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CONCEITOS EM GENÉTICA

Conectando
telômeros e o
envelhecimento:
é possível viver
para sempre?

Jordana Inácio Nascimento-Oliveira


Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Genética), Instituto de Biociências de Botucatu, UNESP, Botucatu, SP

Autor para correspondência - jordana.oliveira@unesp.br

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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

T odos os eucariotos (protozoários, fungos, plantas e


animais) têm genomas constituídos por cromosso-
mos lineares com uma porção chamada de telômero em
suas extremidades. Os telômeros possuem diversas fun-
ções, dentre elas proteger a integridade dos cromossomos
ao evitar que as extremidades se unam umas às outras;
também estão associados ao processo de envelhecimento,
pois ao longo da vida do indivíduo os telômeros vão se
encurtando e diminuindo a capacidade das células se divi-
direm e, por isso, muita gente imagina que seria ótimo se
os cientistas desenvolvessem um remédio para que nossos
telômeros nunca mais se encurtassem e pudéssemos, as-
sim, adiar o envelhecimento. Mas será mesmo que apenas
os telômeros são responsáveis pelo processo de envelheci-
mento? Qual a importância deles para a saúde da célula? O
que aconteceria se pudéssemos ter telômeros longos, sem
perda de tamanho, por toda a vida? Seríamos imortais?

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CONHECENDO que significa parte. Telômeros são estrutu-


ras da cromatina presentes nas extremida-
OS TELÔMEROS des dos cromossomos lineares compostas

O s telômeros exercem, para os cromos-


somos, a mesma função que as pontas
de plástico têm nos cadarços de tênis. É as-
por DNA repetitivo telomérico e proteínas
características do telômero. Atualmente os
cientistas sabem que os telômeros desem-
sim que a pesquisadora Elizabeth Blackburn penham três funções principais: (1) impedir
descreve a função dos telômeros (ver a Figu- que enzimas presentes no núcleo degradem
ra 1, sobre a história dos telômeros); sem as as extremidades das moléculas de DNA dos
pontas reforçadas, os cadarços desfiam e se cromossomos; (2) garantir a estabilidade
perdem ao longo do tempo, como ocorreria dos cromossomos lineares, evitando fusões
com os cromossomos se não tivessem estru- terminais entre eles; (3) compensar a perda
turas especializadas em suas extremidades de nucleotídeos do DNA da extremidade
para os protegerem. do cromossomo que ocorre a cada ciclo de
A palavra telômero deriva dos termos gre- replicação do material genético, como deta-
go telos, que significa extremidade, e meros, lhado a seguir.

Figura 1.
Os telômeros são formados por uma sequên- mossomos de uma mesma célula e mesmo Ao longo dos anos, os
cientistas reuniram evidências
cia específica de nucleotídeos repetida cen- entre braço curto e braço longo do mesmo que apoiavam a ideia de
tenas ou milhares de vezes (Figura 1). Em cromossomo (Figura 2). Por exemplo, em que os cromossomos tinham
diversos vertebrados, a sequência telomérica células somáticas, que são as células que estruturas especializadas em
é TTAGGG, e o número de repetições varia constituem os nossos tecidos, o número de suas extremidades e, por meio
de diversos experimentos,
de acordo com o tipo celular e a idade do in- repetições varia de 500 a 3.000, diminuindo o conhecimento sobre
divíduo. É possível visualizar os telômeros ao aos poucos a cada processo de divisão celu- os telômeros foi sendo
microscópio por meio da hibridação in situ lar. A repetição por centenas a milhares de enriquecido.
fluorescente (Figura 2). A análise evidencia vezes da sequência telomérica permite que
que o comprimento dos telômeros, ou seja, o os telômeros possam desempenhar a função
número de repetições da sequência telomé- de manter a estabilidade dos cromossomos
rica, é variável não apenas entre diferentes eucarióticos ao longo das divisões celulares
células, mas também entre diferentes cro- (funções 1 e 2).

