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Direito Institucional

A evolução histórica da prestação da assistência jurídica; Gratuidade judiciária, assistência judiciária, e assistência
jurídica: conceito e operacionalização; Panorama da Defensoria Pública no Brasil. Função típica e atípica. Tradicional
e não tradicional. Defensoria como “Ombudsman”. A Defensoria como “custos vulnerabilis”. Investigação criminal
defensiva e poderes implícitos. ADPF 279. Defensoria Municipal.
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SUMÁRIO

DIREITO INSTITUCIONAL ................................................................................................................................................................................ 3

1. HISTÓRICO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA NO BRASIL ................................................................................. 3


2. DISTINÇÃO ENTRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA ................................................. 5
3. MODELOS DE PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA NO BRASIL E NO MUNDO ............................................................................ 17
3.3 SALARIED STAFF MODEL OU MODELO PÚBLICO ............................................................................................................................ 17
3.4 HÍBRIDO ............................................................................................................................................................................................ 17
3.5 SOCIALISTA ....................................................................................................................................................................................... 17
4. ONDAS RENOVATÓRIAS E ACESSO À JUSTIÇA ................................................................................................................................... 19
4.1 PRIMEIRA ONDA ............................................................................................................................................................................... 20
4.2 SEGUNDA ONDA .............................................................................................................................................................................. 20
4.3 TERCEIRA ONDA ............................................................................................................................................................................... 20
4.4 QUARTA ONDA ................................................................................................................................................................................. 21
4.5 QUINTA ONDA.................................................................................................................................................................................. 21
5. FUNÇÃO TÍPICA E ATÍPICA DA DEFENSORIA PÚBLICA ....................................................................................................................... 25
6. FUNÇÕES TRADICIONAIS E NÃO TRADICIONAIS: UMA NOVA CLASSIFICAÇÃO ................................................................................ 26
7. A AUTOCOMPOSICÃO E A PERSPECTIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA ................................................................................................ 27
8. A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO “OMBUDSMAN” ...................................................................................................... 30
9. A DEFENSORIA PÚBLICA PODE ATUAR NA DEFESA DE PESSOAS JURÍDICAS? .................................................................................. 32
10. A DEFENSORIA COMO “CUSTOS VULNERABILIS .............................................................................................................................. 33
10.1 PROCURADOR JUDICIAL DOS VULNERÁVEIS ................................................................................................................................. 37
10.2 LEGITIMADO EXTRAORDINÁRIO .................................................................................................................................................... 37
10.3 GUARDIÃO DAS VULNERABILIDADES............................................................................................................................................. 37
11. ADPF 279 E A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA MUNICIPAL ....................................................................................................................... 48

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DIREITO INSTITUCIONAL

A evolução histórica da prestação da assistência jurídica; Gratuidade judiciária, assistência judiciária, e


assistência jurídica: conceito e operacionalização; Panorama da Defensoria Pública no Brasil. Função típica e
atípica. Tradicional e não tradicional. Defensoria como “Ombudsman”.

Olá, minha amiga e meu amigo. Hoje vamos estudar Direito Institucional. Uma matéria bastante
#SANGUEVERDE.

1. HISTÓRICO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA NO BRASIL

O histórico da gratuidade de justiça e da assistência jurídica no Brasil é um ponto pouco explorado


pelos livros, mas de grande relevância para nossas provas. Na última prova da DPE-SP de 2019, por exemplo,
o tema foi abordado na segunda fase.

De fato, no Brasil, a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita têm suas origens mais
remotas fincadas Ordenações Filipinas, sancionadas em 1595.

Sobre o tema, importantes são as lições dos mestres Diogo Esteves e Franklyn Roger:

(...) No Brasil, a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita têm suas origens
mais remotas fincadas nas Ordenações Filipinas, sancionadas em 1595 durante o
domínio castelhano de Filipe P. A matéria era regulada de forma secundária e
assumia a condição de beneplácito régio dirigido aos miseráveis e às vítimas de
pobreza extrema, como decorrência da influência vertida pelas tradições canônicas.
Embora não tratasse da questão da gratuidade de justiça de maneira sistemática, as
ordenações previam o direito à isenção de custas para a impetração de aggravo
(Livro III, Título LXXXIV, Parágrafo 10)3 e livravam os presos pobres do pagamento
dos feitos em que fossem condenados (Livro I, Título XXIV, Parágrafo 43).1

Os professores apontam que de Portugal e com as mesmas Ordenações Filipinas, "veio também a
praxe do advogado patrocinar gratuitamente os miseráveis e os indefesos que procurassem o juízo tanto nas
causas cíveis quanto nas criminais"2.

Na prova discursiva da DPE-SP, em 2019 (banca FCC), como dito, caiu para que o candidato dissertasse
sobre o histórico da assistência jurídica nas Constituições. A resposta esperada pela banca,
surpreendentemente, iniciava com as Ordenações Filipinas até a Constituição de 1988. O espelho veio da
seguinte forma:

1 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. - 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018,
p. 51.
2 ROCHA, Jorge Luís. História da Defensoria Pública e da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2004, pág. 124.

