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Eu, Lucca Moro Costa, declaro que este trabalho foi feito exclusivamente por mim e que

qualquer opinião de outros autores está devidamente assinalada em formato de citação.


Declaro igualmente que cumpri com todas as regras científicas de autoria.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

LUCCA MORO COSTA

LEIS SOBRE A MORTE CLINICAMENTE ASSISTIDA NA EUROPA: UMA


ANÁLISE COMPARATIVA

LISBOA

2023

2
Lucca Moro Costa

LEIS SOBRE A MORTE CLINICAMENTE ASSISTIDA NA EUROPA: UMA


ANÁLISE COMPARATIVA

Paper a ser entregue no âmbito da disciplina de


Direito Comparado

Professor-regente: Guilherme Dray

Professora-assistente: Catarina Granadeiro

Lisboa

2023

3
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO…………………………………………………………………… 5
ANÁLISE COMPARATIVA……………………………………………………… 5
CONCLUSÃO……………………………………………………………………..18
REFERÊNCIAS……………………………………………………………………19

4
1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva analisar a legislação e as propostas legislativas de


regulamentação do direito à morte digna nos países da Europa. Atualmente, cinco países
possuem legislação de regulamentação da eutanásia e do suicídio assistido, mais
especificamente Alemanha, Bélgica, Espanha, Holanda e Luxemburgo, enquanto a Suíça
permite apenas a realização do suicídio assistido. Existem debates legislativos, em diferentes
graus de incipiência, na França, na Irlanda, na Itália e em Portugal.

Utilizando de um método de pesquisa bibliográfico e comparativo, analisar-se-á o


processo legislativo que levou à adoção de tais medidas pelos países acima descritos, bem
como sobre o procedimento utilizado para o acesso à morte clinicamente assistida na Europa.
Discutir-se-á, ainda, a possibilidade ventilada por alguns países de aceitação da morte
clinicamente assistida em menores de idade, bem como as condições necessárias para efetuar
o pedido.

2. ANÁLISE COMPARATIVA

2.1. MORTE CLINICAMENTE ASSISTIDA

A morte clinicamente assistida (medical assistance in dying, em inglês), ainda que de


modo bem rudimentar, é um conceito antigo na clínica médica e no campo da bioética.

Na Grécia Antiga, a versão original do “Juramento de Hipócrates” previa a proibição


aos exercentes da medicina de fornecerem drogas letais aos pacientes que assim requererem,
bem como a vedação ao aconselhamento à tomada de tal decisão. A própria origem do nome
“eutanásia” remonta ao grego, na medida em que “eu” significa “bom”, enquanto “Thanatos”
é a personificação da morte na Mitologia grega.

Já durante a Era Romana, Sêneca e os estóicos, bem como os epicuristas,


contemplaram diversas vezes o problema do suicídio, sendo que os últimos, com sua filosofia
de maximização do prazer, argumentaram que o suicídio poderia ser justificado como ultima

5
ratio para pessoas com sofrimento interminável. Ainda durante o Império Romano, com a Lei
das Doze Tábuas, em que há a especificação de uma ideia de suicídio piedoso com a
eutanásia de crianças que nasceram mal-formadas (Tábua IV, 1).

A ascensão do Cristianismo como principal religião na Europa Ocidental e a


consolidação da ética cristã levam a um repúdio ainda maior à ideia de suicídio, já que o
conceito de morte clinicamente assistida ainda não era algo completamente elaborado. São
Tomás de Aquino, na segunda parte de sua Summa Theologica, dispõe sobre a santidade e o
valor intrínseco da vida humana e sobre como esta seria um presente de Deus, de modo que
qualquer tentativa de tirar a vida seria vista como um pecado da mais alta ordem.

Com o advento do Renascimento e, posteriormente, do Iluminismo, com os quais as


ideias de autonomia e liberdade individual atingem um patamar elevado e com o contínuo
decaimento da ética cristã como estrela-guia universal do comportamento individual, a
discussão sobre a morte assistida gradativamente ganha terreno. Já no século XVI, Sir
Thomas More, em Utopia, descreveu que na comunidade utópica por ele envisionada, haveria
auxílio ao suicídio daqueles que assim desejassem e estivessem vivendo um sofrimento
incurável e intenso.

