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Exercícios de coesão e coerência

Coesão e Coerência

Um dos problemas encontrados com mais frequência nos textos é a falta de coesão e de coerência. É comum
encontrarmos textos que iniciam com um tema e terminam com outro, mostrando falta de unidade, falta de
coerência. Além da falta de coerência, há falta de coesão, o que torna, muitas vezes, os períodos ininteligíveis.
Mas, o que é coerência e o que é coesão?
Comecemos pela organização textual. Todo texto é composto por uma macroestrutura e uma microestrutura.
A macroestrutura refere-se à coerência, ou seja, à manutenção da mesma referência temática em toda extensão.
Para que ela exista é necessário:
a) harmonia de sentido de modo a não ter nada ilógico, nada desconexo;
b) relação entre as partes do texto, criando uma unidade de sentido.
c) as partes devem estar inter-relacionadas;
d) expor uma informação nova e expandir o texto;
e) não apresentar contradições entre as idéias;
f) apresentar um ponto de vista, uma nova visão de mundo.

Mas, a coerência é uma característica textual que depende da interação do texto, do seu produtor e daquele que
procura compreendê-lo. Muito depende do receptor, de seu conhecimento de mundo, da situação de produção
do texto e do grau de domínio dos elementos lingüísticos constantes do texto. Veja no exemplo abaixo a falta
desse domínio, o que parece tornar o texto incoerente. Essa incoerência, proposital neste caso, torna o texto
uma piada.
- Eu gosto tanto de frango, mas tenho medo de gripe aviária.
- Ah, mas só dá na Ásia, responderam.
- Justo na parte de que eu mais gosto? (Folha de São Paulo, 18 de março de 2006, p. E13).

Há diversos níveis de coerência:


a) Coerência narrativa : respeito às partes da narrativa e à lógica existente entre essas partes.
b) Coerência argumentativa : respeito à estrutura argumentativa e ao raciocínio argumentativo.
c) Coerência figurativa : respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema. Por exemplo, dizer
que tocavam uma música clássica num baile funk.
d) Coerência temporal: respeito às leis da sucessividade dos eventos.
e) Coerência espacial: respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto da localização no espaço. Por
exemplo, seria incoerente dizer que 450 pessoas estavam na sala de estar do apartamento.
f) Coerência no nível de linguagem: respeito à compatibilidade entre personagens e receptor e seus respectivos
níveis de linguagem. Um personagem não escolarizado, dificilmente, produziria textos no padrão culto.
Portanto, a coerência deve ser entendida como um fator que se estabelece no processo de comunicação. A
coerência não existe antes do texto, mas constrói-se simultaneamente à construção do texto, estreitamente
relacionada com a intenção e conhecimentos dos interlocutores.

A microestrutura refere-se à coesão, ou seja, ligação das frases, concatenação entre as partes, traços
morfossintáticos que garantem o encadeamento lógico.
Para que o texto seja coeso, deve seguir pelo menos um dos mecanismos de coesão:
a) Retomada de termos, expressões ou frases já ditas.
b) Encadeamento de segmentos do texto, feito com conectores ou operadores discursivos, tais como então,
portanto, mas, já que, porque...
Veja o exemplo abaixo:
• As regras foram criadas para o bom funcionamento das tarefas, portanto, aqueles que não as obedecerem serão
punidos.
Ao encadear com conectores os segmentos do texto, devemos usá-los de acordo com a relação que queremos
dar a essa união. Por exemplo, se quisermos passar a idéia de oposição, deveremos usar as conjunções
adversativas mas, porém, contudo, todavia...
As conjunções, pronomes relativos, preposições, elementos conectores, podem ser encontrados em qualquer
gramática de língua portuguesa. Há uma delas nas referências bibliográficas abaixo.

- Exercícios

COESÃO TEXTUAL

Junte os pares de orações abaixo, de tal forma que entre elas se estabeleça a relação indicada. Faça as alterações
que forem necessárias.