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a. A previsão de que o agravante pobre que jure não ter bens móveis, nem raiz, e
desde que na audiência reze pela alma do rei Dom Diniz, teria o agravo considerado
pago. Trata-se de fundamental precedente de isenção de custas e emolumentos às
pessoas mais pobres.

b. Constituições de 1824, 1891 e 1937: não trataram do tema.

c. Constituição de 1934 foi a primeira a tratar da matéria, ao instituir a


obrigatoriedade à União e aos Estados em conceder assistência judiciária aos
necessitados, com a criação de órgãos especiais, assegurando a isenção de
emolumentos, custas e taxas.

d. Depois da omissão da Constituição de 1937, a Constituição de 1946 voltou a tratar


do tema, ao estabelecer que cabia ao Poder Público, na forma da lei, conceder
assistência judiciária aos necessitados.

e. A Constituição de 1967 retirou a obrigatoriedade do Poder Público em conceder


assistência judiciária, estabelecendo tão somente que a assistência judiciária aos
necessitados deveria ser concedida na forma da lei. Tal previsão foi mantida com a
edição da EC nº 01/69.

f. A CF/88 adotou o modelo público – obrigação do Estado de garantir a prestação


integral da assistência jurídica aos necessitados por meio da Defensoria Pública,
instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.

Para início de conversa, analise o quadro a seguir:

HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA DEFENSORIA NO BRASIL3


O primeiro órgão público de assistência judiciária é criado no Brasil, na cidade do Rio
1897
de Janeiro, por meio do Decreto nº 2457;
A Constituição de 1934 foi a primeira a assegurar expressamente o acesso à justiça
1934 aos necessitados por meio de “órgãos especiais'' que deveriam ser criados para esse
fim. Essa previsão é muito importante para provas objetivas.
1937 A Constituição de 1937 omitiu a matéria;
As Constituições de 1946 e de 1967, assim como a EC 1/1969, embora tenham
garantido a assistência judiciária aos necessitados, não repetiram o comando da
1946 a 1969
Constituição de 1934 de que deveria ser criado um "órgão especial" com esta
incumbência.
E assim chegamos, então, em 1988, quando, após muitas discussões no âmbito da
1988
assembleia constituinte, a Constituição Federal finalmente estabeleceu que “O

3 PAIVA, Caio; FENSTERSEIFER, Tiago. Comentários à Lei Nacional da Defensoria Pública. Belo Horizonte: Editora CEI, 2019, p. 47.

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Estado prestará assistência jurídica e gratuita aos que comprovarem insuficiência de


recursos’” (art. 5º, LXXIV), criando, para este fim, a instituição Defensoria Pública.
As Defensorias Públicas dos Estados conquistam autonomia funcional e
2004
administrativa, além da iniciativa de sua proposta orçamentária (EC 45);
2012 A Defensoria Pública do Distrito Federal alcança idêntica autonomia (EC 69);
2013 A Defensoria Pública da União conquista idêntica autonomia (EC 74);
2014 A Defensoria Pública alcança um novo perfil constitucional (EC 80)

Agora vamos diferenciar gratuidade de justiça, assistência judiciária gratuita e assistência jurídica
gratuita.

2. DISTINÇÃO ENTRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Esse é sem dúvida um dos temas mais cobrados em Direito Institucional. Por isso, você não pode
finalizar esse resumo sem saber a distinção entre gratuidade de justiça, assistência judiciária gratuita e
assistência jurídica gratuita.

Isenção de custas e emolumentos para hipossuficientes. Dentro do


GRATUIDADE DE JUSTIÇA OU
processo e deferido pelo magistrado.
JUSTIÇA GRATUITA
Possibilidade de representação endoprocessual de pessoas
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA hipossuficientes. Prestada por Defensora ou Defensor Público dentro do
GRATUITA processo.
Possibilidade de representação endo e extraprocessual de pessoas
ASSISTÊNCIA JURÍDICA hipossuficientes. É bem mais ampla que as duas primeiras. É prestada por
GRATUITA Defensora ou Defensor Público dentro e fora do processo.

INTERESSANTE: segundo o STJ, às entidades beneficentes prestadoras de serviços à pessoa idosa, em razão do
seu caráter filantrópico ou sem fim lucrativo e da natureza do público atendido, é assegurado o direito ao
benefício da assistência judiciária gratuita, independentemente da comprovação da insuficiência econômica.
REsp 1.742.251-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022.

CAIU NA DPE/CE – 2022 – FCC: A partir dos conceitos de “assistência judiciária gratuita” e “assistência jurídica
gratuita” no ordenamento jurídico brasileiro, conclui-se que a
A) assistência judiciária tem alcance mais amplo, pois abrange a atuação fora do âmbito jurisdicional,
contemplando intervenções multidisciplinares e extraprocessuais.
B) assistência jurídica possui histórico normativo-constitucional mais tradicional, tendo sido prevista, pela
primeira vez, na Constituição Brasileira de 1934.
C) assistência jurídica foi prevista como dever estatal com o advento da Lei nº 1.060/1950.
D) Emenda Constitucional nº 45/2004 foi responsável pelo novo formato desse direito fundamental, alterando
o papel da Defensoria Pública, que até então possuía a função de prestação de assistência judiciária.
E) assistência judiciária não é monopólio da Defensoria Pública.