Todavia, durante o período da Segunda Guerra Mundial, a “eutanásia 1” foi utilizada


como um programa de eugenia por parte do Estado alemão para a perpetuação de um
genocídio de minorias raciais e portadores de deficiências graves. Em 1939, o governo
alemão, então já amplamente comandado pelo Partido Nacional-Socialista, institui, em um
primeiro momento secretamente, o programa “Aktion T4”, em que profissionais de saúde
eram forçados a reportar pessoas com deficiências mentais e físicas de natureza grave e
incurável que estivessem sob seus cuidados. Apresentada ao povo alemão como uma política
pública não apenas de purificação racial mas também como sendo de certa forma “piedosa”,
foi abandonada em 1941. Todavia, estima-se que o número de mortos por conta dessa política
de sistematização de uma suposta “eutanásia” seja de aproximadamente 250.000 pessoas, as
quais eram mortas em câmaras de gás instaladas dentro de hospitais e centros de tratamentos
paliativos com gás de monóxido de carbono.

1 Utiliza-se a expressão “eutanásia” entre aspas, na medida em que o significado da palavra origina do grego
para “boa morte”, “morte serena, sem sofrimento”. A utilização da palavra sem o uso das aspas contribuiria para
uma deturpação do real significado da expressão, já que o Estado alemão fez uso da ferramenta para a
perpetuação de um genocídio em pessoas com o intuito de “purificação” da raça ariana.

6
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, na medida em que os horrores do período nazista
na Alemanha e nos territórios ocupados passaram a ser amplamente conhecidos, ocorreu uma
revolução no campo da bioética que permitiu, anos depois, a introdução de mecanismos
legais para regulamentação da morte clinicamente assistida. O advento de uma teoria bioética
principialista, baseada nos princípios da autonomia do paciente, da beneficência, da não-
maleficência e da justiça, colocam a vontade do paciente em um primeiro plano, permitindo o
surgimento de legislações nacionais sobre o tema.

Passemos, neste momento, a uma análise dos conceitos bioéticos de suicídio assistido,
e eutanásia, os quais compõem, de modo basilar, a ideia de morte clinicamente assistida.

De acordo com o National Health Service 2 (NHS), sistema público de saúde do Reino
Unido, o suicídio assistido pode ser definido como “o ato de deliberadamente auxiliar outra
pessoa a tirar sua própria vida”. Já José Roberto Goldim3, um dos maiores especialistas
brasileiros em bioética e catedrático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dispõe
que o “o suicídio assistido ocorre quando uma pessoa, que não consegue concretizar
sozinha a sua intenção de morrer, solicita o auxílio de um outro indivíduo. A assistência ao
suicídio de outra pessoa pode ser feita por atos (prescrição de doses altas de medicação e
indicação de uso) ou, de forma mais passiva, através de persuasão e encorajamento. Em
ambas as formas, a pessoa que contribui para a ocorrência da morte da outra, compactua
com a intenção de morrer através da utilização de um agente causal.”.

Cumpre esclarecer que o conceito de suicídio assistido a ser aqui trabalhado envolve o
que é realizado no âmbito da morte clinicamente assistida, acompanhado por profissional da
saúde e realizado apenas mediante consentimento livre e informado de paciente acometido de
doença grave, incurável e que traz profundo sofrimento.

