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A

AMBIENTALIZAÇÃO DA ESCOLA: A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA


ESCOLAS SUSTENTÁVEIS

Fernanda Belizário
Juscelino Dourado
Júlia Teixeira Machado
Aline Meneses
Ricardo de Urrutia Moura
Rachel Andriollo Trovarelli
O que é o programa Escolas Sustentáveis?
O presente artigo se propõe a apresentar a experiência do programa Escolas Sustentáveis, que
foi realizado pelo Laboratório de Educação e Política Ambiental (Oca) da ESALQ/USP e o Instituto Estre
de Responsabilidade Socioambiental, com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de
Piracicaba/SP.
A proposta do programa é somar-se a uma série de outras iniciativas que fomentem um modelo
de Educação Ambiental (EA) dentro das escolas que não se resuma a eventos ou iniciativas isoladas de
uma disciplina ou de um ou outro professor. Mas um modelo que se integre à cultura escolar, que
penetre no cotidiano da escola e transborde para a comunidade escolar expandida.
Sabemos que, embora o contexto atual seja de universalização da EA nas escolas brasileiras
(BRASIL, 2007), as últimas pesquisas sobre o estado da arte da EA nos territórios escolares apontam
que a dimensão ambiental ainda é incorporada pelas escolas de maneira fragmentada, superficial,
isolada e descontínua. Portanto, fomenta atividades igualmente pontuais, fragmentadas e isoladas,
tocando apenas nas pontas da grade curricular, através de projetos, datas comemorativas ou dos
conteúdos das disciplinas ditas ‘ambientais’ (MACHADO, 2007).
Tendo esse horizonte como contexto, o programa Escolas Sustentáveis se colocou o desafio de
colaborar com as iniciativas que buscam enfrentar essa realidade, que se apresenta como hegemônica
nas escolas, ao apresentar um modus operandi que estimula a avaliação crítica da realidade e
empodera para que os coletivos escolares busquem alternativas emancipatórias de transformação de
suas vidas rumo a uma sociedade justa, solidária e fraterna.
Premissas do programa Escolas Sustentáveis
A criação do projeto teve como premissas fundamentais os cinco conceitos que permeiam as
reflexões e ações dos trabalhos de EA realizados pela Oca: identidade, comunidade, diálogo, potência
de ação e felicidade105. E também se inspirou no conceito de Escolas Sustentáveis que tem sido
desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC)106 com escolas de Ensino Médio para criar uma nova
maneira de pensar a instituição escolar, que compreende a profundidade das mudanças necessárias
para superar os impedimentos burocráticos, pedagógicos, sociais, culturais e emocionais que envolvem
o compromisso genuíno do espaço educador ambientalista com a sua comunidade.
Para Trajber e Sato (2010, p. 71), espaços educadores sustentáveis são:
(...) aqueles que têm a intencionalidade pedagógica de se constituir em referências concretas
de sustentabilidade socioambiental. Isto é, são espaços que contribuem para repensarmos a
relação entre os indivíduos e destes com o ambiente. Compensam seus impactos com o
desenvolvimento de tecnologias apropriadas, permitindo assim, mais qualidade de vida para as
gerações presentes e futuras.
Os espaços educadores estão articulados sob quatro eixos: gestão, currículo, edificação e
cidadania. Esses quatro eixos, quando interligados, criam sinergia para ressignificar a gestão, o
currículo, a edificação e a cidadania dentro da escola.
A gestão de uma Escola Sustentável é coerente com o que preconiza. Ao mesmo tempo em que
promove, por exemplo, a diminuição do desperdício, a destinação adequada do lixo produzido pela
escola ou a realização de compras conscientes, encoraja a convivência entre as pessoas, garantindo
espaços e momentos de encontros, arenas de discussão e tomadas de decisões coletivas.
Assim, a escola é lócus privilegiado para o exercício da cidadania e do diálogo quando vivencia a
realidade da comunidade a qual pertence, trazendo as pautas socioambientais locais para dentro dos
espaços escolares. A cidadania é entendida, em uma Escola Sustentável, como pertencimento
corresponsável, ao educar pessoas que saibam entender seus problemas e resolvê-los.
