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O Plano de Actividades como mediador


da Aprendizagem-Ensino

Manuela Sampaio*

Introdução apresentamos, cruzando o relato da prática


com a fundamentação teórica que com ela se
entrelaça, inscrevendo o trabalho no Plano de
O presente texto, sendo um olhar motivado
pelo interesse da investigação-acção, é Actividades (instrumento colectivo de pilota-
gem da actividade pedagógica). Desdobramo-
também um exercício de auto-reflexão que
pretende avaliar o que fazemos para que as -lo na definição do conceito, encontrando-lhe
crianças aprendam e, em simultâneo, perscru- as características do planeamento individual e
tar como elas o vão fazendo, atentos a alguns colectivo e olhamo-lo como impulsionador do
processos que ocorrem no seu desenvolvi- trabalho entre pares e, ainda, como indutor do
mento. discurso. E, por inerência, porque o Plano de
O Jardim de Infância (JI) e a sala de activi- Actividades é um instrumento de mediação,
dades, em particular – uma vez que é aqui que retivemo-nos, também, sobre a questão da in-
ocorre a maior quantidade de experiências in- termediação.
dividuais e colectivas, fora do seio familiar – é As aprendizagens que realizámos através
um laboratório de aprendizagens por excelên- da organização colectiva do trabalho, sinteti-
cia: se considerarmos que neste espaço cada zada num Plano de Actividades, levam-nos
criança tem à disposição a outra criança, o sem dúvidas a olhar a nossa acção pedagógica
adulto, os instrumentos para interagir. Trata-se como uma actividade de aprendizagem-ensino.
aqui de um grupo de vinte e quatro crianças. A existência de um momento de planifica-
Crendo com Vigotski1, que pela abordagem ção colectiva, logo no início do dia, faz parte

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dialéctica da acção da criança sobre o que a ro- de uma rotina que as crianças apreendem facil-
mente e que se vai transformando, ao longo do
deia e na influência que esse mesmo meio tem
ano, num organiser da sua actividade que não
sobre ela, impulsionando as suas acções, en-
dispensam. Em Zabalza (1992, pp. 169-172),
contraremos um manancial de situações dinâ-
encontramos uma interessante definição para
micas que nos fornecem variadíssimas infor-
a importância das rotinas e da sua caracteriza-
mações para estudo. Mas, dadas as nossas pró-
ção, que transcrevemos abreviadamente:
prias limitações, na impossibilidade de fazer
um trabalho mais lato, detivemo-nos numa A rotina baseia-se na repetição de actividades e
parcela da prática pedagógica que tem a ver ritmos na organização espacio-temporal da sala e
com a planificação, como objecto de estudo. desempenha importantes funções na configuração
Assim, estruturámos a reflexão que agora do contexto educativo:
A) Marco de referência
B) Como segurança
* Educação Pré-Escolar. C) Captação do tempo

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D) Captação cognitiva: (…) a percepção senso- empirista da aprendizagem), a Vigotsky e Bru-


rial dos momentos completa-se nas rotinas com ner (com a perspectiva socioconstrutivista), é
uma captação cognitiva da estrutura das actividades. vista pela lente da prática – no momento ac-
E se a isso acrescentarmos actividades de planifica- tual e, por força da vida do Movimento e da
ção por parte das crianças, do que pensam fazer,
sociedade em constante reinvenção, onde a
esta rotina também possibilita conquistas afectivas
educação retrospectiva deu lugar a uma educa-
(no sentido da implicação pessoal na tarefa, com
ção prospectiva e se entende que todas as fun-
importantes repercussões nos resultados finais (…)
E) Virtualidades cognitivas e afectivas. ções psicológicas têm origem nas relações en-
tre seres humanos e deles com o meio numa
É claro que Zabalza também nos acautela atitude dialéctica (pressupostos de Vigotsky) –
para a flexibilidade das sequências, ao invés da sob um esquema que concebemos: a partir de
rigidez do processo com crianças e enuncia- um ponto, dois segmentos de recta encontram-
nos, de modo explícito e simples, as vantagens se na mesma direcção e vão-se deslocando em
da organização do trabalho com rotinas: sentidos opostos:

As rotinas são, como os capítulos, o guião da


Actividade pedagógica
vida diária de uma turma que, dia após dia, se vai
nutrindo de conteúdos e acções. As crianças sabem
o nome de cada fase, sabem o que virá depois, sa- Freinet • MEM
bem qual é o procedimento para realizar determi-
nadas actividades, etc., e, pouco a pouco, vão-se as- Comunicação
Comunicação e através de circuitos
senhoreando da sua vida escolar, vão-se sentindo
competentes e, ao mesmo tempo, vão compro- expressão livre
• com envolvimento
vando vivencialmente como cada vez lhe saem me- dos alunos
lhor as coisas e sabem melhor o que há para fazer e
Enfoque Visão
de que forma resultam, e são divertidas, as tarefas.
pedocêntrico
• sociocêntrica
No quotidiano da nossa sala com o grupo
Técnicas Organização
de crianças temos prova disto; espantamo-nos
pedagógicas
• participada
quando verificamos a evolução do grupo que
ficou do ano passado – pelo domínio dos ins-
Assembleia Conselho de Coo-
trumentos de pilotagem, saber-fazer nas áreas,
cooperativa
• peração educativa
compreensão fácil do que os rodeia, discursos
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elaborados e críticos, interajuda e orientação