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GABARITO: E
A) assistência judiciária tem alcance mais amplo, pois abrange a atuação fora do âmbito jurisdicional,
contemplando intervenções multidisciplinares e extraprocessuais.
Alternativa incorreta. Na verdade, a assistência judiciária possui um alcance mais restrito, uma vez que
abrange tão somente os atos processuais. De outro lado, a assistência jurídica é mais ampla, abrangendo tanto
os atos processuais quanto os atos extraprocessuais.

B) assistência jurídica possui histórico normativo-constitucional mais tradicional, tendo sido prevista, pela
primeira vez, na Constituição Brasileira de 1934.
Alternativa incorreta. A Constituição de 1934 previu assistência judiciária aos necessitados, criando, para esse
feito, órgãos especiais, e não assistência jurídica.

C) assistência jurídica foi prevista como dever estatal com o advento da Lei nº 1.060/1950.
Alternativa incorreta. Novamente, aqui houve a previsão de assistência judiciária (endoprocessual), e não
jurídica.

D) Emenda Constitucional nº 45/2004 foi responsável pelo novo formato desse direito fundamental, alterando
o papel da Defensoria Pública, que até então possuía a função de prestação de assistência judiciária.
Alternativa incorreta. Desde a CF/88 que há a previsão de assistência jurídica. A EC 45/2004 foi responsável
pela autonomia funcional e administrativa e pela iniciativa orçamentária das Defensorias Estaduais.

E) assistência judiciária não é monopólio da Defensoria Pública.


Alternativa correta. O STF, ao decidir a ADPF 279, entendeu que a assistência jurídica não é restrita à
Defensoria Pública:
“A prestação desse serviço público para auxílio da população economicamente vulnerável não tem por objetivo
substituir a atividade prestada pela Defensoria Pública. O serviço municipal atua de forma simultânea. Trata-
se de mais um espaço para garantia de acesso à jurisdição (art. 5º, LXXIV, da CF/88).
Os municípios detêm competência para legislar sobre assuntos de interesse local, decorrência do poder de
autogoverno e de autoadministração. Assim, cabe à administração municipal estar atenta às necessidades da
população, organizando e prestando os serviços públicos de interesse local (art. 30, I, II e V).
Além disso, a competência material para o combate às causas e ao controle das condições dos vulneráveis em
razão da pobreza e para a assistência aos desfavorecidos é comum a todos os entes federados (art. 23, X).
STF. Plenário. ADPF 279/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3/11/2021 (Info 1036).”4

CAIU NA DPE/PA – 2022 – CESPE: Para a garantia de acesso à justiça ao hipossuficiente econômico, faz-se
necessário o enfrentamento de conceitos como justiça gratuita e assistência judiciária gratuita. A esse
respeito, é correto afirmar que
A) a assistência judiciaria gratuita engloba o serviço gratuito de representação em juízo da parte que requer e
tem deferida a citada assistência pelo juízo.

4CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Municípios podem instituir a prestação de assistência jurídica à população de baixa renda.
Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/647a8664e3a3d945c87db2d07a6590c1>. Acesso em:
06/12/2022

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B) o juiz da própria causa é competente para o deferimento ou indeferimento do benefício da justiça gratuita.
C) a justiça gratuita dispensa o pagamento de despesas processuais ordinárias, mas não impede a obrigação
de custeio de honorários de atuação de perito, quando a perícia for necessária.
D) a parte que ingressa sem a assistência de advogado em juízo e obtém deferimento da justiça gratuita pode,
a qualquer tempo, exigir a representação pela DP.
E) a parte patrocinada pela DP, como já comprovou sua hipossuficiência, fará jus automaticamente à
gratuidade de justiça.

GABARITO: B
A) a assistência judiciaria gratuita engloba o serviço gratuito de representação em juízo da parte que requer e
tem deferida a citada assistência pelo juízo.
Alternativa incorreta. A assistência judiciária gratuita consiste no ato de assistir alguém judicialmente,
prestando auxílio na esfera judicial. Tal assistência não é deferida pelo juízo, mas sim o defensor público faz
essa análise quando vai assumir a representação. A hipótese de deferimento pelo juízo, por outro lado, é o
caso de gratuidade de justiça.

B) o juiz da própria causa é competente para o deferimento ou indeferimento do benefício da justiça gratuita.
Alternativa correta. É exatamente isso. O juízo da causa, analisando o pedido, concede ou indefere o benefício
da justiça gratuita/gratuidade de justiça.

C) a justiça gratuita dispensa o pagamento de despesas processuais ordinárias, mas não impede a obrigação
de custeio de honorários de atuação de perito, quando a perícia for necessária.
Alternativa incorreta. O CPC dispõe que a gratuidade de justiça compreende os honorários do perito, veja-se:
“Art. 98, § 1º A gratuidade da justiça compreende:
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para
apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;”

D) a parte que ingressa sem a assistência de advogado em juízo e obtém deferimento da justiça gratuita pode,
a qualquer tempo, exigir a representação pela DP.
Alternativa incorreta. Não necessariamente. Para se ter representação pela Defensoria Pública, esta deve fazer
uma análise dos requisitos a fim de que represente a parte.

