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Manuela Sampaio*
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Figura 1
mativa, que se reconstituem, se recriam e se produ- trução das aprendizagens, como as de Folque
zem os instrumentos (intelectuais e materiais), os (2001):
objectos de cultura, os saberes e as técnicas através
A participação activa em momentos de planea-
de processos de cooperação e interajuda (todos en-
mento e avaliação são excelentes oportunidades de
sinam e todos aprendem).
reflexão sobre a acção desenvolvida, ou que se pla-
Assim se caminha, para a negociação progres-
nifica desenvolver. Esta reflexão ajuda a criança a
siva, desde o planeamento à partilha das responsa-
tomar consciência do processo vivido e a ser pro-
bilidades e da regulação/avaliação (p. 141).
gressivamente mais capaz de se apropriar dele.
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Figura 3
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ponsáveis pelos compromissos assumidos, mentos por cuja transmissão a escola é socialmente
como verificámos já em 2 de Outubro passado, responsável (Onrubia, 2001, p. 120).
onde se registou que de manhã, no planea-
mento, todos se lembraram do que tinham dei- Para além da educadora, também o traba-
xado por fazer, no dia anterior. Apesar disso, lho de pares se tem revelado precioso nas aju-
ainda havia alguma confusão entre marcar a das mútuas; é que não são apenas os mais ve-
presença, ir ao Plano, voltar ao local de reunião lhos que se revelam mais competentes – estes
(a mesa grande). É neste momento que a ajuda aprendem com os outros a diferença de ritmos,
dos meninos e meninas, do ano passado, é ne- a grandeza da ajuda e a rentabilização das ta-
cessária, para orientar, nos mapas, aqueles que refas. Muitas vezes um regula o comporta-
têm mais dificuldades. Por outro lado, a me- mento do outro, porque, responsabilizados
diação da educadora, neste momento de ava- por determinada tarefa a pares, ou porque pla-
liar para planificar, é exigível para que a activi- nificaram e trabalharam juntos, criam empa-
dade individual e a actividade colectiva seja tias, ajudam-se, crescem.
mais do que a ocupação do tempo (para isso Por exemplo, o Mauro, que é o menino
não era preciso a educadora), seja a realização mais velho de todos e o mais novo na frequên-
de uma tarefa a que se propôs com determi- cia, esquece-se frequentemente dos seus com-
nado fim. promissos. Acontece que, em parceria com a
É claro que nesta altura (Março), apesar de Kora (de 3 anos) que é muito responsável, já
existirem provas de que as crianças já percebe- tem ido verificar a sua planificação, levado por
ram para que servem os instrumentos de pilo- ela, para retornar à actividade.
tagem, e de serem autónomas a irem para as O recurso à planificação, por rotina, per-
áreas, elas precisam muito, ainda, da ajuda do mite também que, ainda em Novembro, a
adulto para as explorarem e assim construírem Marta soubesse fazer sozinha a avaliação do
conhecimento. Plano: com os colegas, no final do dia, à volta
O cumprimento das rotinas, sobretudo no da mesa grande, o papel da educadora foi o de
tempo do trabalho autónomo, tem que ser re- moderar os temas de conversa enquanto ela in-
gulado, muitas vezes, pela educadora. Isto é, teragia com cada um dos colegas, para fazerem
há necessidade de intervir junto daqueles que a avaliação das actividades realizadas.
nos chamam como, por vezes, junto daqueles
que correm pela sala, interpelando-os sobre o 1.4. Plano de actividades: indutor do discurso
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quentinho e às seis horas ainda mais; às nove pare- vés de um encadeamento de acções, as crianças
cia um deserto, de tão quente! falam, comunicam, produzem um discurso
Mas as plantas estavam sempre fresquinhas de explicitação acerca do que fizeram, para par-
porque moravam à beira do rio. Ao lado das plantas tilhar com os outros um prazer ou um saber.
