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A liberdade revela-se no ajuste

da própria vida com as realidades — tão simples como descansar e alimentar-se, ou tão
importantes como a
morte. Meister Eckhart expressou seu approach da liberdade numde seus argutos
conselhos psicológicos:
“Quando você se sente tolhido é porque sua atitude está desajustada”. Aliberdade está
implícita quando
aceitamos as realidades, não por cega necessidade, e simpor opção. Isto significa que a
aceitação de
limitações não precisa ser uma “rendição”, mas pode e deve ser umato livre e construtivo; e
talvez tal opção
tenha resultados mais criativos para a pessoa do que se esta não precisasse lutar contra
nenhuma limitação. O
homemdedicado à liberdade não perde tempo lutando coma realidade; ele “enaltece a
realidade”, conforme
observou Kierkegaard.

Tomemos como exemplo uma situação na qual as pessoas são muito controladas, isto é,
quando têmuma
doença como a tuberculose. Acada gesto são rigidamente condicionadas pelo fato de se
encontraremnum
sanatório, sob umregime rigoroso, teremque descansar a tais e tais horas, caminhar
somente quinze minutos
por dia, e assimpor diante. Mas há uma grande diferença na maneira como as pessoas se
relacionamcoma
realidade da doença. Algumas desistem, literalmente chamando a morte. Outras fazemo
que delas se espera,
mas ressentem-se continuamente contra o fato de que a “natureza”, ou “Deus”, lhes
mandou aquela doença e,
embora exteriormente obedeçam, interiormente rebelam-se contra as regras. Esses
pacientes emgeral não
morrem, mas tambémnão se curam. Rebeldes na arena da vida,
permanecemperpetuamente numdeterminado
estágio, marcando passo.
Outros, porém, defrontam-se francamente como fato de estaremdoentes; deixamque essa
tragédia penetre
o consciente durante longas horas de contemplação, deitados na cama ou na varanda do
sanatório. Procuram
conscientemente compreender o que estava errado emsua existência para teremsucumbido
à doença. Usamo
fator cruelmente determinista de estaremdoentes como novo meio de conhecer a si
mesmos. São estes os que
melhor podemescolher e confirmar os métodos e a autodisciplina — que nunca pode ser
transformada em
regras, mas varia de dia para dia que os conduzirá vitoriosamente através da doença. Não
se curam
fisicamente, como saemenriquecidos e fortalecidos pela experiência. Afirmama liberdade
elementar para
conhecer e amoldar os acontecimentos deterministas; e enfrentamumfato seriamente

👉
determinista coma
liberdade. É duvidoso que alguémrecupere a saúde caso não decida de maneira
responsável ser sadio; e quem
quer que faça esta opção torna-se melhor integrado como pessoa emvirtude de ter tido uma
doença.

Através da capacidade para estudar a própria vida o homempode transcender dos
acontecimentos
imediatos que o determinam. Seja tuberculoso, ou escravo, como o filósofo romano
Epicteto, ou prisioneiro
condenado à morte poderá escolher livremente como se relacionará comtais fatos. E a
maneira como se
relaciona como fato de realidade irreversível, a morte, pode ser mais importante para Cie do
que a própria
morte. Aliberdade é dramaticamente ilustrada por ações “heroicas”, como a decisão de
Sócrates no sentido de
antes tomar a sicuta que transigir; mais significativo ainda, porém, é o exercício diário da
liberdade por parte
de uma pessoa emevolução para a integração psicológica e espiritual, numa sociedade
conturbada como a

👉
nossa.
Aliberdade, portanto, não é apenas uma questão de dizer “sim” ou “não” diante de uma
decisão específica:
é a força de amoldar e criar a nós mesmos. É a capacidade, para dizer como Nietzsche, “de
nos tornarmos o
que verdadeiramente somos”.

