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Replicação nas Extremidades Cromossômicas

Por
Francisco Prosdocimi
Doutorando em Bioinformática pelo Depto de Genética ICB/UFMG

A replicação do DNA é realizada, nas células eucarióticas, por várias enzimas, das quais a mais
importante é a DNA polimerase III, que produz fitas duplas de DNA a partir de DNAs de fita
simples e de um iniciador (primer), composto de RNA. Esse primer é formado pela enzima
primase e contém normalmente de 8-12 nucleotídeos. As enzimas DNA polimerases funcionam
adicionando nucleotídeos complementares à fita molde na extremidade 3' do primer 14.

Portanto, uma das fitas de DNA é sintetizada de forma contínua (fita leading) e a outra é
sintetizada de forma descontínua (fita lagging). Nessa última, a síntese ocorre através da
ligação de fragmentos, chamados fragmentos de Okasaki. Para a síntese de cada um dos
fragmentos é necessário um primer de RNA, o que faz com que a molécula resultante seja
híbrida. A DNA polimerase I corrige o "erro", retirando os nucleotídeos e colocando os
desoxiribonucleotídeos corretos 14. Então, a enzima DNA ligase liga esses fragmentos,
proporcionando uma síntese correta.

Entretanto, nas extremidades cromossômicas,


uma das fitas é copiada até o fim, enquanto, na
outra, sempre sobra uma pequena região onde
a primase não consegue se ligar para formar o
primer Fig. 1. Mesmo se fosse possível que o
último primer iniciador estivesse na
extremidade final da fita lagging, ele deveria
ser substituído por DNA pela DNA polimerase 1,
mas não há extremidade 3’ livre para que a
enzima haja.

Assim, a cada replicação do DNA, os telômeros


tendem a ficar mais curtos e algo deve ser feito
para que isso não ocorra.

Fig. 1 - Problema da replicação nas


extremidades cromossômicas. A fita lagging (de
baixo) sempre fica com uma extremidade livre
onde as enzimas não conseguem mais sintetizar
o DNA.
Mecanismos de Manutenção do Tamanho do Telômero

O principal mecanismo de manutenção do tamanho do telômero é através do acréscimo de


seqüências repetitivas pela telomerase. A telomerase é uma ribonucleoproteína (RNP), ou
seja, ela consiste de uma parte protéica e de uma molécula de RNA. A observação de que o
primeiro RNA isolado de uma telomerase (em Tetrahymena) era complementar à repetição
telomérica do organismo em questão, sugeriu que o RNA poderia servir de molde para a
replicação telomérica. Essa hipótese foi comprovada através de estudos de mutagênese, onde
uma mutação no RNA da RNP provocou uma mudança correspondente na seqüência
telomérica. As seqüências desses RNAs variam enormemente entre organismos distantemente
relacionados tanto na seqüência, quanto no tamanho, que é de 159 bases em Tetrahymena,
450 no homem e 1,3Kb em levedura 12.

A clonagem do gene da subunidade catalítica da telomerase revelou, como era esperado, uma
homologia com transcriptase reversa. Portanto, a subunidade catalítica da telomerase foi
chamada de TERT (TElomerase Reverse Transcriptase) 12.

A estrutura tridimensional de uma transcriptase reversa (RT) e, provavelmente, o de uma


TERT é comparada com a estrutura de uma mão direita, com os dedos, a palma e o polegar. A
fita molde o primer são presos na mão. Os domínios de transcriptase reversa estão nos dedos
e na palma, sendo que o sítio ativo, definido como uma tríade de resíduos de aspartato, está
localizado no domínio da palma. Entre diversas DNA e RNA polimerases observa-se que os
domínios de dedos e palma possuem diversas arquiteturas diferentes, que podem estar
relacionadas à diferença de especificidade ao substrato e ao papel biológico das enzimas. Os
motivos Ts das TERTs são semelhantes e bastante diferentes do mesmo motivo das RTs e
pode estar relacionado ao fato de que as TERTs carregam o seu próprio molde de RNA 12.

A princípio, achava-se que a telomerase catalisava a reação de elongação de uma das fitas do
DNA utilizando seu molde e que após um certo número de repetições ela realizava uma torção
em forma de grampo e permitia a formação do primer para o alongamento pela DNA
polimerase, com posterior corte do grampo. Entretanto, após a descoberta de que o telômero
possui realmente uma extremidade contendo DNA de fita simples preferiu-se a hipótese mais
parcimoniosa de que a telomerase faria apenas uma das fitas e a outra seria completada pelo
mecanismo de replicação de normal da célula.

Uma capacidade extra que as telomerases possuem é a de se mover ao longo do molde


durante a síntese do DNA. Além disso, ela deve ser capaz dissociar-se do DNA recém-
sintetizado e reposicionar o molde de RNA antes do próximo ciclo de síntese de DNA
telomérico. Isso porque o DNA telomérico é formado por pequenas repetições seguidas de
alguns poucos nucleotídeos (6, em humanos), e o RNA normalmente deve ser reposicionado
para que as repetições sejam moldadas.

