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UFF 2023.

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Aluno: Ian Cardozo dos Anjos
Disciplina: Poder e Política no mundo ibérico

Análise de fonte primária: ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por
suas drogas e minas (1711).

A importância da obra

A obra foi escrita pelo jesuíta italiano André João Antonil. Antonil nasceu em
Toscana em 1649 e viveu parte de sua vida em Salvador, onde exerceu seus ofícios religiosos,
porém, ele exerceu outras atividades, como professor de retórica, mestre de noviços, assessor
de visitadores, visitador, pregador, reitor de colégio e Provincial. Antonil morreu na Bahia em
1716.

A obra de Antonil consiste em um tratado sobre a economia social do Brasil, tratando


de diversos temas como a produção de açúcar, criação de gado, escravidão e mineração. Por
ter sido escrita por um clérigo, a Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas
representa uma grande importância para a compreensão intelectual e social do período
colonial, pois ela apresenta as ideias do círculo intelectual da Companhia de Jesus. Antonil
era companheiro de Antônio Vieira e através de sua obra, pode-se perceber o papel influente
dos jesuítas na vida social, política e econômica do Brasil no período colonial.

A obra foi publicada no ano de 1711 em Lisboa e um dos pontos importantes da


narrativa e organização de Antonil é a questão dos escravos. Por esse motivo, o capítulo IX
do livro I foi selecionado para ser analisado à luz da questão do debate sobre a escravidão. O
trecho é muito relevante, pois nele, Antonil aborda as relações entre o escravo e seu Senhor.
Assim, é importante expor os principais argumentos de Antonil ao tratar sobre COMO SE HÁ
DE HAVER O SENHOR DO ENGENHO COM SEUS ESCRAVOS.

A natureza dos escravos

Logo no início do capítulo, Antonil trata da questão da natureza dos escravos. Um


ponto importante é que o jesuíta aborda as origens dos escravos, ressaltando a variedade de
regiões de onde estes escravos tem origem. Esta origem diversa está clara quando Antonil
expõe que “Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, de
Cabo Verde e alguns de Moçambique, que vem nas naus da Índia” (ANTONIL, 2011, p. 106).
Outra característica importante deste trecho é a importância social e econômica da
escravidão para a sociedade colonial, Antonil diz que “os escravos são as mãos e os pés do
senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar
fazenda, nem ter engenho corrente” (ANTONIL, 2011, p. 106). Assim, Antonil estabelece a
escravidão como uma entidade fundamental na sociedade colonial, chegando a relacionar
uma dependência da economia colonial em relação à escravidão.

O reconhecimento da escravidão como um fenômeno social e econômico não é uma


característica original da obra de Antonil, mas já vinha sendo discutida em amplos círculos
teológicos e intelectuais como Salamanca e Évora. Os debates não se resumiam à escravidão
dos africanos, mas também dos indígenas. Ao tratar sobre as relações entre os escravos e seu
senhor, Antonil está se envolvendo com as dinâmicas intelectuais de sua época. Domingos
Maurício expõe:

..As escolas teológicas desempenham papel de primeira ordem, nesta revolução


pacífica de mentalidade, definindo os títulos de escravidão, reconhecidos como
justos pelo direito das gentes, pela lei civil e eclesiástica, ou pelo direito
consuetudinário, revelando a inviolabilidade fundamental moral e religiosa do
escravo, marcando, quanto possível, os direitos e deveres mútuos, não só dos
indivíduos escravizados, mas dos senhores, apontando os caminhos de
recupe-ração civil do homem servo e ponderando o valor moral e religioso da sua
recondução à condição livre (MAURICIO, 1977. p. 164).

A escravidão apresentava diversas problemáticas no ramo jurídico e teológico, e


conforme a expansão territorial das potências ibéricas ocorria, os debates sobre a escravidão
ocorriam. A teologia moral foi o norte para o debate sobre a escravidão, principalmetne sobre
a justiça desta no corpo social das repúblicas cristãs. Deve-se compreender que Antonil está
envolvido em amplo movimento intectual de sua época, que através da teologia moral e do
conceito de Direito Natural, trataram de discutir e organizar a questão da escravidão como
fenômeno social e econômico.

Antonil não só aborda a importância social da escradião e a origem dos escravos, mas
também trata da natureza do intelecto do escravo. Ele expõe um contraste entre os rudes e os
ladinos. A questão da rudeza dos escravos faz parte da tradição neo-escolástica tomista que a
partir da interpretação dos escritos de Aristóteles tentaram discutir a escravidão, tratando e
especulando sobre a escravidão natural (TOSÍ, 2003).

Antonil também trata da questão do casamento:

Opõem-se alguns senhores aos casamentos dos escravos e escravas, e não


somente não fazem caso dos seus amancebamentos, mas quase claramente os
consentem, e lhes dão princípio, dizendo: Tu, fulano, a seu tempo, casarás com
fulana; e daí por diante os deixam conversar entre si como se já fossem recebidos
por marido e mulher; e dizem que os não casam porque temem que, enfadando-se
do casamento, se matem logo com peçonha ou com feitiços, não faltando entre
eles mestres insignes nesta arte. (ANTONIL, 2011, p. 107-8).