Jornal de
dos novos, concretização de projectos, avalia-
parede
• Diário de Turma
ções em conselho – e também pelo progresso
dos que entraram de novo.
Um modo possível de testar/verificar o que É tendo como pano de fundo este contexto
acabamos de dizer é, como já referimos, de- histórico, analisado por Niza (1998, pp. 139-
termo-nos numa parcela da actividade pedagó- -140) em que assenta a organização partici-
gica que acontece, entre nós – o Plano de Acti- pada de toda a actividade pedagógica, num
vidades. treino democrático (daquele modelo político
de sociedade no qual ainda acreditamos)2 que
A reflexão sobre a epistemologia e a didác- retiramos um objecto para estudo: do conjunto
tica que o MEM tem vindo a fazer, assente em de instrumentos que fazem parte de uma orga-
grandes nomes da investigação da psicologia e nização participada, elegemos o Plano de Acti-
da pedagogia, desde Freinet (e da concepção vidades.

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1. O Plano de Actividades trabalho, pelo Plano de Actividades e pelas in-


teracções que ele provoca em cada um e no
Procurando, não o significado, mas a polis- grupo (incluindo a educadora).
semia do conceito de planificar, encontrámos
dentro da família pedagógica do MEM quem 1.1. Plano de Actividades: instrumento
nos tenha facilitado o trabalho de ir às fontes: 1.1. de planeamento individual e colectivo
Pires (2003a e b), através dos seus escritos – 1.1. do currículo.
«Concepções o modelos de planificação peda-
gógica» e «O planeamento no modelo pedagó- Trata-se de uma tabela de duas entradas. Na
gico do Movimento da Escola Moderna», coluna vertical esquerda estão inscritos os no-
aborda as perspectivas de vários autores na mes das crianças. Na linha horizontal superior
desconstrução das relações entre planificação, ordenam-se as actividades que são directa-
realização e avaliação, que não podem ser en- mente veiculadas pelos instrumentos e mate-
tendidas linearmente nem como uma mera su- riais que integram as áreas educativas – faz-de-
cessão de etapas. Citando autores muito re- -conta, matemática, biblioteca, música, oficina
centes (da última década de 2000), associa o de escrita, desenho, pintura, modelagem, re-
modelo de planificação ao modelo curricular corte e colagem, construções, tecelagem. Junto
utilizado pelo professor, que também lhe con- encontra-se a lista semanal de projectos, que
fere graus de importância diversos. decorrem das intenções de trabalho, indivi-
Ora, chegados a este ponto, é sobre o tipo duais ou de grupos. (Figura 1)
de planificação inerente ao modelo pedagógico
em que navegamos, que queremos deter-nos, A simbologia acordada para preenchimento
para entendermos o que é e para que serve o do mapa é uma bolinha aberta quando se ins-
creve a intenção de fazer, e o seu fechamento
Plano de Actividades. E, à semelhança do que
depois de cumprido o que foi planeado.
se passa com o tempo e o espaço educativos
Colocado em local bem visível e acessível a
que carecem de uma organização cuidada,
todos, e servindo-nos de referência para o tra-
também o trabalho a desenvolver sob a forma
balho durante um mês, é um instrumento de
de projectos exige uma planificação que é sem-
planificação colectiva (estão lá todos os no-
pre feita com as crianças. Assume, aqui, mes) e individual – as linhas equivalem à pla-
a forma de um mapa, onde se inscrevem pro- nificação de cada um.
jectos e compromissos diários, cuja regulação O Plano de Actividades (PA) surgiu no pla-

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vai sendo feita por cada um e por todos, in- card grande da nossa sala, nos primeiros dias
cluindo a educadora. de actividade. Do grupo de meninos e meninas
A importância da planificação na idade pré- do ano passado, ficaram nove: cinco de 5 anos
-escolar é bem clarificada nos estudos de Vi- e quatro de 3 anos que, sendo uma mais valia
gotski (1984, pp. 3-20) sobre a «formação so- na preparação e organização das actividades
cial da mente», ao provar a capacidade da deste ano, exigem também a continuação do
criança em fazer um planeamento mental do trabalho iniciado o ano passado.
que necessita para resolver um problema. Essa Uma consequência esperada com esta ati-
necessidade é exteriorizada pela função pla- tude era que todo o grupo se apropriasse,
neadora da fala que permite, à criança, mudar desde cedo, do currículo, dos espaços e mate-
radicalmente o seu campo psicológico (distin- riais para o seu desenvolvimento.
guindo-a dos outros animais). O caminho do É que, como diz Niza (2002):
projecto/actividade/tarefa até à criança e desta É no envolvimento e na organização construí-
em sentido inverso passa, no contexto deste dos paritariamente em comunidade cultural e for-