O RNA molde para transcrição reversa é normalmente maior do que apenas a seqüência da
repetição telomérica. Entretanto, as extremidades desse molde devem ser precisamente
definidas, de modo a assegurar que a repetição correta está sendo inserida. A extremidade 3’
deve ser definida tanto pelo alinhamento do molde ao DNA quanto pelo reconhecimento da
extremidade livre pela TERT. A extremidade 5’ deve também ser altamente regulada para não
permitir a cópia do resto do RNA. Em ciliados, essa extremidade 5’ é muito conservada e
consiste da seqüência GUCA, que está localizada dois nucleotídeos a 5’ do molde.

Portanto a telomerase deve ser uma enzima altamente flexível, tendo a capacidade de se
movimentar ao longo do molde de RNA, do fim até o início facilmente. Para isso, a interação
entre a enzima e o DNA deve ser bem fraca, de modo a permitir sua movimentação livre.
Assim é formada uma pequena bolha de replicação e à medida que novos nucleotídeos são
acrescentados, outros são despareados, permitindo que apenas um pequeno número deles
fiquem interagindo por ligações Watson-Crick, economizando energia e permitindo uma
flexibilidade a RNP – em humanos apenas 11 ficam pareados de cada vez 12.

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Telômeros e Câncer

Alguns trabalhos mostram que, quando a telomerase é inibida in vitro em células de câncer de
mama e próstata através da inserção de RNA antisenso, o encurtamento dos telômeros causa
apoptose nas células. Entretanto, ao reunir muitos dos dados disponíveis, chega-se à
conclusão de que os resultados causados pela perda do telômero são altamente dependentes
do tipo celular que é utilizado. Algumas células podem entrar em senescência, outras ativarão
o sinal de apoptose e outras continuarão a se replicar até um ponto no qual os telômeros serão
tão pequenos que não poderão impedir certos rearranjos cromossômicos. Então, dependendo
da resposta de um tipo celular a telômeros extremamente curtos, a sua ausência pode tanto
promover quanto inibir a carcinogênese 13.

Telômeros e Senescência

A relação entre os telômeros e o envelhecimento celular ainda permanece incerta. Testes


realizados em camundongos knockout para o gene mTR, que codifica um componente
essencial da telomerase, gerou animais que, em poucas gerações apresentavam fenótipos
semelhantes aos causados pelo envelhecimento humano. Esses fenótipos foram também
similares aos da síndrome de Werner, que leva ao envelhecimento prematuro, e da
Diskeratose congênita (DKC), que é causada por uma deficiência na telomerase 6,13.

Telômeros e Clones Somáticos

A análise do tamanho dos telômeros de clones gerados através da transferência nuclear tem
gerado algumas divergências. O primeiro desses clones, a ovelha Dolly, teve seu telômero
medido quando tinha um ano de idade. A média do tamanho do telômero foi obtida por
tratamento por enzimas de restrição e Dolly mostrou uma diminuição significativa do tamanho
de seu telômero, quando comparado a uma ovelha de mesma idade (19,14 X 23,9 ± 0,18Kb).
Essa diferença significativa mostrou que o telômero de Dolly é similar ao de uma ovelha com 6
anos, consistente com idade da ovelha doadora quando foram tiradas as células de sua
glândula mamária, mais o tempo que essas células permaneceram em cultura antes da
transferência nuclear 4.

A melhor explicação para a diminuição do telômero é que isso reflete a transferência nuclear
ocorrida. Não se sabe se a idade fisiológica da ovelha está relacionada ao tamanho do
telômero e o exame veterinário confirma que o animal encontra-se saudável e apresenta
fenótipo típico de sua idade natal. Modelos teloméricos predizem que o telômero da Dolly pode
alcançar o tamanho crítico mais cedo do que os controles. Entretanto, considerando o grande
tamanho dos telômeros de ovelhas resta saber se isso acontecerá durante a vida de Dolly 4.

Esse resultado observado na Dolly gerou um certo tipo de frustração, pois a clonagem de
órgãos poderia produzir versões muito velhas destes 5.

Entretanto, ao contrário do que foi visto na Dolly, bezerros clonados possuíam telômeros
maiores do que o normal! Além disso, suas células mostravam outros sinais de juventude e

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podiam se dividir em cultura muito mais vezes do que células normais. Então os cientistas
colocaram células de feto de bezerro em cultura e deixaram-nas envelhecer, quando elas
estavam mostrando sinais de senescência, como aumento de tamanho e acúmulo de debris
celulares, eles realizaram 1900 transferências nucleares com essas células e conseguiram
produzir seis bezerros. Ao nascer os animais apresentaram-se maiores do que os normais, com
alta pressão sanguínea e dificuldade de respiração, entretanto após dois meses já pareciam
saudáveis e normais. Entre 5 a 10 meses de idade suas células foram analisadas e descobriu-
se que seus telômeros eram maiores do que os controles normais de mesma idade e algumas
vezes chegavam a ser maiores do que de fetos. Isso mostrou que os bezerros resetam os
telômeros e parece que o oócito foi capaz de recuperar um estado de juventude ao núcleo
recebido 5.
Entretanto, para saber se os animais vão viver mais se deve esperar, já que ovelhas vivem 12
anos e gado, 20. As diferenças com relação ao encontrado na Dolly podem ser aleatórias,
devido a diferenças entre as espécies, tipos celulares ou métodos de transferência nuclear 5.

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