uma ligação prévia que ligue o lesado ao responsável, mas
também não podemos dizer que o lesado e o responsável eram completamente desconhecidos
um do outro – requisito da resp. extra obrigacional.
Num âmbito pré-contratual, não são completamente desconhecidas, já há deveres de boa-
fé, por exemplo, mas ainda não há vinculo obrigacional. A uma parte já é juridicamente exigido
que atue no interesse da outra. Se se desviar destas obrigações, há presunção de culpa.
Isto verifica-se em muitas outras situações. Por exemplo, o caso dos auditores nas
sociedades comerciais ou as agências de rating. As sociedades comerciais têm estruturas
internas que fiscalizam a vida da sociedade. E porque é que o legislador consagrou a exigência
de existência deste órgão interno? Porque a forma como uma sociedade é gerida tem impacto
em terceiros. Os auditores são entidades independentes que controlam estes órgãos. Mas há
vezes em que o trabalho da auditoria é feito muito deficientemente, como é o caso do BES!
Ninguém sabia a verdadeira situação do banco. Vivia confiando numa situação que não era real.
Estes auditores constituem-se na obrigação de indemnizar perante terceiros se estes agirem no
pressuposto da informação (errónea) que lhes é dada mas que eles consideram ser verdadeira.
Não existe relação obrigacional. Mas existe uma relação prévia que obrigava o auditor a agir
de determinada maneira, tendo em consideração o interesse do lesado, podendo-se discutir a
responsabilidade obrigacional. Há presunção de culpa dos potenciais responsáveis?

II. Concurso de responsabilidades


Situação em que tanto a responsabilidade obrigacional como a extra obrigacional são
aplicáveis como fundamento de ressarcimento do lesado: a indemnização continua apenas a
ser uma, não há nada que fundamente que o lesado possa sair beneficiado, pela circunstancia
de cumularmos as duas vias, assim, desde que cumpra os pressupostos, o lesado pode escolher
(exemplo1).
Normalmente, acaba por se optar pela responsabilidade obrigacional, a maioria das vezes
pois os requisitos são os mesmos, mas há na resp. obrigacional uma presunção de culpa (749º)e
o responsável é que tem o ónus de ilidir a presunção. No entanto, se a responsabilidade
obrigacional for de alguma forma limitada, pode ser mais benéfico escolher o outro caminho
comum nos casos de cláusulas de limitação da responsabilidade, se as partes tiverem estipulado
uma cláusula penal que a define – P. Autonomia privada. (exemplo2),

Ex. 1: imaginemos que estamos perante um contrato de empreitada e o empreiteiro é


descuidado, não adota as medidas de segurança que devia adotar e, por isso, a obra que está a
fazer desaba em cima de outras coisas que o dono da obra tinha, danificando essas coisas.
Podemos dizer que o dono da obra tem duas vias alternativas de responsabilizar o
empreiteiro:
> Responsabilidade extra-obrigacional: “eu era proprietário destas coisas, tu
danificaste-as, logo, tens que pagar indemnização pelas coisas que estragaste”, nos
termo do artigo 483º.
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> Responsabilidade obrigacional: “nos termos do contrato de empreitada, tinhas que


fazer a obra com segurança, isto é, executar a obra com determinados deveres, não
o fizeste e por isso tens que indemnizar”, nos termos do artigo 798º e ss.

Por qualquer uma das duas vias, em princípio, iria obter indemnização. Existe alguma
razão para que digamos que, por existir opção de ir pelo contrato de empreitada, só pode
recorrer a essa via, em vez de ir pelos artigos 483º e ss? Não. O lesado que opte por uma
delas e responsabilize o responsável.
Ex.2: um contrato de empreitada que tem uma cláusula em que o empreiteiro diz que,
em caso algum, responde por danos superiores a 50% da obra - disposição válida, não é
excludente da responsabilidade (não suscita problemas com o art. 809º).
Se os danos excederem este montante e o lesado quiser uma indemnização total pelos
danos, pode seguir o caminho da responsabilidade extra-obrigacional, onde esta limitação
não existe?
Depende da interpretação que nós fizermos da cláusula contratual, ao abrigo dos arts.
236 e ss do CC. Qual foi o objetivo das partes? Limitar apenas a RO, ou também a extra-
obrigacional? Sendo que, à partida, nada impede que limitem ambas.
As partes só não podem limitar essa responsabilidade em relação aos direitos que
assumamos como indisponíveis Tem que se ver atendendo ao caso concreto.

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