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No início, devemos aprender como entrar em samadhi em uma sala quieta com poucas
distrações. A luz deve ser reduzida mas a sala não deve estar escura, pois a escuridão
pode induzir ao sono. É bom ter um altar ao Buda em sua sala de meditação e é bom
curvar-se diante do Buda e acender incenso antes de começar a meditar. Junte seus
pensamentos enquanto acende o incenso e focalize sua atenção sobre o Buda. Seu
assento não deve estar no vento ou no sol, e sua sala de meditação não deve ser úmida.
O objetivo da meditação é elevar sua consciência e não o de fazê-lo ficar doente.
Roupas folgadas e confortáveis devem ser vestidas para a meditação, e o estômago não
deve estar cheio de comida. Depois de comer, é melhor esperar pelo menos uma hora
depois antes de começar a meditar. Aprendendo como controlar e pacificar estas três
áreas de nosso ser, aprendemos como perceber a beleza maravilhosa do Buda que já está
dentro de nós.
A grandeza do samadhi
é como a grandeza de um rei
porque o samadhi controla tudo.
— do Shastra Mahaprajnaparamita
Controle do corpo
2. Posição das mãos. Uma vez que uma posição sentada seja adotada, as mãos devem
descansar confortavelmente no colo, com as costas de uma mão descansando sobre a
palma da outra. As pontas dos polegares devem tocar levemente uma à outra. Esta
posição é muito boa para a circulação de energias dentro do sistema é chamada mudra
do dharmadhatu.
3. Posição das costas. Já que a espinha é o principal centro nervoso do corpo, onde as
energias das extremidades se juntam, é importante que a espinha esteja ereta enquanto
se medita. As pessoas que têm costas fracas ou que não estão acostumadas a se sentar
sem qualquer suporte podem precisar de algum tempo para se acostumarem a se sentar
deste modo. A maioria das pessoas é capaz de se sentar corretamente sem muita prática.
A espinha deve estar ereta na meditação, mas não deve estar rígida, dura ou ereta de
forma desnatural. Acima de tudo, devemos nos sentir relaxados e confortáveis em nossa
posição de meditação. Antes de tudo, devemos desfrutar o ato físico de se sentar para
meditar.
Estes sete pontos são básicos para nossa postura física enquanto estivermos meditando.
Abaixo mencionarei mais oito pontos que também são importantes para atingir uma
posição de meditação confortável e efetiva.
1. Paz. Nosso assento e nossa sala em que meditamos devem estar arrumados de um
modo que seja condutivo a sentimentos de paz e conforto.
2. Não estar constringido. Roupas apertadas, cintos, relógios, óculos, jóias ou qualquer
outra peça que constrinja a circulação devem ser soltos ou removidos antes de meditar.
Se esta posição não for confortável, um banquinho baixo designado para meditação
pode ser usado, assim como a ponta de uma cadeira ou a ponta de uma cama dura. A
postura é importante na meditação. Porém, como os corpos e os hábitos das pessoas
variam muito, é impossível estabelecer apenas uma ou duas regras para sentar.
Novamente, o conforto e uma espinha ereta que não toque qualquer coisa são básicos
para todas as boas posições de meditação.
5. Purificar a respiração. Repita a seguinte ação três vezes: inale através do nariz e
exale através da boca. Enquanto exalar, imagine que está exalando as toxinas e máculas
do seu sistema. Tanto as suas inalações quanto as exalações devem ser lentas e atentas.
Se não se sentir relaxado depois de fazer este exercício, repita-o.
6. Vire seu corpo algumas vezes em ambas as direções e então se sente quietamente,
sem se mover mais. Se a sua posição não parecer correta, vire-se novamente e se sente
quietamente de novo. É muito importante se sentar enquanto estiver meditando.
Movimentos ocasionais podem ser tolerados, mas todo meditador deve se esforçar para
atingir longos períodos de tempo durante os quais não haja qualquer movimento do
corpo.
7. A face. Assim como todas as outras partes do corpo, a face deve estar relaxada. Um
sorriso bem leve, se isto for natural, é uma boa expressão facial para meditar. A própria
face não deve ser rígida ou severa.
As três coisas mais básicas a se lembrar sobre sua posição de meditação são o conforto,
a imobilidade e uma espinha ereta que não esteja apoiada em qualquer coisa. A
meditação deve ser agradável e assim devemos nos fazer o tão confortáveis quanto
possível. A imobilidade durante a meditação ajuda-nos a arrear e elevar todas as
energias presentes em nosso sistema. Uma espinha ereta, que não esteja apoiada em
qualquer coisa. cria o canal para essas energias subirem em direção aos centros
superiores.
