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Vazamento de óleo no Nordeste: quais


órgãos são responsáveis por limpar,
investigar e punir
João Fellet - @joaofellet
Da BBC News Brasil em São Paulo

29 outubro 2019

MARINHA

Militares da Marinha e agentes do Ibama trabalham para retirar óleo da foz do rio Jaboatão, em
Pernambuco
As manchas de óleo no litoral do Nordeste mobilizaram vários órgãos federais, estaduais e
municipais, além de milhares de voluntários.

O incidente já afetou 225 praias em 80 municípios desde o fim de agosto. Neste fim de
semana, as manchas voltaram a aparecer em seis praias do Rio Grande do Norte que já
haviam sido afetadas pelo vazamento (Tabatinga, Búzios e Camurupim, em Nísia Floresta;
Praia do Giz e Praia do Amor, em Tibau do Sul; e Pirangi do Norte, em Parnamirim).

A dimensão do acidente e as dúvidas quanto à sua autoria têm alimentado embates entre
autoridades e motivado críticas de comunidades impactadas e ambientalistas, que
questionam a eficácia da resposta governamental ao desastre.

Qual é, no entanto, a atribuição de cada órgão em um incidente como esse? Quem é


responsável por limpar as praias, investigar o vazamento e denunciar os responsáveis?

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petróleo no Nordeste

A legislação brasileira define as atribuições de cada órgão na resposta a acidentes


ambientais. Em vários casos, há responsabilidades sobrepostas, quando mais de um órgão é
incumbido de determinada função.

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beijo
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam, porém, que a responsabilidade
primordial em acidentes de grande magnitude em praias e mares é da União, e não de
Estados e municípios.

Em seu artigo 20, a Constituição cita entre os bens da União as "praias marítimas" e "os
terrenos de marinha e seus acrescidos". "Terrenos de marinha e acrescidos" são as áreas
localizadas numa faixa de 33 metros contados a partir do mar em direção ao continente,
assim como as margens de rios e lagoas que sofrem a influência de marés.

Para Monique Cheker, procuradora do


Ministério Público Federal (MPF) em Angra
dos Reis (RJ) com experiência em questões
ambientais, em incidentes menores em praias,
como no caso de um comércio que jogue lixo
comum na areia, não é necessário acionar os
órgãos da União.

Nessas situações, diz ela, as secretarias


estaduais ou municipais de Meio Ambiente
podem dar conta da questão, multando o
comerciante e providenciando a limpeza.

Mas a procuradora afirma que em casos de


grande dimensão, como o do óleo no
Nordeste, o "papel de órgãos estaduais e
Brasil Partido
municipais é secundário". "Quando há essa
amplitude de dano, é flagrante a João Fellet tenta entender como brasileiros
responsabilidade do governo federal, chegaram ao grau atual de divisão.
principalmente o Ministério do Meio Ambiente
Episódios
e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis)", afirma.

Cheker diz que órgãos federais têm a primazia nas ações de limpeza e investigação. Ela
afirma que órgãos estaduais e municipais — entre os quais as defesas civis e as secretarias de
Meio Ambiente — podem e devem se envolver nessas ações, mas sempre sob a coordenação
federal.
IBAMA

Ibama tem a atribuição de conduzir processo administrativo contra os responsáveis pelo


incidente, multando-os e exigindo a reparação dos danos

O advogado André Lima, ex-secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, diz que cabe
principalmente ao Ministério do Meio Ambiente organizar a resposta governamental ao
desastre.

"Onde todo mundo tem alguma responsabilidade, se você não tem a coordenação de
esforços, rola bateção de cabeça ou lacunas de ação", afirma Lima.

Ele diz que a divisão de tarefas em casos de vazamento de petróleo está definida no Plano
Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), criado em 2013.

O plano aponta o Ministério do Meio Ambiente (MMA) como responsável pela coordenação
das atividades e cita quatro instâncias, integradas por órgãos federais, incumbidas de agir
nesses casos. Há críticas, porém, à execução do plano.

Duas das instâncias citadas no documento foram extintas pelo governo Jair Bolsonaro em
abril junto de vários outros órgãos.

Uma delas é o Comitê Executivo, "responsável pela proposição das diretrizes para
implementação do plano" e composto pelo MMA, Ministério de Minas e Energia, Marinha,
Ibama, Agência Nacional do Petróleo, Ministério da Integração Nacional (hoje absorvido pelo
Ministério do Desenvolvimento Regional) e Ministério dos Transportes.

O outro órgão extinto foi o Comitê de Suporte, composto por vários outros órgãos federais
incumbidos de auxiliar na resposta ao acidente.

Para André Lima, a extinção dos comitês tem dificultado a implantação do plano. "O governo
desestruturou todo o arranjo de governança, comprometendo a coordenação de ações entre
diferentes ministérios", afirma o advogado.
Já o governo diz que tem agido conforme o plano. Em 17/10, o presidente do Ibama,
Eduardo Bim, disse no Senado que o órgão trabalha em conjunto com a Marinha e a ANP
desde setembro e que a Marinha foi encarregada de liderar as ações.

Veja a seguir os principais papéis que a legislação brasileira atribui aos órgãos públicos
envolvidos em um incidente como o que afeta as praias do Nordeste.

Ministério do Meio Ambiente (MMA)


Hoje chefiado por Ricardo Salles (Partido Novo) e subordinado à Presidência da República, é
considerado pelos especialistas o órgão com mais atribuições na resposta a incidentes
graves.