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Figura 1

mativa, que se reconstituem, se recriam e se produ- trução das aprendizagens, como as de Folque
zem os instrumentos (intelectuais e materiais), os (2001):
objectos de cultura, os saberes e as técnicas através
A participação activa em momentos de planea-
de processos de cooperação e interajuda (todos en-
mento e avaliação são excelentes oportunidades de
sinam e todos aprendem).
reflexão sobre a acção desenvolvida, ou que se pla-
Assim se caminha, para a negociação progres-
nifica desenvolver. Esta reflexão ajuda a criança a
siva, desde o planeamento à partilha das responsa-
tomar consciência do processo vivido e a ser pro-
bilidades e da regulação/avaliação (p. 141).
gressivamente mais capaz de se apropriar dele.
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Quando a criança em tempos de planeamento é


Transpondo esta linha de pensamento, para convidada a participar na tomada de decisões, ela
a prática, encontramos no PA – com o seu é levada a pensar, a analisar as condições do am-
preenchimento e diálogos que se geram à sua biente, a analisar os seus próprios desejos e inten-
volta, entre crianças e educadora ou entre pa- ções, assim como as do grupo. Esta conjugação de
res – um instrumento de excelência para a or- pontos de vista desafia o seu pensamento, por ve-
ganização do trabalho (planificação), reflexão zes demasiado autocentrado (p. 9).
sobre as aprendizagens realizadas, aferição de
compromissos, regulação do desenvolvimento Quando, ao final da manhã, nas comunica-
do currículo (diagnóstico do que já se domina ções, ou no balanço do final do dia, remetemos
e do que falta dominar). para o PA e verificámos o que fizemos e o que
Sobre esta temática há outras reflexões, no- ficou por fazer, ao procurarmos as justifica-
meadamente as que encontram fundamen- ções, actualizámos pontos de situação do sa-
tos/alicerces nas Orientações Curriculares para ber que nos servem de rampa de lançamento
a Educação Pré-escolar (OCEPE) para a cons- para o dia seguinte. Foi para dar mais visibi-

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lidade a este esforço de posicionamento no ruagens, 4 rodas, 2 chaminés – manipula e usa os


currículo que elaborámos mapas-síntese das materiais de modo a conseguir um efeito desejado».
actividades mais e menos escolhidas e dos in-
teresses maiores e menores das crianças, nas Noutras ocasiões, ainda próximas do início
actividades – para a educadora – e, já mais do ano, acontecem situações como a do Leo-
tarde – para as crianças – avaliações individuais nardo, o mais novinho do grupo, que ficou
em forma de gráfico (Figuras 2 e 3). muito aflito quando descobriu que os outros já
iam trabalhar – «Mas eu ainda não fui ao Plano!»
1.2. Plano de Actividades: impulsionador – e que nos faz perceber como a organização é
1.1. de projectos importante, desde cedo, na vida destas crian-
ças. Então, é a nossa oportunidade de lhes de-
Como passamos, efectivamente, da planifi- dicarmos mais um tempinho e explorar o seu
cação à acção? pensamento quanto ao encadeamento de algu-
Do exercício reflexivo sobre as práticas3 mas acções que possam ter o seu pequeno pro-
transcrevemos um breve excerto do nosso jecto.
Diário: Mas o momento da ida ao PA pode ser tam-
«Colocada por detrás da Sónia – menina que bém o ponto de partida para o desenvolvi-
evita o discurso –, sentada à sua altura, com a mi- mento de um projecto de investigação, como
nha mão esquerda no ombro dela e com a direita aconteceu quando falávamos da continuidade
acompanhando o seu olhar pela linha que lhe cor- do plano semanal – coluna do queremos fazer
responde, no papel da parede, mostrava-lhe as do Diário – relativamente a um produto que ti-
áreas onde tinha menos presenças. Ela escolheu nha acabado – verniz em spray para envernizar
“construções”. Disse claramente: quero fazer um as máscaras. As crianças inscreviam no PA as
comboio. actividades a que se propunham e, surgindo a
Fui logo buscar uma folha de papel para registar questão «onde colocar a lata de spray vazia»,
o seu projecto de trabalho. Comecei por perguntar- imediatamente se organizou um grupo para
-lhe o que precisava. Foi dizendo: rodas, caixas de descobrir mais acerca dos «produtos inflamá-
ovos. Perguntei como iria segurar as rodas nas cai- veis». A partir daqui desenharam-se (planea-
xas. Imediatamente respondeu: cola. Convidei-a a ram-se) as acções seguintes num outro mapa,
desenhar o seu comboio e a ir buscar os materiais que funcionava como «projecto» do trabalho
para começar a trabalhar, na mesa grande, porque mas também como regulador das actividades
que, para o desenvolverem, inscreviam no PA.