Controle da respiração
O objetivo básico do controle da respiração é o de transformar a respiração áspera ou
pesada em em uma respiração mais lenta e refinada. Uma vez que o corpo esteja imóvel
e que a respiração esteja controlada, a mente naturalmente se tornará mais calma.
Quando falamos de "controlar" a respiração, é importante lembrar que nós a
controlamos observando-a. Se tentar forçar sua respiração a se tornar calma, você
apenas causará problemas. A simples observação da respiração é o melhor modo de
fazê-la ficar lenta e calma. As fontes chinesas geralmente reconhecem quatro tipos de
respiração.
A importância da respiração pode ser vista na seguinte passagem dos Seis Ensinamentos
Maravilhosos, um livro muito influente que registra um discurso dado pelo grande
monge Chih-i (538-597) no templo Wa-kuan na presente província de Jiangsu. A data
precisa deste discurso não é conhecida.
A "porta maravilhosa do seguir" abre o caminho para os dezesseis dharmas excepcionais. O primeiro
destes dharmas é observar a inalação da respiração. O segundo é observar a exalação da respiração. O
terceiro é observar a duração da respiração. A quarta é observar a respiração preencher o corpo inteiro. O
quinto é eliminar todos os movimentos corporais. O sexto é absorver a felicidade na mente. O sétimo é
absorver a alegria na mente. O oitavo é absorver todas as atividades mentais na mente. O nono é criar
felicidade na mente. O décimo é unir todas as atividades da mente. O décimo primeiro é descobrir a
liberação na mente. O décimo segundo é contemplar a impermanência. O décimo terceiro é contemplar a
dispersão de todas as coisas. O décimo quarto é contemplar o estado sem desejos. O décimo quinto é
contemplar a extinção. O décimo sexto é contemplar o não-apego perfeito.
Controle da mente
Enquanto observar os estágios acima, é sempre uma boa idéia perguntar a si mesmo
onde a sua mente está. A mente de Buda está além da localidade e, já que as
profundezas de sua mente são a mente de Buda, sua mente também está
fundamentalmente além da localidade.
Nosso apego ao pensamento delusivo é o que nos mantém no samsara. O mesmo apego
é o que nos impede de atingir um profundo samadhi na meditação. A delusão mais
fundamental da mente é sua necessidade teimosa de se agarrar as coisas — às idéias,
conceitos, desejos, formas, emoções, pessoas etc. A mente é como uma grande mão que
sempre quer agarrar tudo que se aproxima. Os budistas chineses usam esta necessidade
da mente de se apegar a algo como uma ferramenta para libertar a mente.
A Explicação Graduada da Perfeição da Meditação nos ensina cinco métodos para usar
esta mesma tendência de agarrar as coisas como um meio de nos libertarmos desta
tendência. O objetivo deste métodos é emboscar o agarramento habitual da mente em
algo que o libertará da delusão.
1. Apegue a mente ao topo da cabeça. A palavra chinesa para apego como está sendo
usada aqui é hsi, que significa "atar", "apegar" ou "ligar". Esta mesma palavra também é
usada em chinês para denotar estar atado ao samsara ou ao nosso karma. Como usado
nestas cinco práticas, hsi pode ser traduzida como "concentrar" em português, mas uma
distinção importante seria perdida. Usamos exatamente a mesma natureza apegada da
mente para fazer estes exercícios, assim como a usamos para formar desejos ou medos
de outros apegos que nos atam a este mundo.
5. Apegue a mente à terra. Quando focalizamos a mente sobre a área abaixo de nossas
almofadas de meditação, trazemos grande estabilidade à nossa meditação.
Deste cinco métodos, apegar a mente às narinas internas, ao umbigo e à terra são os
mais estabilizadores e geralmente os mais efetivos. Um princípio geral que deve nascer
na mente, quando quer que estivermos meditando, é que se o corpo se tornar
extremamente leve e começar a se sentir como se estivesse flutuando para cima,
devemos baixar nosso centro de atenção. Se o corpo começar a se sentir muito pesado,
como se estivesse afundando, devemos subir nosso centro de atenção.
Desembaraçar a si mesmo
do desejo e dos caminhos maus
requer tanto visão quanto sabedoria.
Desembaraçar a si mesmo do mundo
e descobrir a alegria interior
é o começo da meditação.
