Você está na página 1de 11

REVISTA N.

º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 26

Escrever e ler no trabalho


em projetos: o percurso de
uma turma de 1.º ano

Joana Duarte*

E ste artigo resulta de uma comunicação que


organizei no seio do grupo cooperativo a
que pertenço, no qual assumi o compromisso
escola e é também o grande desafio que se co-
loca a um professor quando sobre ele recaem as
expetativas das crianças, das famílias, as suas
de partilhar o meu trabalho pedagógico com os próprias e as da organização em que inscreve.
outros pares, refletindo sobre ele, enriquecendo- Para que isso se torne possível há que criar con-
-o e transformando-o. dições humanas e materiais que o professor
Descrevo aqui o processo que vivenciei com assuma como elementos-chave de uma gestão
uma turma de 1.º ano de escolaridade, composta curricular integradora.
por vinte e cinco alunos, durante os momentos No quadro do modelo pedagógico do MEM
de trabalho em projetos. No entanto, por se tra- que procuro implementar e aprofundar, tenho
tar de uma turma em início de ciclo, o presente particular atenção a alguns aspetos que consi-
texto apresenta não só a descrição e reflexão so- dero centrais, designadamente: (i) a organiza-
bre o trabalho nos momentos dos projetos,
ção cooperada do trabalho de aprendizagem
como também o modo como esse trabalho con-
que instituo com os alunos; (ii) o ambiente fí-
tribuiu de forma tão significativa para a aprendi-
sico e o clima psicológico e social que favoreça
zagem e desenvolvimento de competências de
as aprendizagens; (iii) as situações reais de co-
escrita e de leitura por parte das crianças.
municação; (iv) a explicitação de conhecimen-
Começarei por apresentar, de forma breve,
tos pelos alunos que provoque, estimule e de-
algumas referências teóricas que me orientaram
em todas as etapas deste trabalho, bem como a sencadeie novas aprendizagens; (v) a promoção
opção por algumas estratégias e procedimentos da autonomia e da responsabilidade de cada um
perante o grupo e, ainda (vi) um dispositivo pe-
N.º 1• 6.ª série • 2013

adotados.
Em jeito de conclusão, apresentarei uma refle- dagógico de diferenciação do trabalho.
xão final onde procurarei identificar e refletir so- Um ambiente de aprendizagem com estas
bre as aprendizagens realizadas pelos alunos, ten- características implica uma grande confiança nas
tando responder à questão que impulsionou a con- possibilidades de cada criança e nas suas poten-
cretização deste meu trabalho: Qual o contributo cialidades para fazer avançar o grupo. Neste
dos projetos na aprendizagem da escrita e da leitura? contexto, a aprendizagem da escrita e da leitura
estão facilitadas pelo forte incremento atribuído
e pelo estímulo que as situações autênticas de
ESCOLA MODERNA

Aprender a escrever e a ler


– alguns pressupostos escrita, criadas na sala de aula, promovem.
Como refere Santana (2003, p. 6), “A escrita é
Aprender a escrever e a ler é, certamente, o uma poderosa estratégia de aprendizagem, não
grande projeto de cada criança à entrada para a só da própria escrita, enquanto tomada de cons-
ciência dos processos que a compõem, como
* 1.º ciclo do Ensino Básico. também de outros domínios do saber”.