A questão do matrimônio constitui uma das problemáticas da naturezação prática da


escravidão. Ao expor que alguns senhores se opunham aos casamentos entre escravos,
Antonil deixa uma brecha para a fragilidade da relação entre escravos e senhores. O
casamento cristão era um fenômeno social que estava imbricado na organização social,
política e religiosa. Além do casamento, outros temas como a justiça dos títulos sobre a
escravidão, a legitimidade da posse sobre o escravo e o domínio sobre o território também
foram temas de debates acirrados no contexto intelectual ibérico. Calafate diz que nestes
debates “estavam os princípios éticos, jurídicos e políticos que deveriam orientar a
convivência e relação entre povos de coordenadas culturais e civilizações diferentes,
sobretudo, os europeus, americanos e africanos” (CALAFATE, 2014). A exposição de
Antonil revela um problema prático da questão da relação entre senhor e escravo que está
relacionado aos debates intelectuais sobre a escravidão.

Outro tema delicado presente na obra de Antonil é a questão da fé dos escravos,


Antonil segue assim:

Outros são tão pouco cuidadosos do que pertence à salvação dos seus escravos,
que os têm por muito tempo no canavial ou no engenho, sem batismo; e, dos
batizados, muitos não sabem quem é o seu Criador, o que hão de crer, que lei hão
de guardar, como se hão de encomendar a Deus, a que vão os cristãos à igreja,
por que adoram a hóstia consagrada, que vão a dizer ao padre, quando ajoelham
e lhe falam aos ouvidos, se têm alma, e se ela morre, e para onde vai, quando se
aparta do corpo (ANTONIL, 2011, p. 108).
A fé dos escravos constitui uma fragilidade da relação entre o senhor e os escravos.
Domingos aborda “a necessidade de proteger o mundo negro cristão, estendendo até ele a
legislação consuetudinária vigente na Cristandade, pela qual se proibia, fora do direito penal,
impor escravidão perpétua a cristãos, mesmo prisioneiros de guerra” (MAURIÍCIO, 1977, p.
163). Esta necessidade de proteção está relacionada com a expansão das potências cristãs e
do cristianismo como religião oficial e organizacional. Muitos problemas podem ser atestados
a partir deste trecho do relato de Antonil, como a questão da falta de instrução por parte da
igreja em relação aos escravos e a questão da possibilidade de um escravo ser um cristão
pleno. A escravidão entre cristãos apresentava um problema juríidico, assim, Antonil mostra
uma realidade em que um cristianismo livre e pleno é negligenciado pelos senhores em
relação aos escravos.

Antonil fala sobre algumas obrigações do senhor em relação ao escravo:

O que pertence ao sustento, vestido e moderação do trabalho, claro está,


que se lhes não deve negar, porque a quem o serve deve o senhor, de justiça, dar
suficiente alimento, mezinhas na doença e modo com que decentemente se cubra
e vista, como pede o estado de servo, e não aparecendo quase nu pelas ruas; e
deve também moderar o serviço de sorte que não seja superior às forças dos que
trabalham, se quer que possam aturar (ANTONIL, 2011, p. 108).

Antonil expõe obrigações recíprocas entre o senhor e o escravo. O escravo deve


obediência, mas o senhor justo, deve prover alimento, vestimenta e o trabalho de acordo com
a condição física do escravo. Esta característica mostra a prática de algumas questões de
Fernão Rebelo, que defendeu que os escravos tinham direitos (REBELO, 2015). O
reconhecimento da existência de direitos dos escravos pode estar relacionada com o
reconhecimento da humanidade dos escravos. Os escravos têm direitos porque são humanos,
por mais que sejam apresentados como humanos inferiores.

Conclusão

Após a exposição destes trechos, é importante salientar como Antonil faz uma
exposição da prática social da relação entre escravos e senhores. Antonmil faz uma ponte
entre os debates intelectuais e a realidade prática da escravidão. As questões das origens dos
escravos, da justiça da escravatura, da fé dos escravos, das obrigações do senhor e da
humanidade dos escravos constituem um ponto central nos debates, e Antonil acaba
ressaltando a importância prática deste debates.

A obra de Antonil não só é importante por representar os ideais de uma figura


importante do meio religioso e social do período colonial e por relacionar os debates com a
esfera prática, mas também por expor um arquétipo das relações entre o senhor e seus
escravos a partir de normas que regem estas relações. Assim, a obra de Antonil é muito
importante para a compreensão do fenômeno da escravidão e de seus impactos intelecrtuais,
sociais, políticos, culturias e econômicos.

Bibliografia:

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas / André João
Antonil ; introdução por Afonso d’ Escragnolle Taunay ; vocabulário por A.P. Canabrava. –
Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2011
ARISTÓTELES. A Política. 2a edição. Bauru/SP: Edipro, 2009.
CALAFATE, Pedro (Org.). A escola ibérica da paz nas universidades de Coimbra e Évora
(séculos XVI e XVII). Coimbra: Almedina, 2015.
MAURICIO, Domingos. A Universidade de Évora e a escravatura. Didaskalia, VII,
1977, p. 153-200.
REBELO, Fernão. Opus de Obligationibus Iustitiae, In: CALAFATE, Pedro. A Escola
Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora: (século XVI) - Escritos Sobre a
Justiça, o Poder e a Escravatura (Volume 2). Coimbra: Almedina, 2015.
TOSI, Giuseppe. Aristóteles e o Novo Mundo – a controvérsia sobre a conquista da América
(1510-1573). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.

Endereços eletrônicos:

André João Antonil (1649-1716)

Antonil

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