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EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL E GASTRONOMIA: A

INSERÇÃO DA ARARUTA NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR1

Áquila Matheus de Souza Oliveira2

RESUMO:
Tem-se o propósito, nesse texto, de apresentar os resultados de uma pesquisa cujo
objetivo foi analisar como o rizoma da araruta pode ser utilizado como produto base na
criação de uma preparação que seja viável na alimentação escolar; viabilidade
verificada por meio de teste de aceitabilidade com alunos de uma escola da rede pública
municipal de ensino para inserção no Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE). O estudo visa também investigar o potencial da araruta no que diz respeito aos
seus usos na gastronomia, ao saber popular, e a incentivar os agricultores familiares a
produzi-la. Utilizou-se de uma metodologia de estudo bibliográfico, documental e
pesquisa de campo para coleta de dados, elaboração da preparação e respectiva ficha
técnica, avaliação nutricional, teste de aceitabilidade e descrição densa para sua análise.
Na preparação do biscoito, seguindo a ficha técnica testada, foi elaborada,
primeiramente, a goma da araruta que depois de pronta foi misturada aos outros
ingredientes da preparação (açúcar, manteiga e ovo) formando assim, a massa do
biscoito que foi pesada e levada ao forno para finalização. O produto elaborado com a
araruta teve valor nutricional adequado, aceitável e obteve aprovação no teste de
aceitabilidade.
PALAVRAS CHAVE: Alimentos tradicionais, gastronomia, educação alimentar e
nutricional.

ABSTRACT: This text has the purpose of presenting the results of a study whose
objective was to analyze how the rhizome of arrowroot can be used as a base product in
the creation of a preparation that is viable in school meals; feasibility verified with
acceptance test by students of a municipal public school for inclusion in the National
Meal Program (Programa Nacional de Alimentação - PNAE). The study also aims to
investigate the potential of arrowroot with regard to its uses in gastronomy, to the
popular knowledge, and to encourage farmers to produce it. We used a bibliographic,
documentary, and field research study methodologies for data collection, processing and
preparation of technical data sheet, nutritional assessment, acceptance test and thick
description to its analysis. In preparing the biscuit, following the tested data sheet, it
was elaborated, first of all, the arrowroot gum that after concluded was blended with
other ingredients of the preparation (sugar, butter and egg) thus forming the biscuit
dough which was weighed and taken to the oven to finish. The product made with
arrowroot had adequate nutritional value, acceptable and passed the acceptance test.
KEYWORDS: Traditional food, gastronomy, food and nutrition education.

1
Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Gastronomia da Universidade Federal do Ceará como
requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Gastronomia, sob a orientação do Prof. José
Arimatea Barros Bezerra.
2
Aluno do Curso de Bacharelado em Gastronomia, do Instituto de Cultura e Arte, da Universidade
Federal do Ceará.

1
Introdução

Este artigo apresenta resultados de um estudo sobre o rizoma da araruta e sua


potencialidade para ser usada no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE –
no formato de um biscoito.

Os estudos sobre alimentação em uma perspectiva antropológica e educacional


vêm ganhando cada vez mais espaço na academia. Um dos motivos para a ampla
discussão sobre alimentação e o comer é a inserção dos cursos de graduação em
gastronomia nas universidades que, além de se preocuparem com a formação técnica e
prática dos alunos, pretendem formar profissionais preocupados com os saberes
tradicionais, culturais e sociais que envolvem a alimentação.

Em tempos de transição nutricional (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003), o


debate sobre o corpo e a potencialidade dos alimentos também ganha foco. A principal
preocupação era o combate à fome; contudo, contemporaneamente, são as doenças
crônicas decorrentes de uma alimentação rica em açúcar e gordura que motivam a
preocupação e requerem debate e políticas públicas. Vale lembrar, entretanto, que a
fome ainda não foi superada totalmente no Brasil, apesar de o mesmo ter saído do mapa
da fome. (ONU, 2015)

Com o advento da Lei federal número 11947/2009, que dispõe sobre as


diretrizes da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola para os
alunos da educação básica, a alimentação saudável e adequada que respeite a cultura, as
tradições e os hábitos alimentares saudáveis. Torna-se exigência na Lei ações para uma
educação alimentar e nutricional “no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa
pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de
práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional”
(BRASIL, Lei 11947/2009, art.2°).

A lei contribui também para valorização dos alimentos tradicionais advindos da


agricultura familiar incentivando a produção local e os saberes populares referentes aos
alimentos. Partindo dessa discussão, foi escolhida a araruta, rizoma de origem
americana, para ser estudada. Dela é extraída uma goma atualmente pouco utilizada,
uma vez que o cultivo da araruta está se perdendo sendo que algumas pesquisas (SLOW
FOOD, 2007) relatam até uma possível extinção. A despeito disso, a araruta possui

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grande potencial gastronômico; a escolha desse rizoma justifica-se também por estar
presente na cultura alimentar do cearense desde o litoral leste (Cascavel e Beberibe) até
a região do Cariri (Crato e Juazeiro).

Assim, a pesquisa analisou como a araruta pode ser usada como produto base na
criação de uma preparação que seja viável na alimentação escolar, optando pela criação
um biscoito. Além disso, registrou-se a preparação específica da goma com relatos
sobre o saber popular agregado à araruta, o processo que foi relatado por pessoas que a
consomem na suas vivências.

Em se tratando de uma pesquisa qualitativa o estudo apresentou características


de uma pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, haja vista que
a pesquisa “pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada”
(GONÇALVES, 2001, p. 67).