26
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 27

Porquê projetos? Génese e desenvolvimento


Que relação com a escrita? dos projetos no 1.º ano

Como nos diz Dewey (1968) “um autêntico Como surgiram os projetos na turma?
projeto encontra sempre o seu ponto de partida
no impulso do aluno” (p. 15), mas acrescenta, O tempo de estudo autónomo “apareceu” à
“nem o impulso nem o desejo realizam um pro- turma desde a primeira semana de trabalho, em
jeto. Um projeto supõe a visão de um fim, setembro, e uma das atividades do plano indivi-
supõe uma previsão das consequências que re- dual de trabalho consistia em ler livros na biblio-
teca de turma. Esta foi uma atividade muito pro-
sultam de uma ação, previsão esta que é por na-
curada por todos os alunos: podiam levantar-se
tureza um jogo de inteligência” (idem). O desen-
da cadeira e sentar-se confortavelmente numa
volvimento de projetos encontra o seu espaço
enorme almofada no fundo da sala. Na verdade,
natural na turma, que, como diz Peças (1999,
para alguns dos meninos, que tinham acabado
p. 59), é “uma estrutura sociocêntrica de reinsti-
de chegar ao 1.º ano, aquele momento era visto
tuição de significados culturais e de aprendiza-
como uma possibilidade de largarem o lápis,
gem democrática”. Significa fazer aceder as
o caderno e a escrita… e relaxar!
crianças aos instrumentos que a cultura desen-
Com o passar das primeiras semanas de tra-
volveu, quer se trate do conhecimento já produ-
balho, e decorrente da avaliação semanal dos
zido, quer se trate da linguagem escrita. É aqui,
planos individuais de trabalho, comecei a dis-
no meu entender, que reside o verdadeiro sen-
cutir com os alunos a importância de realizarem
tido de realização de projetos, tornar as crianças
diferentes atividades durante o tempo de es-
produtoras de objetos culturais autênticos,
tudo autónomo. No fundo, comecei a construir
construtoras do seu próprio conhecimento e
com a turma os primeiros critérios de avaliação
não meros consumidores de saberes alheios.
do trabalho autónomo.
O trabalho por projetos é também uma es- Nessa semana um dos alunos persistiu em
tratégia de diferenciação dos conteúdos e das passar todos os momentos de estudo autónomo
aprendizagens, pois enfatiza os ritmos de traba- na biblioteca de turma. Comecei a reparar que
lho dos alunos, os modos como vão ultrapas- ele procurava sempre o mesmo livro, um livro
sando as suas dificuldades e os modos como se sobre crocodilos. Depois de lhe chamar à aten-
vão apropriando dos processos e dos conteúdos ção, e de me disponibilizar a ouvi-lo, percebi
do trabalho em cooperação. O desenvolvi- que tinha imensas questões sobre os crocodilos
mento de um projeto implica o respeito por e há dias que tentava ler sozinho o maior nú-
uma série de etapas desde a identificação do

N.º 1• 6.ª série • 2013


mero de palavras possível, dizia ele “para
problema e a planificação dos passos que visam aprender mais sobre os crocodilos”.
a sua resposta e esclarecimento, a que se se- Foi nesse momento que percebi que podia
guem a execução e a posterior comunicação e ser aquele o “motor de arranque” para os proje-
avaliação final. No que respeita à avaliação, ela tos. Perguntei ao L. se queria “fazer um traba-
constitui o elemento regulador de todo o traba- lho” sobre os crocodilos e ele disse-me que sim.
lho ao longo do desenvolvimento de um pro- Levei-o até à Área da Organização, onde estão
jeto, permitindo fazer balanços do que vai expostos os intrumentos de regulação do traba-
sendo realizado, ao longo das sessões, e, no fi-
ESCOLA MODERNA

lho, apresentei-lhe a folha do “Gostava de saber


nal, dá conta da produção de conhecimento e mais sobre…” e pedi-lhe que escrevesse aí a sua
dos processos de produção, levando, muitas ve- curiosidade. Esse momento coincidiu com o fi-
zes, à explicitação de novas questões-problema, nal de uma sessão de tempo de estudo autó-
que podem dar origem a novos projetos. nomo e aproveitei para dizer à turma que o
L. tinha tido a ideia de estudar os crocodilos.
Perguntei se algum outro menino estava inte-

27
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 28

ressado em ajudar o L. a pesquisar sobre aquele Desenvolvimento dos projetos:


animal e muitos dedos se levantaram. O me- Estratégias e procedimentos
nino convidou três colegas para o “ajudar”. Ou-
tros dedos se levantaram para dizer que “os cro- Desenhar o que “nos lembramos” quando
codilos não! Eu quero saber mais coisas sobre pensamos sobre o tema escolhido
os pinguins!” “…E eu sobre os golfinhos”…
A confusão começava a instalar-se... Pedi silên- Depois de estabelecermos as questões-pro-
cio e prometi que ia arranjar um momento no blema e de estarem formados os grupos de tra-
plano semanal para discutirmos quais os temas balho, pedi a cada aluno que desenhasse “tudo
o que lhe vinha à cabeça” acerca do tema que ti-
que interessavam à turma e formar grupos de
nha escolhido. Durante cerca de 20 minutos os
trabalho.
alunos fizeram os seus desenhos e à medida
Claro que já tinha previsto na agenda sema-
que os foram acabando eu escrevia no registo
nal um tempo para Trabalhar em Projetos e foi
de planificação: “Projeto dos _______________”
nesse tempo que apresentei a folha do “Gostava
e eles copiavam por baixo.
de saber mais sobre” agora já com o registo das Com os primeiros desenhos pude começar a
questões e curiosidades da turma. Discutiram- perceber as primeiras conceções que os alunos
-se as curiosidades, identificaram-se as ques- tinham sobre os temas escolhidos. Assim:
tões-problema e, de repente, deu-se início a sete – o planeta terra apareceu muito maior do
projetos diferentes: que o sol;
– Os crocodilos: Como é que os crocodilos – os golfinhos tinham a cabeça muito seme-
sobem às árvores? lhante à dos humanos;
– Os pinguins: Como é que os pinguins nas- – as plantas carnívoras tinham dentes enor-
cem? mes e
– O sabão: Como se faz o sabão? – os crocodilos um ar ameaçador, como
– As casas: Que materiais são precisos para exemplos.
se fazer uma casa? (Ver figs. 1 e 2).
– Os planetas: O que é que é maior: a terra
ou o sol? Escrever no plano os nomes dos autores
– Os golfinhos: Como vivem os golfinhos? e o tema do projeto
– As plantas carnívoras: Que plantas carní-
voras existem? Antes de iniciar cada sessão de trabalho quis
sempre ter a certeza de que as tarefas que pro-
N.º 1• 6.ª série • 2013

punha aos alunos eram possíveis de ser execu-


A formação dos grupos correspondeu intei-
tadas pelos mesmos, com autonomia. Neste
ramente aos interesses das crianças. Sempre
sentido, procurei que as minhas instruções fos-
que se discutia um novo tema, e se identificava
sem curtas, claras e objetivas, para que os alu-
uma nova questão-problema, os alunos que ti-
nos pudessem começar a trabalhar sem precisa-
nham o mesmo interesse que o outro que “dava
rem de recorrer constantemente do meu apoio,
a ideia” formava-se um grupo. Apenas defini já que anteriormente tínhamos combinado as
que cada grupo deveria ter entre dois a quatro ajudas a cada grupo, que constavam de um re-
alunos, porque ninguém podia fazer um projeto
ESCOLA MODERNA

gisto próprio. Os meninos sabiam, portanto,


sozinho e porque quanto maior fosse o grupo, que durante certos períodos de tempo tinham
maior a dificuldade em concertar atitudes e somente a ajuda uns dos outros.
vontades e produzir uma obra com utilidade Na continuação do preenchimento do plano,
para todos. os alunos já foram capazes de preencher auto-
nomamente os dois campos: o tema do projeto
e os nomes de cada um dos alunos. Tinha a cer-

28
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 29

Figura 1 Figura 2

teza que esta tarefa seria bem sucedida e que sabão serve para nos lavarmos… Eu fui escre-
não teria alunos desocupados ou a brincar, por- vendo, a seu tempo, tudo o que me diziam.
que todos os alunos eram capazes de escrever o No entanto, houve um grupo que preferiu
seu nome e o tema já constava nos desenhos escrever o que já sabia sobre as casas. Um dos
que tinham feito anteriormente. elementos do grupo apresentava desde o início
Eu fui regulando o trabalho dos sete grupos, do ano uma significativa facilidade em escrever
e quando no final da sessão fizemos o balanço, e ler e depressa apresentou o seu pensamento
todos os grupos tinham conseguido realizar a “por escrito”:
tarefa pedida com sucesso e eu valorizei as – As casas são feitas de tijolo;
competências de escrita e de leitura que come- – As casas são feitas de cimento;
çavam a desenvolver, o que os deixou mais se- – Nas casas há televisões;
guros e confiantes. – Nas casas há brinquedos.
Ironicamente, por baixo destas quatro fra-
Desenhar/Escrever o que pensamos ses, que refletiam as ideias que os dois alunos ti-
saber sobre o tema nham sobre as casas, estava um desenho de