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a outra já estava ocupada; assim que pudesse, iria
O mesmo se passou com outros projectos
ter com ela para ajudar. Ela pegou em tudo o que
de intervenção ou de pesquisa que as crianças
precisava, aproveitando umas caixas que já esta-
quiseram levar por diante.
vam unidas e pintadas e vi, mais tarde, que tinha
Depois, os projectos, seguindo os circuitos
dificuldade com a cola – não resultava a aderência.
de comunicação regulares, foram apresentados
Aproximei-me e combinei com ela que iria trazer, de
à outra turma, a alunos e professores da EB1 e
tarde, uma cola melhor. A Sónia suspendeu o pro-
às famílias.
jecto e fomos inscrevê-lo no mapa próprio. A seguir
foi lanchar.
1.3. Plano de Actividades: mediador
Neste tempo curto de individualização percebi 1.3. do trabalho a pares
que: a Sónia domina o instrumento, o inventário da
zona da expressão plástica, consegue fazer um Iniciar o dia (logo após o acolhimento) com
plano e concretiza-o segundo os padrões culturais a sua planificação, desde o início do ano lec-
que tem interiorizados – o seu comboio tinha 2 car- tivo, permite que as crianças se tornem res-

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Figura 2
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Figura 3

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ponsáveis pelos compromissos assumidos, mentos por cuja transmissão a escola é socialmente
como verificámos já em 2 de Outubro passado, responsável (Onrubia, 2001, p. 120).
onde se registou que de manhã, no planea-
mento, todos se lembraram do que tinham dei- Para além da educadora, também o traba-
xado por fazer, no dia anterior. Apesar disso, lho de pares se tem revelado precioso nas aju-
ainda havia alguma confusão entre marcar a das mútuas; é que não são apenas os mais ve-
presença, ir ao Plano, voltar ao local de reunião lhos que se revelam mais competentes – estes
(a mesa grande). É neste momento que a ajuda aprendem com os outros a diferença de ritmos,
dos meninos e meninas, do ano passado, é ne- a grandeza da ajuda e a rentabilização das ta-
cessária, para orientar, nos mapas, aqueles que refas. Muitas vezes um regula o comporta-
têm mais dificuldades. Por outro lado, a me- mento do outro, porque, responsabilizados
diação da educadora, neste momento de ava- por determinada tarefa a pares, ou porque pla-
liar para planificar, é exigível para que a activi- nificaram e trabalharam juntos, criam empa-
dade individual e a actividade colectiva seja tias, ajudam-se, crescem.
mais do que a ocupação do tempo (para isso Por exemplo, o Mauro, que é o menino
não era preciso a educadora), seja a realização mais velho de todos e o mais novo na frequên-
de uma tarefa a que se propôs com determi- cia, esquece-se frequentemente dos seus com-
nado fim. promissos. Acontece que, em parceria com a
É claro que nesta altura (Março), apesar de Kora (de 3 anos) que é muito responsável, já
existirem provas de que as crianças já percebe- tem ido verificar a sua planificação, levado por
ram para que servem os instrumentos de pilo- ela, para retornar à actividade.
tagem, e de serem autónomas a irem para as O recurso à planificação, por rotina, per-
áreas, elas precisam muito, ainda, da ajuda do mite também que, ainda em Novembro, a
adulto para as explorarem e assim construírem Marta soubesse fazer sozinha a avaliação do
conhecimento. Plano: com os colegas, no final do dia, à volta
O cumprimento das rotinas, sobretudo no da mesa grande, o papel da educadora foi o de
tempo do trabalho autónomo, tem que ser re- moderar os temas de conversa enquanto ela in-
gulado, muitas vezes, pela educadora. Isto é, teragia com cada um dos colegas, para fazerem
há necessidade de intervir junto daqueles que a avaliação das actividades realizadas.
nos chamam como, por vezes, junto daqueles
que correm pela sala, interpelando-os sobre o 1.4. Plano de actividades: indutor do discurso

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que se propuseram fazer – remetendo-os para
Depois de concretizado o plano, a fase se-
o PA –, sendo necessário acompanhá-los nas
guinte é a de falar sobre ele; ele pode ter sido
tarefas, com o fim de lhes proporcionar situa-
explicitado no início, mas precisa de ser apre-
ções mais elaboradas que lhes devolvam co-
sentado, de algum modo, para conferirmos as
nhecimento.
aprendizagens e para que os outros delas se
Esta é uma concepção sócioconstrutivista
apropriem, também.
do ensino, onde:
Escolhemos, para ilustrar este processo, o
(…) nos movimentamos como uma ajuda ao exemplo da «leitura» que o António nos fez,
processo de aprendizagem. Ajuda necessária, pois depois de concretizar a actividade de desenho
sem ela é altamente improvável que os alunos con- inscrita no Plano, segurando a folha do papel:
sigam aprender, e aprender da forma o mais signifi-
cativa possível, os conhecimentos necessários ao «Era um grande sol, muito vermelho e com raios
seu desenvolvimento pessoal e à sua capacidade de muito quentes. De manhã, às oito horas, ainda es-
compreender a realidade e de actuar nela, conheci- tava muito frio; depois, às cinco horas já estava mais