Definição mais adequada talvez possa ser encontrada no âmbito do Código de Ética
da Associação Médica Americana4, que define o suicídio medicamente assistido como:
“aquele que ocorre quando o médico facilita a morte do paciente ao providenciar os meios

2 NATIONAL HEALTH SERVICE. Euthanasia and Assisted Suicide. Disponível em:


https://www.nhs.uk/conditions/euthanasia-and-assisted-suicide/
3 JOSÉ ROBERTO GOLDIM. Bioética: índice geral de textos, resumos, definições, normas e casos.
Disponível em: https://www.ufrgs.br/bioetica/suicass.htm
4 AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION, Code of Medical Ethics, from https://code-medical-ethics.ama-
assn.org

7
necessários e/ou informações que permitam ao paciente realizar o ato de terminação da vida
(p. ex., o médico providencia pílulas soníferas e informações sobre a dose letal, ciente de
que o paciente poderá cometer suicídio).

Por outro lado, a eutanásia retira das mãos do paciente o ato de terminação da própria
vida e coloca a injeção do fármaco letal nas mãos do profissional de saúde. Luciano Maia
Alves Ferreira5, em sua obra “Eutanásia e Suicídio Assistido”, define a eutanásia como
aquele que “provoca também a morte antes da hora, porém de maneira suave e indolor, a
pedido de um paciente terminal e em sofrimento, sem perspectivas de melhora e justamente
por isso torna-se tão atrante para tantas pessoas.”

A eutanásia aqui analisada e que é a implementada nos países europeus, consiste na


eutanásia voluntária e com fins humanitários, sendo um protocolo médico de assistência à
morte de paciente em condição de terminalidade, impossibilidade de cura e sofrimento
intenso. Subtrai-se, portanto, do objeto de estudo do presente paper qualquer ideia sobre
eutanásia involuntária, a qual é completamente incompatível com ideais de direitos humanos
e respeito à dignidade humana.

Subscreve-se, portanto, à definição de eutanásia apresentada pela Associação Médica


Americana6, que dispõe: “eutanásia é a administração de um agente letal por outra pessoa a
um paciente com o propósito de aliviar o sofrimento intolerável e incurável deste paciente.”

O procedimento para consumação tanto da eutanásia quanto do suicídio assistido


sempre deve levar em conta a dignidade humana, de modo a garantir o menor sofrimento
possível ao paciente. Métodos cruéis e dolorosos jamais podem ser considerados, visto que
evitar a dor e diminuir o sofrimento são componentes importantes do direito a uma morte
digna, clinicamente assistida.

5 LUCIANO MAIA ALVES FERREIRA, Eutanásia e suicídio assistido: uma análise normativa comparada/
1º ed. 2018.
6 Swiss Criminal Code, (1937). https://www.fedlex.admin.ch/eli/cc/54/757_781_799/en

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2.2. LEGISLAÇÕES SOBRE O TEMA NA EUROPA

Atualmente, o suicídio assistido e a eutanásia são permitidos apenas em cinco países


europeus, quais sejam: Alemanha, Bélgica, Espanha, Holanda e Luxemburgo. A Suíça,
todavia, permite apenas a realização do suicídio assistido. Portugal, França e Irlanda são
nações que possuem projetos de lei em discussão sobre o tema, de modo que há um pujante
debate sobre a questão nestes países.

2.2.1. Suíça.

A experiência suíça envolvendo o suicídio assistido é uma das mais difundidas e


antigas da Europa.

Ao contrário do que alguns podem pensar, a Suíça não possui uma legislação
expressamente autorizadora do suicídio assistido, de modo que a permissão da prática decorre
de uma omissão legal quando da criação do Código Penal de 1947.

O artigo 115 do referido Código prevê 7: “Qualquer pessoa que por motivos
egoísticos incite ou auxilie outrem a cometer ou tentar cometer suicídio é, se este outrem
cometer ou tentar cometer suicídio, passível de uma sentença de custódia penal não superior
a cinco anos ou a uma multa monetária (grifei)”.

A criminalização da prática do auxílio ou instigação ao suicídio na Suíça, portanto,


ocorre apenas nos casos em que esta se dá por motivo egoístico, de modo que o auxílio ou
instigação, a pedido de outra pessoa, e por motivos humanitários não é passível de punição.