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Figura 2.
Cromossomos metafásicos
de peixe Brachyhypoponus
beebei, submetidos à
hibridização in situ com uma
sonda de telômero, marcada
com fluorocromos. A técnica
utiliza um corante fluorescente
azul que se liga ao DNA,
possibilitando a visualização
dos cromossomos. Os telômeros
são visualizados como pontos
vermelhos nas extremidades dos
cromossomos, onde a sonda
correspondente à sequência
de telômero foi hibridizada
ao DNA. A visualização dos
telômeros é possível graças ao
grande número de repetições
da sequência da região
telomérica. As setas “a” e “b”
apontam dois cromossomos
com comprimentos de
telômeros diferentes. Em “a”,
uma marcação mais discreta,
sinalizando um telômero com
menor número de repetições.
Fonte: foto cedida pelo
pesquisador Adauto Cardoso.

POR QUE A REPLICAÇÃO síntese das duas fitas novas ocorre de ma-
neira diferente. Em uma das fitas que serve
DO DNA ENCURTA como molde, a que tem sentido 3’ o 5’, uma
OS TELÔMEROS? sequência de RNA complementar, chama-
A molécula de DNA é uma dupla-fita, sen- da primer, é adicionada para que haja a dis-
do que as duas fitas são ditas antiparalelas, ponibilidade de uma extremidade 3’OH, a
ou seja, uma fita tem orientação 5’ o 3’ e a partir da qual a Polimerase do DNA é ca-
outra 3’ o 5’ (Figura 3). Para o processo de paz de iniciar a extensão da nova cadeia, no
replicação da molécula ocorrer, as duas fitas sentido 5’ o 3’. Nessa fita, chamada de fita
servirão de molde para a síntese de novas ca- leading, a síntese ocorre de maneira contí-
deias de DNA. Nos cromossomos lineares nua, até o final. Para resolver o problema da
dos eucariotos, a replicação inicia-se com a orientação na outra fita molde, com orien-
abertura da dupla-fita do DNA em diversos tação antiparalela, primers são adiciona-
Polimerase do DNA – A pontos. As aberturas dão origem às forqui- dos em intervalos ao longo do processo de
polimerase do DNA é uma
das enzimas fundamentais lhas de replicação, onde a síntese das novas deslocamento da forquilha de replicação. A
na replicação do DNA dos fitas complementares ocorrerá com o auxí- partir de tais primers, a Polimerase do DNA
procariotos e dos eucariotos. A lio de diversas enzimas. A enzima Polime- realizará a síntese de forma descontínua de
enzima acrescenta nucleotídeos rase do DNA é responsável pela adição dos cada fragmento, mas sempre no sentido de
complementares aos das fitas
da cadeia de DNA molde, a ser
nucleotídeos na nova cadeia de DNA. No 5’ para 3’, a partir da extremidade 3’ de um
duplicada. A síntese da nova entanto, a enzima consegue realizar a sínte- primer até o primer do próximo fragmento.
cadeia pela polimerase começa se apenas no sentido 5’ o 3’, dessa forma, a Esses trechos recém-replicados da fita des-
a partir de um segmento
iniciador de RNA (primer).

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contínua (ou lagging) são chamados Frag- ção fosfodiéster entre o último nucleotídeo
mentos de Okazaki (Figura 4A). Ao final adicionado pela Polimerase do DNA com o
da replicação, as sequências de primers, tan- nucleotídeo adjacente, selando as desconti-
to na fita leading, como na fita lagging, serão nuidades das fitas.
removidos por uma enzima chamada RNA-
Na fita lagging, no entanto, o espaço gerado
se H. Os espaços gerados pela remoção dos
pela remoção do primer no último dos frag-
primers serão preenchidos por uma outra
mentos de Okazaki, localizado na extremi-
enzima Polimerase do DNA, especializada
dade do cromossomo, origina uma extremi-
em replicar o DNA nesses espaços e, em
dade de fita simples. Nesse espaço, como não
seguida, a enzima ligase realizará uma liga-
há um fragmento de Okazaki à frente, a po-

