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Joana Duarte*
adotados.
Em jeito de conclusão, apresentarei uma refle- dagógico de diferenciação do trabalho.
xão final onde procurarei identificar e refletir so- Um ambiente de aprendizagem com estas
bre as aprendizagens realizadas pelos alunos, ten- características implica uma grande confiança nas
tando responder à questão que impulsionou a con- possibilidades de cada criança e nas suas poten-
cretização deste meu trabalho: Qual o contributo cialidades para fazer avançar o grupo. Neste
dos projetos na aprendizagem da escrita e da leitura? contexto, a aprendizagem da escrita e da leitura
estão facilitadas pelo forte incremento atribuído
e pelo estímulo que as situações autênticas de
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Como nos diz Dewey (1968) “um autêntico Como surgiram os projetos na turma?
projeto encontra sempre o seu ponto de partida
no impulso do aluno” (p. 15), mas acrescenta, O tempo de estudo autónomo “apareceu” à
“nem o impulso nem o desejo realizam um pro- turma desde a primeira semana de trabalho, em
jeto. Um projeto supõe a visão de um fim, setembro, e uma das atividades do plano indivi-
supõe uma previsão das consequências que re- dual de trabalho consistia em ler livros na biblio-
teca de turma. Esta foi uma atividade muito pro-
sultam de uma ação, previsão esta que é por na-
curada por todos os alunos: podiam levantar-se
tureza um jogo de inteligência” (idem). O desen-
da cadeira e sentar-se confortavelmente numa
volvimento de projetos encontra o seu espaço
enorme almofada no fundo da sala. Na verdade,
natural na turma, que, como diz Peças (1999,
para alguns dos meninos, que tinham acabado
p. 59), é “uma estrutura sociocêntrica de reinsti-
de chegar ao 1.º ano, aquele momento era visto
tuição de significados culturais e de aprendiza-
como uma possibilidade de largarem o lápis,
gem democrática”. Significa fazer aceder as
o caderno e a escrita… e relaxar!
crianças aos instrumentos que a cultura desen-
Com o passar das primeiras semanas de tra-
volveu, quer se trate do conhecimento já produ-
balho, e decorrente da avaliação semanal dos
zido, quer se trate da linguagem escrita. É aqui,
planos individuais de trabalho, comecei a dis-
no meu entender, que reside o verdadeiro sen-
cutir com os alunos a importância de realizarem
tido de realização de projetos, tornar as crianças
diferentes atividades durante o tempo de es-
produtoras de objetos culturais autênticos,
tudo autónomo. No fundo, comecei a construir
construtoras do seu próprio conhecimento e
com a turma os primeiros critérios de avaliação
não meros consumidores de saberes alheios.
do trabalho autónomo.
O trabalho por projetos é também uma es- Nessa semana um dos alunos persistiu em
tratégia de diferenciação dos conteúdos e das passar todos os momentos de estudo autónomo
aprendizagens, pois enfatiza os ritmos de traba- na biblioteca de turma. Comecei a reparar que
lho dos alunos, os modos como vão ultrapas- ele procurava sempre o mesmo livro, um livro
sando as suas dificuldades e os modos como se sobre crocodilos. Depois de lhe chamar à aten-
vão apropriando dos processos e dos conteúdos ção, e de me disponibilizar a ouvi-lo, percebi
do trabalho em cooperação. O desenvolvi- que tinha imensas questões sobre os crocodilos
mento de um projeto implica o respeito por e há dias que tentava ler sozinho o maior nú-
uma série de etapas desde a identificação do
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Figura 1 Figura 2
teza que esta tarefa seria bem sucedida e que sabão serve para nos lavarmos… Eu fui escre-
não teria alunos desocupados ou a brincar, por- vendo, a seu tempo, tudo o que me diziam.
que todos os alunos eram capazes de escrever o No entanto, houve um grupo que preferiu
seu nome e o tema já constava nos desenhos escrever o que já sabia sobre as casas. Um dos
que tinham feito anteriormente. elementos do grupo apresentava desde o início
Eu fui regulando o trabalho dos sete grupos, do ano uma significativa facilidade em escrever
e quando no final da sessão fizemos o balanço, e ler e depressa apresentou o seu pensamento
todos os grupos tinham conseguido realizar a “por escrito”:
tarefa pedida com sucesso e eu valorizei as – As casas são feitas de tijolo;
competências de escrita e de leitura que come- – As casas são feitas de cimento;
çavam a desenvolver, o que os deixou mais se- – Nas casas há televisões;
guros e confiantes. – Nas casas há brinquedos.
Ironicamente, por baixo destas quatro fra-
Desenhar/Escrever o que pensamos ses, que refletiam as ideias que os dois alunos ti-
saber sobre o tema nham sobre as casas, estava um desenho de
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texto”, lhe atribuissem o número da questão a Assim sendo, a cada folha de reescrita deve atri-
que essa informação respondia, facilitando o buir-se apenas uma questão, colando na mesma
processo de tratamento da informação. apenas os “pedaços de texto” que contêm a res-
Mencionei anteriormente a importância de petiva resposta (também eles anteriormente nu-
ajudar os alunos a formularem boas perguntas, merados).
por orientarem o trabalho de pesquisa dos mes- Todo este processo, que parece bastante in-
mos, mas também por apresentarem palavras- tuitivo e simples, tornou-se estruturante para os
chave, que facilitam a leitura e interpretação alunos e também para mim, porque rapida-
que os alunos fazem das informações seleciona- mente conseguia ajudar a fazer correspondência
das. Efetivamente, vi imensos alunos a fazer imediata entre o que os alunos liam e a respe-
associações entre as palavras das questões do tiva reescrita da informação.