Além disso, de acordo com a legislação, não há necessidade que o suicídio seja
clinicamente assistido por profissional da saúde como médico ou enfermeiro, bastando
apenas o consentimento do que deseja pôr termo à vida. Outra característica do sistema suíço
passa pela desnecessidade de a pessoa estar passando por doença terminal e incurável, como
em outros países que serão analisados ao longo do estudo.

7 AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION, Code of Medical Ethics, from https://code-medical-ethics.ama-


assn.org

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Todavia, a atuação médica nos casos em que há o suicídio assistido é extremamente
regulamentada pela Associação Médica Suíça, de modo que a atuação do profissional em
casos em que o paciente solicitar auxílio deve ocorrer quando presentes quatro pilares: a)
capacidade do paciente; b) decisão autônoma; c) sofrimento severo e d) consideração das
alternativas por parte do paciente.

A Suíça jamais autorizou a prática da eutanásia em seu território, sendo ainda que o
artigo 114 do Código Penal suíço prevê a punição ao homicídio a pedido da vítima, o qual
seria perpetrado por motivos louváveis e por compaixão da vítima. Apesar disso, o início do
século XXI trouxe discussões sobre a possibilidade de descriminalização da eutanásia, as
quais foram rejeitadas pelo Parlamento suíço em 2001.

Por fim, ressalta-se que a Suíça permite que estrangeiros realizem o suicídio assistido
na nação, mesmo com assistência de médicos suíços. Referida permissão gera o debate acerca
do suicide tourism e suas implicações no país têm gerado polêmica.

2.2.2. Holanda.

A Holanda possui a primeira legislação de legalização da eutanásia e do suicídio


assistido no mundo, por conta da aprovação final em 2002 da Lei de Terminação da Vida a
Pedido e do Suicídio Assistido, cuja vigência se deu a partir de 1º de abril de 2002.

A referida lei alterou o artigo 293 do Código Penal holandês a fim de despenalizar a
prática da eutanásia e do suicídio assistido apenas quando praticada por um médico, o
qual deve agir de acordo com critérios pré-estabelecidos. Em síntese, os critérios a serem
observados pelos médicos quando da realização de uma eutanásia ou de um suicídio assistido
são: a) pedido voluntário de um paciente; b) estar o paciente passando por sofrimento, físico
ou psíquico, insuportável e incurável, sem perspectivas de melhoras; c) informar ao paciente
sua situação e seu prognóstico clínico; d) discussão da situação com o paciente e a chegada a
um consenso; e) consulta a, pelo menos, outro médico que não possui relação com o caso.
Este outro clínico deverá consultar o paciente e atestar de modo escrito que o primeiro
médico cumpriu os requisitos para realização do procedimento de terminação antecipada da
vida e f) realizar o procedimento da eutanásia ou do suicídio assistido com cuidado médico e
respeito à dignidade do paciente.

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O sistema holandês, portanto, prevê a possibilidade de realização da eutanásia e do
suicídio assistido apenas se performados por médico habilitado para tanto e depois do
atendimento de critérios que envolvem, ainda, a opinião de um segundo profissional. Além
disso, é facultado ao clínico recusar a realização do procedimento alegando objeção de
consciência. Outrossim, outra característica do sistema neerlandês é a necessidade de que
todas as mortes não-naturais decorrentes de eutanásia ou suicídio assistido sejam reportadas a
um comitê independente de médicos que verificará o atendimento dos critérios para
realização do procedimento e, caso encontrada alguma falha, poderá recomendar a instituição
de sanções administrativas ou penais ao profissional de saúde.

Aspecto controverso da legislação holandesa diz respeito à permissão da eutanásia em


crianças e adolescentes. Entre os 12 e 15 anos, com autorização dos pais, o procedimento
pode ser performado, enquanto pessoas de 16 e 17 anos podem decidir sozinhas pela morte
clinicamente assistida, desde que os pais estejam envolvidos no processo decisório, desde que
observados os mesmos critérios decisórios anteriormente referidos.

