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UMA REFLEXÃO ACERCA DAS DISPOSIÇÕES DE LIBERDADE E

RESPONSABILIDADE DO SER HUMANO SEGUNDO A LOGOTERAPIA.

Ana Paula Gonzalez Veiga


Clênio Marcos Machado Reis
Érika Ribeiro Ramos da Costa Bartz
Igor Henrique Rodrigues Santos
Musa Figueirôa Pires

RESUMO:
Este trabalho foi elaborado com o propósito de apresentar a relação existente
entre liberdade e responsabilidade segundo a logoterapia e como estes dois
elementos podem ser suficientemente poderosos para conferir a existência humana,
sentido. Em dado momento todo ser humano se inquieta a respeito das
possibilidades que tem diante de si, contrastadas com as limitações que também
estão diante de si, este homem se indaga a respeito da sua própria vida, sentido e
existência e por vezes ainda sofre uma pressão social que o quer transformar em
parte de uma massa despersonalizada e sem sentido, e às vezes ele o cede apenas
para se sentir aceito, mesmo quando não se sente realizado.
Há um clamor silente que busca de algum modo configurar as possibilidades
que permitam atribuir sentido à vida diante de uma sociedade tão corrompida e sem
valores em paralelo com o ser humano que é único e irrepetível, e se cada vida é
única. Diante desse contexto buscou-se explicar como a logoterapia pode contribuir,
mesmo com conceitos já estabelecidos e fechados, para uma vida que está aberta,
esperando por ser descortinada e em busca de sentido.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Responsabilidade; Sentido; Consciência.

1.INTRODUÇÃO:

Ao falar de “Liberdade e Responsabilidade”, tendo como base a Logoterapia,


faz-se essencial entender como e por que esses dois conceitos caminham juntos e
são condição um do outro para o pleno exercício de cada um. Para aclarar tal
abordagem, compreender a forma como Viktor Frankl percebe o homem, tanto sob
o ponto de vista de sua constituição como ser humano, quanto da perspectiva da
dinâmica da pessoa, torna possível a compreensão dos conceitos que se
apresentaram.
Por muitos anos, nos estudos das ciências humanas o homem foi
considerado mais como um objeto do que um sujeito, tornando-se um mero
“expectador” da sua realidade, fazendo-o perceber-se de uma maneira muito
reducionista. Com intuito de superar tal reducionismo e atribuir ao homem a autoria
de sua história, Viktor propõe uma Ontologia dimensional. Trata-se de uma proposta
capaz de perceber o homem em todas as suas dimensões, quais sejam, biológica,
psicológica e espiritual.
Através da Ontologia dimensional, constata-se que o ser humano,
diferentemente dos demais seres vivos, não é somente corpo e psiquismo, mas
também espírito; e desta forma, um ser capaz de alcançar realidades além de si
mesmo, ou seja, “realizar-se na presença”, fazer-se presente a si mesmo ao estar
presente no outro. A esta capacidade de perceber o mundo, sem ter-se como
referência, Frankl chamou de autotranscendência, sendo o conceito chave para
entender e perceber a importância da intencionalidade na antropologia Frankliana.
Ao discorrer sobre este assunto, torna-se inevitável falar sobre a esfera
espiritual, e nesse prisma diz-se que o homem é um ser livre para escolher qual
posição vai adotar diante da facticidade da vida; diante dos acontecimentos e
circunstâncias nos quais não se pode mudar. Essa espiritualidade em Viktor Frankl,
remete ao sentido de que mesmo quando não se pode modificar o ambiente e as
circunstâncias, em última análise, ainda se pode modificar a si, trata-se de
responder de maneira coerente às convocações e/ou provocações que a vida fará e
com isso assumir uma postura totalmente humana diante do cenário posto, é como
dizer que é o ser humano capaz de tomar uma atitude diante de si mesmo.
A pessoa sempre tem a abertura de se posicionar diante dos chamados do
seu corpo e da sua mente, percebe-se desta forma que Viktor não está
desconsiderando o valor e a dignidade do biopsíquico, ou valorizando apenas o
espiritual, até porque para a Logoterapia essas três dimensões tornar-se-ão uma só
unidade constitutiva do seu ser pessoa. Por tratar-se de um ser completo, único,
irrepetível e inquebrantável é o homem também o único com capacidade de
escolher e assim responder para além de seus instintos, diferenciando-se de todos
os outros animais, a essa capacidade de constituição exclusivamente humana é que
se manifesta a liberdade para ser o que se queira ser, bem como responsabilidade
de seu dever ser.
A liberdade pode corromper-se em mera arbitrariedade, a menos que seja
vivida nos termos de uma responsabilidade. Eu costumo dizer que a Estátua
da Liberdade, na Costa Leste dos Estados Unidos, deveria ter, como
complemento, uma Estátua da Responsabilidade na Costa Oeste. (FRANKL,
2011, p.66).

