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O Tempo de estudo autónomo na Educação

Pré-escolar e o seu reflexo nos projectos

Carla Morais

tudo”, não podia estar mais


O início… enganado. Foi aqui que me assumi

Depois de ter frequentado verdadeiramente como Educadora de

uma oficina de iniciação ao modelo Infância e onde encontrei um “grupo

pedagógico do Movimento da Escola intelectual” que me apoia. Desta

Moderna (M.E.M.) e de ter forma, vamos descobrindo e

participado num grupo cooperativo, estruturando o trabalho de maneira

senti necessidade de estar no- cooperativa, motivando-nos e

vamente com outros profissionais. O avançando no conhecimento e

Tempo de Estudo Autónomo (T.E.A.) comunicando aos outros. Como diz

foi o tema central do grupo de Sérgio Niza “os professores têm de

aprofundamento do pré-escolar e do aspirar sempre, não só a ser

primeiro ciclo do núcleo do Porto. O práticos, mas a pensar e a construir

que eu pretendia saber era como discursos sobre as suas próprias

torná-lo funcional e como é que este práticas. Essa possibilidade de

se reflectia no trabalho em projectos pensar, projectar, dialogar a

no Jardim de Infância. profissão é que funda a profissão”

Desde que me iniciei nesta (2006, p. 55).

dinâmica de trabalho cooperativo


O que é o T.E.A.?
que descobri o prazer da profissão, o
prazer de aprender com os outros e O trabalho autónomo é um
o prazer de construir. É aqui que vou tempo de estudo regular na sala de
reescrevendo e redescobrindo o meu aula e uma dinâmica que integramos
conhecimento. Quem pensa “tirei um no modelo pedagógico do M.E.M.
curso, agora já estou pronto para Consideramos que é um trabalho

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necessário à escolaridade e que


deverá, tal como diz Sérgio Niza,
“realizar-se prioritariamente na
escola” (2009, p. 3). Isto porque se Neste são disponibilizadas várias
corre o risco, “de ficarem excluídos actividades que cada criança pode
deste jogo social as famílias que se realizar livremente a partir daquilo
sentem incapazes de acompanhar a que se propôs fazer como trabalho
escolaridade dos seus filhos”. autónomo.
(idem). O T.E.A. é o momento
No Jardim de Infância, todos privilegiado para o treino de
os dias da semana, no período da capacidades, técnicas e
manhã e durante cerca de uma hora, competências curriculares, para a
o grupo está envolvido detecção de dúvidas e necessidades,
individualmente, a pares ou em para a experimentação e para se
pequenos grupos no trabalho operacionalizar a diferenciação
previamente escolhido no Plano de pedagógica. No caso do pré-escolar,
Actividades (P.A.). este tempo, é guiado pelo P.A.,
completado pela Lista de Projectos.

Fig. 1 – Plano de Actividades

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Fig. 2 - Lista de Projectos autónomo e o apoio do educador,


e apoiado em vários recursos, como realizados num mesmo tempo
por exemplo exercícios propostos em curricular, são um sistema de
ficheiros. A finalidade é como refere diferenciação da aprendizagem-
Sérgio Niza “consolidar conhe- ensino que integra o modelo
cimentos procedimentais (o saber pedagógico do M.E.M.
como) e conhecimentos
proposicionais (o saber que) ou
Como nos organizamos?
conceptuais” (Idem p. 4). Mas este
trabalho de produção e de treino é No início do ano, foi minha
registado não só no P.A. mas prioridade estabelecer uma rotina
também nos mapas de registo organizativa. Primeiro, organizei o
colectivo. No entanto, no P.A. é espaço colocando os materiais
possível visualizar não só o trabalho indispensáveis e disponíveis (pois
de treino que cada um se propõe era o meu primeiro ano nesta
realizar, como também o registo de escola) pelas diferentes áreas. Tenho
outros trabalhos e responsabilidades consciência que os equipamentos e
assumidas pela criança como actor os materiais existentes e a forma
no contexto de actividades de como estão dispostos, condicionam o
manutenção e organização do que as crianças podem fazer e
trabalho do grupo ou da escola. aprender. O conhecimento do
Claro que o educador, ao espaço, dos materiais e das
longo do tempo de trabalho actividades possíveis, também são
autónomo, deverá proceder a um condição de autonomia da criança e
controlo individual desse trabalho de do grupo. A existência de diversos
forma rotativa, como acto de materiais é essencial para que os
diagnóstico continuado. Poderá alunos possam trabalhar auto-
também dar um apoio directo a um nomamente, sem estarem depen-
aluno ou grupo de alunos com a dentes do educador. Deste modo fica
mesma necessidade. Este apoio disponível para apoiar os alunos que
ajuda a ultrapassar dificuldades, em dado momento necessitem. São
podendo ajudar a aumentar a auto- eles os mediadores entre os alunos e
confiança e mobilizar energias para as aprendizagens. Claro que para
novos progressos. O trabalho haver organização do trabalho tem