Figura 3.
A estrutura do DNA. A
molécula de DNA é composta
por duas fitas de nucleotídeos
pareadas de forma antiparalela.
Na figura estão representados
3 pares de nucleotídeos de
uma dupla fita de DNA. As
setas pretas e contínuas
indicam o sentido de replicação
do DNA. As setas verdes e
tracejadas indicam o sentido da
ligação fosfodiéster entre um
nucleotídeo e o seu adjacente.
Note-se que no nucleotídeo da
esquerda, representando a fita
contínua, a extremidade 3'OH
está livre. Assim, a polimerase
do DNA pode realizar a ligação
entre este OH e o grupo fosfato
de outro nucleotídeo, a direção
de extensão é para baixo. Na
fita antiparalela a ponta 3'OH
livre está em sentindo contrário,
fazendo com que o sentido de
extensão da fita de DNA seja
para cima nessa representação.

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Figura 4.
Replicação do DNA
e encurtamento dos
telômeros. A) Replicação
do DNA. Representação da
forquilha de replicação na qual
atuam as enzimas helicase e
topoisomerase, responsáveis
por abrir e evitar a torção do
DNA; a primase, responsável
por sintetizar o primer;
proteínas de ligação ao DNA,
evitam o auto emparelhamento
da fita durante a replicação e
polimerase do DNA que realiza
a síntese na fita contínua e
descontínua. B) A remoção
do primer de RNA do último
fragmento de Okazaki da fita
lagging origina uma molécula
de DNA com a extremidade em
cadeia simples.

limerase do DNA não é capaz de completar te a perda de sequências importantes para


o espaço deixado, pois não há extremidade o funcionamento da célula. Dessa forma, a
3’ de um fragmento adjacente que permita integridade da informação ao longo dos cro-
a extensão da cadeia, daí a importância nas mossomos é mantida (Figura 4). Devido às
sequências dos telômeros. Uma vez que, a inúmeras repetições das sequências de telô-
cada ciclo de replicação haverá a formação de meros, é possível que as células se multipli-
uma ponta de fita simples, perdendo-se um quem com encurtamento dos telômeros ao
pequeno fragmento de DNA, a cada ciclo de longo da vida do indivíduo, sem que os genes
replicação, as repetições das sequências telo- e as informações no restante do cromossomo
méricas serão perdidas, sem que isso acarre- sejam perdidos.

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No entanto, os telômeros não se encurtam contém um molde de RNA complementar


nas células germinativas, células cancerosas à sequência de DNA do telômero. A partir
(ver próximo tópico) e células-tronco. As desse molde de RNA complementar, a en-
células germinativas são responsáveis por zima estende a extremidade da cadeia 3' do
formar os gametas (nos animais, os esperma- DNA usando como molde a sequência da Transcriptase reversa
tozoides e os ovócitos de machos e fêmeas, molécula de RNA presente na telomerase. – enzima que sintetiza uma
respectivamente) que, quando fecundados, Esse processo permite a formação de um ou cópia de DNA a partir de uma
molécula de RNA que lhe serve
iniciarão o desenvolvimento de um novo in- alguns fragmentos de Okazaki extras no pró- como molde. A transcriptase
divíduo, por isso a importância em se preser- ximo ciclo de replicação do DNA. Um pri- reversa converte RNA em
var o telômeros nesse tipo de célula, garan- mer é adicionado e ocorre síntese da cadeia cDNA, que é uma fita de DNA
tindo cromossomos intactos ao embrião que complementar nessa extremidade pela Poli- complementar à molécula de
RNA. O cDNA pode servir de
será formado. A compensação do encurta- merase do DNA, como ocorre normalmente
molde para a replicação da
mento dos telômeros, a cada divisão celular, nos fragmentos de Okazaki. Ao final da sín- outra fita da molécula.
ocorre pela atividade realizada pela enzima tese extra, o primer será removido, formando
telomerase (Figura 5). A telomerase é a en- um trecho simples de DNA no segmento
zima especializada em aumentar o número que foi estendido, preservando a sequência
de cópias do DNA repetitivo do telômero. nucleotídica telomérica original, ou seja, re-
Além de uma estrutura proteica com ativida- cuperando cópias das sequências de DNA
de de transcriptase reversa a telomerase repetitivo telomérico perdidas (Figura 5).