havia um grande monte de algas verdinhas. O rio O momento das comunicações ao grupo é quase
era muito azul. um «prestar contas» social – ali, naquele mapa,
O sol era tão quente que a água se evaporou e, está escrito o que cada um se propôs fazer – que
enquanto não ia para as nuvens, formou uma flor ajuda a ser-se coerente e a avaliar constante-
dentro de um grande quadrado! Depois veio uma mente porque é que ainda não se cumpriram to-
grande nuvem muito colorida. Era: azul escuro, azul das as etapas do currículo exposto.
claro, laranja, verde e rosa. Então, revelam-se críticos e justos, uns com
As violetas pequeninas cresciam dos rebentos das os outros – o que permite a aceitação da crítica,
violetas grandes. na sequência da interiorização das rotinas; fa-
Quando o sol estava fraquinho dava sombra às lam das actividades às quais têm de dar conti-
plantas e elas arrebitavam mais! Chamam-se plan- nuidade; contam histórias que viram na biblio-
tas do frio. teca; descrevem pormenores do que descobri-
O mar, nos dias mais frescos e que cai neve, ram com a lupa, na ciência; empolgam-se a
sobe. Quando está muito quente, muito, muito, o dizer como já conseguiram acabar um jogo, na
mar fica muito pequenininho, como se fosse um matemática; descrevem como fizeram, que
riacho. materiais utilizaram, nas construções; inventa-
E agora, vitória, vitória, acabou-se o texto! riam as ferramentas utilizadas para desenha-
Mete-se um agrafo, um furo e mete-se no porte- rem no computador; recontam o papel das per-
fólio!» sonagens que vestiram no faz-de-conta; can-
tam mais um verso da canção que ouviram, na
Esta «obra de cultura»4 do António, de cinco música; explicam como descobriram uma cor
anos, que frequenta o JI pela primeira vez e nova na pintura; mostram o alfinete que fize-
que se apresentou, no início do ano, como que ram para a madrinha, na modelagem.
intimidado com tudo e com todos, que parecia E, depois, percorrendo a organização da sala
ter medo de um simples lápis de cor, comove- estampada no Plano, as crianças podem pôr em
-nos e deixa-nos perplexos com a quantidade evidência, facilmente, as áreas que têm esco-
de saberes que aqui demonstrou. lhido mais e menos, o que as leva a compro-
Ao conferirmos uma intencionalidade ao meterem-se, em frente de todos, a repor os dé-
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discurso das crianças, mais do que este servir fices. É claro que, no decorrer da semana, o pa-
para a transmissão de informação, a elabora- pel da educadora passa muito por lhes lembrar
ção do discurso subentende aspectos sociais o que falta. Colocá-las a participar neste pro-
muito importantes: cesso, pedindo-lhes que verbalizem o porquê
«a) a construção de formas de participação de não estarem a cumprir, porque mudaram de
b) a construção do sentido local, contextua- ideias, ou simplesmente perguntar-lhes se já fi-
lizado zeram tudo o que planearam, leva a um auto
c) a construção das regras sociais questionamento que, induzido sistematica-
d) a construção das identidades individuais» mente, revela mudanças de comportamentos.
(Nussbaum, 2002, p. 202). Se no início era necessário, da parte da edu-
cadora, permanecer atenta às falas, apoiar com
Tomando por referência o PA, isto é, as acti- questões e intervenções organizadoras do dis-
vidades que foram desenvolvidas a partir de curso, ajudando a relembrar situações, evi-
uma ideia – inscrita no PA – e desenvolvida atra- tando respostas em coro, não antecipando res-
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postas, estimulando a participação dos mais tí- «Para escolherem as coisas que querem fazer.