E) a parte patrocinada pela DP, como já comprovou sua hipossuficiência, fará jus automaticamente à
gratuidade de justiça.
Alternativa incorreta. O benefício de gratuidade de justiça não é automático, devendo ser deferido pelo juízo.

CAIU NA DPE/RS – 2022 – CESPE: A concessão do benefício da assistência judiciária gratuita isenta o assistido
da Defensoria Pública do pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios.5

5ERRADO. Como vimos, assistência judiciária é diferente de gratuidade de justiça, de modo que não necessariamente isenta o
pagamento de custas e honorários advocatícios.

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CAIU NA DPE/GO – 2021 -FCC: Sobre a gratuidade de justiça, é correto6:


A) A gratuidade de justiça compreende, entre outros, as despesas com os selos postais, os custos com a
elaboração de memória de cálculo e os depósitos previstos em lei para interposição de recursos; contudo, não
abrange as multas processuais.
B) O juiz depende de manifestação ou impugnação específica da parte contrária para afastar a presunção de
insuficiência de recursos alegada por pessoa natural.
C) O pedido de gratuidade de custas poderá ser formulado em qualquer momento processual e terá efeitos
ex tunc, retroagindo aos atos anteriores, podendo a parte ser ressarcida das custas e despesas que
eventualmente desembolsou.
D) Nas demandas em que ambas as partes são beneficiárias da gratuidade de justiça, o juiz estará dispensado
de determinar na sentença o reembolso das despesas processuais pelo vencido, bem como do arbitramento
de verbas sucumbenciais.
E) O usuário da Defensoria Pública goza de presunção absoluta de insuficiência de recursos para pagar as
custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “A assistência jurídica do Estado aos que não tenham condições financeiras
abrange as fases pré-processual, endoprocessual e pós-processual.”7

No Brasil, a assistência judiciária só veio de maneira expressa a partir da Constituição de 1934. No


entanto, foi retirada da Constituição de 1937, reaparecendo na Constituição de 1946, 1967 e EC nº 1/69.

CAIU NA DPE-MA-FCC-2018: “A Constituição de 1934 foi um marco na positivação da matéria ao não somente
prever em seu texto a assistência judiciária, como também preconizar a criação de órgãos especiais para esse
fim”8.

Por outro lado, percebam que até então estamos falando de assistência judiciária. Foi apenas em 1988,
com a Constituição da República, que foi expresso o direito à assistência jurídica integral e gratuita, muito mais
abrangente que a assistência judiciária, como podemos notar.

CAIU NA DPE/PA – CESPE – 20229: A respeito da atuação da DP em prol da pessoa jurídica, assinale a opção
correta.
A) As pessoas jurídicas em dificuldades financeiras, como as microempresas, podem se valer do patrocínio do
defensor público, desde que não tenham fins lucrativos.
B) A CF somente menciona a assistência jurídica gratuita a pessoa física.
C) A atuação da DP na qualidade de curadora especial em prol de pessoa jurídica é considerada atuação típica
desse órgão.

6 GAB: A. CPC, Art. 98, § 1º A gratuidade da justiça compreende: II - os selos postais; VII - o custo com a elaboração de memória de
cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para
propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; § 4º A
concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.
7 CERTO.
8 CERTO.
9 GAB:D.

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D) Ao contrário do que ocorre com pessoas naturais, não basta à pessoa jurídica asseverar a insuficiência de
recursos; ela deve comprovar o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus
decorrentes do ingresso em juízo.
E) Existe duplicidade de pessoas quando a pessoa física exerce atividade empresarial como microempresário;
portanto, o indeferimento da assistência judiciária gratuita à pessoa física não implica indeferimento à pessoa
jurídica.

CAIU NA DPE/AM – 2021 – FCC: A Súmula 481 do STJ estabelece que faz jus ao benefício da justiça gratuita a
pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos
processuais. Nesse contexto, a Defensoria Pública10:
A) deve atender todas as pessoas jurídicas que pleitearem o benefício da justiça gratuita.
B) deve analisar individualmente cada caso, pois o benefício da justiça gratuita não equivale à assistência
jurídica gratuita.
C) não deve atuar, pois a função institucional da Defensoria Pública abrange apenas as pessoas naturais.
D) deve atuar apenas em prol de pessoas jurídicas sem fins lucrativos.
E) deve exercer apenas a assistência judiciária gratuita em prol das pessoas jurídicas.