Figura 5.
Atividade da telomerase. Para estender os telômeros, a telomerase
reconhece a sequência terminal de nucleotídeos da molécula que está sendo
replicada. A partir de um molde de RNA complementar, que faz parte da
telomerase, a enzima adiciona nucleotídeos à cadeia que é replicada de modo
contínuo (leading). Após a síntese da cadeia complementar, a cadeia molde
de RNA da telomerase, a telomerase desliza para o lado e repete o processo
inúmeras vezes, adicionando várias cópias do DNA repetitivo telomérico.

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TELÔMEROS, atróficas (com irregularidades), leucoplasia


bucal (placas esbranquiçadas na boca) e fa-
ENVELHECIMENTO, CÂNCER lência da medula óssea. A disqueratose con-
E OUTRAS DOENÇAS gênita já foi associada a diversas mutações
Por que os telômeros são associados ao en- nos genes TERC, TERT e também no gene
velhecimento? Em estudos, utilizando-se DKC1, que codifica a disquerina, uma das
cultura de células somáticas, observou-se proteínas do complexo da enzima telomera-
que o número de divisões celulares até que se. Tais mutações provocam o encurtamento
se atinja a morte celular varia de 20 a 70 dos telômeros. Como consequência, os por-
divisões, dependendo do tipo celular. Além tadores da doença podem manifestar diver-
disso, foi observado que em culturas celula- sos problemas associados, desde falência da
res mais velhas, que já passaram por maior medula óssea, à anemia aplástica e às com-
número de divisões, possuem telômeros plicações nos pulmões. Somente as formas
mais curtos, ou seja, adicionando tais infor- decorrentes de mutações no gene DKC1,
mações ao que se conhece do processo de re- que está localizado no cromossomo X, têm
plicação do DNA descrito acima, fica óbvio herança ligada ao X. As demais formas da
concluir que, ao longo da vida de um indiví- doença têm herança autossômica.
duo, os telômeros encurtam, sendo que ao
Por sua vez, a progéria, é uma doença heredi-
final da vida o indivíduo terá telômeros com
tária rara que causa o envelhecimento preco-
um número reduzido de repetições no DNA
ce, e embora muitas pessoas acreditem que a
telomérico. A relação entre o encurtamento
causa está diretamente associada ao encurta-
dos telômeros e o processo de envelhecimen-
mento dos telômeros, a doença é causada por
to da célula é chamado, por alguns autores,
mutações em genes diversos, e sua relação
de relógio molecular. Ele está relacionado ao
com os telômeros não é bem compreendi-
número de vezes que a célula pode se dividir
da. Há duas formas de progéria: na progé-
até que os telômeros tornem-se tão curtos
ria de Werner, os indivíduos possuem uma
que o processo de replicação ficará inviável.
mutação no gene WRN, que codifica uma
As células cancerosas, por sua vez, acumu-
proteína de reparo do DNA. Essa proteína
lam diversas mutações. Entre elas, pode
é uma enzima do tipo helicase, responsável
ocorrer a ativação dos genes TERT (telome-
pela abertura das fitas de DNA para retirar
rase reverse transcriptase - TERT) e TERC
nucleotídeos que foram inseridos erronea-
(telomerase RNA component - TERC) em
mente no momento da replicação. Esse tipo
70% a 90% dos cânceres. Esses dois genes
de progéria é uma forma mais leve da síndro-
normalmente encontram-se inativos ou com
me, com tempo de sobrevida de aproximada-
atividade muito baixa nas células somáticas e
mente 40 anos. Um segundo tipo de progé-
são responsáveis por codificar o componente
ria é a síndrome de Hutchinson-Gilford e os
proteico (a transcriptase reversa) e o RNA
acometidos pela síndrome têm expectativa
que formarão a telomerase. A ativação dos
de vida até a adolescência. Na síndrome de
referidos genes garante que, no câncer, as
Hutchinson-Gilford há a mutação do gene
células possam se dividir infinitas vezes sem
LMNA, que codifica a lâmina A, responsável
que seja sinalizado o processo de senescên-
por estruturar o núcleo das células. Os indi-
cia celular, o que costuma ocorrer a partir do
víduos portadores dessa doença possuem si-
encurtamento dos telômeros, permitindo a
nais muito precoces de senescência, ou seja,
sua multiplicação mesmo carregando diver-
logo após o nascimento apresentam sinais
sas mutações e anormalidades.
de envelhecimento, como rugas. Embora os
Outras doenças estão relacionadas à disfun- pesquisadores ainda não saibam totalmente
ção telomérica, como é o caso da disquera- a relação entre as mutações que levam aos
tose congênita, uma condição degenerativa dois tipos de progéria e o envelhecimento,
rara. Essa doença provoca hiperpigmentação em tais indivíduos os telômeros também se
da pele nas regiões das articulações, unhas encurtam mais rapidamente.