Realizou-se também um teste de aceitabilidade além da análise de valor


nutricional com o produto elaborado.

A temática que envolve a alimentação gera discussões nos mais variados


âmbitos, seja nutricional ou antropológico, e leva a refletir sobre questões essenciais
como “a relação da cultura com a natureza, o simbólico e o biológico” (MACIEL, 2001,
p. 146). O ato de comer deixou de ser visto simplesmente como um ato biológico e
vital, considerando que o homem escolhe, através de critérios gustativos e culturais, o
que pretende comer. Assim, segundo Maciel (2001) o que é “biologicamente ingerível
não é culturalmente comestível”. Desse modo, é necessária a discussão de conceitos
chaves para esta pesquisa, tais como: alimentação, práticas alimentares tradicionais,
educação alimentar e nutricional.

As práticas alimentares tradicionais são objeto de estudo de muitos pesquisadores


preocupados em valorizar técnicas e saberes existentes salvaguardando também tabus,
restrições ou hierarquias presentes na cultura alimentar de algum grupo. Isso porque a
chegada de produtos industrializados de fácil acesso e consumo afasta, desvaloriza e
enfraquece a cultura dos alimentos naturais e tradicionais, principalmente para os jovens
que estão deixando de seguir a agricultura e o labor de seus pais (BEZERRA, 2013).
Assim iniciativas como a lei 11947/2009 contribuem para a valorização não somente
dos saberes tradicionais envolvidos na comida, mas também para a profissão de

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agricultor que, a partir da agricultura familiar, pode vender seus produtos para o PNAE,
gerando renda para a família e uma alimentação de qualidade para as escolas em que
seus filhos estudam e segurança alimentar e nutricional para alunos, família e escola.

Partindo de estudos realizados em Educação Alimentar e Nutricional (EAN), como


o Projeto Alimentos Tradicionais do Nordeste (ALINE), que teve por objetivo a
identificação de alimentos tradicionais do nordeste no Ceará e Piauí, e da potencialidade
de sua inclusão no PNAE (BEZERRA et al., 2014) e de experiências de campo
registradas no almanaque do movimento Slow Food (PETRINI, 2008), nota-se que é
possível gerar uma alimentação saudável nas escolas contempladas pelo PNAE,
utilizando alimentos tradicionais que possam ser usados como base para a elaboração de
preparações que sejam atraentes para o paladar dos alunos sem postergar ou desrespeitar
as exigências nutricionais do programa. Posteriormente será discutido o tema EAN ao
longo do texto.

O texto está estruturado em cinco seções, além da introdução. Na seção 1, são


discutidas as relações entre alimentação saudável e alimentação escolar trazendo os
principais tópicos sobre EAN. Na seção 2, esboça-se a discussão cultural dos
ingredientes da preparação. Na terceira explicita-se a elaboração da preparação
escolhida. Na quarta seção, registra-se o resultado do teste de aceitabilidade e valor
nutricional da preparação. Por fim, apresentamos as conclusões e referências do
trabalho.

1- Educação Alimentar e Nutricional - EAN

Entender EAN foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa. A base para


os estudos e práticas em EAN está no Marco de Referência de Educação Alimentar e
Nutricional para as Políticas Públicas (BRASIL, 2012). A EAN é, em linhas gerais, um
“campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar,
intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de
hábitos alimentares saudáveis” (BRASIL, 2012, p. 13)

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Os registros de primeiras ações sobre educação alimentar datam da década de
1930 no contexto da industrialização do Brasil. Essas primeiras ações tinham como
objetivo ensinar as pessoas menos instruídas a comer (BEZERRA, 2012), baseados na
noção de que o povo era ignorante para fazer escolhas alimentares, desprezando dessa
forma as condições sociais as quais estava submetida boa parte da população brasileira.
Sobre isso, Bezerra (2012) relata que os estudos tratavam a população assim:

[...] ignorante em termos de alimentação e de higiene, a maioria da


população era constituída de pessoas insolentes, subnutridas, fracas,
indispostas e pouco produtivas, o que contribuía para o atraso
socioeconômico do país, impedindo-o de atingir o nível de nação
próspera e desenvolvida. Cabia à ciência da alimentação interferir com
seus diagnósticos e práticas para superar o atraso, o que passava pelo
melhoramento da raça, em busca de um brasileiro forte, robusto, bem
alimentado, higiênico e saudável (BEZERRA, 2012, p. 175).

Assim, os estudos eram em sua maioria carregados de preconceitos e não


problematizavam as condições reais de escolha e acesso alimentar da população
brasileira. Tais estudos advogavam ainda metodologias prescritivas que eram
contraproducentes para a conscientização da população para uma alimentação que fosse
saudável e viável para o modo de vida das comunidades.

[...] as estratégias de EAN eram dirigidas aos trabalhadores e suas


famílias a partir de uma abordagem atualmente avaliada como
preconceituosa, ao pretender ensiná-los a se alimentar corretamente
segundo um parâmetro descontextualizado e estritamente biológico.
As ações eram centradas em campanhas de introdução de alimentos
que não eram usualmente consumidos e de práticas educativas
dirigidas, principalmente, às camadas de menor renda (BRASIL,
2012, p. 16).

Com as discussões mais aprofundadas e de enfoque crítico, notadamente a partir


da obra de Josué de Castro, a situação de pobreza começou a ser problematizada a partir
do entendimento do contexto social em que a fome e a insegurança alimentar
avassalavam a população brasileira. Dessa forma, tornou-se notório que as metodologias
prescritivas não estavam trazendo o resultado esperado na superação do problema social

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da fome. Elas não eram suficientes, pois não proporcionavam resultados suficientes do
estado de fome da população.