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quentinho e às seis horas ainda mais; às nove pare- vés de um encadeamento de acções, as crianças
cia um deserto, de tão quente! falam, comunicam, produzem um discurso
Mas as plantas estavam sempre fresquinhas de explicitação acerca do que fizeram, para par-
porque moravam à beira do rio. Ao lado das plantas tilhar com os outros um prazer ou um saber.
havia um grande monte de algas verdinhas. O rio O momento das comunicações ao grupo é quase
era muito azul. um «prestar contas» social – ali, naquele mapa,
O sol era tão quente que a água se evaporou e, está escrito o que cada um se propôs fazer – que
enquanto não ia para as nuvens, formou uma flor ajuda a ser-se coerente e a avaliar constante-
dentro de um grande quadrado! Depois veio uma mente porque é que ainda não se cumpriram to-
grande nuvem muito colorida. Era: azul escuro, azul das as etapas do currículo exposto.
claro, laranja, verde e rosa. Então, revelam-se críticos e justos, uns com
As violetas pequeninas cresciam dos rebentos das os outros – o que permite a aceitação da crítica,
violetas grandes. na sequência da interiorização das rotinas; fa-
Quando o sol estava fraquinho dava sombra às lam das actividades às quais têm de dar conti-
plantas e elas arrebitavam mais! Chamam-se plan- nuidade; contam histórias que viram na biblio-
tas do frio. teca; descrevem pormenores do que descobri-
O mar, nos dias mais frescos e que cai neve, ram com a lupa, na ciência; empolgam-se a
sobe. Quando está muito quente, muito, muito, o dizer como já conseguiram acabar um jogo, na
mar fica muito pequenininho, como se fosse um matemática; descrevem como fizeram, que
riacho. materiais utilizaram, nas construções; inventa-
E agora, vitória, vitória, acabou-se o texto! riam as ferramentas utilizadas para desenha-
Mete-se um agrafo, um furo e mete-se no porte- rem no computador; recontam o papel das per-
fólio!» sonagens que vestiram no faz-de-conta; can-
tam mais um verso da canção que ouviram, na
Esta «obra de cultura»4 do António, de cinco música; explicam como descobriram uma cor
anos, que frequenta o JI pela primeira vez e nova na pintura; mostram o alfinete que fize-
que se apresentou, no início do ano, como que ram para a madrinha, na modelagem.
intimidado com tudo e com todos, que parecia E, depois, percorrendo a organização da sala
ter medo de um simples lápis de cor, comove- estampada no Plano, as crianças podem pôr em
-nos e deixa-nos perplexos com a quantidade evidência, facilmente, as áreas que têm esco-
de saberes que aqui demonstrou. lhido mais e menos, o que as leva a compro-
Ao conferirmos uma intencionalidade ao meterem-se, em frente de todos, a repor os dé-
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discurso das crianças, mais do que este servir fices. É claro que, no decorrer da semana, o pa-
para a transmissão de informação, a elabora- pel da educadora passa muito por lhes lembrar
ção do discurso subentende aspectos sociais o que falta. Colocá-las a participar neste pro-
muito importantes: cesso, pedindo-lhes que verbalizem o porquê
«a) a construção de formas de participação de não estarem a cumprir, porque mudaram de
b) a construção do sentido local, contextua- ideias, ou simplesmente perguntar-lhes se já fi-
lizado zeram tudo o que planearam, leva a um auto
c) a construção das regras sociais questionamento que, induzido sistematica-
d) a construção das identidades individuais» mente, revela mudanças de comportamentos.
(Nussbaum, 2002, p. 202). Se no início era necessário, da parte da edu-
cadora, permanecer atenta às falas, apoiar com
Tomando por referência o PA, isto é, as acti- questões e intervenções organizadoras do dis-
vidades que foram desenvolvidas a partir de curso, ajudando a relembrar situações, evi-
uma ideia – inscrita no PA – e desenvolvida atra- tando respostas em coro, não antecipando res-

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Figura 4

postas, estimulando a participação dos mais tí- «Para escolherem as coisas que querem fazer.
midos pela valorização das suas produções, no Para não se esquecerem do que têm de fazer; senão,
final do segundo período, as intervenções são andam pr’ali, pr’ali, pr’ali, desarrumam tudo e os
muito mais fluidas e precisam, até, de ser or- outros é que têm de arrumar. Quando os meninos fi-
ganizadas em mapa próprio (Figura 4), porque zerem uma coisa vão ao Plano ver se têm uma boli-
não há tempo para falarem todos – no período nha aberta e vão lá pintar. Se não houvesse Plano,
destinado às comunicações. os meninos andavam p’ra um lado e p’ro outro, não
Criar uma situação de discurso a partir de sabem o que vão fazer, andam e fazem maluquices.
um instrumento (também) mediador das apren- Temos Plano que é para os meninos não se esquece-
dizagens – quer para as crianças quer para a rem do que têm para fazer».

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educadora – acaba por ser uma estratégia de
aprendizagem-ensino, funcionando, neste
caso, a linguagem cada vez mais enriquecida, 2. Intermediação
como uma das características básicas de ajuda
na ZDP de Vigotsky, já que ajuda as crianças a Toda a relação do homem com o mundo
«(…) reestruturar e reorganizar as suas expe- acontece num determinado contexto, onde a in-
riências e conhecimentos, reconstruindo deste teracção social é um motor de aprendizagem,
modo os significados culturais partilhados pe- mediada por ferramentas, objectos, signos e re-
los adultos membros do grupo social onde nos presentações mentais. A prática pedagógica
inserimos», como somos levados a crer pela fundamentada neste referente Vigotskyano pos-
análise de Onrubia (2001, p. 142) e, também, sibilita um melhor desempenho tanto da
pela avaliação da Marta (de 5 anos e do ano criança como da educadora. Em educação, para
passado), quando colocávamos ao grupo a que ocorram aprendizagens, como é suposto
questão «para que serve o Plano?»: acontecer, é de suma importância o olhar atento