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Além disso, hábitos não saudáveis como O que se pode concluir é que o encurtamen-
o excesso de consumo de açúcar, fumo e to dos telômeros é um processo natural da
estresse já foram relacionados ao encurta- célula devido a replicação do DNA (como
mento dos telômeros. Como consequência demonstrado na Figura 4 e na seção ante-
dos maus hábitos, as células desses indiví- rior), no entanto o encurtamento precoce
duos, se comparados aos indivíduos com ou anormal dos telômeros também pode
hábitos saudáveis, apresentam telômeros estar associado a algumas doenças e até ao
mais curtos. estilo de vida, como o citado.

ENVELHECIMENTO complementaridade da fita molde, no entan-


to, há uma taxa pequena de erro, quando nu-
ALÉM DOS TELÔMEROS cleotídeos não complementares são adiciona-
Os telômeros, além de garantirem a estabi- dos à fita nova. Os erros na síntese do DNA
lidade dos cromossomos, funcionam como e outras modificações que podem ocorrer na
um sinalizador da vida útil da célula, portan- molécula geram lesões que são constante-
to são um dos principais fatores relacionados mente revertidas por mecanismos de reparo
ao envelhecimento. do DNA. Ao longo da vida, porém, esse me-
O processo de envelhecimento, no entanto, canismo vai perdendo a eficiência e as células
não pode ser atribuído apenas aos telômeros, vão acumulando mutações.
existem também outros fatores que estão Adicionalmente, mutações podem ocorrer
fortemente relacionados. Um dos fatores, de maneira induzida, ou seja, provocadas
por exemplo, é o acúmulo de mutações du- por agentes externos que causam quebras ou
rante a vida do indivíduo. A polimerase do direcionam a inserção de nucleotídeos não
DNA realiza replicação do DNA seguindo a complementares na nova fita sintetizada. Es-