Relação de concessão

a) Seu projeto foi recusado.


b) As explicações foram convincentes.

Relação de finalidade

a) Resolvemos ficar em casa.


b) Assim poderíamos descansar.

Relação de concessão

a) Houve vários imprevistos durante a viagem.


b) Tudo foi cuidadosamente planejado.

Relação de proporção

a) Ele crescia.
b) Ele ficava mais magro.

Relação de comparação

a) Ele era estudioso.


b) Todos os outros alunos da turma eram estudiosos.

Relação de tempo

a) Meus amigos vieram visitar-me.


b) Cheguei de viagem.

Complete o texto abaixo, com as palavras destacadas, de forma a torná-lo coeso e coerente:
A ansiedade costuma surgir___________________se enfrenta uma situação desconhecida. Ela é
benéfica_____________prepara a mente para desafios, _________ falar em público.
_________________,_____________________ provoca preocupação exagerada, tensão muscular, tremores,
insônia, suor demasiado, taquicardia, medo de falar com estranhos ou de ser criticado em situações sociais,
pode indicar uma ansiedade generalizada, ______________________ requer acompanhamento médico, ou até
transtornos mais graves,_______________________ fobia, pânico ou obsessão compulsiva.
__________________ apenas 20% das vítimas de ansiedade busquem ajuda
médica, o problema pode e deve ser tratado. _______________ se procure um clínico-geral num primeiro
momento, é importante a orientação de um psiquiatra, _____________________prescreverá a medicação
adequada. A terapia, em geral, é à base de antidepressivos. "Hoje existe uma geração mais moderna desses
remédios", explica o psiquiatra Márcio Bernik, de São Paulo, coordenador do Ambulatório de Ansiedade, da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "____________mais eficazes, não provocam ganho de
peso nem oscilação no desejo sexua1." Outra vantagem: não apresentam riscos ao paciente caso ele venha a
ingerir uma dosagem muito alta.

além de - quando - embora - mas - se - que - que - como - mesmo que - se - como

COESÃO E COERÊNCIA - EXERCÍCIOS

I. Reescreva os trechos fazendo a devida coesão. Utilize artigos, pronomes ou advérbios. Não se esqueça de que
a elipse (omissão de um termo) também é um mecanismo de coesão.
1. A gravata do uniforme de Pedro está velha e surrada. A minha gravata está novinha em folha.
2. Ontem fui conhecer o novo apartamento do Tiago. Tiago comprou o apartamento com o dinheiro recebido do
jornal.
3. Perto da estação havia um pequeno restaurante. No restaurante costumavam reunir-se os trabalhadores da
ferrovia.
4. No quintal, as crianças brincavam. O prédio vizinho estava em construção. Os carros passavam buzinando.
As brincadeiras, o barulho da construção e das buzinas tiravam-me a concentração no trabalho que eu estava
fazendo.
5. Os convidados chegaram atrasados. Os convidados tinham errado o caminho e custaram a encontrar alguém
que orientasse o caminho aos convidados.
6. Os candidatos foram convocados por edital. Os candidatos deverão apresentar-se, munidos de documentos,
até o dia 24.
II. Use os pronomes adequados:
1. Um encapuzado atravessou a praça e sumiu ao longe. Que vulto era _____ a vagar, altas horas da noite, pela
rua deserta?
2. Jorge teria dinheiro, muito dinheiro, carros de luxo e mulheres belíssimas. _____ eram as fantasias que
passavam pela mente de Jorge enquanto se dirigia para o primeiro treino na seleção.
3. Marcelo será promovido, mas terá de aposentar-se logo a seguir. Foi _____ que me revelou um amigo do
diretor.
4. Todos pensam que a CPI acabará em pizza, mas não queremos acreditar _____.
5. Luís e Paulo trabalham juntos num escritório de advocacia. _____ dedica-se a causas criminais, _____ a
questões tributárias.
6. Soube que você irá ocupar um alto cargo na empresa e que está de mudança para uma casa mais próxima do
seu local de trabalho. Se _____ me chateou, já que somos visinhos há tantos anos, _____ me deixou muito
contente.