2.2.3. Bélgica.

A Bélgica se tornou o segundo país europeu a permitir a eutanásia, tendo sido a lei
promulgada em 28 de maio de 2002 e entrado em vigor em 23 de setembro de 2002, no
mesmo ano em que a Holanda adotou a medida. Remanesce vedada a prática do suicídio
assistido no país.

O sistema belga previa, em um primeiro momento, critérios bem mais restritos para a
morte clinicamente assistida. Segundo a versão inicial da legislação, seria necessário a
presença de doença terminal e o sofrimento insuportável do paciente para receber a eutanásia,
bem como ser o requerente pessoa maior de 18 anos de idade. Além disso, distinguia-se do
sistema holandês pela distinção atribuída aos pacientes que possuíam doença terminal e que
chegariam a uma morte natural em breve, daqueles que também possuíam moléstia grave e
terminal, mas que ainda teriam alguns anos de vida. No caso da legislação belga, esses
últimos casos deveriam ser revistos por um terceiro médico para que, caso constatada
efetivamente a terminalidade da doença, se proceda à eutanásia.

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Outra distinção extremamente relevante da lei belga para a lei neerlandesa se dá por
conta da ausência de idade mínima para requerimento de submissão à eutanásia, a partir de
uma emenda legal aprovada em 2014. Em que pese haja um procedimento ainda mais
complexo para os menores de idade receberem a eutanásia, com acompanhamento
psiquiátrico mais amplo e após um processo de revisão por um comitê especial de médicos,
tal prática tem gerado grande polêmica no país.

O avanço do debate sobre o tema no país fez com que o critério do sofrimento
insuportável passasse a abarcar também o sofrimento psíquico, de modo que portadores de
graves distúrbios psicológicos possam requerer a eutanásia.

A permissão à eutanásia para portadores de distúrbios mentais como depressão grave


levou à judicialização da lei belga de eutanásia perante a Corte Europeia de Direitos
Humanos. Em Mortier v. Belgium, Tom Mortier, cuja mãe, que sofria de depressão crônica
havia mais de 40 anos, foi submetida à eutanásia sem informar seus filhos do procedimento,
argumentou que o procedimento utilizado no caso de sua genitora violava os Artigos 2 e 8 da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Mortier, em suma, argumentou que a ausência
de uma revisão maior do caso de sua mãe por parte do Comitê de Revisão e Avaliação da
Eutanásia violava o artigo 2º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, o qual foi
acolhido pelo Tribunal.

O referido caso é um landmark na medida em que demonstra a necessidade de


balanceamento do direito à morte digna com o direito à privacidade dos familiares e do
paciente.

A legislação belga sobre a eutanásia a qual, em um primeiro momento, espelhava-se


na holandesa, atualmente é uma das mais permissivas quanto à morte clinicamente assistida,
de modo que existem debates importantes sobre a possibilidade de reinstituição de uma idade
mínima e do afastamento do sofrimento psíquico como critério.

2.2.4. Luxemburgo.

Luxemburgo tornou-se o terceiro país europeu a aprovar uma lei de legalização da


eutanásia com a aprovação da Legislation Regulament ant les Soins Palliatifs Ainsi que

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L’euthanasie et L’assistance au Suicide em 2009, após uma queda de braço entre a maioria
parlamentar progressista e o Chefe de Estado da época.

Assim como na Holanda e diferentemente da Bélgica, Luxemburgo autoriza a prática


tanto da eutanásia quanto do suicídio assistido, desde que atendidos critérios mínimos de
elegibilidade.

As semelhanças com o sistema holandês perpassam o sistema luxemburguês, que


também apresenta requisitos semelhantes para a realização da morte clinicamente assistida.
Como requisitos cita-se: consciência e capacidade no momento da decisão, maioridade,
decisão autonomamente tomada, sofrer de doença incurável e sem perspectiva de melhoria,
decorrente de acidente ou moléstia e estar passando por sofrimento físico e psíquico
insuportável, sem esperanças de melhora.