Debater o currículo é discutir uma perspectiva de mundo, de sociedade e de ser humano. Tudo
que se vive na escola, oculta ou nitidamente, forma pessoas, por isto, é currículo. Uma Escola
Sustentável não é transmissora de conhecimentos, mas constrói seu próprio conhecimento através do
diálogo entre os saberes científicos com os outros saberes, fazendo o uso desse conhecimento na
participação política do dia a dia (REIGOTA, 2002). Assim, entendemos o currículo para além da sala de
aula, é um currículo vivo, comprometido com a leitura do mundo e sua transformação.
A edificação de uma Escola Sustentável está de acordo com a concepção de um ambiente
convidativo para se viver e conviver. Respeita as tecnologias mais adequadas para a localidade de
cada escola, preocupando-se com o uso racional da água, de energia elétrica, como também se
preocupando com a construção de estruturas educadoras sustentáveis. Os espaços físicos da escola,
quando são educadores sustentáveis, guardam em si a dimensão pedagógica, pois possibilitam a
aprendizagem do cuidado com a vida através do cuidado da sala de aula, do pátio, das plantas, dos
colegas e de si mesmo.
O percurso formativo do programa Escolas Sustentáveis
Em 2011, o programa Escolas Sustentáveis foi realizado na cidade de Piracicaba/SP através de
um piloto desenvolvido com três espaços educadores107. Cada um desses espaços formou uma equipe
de trabalho com dez pessoas da comunidade escolar, que participou do percurso formativo proposto
entre os meses de abril a novembro.
No primeiro ano de atuação, o programa promoveu um curso de 210 horas, direcionado para a
comunidade escolar. O curso teve como finalidade auxiliar as comunidades a elaborarem, executarem
e avaliarem seu próprio programa de Escolas Sustentáveis.
O percurso formativo tinha o seguinte esquema de trabalho mensal:
a) Momentos conceituais: eram apresentados conceitos fundamentais e propostos exercícios a
partir do marco teórico dos cinco conceitos da Oca e das Escolas Sustentáveis. Esses momentos eram
constituídos por um encontro mensal de 8 horas com todas as equipes do projeto e mais uma aula
aberta de 4 horas, com palestras de especialistas nos temas trabalhados durante o percurso formativo.
Essas aulas eram abertas a qualquer interessado e tinham ampla divulgação dentro da comunidade
acadêmica da ESALQ;
b) Momentos de trabalho: aconteciam dentro de cada espaço educador, com cada Grupo de
Trabalho mais a equipe gestora do projeto, com duração de 2 horas por semana. Nesses momentos, as
reflexões coletivas facilitadas pelos momentos conceituais davam vida aos planos de ação, que
propunham mudanças nos espaços físicos e simbólicos em direção à sustentabilidade refletida na
gestão, na cidadania, na edificação e no currículo.
Cada mês do percurso formativo (que estava dividido conforme acima) correspondia a um ciclo, e
cada grupo de ciclos formava uma das três etapas de trabalho, que chamamos de identidades,
identificações e políticas públicas.
A primeira etapa, Identidades, teve o objetivo de pensar e agir sobre as identidades que
definem o espaço escolar, compreendendo-o como um espaço social produzido por pessoas em relação
entre si e com o mundo. Esta etapa foi constituída por três ciclos: árvores dos sonhos, diagnóstico da
realidade escolar e preparação do plano de ação. Nesse momento, também, introduzimos os cinco
conceitos de EA da Oca e construímos coletivamente o conceito de Escolas Sustentáveis.
A segunda etapa, Identificações, teve como finalidade repensar as identidades que determinam
os espaços educadores. Nos três ciclos que compuseram esta etapa, aprofundamos o conceito coletivo
de Escolas Sustentáveis, discutindo as dimensões gestão, edificação e currículo. Neste momento,
também, abordamos conceitualmente os temas de comunidade escolar e de projeto político
pedagógico.