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à acção mediada, quer pelo adulto quer pelos É neste espaço da construção do conheci-
pares. mento – da passagem daquilo que a criança já
Diversas investigações sobre a cooperação faz e domina, para o que não conhece, não rea-
e a aprendizagem demonstram a validade do liza ou não domina suficientemente – que a
conversar e trabalhar juntos (Mercer, 1997, pp. educadora vai ajudar adequadamente6 munindo-
100 e 101): para os neopiagetianos os alunos -a com as ferramentas necessárias que ela vai
em interacção melhoram, a posteriori, as reali- saber utilizar, em outras situações, para resol-
zações individuais, por meio do conflito socio- ver problemas idênticos, mas sozinha.
cognitivo; para os neovigotskianos, a ênfase na Num outro excerto do mesmo Diário escre-
cooperação vem substituir o conflito na ocor- víamos:
rência de aprendizagens e, para Bruner (2000), «14 Janeiro. O Vitor e a Maria sofrem de uma
a aprendizagem entre pares é possível porque insegurança, sem o adulto, que urge ultrapassar.
os mais competentes ajudarão «a pôr andaimes» Ambos continuam a chorar se não me encontro ao al-
para os outros. Esta questão levanta algumas cance do seu olhar e precisam de muito estímulo
dúvidas aos investigadores, nos casos de o par para iniciarem qualquer actividade.
não ser mais competente, mas que são dissipa- Hoje, particularmente, senti como a presença
das quando verificamos que, através do dis- forte de um elemento securizante conseguiu resolver
curso de explicitação, uma criança verbaliza o este problema, em três casos:
que conseguiu aprender na interacção; por ou- – acompanhei sempre a Ana (que chegou ao JI a
tro lado, também com um par mais compe- chorar e não queria largar a mãe) na saída à biblio-
tente pode ser prejudicial se ele for dominante teca municipal: não chorou, esteve calma na hora do
e sobrepuser as suas próprias estratégias de re- conto e soube recontá-lo;
solução dos problemas. Neste caso, a supervi- – o Vitor, constantemente a perguntar se faltava
são do adulto terá de funcionar como me- pouco para ir almoçar e se eu era a professora dele,
diadora para que, na relação que as crianças acompanhado pelo seu maior amigo e debaixo da
estabelecem uma com a outra, se construa co- minha supervisão constante, parou de fazer tais per-
nhecimento simbólico e ambas façam aprendi- guntas e, surpreendentemente, de tarde, improvisou
zagens. danças, em frente a todo o grande grupo, por muito
No dia-a-dia surgem situações que nos re- tempo;
metem, reflexivamente, para os teóricos, como – a Inês, a quem tenho dado mais atenção (nos
as que descrevemos a seguir, retiradas do Diá- seus projectos, no que veste, nos registos, …), fez
rio da investigação: uma boa ilustração do conto da manhã, aceitou di-
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«6 Janeiro. Apercebi-me de dificuldades ao nível tar e copiar um texto, lembrou-se da sua tarefa de
da oralidade de alguns meninos que é preciso traba- registar o tempo (ultimamente parecia não reconhe-
lhar mais. Por comparação, duas meninas da cer o nome e tem usado frequentemente o “não sei”
mesma idade, em situação de leitura de imagens, em qualquer actividade).
revelarem estarem em patamares muito diferentes.
A Ana5 precisa de um “andaime” por perto, de um Numa outra situação, no recreio, aproveitei para
controlo maior da sua actividade linguística, para incentivar à fala, a Ana, que muito precisa de de-
estimularmos a sua progressão – tal como sustenta senvolver a oralidade. Nessa altura, o António en-
Daniels (2003, p. 143) que, ao estudar a aplicação controu um caracol e imediatamente se envolveram
das teorias sociocultural e da actividade na educa- outros meninos motivados pelo conhecido interesse
ção, refere: «Day e Gordon (1993) compararam a do António nos animais. Ele também conhecia a
instrução “andaimada” e “não andaimada” e desco- lenga-lenga do caracol e foi fácil repeti-la, em tom de
briram que a primeira resultava numa manutenção brincadeira, em grupo e individualmente – caracol
mais rápida e melhor da aprendizagem». caracol põe os corninhos ao sol!»

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E, ainda, a 6 de Fevereiro: a Francisca quis Reflexão final