Contemporaneamente, são as doenças decorrentes do processo que se designou


como transição nutricional (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003). Apesar da luta de
superação da fome não ter terminado, mesmo com o Brasil saindo do mapa da fome, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) conclama todos a cuidar da saúde da população
que sofre com doenças crônicas não transmissíveis, como é o caso da obesidade que
está diretamente ligada a uma alimentação inadequada.

Surgem, nesse contexto, ações governamentais com o foco na alimentação


saudável, é o caso do programa Fome Zero. “A partir de 2003, observa-se um
progressivo aumento de ações de EAN nas iniciativas públicas, no âmbito dos
restaurantes populares, dos bancos de alimentos [...] do Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)”
(BRASIL, 2012, p. 19). Dessa forma, a EAN ganha espaço nas discussões sobre
alimentação saudável e segurança alimentar. Assim, com a temática da EAN sendo
necessária no Brasil

Nessa pesquisa focaliza-se o PNAE, por ser considerada a política pública de


maior abrangência e que pode causar mais impacto na vida dos escolares com relação a
uma alimentação saudável que seja propositiva e que possa aliar a cultura e a
valorização dos alimentos tradicionais.

O PNAE surgiu na década de 1950 direcionado às escolas públicas com o


objetivo de suprir necessidades nutricionais dos estudantes de ensino básico.
Atualmente segundo a Lei 11.947/2009 o PNAE

tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento


biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação
de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de
educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram
as suas necessidades nutricionais durante o período letivo (BRASIL,
Lei 11947/2009, art. 4º).

É uma política pública descentralizada, cujos recursos são repassados aos


estados e municípios com base no Censo Escolar realizado no ano anterior ao do
atendimento. O Programa tem acompanhamento direto pela sociedade, por meio dos

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Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE).

A lei 11.947 traz as diretrizes da alimentação escolar. Dentre essas diretrizes


estão o direito do aluno a alimentação, o apoio ao desenvolvimento sustentável e a
valorização da cultura alimentar local através dos alimentos tradicionais. A portaria nº
1010 de 8 de maio de 2006, por sua vez, institui as diretrizes para a Promoção da
Alimentação Saudável nas Escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Médio das redes públicas e privadas, em âmbito nacional através do uso de alimentos
adequados, construção de hortas, manifestações culturais acerca dos alimentos e
restrições para o comércio de comida nas escolas. A medida preza pelo envolvimento da
família dos alunos em práticas conjuntas de educação alimentar além de estimular o
consumo de frutas e verduras.

Todas as estratégias expostas nas Lei 11.947, na portaria 1010, no PNAE e no


marco sobre EAN convergem para um tópico principal, que é o estudado na pesquisa: o
uso de alimentos tradicionais para promoção de alimentação saudável nas escolas, no
caso, a araruta.

2- Araruta: definições, perfil botânico, uso e comercialização.

O termo araruta soa com estranheza para a maioria das pessoas que não a
conhecem. Seu nome científico, Maranta arudinacea, mais ainda. Isso se deve talvez ao
pouco uso e divulgação. É uma planta herbácea da ordem das zingiberales que inclui 8
famílias, 89 gêneros e cerca de 1800 espécies, dentre as quais encontram-se a banana, o
gengibre e o açafrão. Embora gengibre e açafrão sejam de origem oriental, a araruta é
tipicamente sul-americana e ocorre em toda costa desde as guianas até o Rio de Janeiro
(NEVES et al., 2005).

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Figura 1 Classificação taxonômica da araruta (Fonte: Plants Profile)

Segundo Posey (1985 apud Neves et al. 2005) algumas tribos de índios
brasileiros cultivavam, muito antes da colonização, algumas variedades de marantáceas.
Fosse em florestas ou em morros, o cultivo era feito por mulheres idosas da tribo e os
tubérculos serviam como reserva alimentar para as épocas de escassez de outras fontes
alimentícias. Leonel e Cerada (2002) bem como Zárate et al. (2007) afirmam que a
planta “teve seu centro de origem, provavelmente, no continente sul-americano,
encontrando-se em forma nativa nas matas venezuelanas, posteriormente foi exportada
às ilhas Barbados, Jamaica e outras regiões do Caribe” (ZÁRATE et al., 2007, p. 1)
chegando também ao Brasil. A origem do nome não é exata, existindo várias versões
para ela.

Os colonizadores ingleses chamavam o produto de “Aruak root


starch” ou seja, “polvilho da raiz dos Aruak” que acabou corrompido
para “arrowroot”, ou seja, derivando para português como araruta. [...]
Uma outra versão, diz que os Aruaks chamavam a planta de “aruaque
aruá-aru”, significando “refeição das refeições” pelo fato de
considerarem especiais as refeições preparadas com o polvilho que
tem como uma das propriedades mais destacadas sua alta
digestibilidade (NEVES et al., 2005, p. 1). [Grifas do autor]

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O que se sabe também é que a araruta já esteve presente em parte das cozinhas
brasileiras domésticas sendo base para bolos, biscoitos e mingau. A goma ou polvilho
chegou a ser comercializada; porém, com o advento do polvilho da mandioca e do
amido de milho, produtos de mais fácil industrialização, a araruta, que antes era comum,
se tornou um alimento pouco cultivado e esquecido na cultura alimentar do brasileiro.