midos pela valorização das suas produções, no Para não se esquecerem do que têm de fazer; senão,
final do segundo período, as intervenções são andam pr’ali, pr’ali, pr’ali, desarrumam tudo e os
muito mais fluidas e precisam, até, de ser or- outros é que têm de arrumar. Quando os meninos fi-
ganizadas em mapa próprio (Figura 4), porque zerem uma coisa vão ao Plano ver se têm uma boli-
não há tempo para falarem todos – no período nha aberta e vão lá pintar. Se não houvesse Plano,
destinado às comunicações. os meninos andavam p’ra um lado e p’ro outro, não
Criar uma situação de discurso a partir de sabem o que vão fazer, andam e fazem maluquices.
um instrumento (também) mediador das apren- Temos Plano que é para os meninos não se esquece-
dizagens – quer para as crianças quer para a rem do que têm para fazer».
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à acção mediada, quer pelo adulto quer pelos É neste espaço da construção do conheci-
pares. mento – da passagem daquilo que a criança já
Diversas investigações sobre a cooperação faz e domina, para o que não conhece, não rea-
e a aprendizagem demonstram a validade do liza ou não domina suficientemente – que a
conversar e trabalhar juntos (Mercer, 1997, pp. educadora vai ajudar adequadamente6 munindo-
100 e 101): para os neopiagetianos os alunos -a com as ferramentas necessárias que ela vai
em interacção melhoram, a posteriori, as reali- saber utilizar, em outras situações, para resol-
zações individuais, por meio do conflito socio- ver problemas idênticos, mas sozinha.
cognitivo; para os neovigotskianos, a ênfase na Num outro excerto do mesmo Diário escre-
cooperação vem substituir o conflito na ocor- víamos:
rência de aprendizagens e, para Bruner (2000), «14 Janeiro. O Vitor e a Maria sofrem de uma
a aprendizagem entre pares é possível porque insegurança, sem o adulto, que urge ultrapassar.
os mais competentes ajudarão «a pôr andaimes» Ambos continuam a chorar se não me encontro ao al-
para os outros. Esta questão levanta algumas cance do seu olhar e precisam de muito estímulo
dúvidas aos investigadores, nos casos de o par para iniciarem qualquer actividade.
não ser mais competente, mas que são dissipa- Hoje, particularmente, senti como a presença
das quando verificamos que, através do dis- forte de um elemento securizante conseguiu resolver
curso de explicitação, uma criança verbaliza o este problema, em três casos:
que conseguiu aprender na interacção; por ou- – acompanhei sempre a Ana (que chegou ao JI a
tro lado, também com um par mais compe- chorar e não queria largar a mãe) na saída à biblio-
tente pode ser prejudicial se ele for dominante teca municipal: não chorou, esteve calma na hora do
e sobrepuser as suas próprias estratégias de re- conto e soube recontá-lo;
solução dos problemas. Neste caso, a supervi- – o Vitor, constantemente a perguntar se faltava
são do adulto terá de funcionar como me- pouco para ir almoçar e se eu era a professora dele,
diadora para que, na relação que as crianças acompanhado pelo seu maior amigo e debaixo da
estabelecem uma com a outra, se construa co- minha supervisão constante, parou de fazer tais per-
nhecimento simbólico e ambas façam aprendi- guntas e, surpreendentemente, de tarde, improvisou
zagens. danças, em frente a todo o grande grupo, por muito
No dia-a-dia surgem situações que nos re- tempo;
metem, reflexivamente, para os teóricos, como – a Inês, a quem tenho dado mais atenção (nos
as que descrevemos a seguir, retiradas do Diá- seus projectos, no que veste, nos registos, …), fez
rio da investigação: uma boa ilustração do conto da manhã, aceitou di-
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«6 Janeiro. Apercebi-me de dificuldades ao nível tar e copiar um texto, lembrou-se da sua tarefa de
da oralidade de alguns meninos que é preciso traba- registar o tempo (ultimamente parecia não reconhe-
lhar mais. Por comparação, duas meninas da cer o nome e tem usado frequentemente o “não sei”
mesma idade, em situação de leitura de imagens, em qualquer actividade).
revelarem estarem em patamares muito diferentes.