III. Restaure a coesão nas sentenças:


1. Um homem caminhava pela rua deserta: esfarrapado, cabisbaixo, faminto, abandonado à própria sorte. _____
parecia não notar a chuva fina que caía e _____ encharcava os ossos.
2. Os grevistas paralisaram todas as atividades da fábrica. _____ durou uma semana.
3. Vimos o carro do ministro aproximar-se. Alguns minutos depois, _____ estacionava no pátio do Palácio do
Governo.
4. Imagina-se que existam outros planetas habilitados. _____ tem ocupado a mente dos cientistas desde que os
OVNIS começaram a ser avistados.
5. O presidente americano disse: Quem é favorável ao Eixo do Mal estará contra mim. _____ marcou uma etapa
nas relações internacionais.

coesão textual - referenciação I

Considere o texto abaixo para responder à questão a seguir:

A desigualdade persistente entre o que chamavam o primeiro e o terceiro mundo mantém com relativa
vigência alguns de seus postulados. Mas ainda que as decisões e benefícios dos intercâmbios se concentrem nas
burguesias das metrópoles, novos processos tornam mais complexa a assimetria: a descentralização das
empresas, a simultaneidade planetária da informação e a adequação de certos saberes e imagens internacionais
aos conhecimentos e hábitos de cada povo. A disseminação dos produtos simbólicos pela eletrônica e pela
telemática, o uso de satélites e computadores na difusão cultural também impedem de continuar vendo os
confrontos dos países periféricos como combates frontais com nações geograficamente definidas.

1 - No desenvolvimento do texto, a ideia de

(A) “desigualdade persistente” é retomada como “disseminação dos produtos simbólicos”.


(B) “simultaneidade planetária da informação” é retomada como “uso de satélites”.
(C) “postulados” é retomada como “novos processos”.
(D) “benefícios dos intercâmbios” é retomada como “descentralização das empresas”.
(E) “terceiro mundo” é retomada como “países periféricos”.

A questão a seguir toma por base o seguinte texto.

Tradicional defensor de instrumentos ortodoxos de política econômica, o Fundo Monetário


Internacional (FMI) admitiu o uso de controles de capital para combater a formação de bolhas financeiras e o
fluxo exagerado de investimentos estrangeiros que valorizam excessivamente as moedas nacionais em relação
ao dólar. Entre as opções, está a tributação do ingresso de recursos, caminho escolhido pelo Brasil, que elevou
de 4% para 6% a alíquota do imposto de operações financeiras (IOF) nas aplicações de renda fixa. Outra
possibilidade é a proibição de retirada do dinheiro por um tempo determinado, como fez o Chile. Por enquanto
a equipe econômica brasileira resiste em adotar este passo, pois, para o economista americano J. L., o reforço
no balanço orçamentário e as ações de caráter mais estrutural são, muitas vezes, as respostas mais adequadas
para o aumento de fl uxos. “Mas pode haver circunstâncias em que os controles cambiais sejam úteis, numa
medida temporária, para lidar com esse crescimento de capital”, afirma.

(Adaptado de Correio Braziliense, 19 de outubro de 2010)

2 - Na organização das relações de coesão e coerência no texto, a expressão

(A) “caminho escolhido pelo Brasil” retoma a ideia de “tributação do ingresso de recursos”.
(B) “fluxo exagerado de investimentos estrangeiros” retoma a ideia de “bolhas financeiras”.
(C) “ações de caráter mais estrutural” retoma a ideia de “bolhas financeiras”.
(D) “controles cambiais” retoma a ideia de “ações de caráter mais estrutural”.
(E) “esse crescimento de capital” retoma a ideia de “aplicações de renda fixa”.