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que haver regras que têm que ser de actividades que permitiriam que
instituídas no grupo, seja sobre a se ocupassem a aprender, enquanto
utilização dos materiais, seja sobre a educadora teria tempo para apoiar
as deslocações na sala, sobre o uso quem precisasse. Expliquei-lhes que
da palavra, etc. Estas regras têm enquanto grupo teríamos que
que ser claramente negociadas e partilhar responsabilidades e tarefas
explicadas. para que a sala funcionasse bem. O
Elaboramos e colocamos educador funciona, neste momento,
também registos facilitadores que as como um mediador, estimulador e
pudessem ajudar na utilização de harmonizador. Vai circulando pelas
forma autónoma: por exemplo os várias oficinas, vai escrevendo textos
inventários e a lotação das áreas. que as crianças dizem, as
Para além destas áreas de trabalho descobertas que fazem, desafia
organizadas tínhamos também uma novas descobertas, etc.
zona com os instrumentos de Depois organizamos a
pilotagem. distribuição do tempo que se
relaciona directamente com a
organização do espaço. A utilização
do tempo depende das experiências
e oportunidades educativas propor-
cionadas pelos espaços. Prever o que
se vai fazer, tomar consciência do
que foi realizado são condições da
organização democrática do grupo e
também o suporte da aprendizagem
nas diferentes áreas do conteúdo.
Todos estes espaços e
Tanto o espaço como o tempo foram
instrumentos foram construídos em
adequados às características do
pequenos grupos e posteriormente
grupo e às necessidades de cada
feita a comunicação ao grande
criança.
grupo, como algo que se destinava a
Também foi importante criar
facilitar a organização do trabalho na
um bom clima social e afectivo,
sala, nomeadamente no T.E.A. Aqui
tendo sempre por base as relações
poderiam realizar um leque variado
pessoais entre aluno e educador. No

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caso do Modelo do MEM a relação mesa. O período de concentração de


dos alunos entre si e com o cada criança na actividade era muito
professor, assenta num contrato pequeno e estavam ainda muito
democrático de convívio e trabalho, voltadas para si mesmas, para os
construído através da organização, seus gostos, desejos e interesses.
planeamento e avaliação cooperadas O começo do Trabalho
da aprendizagem. Autónomo era muito demorado, pois
perdia muito tempo no acolhimento,
a orientar a marcação de presenças
Dificuldades sentidas…
Como resolvemos algumas e tempo, na planificação e a ajudar
questões… no preenchimento do plano de
actividades. Por isso e como a
As dificuldades com que me
maioria das crianças não identificava
deparei foram diversas, mas, mesmo
o seu nome, combinamos colocar a
assim, estava decidida a imple-
fotografia de cada um para se
mentar esta dinâmica porque estava
começarem a orientar sozinhas.
bem consciente da importância que
Realmente foi o que aconteceu. Mas
tem na verdadeira aprendizagem.
ainda assim, havia aqueles que se
A operacionalização do T.E.A.
esqueciam de encher as bolas
com crianças tão novas (de três e
quando terminavam o trabalho e
quatro anos) que nunca tinham tido
outros continuavam a não assinalar
contacto com a dinâmica deste
a escolha. Aditava o facto de as
modelo pedagógico intimidava-me.
assistentes operacionais desco-
Acrescia o facto de não haver no
nhecerem esta forma de trabalhar e
grupo crianças de cinco anos e deste
de se sentirem inseguras e mesmo
ser muito grande (vinte e três
cépticas sobre este modelo
alunos).
pedagógico. Por isso fomos reflec-
No início era muito requerida a
tindo, conversando e analisando esta
minha presença; não conseguiam
dinâmica. À medida que o tempo foi
fazer nada sozinhos e eu sentia-me
avançando, que fomos construindo,
incapaz de responder a todas as
explicando e introduzindo os
solicitações. Para o grupo tudo era
instrumentos de pilotagem e que
novidade, objecto de curiosidade e
efectivamente as aprendizagens
de exploração. Os gostos centravam-
se muito no faz-de-conta e jogos de