Uma peculiaridade do sistema luxemburguês em comparação com o apresentado na


Holanda se dá pela necessidade de que o paciente apresente declaração escrita, assinada e
datada, dando conta de todos os detalhes que levaram à formalização do pedido. O pedido
pode ser assinado e escrito por pessoa da escolha do paciente, caso este esteja impossibilitado
de realizá-lo. Destaca-se ainda a possibilidade de o requerente apresentar o chamado end-of-
life arrangements, em que pode realizar o pedido de eutanásia ou suicídio assistido enquanto
ainda possui condições de fazê-lo, mas antecipando que poderá não ter mais a habilidade para
tanto por conta da doença que lhe acomete. O procedimento só seria realizado, nestes casos,
no momento em que o requerente atingisse a oportunidade e a condição que expressa e
formalmente destacou no documento como sendo aquele para a realização da morte
clinicamente assistida.

Todavia, diferentemente do permitido nos Países Baixos, Luxemburgo não permite a


realização da morte clinicamente assistida em menores de 18 anos sob quaisquer
circunstâncias. Tal proibição se estende às pessoas maiores de idade sob guarda ou proteção
de terceiros ou pessoas consideradas incapazes pela lei. Os pais, guardiães ou demais
responsáveis, sob nenhuma hipótese, poderão efetuar o pedido em seu nome, incumbindo
unicamente ao paciente, aquele com capacidade, a realização do pedido.

2.2.5. Alemanha.

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A Alemanha, assim como a Suíça, proíbe a eutanásia e permite apenas a realização do
suicídio assistido, o qual é conhecido, em alemão, como “steberhlife”. Na Alemanha,
inclusive, há a vedação ao uso do termo “eutanásia”, pela associação aos crimes nazistas
cometidos durante o período do Terceiro Reich. A eutanásia, na Alemanha, é considera
homicídio e passível de aprisionamento por até cinco anos, de acordo com o artigo 216 do
Código Penal alemão.

A possibilidade de realização do suicídio assistido na Alemanha consiste, assim como


na Suíça, de uma omissão legal, em razão de o Código Penal não criminalizar a ajuda ao
suicida. Todavia, o legislador alemão, no artigo 217 do Código Penal, criou norma penal com
o intuito de vedar a realização de suicídio assistido patrocinado por organização que promove
ou possibilita a realização do procedimento.

Em fevereiro de 2020, todavia, o Tribunal Constitucional Federal alemão, numa


decisão provocada por ativistas que defendem o direito à morte clinicamente assistida,
decidiu pela inconstitucionalidade da norma constante no artigo 217 do Código Penal alemão.
Segundo a Corte, a norma feriria o princípio constitucional da autodeterminação, que
permitiria a possibilidade de uma pessoa livremente decidir pelo fim de sua vida e requerer a
ajuda de terceiros para tanto. O entendimento foi no sentido de que a proibição das atividades
de associações que promovem e possibilitam a realização do suicídio assistido virtualmente
impossibilita que pessoas realizem o procedimento, na medida que muitas não dispõem das
condições físicas e financeiras para fazê-lo sem o auxílio destas organizações.

2.2.6. Espanha.

A Espanha se tornou, desde junho de 2021, o quarto país europeu a permitir a


eutanásia e suicídio assistido em casos delimitados por lei.

A lei espanhola estabelece critérios rigorosos para a morte clinicamente assistida,


quais sejam: a) estar o paciente sofrendo de doença grave e incurável ou de condição crônica
e incapacitante que causa sofrimento intolerável; b) ser pessoa adulta e de nacionalidade
espanhola ou com residência no país e c) possuir capacidade e consciência do pedido que está

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formulando, o qual deve ser submetido de forma escrita, em duas oportunidades distintas,
com quinze dias de diferença.

Após o recebimento do pedido, um médico irá avaliar se a pessoa realmente preenche


os requisitos para tanto e ainda pedirá a opinião de um segundo profissional para avaliação do
paciente. Há possibilidade do pedido ser rejeitado caso não se atinjam os requisitos e é
facultado ao médico realizar o procedimento alegando objeção de consciência.