Figura 2 Araruta recém colhida. (Fonte: http://revistagloborural.globo.com)

Em termos de perfil botânico, a araruta apresenta característica de plantas


herbáceas, plantas rasteiras de caule macio. É uma planta considerada de grande
duração ou perene, comum nas florestas tropicais e forma rizoma o que dá uma das
principais características da araruta. “Os rizomas são caules que crescem dentro da terra
e acumulam reservas de amido para fazer uma nova planta” (EMBRAPA, 2005, p. 12).
Os rizomas da araruta podem variar de tamanho de acordo com o tipo cultivado.

O tamanho dos rizomas oscila entre 10 e 25cm, são de forma


fusiforme, alongados e apresentam pequenos segmentos, separados
entre si por leves estrangulamentos providos de escamas. Três são os
cultivares de importância no Brasil, a ceroula, a banana e a comum,
que é a mais difundida. A variedade comum é a que produz fécula de
melhor qualidade; seus rizomas atingem até 30 centímetros
dependendo da qualidade do solo, embora o tamanho normal varie de
10 a 25 centímetros (LEONEL; CERADA, 2002, p. 2).

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Figura 3 Planta araruta com os rizomas sob o solo (fonte: http://agrosoft.com/)

A variedade da araruta comum foi a utilizada na pesquisa para produção do


biscoito e teste de aceitabilidade.

Atualmente, não é comum encontrar o rizoma da araruta ou mesmo a fécula já


processada nas prateleiras de supermercado, uma vez que a fécula de mandioca e o
amido de milho são produtos de fácil acesso no comércio por serem, para a indústria
alimentícia, mais fáceis de industrializar. A araruta é tradicionalmente utilizada na
forma de goma para a elaboração de preparações, pois “se presta a combinações com
água e leite, consequentemente à confecção de inúmeros pratos” (ZÁRATE; VIEIRA,
2005, p .1). Esses pratos podem variar desde bolos e biscoitos até mingau para crianças
e pessoas doentes.

Nos dias atuais a araruta, aos poucos, voltou a ser lembrada depois que a
gastronomia começou a valorizar e dar destaque para os alimentos funcionais, alimentos
sem glúten ou lactose e alimentos fit.
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O amido da araruta tem características e qualidades consideradas
inigualáveis. Conferindo leveza e alta digestibilidade aos confeitos.
Uma outra característica importante dos alimentos feitos com a araruta
é a ausência de glúten (uma proteína característica do trigo, da aveia,
do centeio e da cevada e derivados) o que os torna recomendáveis para
pessoas que apresentam intolerância alimentar a esta proteína
(NEVES et al., 2005, p. 3).

Em seus estudos, Monteiro e Peressin (2002) expõem dados sobre a produção


mundial do rizoma, afirmando que essa produção é pequena. Segundo eles, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1997, relatou uma produção brasileira
de 1.141 toneladas em 1996, com valor aproximado de R$ 283.565,15. Os autores
também ressaltam que a valorização e interesse da goma da araruta no mercado
internacional fez o produto atingir bons preços de exportação.

No trabalho de Assunção (2011) sobre as práticas alimentares de imigrantes


brasileiros nos Estados Unidos, encontramos um registro da comercialização da araruta.

Para Ricardo, a expansão da oferta de produtos brasileiros se deu


também neste período, principalmente a partir de 1988, culminando
com o final dos anos 1990. Ele mesmo afirmou ter feito pedidos em
supermercados norte-americanos de produtos brasileiros. Contou-me
já ter pedido fubá, araruta e uma variedade de biscoitos. “A minha
menina hoje tem 18 anos, então eu queria que ela se acostumasse a
coisas da nossa cultura”, justificou, mostrando que a comida participa
da transmissão cultural de pais para filhos, principalmente em terras
estrangeiras, quando estão distanciados de grande parte dos familiares
e parentes, como os avós (ASSUNÇÃO, 2011, p. 83).

Esse registro reforça a informação dada por Monteiro e Peressin (2002) acerca
da exportação da araruta, nesse caso para os Estados Unidos.

3. Araruta: cultura e tradição

A comida está diretamente ligada ao cotidiano do ser humano. Mesmo que não
seja perceptível, nossa rotina e tempo é, muitas vezes, baseado nas refeições (depois do

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almoço, antes do jantar etc.). Usamos expressões e nos comunicamos também através
da comida; temos nossas preferências alimentares, nossos tabus e restrições sobre o que
pode ou não ser ingerido; em síntese, ao alimentar-se, o ser humano atribui significados
a essa prática que vai muito além do fator biológico do comer (MACIEL, 2001). Desse
modo

[...] muitos antropólogos já sublinharam o fato de que nenhum aspecto


do nosso comportamento, à exceção do sexo, é tão sobrecarregado de
ideias. E estes hábitos possuem uma intrínseca relação com o poder. A
distinção social pelo gosto, a construção dos papéis sexuais, as
restrições e imposições dietéticas religiosas, as identidades étnicas,
nacionais e regionais são tão perpassadas por regulamentações
alimentares (CARNEIRO, 2003, p. 1).