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aconteciam, algumas dúvidas foram- O espaço também carecia de


se dissipando. melhorias ao nível da introdução de
Na partilha das minhas preo- novas oficinas e novos materiais.
cupações e angústias no Grupo de Depois de negociado, em Novembro,
aprofundamento, sobre como agilizar criámos o laboratório das Ciências
o começo do T.E.A, fui aconselhada /Matemática. Inseri também alguns
a experimentar partilhar o poder ficheiros e cadernos para reprodução
com os Presidentes da sala. E assim do que quisessem ou de matemática
fiz. Combinámos que um ajudava a ou de experiências e para a oficina
marcar as presenças e tempo e da escrita. Agora as crianças só
outro ajudava a escrever no “Contar, queriam ir para estas áreas. Primeiro
mostrar ou escrever” (instrumento tem materiais apelativos, segundo
que utilizo na sala mas que não foi sabem-nos fazer sozinhas. No final
criado por mim). Assim eu ficaria de Outubro, notavam-se grandes
livre para orientar as escolhas no alterações comportamentais, mu-
P.A. onde tinham mais dificuldade. danças na organização, na
De facto, apercebi-me que eu tinha arrumação e maior concentração nas
sido um enorme obstáculo à tarefas/actividades. Algumas crian-
autonomia do grupo pela minha ças já escreviam autonomamente no
dificuldade em partilhar o poder. O diário de turma.
facto de cumprirmos as tarefas desta Devido à minha frequente
forma revelou-se muito útil e solicitação, à falta de curiosidade em
agilizou o início do trabalho da geral em querer saber mais por
manhã. Mais tarde, comecei a notar parte das crianças, a minha
que se esqueciam de realizar outras disponibilidade para o trabalho nos
tarefas. Depois de as questionar projectos era praticamente nula. Já
constatei que os nomes não lhes as tinha motivado, explicado o que
chamavam directamente a atenção poderiam propor, como fazer, qual
porque nem todos os identificavam. era o meu papel, mas elas estavam
Por isso sugeri-lhes que trocássemos mais interessadas em explorar
os nomes por fotografias. Como oficinas e materiais e a minha
todos concordaram experimentámos angústia continuava a aumentar.
e surtiu logo efeito. Quando se iriam interessar por
projectos? Questiono-me se foi pelos

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factos acima descritos ou por não manta que era o único local onde
haver crianças de 5 anos, ou outros conseguíamos estar todos juntos. No
motivos, que o primeiro projecto de fim de Setembro alterei a estrutura
produção só aconteceu no final de da sala, mudei a manta para outro
Outubro. Ao rever o meu diário local e aproximei as mesas dos
(onde relato episódios da minha instrumentos de pilotagem. Este
prática) percebi que perdi muitas aspecto pouco se alterou pois o
oportunidades para os “provocar”. único local onde conseguíamos estar
Decorrente de algumas todos juntos era na manta. Contudo
dificuldades já enunciadas, penso também era e é aqui, onde o grupo
que foi a falta de tempo para apoiar está mais desatento e conversador.
aqueles que sentiam mais dificul- As mesas, por serem redondas, não
dades, bem como o medo que tinha nos permitiam isso e quando
em deixar errar as crianças. Muitas acontecia, não havia lugar para
vezes, nós educadores e professores todos.
preocupamo-nos pouco com a forma Tenho consciência de que
como podemos conseguir que as tenho que criar condições para que
crianças aprendam a superar dificul- os alunos aprendam efectivamente,
dades que enfrentam e a ajudá-las a o que implica também a utilização de
identificar e corrigir os erros que estratégias de diferenciação. Para
cometem. Estamos muito habituados haver acesso à Autonomia é funda-
e é muito mais fácil dizer-lhes como mental que se equipe o espaço com
fazer e esquecemo-nos que lhes “dispositivos pedagógicos” que pro-
estamos a vedar o acesso ao movam aprendizagens. Temos que
entendimento de saber porque é que romper com a ideia da “mesma lição
se enganaram. É necessário ajudar a e os mesmos exercícios para todos”.
criança a entender as razões pelas Uma pedagogia diferenciada é onde
quais cometeu esse erro e a tomar os alunos aprendem segundo os
consciência de que só o pode corrigir seus próprios percursos de
quem o cometeu. apropriação de saberes ou de saber
O mobiliário da sala também fazer.
se revelou um grande obstáculo.
Havia muitas mesas redondas,
cadeiras que não encaixavam e uma

