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A Realização Do Psicodiagnóstico Como Processo Compreensivo - Estudo de Caso de Pré-Adolescente
A Realização Do Psicodiagnóstico Como Processo Compreensivo - Estudo de Caso de Pré-Adolescente
RESUMO
Este estudo objetiva descrever um processo de psicodiagnóstico realizado com uma pré-
adolescente atendida em um Serviço de Psicologia de Santa Maria/RS. Trata-se de um estudo
descritivo-exploratório, fundamentado na literatura e em um atendimento de avaliação psicológica
como instrumento de coleta de dados. Tal instrumento, permitiu a realização de um encaminhamento
e de uma indicação terapêutica adequados para a paciente atendida. Assim, a partir do
psicodiagnóstico realizado, foi possível levantar informações sobre a história de vida da paciente,
tendo em vista compreender e avaliar a personalidade da mesma e o seu grupo familiar para, em
seguida, encaminhá-la de acordo com as suas necessidades.
1. INTRODUÇÃO
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uma interação entre psicólogo e paciente. Trata-se de uma situação que merece dedicação,
atenção e valorização.
Para Cunha (2000), o psicodiagnóstico corresponde a um processo científico,
limitado no tempo, o qual utiliza técnicas e testes psicológicos tanto para entender,
identificar e avaliar aspectos específicos, quanto para classificar o caso e prever seu curso
possível. Assim, entre os possíveis caminhos a serem tomados durante o processo de
psicodiagnóstico, incluem-se a entrevista inicial e semidirigida, o levantamento de hipóteses,
o contato com os responsáveis pelo paciente (no caso de crianças e adolescentes) e a
entrevista de devolução.
2. O PROCESSO DE PSICODIAGNÓSTICO
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No psicodiagnóstico, o psicólogo lida com as angústias, o sofrimento, as resistências
e os sentimentos ambivalentes da pessoa que busca ajuda (RAYMUNDO, 2000). Nesse
sentido, Carrasco e Dubugras Sá (2009) destacam a necessidade de o entrevistador ter
capacidade para conter as suas ansiedades e as do paciente, assim como ter capacidade
empática sem se deixar invadir emocionalmente por aspectos do paciente.
Importante mencionar ainda que, ao ser realizado um processo psicodiagnóstico,
deve-se considerar o contexto no qual o paciente está inserido, pois ele interfere no seu
desenvolvimento. Em casos de crianças e adolescentes é importante conhecer como se deu
a união dos pais e como estava o clima familiar quando do nascimento do filho(s) (POTTER
e CARRASCO, 2005).
Sobre a realização do psicodiagnóstico com crianças, o psicólogo pode usar como
recurso a hora de jogo diagnóstica para conhecer a realidade da criança. Através dela é
estabelecido um vínculo transferencial breve que tem por objetivo conhecer e compreender
a criança. O meio de comunicação são os brinquedos, o que permite que a transferência se
amplie para estes objetos. É neles que o paciente depositará parte de seus sentimentos.
Quanto à contratransferência, essa pode ajudar na compreensão da criança, bem como de
um adolescente ou adulto, desde que conscientemente integrada pelo psicólogo, ao qual
cabe discriminar suas próprias motivações para que não interfiram na compreensão da
história e queixa do paciente (OCAMPO et al., 2001).
Na entrevista de devolução, última etapa do processo de psicodiagnóstico, o
psicólogo transmite ao paciente e seus responsáveis (quando crianças ou adolescentes) a
compreensão que obteve ao longo do processo. Cabe a ele ter a sensibilidade de perceber
o que pode e o que não pode ser falado. Tal entrevista pode iniciar retomando o motivo do
psicodiagnóstico e, então, informar, gradualmente, as potencialidades e as dificuldades do
paciente. Por fim, dá-se o encaminhamento necessário (POTTER e CARRASCO, 2005).
Cunha (2000) destaca que a devolução é definida pela identidade e qualidade do
receptor. Ela deve ser clara, precisa e integrar as informações obtidas até aquele momento.
O profissional deve procurar perceber se está sendo compreendido. Além disso, Arzeno
(1995) ressalta que, nessa entrevista, podem surgir lembranças que não haviam sido
transmitidas antes e que são úteis para o diagnóstico. Pode ocorrer então de ter que se
modificar a recomendação terapêutica previamente pensada. Portanto, na devolução, não
apenas se transmite os resultados obtidos, mas também se escuta o paciente e se observa
como ele se sente ou reage frente às informações recebidas.
3. METODOLOGIA
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anos de idade. Na época dos atendimentos, ela estava frequentando a 4ª série do Ensino
Fundamental. Devido a idade da paciente, o seu pai assinou o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando a avaliação psicológica da filha e a utilização dos
registros no prontuário em trabalhos de pesquisa.