A terceira etapa encerrou o curso trazendo a discussão de Políticas Públicas. Neste último ciclo,
a temática discutida foi a cidadania. O objetivo dessa etapa era de potencializar a equipe de trabalho a
agir juntamente com a sua comunidade.
Cada equipe de trabalho finalizou o curso reunindo, em um único documento, todas as atividades
realizadas. Este é formado por cinco partes, a saber: apresentação da comunidade escolar, o conceito
coletivo de Escolas Sustentáveis, a escola dos sonhos, o diagnóstico da realidade escolar e o plano de
ação. Esse documento constitui-se como importante para a continuidade e sustentabilidade do
processo educador ambientalista iniciado pelo programa Escolas Sustentáveis, na medida em que
consegue envolver a comunidade escolar e dialogar com o projeto político pedagógico da escola.
O relatório foi um reflexo do processo vivido por cada grupo e por cada indivíduo que participou
da execução dos planos de ação e de todas as atividades envolvidas para criar Escolas Sustentáveis.
Cada grupo fez um recorte específico de suas necessidades iniciais e, portanto, cada grupo alcançou
resultados diversos; alguns optaram por pensar na violência dentro do espaço escolar, outros
investiram na participação de outros atores, como os alunos, nos processos de decisão, e outros
espaços se voltaram ao projeto político pedagógico como marco inicial de construção da trajetória que
estavam começando a delinear.
Construindo Espaços Educadores Sustentáveis a partir dos cinco conceitos de
Educação Ambiental da Oca
Fundamentamo-nos na compreensão de que a EA deve ser concebida para além do seu aspecto
racional e conteudista, mas dentro de uma perspectiva filosófica que nos permita trazer a dimensão
ética que norteia a relação do ser humano com a natureza e a relação dos humanos entre si. Nesse
sentido, acreditamos que a continuidade e sustentabilidade dos processos educadores ambientalistas
desenvolvidos pelas comunidades escolares terão êxito na medida em que ocorra a apropriação dos
conceitos de identidade, diálogo, comunidade, potência de ação e felicidade.
Sabemos que sem a disponibilidade para o diálogo, não há processo de ensino-aprendizagem
(FREIRE, 1996). Porém, as escolas mostram-se pouco férteis em fomentar a relação dialógica entre as
pessoas que atuam em seu espaço. Entendemos o diálogo não como uma conversa, debate ou
discussão entre pessoas, mas o reconhecimento do ser no outro (BUBER, 1979). Promover encontros
periódicos entre os participantes do curso, principalmente entre as equipes de trabalho, foi
imprescindível para que as pessoas se conhecessem, se aproximassem, formassem laços de amizades
e criassem um ambiente acolhedor para conversar e refletir sobre o seu espaço escolar. Nesse sentido,
os momentos de convivência entre os participantes do curso foram importantes para iniciar o diálogo
entre as pessoas que compunham a equipe de trabalho, como também para dar início à formação da
identidade desse grupo.
A construção de identidades é um processo que envolve a aprendizagem de viver e conviver,
“aprender a ser, viver, dividir e comunicar como humanos do planeta Terra” (MORIN, 2003, p. 76).
Nesse sentido, os momentos de encontros entre os participantes do curso, principalmente os que
ocorriam nos territórios escolares, e o fato de construirmos o conceito de Escolas Sustentáveis
coletivamente, cumpriram o papel de aproximação das pessoas através de um objeto comum,
contribuindo para tecer a identidade de cada equipe de trabalho.
A construção da identidade planetária se faz em comunhão com a construção das identidades
locais, resgatando a cultura, hábitos, valores, características biofísicas e socioeconômicas locais,
fazendo a leitura de mundo dentro da totalidade global (ALVES et al., 2010). É aí que entra a
importância da escola pensar e construir a sua identidade.
O surgimento de uma identidade possibilita trazer à tona o sentimento de pertencimento, de
enraizamento, do compartilhar, do cuidado mútuo, da solidariedade. Estes são elementos essenciais
para a formação de uma comunidade, não entendida como localidade geográfica, mas como um
conceito organizador da identidade comum (GUSFIELLD, 1995 apud ALVES et al., 2010).
