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AROMA DO CAMPO:

cosméticos étnicos
para o mundo

A Aroma do Campo foi fundada em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, em 1986, em um


pequeno galpão de 100 m2, oferecendo uma única linha de xampus e condicionadores
que levava o nome da empresa. Em 2009, a Aroma do Campo atendia ao mercado
nacional e exportava para Europa, América Latina, África e Ásia. Este case relata o
desenvolvimento desta pequena empresa e seu bem sucedido processo de expansão
internacional.1

Histórico

Os fundadores da empresa eram Itamar Serpa, Mussum dos Trapalhões e Samuel


Fernandes. Enquanto Itamar Serpa entrava apenas como sócio-capitalista, Mussum se
ocupava da relação com clientes e Samuel Fernandes conduzia o novo empreendimento.
Samuel Fernandes vinha da Embelleze, onde ocupara por cinco anos o cargo de diretor
geral, enquanto Itamar Serpa era, à época, um dos donos da própria Embelleze. A
proposta da empresa era trabalhar com produtos naturais, focando as necessidades da
mulher brasileira, com suas múltiplas características étnicas. Seus produtos eram à base
de princípios ativos naturais, como camomila, jaborande e manteiga de karité.

A empresa nasceu em um período de extrema turbulência, caracterizado pelo Plano


Cruzado, que Samuel Fernandes definiu como “um dos planos mais ferozes da economia
brasileira”. O lançamento de novos produtos, como o creme alisante e a loção para dourar
os pelos, permitiu a empresa manter-se à tona nesse período de grandes dificuldades. O
sucesso foi quase imediato, de tal modo que, já em 1992, a Aroma do Campo se mudava
para novas instalações, no mesmo bairro de Nova Iguaçu, cinco vezes maiores que o
prédio anterior. Em 1993, Samuel Fernandes adquiriu a participação de Itamar Serpa. A
empresa faturava, àquela época, o equivalente a 7,2 milhões de dólares ao ano.

Em 1996, a Aroma do Campo ampliou mais sua linha de produtos, introduzindo no


mercado, com bastante sucesso, uma tintura em creme. Foi nesse período que a
empresa ampliou sua cobertura geográfica, saindo de seu mercado de origem, o Rio de
Janeiro, e tornando-se uma empresa nacional. O passo seguinte foi dado no ano 2000,
quando a Aroma do Campo iniciou sua internacionalização.

1
Este case de sucesso foi extraído de trabalho apresentado por Samuel Ferreira Fernandes,
intitulado “Projeto Exportação Aroma do Campo – 6 anos de desafios” no Programa MBA
Marketing do Coppead/ Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2006, coordenado pelo Prof.
Dr. Renato Cotta de Mello. Foram obtidas informações adicionais de fontes publicadas.

1
A empresa atendia principalmente as classes C e D do mercado consumidor brasileiro,
exatamente aquelas que, a partir do Plano Real, vinham crescendo de forma mais
marcante, embora seus produtos também atingissem os segmentos superiores do
mercado. Na visão do empresário, quanto mais alta a classe econômica, maior a lealdade
do consumidor à marca. Nos segmentos de classe C e D, havia menos lealdade, sendo
preço e diferenciação de produto fatores relevantes nas escolhas do consumidor. Para
superar a troca de marcas, a diferenciação de produtos era um instrumento fundamental
de marketing.

A linha étnica – desenvolvida para atender consumidores afrodescendentes – era voltada


para uma parcela de consumidores que pertencia à classe média ou a ela estava
ascendendo. Os cosméticos étnicos, como os desenvolvidos pela Aroma do Campo, eram
produtos inovadores, distintos daqueles vendidos normalmente pelas multinacionais na
época em que a empresa iniciou suas atividades, que eram mais adequados a mulheres
de descendência européia, com cabelos lisos e finos. No entanto, os produtos da Aroma
do Campo tinham maior amplitude de mercado, não se restringindo apenas ao segmento
afro. A oportunidade para esses produtos derivava do fato de mais de 60% das mulheres
brasileiras terem cabelos crespos. Assim, esses produtos foram perdendo a designação
de “étnicos”, passando a ser vistos como adequados a mulheres com cabelos crespos, ou
cacheados.