A partir de Frankl é possível enquadrar um conceito humano mais completo e


entender assim que liberdade por liberdade é apenas capricho, sem fundamento,
sem lei. Desculpar-se dizendo que o homem pode fazer o que quiser, o que bem
entender é apenas uma medida para o animalizar e privá-lo daquilo que o tornará o
seu dever ser.

CAPÍTULO 1 - LIBERDADE
Um dos livros mais antigos da humanidade, a bíblia, em um dos seus trechos
diz que todas as coisas são permitidas, no entanto, nem todas são convenientes e
ainda acrescenta que não se deve deixar dominar por nenhuma delas. No texto que
para muitos é considerado sagrado, evidencia-se a presença da liberdade e para
seu uso correto, acrescenta-se a responsabilidade; trata-se de um claro
direcionamento que para fazer uso adequado de sua liberdade, o homem necessita,
antes de mais nada, superar seus condicionamentos, passa-se então a considerar
que o homem tem sua parte constitutiva também com base nas respostas que dá a
sua vida de maneira única e intransferível.

O homem não está livre de condições e, em geral, não está livre de algo mas
livre para algo, quer dizer, livre para uma tomada de posição perante todas
as condições: e é precisamente esta possibilidade propriamente humana que
o pandeterminismo de todo em todo esquece e desconhece. (FRANKL,
2019, p.62).

As palavras supracitadas apontam para uma capacidade que pode ser


chamada de proatividade, termo esse que segundo Covey (2010, p.91), implica que
nós, seres humanos, somos responsáveis por nossas próprias vidas. Nosso
comportamento resulta de decisões tomadas, não das condições externas. Entre
tantos desafios da atualidade se faz necessário citar que parte dos paradigmas
deterministas têm origem principalmente no estudo de animais (ratos, entre outros)
ou ainda pessoas neuróticas e psicóticas, que não podem representar
significativamente a realidade. Por razões como essa pode-se afirmar que a
capacidade dos animais é limitada, no entanto, a do ser humano não tem limites,
sendo isso um dos grandes poderes do homem - a capacidade de escolha.

E por isso também sei perfeitamente até onde vai a liberdade do homem,
que é capaz de se elevar acima de toda a sua condicionalidade e de resistir
às mais rigorosas e duras condições e circunstâncias, escorando-se naquela
força que costumo denominar o poder de resistência do espírito. (FRANKL,
2019, p.63)

O que irá, apesar de fatores condicionantes, determinar o uso responsável da


liberdade é o poder de escolha que se tem diante de cada situação que se
apresenta na vida. Cabe dizer que essa liberdade é finita e com devidas restrições,
pois nem sempre poderá escapar de fatores condicionantes, mas a liberdade é
realizada quando diante desses fatores assume-se a proatividade da decisão. Há
um relato de grande relevância acerca da vida de Frankl e seus fatores
condicionantes durante sua experiência nos campos de concentração da era
nazista, citado no livro de Covey.

Um dia, nu e sozinho em um pequeno quarto, ele começou a tomar


consciência do que mais tarde chamou de "a última das liberdades
humanas" – a liberdade que seus carrascos nazistas não podiam tirar dele.
Eles podiam controlar completamente a situação e o ambiente, podiam fazer
o que quisessem com seu corpo, mas o próprio Viktor Frankl era um ser
dotado de autoconsciência, e podia atuar como observador de seu próprio
destino, sua identidade básica estava intacta. Ele podia decidir, dentro de si,
como aquilo tudo iria afetá-lo. Entre o que acontecia com ele, ou o estímulo,
e sua reação, estava sua liberdade ou seu poder de escolher qual seria a
resposta. (COVEY, 2010, p.89, 90).