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ses agentes, que recebem o nome de mutagê- telômeros. Mesmo que os cientistas desen-
nicos, podem ser físicos ou químicos. Alguns volvessem um remédio como, a pílula da te-
exemplos de agentes mutagênicos químicos lomerase, e se pudesse evitar o encurtamento
são corantes, tabaco, cafeína, entre outros. dos telômeros para o resto da vida, não seria
Espécies reativas de Como agentes mutagênicos físicos podemos possível de conter o envelhecimento em si,
oxigênio – um termo que citar os diversos tipos de radiação ionizante visto que é um processo multifatorial, pois
descreve um conjunto de como raios UV, raios X e raios gama. tais fatores estão relacionados com a genética
moléculas reativas e radicais do indivíduo e o estilo de vida, bem como a
livres derivados da molécula Outro ponto importante no envelhecimento
interação entre esses dois. Adicionalmente, a
de oxigênio. São moléculas das células é o acúmulo de espécies reati-
telomerase muitas vezes está ativa nas células
produzidas como subprodutos vas de oxigênio, popularmente chamados
durante o transporte de elétrons tumorais, o que permite a divisão por tempo
de radicais livres, naturalmente produzidos
na respiração aeróbia ou por indeterminado, mesmo com o acúmulo de
durante o processo de respiração aeróbica
enzimas oxiredutases ou, ainda, mutações. Ativar a telomerase para retardar
pela oxidação catalizada por realizado na membrana das mitocôndrias
o encurtamento dos telômeros poderia au-
metais. As espécies reativas de e que se caracterizam por serem fortes mu-
mentar o risco de desenvolvimento de tumo-
oxigênio têm papel importante tágenos químicos. Os radicais livres podem
na sinalização celular, incluindo res.
gerar danos no DNA das mitocôndrias,
apoptose.
DNA nuclear e em outras moléculas como Além de pesquisas com telômeros e telome-
proteínas e lipídeos. Alguns pesquisadores rase, outros estudos mais audaciosos reali-
chamam esse processo de teoria mitocon- zados em ratos, como a troca de células de
drial do envelhecimento e ao longo dos ciclos um indivíduo mais velho por células jovens,
celulares (as células perdem a capacidade de procuram entender até que ponto é possível
neutralizar os radicais livres, ou seja, perdem retardar o envelhecimento. Ainda que essas
a capacidade antioxidante, e a mitocôn- pesquisas tragam resultados interessantes,
dria torna-se ineficiente devido ao número aplicar esses estudos aos seres humanos pode
elevado de mutações no DNA, provocadas trazer riscos, como desenvolvimento de tu-
por radicais livres. mores e outros fatores associados.
Dessa forma, o encurtamento dos telômeros, Uma coisa é certa, o envelhecimento é um
o acúmulo de mutações, a perda da capacida- processo inevitável e, por sua complexidade,
Substâncias antioxidantes de antioxidante são alguns fatores envolvidos a Ciência e a Medicina estão longe de ofe-
– Substâncias capazes de no processo do envelhecimento. Diversos au- recer uma pílula para a imortalidade. Mas,
inibir as reações de oxidação tores ainda discutem o envelhecimento bio- bons hábitos e um estilo saudável de vida
e eliminar espécies reativas de podem prolongar a existência. Ter o controle
químico e fisiológico, como a capacidade de
oxigênio.
funcionamento dos órgãos ao longo da vida sobre o encurtamento dos telômeros, mesmo
e ainda a dificuldade de manter o organismo que possível, poderia não ser saudável. No
em homeostase com o passar dos anos. entanto, pode-se diminuir o ritmo de encur-
tamento com muita saúde, preservando a in-
Adicionalmente, muitos trabalhos relacio-
tegridade dos órgãos, células e sobretudo do
nam determinados genes ao retardo do en-
importante livro de receitas que é o DNA.
velhecimento, dedicando-se a entender se
algumas pessoas podem carregar genes que
auxiliam no retardo do envelhecimento. PARA SABER MAIS
SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos
de Genética. 6ª. edição. Rio de Janeiro, Guanabara
E SE NOSSOS TELÔMEROS Kogan, 2013, p. 194-253.
NUNCA SE ENCURTASSEM, TEIXEIRA, I. N. D.; GUARIENTO, M. E. Biologia
VIVERÍAMOS PARA SEMPRE? do envelhecimento: teorias, mecanismos e pers-
pectivas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 2845-
Certa ocasião, surgiu a dúvida: Se os cien- 2857, 2010.
tistas desenvolvessem um remédio para que KAIM, M.; BACKES, L. T. H. Envelhecimento celu-
telômeros nunca mais encurtassem, assim se lar: teorias e mecanismos. Revista Saúde Integrada,
poderia adiar o envelhecimento? v. 12, n. 23, p. 178-189, 2019.

Sabe-se que o envelhecimento não é con- PIVETTA, M.; ZORZETTO, R. Os mecanismos


sequência apenas do encurtamento dos do envelhecimento. Revista FAPESP, v. 254, p.
18-25. 2017.

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