O passo seguinte foi dado no ano 2000, quando a Aroma do Campo iniciou sua
internacionalização. Foi também nessa época que as empresas multinacionais
começaram a atentar para a importância do segmento de cosméticos étnicos e similares,
desenvolvendo produtos voltados para atender a esses consumidores, e adquirindo
empresas menores que atuavam no segmento. As empresas brasileiras de menor porte,
atuantes nesse segmento, entre as quais se destacava a Aroma do Campo, precisavam
se expandir para garantir sua sobrevivência a longo prazo.

Em 2009, a Aroma do Campo contava com mais de 1000 colaboradores e um parque


industrial que ocupava 42.500 m2. Suas linhas de produto incluíam: Luminous, Fio &
Pontas Salon, Alisa e Tinge, Henêlisa, Bio H2O e Sistema Inteligente, entre outras. Em
janeiro de 2009, a empresa adquiriu o controle acionário da empresa Vita-A, criando o
grupo IMS Beauty Company. A aquisição da Vita-A possibilitou à empresa adicionar à sua
linha produtos de relaxamento/guanidina, permitindo ainda a entrada no segmento de
tratamento capilar.

Processo de Internacionalização

Os primeiros países para os quais a Aroma do Campo exportou foram os latino-


americanos, entre os quais Paraguai, Bolívia, Equador, Honduras, República Dominicana.
As primeiras exportações, na opinião do empresário, foram feitas de “maneira pouco
profissional e pouco estruturada” e resultavam de contatos feitos por compradores quando
a Aroma do Campo participava de feiras no sul do Brasil. Nesses contatos, o produto de
maior sucesso era a tintura, que tinha preço atraente. Além disso, a empresa dava forte
apoio promocional no ponto de venda (por meio de cartela de mechas, panfletos, displays
e outras ações no ponto de venda), o que era apreciado pelos compradores.
Em 2002, consciente da importância da exportação em sua estratégia, a direção da
Aroma do Campo criou o cargo de Diretor de Exportação, com a missão imediata de abrir
o mercado português. Para isso, mostrou-se necessário criar uma estrutura específica
para exportação. Como observou o empresário Samuel Fernandes:

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“Para que puséssemos alcançar o objetivo de ter uma participação de 10% em
2005, em três anos, montamos uma equipe interna para apoiar os projetos, com
três pessoas de suporte que cuidavam do envio de pedidos, amostras de produtos
para clientes interessados, uma pessoa de criação, que ajudava nas campanhas
do ponto de venda e até em adaptações de alguns produtos para países que
necessitavam de outras linguagens....”

“A montagem desta equipe foi fundamental, pois as áreas internas da empresa


deveriam olhar para exportação como um negócio para a empresa, e tratar dos
prazos, qualidade, atendimento, enfim, tudo que uma empresa precisa...”

Em 2003, a Aroma do Campo já havia diversificado seus mercados de exportação,


atendendo também a vários países africanos, entre os quais Angola, África do Sul e
Congo. Na Europa, a empresa atuava em vários mercados e tinha um agente em
Portugal, que prospectava o mercado europeu, permitindo o atendimento a outras praças
européias. Em 2004, seus mercados incluíam Estados Unidos e Emirados Árabes, além
de países da América Latina, Europa e África. Em 2009, a empresa mantinha as
exportações em torno de 10% de sua produção e exportava para dez países situados em
quatro continentes: América Latina, Europa, África e Ásia.

Estratégias de Exportação

As estratégias adotadas variavam de país a país, tendo a empresa feito um grande


esforço para adaptar seu composto de marketing às peculiaridades locais. Foram feitas
adaptações em produtos e embalagens, sempre que necessárias, e, além disso, os
canais de distribuição variavam em função das características dos mercados locais e das
competências dos parceiros.