N.º 1• 6.ª série • 2013


uma casa. Devem ter pensado: “mesmo que já
Na sessão seguinte o objetivo era preencher tenhamos escrito, se a Joana fala em desenho,
o campo do plano relativo àquilo que os alunos nós desenhamos…” (ver fig. 3).
pensavam saber sobre o tema que tinham esco-
Mais uma vez, no final da sessão, e fazendo
lhido, podendo desenhar ou mesmo arriscar es-
o balanço do trabalho realizado, percebemos
crever, procurando estimulá-los no sentido de
que todos os grupos tinham cumprido o obje-
se entreajudarem nessa tarefa, e que eu os aju-
tivo proposto na sessão e isso deixou a turma
daria sempre que passasse pelos grupos, escre-
muito confiante e entusiasmada.
ESCOLA MODERNA

vendo por eles aquilo que não tivessem sido ca-


pazes de fazer sozinhos.
Desenhar/Escrever o que queremos saber
A maioria dos grupos optou por desenhar o
que sabia sobre o seu projeto, com uma exati- Trata-se, nesta fase, de definir os objetivos
dão comovente: um pinguim com um peixe na da pesquisa que concorrem para a resposta à
boca significava que os pinguins comiam peixe; questão inicial, para a produção de conheci-
uma menina a tomar banho significava que o mento sobre o tema em questão.

29
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 30

Figura 4

Recolha, seleção, tratamento e organização


da informação
Após a fase de planificação dos projetos, se-
guiu-se a recolha e seleção de informação. Os
alunos foram convidados a procurar em casa li-
vros ou informação sobre os temas em estudo e
Figura 3 eu, pela minha parte, procurei na biblioteca da
escola e na internet, igualmente, a informação
Foi surpreendente verificar que a maioria que considerei mais adequada e ajustada às ne-
dos grupos tinha escrito as suas questões e al- cessidades dos temas em causa, quer no que se
guns deles tinham até identificado qual o aluno referia à linguagem, quer ao conteúdo. Tendo
que ficaria responsável por responder a cada em conta que se trata de um 1.º ano de escolari-
uma delas e em comunicá-la aos colegas. Fiquei dade em que o domínio de leitura de textos é
deslumbrada quando percebi que tinham sido ainda muito frágil, os cuidados com a recolha
capazes de escrever as questões, em conjunto, de informação são determinantes para a auto-
utilizando algumas palavras escritas por mim nomia das crianças na seleção e tratamento da
(no espaço do plano preenchido na sessão ante- informação.
rior) e outras palavras “escritas com a cabeça”,
como eles diziam. Reforcei, assim, a minha
convicção da escrita como ferramenta de orga-
nização do pensamento e de como a sua apren-
dizagem decorre da necessidade e utilidade so-
N.º 1• 6.ª série • 2013

cial que lhe conferimos, sem a reduzirmos a


“meros exercícios” sem qualquer sentido.
Cada grupo escreveu tantas perguntas,
quantos os elementos do grupo, perguntas estas
que procurei ajudar a formular no sentido de se-
rem claras, boas perguntas. Esta clareza na for-
mulação das questões, em linguagem que os
alunos percebam, revela-se fundamental para
que não existam dúvidas no momento em que
ESCOLA MODERNA

começam a procurar as respostas na bibliografia


que lhes disponibilizamos. Por outro lado, as
perguntas, por conterem “palavras-chave” po-
dem vir a ser fundamentais na pesquisa e sele-
ção de informação, como referirei adiante (ver
figs. 4 e 5). Figura 5

30
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 31

Procurar imagens/palavras que respondam serem confrontados com tanta informação se