Um paradigma bem aceito na sociedade hodierna, diz que o condicionamento


e a condição do homem determinam amplamente o que cada um será e/ou como irá
se comportar. Apesar de válida a ideia de que existe sim uma influência do ambiente
e da situação sobre a condição humana, a atribuição totalitária desse conceito é
reducionista, trata-se de uma visão fragmentada e desproporcional, portanto
inadequada para explicar comportamentos tais quais o de Frankl dentro do campo
de concentração, todos os fatores externos eram contrários a sua liberdade,
aparentemente estava castrado pelas circunstâncias, tomadas as devidas
proporções, considera-se que Frankl exerceu uma liberdade diminuta, sim, pode-se
dizer que até embrionária, mas que cresceu gradativamente o tornando livre de
seus carrascos e de sua condição limitante, é fato que seus opressores tinham mais
liberdade naquele ambiente, mas ele tinha mais liberdade interna.

No meio das circunstâncias mais degradantes que se possa imaginar, Frankl


usou o dom humano da autoconsciência para descobrir um princípio
fundamental da natureza do homem: Entre o estímulo e a resposta
encontra-se a liberdade de escolha do ser humano. A liberdade de escolha
abrange os dons que nos tornam humanos, distintos dos outros animais.
(COVEY, 2010, p.90).

A liberdade interior de realizar valores ou se tornar vítima das situações


sempre será fruto das escolhas feitas, pois dentro de cada humano, na camada
mais íntima do ser, a esfera espiritual permite viver com sentido, apesar dos
condicionamentos e sofrimentos inerentes a sua condição falível. Tudo é questão de
escolha; decisão: “A liberdade espiritual do ser humano, a qual não se lhe pode tirar
permite-lhe, até o último suspiro, configurar a sua vida de modo que tenha sentido.”
(FRANKL, 1991, p. 67.).

Os seres humanos estão sendo indagados a todo momento pela vida, que
chama, convoca e convida a responder com liberdade e responsabilidade, sabendo
que a missão é a realização de valores de atitude, criativos e vivenciais. “Sempre e
em toda parte, a pessoa está colocada diante da decisão de transformar a sua
situação de mero sofrimento numa realização interior de valores.” (FRANKL, 1991,
p. 68.).

Sendo assim, em cada homem há sempre possibilidade e potência a se


tornar ato, embora, o que será levado de potencial à atitude concreta depende
exclusivamente de como cada um fará uso da liberdade que possui, e se escolherá
ou não agir, apesar dos fatores externos adversos. “A pessoa humana tem dentro
de si ambas as potencialidades; qual será concretizada, depende de decisões e não
de condições.” (FRANKL, 1991, p.114).

Em última análise, se o homem considerar seu destino como totalmente


escrito será incapaz de modificá-lo, todavia, mesmo ao que entende que existe uma
liberdade, sempre haverá uma batalha travada tanto entre o seu destino interior
quanto exterior (aqui entende-se o destino como aquilo que é inevitável, está posto,
realidade concreta e/ou fatalidade), e tudo isso acaba por servir de prova garantindo
que é real e possível a liberdade humana.

CAPÍTULO 2 – RESPONSABILIDADE

Uma vez que cada situação na vida constitui um desafio para a pessoa e lhe
apresenta um problema para resolver, pode-se então inverter a questão do sentido
da vida, pois, em compêndio, a pessoa não deveria se perguntar qual o sentido da
sua vida, mas sim, responder a indagação que lhe é feita, pela vida.

Em suma, cada pessoa é questionada pela vida; e ela somente pode


responder à vida respondendo por sua própria vida; à vida ela somente pode
responder sendo responsável. Assim, a Logoterapia vê na responsabilidade
a essência propriamente dita da existência humana. (FRANKL, 1991, p.
98,99).

Ao declarar o ser humano como responsável e alguém que necessita realizar


o sentido potencial da sua existência, aponta-se para um sentido a ser descoberto
no mundo, ou seja, fora dos domínios fechados de sua psique. Característica que
na logoterapia é chamada de autotranscendência, um atributo exclusivamente
humano. Em última análise e tomada as devidas proporções, pode-se dizer que o
sentido da existência humana sempre se altera, mas nunca deixa de ocorrer.
Portanto, adotada a responsabilidade como uma característica possível ao homem,
sua vida deixa de ser apenas uma consequência das condições e condicionamentos
que lhe foram impostos e passa a ser a resposta livre de uma decisão consciente.