Em Honduras, a empresa fez parceria com uma empresa local com grande penetração,
por meio de venda porta a porta. Foram feitas pequenas mudanças na cor das
embalagens, sendo os produtos vendidos sob marca local. Eram conduzidos treinamentos
para as consultoras de beleza do parceiro, com visitas esporádicas de pessoal da Aroma
do Campo, por ocasião de novos lançamentos. A estratégia de atendimento a esse cliente
era fortemente baseada em custo. Para poder atendê-lo e mesmo assim obter lucro, a
empresa adotou uma série de procedimentos, entre os quais o cliente colocar os pedidos
com bastante antecedência, a empresa atender aos pedidos sem manter estoques, e
negociar fretes com muita antecedência para obter melhores preços. Além disso, foram
usadas embalagens iguais às utilizadas no mercado brasileiro (com mudança apenas de
cores e nome), o que permitiu aumentar a escala de produção e reduzir custos, além de
ganhar tempo de set-up de maquinário e tempo de fabricação.

No Paraguai, a Aroma do Campo fez parceria com uma empresa que trabalhava com
auto-serviço, o que acabou por tornar esse canal de distribuição dominante nesse
mercado. Já para a Argentina, foi exportada com muito sucesso a linha de tinturas em
creme Luminous Color, em que a Aroma do Campo se diferenciava, o que lhe permitia
cobrar um preço um pouco acima das concorrentes locais. Nesse mercado, usavam-se
vários canais de distribuição distintos, com exceção da venda porta a porta.

Em 2004, a empresa fechou um acordo com a rede francesa de supermercados


Carrefour, para exportar produtos da linha de tratamento afro, entre os quais relaxantes e

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alisantes de cabelo. Em outubro de 2004, esses produtos começaram a ser vendidos em
Paris e esperava-se que as vendas se estendessem a outras cidades européias atendidas
pela rede. A expectativa da Aroma do Campo, segundo declaração da diretora de
marketing, era vender aproximadamente 800 mil euros naquele contrato no primeiro ano
de fornecimento. A opção de trabalhar com o Carrefour na França, exportando produtos
para o segmento afro, rendeu bons frutos: em 2006, a empresa exportou mais de 50
contêineres para esse cliente, a preços equivalentes aos praticados no Brasil. Os
produtos também eram similares aos oferecidos no mercado brasileiro, embora as
embalagens fossem diferenciadas. A marca Vitahair, da Aroma do Campo, estava
presente em mais de 45 pontos de vendas na França, incluindo as cadeias Carrefour,
Auchan e E.Leclerc.

A empresa dispunha, nos Estados Unidos, de um centro de distribuição e uma equipe de


vendedores. A empresa desenvolveu embalagens diferenciadas para o mercado norte-
americano, que, em geral, preferia embalagens maiores (500 ml), comparativamente com
embalagens bem menores vendidas no Brasil. Além disso, a empresa incluía em seus
produtos extratos naturais e plantas da Amazônia. Na opinião do empresário, essas
embalagens diferenciadas criavam custos adicionais elevados, mas seria difícil competir
sem introduzir essas mudanças na linha.

Aprendizado da Empresa

O empresário Samuel Fernandes acreditava que o compromisso da empresa com a


exportação transcendia as oscilações e flutuações do câmbio. Ele observou:

“Acredito que o grande acerto da empresa, no caso da exportação, foi não reduzir
em nenhum momento os investimentos {nesta atividade}, mesmo quando as
coisas não andavam como a empresa esperava, {ela] não alcançava seus
objetivos. Noto, conversando com alguns concorrentes, que no primeiro revés eles
abandonam os projetos e se voltam para o mercado nacional... O fato de
buscarmos nas praças em que podíamos a diferenciação também facilitou muito,
pois com margens maiores podemos passar por eventuais problemas em nosso
país que pudessem nos afetar...”