A Ana5 precisa de um “andaime” por perto, de um Numa outra situação, no recreio, aproveitei para
controlo maior da sua actividade linguística, para incentivar à fala, a Ana, que muito precisa de de-
estimularmos a sua progressão – tal como sustenta senvolver a oralidade. Nessa altura, o António en-
Daniels (2003, p. 143) que, ao estudar a aplicação controu um caracol e imediatamente se envolveram
das teorias sociocultural e da actividade na educa- outros meninos motivados pelo conhecido interesse
ção, refere: «Day e Gordon (1993) compararam a do António nos animais. Ele também conhecia a
instrução “andaimada” e “não andaimada” e desco- lenga-lenga do caracol e foi fácil repeti-la, em tom de
briram que a primeira resultava numa manutenção brincadeira, em grupo e individualmente – caracol
mais rápida e melhor da aprendizagem». caracol põe os corninhos ao sol!»
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parte das Orientações Curriculares que nos são Pires, J. (2003a). Concepções e Modelos de Pla-
fornecidas oficialmente, então teremos de des- nificação Pedagógica. Escola Moderna, 17 (5),
cobrir aliciantes para que as crianças tirem 5-22.
delas o inerente proveito das aprendizagens. Pires, J. (2003b). O Planeamento no Modelo
Assim, pensamos que a reorganização dos es- Pedagógico do Movimento da Escola Mo-
paços em questão e a reformulação dos inven- derna. Escola Moderna, 17 (5), 23-68.
tários, em pequeno grupo, assumido como um Vigotski, L.S. (1984, 2007). A formação Social da
projecto a desenvolver, a inscrever no mapa de Mente. São Paulo: Martins Fontes.
projectos, para depois apresentar ao grande Zabalza, M. A. (1992). Didáctica da Educação In-
grupo, poderão ser estratégias necessárias. fantil. Porto: ASA.
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Vigotski em «A formação social da mente» (na 2.ª Perrenoud (2002, p. 198), ao analisar a prática refle-
edição de 2007), ao apresentar-nos a sua teoria, pretende xiva como domínio da complexidade, remete-nos para
clarificar diferenças entre a psicologia animal e a psicolo- Shön e diz: (…) uma prática reflexiva metódica insere-se
gia humana, pelo salto qualitativo da internalização das no horário de trabalho como uma rotina. Não uma rotina
actividades socialmente enraizadas e historicamente de- soporífera, mas uma rotina paradoxal, um estado de
senvolvidas (p. 58) que acontecem nas interacções com o alerta permanente. Por isso ela precisa de disciplina e de
meio, e justifica: «A abordagem dialéctica, admitindo a métodos: ambos têm por finalidade fazer o professor ob-
influência da natureza sobre o homem, afirma que o ho- servar, memorizar, escrever, analisar o que aconteceu,
mem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das compreender e assumir novas opções».
4 A expressão «obra de cultura» apropriámo-la do dis-
mudanças nela provocadas, novas condições naturais
para a sua existência» (ib, id. p. 62). curso de Segio Niza, mas também encontramos referên-
2 Num outro contexto e lugar, onde indagávamos so- cia às formas narrativas pessoais como «artefacto cultu-
bre as questões da «participação», verificámos que ral» em Daniels (2001, pp. 163 e 164) que por sua vez se
«[h]averá, portanto, uma relação lógica entre a organiza- fundamenta em Vigotski.
5 Todos os nomes de crianças que mencionarmos,
ção escolar e a democracia como sistema político, que
formará cidadãos mais ou menos democráticos, con- neste texto, serão fictícios.
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forme a cultura democrática dessa mesma organização A expressão de ensino como ajuda adequada chega-
escolar. E como se vai medir esse grau de cultura demo- -nos através de Onrubia (2001, pp. 123 e 124) que, ao ex-
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