Liberdade e estrutura

Liberdade não significa procurar


viver isolado e, sim, ao defrontar-
se com seu isolamento ser capaz
de, conscientemente, optar por
agir, comalguma
responsabilidade, na estrutura de
seu relacionamento com o mundo,
principalmente o mundo das
pessoas que o rodeiam.

Nos
capítulos seguintes trataremos
mais extensamente da tese relativa
à espécie deestrutura — ética,
filosófica ou religiosa — que mais
contribui para a plena realização
das potencialidades doindivíduo.
“Optar por si mesmo”

Aliberdade não chega automaticamente: é conquistada. E não de uma só vez; precisa ser
conseguida dia a
dia. É como Goethe diz na lição final aprendida por Fausto:
“Sim! a esta ideia atenho-me com firme persistência: Asabedoria impõe-lhe o selo da
verdade;
Conquista a existência e a liberdade somente quem todo dia a reconquista”.

O passo fundamental para a conquista da liberdade interior é “optar por si mesmo”. Esta
estranha
expressão de Kierkegaard afirma a responsabilidade de cada umpelo próprio self e a
própria existência. É a
atitude oposta ao impulso cego ou à existência rotineira; é uma atitude de vivacidade e
decisão;significa que a
pessoa reconhece existir naquele determinado ponto do universo e aceita a
responsabilidade de sua existência.
Isto é o que Nietzsche queria dizer comsua “vontade de viver” — não apenas o instinto de
autoconservação e
sima decisão de aceitar o fato de que a pessoa é ela mesma, coma responsabilidade de
cumprir o próprio
destino, o que, por sua vez, implica emaceitar o fato de que cada qual deve fazer suas
próprias opções
fundamentais.
Podemos ver mais claramente o que significa optar por si mesmo e pela própria existência
considerando o
oposto — isto é, optando por não existir, suicidar-se. Aimportância do suicídio não reside no
lato de que as
pessoas se matamemgrande número. Na verdade, é umacontecimento raro, exceto entre os
psicóticos. Mas,
psicológica e espiritualmente, a ideia de suicídio temumsignificado muito mais amplo. Há o
suicídio
psicológico, no qual a pessoa não toma a própria vida comdeterminado gesto, mas morre
porque decidiu—
talvez semplena consciência — não mais viver. Sabe-se comfrequência de incidentes como
o ocorrido no
naufrágio de umnavio pesqueiro. Umrapaz de vinte anos manteve-se agarrado a
umdestroço flutuante, nas
águas revoltas, junto comumhomemmais velho, durante uma hora mais ou menos,
dizendo-lhe que se sentia
muito jovempara morrer. Finalmente, comas palavras “Tudo terminado!Adeus, vovô”, largou
a madeira e
afundou. Desconhecemos, naturalmente, os processos psicológicos que levaramuma
pessoa, aparentemente
ainda comforças, a desistir da vida, mas podemos suspeitar que exista emação uma
tendência íntima a optar
por não viver.
A ânsia de morrer é muitas vezes seguida de uma percepção mais profunda da vida e do
sentido
das possibilidades.
Quando alguémoptou conscientemente por viver, duas outras coisas acontecem. Primeiro
—a
responsabilidade para consigo mesmo assume novo significado. Apessoa aceita a
responsabilidade da própria
vida, não como algo a que está preso, uma carga que lhe foi imposta, mas como umvalor
por ela escolhido.
Pois essa pessoa agora existe emresultado de uma decisão pessoal. Não há dúvida que
quempensa
compreende teoricamente que a liberdade e a responsabilidade andamjuntas: quemnão é
livre é umautômato
e, é evidente, não temresponsabilidade, e se não pode ser responsável por si mesmo não
pode ter liberdade.
Mas quando se faz uma opção “pessoal”, esta união de liberdade e responsabilidade
torna-se mais do que uma
ideia agradável. Apessoa experimenta-a emsua própria pulsação. Ao optar por si mesma
torna-se cônscia de
ter escolhido, conjuntamente, a liberdade pessoal e a responsabilidade.
Outra coisa que acontece é o seguinte: a disciplina exterior transforma-se emautodisciplina.
Apessoa a
aceita não porque receba ordens — pois quempoderia mandar emalguémque estava livre
para acabar coma
própria vida? — mas porque decidiu commaior liberdade o que pretende fazer da vida, e a
disciplina é
necessária emvista dos valores que deseja alcançar. Esta autodisciplina pode ter nomes
complicados —
Nietzsche a chamava de “amor ao próprio destino”, e Spinoza falava de “obediência às leis
da vida”. Mas,
ornada ou não de nomes fantasiosos, é, julgo eu, uma lição que todos progressivamente
aprendemna luta pela
conquista da maturidade.