A lei foi aprovada a partir da maioria formada pelos partidos de esquerda e centro que
comandam o Legislativo do país. Apesar disso, o partido de extrema-direita Vox contestou a
constitucionalidade da lei perante o Tribunal Constitucional do país, o qual, em abril de 2023,
decidiu que não havia inconstitucionalidade.

Observa-se, a partir da lei espanhola, um exemplo de legislação que garante o


exercício da autonomia do paciente, mas também estabelece safeguards importantes para
avaliação da capacidade e consciência do paciente, bem como do preenchimento dos
requisitos para passar pelo procedimento. Além disso, a proibição de realização da eutanásia
em menores de dezoito anos de idade, bem como a necessidade de ser o paciente residente na
Espanha ou de nacionalidade espanhola são algumas características relevantes do sistema.

2.2.7. Áustria.

Desde janeiro de 2022, a Áustria se tornou o mais novo país europeu a permitir a
morte clinicamente assistida.

O Código Penal austríaco8 previa, em seu artigo 78: “Qualquer pessoa que incite ou
auxilie outrem a cometer suicídio é punível com pena de prisão de seis meses ou cinco
anos”. A reforma legislativa veio a retirar a expressão “auxilie”, de modo que apenas a
incitação passou a ser crime.

8Sterbeverfügungsgesetz, (2021). https://www.ris.bka.gv.at/GeltendeFassung.wxe?


Abfrage=Bundesnormen&Gesetzesnummer=20011782

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A lei é decorrente de um veredito da Corte Constitucional austríaca que decidiu pela
inconstitucionalidade da proibição do suicídio assistido, que consistiriam em uma violação ao
princípio da autodeterminação.

Com a aprovação do “Sterbeverfügungsgesetz”, o país passou a permitir a realização


apenas do suicídio assistido e sob critérios rigorosos. Para a realização do procedimento, o
paciente deve ter doença grave, incurável e fatal atestada por um médico que deve,
juntamente com um segundo profissional, atestar a capacidade do doente para tomada da
decisão.

Aqueles que são portadores de doença grave e incurável mas que ainda possuem mais
tempo de vida, devem aguardar um período de doze semanas para registrar o pedido em um
serviço notarial, de modo a terem acesso à medicação disponível para o suicídio assistido.
Aqueles que possuem doença terminal, devem aguardar um espaço de tempo de apenas duas
semanas para formalização do pedido. O referido pedido pode ser formalizado por um
representante, caso o paciente não possua mais condições físicas para tanto.

O suicídio assistido está disponível para pessoas que sofrem de graves distúrbios
mentais, desde que a pessoa possua capacidade de discernimento para formalização do
pedido. Menores de idade e pessoas com doenças menos graves não podem realizar o
procedimento, mantendo-se a punição aos assistentes destes casos.

2.2.8. Propostas legislativas: França, Itália, Irlanda e Portugal.

Desde a aprovação pela Holanda da primeira legislação de regulamentação da


eutanásia, diversos outros países europeus aprovaram leis semelhantes para regulamentar a
morte clinicamente assistida. Em que pese a Espanha ter sido a última, alguns debates
legislativos intensos estão ocorrendo em diversas outras nações, de modo que destacamos
quatro destas neste paper.

Na França, o presidente Emmanuel Macron anunciou, após a aprovação da proposta


em uma consulta popular, a intenção de enviar um projeto de lei à Assembleia Nacional
regulamentando a eutanásia e o suicídio assistido no país. A consulta popular foi realizada

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mediante a formação de um comitê especial composto por 184 cidadãos escolhidos
aleatoriamente, tendo a proposta de elaboração de uma lei sobre a morte clinicamente
assistida sido aprovada por 76% dos membros. A proposta legislativa ainda não foi elaborada
e enviada à Assembleia Nacional todavia, pelo relatório aprovado pelo comitê formado,
crianças com doenças terminais não poderão passar pelo procedimento.