Leia o texto para responder às próximas 3 questões.

Sobre os perigos da leitura

Nos tempos em que eu era professor da Unicamp, fui designado presidente da comissão encarregada
da seleção dos candidatos ao doutoramento, o que é um sofrimento. Dizer esse entra, esse não entra é uma
responsabilidade dolorida da qual não se sai sem sentimentos de culpa. Como, em 20 minutos de conversa,
decidir sobre a vida de uma pessoa amedrontada? Mas não havia alternativas. Essa era a regra. Os candidatos
amontoavam-se no corredor recordando o que haviam lido da imensa lista de livros cuja leitura era exigida. Aí
tive uma ideia que julguei brilhante. Combinei com os meus colegas que faríamos a todos os candidatos uma
única pergunta, a mesma pergunta. Assim, quando o candidato entrava trêmulo e se esforçando por parecer
confiante, eu lhe fazia a pergunta, a mais deliciosa de todas: “Fale-nos sobre aquilo que você gostaria de falar!”.
[...]
A reação dos candidatos, no entanto, não foi a esperada. Aconteceu o oposto: pânico. Foi como se esse
campo, aquilo sobre o que eles gostariam de falar, lhes fosse totalmente desconhecido, um vazio imenso.
Papaguear os pensamentos dos outros, tudo bem. Para isso, eles haviam sido treinados durante toda a sua
carreira escolar, a partir da infância. Mas falar sobre os próprios pensamentos – ah, isso não lhes tinha sido
ensinado!
Na verdade, nunca lhes havia passado pela cabeça que alguém pudesse se interessar por aquilo que
estavam pensando. Nunca lhes havia passado pela cabeça que os seus pensamentos pudessem ser importantes.

(Rubem Alves, www.cuidardoser.com.br. Adaptado)

3 - A palavra “a”, em – ...no entanto, não foi a esperada. (3.º parágrafo), refere-se a

(A) candidatos.
(B) pergunta.
(C) reação.
(D) falar.
(E) gostaria.

4 - A expressão “um vazio imenso” (3.º parágrafo) refere-se a

(A) candidatos.
(B) pânico.
(C) eles.
(D) reação.
(E) esse campo.

5 - As palavras que, no 3.º parágrafo, retomam o termo “os candidatos”, são:

(A) eles, outros, próprios.


(B) eles, isso, próprios.
(C) aquilo, eles, seus.
(D) eles, lhes, sua.
(E) aquilo, isso, próprios.
Leia o texto para responder à questão a seguir:

Zelosa com sua imagem, a empresa multinacional Gillette retirou a bola da mão, em uma das suas
publicidades, do atacante francês Thierry Henry, garoto-propaganda da marca com quem tem um contrato de
8,4 milhões de dólares anuais. A jogada previne os efeitos desastrosos para vendas de seus produtos, depois que
o jogador trapaceou, tocando e controlando a bola com a mão, para ajudar no gol que classificou a França para
a Copa do Mundo de 2010. (...)
Na França, onde 8 em cada dez franceses reprovam o gesto irregular, Thierry aparece com a mão no
bolso. Os publicitários franceses acham que o gato subiu no telhado. A Gillette prepara o rompimento do
contrato. O serviço de comunicação da gigante Procter & Gamble, proprietária da Gillette, diz que não.
Em todo caso, a empresa gostaria que o jogo fosse refeito, que a trapaça não tivesse acontecido. Na
impossibilidade, refez o que está ao seu alcance, sua publicidade.
Segundo lista da revista Forbes, Thierry Henry é o terceiro jogador de futebol que mais lucra com a
publicidade – seus contratos somam 28 milhões de dólares anuais. (...)

(Veja, 02.11.2009. Adaptado)

6 - Assinale a alternativa em que todas as palavras ou expressões recuperam, por coesão textual, o fato de
Thierry ter controlado a bola com a mão.

(A) jogada, gesto irregular.