às questões planificadas (registar as perdessem.
páginas a fotocopiar) Neste sentido, pedi aos alunos que, perante
todas as fotocópias que lhes tinha dado, se or-
Em cada mesa de trabalho recheada de livros ganizassem no sentido de sublinhar as palavras
de textos e informação variada, cada grupo foi que conseguiam ler e que, de alguma forma, pu-
convidado a folhear e ler esses livros e a registar dessem encontrar as respostas pretendidas. Vol-
as páginas que tivessem as respostas para as támos a concordar que também podiam sele-
questões que haviam sido formuladas, para que cionar imagens, tal como no momento anterior.
eu pudesse fotocopiar essas páginas para depois Um aluno perguntou: “Se houver palavras ao pé
trabalharmos essa informação, sublinhando, de uma imagem que queremos… Será que diz a res-
riscando, recortando, etc., dado que tal não era posta?” Costumo dizer-lhes que quando ilus-
possível ser feito sobre os originais. tram os seus textos devem desenhar elementos
Como em todas as sessões perguntei se al- que façam parte desse mesmo texto. Que “não
gum grupo tinha alguma dúvida: “Eu não sei vale a pena fazer enfeites” que nada digam res-
como vamos procurar as respostas… Eu não sei ler!” peito ao conteúdo do enunciado escrito… Julgo
Outras vozes se seguiram a esta… que a pergunta do aluno se relacionou com esse
Vimos que em todos os grupos havia pelo mesmo aspeto: à partida, se a imagem está a
menos um aluno que já lia com alguma fluência ilustrar um pedaço de texto, e se viam na ima-
e que por isso podiam fazer o trabalho. Depois, gem uma resposta, significava que no texto es-
tavam as palavras que precisavam para escrever
pegando num dos livros, abri uma página onde
essa mesma resposta.
aparecia um crocodilo a comer e perguntei:
Estava deslumbrada com a capacidade que
Que resposta estará nesta página?
os alunos demonstravam em encontrar estraté-
– Se está um crocodilo a caçar uma zebra… Deve
gias que facilitassem os objetivos a que nos tí-
dizer o que comem os crocodilos…! E nós temos essa
nhamos comprometido atingir em cada sessão
pergunta! – respondeu um dos membros do pro-
de trabalho. Estava satisfeita por lhe proporcio-
jeto dos crocodilos.
nar essa oportunidade e também por perceber
Vimos também que saber ler imagens tam-
que, nalguns momentos, as estratégias deles ul-
bém era ler e foi esse o compromisso que fize-
trapassavam as minhas.
mos para aquela sessão: procurar palavras que
conseguissem ler, imagens que pudessem ilus-
Numerar os “bocados de texto lidos”,
trar as respostas pretendidas e resgistar todas as
associando-os aos números das perguntas

N.º 1• 6.ª série • 2013


páginas “que parecessem úteis” num espaço do
(selecionar a informação)
plano do projeto próprio para o efeito.
Para além de registarem as páginas, e de, por Ao longo do meu breve percurso profissinal,
isso, serem levados a ler e a escrever números, e através das reflexões que tenho feito com os
os alunos foram também incentivados a procu- alunos com quem tenho trabalhado, fui-me
rar os títulos dos livros e a registá-los no plano. apercebendo que no momento em que as crian-
ças começavam a cortar as fotocópias dadas, re-
Identificar palavras que sabemos ler, cortavam apenas algumas palavras ou partes de
ESCOLA MODERNA

sublinhando-as frases e misturavam-nas entre si, o que muitas


vezes nos trazia a obrigação de fotocopiar todas
Tínhamos chegado a uma fase do trabalho as páginas de novo e a recomeçar o processo de
em que os alunos começariam a requerer um seleção de informação, por se ter perdido o con-
maior apoio da minha parte, porque apesar de texto.
ter conciência de que estavam a evoluir consis- Neste sentido, comecei a pedir aos alunos
tentemente na escrita e na leitura, temia que ao que sempre que selecionassem um “pedaço de