— do Grande Tratado sobre a Perfeição da Sabedoria
Terminando a meditação
Quando entramos em meditação, nos movemos do que é áspero e forçado para o que é
refinado e gentil. Quando terminamos a meditação, nos movemos na direção oposta —
o mundo calmo e gentil da mente interior luminosa deve abrir caminho lentamente para
os requerimentos do movimento físico, da fala e dos pensamentos que nos carregam
durante o dia.
1. Mude seu foco para novas condições. Quando decidir que é a hora de terminar sua
meditação, você deve mudar sua atenção do interior para o exterior. Conforme sua
mente começar a refocalizar sobre as sensações externas, você deve se concentrar sobre
o processo de sair da meditação.
2. Abra sua boca e exale algumas vezes. Quando fizer isto, imagine que os últimos
venenos em seu corpo estão sendo expelidos. Sinta como todo o seu corpo participa no
ato de respirar.
3. Mova seu corpo superior. Primeiro, gentilmente mova algumas vezes o seu corpo
superior para trás e para frente, enquanto ainda estiver sentado; então, lentamente gire e
mova as outras partes do seu corpo, sem forçar. Massageie gentilmente os seus ombros,
braços, mãos, pescoço e cabeça.
4. Mova suas pernas. Depois de ter feito isso, comece gentilmente a se mover e a
esticar suas pernas. Elas devem começar gradualmente a se sentir flexíveis e seguras. Se
você movê-las subitamente, elas podem começar a se sentir duras e desconfortáveis.
5. Massageie sua pele. Gentilmente massageie sua pele até que sinta um formigamento
agradável.
6. Massageie seus olhos. Uma vez que o seu corpo e as suas mãos tenham começado a
se sentir re-estimulados, massageie gentilmente os seus olhos até que você sinta a
circulação normal retornar a eles. Quando seus olhos se sentirem confortáveis e prontos,
abra-os.
7. Expila o calor. A meditação muitas vezes faz a temperatura do corpo aumentar —
algumas pessoas até mesmo suam quando estão meditando. Ao se levantar da
meditação, é importante expelir este calor ou permitir que ele se estabilize. O corpo
pode estar bem sensível depois da meditação. Sensações incomuns devem ser
respeitadas e se deve permitir que o seu sistema retorne naturalmente à sua homeostácia
costumeira.
Ao nos levantarmos da meditação, às vezes é útil refletir sobre porque meditamos. A
meditação é uma técnica para acalmar nossos pensamentos deludidos, de modo que a
verdadeira sabedoria possa pelo menos nascer. Conforme gradualmente vemos através
das delusões de nossa mente, nosso entendimento da iluminação aumenta lentamente.
Conforme nosso entendimento aumenta, nosso desejo pela iluminação também cresce.
Este desejo não é um desejo samsárico por poder ou habilidades psíquicas. É um desejo
de melhorar nossa sabedoria e compaixão. É um desejo de ser de maior benefício para
os outros seres sencientes. É um desejo de se tornar benevolente como um buda.
A sabedoria que cresce em nós através de nossa prática de meditação deve ser aplicada
às nossas vidas no mundo real. A meditação que não é uma fonte de sabedoria prática e
socialmente benéfica é provavelmente uma meditação mal direcionada. Hui-neng, o
sexto patriarca do budismo Zen, disse:
O que é meditação sentada? Nos removermos de todas as distrações externas e aquietar a mente é
chamado "sentar". Observar a natureza interior em calma perfeita é chamado "meditação".
Hui-neng também disse: Remover-se de toda forma externa é chamado "meditação" (dhyana). Estar
perfeitamente interiorizado e tranqüilo é chamado "concentração" (samadhi).
A meditação não o carregará para um outro mundo, mas revelará as dimensões mais
profundas e maravilhosas do mundo no qual você já vive. Contemplar calmamente estas
dimensões e trazê-las no serviço da compaixão e da bondade é o caminho correto para
fazer ganhos rápidos na meditação, assim como na vida.
Na meditação deixamos
os fogos da mácula
pelo frescor do samadhi claro.
E isto é como a alegria
de cair na água fresca e clara
depois de se queimar no calor do sol.
— do Grande Tratado sobre a Perfeição da Sabedoria
(Hsing Yün Ta-shi. Only a great rain: a guide to Chinese Buddhist meditation.
Traduzido por Tom Graham, introdução de John McRae. Somerville: Wisdom, 1999. Pág. 34-39.)