(B) jogada, impossibilidade.
(C) impossibilidade, trapaça.
(D) gesto irregular, trapaça.
(E) gesto irregular, mão no bolso.

Leia o texto para responder à questão a seguir.

Quanto veneno tem nossa comida?

Desde que os pesticidas sintéticos começaram a ser produzidos em larga escala, na década de 1940, há
dúvidas sobre o perigo para a saúde humana. No campo, em contato direto com agrotóxicos, alguns
trabalhadores rurais apresentaram intoxicações sérias. Para avaliar o risco de gente que apenas consome os
alimentos, cientistas costumam fazer testes com ratos e cães, alimentados com doses altas desses venenos. A
partir do resultado desses testes e da análise de alimentos in natura (para determinar o grau de resíduos do
pesticida na comida), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece os valores máximos de
uso dos agrotóxicos para cada cultura. Esses valores têm sido desrespeitados, segundo as amostras da Anvisa.
Alguns alimentos têm excesso de resíduos, outros têm resíduos de agrotóxicos que nem deveriam estar lá. Esses
excessos, isoladamente, não são tão prejudiciais, porque em geral não ultrapassam os limites que o corpo
humano aguenta. O maior problema é que eles se somam – ninguém come apenas um tipo de alimento.

(Francine Lima, Revista Época, 09.08.2010)

7 - Para avaliar o risco de gente que apenas consome os alimentos, cientistas costumam fazer testes com ratos e
cães, alimentados com doses altas desses venenos. A expressão em destaque refere-se aos

(A) alimentos consumidos pelos trabalhadores.


(B) ratos usados para testes.
(C) cães que ingerem alimentos com agrotóxicos.
(D) pesticidas sintéticos e agrotóxicos.
(E) alimentos in natura.

Leia o texto a seguir para responder à próxima questão.

CIDADE MARAVILHOSA?

Os camelôs são pais de famílias bem pobres, e, então, merecem nossa simpatia e nosso carinho; logo
eles se multiplicam por 1000. Aqui em frente à minha casa, na Praça General Osório, existe há muito tempo a
feira hippie. Artistas e artesãos expõem ali aos domingos e vendem suas coisas. Uma feira um tanto organizada
demais: sempre os mesmos artistas mostrando coisas quase sempre sem interesse. Sempre achei que deveria
haver um canto em que qualquer artista pudesse vender um quadro; qualquer artista ou mesmo qualquer pessoa,
sem alvarás nem licenças. Enfim, o fato é que a feira funcionava, muita gente comprava coisas – tudo bem. Pois
de repente, de um lado e outro, na Rua Visconde de Pirajá, apareceram barracas atravancando as calçadas,
vendendo de tudo - roupas, louças, frutas, miudezas, brinquedos, objetos usados, ampolas de óleo de bronzear,
passarinhos, pipocas, aspirinas, sorvetes, canivetes. E as praias foram invadidas por 1000 vendedores. Na rua e
na areia, uma orgia de cães. Nunca vi tantos cães no Rio, e presumo que muita gente anda com eles para se
defender de assaltantes. O resultado é uma sujeira múltipla, que exige cuidado do pedestre para não pisar
naquelas coisas. E aquelas coisas secam, viram poeira, unem-se a cascas de frutas podres e dejetos de toda
ordem, e restos de peixes da feira das terças, e folhas, e cusparadas, e jornais velhos; uma poeira dos três reinos
da natureza e de todas as servidões humanas.
Ah, se venta um pouco o noroeste, logo ela vai-se elevar, essa poeira, girando no ar, entrar em nosso
pulmão numa lufada de ar quente. Antigamente a gente fugia para a praia, para o mar. Agora há gente demais, a
praia está excessivamente cheia. Está bem, está bem, o mar, o mar é do povo, como a praça é do condor – mas
podia haver menos cães e bolas e pranchas e barcos e camelôs e ratos de praia e assaltantes que trabalham até
dentro d’água, com um canivete na barriga alheia, e sujeitos que carregam caixas de isopor e anunciam sorvetes
e quando o inocente cidadão pede picolé de manga, eis que ele abre a caixa e de lá puxa a arma. Cada dia
inventam um golpe novo: a juventude é muito criativa, e os assaltantes são quase sempre muito jovens.