31
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 32

texto”, lhe atribuissem o número da questão a Assim sendo, a cada folha de reescrita deve atri-
que essa informação respondia, facilitando o buir-se apenas uma questão, colando na mesma
processo de tratamento da informação. apenas os “pedaços de texto” que contêm a res-
Mencionei anteriormente a importância de petiva resposta (também eles anteriormente nu-
ajudar os alunos a formularem boas perguntas, merados).
por orientarem o trabalho de pesquisa dos mes- Todo este processo, que parece bastante in-
mos, mas também por apresentarem palavras- tuitivo e simples, tornou-se estruturante para os
chave, que facilitam a leitura e interpretação alunos e também para mim, porque rapida-
que os alunos fazem das informações seleciona- mente conseguia ajudar a fazer correspondência
das. Efetivamente, vi imensos alunos a fazer imediata entre o que os alunos liam e a respe-
associações entre as palavras das questões do tiva reescrita da informação.
plano e a nova informação que tentavam ler. Nestes momentos de trabalho os meus
Por exemplo: apoios aos grupos eram planeados com muita
– Questão: “O que comem os crocodilos?” atenção: antes de começarmos a sessão fazía-
– Nova informação: “Quando são bebés os mos sempre um ponto de situação, eu via quem
crocodilos comem…” estava com mais dificuldade em avançar e co-
– Questão: “Onde vivem os golfinhos?” meçava por apoiar esses grupos de alunos. Os
– Nova informação: “Estes animais preferem restantes tinham de trabalhar sem mim…
viver nas águas…” Aos poucos, os alunos foram sendo capazes
Nos momentos em que apoiava os diferen- de escrever algumas frases sozinhos, que eram
tes grupos ajudava os alunos a repararem nestas revistas comigo quando me sentava com o
“parecenças” entre as palavras, o que lhes possi- grupo. Quando apoiava os alunos começava
bilitou avançar melhor no trabalho, autonoma- sempre por reler o que já tinham escrito sozi-
mente. nhos, verificava se percebiam todas as palavras
e lia essa mesma escrita em voz alta, para juntos
Reescrever a informação lida analisarmos se o que tinham escrito “fazia sen-
tido”.
Nesta fase do trabalho os diferentes grupos Noutros casos, quando as informações se re-
começaram a avançar a ritmos diferentes: uns velavam verdadeiramente difíceis para os alu-
precisaram de mais tempo para ler e selecionar nos, lia-as eu. Via com eles a informação essen-
a informação e outros progrediram para a rees- cial, o que era imprescindível para responder à
crita da mesma. questão colocada, e a informação acessória, que
Na planificação dos apoios, privilegiei os muitas vezes tinha pormenores que nada acres-
N.º 1• 6.ª série • 2013

alunos que estavam com menos facilidade em centavam ao que os alunos pretendiam saber.
avançar e, por isso, dei aos restantes uma tarefa Depois de ler perguntava-lhes o que tinham
que seriam capazes de cumprir sem o meu percebido, os alunos diziam uma nova frase e
apoio. Apresentei-lhes as folhas da reescrita da tentavam escrevê-la. Este processo levava
informação e o seu trabalho foi preencher as tempo: depois de dizerem a nova frase viam
mesmas com os nomes dos elementos do quais as palavras que tinham na informação se-
grupo, o tema do projeto e uma das perguntas lecionada e iam escrevendo as restantes “pela
colocadas (uma vez que para cada pergunta cabeça”.
ESCOLA MODERNA

existia uma folha de reescrita). Normalmente, os textos eram compostos


Também fruto das reflexões que tenho por frases curtas, que os alunos compreendiam
vindo a fazer, suportada sempre por grupos na totalidade, para num momento seguinte as
cooperativos, tornou-se claro que se constituiu conseguirem comunicar sem dificuldade (Ver
como um elemento organizador para o trabalho fig. 6).
das crianças, o facto de não juntar na mesma
folha de reescrita mais do que uma questão.

32
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 33

Figura 6

Obter informação através que ouvisse. Depressa percebeu que se devia


de entrevistas/questionários focar apenas em palavras-chave, tais como: fun-
dações, madeira, ferro, cimento, betão… Poste-
Para responder a uma das questões do projeto riormente, e utilizando a informação obtida, os
das casas, “quais os materiais e procedimentos neces- alunos escreveram por palavras suas os procedi-
sários à construção de uma casa”, dado que a infor- mentos necessários à construção de uma casa e,
mação disponível se revelava de difícil leitura e assim, surgiu um novo tipo de texto, o instru-
compreensão para o grupo, sugeri a realização cional.
de uma entrevista ao pai de um dos elementos 1.º Abrir um buraco no chão;
do grupo. Ao mesmo tempo que diversificáva- 2.º Fazer as fundações;
mos as fontes de informação, foi a oportuni- 3.º Fazer as paredes;
dade de escrever outro tipo de textos: redigir 4.º Colocar os tubos/cabos para a água e a
um questionário e aprender a tirar notas, a par- eletricidade;

N.º 1• 6.ª série • 2013


tir das respostas obtidas.
Colocaram três questões:
– Que materiais são precisos para fazer uma
casa?
– Quantos senhores são precisos para contruir
uma casa?
– Quanto tempo demora a contruir uma casa?
ESCOLA MODERNA

No dia combinado, o pai veio até à sala e, tal


como tínhamos combinado, previamente, um
dos alunos lia as perguntas e o outro escrevia
tudo o que o nosso entrevistado dizia.
Este foi o registo que o aluno fez (ver fig. 7).
O aluno começou por escrever “uma casa…”,
julgo eu com o intuito de escrever cada palavra Figura 7

33
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 34

5.º Pintar as paredes e colocar as janelas;


6.º Colocar o telhado.