Se comida caracteriza pessoas ou grupos, ela também está associada com a


cultura desse povo de onde são regidas as práticas alimentares. Assim, “o
comportamento relativo à comida revela repetidamente a cultura em que cada um está
inserido” (MINTZ, 2001, p. 32). A comida passa então a ser marco de identidade de
cada cultura, uma vez que “aquilo que comemos pode nos dizer muito sobre quem
somos e sobre a cultura na qual vivemos. A comida é um meio pelo qual as pessoas
podem fazer afirmações sobre si próprias” (SILVA, 2009, p. 42).
Nessa perspectiva, podemos relacionar comida, memória e afetividade. Isso fica
mais compreensível quando conversamos com pessoas mais velhas, principalmente
aqueles que viveram no interior e que, mesmo com o advento de produtos
industrializados, não perdem a memória afetiva pela comida que os representa e que os
faz lembrar da infância ou do tempo em que viviam no interior. Em uma matéria de
revista, a colunista de gastronomia Nina Horta, reafirma o conceito criado pela própria
autora de Comida da alma e afirma que essa é “uma vontade de voltar às origens, de
comer comida de mãe e não de bula, de uma época em que tudo fazia bem, do fígado ao
torresmo, da sopa ao pastel” (PÁGINA 22, 2013, p.42).

Muitos alimentos tradicionais que já não são mais conhecidos pela maioria da
população e que vêm se perdendo ao longo dos anos são objetos de estudo para grupos
de pesquisadores nas universidades. É o caso do projeto Alimentos Tradicionais do
Nordeste (ALINE), da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará
(UFC), que busca mapear e desenvolver ações usando tais alimentos, como a araruta.

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Além de suas características botânicas, a araruta apresenta grande
representatividade cultural e tradicional para aqueles que conviveram, mesmo em um
passado próximo, com este alimento. Não apenas pelo fato de o rizoma já ter sido usado
primeiramente pelos indígenas brasileiros, mas também por ter estado presente no
cotidiano alimentar dos agricultores no interior de vários estados do país.

Atualmente, o rizoma é desconhecido por grande parte da população brasileira e


corre risco de extinção. Existem movimentos que juntam esforços para o resgate e a
valorização desse produto. É o caso do Slow Food, movimento em prol do alimento
limpo e justo (SLOW FOOD, 2007); da Arca do Gosto na qual a araruta faz parte e da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).

Em Ramos (2007), podemos encontrar o registro do uso da araruta em uma


entrevista feita com uma senhora no Rio Grande do Sul. Ela afirma: “Tinha também a
araruta, comia cozida, assada, com melado. Faziam arrozina 3 da araruta” (RAMOS,
2007, p. 99). Na minha pesquisa tive aproximação com Dona Maria Monteiro, 78 anos,
aposentada, filha de pais agricultores. Dona Maria mora hoje em Fortaleza, mas, mesmo
com seu jeito introvertido, não esquece as memórias da infância, quando vivera em um
sítio no distrito de Guanacés, no município de Cascavel. Com ela, tive acesso ao
conhecimento popular acerca da araruta, tive também a oportunidade de acompanhar a
feitura da goma com ela. Abaixo transcrevo parte de uma de nossas conversas:

A: A senhora lembra? Da primeira vez que a senhora viu,


assim, usarem a araruta?
DM: Eu me lembro que tinha lá em casa, mesmo. A mamãe
sabia trabalhar com ela. Tirava, ralava e fazia a goma.
A: Era plantada lá mesmo? ou nascia...
DM: Se chover lá ainda nasce, debaixo do cajueiro é cheio de
araruta. No começo foi, mas fica a raiz lá embaixo, aí quando
chove ela começa a sair fora. Era muita goma, viu? Porque era
muita araruta que nascia.
A: E vocês usavam a araruta pra quê?
DM: Eu não me lembro, não, do que a mamãe fazia... A goma
de araruta é assim, uma goma especial, serve de alimento pra
criança, diferente da goma de mandioca. É tipo medicinal, né.
Não dá pra fazer, tipo assim, tapioca. Já como mingau...

3
Espécie de mingau instantâneo fabricado pela marca Maizena.

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A: Por que que a senhora acha que hoje a gente não usa mais, o
pessoal não conhece mais?
DM: Naquele tempo o pessoal já quase não usava. O pessoal
tem preguiça, vão se ocupar em fazer isso aí? Compra a goma
de mandioca que é mais fácil.
DM: Que tem no supermercado, vão se ocupar nisso?
DM: Naquele tempo as pessoas eram... O pessoal que morava
no campo tinha paciência, diferente de hoje, que é agitado.
DM: Toda vida eu escuto o pessoal dizendo: a araruta tem seu
dia de mingau. Ela não é muito procurada como a goma, não.
A: Ah, então essa expressão “a araruta tem seu dia de mingau”
quer dizer isso?
DM: É, porque ela não é muito, assim, apreciada, não era como
a outra, não. Ninguém chega num canto ‘me dê aí um quilo de
goma de araruta’, quem quiser faz.
DM: Aí você pode dizer lá que tem esse dizer ‘Araruta tem seu
dia de mingau’ (risos).

Fica evidente que o saber popular, aqui representado na fala de Dona Maria,
converge com autores como Zárate e Vieira (2005) ao afirmarem que a araruta tem
propriedades medicinais e é adequada para crianças. Converge também para os estudos
que afirmam que os índios conheciam essas propriedades curativas do rizoma.
Percebemos também, na fala da senhora, a abundância do insumo, mas que o uso
culinário em preparações como bolo ou biscoito era pouco. É destaque também para a
expressão “Araruta tem seu dia de mingau” algumas vezes repetida por ela e usada no
cotidiano para afirmar que em momentos de necessidade tudo pode ser usado, inclusive
a araruta.