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “A assistência jurídica integral e gratuita pelo Estado aos que comprovem
insuficiência de recursos está expressamente prevista e regulamentada no Brasil desde a promulgação da
Constituição Federal de 1967”.11

CAIU NA DPE/AP – 2018 – FCC: Em relação à assistência judiciária no Processo Civil12:


A) A concessão de gratuidade afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos
honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
B) A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão da gratuidade da justiça, mas
o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado
beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.
C) O pedido de gratuidade da justiça deve ser formulado na petição inicial pelo autor ou na contestação pelo
réu ou terceiro, exclusivamente.
D) O juiz indeferirá de imediato o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos
pressupostos legais para concessão do benefício, dessa decisão cabendo a interposição de agravo de
instrumento.
E) Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência de recursos para o processo deduzida tanto pela pessoa
natural ou física como pela pessoa jurídica.

10 GAB: B.
11 ERRADO. Embora a Constituição de 1967 previsse assistência jurídica aos necessitados, foi a Constituição de 1934 que foi a primeira
a assegurar expressamente o acesso à justiça aos necessitados por meio de “órgãos especiais'' que deveriam ser criados para esse fim.
12 GAB: B. NCPC: Art. 99, § 4º - A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.

§ 5º - Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado
de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.

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CAIU NA DPE-MA-FCC-2018- “Em que pese já se encontrasse previsão da prestação da assistência judiciária
aos necessitados nas Constituições de 1934 e 1937, a Carta de 1967 foi a primeira a expressamente prever a
assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados”.13

CAIU NA DPE-PE-CESPE-2018- “Com relação aos institutos da gratuidade da justiça e da assistência jurídica
pública gratuita, assinale a opção correta.
A) A recusa da assistência jurídica gratuita pelo defensor público responsável pelo atendimento é passível de
controle de legalidade no âmbito da própria instituição.
B) A aferição do direito da parte à assistência jurídica gratuita pela Defensoria Pública e a decisão da concessão
do benefício da gratuidade da justiça são atribuições do defensor público responsável pelo atendimento.
C) O deferimento da gratuidade da justiça e a posterior intimação judicial para a atuação em favor de parte
desprovida de capacidade postulatória obrigam a atuação da Defensoria Pública nos autos da demanda
judicial.
D) A decisão do defensor público que defere a assistência jurídica gratuita da Defensoria Pública deve ser
submetida a revisão judicial.
E) Deferida a assistência jurídica gratuita, a decisão não pode ser revista, ainda que alterada a situação
econômica do assistido, o que obriga a Defensoria Pública a atuar durante todo o curso da demanda
judicial.”.14

É possível conceder assistência jurídica parcial? E gratuidade judiciária, pode ser parcial?
Prevalece que não é possível prestar assistência jurídica gratuita de maneira parcial (embora haja tese
afirmando o contrário). Isso porque a assistência jurídica, segundo a Constituição, é integral e gratuita. No
entanto, a gratuidade de justiça (ou justiça gratuita) segundo o NCPC, pode ser concedida de maneira parcial,
vejam §5º do art. 98:
§5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na
redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

É bom lembrar o que art.98, § 3º do NCPC estabelece condição suspensiva para o pagamento das
custas nos casos de concessão da gratuidade (o prazo é de 5 anos subsequentes ao trânsito em julgado da
decisão que as certificou), vejam:

§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão


sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos
5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o
credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que
justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais
obrigações do beneficiário.

Por outro lado, o art. 12 da Lei nº 1.060/50 assim estabelecia:

13 ERRADO. Conforme vimos, a Constituição de 1934 foi a primeira a assegurar expressamente o acesso à justiça aos necessitados por
meio de “órgãos especiais'' que deveriam ser criados para esse fim. Já a de 1937 se omitiu sobre a matéria.
14 Gabarito: A

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Art. 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a
pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família,
se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer
tal pagamento, a obrigação ficará prescrita. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015

Como se pode notar, o NCPC de 2015 revogou o art.12 acima. Contudo, o STF entendeu que, embora
revogado, o art. 12 da Lei nº 1.060/50 foi recepcionado pela CF/88, e que o CPC 2015 previu regra semelhante
no § 3º do art. 98:§ 3º.

Para a Suprema Corte, o art. 12 da Lei nº 1.060/50 foi recepcionado quanto às custas processuais em
sentido estrito, porquanto se mostra razoável interpretar que em relação às custas não submetidas ao regime
tributário, ao “isentar” o jurisdicionado beneficiário da justiça gratuita, o que ocorre é o estabelecimento, por
força de lei, de uma condição suspensiva de exigibilidade. Em relação à taxa judiciária, firma-se convicção no
sentido da recepção material e formal do artigo 12 da Lei nº 1.060/50, porquanto o Poder Legislativo em sua
relativa liberdade de conformação normativa apenas explicitou uma correlação fundamental entre as
imunidades e o princípio da capacidade contributiva no Sistema Tributário brasileiro, visto que a finalidade da
tributação é justamente a realização da igualdade.