plano e a nova informação que tentavam ler. Nestes momentos de trabalho os meus
Por exemplo: apoios aos grupos eram planeados com muita
– Questão: “O que comem os crocodilos?” atenção: antes de começarmos a sessão fazía-
– Nova informação: “Quando são bebés os mos sempre um ponto de situação, eu via quem
crocodilos comem…” estava com mais dificuldade em avançar e co-
– Questão: “Onde vivem os golfinhos?” meçava por apoiar esses grupos de alunos. Os
– Nova informação: “Estes animais preferem restantes tinham de trabalhar sem mim…
viver nas águas…” Aos poucos, os alunos foram sendo capazes
Nos momentos em que apoiava os diferen- de escrever algumas frases sozinhos, que eram
tes grupos ajudava os alunos a repararem nestas revistas comigo quando me sentava com o
“parecenças” entre as palavras, o que lhes possi- grupo. Quando apoiava os alunos começava
bilitou avançar melhor no trabalho, autonoma- sempre por reler o que já tinham escrito sozi-
mente. nhos, verificava se percebiam todas as palavras
e lia essa mesma escrita em voz alta, para juntos
Reescrever a informação lida analisarmos se o que tinham escrito “fazia sen-
tido”.
Nesta fase do trabalho os diferentes grupos Noutros casos, quando as informações se re-
começaram a avançar a ritmos diferentes: uns velavam verdadeiramente difíceis para os alu-
precisaram de mais tempo para ler e selecionar nos, lia-as eu. Via com eles a informação essen-
a informação e outros progrediram para a rees- cial, o que era imprescindível para responder à
crita da mesma. questão colocada, e a informação acessória, que
Na planificação dos apoios, privilegiei os muitas vezes tinha pormenores que nada acres-
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alunos que estavam com menos facilidade em centavam ao que os alunos pretendiam saber.
avançar e, por isso, dei aos restantes uma tarefa Depois de ler perguntava-lhes o que tinham
que seriam capazes de cumprir sem o meu percebido, os alunos diziam uma nova frase e
apoio. Apresentei-lhes as folhas da reescrita da tentavam escrevê-la. Este processo levava
informação e o seu trabalho foi preencher as tempo: depois de dizerem a nova frase viam
mesmas com os nomes dos elementos do quais as palavras que tinham na informação se-
grupo, o tema do projeto e uma das perguntas lecionada e iam escrevendo as restantes “pela
colocadas (uma vez que para cada pergunta cabeça”.
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pronta para ser apresentada e comunicada. Era No final de cada comunicação os restantes cole-
a sua obra, era o seu trabalho com sentido. gas eram convidados a comentar o trabalho e a
Restava ainda preparar a comunicação no in- dar esclarecimentos sobre os conteúdos apre-
terior de cada grupo – quem fazia o quê. Deci- sentados, pelo que no decorrer da comunicação
diam quem respondia a cada pergunta, quem deveriam tirar notas (ver figs. 10 e 11).
apresentava as ilustrações e, não menos impor- A partir de cada comunicação, todos os alu-
tante, quem “apresentava a apresentação”. nos aprenderam novas informações acerca de
Num desses momentos de trabalho, uma todos os temas trabalhados. No balanço final
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Estou certa que os alunos se empenharam vos do professor, que desta forma procura pro-
em todo o processo do trabalho nos projetos mover a sua autonomia e o sentido de pertença
por várias razões: estudaram um tema do seu num grupo. Será este também um dos contribu-
interesse, trabalharam com os colegas com tos dos projetos? Creio que sim.
quem simpatizavam, puderam livremente con-
sultar livros com imagens apelativas, escolhe-
ram as cores dos materiais… Mas creio, tam-
bém, que os alunos se empenharam ainda mais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
no momento em que perceberam que seriam
responsáveis por “ensinar” os outros colegas e Bruner, J. (1996). Cultura da Educação. Lisboa:
por comunicarem o que tinham querido apren- Edições 70.
der. O desenvolvimento das competências de Peças, A. (1999). Uma cultura para o trabalho de
escrita e leitura revelou-se de forma significa- projeto. Escola Moderna, 6, 5.ª série, 56-61.
tiva em todos os alunos, porque a sua aprendi- Dewey, J. (1968). O sentido do projeto. In E.
zagem não foi vista como uma imposição do Leite, M. Malpique & M. Ribeiro dos Santos
professor, nem à volta de exercícios rotineiros, (1990) (orgs.). Trabalho de Projeto. Leituras Co-
mas passou a fazer parte também do conjunto mentadas (pp. 12-18). Porto: Edições Afronta-
de ações que se tinham predisposto realizar mento.
com o seu projeto. Grave-Resendes, L. & Soares, J. (2002). Diferen-
Todos estes processos só se tornam possí- ciação Pedagógica. Lisboa: Universidade
veis e autênticos num ambiente de aprendiza- Aberta.
gem de respeito mútuo, onde os alunos se sin- Santana, I. (2009). Iniciação e desenvolvimento
tam seguros, capazes de arriscar, sem medos ou da escrita – dois percursos. Escola Moderna,
bloqueios, ajudados pelos estímulos e incenti- 33, 5.ª série, 25-40.
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