ajudar a Kora a marcar a presença e a ir ao
Plano – mas não sabia muito bem onde era o Durante a passagem para este texto daquilo
nome dela. Este foi o princípio de um vai-vem que foi ficando registado no Diário de Invesi-
entre este «instrumento» e «eu» como media- gação e nos registos da sala, foram desfilando
dora: reforcei a minha atitude junto ao Plano, episódios da vida da educadora com o grupo,
com as crianças, encontrando com elas estra- que acabariam, provavelmente, esquecidos,
tégias para descobrirem o nome, verificando não fossem assim registados. E eles são impor-
tantes, não só pela história que contam, mas
as áreas para onde têm ido mais e menos
sobretudo pelo conhecimento que nos trazem
vezes, valorizando atitudes positivas no Diá-
do estado da pedagogia que praticamos.
rio, como a da Francisca que tem ajudado a
A organização do trabalho dentro da sala de
Kora e lhe transmite confiança – sempre junto
actividades sempre nos pareceu de extrema
da Francisca, a Kora tenta fazer o mesmo importância para que o resultado desse traba-
que ela. lho fosse produtivo – isto é, se traduzisse em
Mas um mês depois, a Kora já se indepen- desenvolvimento cognitivo, social e moral das
dentizou da Francisca: vai sozinha ao PA, pla- crianças. Assim, as preocupações com o esta-
nifica os seus dias, sem olhar para o que a Fran- belecimento de rotinas ao nível do tempo, com
cisca escolheu, executa as tarefas sozinha ou a organização do espaço ao nível da sala e com
com outros pares, conforme as dificuldades ou a monitorização de toda a actividade pedagó-
os prazeres que sente. gica, são constantes na vida não só profissio-
nal, mas como pessoa. E, num olhar reflexivo
Estes relatos do quotidiano são pequenos sobre a prática, concretamente neste ano lec-
exemplos da expansão do conhecimento, pela tivo, sobre conversas que se tiveram com cole-
aprendizagem mediada. Confirmamo-lo na gas, sobre as leituras que se vêm fazendo, per-
produção do discurso das crianças, quando, guntamo-nos, muitas vezes, o que precisare-
em tempo de comunicações na sala, contam o mos de mudar?
Estabelecer o Plano de Actividades como
que fizeram ou o que aprenderam, mas tam-
mediador da aprendizagem-ensino foi um de-
bém pela identificação com a seguinte afirma-
safio que nos permitiu – se assim se pode dizer
ção de Mercer (1997): «Ahora se cree que,
– aprender para ensinar. Resumidamente, veri-
compartiendo las ideas, los niños pueden al-
ficámos:
canzar tipos de comprensión más generaliza-

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bles si se les ayuda y anima activamente a ha- – o Plano de Actividades desempenha um
cerlo». (p. 104) papel central no modelo pedagógico;
A atitude da educadora, ao colocar o enfo- – o envolvimento de cada criança e de todos
na planificação do currículo permite levar a
que no papel activo das crianças como sujeitos
cabo projectos de que se gosta mais e aferir
obreiros das suas aprendizagens e ao posionar-
a falta daqueles em que houve menor envol-
-se ao mesmo nível, tem a possibilidade de ex-
vência;
plorar os momentos de intervir para organizar
– a planificação colectiva sempre exposta
o ensino; isto é, a partir das reflexões que lhe permite regular a actividade da sala;
proporcionam as crianças, pode planificar uma – o Plano de Actividades expõe o currículo,
série de acções, adequando a sua prática. através de uma barra de ferramentas que são as
actividades ilustradas;
– o Plano de actividades mostra o que falta
fazer, no currículo, e nos contratos inacabados

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– funciona, portanto e também, como instru- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


mento de avaliação;
– a planificação em grupo inicia os tempos Bruner, J. (2000). Cultura da Educação. Lisboa:
de trabalho autónomo; a avaliação em grupo Edições 70.
encerra o ciclo de que as crianças se vão apro- Daniels, H. (2001). Vigotski e a Pedagogia. São
priando e que acabam por não dispensar; Paulo: Edições Loyola.
– a planificação colectiva é um exercício de Folque, M. A. (2001). Orientações Curriculares:
partilha do poder, que não pode estar nas mãos que Alicerces para a Construção das Apren-
de um, apenas (a educadora); dizagens?. Escola Moderna, 12 (5) 5-10.
– o Plano de Actividades é um meio privi- Mauri, T. (2001). O que é que faz com que o
legiado de mediação entre a educadora e a aluno e a aluna aprendam os conteúdos esco-
criança e entre pares, pelas rampas de lança- lares. In C. Coll et al, O Construtivismo em Sala
mento que induz: no estímulo à fala, à comu- de Aula (pp. 75-119). Porto: Edições ASA.
nicação, à produção cada vez mais elaborada Mercer, N. (1997). La Construción Guiada del
do discurso, ao encadeamento mental de ac- Conocimiento: el Habla de Professores y Alum-
ções que se concretizam na realização de pe- nos. Barcelona: Paidós.
Niza, S. (1998). O Modelo Curricular de Edu-
quenos projectos, à reflexão sobre as próprias
cação Pré-escolar da Escola Moderna. In
experiências, à ajuda ao outro na apropriação
J. O. Formosinho (org.) Modelos Curriculares
dos instrumentos, ao acompanhamento e
para a Educação de Infância (pp. 139-159).
atenção do que tem dificuldades na execução
Porto: Porto Editora.
da sua tarefa ou projecto;
Nussbaum, L. (2002). El aula como espacio cul-
– o Plano de Actividades é, ainda, um espe-
tural y discursivo. In C. Lomas (Org.), El
lho do que se faz dentro da sala de actividades
aprendizaje de la comunicación en las aulas (pp.
e que é facilmente perceptível aos olhos dos
195-207). Barcelona, Paidós Ibérica.
leigos, como os pais ou outros convidados, que
Onrubia, J. (2001). Ensinar: criar Zonas de De-
entram na sala. senvolvimento Próximo e intervir nelas. In
Coll et al, O Construtivismo em Sala de Aula
Tentando responder à pergunta que nos co- (pp. 120-149). Porto: Edições ASA.
locámos no início desta reflexão, percebemos Perrenoud, P. (2002, 2008). A Prática Reflexiva no
que há áreas que as crianças escolhem muito Ofício de Professor. Profissionalização e Razão
menos, desde o início do ano. Se elas fazem Pedagógica. Porto Alegre: Artemd.
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parte das Orientações Curriculares que nos são Pires, J. (2003a). Concepções e Modelos de Pla-
fornecidas oficialmente, então teremos de des- nificação Pedagógica. Escola Moderna, 17 (5),
cobrir aliciantes para que as crianças tirem 5-22.
delas o inerente proveito das aprendizagens. Pires, J. (2003b). O Planeamento no Modelo
Assim, pensamos que a reorganização dos es- Pedagógico do Movimento da Escola Mo-
paços em questão e a reformulação dos inven- derna. Escola Moderna, 17 (5), 23-68.
tários, em pequeno grupo, assumido como um Vigotski, L.S. (1984, 2007). A formação Social da
projecto a desenvolver, a inscrever no mapa de Mente. São Paulo: Martins Fontes.
projectos, para depois apresentar ao grande Zabalza, M. A. (1992). Didáctica da Educação In-
grupo, poderão ser estratégias necessárias. fantil. Porto: ASA.