EMBARGOS DECLARATÓRIOS E AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. EFEITOS INFRINGENTES. CONVERSÃO DO EMBARGOS
DECLARATÓRIOS EM AGRAVOS INTERNOS. JULGAMENTO CONJUNTO. RECEPÇÃO
DO ART. 12 DA LEI 1.060/50. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. RECUPERAÇÃO DA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. 1. De acordo com a jurisprudência do STF, as custas
dos serviços forenses se dividem em taxa judiciária e custas em sentido estrito.
Precedentes. 2. O art. 12 da Lei 1.060/50 foi recepcionada quanto às custas
processuais em sentido estrito, porquanto se mostra razoável interpretar que em
relação às custas não submetidas ao regime tributário, ao “isentar” o jurisdicionado
beneficiário da justiça gratuita, o que ocorre é o estabelecimento, por força de lei,
de uma condição suspensiva de exigibilidade. 3. Em relação à taxa judiciária, firma-
se convicção no sentido da recepção material e formal do artigo 12 da Lei 1.060/50,
porquanto o Poder Legislativo em sua relativa liberdade de conformação normativa
apenas explicitou uma correlação fundamental entre as imunidades e o princípio da
capacidade contributiva no Sistema Tributário brasileiro, visto que a finalidade da
tributação é justamente a realização da igualdade. 4. Agravos regimentais providos,
para fins de consignar a recepção do artigo 12 da Lei nº 1.060/50 e determinar aos
juízos de liquidação e de execução que observem o benefício da assistência judiciária
gratuita deferidos no curso da fase cognitiva. (RE 249003 ED, Relator(a): Min. EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-093
DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016)

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Já o art. 98, § 1º, IX do NCPC estabelece a abrangência dos emolumentos devidos a notários ou
registradores em decorrência da prática de registro quando do deferimento da gratuidade.

Art. 98.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
I - as taxas ou as custas judiciais;
II - os selos postais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em
outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do
empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros
exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do
tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento
redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para
instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de
ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla
defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática
de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de
decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido
concedido.

Ademais, antes mesmo da vigência do NCPC já havia julgado do STJ sobre o tema:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. GRATUIDADE DE


JUSTIÇA CONCEDIDA JUDICIALMENTE. EXTENSÃO AOS SERVIÇOS REGISTRAIS E
NOTARIAIS RESPECTIVOS, NECESSÁRIOS AO PLENO CUMPRIMENTO DO JULGADO.
EXECUTIVIDADE E EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. A
gratuidade de justiça concedida em processo judicial deve ser estendida, para efeito
de viabilizar o cumprimento de decisão do Poder Judiciário e garantir a prestação
jurisdicional plena, aos atos extrajudiciais de notários e de registradores respectivos,
indispensáveis à materialização do julgado. Essa orientação é a que melhor se ajusta
ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a
possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a
indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e
LXXVII, da CF/88), cabendo ressaltar que a abstrata declaração judicial do direito
nada valerá sem a viabilidade da sua execução, do seu cumprimento. 2. A execução
do julgado, inegavelmente, constitui apenas uma fase do processo judicial, nela
permanecendo intacta a gratuidade de justiça e abrangendo todos os serviços

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públicos pertinentes à consumação do direito judicialmente declarado. 3. Agravo


regimental não provido. (AgRg no RMS 24.557/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA,
SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 15/02/2013). (GRIFOS NOSSOS).

É bom lembrar que segundo o NCPC, contra o deferimento da gratuidade de justiça não é cabível
recurso, mas impugnação à justiça gratuita (em preliminar de contestação) nos termos do art. 100:

Art. 100. Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na


contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido
superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser
apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem
suspensão de seu curso.

Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais


que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor
a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou
federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.

Contudo, contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação
caberá, sim, agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá
apelação, nos termos do art. 101 do NCPC:

Art. 101. Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua
revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na
sentença, contra a qual caberá apelação.

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que


versarem sobre:
(...)
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua
revogação;

Deferimento da Indeferimento da gratuidade ou decisão que acolhe


gratuidade revogação
Não há previsão de recurso cabível. Deverá ser
combatido através de impugnação em preliminar de Agravo de instrumento
contestação.

Indo além, o STJ entendeu que será cabível agravo de instrumento contra o provimento jurisdicional
que, após a entrada em vigor do CPC/2015, acolhe ou rejeita incidente de impugnação à gratuidade de justiça
instaurado, em autos apartados, na vigência do regramento anterior. STJ. 3ª Turma. REsp 1.666.321-RS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/11/2017 (Info 615).

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Sobre a possibilidade de concessão da gratuidade sem pedido expresso da parte, 1ª Turma do STJ veda
sua a concessão “ex officio” pelo magistrado. Assim, é indispensável que haja pedido expresso da parte (STJ.
1ª Turma. AgInt no REsp 1740075/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/09/2018).

Nesse sentido também Fredie Didier Júnior e Rafael Alexandria de Oliveira15:

“A concessão da gratuidade de justiça depende de requerimento do interessado;


esse requerimento pode ser formulado no primeiro momento em que ele aparece
nos autos ou em momento posterior”.

Por outro lado, em fases mais avançadas, pode-se trazer o posicionamento institucional (minoritário)
encabeçado pelo professor Franklyn Roger de que o direito à gratuidade de justiça deve ser reconhecido ainda
que inexista requerimento do interessado.