O homem pode “olhar o


passado e ofuturo”; transcender o
momento imediato, recordar o
passado e planejar o futuro e
assim escolher o maior bem,que s
ó ocorrerá mais tarde, de preferê
ncia a umbemmenor e imediato.
É igualmente capaz de sentir as
necessidades e os desejos alheios,
imaginar-se no lugar de outro e
assim fazer suas opções com
vistas ao bemde seus semelhantes,
e ao seu próprio. Este é o começo
da capacidade, por mais
rudimentar e imperfeita quese
apresente na maioria, do “ame teu
semelhante” e da consciência do
relacionamento entre os seus atos
e obem-estar da comunidade.
O ser humano não só pode
fazer tais escolhas de valores e
metas como também é o animal
que deve fazêlas, caso deseje
chegar à integração. Pois o valor
— a meta em direção à qual
caminha — serve-lhe de centro
psicológico, uma espécie de força
integradora que reúne sua
capacidade, como umimã
concentra as suaslinhas de força.
Observamos em capítulo anterior
que saber o que se quer é essencial
ao aparecimento dacapacidade de
auto-orientação na criança e no
jovem. Saber o que se quer é
simplesmente a forma elementardo
que, na pessoa madura, é a aptidão
para escolher seus próprios
valores. A característica do
homemamadurecido é ter sua vida
integrada às metas por ele mesmo
escolhidas: sabe o que quer, não
apenas comouma criança que
deseja um sorvete, mas como um
adulto que planeja e trabalha em
direção a umrelacionamento
amoroso criativo, ou uma transaçã
o comercial, ou seja o que for.

trabalha não
por rotina, mas porque acredita
conscientemente no valor do que
está fazendo.

Vimos em capítulo anterior que


a ansiedade, confusão e vazio —
as doenças crônicas psíquicas do
homemmoderno — ocorrem
principalmente porque seus
valores são confusos e contraditó
rios e porque não possuiâmago ps
íquico. Podemos agora acrescentar
que o grau de força íntima e integridade do indivíduo
dependem da medida de sua crença nos
valores que pautam sua vida.

Goethe,
que não teve motivos pararufar
tambores pela fé tradicionalista,
escreveu: “Todas as épocas
dominadas pela fé, seja qual for a
suaforma, são gloriosas, exaltantes
e frutíferas, trazendo
prosperidade. Todas as épocas,
por outro lado, em que o
ceticismo, fosse qual fosse sua
forma, apresentasse umprecário
triunfo, ainda que de esplendor
reflexo,perderam seu significado..
.
” Porque ninguém sente prazer em
debater com “o que é
essencialmente estéril”

O verdadeiro problema é,
portanto, distinguir o que há de
sadio na ética e na religião,
proporcionandosegurança que
amplie em vez de diminuir o valor
pessoal, a responsabilidade e a
liberdade. Comecemos,como nos
capítulos anteriores, por perguntar
como nasce e evolui uma sadia
consciência ética no ser humano.

O homem é um animal ético,


mas chegar à percepção ética não
é fácil. Ele não evolui para o juízo
éticocomo a flor para o sol. Na
verdade, como a liberdade e os
outros aspectos da autoconsciê
ncia, a percepçãoética só é
conquistada ao preço de conflitos í
ntimos e ansiedade.

...e ao
homem Deus castigou com o trabalho.

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