Ao compreender essa nova realidade “logoterapêutica”, por assim dizer,


deixa o homem de culpabilizar as circunstâncias externas ou outrem por suas
atitudes e assume que seu comportamento é fruto de suas próprias escolhas, nisso
opera a responsabilidade. Não que seja uma mudança fácil no campo emocional,
em especial para aqueles que carregam por anos a praxe de responsabilizar o
comportamento alheio e as condições, por seus problemas.
Pense na palavra responsabilidade – responsabilidade, a habilidade para
escolher sua resposta. Pessoas super proativas acostumam-se com a
responsabilidade. Não colocam a culpa por seu comportamento em
circunstâncias, condições ou condicionamentos. Seu comportamento é
produto de sua própria escolha consciente, baseada em valores, não
resultado de um condicionamento, baseado em sentimentos. Uma vez que
somos, por natureza, proativos, nossa vida só será consequência das
condições e dos condicionamentos se deixarmos que estes fatores
controlem nossa mente, por decisão consciente ou omissão. (COVEY, 2010,
p.92)

O despertar para a responsabilidade acontece quando o homem se dá conta


de que é um ser único e mesmo tendo finitude no horizonte de sua vida, ou seja, a
morte como fim de todos, essa não lhe subtrai o sentido, ao contrário, seu caráter
único e irrepetível lhe confere responsabilidade em cada ato, com vias de realização
da sua potência; pode-se então dizer que: “o caráter de algo único de cada destino
faz parte do caráter de algo único da vida. Em termos gerais, pode-se afirmar que o
destino - por analogia com a morte faz parte da vida, de algum modo.” (FRANKL,
2019, p. 157).

Não raro o homem pode optar por fugir de seu lugar irrepetível no mundo e
se misturar na massa para se anular, e, tendo sua identidade confundida pelos
demais, se abstém de usar o pensamento crítico para simplesmente se deixar
conduzir por outrem:

Sendo absorvido pela massa, perde o homem o que lhe é mais próprio e
peculiar: a responsabilidade. Em contrapartida, entregando-se àquelas
missões de que a comunidade o incumbe, por as assumir ou com elas ter
nascido, ganha o homem algo mais, uma responsabilidade adicional. É por
isso que o fugir para a massa representa uma fuga à responsabilidade
individual. (FRANKL, 2019, p. 155)

Pode-se atribuir o termo “reativo” ao homem que foge daquilo que lhe é
propriamente seu destino, ou ainda daquilo que lhe torna propriamente humano, sua
irrepetibilidade. A estes homens está o fado do vazio existencial, ao pressuposto de
buscar prazer e como medida adotada, um afastamento de suas responsabilidades,
acaba o homem por perder junto com a responsabilidade a sua liberdade. Se a
busca pelo prazer se torna o foco central, um paradoxo intrigante se realiza, pois
quanto mais alguém se concentra no prazer, mais ele se esquiva. Como diz Frankl
(2019, p.24), “não se vive mais, como na época de Freud, num ambiente de
frustração sexual, mas de frustração existencial”. Esse vazio interior que habita o
ser humano se manifesta agora por meio do tédio, esse sentimento que revela a
perda da capacidade de lidar com o rotineiro, com o trivial e acaba aportando
erroneamente o ser humano a querer viver algo novo o tempo todo – e mesmo
quem busca esse algo novo, não sabe exatamente o que é ou onde encontrar.

O que se assiste destarte é quase uma profecia para a catástrofe das


relações humanas. Bauman (2001), diz que se os laços humanos agora se
equiparam aos bens de consumo, e não é algo em que se precisa trabalhar com
grande esforço e sacrifício ocasional, mas, algo de que se espera deleite imediato,
momentâneo – ao passo de que se não proporcionar mais prazer – haverá o
descarte, pois não faz mais sentido. A mentalidade por trás deste comportamento
nada saudável torna cada vez mais superficial as relações sociais e o mesmo
indivíduo que agora está rodeado por gente, ainda se sente completamente só,
vulnerável, frustrado e mais uma vez sem prazer.