Preparar e treinar a comunicação à turma


Ultrapassada a etapa de recolha, seleção, tra-
Figura 8
tamento e organização da informação, tratava-
se de comunicar o que cada grupo tinha apren-
dido e em simultâneo fazer aprender aos outros.
Neste sentido, cada grupo foi responsável
por construir um cartaz, que suportaria a comu-
nicação de cada tema. No cartaz estariam pre-
sentes as questões colocadas e as respostas que
os alunos reescreveram, bem como as ilustra-
ções respetivas.
Foi neste momento que alertei os alunos
para a necessidade de reler os textos escritos, no
sentido de, por um lado, rever o sentido das fra-
ses e, por outro, corrigir a ortografia. O cartaz Figura 9
era o nosso produto, era nossa responsabilidade
social, ao expô-lo na sala, para que ele pudesse
ser consultado por outras pessoas, por isso exi-
gia grande empenho na sua organização. Foi
Comunicar a nova informação, com a
por isso que trabalhei com eles as incorreções
responsabilidade de ensinar os outros
de ortografia, algumas detetadas pelos próprios,
o que me fez acreditar nas enormes potenciali- No dia previamente combinado, cada grupo
dades deste trabalho. de trabalho fez a sua comunicação. De acordo
O trabalho que se seguiu foi de um enorme com o modo como tinham treinado as apresen-
empenhamento, por parte dos alunos: escolhe- tações, os alunos comunicaram à turma o que
ram a cor da cartolina de acordo com o seu tinham aprendido e, de um modo geral, depen-
gosto, copiaram as informações, fizeram as dendo sempre das caraterísticas de cada
ilustrações e escreveram o título com letras criança, os alunos procuraram falar alto para
“garrafais” e muito coloridas. A obra estava que todos percebessem o que estava a ser dito.
N.º 1• 6.ª série • 2013

pronta para ser apresentada e comunicada. Era No final de cada comunicação os restantes cole-
a sua obra, era o seu trabalho com sentido. gas eram convidados a comentar o trabalho e a
Restava ainda preparar a comunicação no in- dar esclarecimentos sobre os conteúdos apre-
terior de cada grupo – quem fazia o quê. Deci- sentados, pelo que no decorrer da comunicação
diam quem respondia a cada pergunta, quem deveriam tirar notas (ver figs. 10 e 11).
apresentava as ilustrações e, não menos impor- A partir de cada comunicação, todos os alu-
tante, quem “apresentava a apresentação”. nos aprenderam novas informações acerca de
Num desses momentos de trabalho, uma todos os temas trabalhados. No balanço final
ESCOLA MODERNA

aluna disse-me: exprimiram o que tinha aprendido de mais sig-


“Posso ir buscar uma folha? Vou ser eu a explicar nificativo para cada um: “um pinguim ter pelos
por que quisemos fazer este projeto… E eu tenho na língua ou um crocodilo ser capaz de comer
medo de me esquecer do que vou dizer, porque não um hipopótamo”, como exemplos.
está escrito em lado nenhum… Posso escrever numa
folha e levar para casa para treinar?”
Este foi o registo da aluna (ver figs. 8 e 9):

34
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 35

vras que correspondiam ao tema do projeto e


relacionar palavras-chave que compunham as
questões colocadas à informação a selecionar.

E quando eu achava que eles já confiavam


nas suas capacidades de leitura e escrita, para
reescrever a informação, voltaram a dizer: “Agora
Figura 10 como é que eu escrevo isto?”. Mas nestes momen-
tos, demonstraram ser capazes de (re)procurar
as palavras que conseguiam ler; ouvir-me a ler
algumas partes do texto e dizerem “o que ti-
nham percebido”; dizer uma nova frase e es-
crevê-la, copiando algumas palavras do texto
selecionado e outras ditas por si.
Figura 11
Na comunicação: “Será que todas as palavras
estão bem escritas?” ou “Como vou decorar tudo o
que quero dizer? Posso escrever?”
Reflexão Final Foi por isso que cada grupo teve de reler o
que escreveu; verificar se todas as frases faziam
Ao longo de todas as etapas do trabalho, sentido; comparar a informação escrita “por pa-
pude reforçar a minha convicção relativamente lavras próprias” com a informação lida e corrigir
à importância que os projetos podem assumir a ortografia; ilustrar as diferentes respostas; pre-
na aprendizagem da escrita e da leitura, consi- parar o seu discurso para a comunicação à
derando toda a escrita produzida pelos alunos e turma do que aprendeu.
todas as (re)leituras feitas. Revisito, agora, todas
as etapas do projeto, apresentando as dúvidas e Na avaliação: “O que é que eu aprendi?” e
as inseguranças das crianças quando solicitadas “O que tenho de melhorar?”
a escrever e a ler e o modo como procurei de- Nesta fase os alunos tiveram de ler as infor-
volver-lhes a confiança e segurança no seu tra- mações do seu projeto e dos restantes; escrever
balho. para responder a questões colocadas, consultar
as fichas informativas; escrever para explicitar
Na planificação do projeto, diziam eles: aspetos positivos e aspetos a melhorar.