Ele é responsável pela coordenação do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de


Poluição por Óleo (PNC) e exerce autoridade sobre duas agências federais envolvidas nas
ações, o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Segundo a procuradora Monique Cheker, o ministro do Meio Ambiente pode sofrer uma ação
de improbidade administrativa caso descumpra suas atribuições na resposta ao incidente.
Isso poderia ocorrer num cenário em que, por exemplo, ele se recuse a tomar providências ou
demore para fazê-lo mesmo sabendo da gravidade de uma ocorrência

Ibama

Autarquia subordinada ao MMA, é responsável por agir em casos que envolvem danos
ambientais relevantes em áreas da União.

Segundo Monique Cheker, é o Ibama quem deveria fornecer os equipamentos de segurança


necessários para remover o petróleo das praias e orientar voluntários nas atividades, por ter
servidores técnicos habilitados a desempenhar a função.

Outra atribuição do órgão é conduzir um processo administrativo contra os responsáveis


pelo incidente, multando-os e exigindo a reparação dos danos.

Esse processo independe de ações sobre o mesmo caso que possam tramitar na Justiça.
DIVULGAÇÃO

À direita, ministro do Meio Ambinte, Ricardo Salles, em reunião sobre o vazamento de óleo no
Nordeste; órgão deveria liderar resposta do governo ao incidente, segundo especialistas

ICMBio

Administra as unidades de conservação federais. Quando há dano ambiental nessas áreas, o


ICMbio deve agir em parceria com o Ibama na reparação do problema. Isso envolveria, por
exemplo, a participação de agentes do ICMBio nos mutirões de limpeza nas praias.

Várias unidades de conservação foram afetadas pelo vazamento de óleo no Nordeste, entre
as quais a Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, que ocupa trechos do litoral de
Pernambuco e Alagoas.

Polícia Federal (PF)

É o único órgão federal que investiga crimes, inclusive os ambientais (já que o Ibama atua
apenas na esfera administrativa). Portanto, a PF tem papel central na responsabilização dos
culpados pelo vazamento.

Cabe a ela instaurar um inquérito policial e apurar as circunstâncias do desastre, colhendo


provas e depoimentos. O inquérito deve ser compartilhado com o Ministério Público Federal
(MPF).

Ministério Público Federal (MPF)

Com base nas informações levantadas pela Polícia Federal, o MPF avalia se oferece uma
denúncia à Justiça ou se arquiva o caso. Essa ação pode tramitar na esfera criminal e buscar
a punição dos responsáveis, com pena de multa ou até prisão. Mesmo empresas e pessoas
estrangeiras podem ser investigadas e denunciadas, ainda que muitas vezes escapem de
cumprir as penas quando condenadas.
O MPF também atua na esfera cível. O órgão pode conduzir uma Ação Civil Pública para
cobrar providências das autoridades responsáveis por sanar um dano ambiental, por
exemplo. Essas ações costumam ter efeitos mais rápidos e atendem a interesses difusos, que
envolvem grupos maiores de vítimas.

Outro desdobramento possível é uma ação de improbidade administrativa, caso o MPF avalie
que alguma autoridade descumpriu suas atribuições na resposta a um incidente.
Condenados por improbidade administrativa têm seus direitos políticos suspensos e ficam
impossibilitados de se candidatar a cargos eletivos.

Marinha

Segundo a lei 9.966 (28/4/200), o órgão é responsável por:

- fiscalizar navios, plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de


natureza nociva ou perigosa, autuando os infratores na esfera de sua competência;

- levantar dados e informações e apurar responsabilidades sobre os incidentes com navios,


plataformas e suas instalações de apoio que tenham provocado danos ambientais;

- encaminhar os dados, informações e resultados de apuração de responsabilidades ao órgão


federal de meio ambiente, para avaliação dos danos ambientais e início das medidas judiciais
cabíveis;

- comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo irregularidades encontradas


durante a fiscalização de navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando atinentes à
indústria do petróleo.

Como a Marinha é o órgão da União mais equipado para atuar nos mares, ela acaba
assumindo outras funções. No caso do óleo no Nordeste, ela tem coordenado, por exemplo,
o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC) - função que,
segundo os especialistas entrevistados, deveria estar nas mãos do Ministério do Meio
Ambiente.

Agência Nacional de Petróleo (ANP)

Responsável por fiscalizar e regulamentar a extração petrolífera em território nacional, deve


coordenar as demais agências governamentais nos casos de incidentes de poluição por óleo
que ocorram a partir de estruturas submarinas de perfuração e produção de petróleo.

Por ora, porém, as investigações indicam que o óleo não é proveniente do Brasil e
provavelmente chegou às águas do país após ser descartado por um navio.
Outros órgãos envolvidos

As defesas civis estaduais e municipais, bem como as secretarias estaduais e municipais do


Meio Ambiente, devem colaborar com os órgãos federais na limpeza das praias e no
atendimento a comunidades impactadas.

Outros órgãos têm participado dos esforços de limpeza e investigação, embora não tenham
responsabilidade direta.

É o caso da Petrobrás, que mobilizou empregados e agentes ambientais na limpeza das


praias, além de analisar o óleo para identificar sua origem.

O Exército também enviou soldados para ajudar na limpeza das praias.

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