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Vigotski em «A formação social da mente» (na 2.ª Perrenoud (2002, p. 198), ao analisar a prática refle-
edição de 2007), ao apresentar-nos a sua teoria, pretende xiva como domínio da complexidade, remete-nos para
clarificar diferenças entre a psicologia animal e a psicolo- Shön e diz: (…) uma prática reflexiva metódica insere-se
gia humana, pelo salto qualitativo da internalização das no horário de trabalho como uma rotina. Não uma rotina
actividades socialmente enraizadas e historicamente de- soporífera, mas uma rotina paradoxal, um estado de
senvolvidas (p. 58) que acontecem nas interacções com o alerta permanente. Por isso ela precisa de disciplina e de
meio, e justifica: «A abordagem dialéctica, admitindo a métodos: ambos têm por finalidade fazer o professor ob-
influência da natureza sobre o homem, afirma que o ho- servar, memorizar, escrever, analisar o que aconteceu,
mem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das compreender e assumir novas opções».
4 A expressão «obra de cultura» apropriámo-la do dis-
mudanças nela provocadas, novas condições naturais
para a sua existência» (ib, id. p. 62). curso de Segio Niza, mas também encontramos referên-
2 Num outro contexto e lugar, onde indagávamos so- cia às formas narrativas pessoais como «artefacto cultu-
bre as questões da «participação», verificámos que ral» em Daniels (2001, pp. 163 e 164) que por sua vez se
«[h]averá, portanto, uma relação lógica entre a organiza- fundamenta em Vigotski.
5 Todos os nomes de crianças que mencionarmos,
ção escolar e a democracia como sistema político, que
formará cidadãos mais ou menos democráticos, con- neste texto, serão fictícios.
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forme a cultura democrática dessa mesma organização A expressão de ensino como ajuda adequada chega-
escolar. E como se vai medir esse grau de cultura demo- -nos através de Onrubia (2001, pp. 123 e 124) que, ao ex-

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crática? (…) A resposta será dada pelas diversas formas plorar a concepção sócioconstrutivista do conhecimento,
de exercício da democracia, subjacentes aos objectivos explicita que «(…) o ensino como ajuda adequada pre-
(…), (Sampaio, 2005, p. 110). tende sempre, a partir da realização compartilhada ou
(…)Se a democracia se aprende, a educação tem um apoiada das tarefas, incrementar a capacidade de com-
importante papel nessa tarefa, ao colocar à disposição preensão e actuação autónoma por parte do aluno. Isto é,
dos indivíduos os princípios orientadores deste modelo tem como objectivo conseguir que os meios e recursos
político de sociedade. Uma sociedade democrática terá de apoio, utilizados pelo professor para, com a sua ajuda,
subjacente uma escola democrática que preparou os in- fazer com que o aluno chegue mais além daquilo que se-
divíduos para viver em grupo. Neste princípio está con- ria capaz individualmente, possam em determinado mo-
tido o factor participação, como orientador do percurso mento ser progressivamente retirados até desaparece-
educativo, onde cada um tem um papel a desempenhar, rem por completo, de modo que as modificações nos es-
responsabilidades a assumir, decisões partilhadas. Os há- quemas de conhecimento realizadas pelo aluno sejam
bitos de participação são fomentados pelo trabalho cola- de tal modo profundas e permanentes que este possa,
borativo, de equipa, tanto no que se refere ao processo graças a elas, enfrentar sozinho, adequadamente, situa-
educativo, no qual intervêm educadores e educandos, ções semelhante. É assim que nos introduz no conceito
como ao nível das linhas orientadoras da organização es- de Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP), de Vi-
colar» (ib. Id, p. 112). gotsky.»

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