N.º 1• 6.ª série • 2013


“...mas eu não sei escrever?!”
Contudo, foram capazes de escrever o seu Afinal, qual o contributo dos projetos
próprio nome; escrever o nome dos colegas; es- na aprendizagem da escrita e da leitura?
crever o tema do projeto (copiar dos livros ou
dos desenhos expostos na sala); arriscar na es- Procurei, ao longo deste meu texto, dar
crita de novas palavras para explicitar conheci- conta dos modos como na minha turma tenho
mentos e para colocar questões e consultar dife- procurado construir uma comunidade em que
rentes livros e escrever os números das páginas a aprendizagem da escrita e da leitura radica no
ESCOLA MODERNA

a fotocopiar. significado e sentido que cada criança vai cons-


truindo para o que escreve e lê. Como nos diz
Na recolha, seleção, tratamento e organiza- Santana (2009, p. 27), “a escrita na escola en-
ção da informação, afirmavam convictos: “Eu quanto atividade cultural autêntica, inscrita
não sou capaz de ler isto!” numa comunidade de aprendizagem, é deter-
Contudo, conseguiram identificar imagens e minada por uma forte intencionalidade que de-
associá-las a “pedaços” de texto; localizar pala- corre da natural motivação comunicativa.”

35
REVISTA N.º 1 160pp 05/07/13 17:57 Page 36

Estou certa que os alunos se empenharam vos do professor, que desta forma procura pro-
em todo o processo do trabalho nos projetos mover a sua autonomia e o sentido de pertença
por várias razões: estudaram um tema do seu num grupo. Será este também um dos contribu-
interesse, trabalharam com os colegas com tos dos projetos? Creio que sim.
quem simpatizavam, puderam livremente con-
sultar livros com imagens apelativas, escolhe-
ram as cores dos materiais… Mas creio, tam-
bém, que os alunos se empenharam ainda mais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
no momento em que perceberam que seriam
responsáveis por “ensinar” os outros colegas e Bruner, J. (1996). Cultura da Educação. Lisboa:
por comunicarem o que tinham querido apren- Edições 70.
der. O desenvolvimento das competências de Peças, A. (1999). Uma cultura para o trabalho de
escrita e leitura revelou-se de forma significa- projeto. Escola Moderna, 6, 5.ª série, 56-61.
tiva em todos os alunos, porque a sua aprendi- Dewey, J. (1968). O sentido do projeto. In E.
zagem não foi vista como uma imposição do Leite, M. Malpique & M. Ribeiro dos Santos
professor, nem à volta de exercícios rotineiros, (1990) (orgs.). Trabalho de Projeto. Leituras Co-
mas passou a fazer parte também do conjunto mentadas (pp. 12-18). Porto: Edições Afronta-
de ações que se tinham predisposto realizar mento.
com o seu projeto. Grave-Resendes, L. & Soares, J. (2002). Diferen-
Todos estes processos só se tornam possí- ciação Pedagógica. Lisboa: Universidade
veis e autênticos num ambiente de aprendiza- Aberta.
gem de respeito mútuo, onde os alunos se sin- Santana, I. (2009). Iniciação e desenvolvimento
tam seguros, capazes de arriscar, sem medos ou da escrita – dois percursos. Escola Moderna,
bloqueios, ajudados pelos estímulos e incenti- 33, 5.ª série, 25-40.
N.º 1• 6.ª série • 2013
ESCOLA MODERNA

36

Você também pode gostar