A comida como expressão do cotidiano é uma maneira de entender a


constituição de um povo, compreendendo seus gostos e como se relacionam uns com os
outros, inclusive com a natureza. Roberto DaMatta (1997) na obra O que faz o brasil,
Brasil? – relata que

[...] existem várias metáforas onde se usa a palavra comer ou comida e


onde o ato de alimentar-se tem significados precisos. Assim, falamos

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em pão-duro referindo-nos a quem é avarento e, para economizar,
come o pão dormido, que fica, obviamente, duro... Usamos a imagem
do pão, pão, queijo, queijo para separar as coisas, acontecimentos e
pessoas, pois não haveria nada mais distinto que o pão (de origem
vegetal e agrícola, que vai ao forno) e o queijo (de origem animal e
que se fabrica por meio de um processo de fermentação “natural”) [...]
O fato é que o comer, a comida e os alimentos formam um código
complexo – uma verdadeira boca rica social – que nos permite
compreender como é que a sociedade brasileira se funde enquanto tal
(p. 56).

Assim, por meio da comida podemos falar sobre as pessoas, o que elas sentem,
que lugares frequentam e até como se comunicam através desse código universal e
identitário que chamamos de comida.

A elaboração da goma da araruta

O rizoma da araruta tem como principal subproduto sua fécula, mesmo pouco
conhecida. O passo a passo da produção da goma da araruta está registrado em uma
cartilha organizada pela EMBRAPA (2005) intitulada Como plantar e usar a araruta,
que tem por objetivo registrar o uso da araruta principalmente para fins culinários.
Registramos também a feitura da goma da araruta pelo saber de Dona Maria Monteiro.
Pretende-se aqui discutir a elaboração da goma nas vertentes: técnica e popular.

A cartilha da EMBRAPA traz o passo a passo da confecção da goma da araruta,


abaixo estão, na íntegra, os passos considerados necessários:

O rizoma da araruta tem uma casca muito fina, que deve ser retirada
esfregando-a vigorosamente com as mãos e lavando-a ao mesmo
tempo.
Depois de descascado, é preciso ralar o rizoma ou triturá-lo no
liquidificador, recolhendo-se a massa grossa e escura em uma bacia.
Para separar o polvilho, preparar uma bacia grande e um pano de prato
branco para coá-lo. Tudo deve estar muito limpo.
Colocar um pouco da massa sobre o pano de prato. Despejar água,
pouco a pouco, e mexer bem a massa, lavando-a para retirar todo o
polvilho.
O polvilho é recolhido junto com a água na bacia.
Deixar o polvilho assentar na bacia por cerca de 2 horas.
Depois, escorrer a água com cuidado, de forma a deixar o polvilho no
fundo da bacia.

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As primeiras águas são escuras, por isso é preciso lavar bem o
polvilho para que fique bem branquinho.
Colocar mais água e mexer o polvilho. Deixar assentar novamente e
escorrer a água.
Repetir a operação quantas vezes for preciso até a água sobre o
polvilho ficar transparente.
Colocar o polvilho para secar ao sol, bem espalhado sobre uma toalha
limpa e coberto com outra toalha. Com as mãos limpas, desfazer as
placas ou torrões e revolver o polvilho de vez em quando, para que
seque por igual. Peneirar o polvilho ainda um pouco úmido para não
desperdiçar. Para ficar bem fino, bater o polvilho no liquidificador.
Terminar de secar e só então guardar em vasilhas limpas, secas e bem
fechadas (latas, etc.). Se o sol estiver bem quente, o polvilho estará
seco em 2 dias (EMBRAPA, 2005, p. 32).

Para elaborar e registrar a confecção do polvilho da araruta, encontrei-me com


Dona Maria na tarde de domingo do dia 06 de dezembro de 2015. Já havia colhido e
armazenado boa quantidade de araruta, algo em torno de 2 quilos e 200 gramas. A
colheita foi feita em diferentes locais, em um canteiro na UFC, no distrito de Guanacés,
no distrito de Sucatinga em Beberibe, no município de Horizonte e no nosso próprio
quintal plantadas por Seu Marcos Bernardo, engenheiro agrônomo que cultiva algumas
plantas.

Combinei com Dona Maria o dia de fazer a goma. Quando cheguei à casa dela e
a cumprimentei, Dona Maria foi logo pedindo que eu limpasse as ararutas e lavasse.
Assim o fiz, retirei as impurezas e uma leve casca. Algumas ararutas descartei porque
segundo Dona Maria elas estavam estragadas, fato percebido pelo forte mal cheiro que a
raiz apresentava. Lavei as demais em seguida com água até que elas ficassem “bem
branquinhas”, como ela exigiu.

Após o processo de lavagem, foi a hora de ralar o rizoma. Dona Maria me


ensinou o processo. Em seguida comecei a ralar toda aquela araruta. Perguntei, na
minha visão tanto quanto esperta, se podíamos triturar tudo aquilo no liquidificador. De
pronto Dona Maria respondeu, “no meu tempo não tinha liquidificador, era na mão
mesmo”, continuei fazendo na mão, ao modo tradicional, ao fim levei novamente para
Dona Maria para continuarmos o processo.

Ela misturou aquela araruta ralada com um pouco de água, foi dentro do seu
quarto e voltou com um pano bem fininho para que pudéssemos separar o bagaço da
goma que, segundo ela, virava comida para porcos. Ajudei a segurar o pano enquanto
ela jogava aquele líquido de coloração leitosa. Da primeira vez não segurei do jeito

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adequando e o pano cedeu, ela olhou para mim com olhar de repreensão, mas me deu
uma segunda chance e tudo ocorreu bem. Pegou o pano para si e amassou para sair todo
o líquido. Manipulava aquele processo de uma forma tão simples e perfeita que deixava
qualquer leigo, como eu, morrendo de inveja. Repetiu o processo de filtração 4 vezes,
pois “a araruta tem um travo, tem que passar no mínimo em 3 panos porque ela é
travosa”, advertia nossa anfitriã. No fim da separação a bacia continha apenas um corpo
de fundo de coloração branca e uma água turgida acima.