“(...) Por constituir direito fundamental constitucionalmente estabelecido,


entendemos que o direito à gratuidade de justiça deve ser reconhecido ainda que
inexista requerimento do interessado. Afinal, quando estabeleceu o dever estatal de
prestar a assistência jurídica integral e gratuita (artigo 5º, LXXIV) e de garantir o
amplo acesso à justiça (artigo 5º, XXXV), a Constituição Federal não condicionou tal
dever jurídico ao requerimento do necessitado. Em todo o texto constitucional não
há nenhuma norma expressa ou implícita nesse sentido.

Sendo assim, a exigência formal de alegação da insuficiência de recursos não deve


ser vista como uma condição prévia e inafastável ao reconhecimento do direito à
gratuidade — até porque, se ostentasse essa qualidade seria inegavelmente
inconstitucional. Na verdade, ao prever que a insuficiência de recursos seria
demonstrada por intermédio de simples alegação, pretendeu o legislador facilitar o
acesso das classes mais pobres à justiça, evitando que exigências probatórias
relativas à incapacidade econômica acabassem impedindo ou dificultando a
obtenção da tutela jurisdicional devida.

Desse modo, não se mostra necessária a formulação de pedido expresso para que
seja reconhecido o direito à gratuidade de justiça; se as circunstâncias da causa ou
os elementos probatórios trazidos aos autos evidenciarem a incapacidade
econômica da parte de arcar com o pagamento das despesas processuais e
honorários advocatícios, poderá o juiz reconhecer de ofício o direito à gratuidade,
dispensando o recolhimento antecipado das custas lato sensu.16

15 OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Aspectos Procedimentais do Benefício da Justiça Gratuita, in Sousa, José Augusto Garcia de (coord.).
Coleção Repercussões do Novo CPC – Defensoria Pública, Salvador: Juspodivm, 2015, pág. 65.
16 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018,

p. 230.

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#SELIGANAJURIS: Tendo em vista os princípios do contraditório e da ampla defesa, o recurso interposto pela
Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, está dispensado do pagamento de preparo. STJ. Corte
Especial. EAREsp 978.895-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/12/2018 (Info 641).

CAIU NA DPE-PB-2022-FCC: “Em dezembro de 2018, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu
que o recurso interposto pela Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, está dispensado do
pagamento de preparo. (EAREsp 978.895-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/12/2018,
DJe 04/02/2019). Ao proferir essa decisão, o STJ encampou o posicionamento doutrinário no sentido de que
o direito à assistência jurídica gratuita e o direito à gratuidade judiciária são benefícios
A) dos assistidos da Defensoria Pública, cabendo à Instituição arcar com o pagamento das custas processuais.
B) incabíveis quando envolvem a curadoria especial.
C) idênticos e interdependentes.
D) passíveis de serem indeferidos quando envolvem a atuação da Defensoria Pública como curadora especial.
E) distintos, mas interdependentes na hipótese de atuação da Defensoria Pública como curadora especial.”.17

Em 19 de maio de 2020 (Dia da Defensoria Pública), o STJ divulgou a Edição nº 148 da Jurisprudência
em Teses sobre o tema Gratuidade de Justiça, que poderá ser lido abaixo através do QR CODE.

Edição 148 - Jurisprudência em Teses - Gratuidade da Justiça I

As demais edições da Jurisprudência em Teses sobre Gratuidade da Justiça podem ser acessadas
através dos outros QR CODES.

Edição 149 - Parte II

Edição 150 - Parte III

17 GABARITO: E.

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Outro ponto importante sobre o tema é saber que é proibida a edição de medida provisória sobre
Defensoria Pública (pois é matéria reservada à Lei Complementar). Detalhe importantíssimo é que embora a
Constituição Federal reserve ao Presidente da República a iniciativa de leis que disponham sobre a organização
da Defensoria Pública da União e normas gerais para a organização da Defensoria dos estados e do Distrito
Federal, não exclui a iniciativa privativa dos defensores públicos gerais para leis que disponham sobre
organização, atribuição e estatuto correspondente.

A título de aprofundamento, é bom lembrar que segundo Frankyln Roger e Diogo Esteves, “a
Defensoria Pública recebeu do constituinte originário o qualificativo de "função essencial à justiça" (Título IV,
Capítulo IV), sendo considerada "instituição permanente”, essencial à função jurisdicional do Estado" (art. 134
da CRFB, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 80/2014)”.18

É exatamente por isso que parte da doutrina entende que a Defensoria Pública constitui parte
integrante da identidade ética, política e jurídica da CF/88, cuja existência e características devem ser
preservadas da ação do poder constituinte derivado reformador (poder legislativo).