Viver em comunidade, pode ser uma opção livre e responsável de vida,


porém, há que se distinguir o caráter anulador da massa e o caráter de unicidade na
união que a comunidade nos proporciona. Pode-se ser alguém dentro da
comunidade, mas não ser ninguém numa massa, haja vista que “Uma verdadeira
comunidade é essencialmente comunidade de pessoas responsáveis, ao passo que
a pura massa é apenas uma soma de seres despersonalizados.” (FRANKL, 2019,
p.156)

Rendido ao pensamento coletivista, o homem perde sua essência e não se


torna o que poderia vir a ser. Desse modo, é lícito questionar sobre o porquê do
homem escolher se inserir na massa e o que isso teria a ver com a liberdade e a
responsabilidade. Abaixo uma reflexão justamente sobre isso:

Como pode o homem, o homem médio de hoje, identificado com os sintomas


neuróticos da humanidade atual, para não dizer marcado por eles, como
pode o homem de hoje chegar ao extremo de render-se ao pensamento
coletivista? Deve-se isto principalmente ao fato de que ele abomina a
responsabilidade. Mais uma vez foi com a guerra e, em particular, com as
organizações militares, que o homem aprendeu, teve de aprender a
deixar-se conduzir e levar para usarmos expressões empregadas por esses
mesmos homens. Invariavelmente era considerado importante não salientar
se de jeito nenhum, antes a pagar-se a qualquer preço, diluir-se na massa. E
é exatamente o que também hoje, de um modo geral, se quer: confundir-se
com a massa. Mas o que então realmente se faz? Não se confunde com a
massa; ao contrário, afunda-se nela. O homem se dissolve como ser
despersonalizado. (FRANKL, 2018, p. 51,52)

Vê-se então que estão intimamente ligadas ao fato de que sérios danos são
causados à liberdade e à responsabilidade do homem quando o mesmo se dilui na
massa, uma vez que ser pessoa é comprometer-se com decisões que sejam
realização de valores e não mera repetição de atos impensados e impostos pelos
que dominam esse mundo. Para se realizar como pessoa deve-se ter uma
personalidade única que se destaca pela unicidade, e ser pessoa significa ser livre e
responsável:

Nesta, nenhuma personalidade humana, nem sequer algo como a pura


individualidade de um sujeito, terá condições para fazer-se valer e
desenvolver-se. A massa, de preferência, prescinde da personalidade, que
para ela constitui um embaraço. Por essa razão, combate as personalidades,
reprime-as, priva-as da liberdade, castrando essa liberdade em nome da
igualdade. As individualidades são aplanadas e as personalidades
sacrificadas pela tendência ao nivelamento. Na massificação, o destino da
liberdade pessoal é colocado à mercê do intuito de se lograr a concretitude
de uma igualdade despersonalizada ao máximo. (FRANKL, 2018, p. 51)

Despersonalizado, o homem segue agindo como que num rebanho, seguindo


o que lhe é posto, sem questionar, sem se destacar, sem ser ele mesmo, sem ser
pessoa humana. A despeito do momento que se vive, de tantas rupturas, é
necessário para o homem envolto na modernidade líquida, sair das pressões
rotineiras que lhe são socialmente impostas e buscar dentro de si, real significado
para viver.

Já perto da morte o apóstolo Paulo dá uma de suas mais importantes falas,


que foi registrada na segunda carta de Timóteo no capítulo quatro e verso sete:
“Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé”. (BÍBLIA, 2014). Paulo
não temia a morte ou o sofrimento porque tinha em sua consciência ter alcançado a
finalidade da sua existência, sua vida era como uma trilha de aprendizado e
autotranscendência, na qual ele havia encontrado o sentido de sua vida e, portanto,
quer padecesse ou se fartasse o resultado seria o mesmo: plenitude. Nessa
condição reside o que se entende por responsabilidade, aquilo que está posto o que
não pode ser mudado, o que é faticidade ou destino, como for preferível chamar, ao
que externamente (ambiente e condições) não pode ser alterado, em última análise,
fazendo uso da última das liberdades humanas, o poder de a resposta que dará a
essas condições, e por isso, sua vida emocional passa a ser construída de maneira
independente das circunstâncias externas e assim realizar valores de atitudes,
mesmo diante das situações mais difíceis ou adversas.