A ordem era “vamos esperar a goma sentar por completo, não pode ficar
mexendo, daqui a pouco a gente troca a água, tem que deixar de um dia para outro pra
sentar bem” comentava Dona Maria. Confesso que fiquei encantado com aquele
processo, não conseguia parar de olhar para dentro da bacia e Dona Maria ali me
pastoreando para que eu não mexesse e acabasse com a experiência.

Na segunda feira pela manhã, retornei à casa dela para terminar o processo de
confecção da fécula da araruta. Faltava pouco, agora era só descartar, com muito
cuidado, a água que ficava na parte de cima e deixar na bacia apenas a fécula que
precipitou ou que “sentou”, segundo Dona Maria. Com a bacia livre de água, ela me
passou mais uma ordem: “tem que deixar secar no sol até ela rachar, aí tá pronta pra
usar”.

Ao comparar as duas preparações encontramos semelhanças, porém há também


algumas peculiaridades em cada modo de fazer. As semelhanças então nos processos
mecânicos de lavagem, ralação, filtração com o pano e lavagem da goma em água. Já
sobre as peculiaridades, Dona Maria chama atenção no seu processo para uma
propriedade travosa da araruta, seria algo antidigestivo ou tóxico que pode prejudicar
quem ingerir a goma sem antes passar pela série de filtragens sugeridas. Não há
registros em estudos sobre alguma propriedade prejudicial ou venenosa do rizoma,
porém esse saber adquirido por Dona Maria já foi passado de sua mãe para ela e não
deve ser desprezado, uma vez que os saberes populares assim como as práticas
alimentares tradicionais são passadas entre gerações, guardados pelos mais antigos e
ajudam a contar a história de sobrevivência e inventividade dos agricultores.

4 – O biscoito de araruta

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No papel de estudante de gastronomia, elaborar uma preparação usando a goma
da araruta pareceu, de início, algo desafiador. Baseando-me nos estudos já existentes
sobre a araruta, notei que bolo e biscoito eram as preparações mais comuns para a
araruta. Como a cartilha da EMBRAPA (2005) sugere no final várias receitas de
diferentes tipos de biscoito de araruta – e biscoito é uma preparação em que as crianças
tem interesse –, resolvi, então, ficar com essa opção. Não quis reproduzir uma receita já
existente na cartilha – vasculhando livros, decidi adaptar uma receita do clássico livro
de culinária Dona Benta: comer bem (2004).

A receita original se configurava da seguinte forma: 1kg de polvilho doce, 1


prato cheio de açúcar, 2 ovos, 4 colheres de sopa de manteiga e 1 coco ralado. Em vez
de 1kg de polvilho usei 1kg de goma de araruta, aumentei a quantidade de manteiga,
pois percebi que a massa estava quebradiça. Misturei primeiro a manteiga e o açúcar e
logo após os ovos, obtive com isso um creme brilhoso, adicionei a goma da araruta e
mexi com a mão até que se formasse uma massa homogênea e firme, com a massa
pronta pesei e dei forma aos biscoitos. Depois da massa pronta e testada, fiz os biscoitos
em larga escala para o teste de aceitabilidade na escola, a receita foi executada duas
vezes dando um rendimento total de 186 biscoitos de 10 gramas cada. Foram embaladas
3 unidades do biscoito para ser feito teste de aceitabilidade com os alunos da escola.
Para padronizar a receita, cada ingrediente foi medido, e elaborada, a partir daí, a ficha
técnica abaixo.

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Figura 4 Preparação finalizada, biscoito de araruta.

Curso: Bacharelado em Gastronomia Trabalho de conclusão de curso

Dicente: Áquila Matheus de Souza Biscoito de araruta


Oliveira

FICHA TÉCNICA

Biscoito de araruta
Ingredientes Modo de preparo

Qtd Und Ingrediente

1,00 Kg Goma de araruta – Junte o açúcar com a manteiga.


0 Em seguida ponha os ovos.
Misture e adicione a goma da
2 Und. Ovo araruta peneirada, por último
adicione o coco ralado.
0,12 Kg Manteiga
0 – Forme uma massa uniforme e
faça os biscoitos como preferir.
0,16 L Açúcar
0