O período destinado a realização do processo de psicodiagnóstico foi de dois meses,
uma vez por semana, durante 50 minutos. Foram realizados, no total, dez encontros. Neles
foram realizadas: hora de jogo diagnóstica com a pré-adolescente; aplicação de
instrumentos como o Teste das Fábulas e o desenho da família; entrevistas com o pai,
somando duas; entrevista com a mãe; entrevistas de devolução com a paciente, somando
duas; entrevista de devolução com o pai e entrevista de devolução com a mãe. Essas
entrevistas de devolução foram orais e, por meio delas, foi possível apresentar as
conclusões diagnósticas e sugerir os passos seguintes: realização de psicoterapia pela
paciente. As observações e os dados coletados foram todos registrados no prontuário da
paciente.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O pai procurou o Serviço de Psicologia para a filha, porque ela, segundo ele,
precisava de um acompanhamento psicológico devido a sua não aceitação de limites e por
sua agressividade. Também apontou não gostar do individualismo da filha que só quer ficar
no computador, deixando de brincar com outras crianças. Ele está com a guarda da filha há
1 ano, quando a mãe (ex-mulher dele) cedeu às insistências dela de querer morar com o
pai. A paciente tinha três anos quando os pais se separaram.
Quanto a paciente, essa veio com a queixa de que ambos os pais a incomodam e
perturbam, o que a faz sentir muita raiva deles. Além disso, já no primeiro atendimento, ela
demonstrou sentir raiva por a sua mãe e o seu pai estarem sempre brigando. Em alguns
momentos, ela relatou querer voltar a morar com a mãe para poder ajudar a cuidar do seu
meio-irmão mais novo. No momento, ela visita a mãe em quase todos os finais de semana.
Há uma mínima comunicação entre os pais da paciente. Quando tentam estabelecer
uma conversa relativa a educação da filha, sempre acabam se desentendendo. Em relação
ao padrasto, a paciente tem grande apreço por ele. Eles mantêm uma boa relação e
comunicação e ela o vê como alguém afetuoso e cuidadoso (principalmente com o meio-
irmão dela).
A hostilidade entre os pais foi descrita por todos os entrevistados durante o processo
de psicodiagnóstico, mostrando ser a grande geradora de conflitos. O pai fica enfurecido
diante das críticas da ex-mulher, colocando-se na defensiva e a mãe fiscaliza
constantemente as atitudes do ex-marido. Ambos criticam um ao outro, sendo que a mãe diz
que a filha é parecida com pai: mentirosa, preguiçosa, desorganizada, sonhadora; e o pai,
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por sua vez, afirma que a filha é parecida com a mãe: possessiva, explosiva, fechada,
ciumenta. Nota-se que, ambos apontam na filha as características que cada um detesta no
outro.
Ao longo dos atendimentos, a paciente revelou dificuldades e resistência para falar
sobre os seus sentimentos, bem como demonstrou grande desejo por se identificar com a
mãe (figura/referência feminina). Específico a sua mãe, a paciente a percebe como uma
pessoa que fala o que está ruim e o que não está sendo feito. Em relação aos seus medos,
a paciente relatou ter medo do escuro e que, por isso, nos últimos meses, tem dormido com
o pai.
No Teste das Fábulas, a paciente apresentou problemas afetivos como reação a um
ambiente desfavorável, o qual pode interferir na sua maturação afetiva. Pôde-se perceber
também um sentimento de abandono, desproteção e rejeição, bem como fantasias de auto-
agressão e de privação, sugerindo culpabilidade. A presença de uma perturbação afetiva
está ligada a uma dissociação familiar que provoca grande ansiedade. Nesse sentido, por
meio do teste, a paciente apresentou fantasias de rejeição parental e indícios de uma
fantasia de desamparo ou solidão.
O teste também indicou uma boa organização do mundo interno a partir do
desenvolvimento dos processos de pensamento, o que sugere que a paciente adquiriu uma
autonomia adaptativa. Sobre a figura feminina, o teste demonstrou a presença de uma
fantasia de agressão deslocada para o ambiente e a materialização de um medo de ser
capturada/aprisionada.
Em relação aos desenhos da família, a paciente desenhou o que considera ser a sua
família e a que gostaria de ter. Ao desenhar sua família, desenhou, primeiramente, o meio-
irmão, depois a mãe, o padrasto e, por fim, ela mesma. Em seu desenho, nota-se uma
semelhança muito grande entre ela e a mãe, assim como entre o padrasto e o seu meio-
irmão. No desenho da família que ela gostaria de ter, desenhou várias crianças e nenhum
adulto, esclarecendo que se tratava de um orfanato cheio de crianças, onde gostaria de
morar e onde não havia nenhum adulto “chato” para incomodar.
A paciente está inserida em um contexto familiar conflituoso que impede
relacionamentos apoiadores os quais permitiriam a ela lidar com os problemas e estresse
associados a esta fase do desenvolvimento. De acordo com Osório (1991), a adolescência é
uma etapa evolutiva na qual culmina todo o processo maturativo bio-psico-social do sujeito.