CAPÍTULO 3 – DOIS PARALELOS ENTRE LIBERDADE E RESPONSABILIDADE:


“O SENTIDO E A CONSCIÊNCIA”

Como usar a liberdade com responsabilidade é um dos questionamentos


base para este artigo. Dessarte, o homem para encontrar o sentido deve ir além de
si mesmo. E o que pode o guiar de maneira assertiva é, portanto, a consciência,
“que como uma bússola, órgão de sentido, aponta sempre para o norte verdadeiro.”
(FRANKL, 2019, p. 19). Salvaguardada as devidas proporções, o sentido não é algo
que simplesmente é dado, se assim o fosse, chamar-se-ia de moralismo. O sentido
deve ser encontrado, não apenas se deve, como também se pode. Este sentido
singular, único e pertencente a cada ser humano está intimamente ligado às
convocações que a vida faz ao ser humano, este que agora ao invés de indagar a
vida, lhe responde dentro de suas responsabilidades e através da liberdade para
fazer suas escolhas, fazendo uso de algo que habita também essa esfera
propriamente humana do espírito: a consciência. Que aponta para onde e como
responder e de que forma decidir, tornando enfim, potência em ato

É na realização de valores, movido pela consciência e com as atitudes


corretas que o homem se torna pessoa. Ao contrário de outras teorias que colocam
no prazer o sentido da existência, Frankl mostra que é no dever ser que acontece
com os atos livres e responsáveis, regidos pela consciência, que o sentido da vida
aparece: “Se realmente víssemos no prazer todo o sentido da vida, em última
análise a vida parecer-nos-ia sem sentido. Se o prazer fosse o sentido da vida, a
vida não teria propriamente sentido algum. Porque, afinal, o que é o prazer? Um
estado.(FRANKL, 2019, p. 97).

Tornando-se pessoa, que é o que o homem é chamado a ser, ele toma


consciência da unicidade do ser, realiza-se como ser humano e se torna são. O
momento é agora, pois como dizia o rabino Hillel, muito estimado por Frankl: "Se eu
não o fizer quem o fará? Se eu não o fizer agora mesmo, quando eu deverei fazê-lo
E, se o fizer apenas por mim mesmo, o que serei eu?" (FRANKL,2011, p.73)

É totalmente cabível dizer que a realidade humana permite ser moldada com
sentido enquanto ela durar, ou seja, por toda a vida, é um processo e não um único
feito, enquanto há consciência, há responsabilidade pela respectiva resposta que se
dará às questões da vida. Não necessariamente precisa ser um espanto, se for
levado em consideração o marco fundante da condição humana que nada mais é do
que ser consciente e ser responsável (FRANKL, 2022).

Todo esse arcabouço de ideias culmina na possibilidade de ligação entre


liberdade, responsabilidade e consciência que culminará no sentido da vida. E por
conseguinte ajudar a responder muitas questões existenciais:

Se, porém, a vida propicia sempre um sentido, se depende somente de nós


realizá-la, em cada momento, com aquele possível sentido – em contínua
transformação –, se , portanto, está inteiramente no âmbito de nossa
responsabilidade e da nossa decisão realizar o respectivo sentido, então
sabemos muito bem uma coisa: Certamente, algo absurdo e absolutamente
sem sentido é - jogar a vida fora. (FRANKL. 2022, p. 47).

CONCLUSÃO

A responsabilidade do homem é antes um chamamento dado pela sua


própria irrepetibilidade, sempre e em alguma medida lhe será dado a responder de
maneira única, tanto em vista de sua finitude, como em vista do ser-responsável e
por esse contexto não lhe é subtraído o sentido, de modo que até a morte contribui
para o sentido da vida. A partir da antropologia frankliana, frente a liberdade e
responsabilidade, se faz necessário caracterizar o homem como um ente que ao
longo da jornada pode libertar-se daquilo que outrora o determinava, tanto
biologicamente, psicologicamente, quanto sociologicamente.
A sua liberdade o alcança no exato momento em que pode questionar sua
sujeição a um tipo determinado, não apenas questionar de maneira arbitrária, ou
anárquica, ou ainda apenas pela busca do prazer como diria Freud, mas sim, para
realização de valores, e este se torna homem à medida que sendo livre é também
responsável. A que se salientar que este ser, homem, persona, não pode deixar-se
absorver por uma massa, pois se o fizer, perderá o que lhe é característico: a
responsabilidade (FRANKL, 2019.).