Entre as lições aprendidas destacava-se o problema de controle das atividades de


exportação, em particular dos estoques:

“Um erro que tivemos num primeiro momento e conseguimos resolver


recentemente foi a quantidade de estocagem em produtos específicos para alguns
mercados/clientes. Isso nos onerava muito o estoque, os contratos não
contemplavam compras mínimas...”

Não depender no exterior de clientes com marcas próprias era uma outra lição, já que
esses clientes poderiam ser tentados mais facilmente a romper a parceria “por conta de
outra proposta mais atraente por parte de um concorrente”. Se isso ocorresse, a empresa
perderia os investimentos feitos naquele mercado.
O empresário alertava ainda para a questão de registro de marcas no exterior:

“Alguns concorrentes não se cuidaram em relação a suas marcas. Por exemplo,


temos o caso de uma empresa concorrente que perdeu sua marca em diversos
países asiáticos e africanos por conta da ação de empresas desses lugares. Ela

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não se precaveu e não registrou a marca, um erro muito grave, mas que na
realidade acontece com vários fabricantes.”

No começo de 2009, em plena crise internacional, a Aroma do Campo não esmorecia e


continuava seu processo de expansão, adquirindo a Vita-A, uma empresa do Rio de
Janeiro, com linha complementar à sua. Esse passo mostrava o comprometimento da
empresa com o crescimento. Ela já havia adquirido uma posição respeitável no mercado
brasileiro e salientava-se entre os exportadores de cosméticos do país.

LIÇÕES DO CASO AROMA DO CAMPO:

1. A exportação é uma atividade que exige comprometimento da empresa para ser


bem sucedida.
O case Aroma do Campo mostra como é importante que os dirigentes da empresa
estejam comprometidos com a exportação e a considerem uma atividade estratégica para
a empresa. O empresário Samuel Fernandes mostrou plena consciência dessa
importância, colocando a exportação como um dos vetores de crescimento da empresa. O
empresário estabeleceu uma meta de 10% do faturamento proveniente de exportações,
perseguiu e alcançou essa meta. No entanto, como ele mesmo observou, muitas
empresas tratam a exportação como atividade esporádica, vendo-a apenas de forma
oportunista, como meio de canalizar o excedente de produção em períodos de vendas
baixas no mercado interno, e abandonando-a quando o mercado interno fica aquecido.
Essa postura é prejudicial à empresa, que “queima” sua marca lá fora, além de
comprometer a imagem do país no exterior.

2. Seja flexível: quando necessário, adapte o produto, o preço e os canais de


distribuição.
Muitos empresários se recusam a considerar a possibilidade de fazer adaptações em
seus produtos para atender os mercados externos. Querem oferecer um produto
padronizado no exterior, igual ao que vendem no Brasil. Isso às vezes é possível, mas
depende um pouco do produto e do mercado específico. Em geral, alguma adaptação é
necessária, por menor que seja. No caso de produtos de consumo, é mais comum que
seja necessário fazer algumas adaptações. Os cosméticos estão entre os produtos que,
em geral, exigem adaptação, por vários motivos. Um deles é o clima, que pode ser seco
ou úmido, quente ou frio, o que eventualmente impacta as características do produto. Há
também preferências locais com relação a cores, aromas, embalagem, etc. Por exemplo,
a Aroma do Campo teve que vender uma embalagem muito maior nos EUA, seguindo os
hábitos dos consumidores daquele país.

3. Crie diferenciais.
Apesar de ser uma empresa bem menor do que suas concorrentes multinacionais, e
mesmo do que algumas concorrentes nacionais, a Aroma do Campo soube desenvolver
produto com posicionamentos distintos e específicos, diferenciando-se de seus
concorrentes. Dessa forma, e pela introdução de produtos inovadores, a empresa
conquistou uma fatia de mercado crescente no competitivo mercado brasileiro de
cosméticos. Além disso, ela criou vários atrativos para os clientes varejistas, entre os
quais a disponibilidade de material promocional abundante, além de oferecer preços
acessíveis.

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