Rubem Braga

8 - Assinale a alternativa em que o antecedente do termo sublinhado NÃO está localizado no mesmo segmento
destacado do texto:

(A) “...eis que ele abre a caixa e de lá puxa a arma”;


(B) “Artistas e artesãos expõem ali aos domingos, e vendem suas coisas”;
(C) “O resultado é uma sujeira múltipla, que exige cuidado do pedestre...”;
(D) “Enfim, o fato é que a feira funcionava, muita gente comprava coisas...”;
(E) “Nunca vi tantos cães no Rio, e presumo que muita gente anda com eles...”.

Leia o texto a seguir para responder à próxima questão.

Convivas de boa memória

Há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia
arrenegar de conviva que tem boa memória. A vida é cheia de tais convivas, e eu sou acaso um deles,
conquanto a prova de ter a memória fraca seja exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo; mas era
um antigo, e basta.
Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por
hospedarias, sem guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstâncias. A quem passe a vida na
mesma casa de família, com os seus eternos móveis e costumes, pessoas e afeições, é que se lhe grava tudo pela
continuidade e repetição. Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu
não atino com a das que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo
pode ser olvido e confusão.
E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode
meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em
chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as coisas que não achei nele. Quantas ideias finas me acodem
então! Que de reflexões profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me
aparecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham
ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista.
É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes
também preencher as minhas.

(Assis, de Machado. Dom Casmurro – Editora Scipione – 1994 – pág. 65)

9 - “... mas isso mesmo pode ser olvido e confusão.” A palavra sublinhada nessa frase se refere:

(A) À precária memória do narrador.


(B) Às pessoas que viveram em hospedarias.
(C) À vida dos convivas.
(D) Às pessoas que passam a vida na mesma casa de família.
(E) Ao narrador não se lembrar da cor das calças.

Leia o texto a seguir e responda à próxima questão.

Os dicionários de meu pai

Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu
nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase
escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que
papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então
me disse, no seu falar meio grunhido. Era como se ele,cansado, me passasse um bastão que de alguma forma eu
deveria levar adiante. E por um tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções,
sem falar das horas em que eu o folheava à toa; o amor aos dicionários, para o sérvio Milorad Pavic, autor de
romances-enciclopédias, é um traço infantil de caráter de um homem adulto.
Palavra puxa palavra, e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo. O
resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. Encostei-o na
estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da sala Cecília Meireles, o mesmo dicionário em
encadernação de percalina. Por dentro estava em boas condições, apesar de algumas manchas amareladas, e de
trazer na folha de rosto a palavra anauê, escrita a caneta-tinteiro.
Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E
ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico
de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias
país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares, e ainda arrematei o último à venda a
Amazom.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento,
exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo
senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um quiçá carcomido pelas traças (brocas,
carunchos, gusanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros).
A horas mortas eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e
o abria a bel-prazer. Então anotava num Moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário
com que embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais.
Hoje sou surpreendido pelo anúncio desta nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira
dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus baús, espalhassem ao
vento meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável,
dilacerante, miseranda) notícia.

(Francisco Buarque de Hollanda, Revista Piauí, junho de 2010)

10 - Em “Isso pode te servir” (meio do primeiro parágrafo), o pronome demonstrativo tem como referente:

(A) o dicionário analógico


(B) o dicionário Caldas Aulete
(C) os livros de consulta
(D) a estante giratória
(E) os cinco grandes volumes
1-E
2-A
3-C
4-E
5-D
6-D
7-D
8-D
9-E
10 - A

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