Nessa fase, ocorrem transformações corporais, busca-se por uma identidade que não é
mais a infantil, procura-se por identificações fora do grupo familiar, há contradições na
conduta e flutuações constantes no humor. Para passar por essa fase, o adolescente
precisa de apoio e de limites por parte dos pais.
Os conflitos entre os pais e entre eles e a filha podem estar desencadeando a
agressividade da paciente, aspecto que leva a tantas reclamações por parte dos pais. No
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entender de Osório (1991), é uma tendência da adolescência expressar suas ansiedades no
plano da ação. O adolescente exterioriza seus conflitos de acordo com a sua estrutura e
suas experiências. Vendo-se no meio de brigas, a pré-adolescente tem se sentido confusa
na busca por uma identidade e por identificações. A vida familiar tem produzido nela um
enorme estresse, o que pode explicar sua dificuldade para falar de seus sentimentos e
emoções. Também, a ambivalência que aparece em sua fala e quanto aos seus
sentimentos, pode ser explicada pelo estresse advindo da situação familiar.
As perturbações emocionais na família, os ressentimentos e a pouca comunicação,
podem ser os indicadores da desobediência, desorientação e agressividade da paciente. A
ela cabe enfrentar as adversidades que há entre os seus pais e lidar com as diretivas
diferentes que cada um deles ordena quanto ao seu comportamento. Para Fishman (1996),
nas famílias em que existem contradições fundamentais nas diretivas para o adolescente ou
criança, tem-se uma deterioração do sentimento de segurança, comunicando-o de que o
mundo não é um lugar seguro.
Através desta avaliação, entende-se que a dificuldade da paciente refere-se a um
problema de conflito familiar relacionado, principalmente, a uma falta de comunicação entre
os pais, os quais apresentam à filha um discurso ambivalente. Dessa forma, as atitudes da
paciente podem ser tomadas como uma forma de ela mostrar como se sente frente aos pais
e as dificuldades que está tendo para lidar com as tensões de um ambiente perturbador.
Frente a estes resultados, nota-se que a paciente apresenta um quadro de fuga
diante dos conflitos familiares. Durante a adolescência é típico a tentativa de resolução, ao
seu modo, de algo que não lhe agrada. Devido a falta de comunicação entre os pais e as
suas brigas frequentes, a paciente tem mostrado-se agressiva e insolente por não estar
conseguindo lidar com o estresse e o sentimento de ambivalência que sente frente a
situação. E, ainda, a pré-adolescente está passando por um período de muitas
transformações próprias da fase, porém, não está tendo o apoio necessário para lidar com
tal situação.
Todas essas questões, acima apontadas, têm-se agravado ainda mais em função da
realidade da guarda da filha. Atualmente, ela está morando com o pai, mas expressa
vontade de voltar a morar com a mãe, apesar de gostar de morar com o pai. E, mesmo a
paciente demonstrando dificuldades para decidir com quem ficar, porque tem medo de
magoar ambos os pais, eles insistem na idéia de que é ela quem deve tomar essa decisão.
5. CONCLUSÃO
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adaptação ao local e ao progenitor com quem irá residir. Com o devido acompanhamento
psicológico, a paciente poderia, também, passar a lidar melhor com as transformações
advindas do processo adolescer e com os desentendimentos que ocorrem em sua família.
Deste modo, considerando todas as questões levantadas acerca de um processo de
psicodiagnóstico, aqui. ilustrado pelo caso apresentado, pode-se dizer que, desde o primeiro
contato com o paciente, cabe ao psicólogo criar um espaço acolhedor e continente. Criado
esse espaço, o psicólogo deve ficar atento tanto para os aspectos aparentes quanto para os
não manifestos do comportamento do paciente. Entender como ele percebe os seus
sintomas, como e quando eles apareceram, fazem parte do processo psicodiagnóstico.
E mais, no processo psicodiagnóstico, deve-se ter cuidados como: não rotular o
paciente, não tratá-lo como mero informante e não se colocar (o entrevistador) em uma
posição onipotente frente ao paciente. Isso tudo para que a pessoa interessada em receber
auxílio psicológico possa atuar e colaborar nesse processo compreensivo que é o
psicodiagnóstico.
REFERÊNCIAS
ARZENO, M. E. G. Psicodiagnóstico clínico: novas contribuições. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
CARRASCO, L. K.; DUBUGRAS SÁ, S. O psicodiagnóstico clínico: como e para quê? In.:
MEDEIROS, M. (org.) Fazer Psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009.
Fishman, H. C. Tratando adolescentes com problemas: uma abordagem da terapia familiar. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.
OCAMPO, M. L. S. de. et al. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. 10 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
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RAYMUNDO, M. da G. B. O contato com o paciente. In.: CUNHA, J. A. et al. Psicodiagnóstico. v. 5.
Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
SANTIAGO, M. D. E. Psicodiagnóstico: uma prática em crise ou uma prática na crise? In.: ANCONA-
LOPEZ, M. (org.) Psicodiagnóstico: processo de intervenção. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.