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O T.E.A. e o seu reflexo nos importante explicar às crianças que


projectos… um projecto deve responder a

O trabalho autónomo pode algumas questões. Por exemplo,

concretizar-se em projectos sejam para que serve o projecto? Para quê

eles de acção ou produção (quero aquele projecto? O que se está a

fazer), de estudo ou investigação fazer? Quem decidiu? Têm que se

(quero saber) ou de intervenção perceber que tem um fim. Se a

(queremos mudar). criança não se oferecer volunta-

É na lista de projectos (ver fig.nº2) riamente, o projecto não faz sentido.

que completa o P.A que podemos Também é preciso motivá-las. Este

visualizar um conjunto de tipo de trabalho permite construir

actividades que se têm que desenhar conhecimentos em interacção e de

mentalmente para responder a uma forma concreta. Com a ajuda do

pergunta feita. Envolve uma pes- educador a criança vai recolhendo

quisa que pode ser ou individual, a informação com o objectivo de

pares ou em pequenos grupos. transmitir aos outros as descobertas

O trabalho em projectos feitas.

caracteriza-se por cinco momentos Mas como é que planeamos os

distintos: formulação (conversa em projectos? O planeamento dos

grande grupo; identificação de um projectos é feito sempre em grupo.

problema; formulação de projectos); Na sua maioria foram surgindo

balanço diagnóstico (onde se faz o naturalmente nalguns momentos

levantamento do que temos e do que como na conversa da manhã, em

sabemos sobre o tema); divisão e conselho, nas comunicações, depois

distribuição do trabalho (quem da hora do conto. O planeamento é

faz o quê, quando, como e onde); registado em alguns instrumentos de

realização do trabalho organização cooperada do grupo,

(desenvolvimento de estudos, nomeadamente na lista de projectos,

pesquisa ou resolução de no P.A. e no diário de turma. Foi

problemas); comunicação (partilha essencialmente através do diálogo,

á turma, perguntas e opiniões, trocando ideias sobre o que

lançamento de novas pistas de pretendem fazer, formulando

trabalho). Para além dos cinco questões, levantando hipóteses, que

momentos já descritos também é as crianças definiram as fases que

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julgam necessárias para concretizar tal, procurando dados em livros,


o trabalho. Finalmente, dentro do enciclopédias e álbuns de projectos
que precisamos, também levan- anteriores. A avaliação dos projectos
tamos as fontes para saber onde vão pode ser feita de duas formas
procurar esse material e informação. complementares: numa perspectiva
Foi essencialmente através do longitudinal, em que a avaliação de-
questionamento, que na maioria das corre ao longo da pesquisa e numa
vezes, ajudei o grupo a estruturar os perspectiva de validação social,
seus conhecimentos e a antecipar quando os intervenientes comunicam
aquilo que pretendiam realizar, o que aprenderam e recolhem as
tendo em conta o que já sabem ou o reacções dos seus pares.
que já têm. Foi nestes momentos, Mas implementar esta realidade foi
com o grupo todo reunido que os de facto muito difícil, principalmente
projectos se foram alargando ao porque na idade pré-escolar não
grupo todo. A família e a sabem ler nem escrever. Uma das
comunidade também participam e maiores dificuldades que eu tinha
acabam por tornar-se fontes e era como envolver as crianças mais
recursos do desenvolvimento dos novas nos projectos? Foi através das
projectos. Ao mesmo tempo comunicações e do conselho, onde
reforçam-se os laços e a troca de toda a sala fica a saber o que se está
saberes. Valorizam-se também os a passar, que as crianças mais novas
contextos sociais e culturais da vida acabaram por se envolver. Na
do aluno. Este modelo pedagógico maioria das vezes não participam
considera importante a relação de plenamente em algumas fases do
permuta com o mundo exterior da projecto, como a do planeamento,
escola. devido às dificuldades para antecipar
A difusão e partilha dos produtos o que se vai passar. No entanto,
culturais do trabalho podem ser acabam por participar nas activi-
feitas nas comunicações, nos dades porque são algo de concreto.
diálogos de acolhimento, através da Também quando vêem os mais ve-
correspondência, de livros e da leitu- lhos fazer algo também querem
ra, apresentação de produções, de participar e são integrados pelos
exposições ou publicações. As crian- próprios colegas nas actividades.
ças podem fazer pesquisa documen-