É necessário que o homem agarre o seu destino para que sua liberdade seja
ativada, liberdade e destino caminham de mãos dadas, ao destino é conferido
sentido tal qual a morte e por essas junções dá-se sentido à vida e neste compêndio
o destino de cada um é exclusivo, irrepetível como o homem assim o é, por
consequência essa insubstituibilidade gera a responsabilidade.

O destino pertence ao homem como o chão a que o agarra a força da


gravidade, sem a qual lhe seria impossível caminhar. Temos que
comportar-nos em relação ao destino como em relação ao chão que nós
pisamos: estando em pé; sabendo, entretanto, que esse chão é o trampolim
donde nos cumpre saltar para a liberdade. Liberdade sem destino é
impossível; liberdade só pode ser liberdade em face de um destino, um livre
comportar-se perante o destino. (FRANKL, 2019, p. 158)

É irrefutável a verdade de que o homem é livre, não “livre de”, mas “livre
para”, trata-se de liberdade envolvida por vínculos, ele não está livre do destino
sociológico, biológico, psicológico, mas, está livre para tomada de posição perante
suas circunstâncias. Por esses motivos é que em meio a cenários devastadores o
homem ainda continua com possibilidade de dar respostas e se privado de toda
liberdade exterior, em última análise, ainda há uma liberdade interior, impossível de
ser corrompida se o mesmo não o quiser, é sempre um poder para realizar uma
atitude alternativa frente às condições dadas.

Ao declarar que o ser humano é uma criatura responsável e precisa realizar


o sentido potencial de sua vida, quero salientar que o verdadeiro sentido da
vida deve ser descoberto no mundo, e não dentro da pessoa humana ou de
sua psique, como se fosse um sistema fechado. Chamei esta característica
constitutiva de "a autotranscendência da existência humana". Ela denota o
fato de que ser humano sempre aponta e se dirige para algo ou alguém
diferente de si mesmo – seja um sentido a realizar ou outro ser humano a
encontrar. Quanto mais a pessoa esquecer de si mesma – dedicando-se a
servir uma causa ou a amar outra pessoa – mais humana será e mais se
realizará. (FRANKL, 1991, p. 99,100)

É dada ao homem a capacidade de mudar sua atitude, mesmo defronte de


um destino inalterável, com isso, modifica-se em termos o sentido da vida, mas
jamais deixará o sentido de existir, antes de maneira dinâmica vai se descortinando,
sendo descoberto. É um enigma em que a resposta já habita o ser humano e a ele é
dada a convocação da resposta, sendo intransferível sua responsabilidade, lhe
conferindo então liberdade para agir diante de tamanha convocação. É um ser que
atendendo ao chamado decide o que ele é: “ser que decide”. Isso não se trata de
liberdade irrestrita, antes trata-se da escolha de tomar uma posição diante daquilo
que o condiciona, se irá ceder ou lhe resistir; optando pela segunda adquire a
capacidade de se elevar acima das condições, crescer para além delas. “O homem
só se revela como verdadeiro homem quando se eleva à dimensão da liberdade”
(FRANKL, 2019).

O ser humano só existirá, se for responsável. A responsabilidade portanto,


lhe confere sentido, “Além disso, a responsabilidade de nossa existência não está
somente "na ação", mas necessariamente "no aqui e agora", ou seja, na
concretitude de determinada pessoa numa determinada situação” (FRANKL, 2007).
Liberdade e responsabilidade são condição sine qua non ao sentido da vida, nesse
aspecto, visa a logoterapia mobilizar a existência espiritual no sentido de uma
responsabilidade livre, fazendo a contraposição aos condicionamentos inerentes à
facticidade psicofísica. Mediante esta facticidade torna-se necessário despertar a
consciência da liberdade e da responsabilidade que são os grandes constituintes do
ser humano.(FRANKL, 2007). O ser humano só é livre se ele consegue agir além de
sua instintividade, porém de nada adianta ser livre, sem ter uma “para quê”, bem
como, ser apenas responsável sem saber ao certo perante que se é responsável,
não atribuirá sentido à vida.

Que seja à temporalidade uma marca essencial na jornada humana, a


clareza de que só se vive uma vez aponta a necessidade de uma liberdade
responsável, que somente o ser humano é capaz de realizar, e assim tornar-se-á
aquilo que somente ele pode e deve ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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CENTRAL GOSPEL (ed.). Bíblia de Estudo Matthew Henry. Rio de Janeiro:


Central Gospel, 2014.

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