A perspectiva de comunidades interpretativas (SANTOS, 2007) ou comunidades aprendentes
(BRANDÃO, 2005) quando trazida para o campo escolar, abre a possibilidade de romper com o
monopólio do saber cientifico, criando alternativas de construção do conhecimento da própria escola
baseado na solidariedade e participação, elegendo todas e todos da comunidade escolar como
educadores e aprendizes. No entanto, uma das grandes dificuldades das equipes de trabalho no
percorrer do curso foi envolver a sua comunidade escolar. Isto se deu por conta de obstáculos já
conhecidos nos territórios escolares, como falta de tempo e espaços de encontros, e a falta de
interesse por desconhecer e/ou não entender os objetivos propostos pelo curso.
Buscamos nos processos educadores ambientalistas o incremento da potência de ação individual
e coletiva. Entendemos a potência de ação como vontade de participar para transformar a realidade da
“passagem da passividade a atividade, da heteronomia passiva a autonomia corporal” (SAWAIA, 2001,
p. 125 apud ALVES et al., 2010). Segundo ESPINOSA (Apud ALVES et al., 2010), os bons encontros
fortalecem emocional e intelectualmente, nos participantes de um grupo, a vontade de participar para
transformar a realidade. Acreditamos que os momentos presenciais do curso promoviam os bons
encontros. Realizar algumas das ações planejadas pelas equipes ainda durante o curso também foi
importante para os participantes perceberem o quanto a escola é capaz de agir para transformar a sua
própria realidade.
Enfim, o que almejamos com o processo educador ambientalista é resgatar o encantamento com
o mundo, o olhar apaixonado para a escola, o bem-estar individual e coletivo, o que traduzimos como
felicidade. Daí a importância de iniciarmos o processo formativo pelas utopias individuais e coletivas de
todas e todos que fazem parte da escola, e o desafio de alinhavá-las às reflexões e às ações realizadas
pelos participantes durante todo o percorrer do curso.
Conclusão
O esforço educador ambientalista, quando apropriado pelas pessoas que atuam no mundo da
escola, acaba por potencializar e dar outro sentido para as iniciativas que já acontecem, fomentando a
criação de um espaço em que a melhoria da qualidade de vida das pessoas pode efetivamente
acontecer.
A ideia de Escolas Sustentáveis traz a possibilidade do reencantamento com a escola e da
construção coletiva. Dessa forma, o espaço educador alinha suas ações e construções com os valores e
desejos da comunidade, aumentando a potência de ação na transformação social.
Desejamos que as escolas formem pessoas que queiram e saibam atuar na construção de
sociedades sustentáveis. Desta maneira, almejamos que a escola e seus atores sejam protagonistas da
sua formação e, por conseguinte, sejam protagonistas das suas vidas. Este é o legado que o programa
Escolas Sustentáveis busca deixar para as comunidades escolares que participam do processo
educador ambientalista por ele promovido.
REFERÊNCIAS
ALVES, D. M. G. et al. Em busca da sustentabilidade educadora ambientalista. Ambientalmente sustentable, v.
1, n. 9-10, 2010, p. 7-34.
BRANDÃO, C. R. Comunidades Aprendentes. In: FERRARO JÚNIOR, L. A. (Org.). Encontros e Caminhos:
formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação
Ambiental, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Educação
Ambiental: aprendizes de sustentabilidade. Brasília, 2007. (Cadernos Secad, 1). Disponível em:
<http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMAtxt_importante/caderno_educacao_ambiental_26.02.pdf>.
Acesso em: 27 jul. 2007.
BUBER, M. Eu e Tu. São Paulo: Cortez & Moraes, 1974.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MACHADO, J. T. Um estudo diagnóstico da Educação Ambiental nas escolas do ensino fundamental do
município de Piracicaba/SP. Dissertação (Mestrado em Ecologia Aplicada) – Interunidades da “Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz” (ESALQ) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), Piracicaba, São
Paulo, 2007.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
REIGOTA, M. A floresta e a escola: por uma Educação Ambiental pós-moderna. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício de experiências. 6. ed. São Paulo: Cortez,
2007.

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