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Muitas vezes, talvez devido à minha contributos dos outros. É preciso que
ansiedade em que aparecesse o o adulto esteja presente para
primeiro projecto, pensei na facilitar as aprendizagens. Para isso
possibilidade de ser eu a escolher pode utilizar algumas estratégias
um tema. Mas depressa pus essa como: decidir sobre a arrumação e
ideia de lado. Porque é algo a que o organização das produções e
sujeito que o realiza se deve sentir recolhas; manter todo o material e
ligado, com o qual se deve identificar equipamentos sempre prontos a
e através do qual se pode propor utilizar; registar o que a criança
aprender e que permite a pede e os comentários; ajudar com a
aprendizagem a todos os outros sua experiência no progresso das
elementos do grupo. Se fosse eu a aprendizagens do grupo; apoiar nos
fazê-lo, isso nunca aconteceria. É em momentos de síntese e avaliação das
conselho que se regulam os actividades; facilitar as relações
projectos, que se escolhem parceiros interpessoais e a negociação na
para trabalhar, que se decide toda a tomada de decisões do grupo.
vida do grupo. O educador tem como A maioria das actividades
tarefa ajudar na concretização dos ligadas aos projectos pode ser
planos que as crianças fazem, realizadas nas áreas de trabalho da
mesmo que pareçam impossíveis de sala. Quando isso não é possível,
realizar. Vamos escrevendo em criam-se novos espaços ou utilizam-
grupo para que elas não se se outros. Há sempre o cuidado e a
esqueçam o que se combinou e para preocupação de encontrar o espaço
que se lembrem o que há a mais adequado às actividades. O
concretizar. Por vezes os planos têm espaço e as rotinas não têm uma
que ser discutidos e negociados para organização rígida. Podem ser
haver uma possibilidade real de alteradas desde que essa alteração
serem desenvolvidos. O educador seja fruto de uma decisão colectiva,
deve simplesmente apoiar, esti- negociada em conjunto.
mular, envolver-se discretamente Como já referi o primeiro
nas decisões. Os momentos de projecto de produção só aconteceu
trabalho em grupo permitem uma no final de Outubro. Nestes
interacção rica entre alunos, bene- primeiros, senti que foram muito
ficiando cada um com as trocas e os atrás da minha orientação, daquilo

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que os amigos diziam e menos pela


sua verdadeira curiosidade. Mas
efectivamente foi com a
comunicação do Projecto”O Fogue-
tão” que se deu o “clic” para o
despoletar do verdadeiro trabalho
nos projectos.
Foi da necessidade que
tivemos em consultar os projectos
realizados anteriormente e do
confronto com o desaparecimento do
Fig. 4 - Registo dos projectos nº1.
material e informação já usada, que
surgiu a necessidade de criar um
registo para os projectos e um Foi uma boa forma de reflectirem
dossier que nos ajudasse a organizar sobre o trabalho realizado. Primeiro
toda a informação relativa aos este registo foi construído na
mesmos. Isto para que não se vol- horizontal mas limitava muito o
tasse a repetir a perda e para que a espaço para escrita. Foi então que
informação estivesse sempre no grupo de aprofundamento me
disponível para todos os que sugeriram que o elaborasse na
necessitassem. Inspirada num horizontal. Depois de alterado ainda
sábado pedagógico com a Esmeralda ampliei os itens, acrescentando uma
Raminhos do 1º ciclo do Ensino parte onde se podiam registar os
Básico, e numa grelha que ela materiais utilizados (registo dos
apresentou, criei inicialmente o projectos nº2) e que faltava no
Registo dos projectos nº1. registo inicial.
Este facilitou-nos não só a
organização como também nos
ajudou a ter uma ideia mais clara do
que há a fazer, do caminho já
traçado, a não nos esquecermos e
perdermos anotações ou materiais.

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Nome do Projecto: fazia em relação ao 1º ciclo. Era


Nome dos Elementos do
Grupo:_____________________
Donde surgiu a
ideia?
O que queremos
fazer?
O que já sabemos?
Como vamos fazer?
Onde vamos
procurar?
O que aprendemos?