Na Itália, a Corte Constitucional, em uma decisão paradigmática, em 2019, decidiu


que a proibição do suicídio assistido em pacientes capazes e com sofrimento intolerável seria
inconstitucional. A decisão, na prática, legalizou o suicídio assistido no país, apesar de ainda
não existir lei aprovada e em vigor sobre o tema. Em junho de 2022, o primeiro suicídio
assistido legal foi realizado no país quando um homem de 44 anos de idade, que há doze anos
estava completamente paralisado por um acidente de carro, realizou o procedimento. Há
legislação em processo de aprovação no Parlamento italiano, tendo sido aprovada na Câmara
dos Deputados, mas ainda não aprovada pelo Senado.

A Irlanda é outro país em que a questão da morte clinicamente assistida é atualmente


debatida de forma vigorosa. Em 2020, foi introduzido no Parlamento irlandês (Oireachtas), o
Death with Dignity Bill, o qual está sendo debatido em uma comissão especial criada para
análise da matéria.

Portugal é outro país efervescente sobre a eutanásia no presente momento, havendo


sido estabelecida uma espécie de queda de braço entre o Chefe de Estado, o Presidente
Marcelo Rebelo de Sousa, e o Legislativo, representado pelo primeiro-ministro António
Costa sobre o tema. Em um primeiro momento, ainda em 2021, a maioria parlamentar
progressista apoiou legislação sobre eutanásia e suicídio assistido, mas o Presidente da
República, no exercício de suas prerrogativas constitucionais, enviou a lei ao Tribunal
Constitucional para controle de constitucionalidade, tendo a Corte entendido pela
inconstitucionalidade de alguns pontos constantes no decreto. Desde então, o projeto já foi
aprovado em outras três oportunidades distintas pela Assembleia da República, tendo sido, na
segunda oportunidade, vetado diretamente pelo Presidente da República e, na terceira
ocasião, derrubado novamente por inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
Atualmente, o país aguarda os próximos passos do Chefe do Executivo e do Tribunal
Constitucional, após o Parlamento ter aprovado uma quarta versão da lei, buscando atender
aos critérios estabelecidos.

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3. CONCLUSÃO

País Eutanásia Suicídio Ambos Origem Possibilidade de realização em Necessidade de parecer médico para o procedimento
assistido menores de idade

ALEMANHA X Omissão legal decorrente da Menores não podem requerer o Não


não-penalização do auxílio suicídio assistido. Entende-se não
ao suicídio haver capacidade para tanto.

ÁUSTRIA X Descriminalização do A lei Sterbeverfügungsgesetz, veda Não


auxílio ao suicídio com a a realização do suicídio assistido
aprovação de lei em 2021. em menores.

BÉLGICA X Aprovação de lei que Menores de 18 anos podem Sim


regulamenta a eutanásia em requerer a eutanásia, desde que
2002 haja consentimento dos pais.

ESPANHA X Aprovação de lei que A Ley Organica 3/2021 veda a Sim


regulamenta a eutanásia em realização do suicídio assistido em
2021 menores.

HOLANDA X Aprovação de lei que A Holanda permite a eutanásia e o Sim


regulamenta a eutanásia e o suicídio assistido em menores de
suicídio assistido em 2002 idade. Aos que possuem até 15
anos, é necessário consentimento
dos pais. Aos que possuem 16 e 17
anos, faz-se necessário consulta aos
responsáveis para tomada de
decisão.

LUXEMBURGO X Aprovação de lei que Luxemburgo veda a realização do Sim


regulamenta a eutanásia e o procedimento em menores de idade.
suicídio em 2009

SUÍÇA X Omissão legal decorrente da Menores não podem requerer o Não


não-penalização do auxílio suicídio assistido. Entende-se não
ao suicídio haver capacidade para tanto.

4. REFERÊNCIAS

American Medical Association. (n.d.). Code of Medical Ethics [Review of Code of

Medical Ethics]. Retrieved 2023, from https://code-medical-ethics.ama-assn.org

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