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Qb - Coco Ralado

Figura 4 ficha técnica do biscoito de araruta

5 – Teste de aceitabilidade

O dia 16 de dezembro de 2015 foi a data combinada para a realização do teste de


aceitabilidade com o biscoito da araruta. A escola escolhida foi uma Escola Municipal
de Ensino Infantil e Ensino Fundamental localizada na cidade de Fortaleza.
Encontramo-nos na Faculdade de Educação da UFC, estive acompanhado do meu
orientador Professor José Arimatea Barros Bezerra e da minha co-orientadora Alice
Santos.
Chegamos a escola pouco antes das 14 horas e 30 minutos. Ao adentrar a escola,
fomos avisados de que os alunos estavam em uma apresentação na quadra esportiva.
Andamos pela escola para conhecer o espaço enquanto os alunos aproveitavam o
recreio. Pudemos perceber algumas práticas alimentares dos alunos: comiam salgadinho
ou biscoito com refrigerante trazidos, provavelmente, de casa, o que ainda é uma
dificuldade corriqueira enfrentada pelo PNAE.
Fomos convidados para a sala da diretora, lá pudemos entregar o ofício emitido
pela Universidade Federal do Ceará e conversar sobre o nosso objetivo naquela visita à
escola, a saber: o teste de aceitabilidade com o biscoito da araruta, visto que o teste já
havia sido agendado previamente. Fiquei surpreso ao descobrir que a araruta fez parte
das práticas alimentares da diretora da escola na sua infância na região do Cariri
cearense. Após uma amigável conversa na diretoria e o fim do intervalo para os alunos,
saímos para o teste de aceitabilidade realizado em cada sala.
O modelo escolhido para o teste foi o de ficha de escala hedônica facial mista
(figura 3) por se tratar de uma cartela lúdica de fácil acesso para os estudantes.

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Figura 5 Ficha lúdica para teste de aceitabilidade (retirada do Manual para aplicação dos testes de aceitabilidade
no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE

A ficha e os métodos foram retirados do Manual para aplicação dos testes de


aceitabilidade no Programa Nacional da Alimentação Escolar – PNAE (2010). Quanto
aos métodos, o manual indica que o teste seja dividido em 5 etapas:
1. Distribuir as fichas com a escala hedônica (adequada à série) na sala de aula ao
servir o alimento;
2. Explicar como as fichas devem ser preenchidas;
3. Solicitar que as crianças coloquem o nome da preparação na ficha ou que o
nutricionista a preencha;
4. Promover um ambiente de individualidade de julgamentos, onde não haverá
conversas entre os escolares;
5. Recolher as fichas preenchidas.

O teste foi realizado em duas séries, o 3º e o 5º anos do Ensino Fundamental. A


aplicação do teste é justificada; pois, “para verificar a aceitação de algum tipo de
alimento, o teste de aceitabilidade é um instrumento fundamental, pois sua execução é
fácil e permite uma verificação da preferência média dos alimentos oferecidos” (ABNT,
1993, p. 8). Os resultados obtidos no teste estão no gráfico (figura 4) abaixo.

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Figura 6 Gráfico com resultados do teste de aceitabilidade.

No gráfico percebe-se que o biscoito de araruta teve uma porcentagem de


90,38% para o quesito adorei e 9,62% para o quesito gostei; não foram registradas
escolhas das opções destestei, não gostei ou indiferente.

Segundo o Manual para aplicação de teste de aceitabilidade do PNAE, se a


amostra apresentar uma percentagem maior ou igual a 85% nas expressões gostei ou
adorei, a preparação está aprovada, como é o caso.

No fim da ficha, o aluno teve a possibilidade de descrever o que mais gostou e o


que menos gostou na preparação, foram muitas respostas obtidas, algumas inusitadas e
curiosas. Na categoria mais gostou o destaque ficou para “o gosto” e “o sabor”; aqui,
provavelmente, querendo representar as características gustativas do biscoito. Porém,
Montanari (2008) distingue gosto e sabor, para o autor o gosto é um produto cultural, “o
gosto não é de fato uma realidade subjetiva e incomunicável, mas coletiva e
comunicada. É uma experiência de cultura que nos é transmitida desde o nascimento,
juntamente com outras variáveis que contribuem para definir ou ‘valores’ de uma
sociedade” (p. 96).
Destaque também para alguns registros que traziam a afirmativa “porque não é
muito doce” na categoria mais gostou, uma vez que a ficha foi preenchida por crianças
com média de idade de 9 anos. Outras respostas destacam a consistência crocante do
biscoito.

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Na categoria menos gostou a característica mais citada é “gruda na boca” e
“esfarela” uma vez que o biscoito é uma espécie de sequilho e possui as características
citadas que foram reprovadas por alguns alunos. A presença do coco também foi
registrada em algumas fichas como característica negativa.
Em linhas gerais, o biscoito foi bem avaliado e aceito dentro da faixa aceitável
exigida pelo PNAE e isso ficou claro, pois a maioria dos registros para mais gostou foi
“tudo” e para menos gostou foi “nada”.

Conclusão

Os estudos sobre educação alimentar e alimentos tradicionais instigaram a


pesquisa com a araruta e trouxeram à tona a importância do rizoma para a cultura
alimentar brasileira, desde os indígenas, que já a utilizavam, até os agricultores, que
cultivavam nos canteiros. A araruta apresentou importância para a culinária tradicional,
pois era bastante usada em preparações como biscoitos e bolos. Os saberes populares
também apontaram para a araruta como planta de propriedades medicinais e os estudos
atuais indicam que a araruta tem alta propriedade digestiva além de não conter glúten.

A fécula da araruta tem potencial para ser produzida pelos agricultores e a partir
daí serem confeccionados produtos, como o biscoito elaborado no estudo, para que esse
possa ser vendido no PNAE, gerando renda para o agricultor, além de resgatar o uso e a
tradicionalidade da araruta.

Acredito que esse estudo sobre a araruta possa impulsionar novas pesquisas
sobre o rizoma como alimento tradicional, uma vez que valoriza a planta e indica,
através dos seus potenciais nutricionais culinários, o caminho para a elaboração de
novos usos com potencial para ser implementado na agricultura familiar.

Por fim, o biscoito de araruta foi aprovado no teste de aceitabilidade e confirma


o potencial do produto para compor a alimentação escolar uma vez que segue os
critérios estabelecidos pelo PNAE.

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