Materiais:
Bibliografia
Como vamos
apresentar?
algo daquele género que eu
Data de Início
pretendia mas como era para o
Data do Fim
pré-escolar teria que ser de fácil
Data da
implementação. Assim criei o
comunicação
Fig. 5 - Registo dos projectos nº2. registo nº3 de auto-avaliação de
competências no trabalho em
projecto.
Foi no fim de cada projecto e a partir
da auto-avaliação oral de cada
criança que achei que devia registar
tudo o que diziam sobre o trabalho
efectuado e que me permitisse
simultaneamente saber como a Fig. nº6 - Auto-avaliação de
criança se sentiu, o que aprendeu, Competências no Trabalho em
mas tudo de uma forma simples pois Projecto
tinha que ser prática. Não podia ser
mais um obstáculo. Quando lia Os resultados foram magníficos.
atentamente o artigo do Luís Mestre Nunca pensei que tivessem tanta
(2008, p. 18) observei como ele percepção e tanta consciência do

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percurso realizado, dos erros Fig. nº 7 - Registo de Avaliação à


efectuados. No contexto do trabalho Comunicação
autónomo, a auto-avaliação é
fundamental para que o aluno tome Um aspecto que ficou bem presente
consciência dos seus progressos e na análise do meu diário, foi que os
das suas dificuldades, permitindo-lhe momentos colectivos, nomea-
rectificar e apropriar estratégias e ir damente as comunicações e balan-
corrigindo alguns erros que tenha ços, foram muito úteis para clarificar
feito. É realmente neste confronto e o que há a aprender, para iniciar
nos seus reajustamentos que se algumas aprendizagens, bem como
constrói a autonomia do sujeito. para regular a vida social do grupo.
Também após as comunicações dos A comunicação é uma condição
projectos, quando os colegas davam essencial de desenvolvimento mental
as suas opiniões achei que devíamos e de formação social. Os
ter onde registar a avaliação que os comentários dos colegas tornam
outros fizeram. A inspiração foi a mais explícito o que parece estar
mesma do registo anterior. Agora só aprendido ainda sem solidez.
precisava que este se adequasse à Também os modelos interactivos são
avaliação das comunicações, registo importantes para avaliar os
nº4. Para isso só alterei o cabeçalho, progressos nas aprendizagens
acrescentei as sugestões dos nomeadamente na confrontação da
colegas, da educadora e as comunicação destas aos colegas.
conclusões do grupo.

Algumas considerações
finais…

Não posso dizer que foi fácil


implementar esta dinâmica do T.E.A.
ao longo do tempo. Agora percebo,
através da leitura longitudinal do
meu diário, que foi uma das
dinâmicas onde os progressos são
mais notórios, num espaço de tempo
mais curto.

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O Trabalho neste grupo de diferenciado de aprendizagem dos


aprofundamento e a reflexão alunos e não no ensino simultâneo.
partilhada e acompanhada permiti- Também propõe e realça o papel do
ram-me crescer substancialmente na grupo como um agente provocador
minha prática. Sinto que me tornei do desenvolvimento intelectual,
mais segura, mais convicta das moral e cívico com uma forte ligação
potencialidades deste modelo e mais ao quotidiano. Esta ligação dá um
certa de que a reflexão sobre o maior significado à Escola e vai
trabalho com pares da profissão é proporcionar a aprendizagem atra-
determinante. vés de desafios baseados nos
Também descobri que à problemas dos grupos e da
medida que os alunos vão comunidade.
experimentando um trabalho mais O papel dos educadores é fulcral
autónomo, vão assumindo um prota- para promover uma organização
gonismo maior na planificação e participativa, a cooperação e a cida-
regulação de todo o trabalho. dania democrática, encorajando a
A vida do grupo organiza-se liberdade de expressão, as atitudes
numa experiência de democracia críticas, a autonomia e a responsa-
directa, não representativa, onde se bilidade.
privilegia a comunicação, a nego- É na partilha dos saberes
ciação e a cooperação. A construídos, quando comunicados à
aprendizagem é impulsionada mais comunidade que todos têm a possi-
pelo grupo do que pelo professor ou bilidade de ampliar os seus conheci-
por cada criança individualmente. mentos, apoiados nos saberes dos
É primordial clarificar a importância companheiros. Dessa forma, todos
e os objectivos da partilha de crescem porque neles ampliam a sua
aprendizagens com o grupo: o que compreensão. Uns porque recebem
comunicar, para quê, como, em que conhecimento dos colegas que
tempo? Pois na maioria das vezes comunicam e outros porque através
preocupamo-nos mais com a das críticas que os companheiros
produção e menos com a forma lhes dirigem podem completar,
como se comunica. desenvolver e aclarar os
A acção educativa, neste conhecimentos então construídos.
modelo centra-se no trabalho

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Referências bibliográficas:

Niza, S.(2009). Editorial. Escola


Moderna, 34 (5) 3-4.

Peças, A.(2006). Sérgio Niza: A


Construção de uma Democracia na
Acção Educativa. Escola Moderna, 27
(5). 52-66.

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