Assim, doutrinadores de peso, a exemplo de Felipe Caldas Menezes, sustenta que a Defensoria seria,
de fato, uma cláusula pétrea exatamente por instrumentalizar a garantia constitucional da assistência jurídica
integral e gratuita, tendo sido esse posicionamento encampado pelo art. 1º da LC nº 80/1994. Nesse sentido
o autor:

“Outra inovação importante do conceito de Defensoria Pública que merece


destaque é a sua qualificação como Instituição permanente. Fazendo-se um
comparativo entre a redação do art. 134 e a do art. 127, relativo ao Ministério
Público, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pode-se
notar a ausência da palavra permanente no primeiro dispositivo. Seria, então,
possível concluir que a Defensoria Pública poderia ser extinta por Emenda
Constitucional? Mesmo antes da nova redação do art. 1º da Lei Orgânica Nacional
da Defensoria Pública, havia posicionamento em sentido negativo tanto da doutrina
quanto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em razão de a garantia
constitucional da assistência jurídica integral e gratuita instrumentalizar-se por meio
desta Instituição (art. 134 c/c art. 5º, inciso LXXIV), sendo, portanto, cláusula pétrea
a própria existência da Defensoria Pública (art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988). O legislador infraconstitucional encampou
este posicionamento incluindo a expressão permanente no conceito do art. 1º da
Lei Complementar nº 80/1994, após a redação dada pela Lei Complementar nº
132/2009. Ademais, a qualificação pelo legislador complementar da Instituição
como expressão permanente e instrumento do regime democrático deixa ainda
mais evidente o seu caráter permanente, posicionamento que ganha força ainda
maior para aqueles que consideram haver vedação, ainda que implícita, da alteração

18 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018,
p. 115.

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do referido regime (art. 1º, caput da Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988).19 (GRIFOS NOSSOS)

3. MODELOS DE PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA NO BRASIL E NO MUNDO

Ainda, precisamos falar sobre os modelos de prestação de assistência jurídica no Brasil e no mundo.
Segundo Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva20:

3.1 PRO BONO Advogados particulares atuam sem receber qualquer pagamento, a título caritativo.
3.2 JUDICARE Advogados particulares atuam e recebem do Estado. Ex.: dativos.
É o modelo adotado pela Constituição de 1988.
3.3 SALARIED
STAFF MODEL OU Os advogados pertencentes a um órgão do Estado (Defensores Públicos) atuam na
MODELO PÚBLICO defesa dos hipossuficientes e são remunerados pelo Estado.

Trata-se da reunião dos modelos pro bono, judicare e salaried staff.


3.4 HÍBRIDO
Para Franklyn Roger e Diogo Esteves, “na sociedade capitalista, a assistência jurídica
possui o objetivo fundamental de assegurar aos segmentos mais pobres a mesma
possibilidade que os setores mais ricos possuem de acessar o sistema de justiça. Essa
concepção parte do pressuposto de que subsiste grave iniquidade econômica entre
os membros da sociedade capitalista, sendo necessária a criação de modelos jurídico-
assistenciais para garantir aos menos afortunados a igualdade teórica no acesso à
justiça. Na sociedade socialista, por outro lado, a inexistência de desigualdade social
torna desnecessária a adoção de medidas para equalizar o acesso à justiça. Se fosse
necessária a criação de sistemas para garantir o acesso de determinadas pessoas à
justiça, isso frustraria a própria convicção de inexistência de classes na sociedade
3.5 SOCIALISTA
socialista. Por essas razões, o próprio enquadramento do sistema socialista de
fornecimento de atendimento jurídico à população como sendo um quinto modelo
de assistência jurídica (ao lado de pro bono, judicare, salaried staff model e híbrido)
vem sendo objeto de profundo questionamento.

Atualmente, pontuam os professores, “o modelo socialista pode ser encontrado em


Cuba, onde o atendimento jurídico prestado à população por escritórios coletivos de
advocacia denominados Bufetes Colectivos, que foram instituídos pelo Ministério da
Justiça após a proibição da prática autônoma da advocacia”.21

19 MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e especificas relativas à
organização da Defensoria Pública da União. In: SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 137/138.
20 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018,

p.7/14.
21 Ibidem, loc. cit.

17
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CAIU NA DPE/RS – 2022 – CESPE: A Constituição Federal de 1988 define que a Defensoria Pública, enquanto
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável pela defesa e orientação jurídica dos
necessitados, prevendo a assistência jurídica integral e gratuita como direito fundamental autoaplicável e
adotando, como regra, o modelo judicare.22

CAIU NA DPE-AM-2018-FCC: “O modelo de assistência judiciária gratuita adotado pela Constituição Federal
vigente no país denomina-se judicare”.23

Como vimos, a nossa Constituição adota o Salaried Staff Model, também chamado de modelo público.

Vejam:

“No Brasil, o legislador constituinte realizou a adoção expressa do salaried staff model, incumbindo a
Defensoria Pública de realizar a assistência jurídica integral e gratuita dos necessitados (art. 134 da CRFB). Com
isso, formalizou-se a opção pela criação de organismo estatal destinado à prestação direta dos serviços
jurídico-assistenciais, com profissionais concursados, titulares de cargos públicos efetivos e remunerados de
maneira fixa diretamente pelo Estado, sob regime de dedicação exclusiva (art. 134, § 1º, da CRFB). Embora
custeada por recursos públicos, a Defensoria Pública encontra-se desvinculada dos Poderes Estatais, podendo
livremente exercer os serviços de assistência jurídica gratuita aos necessitados, "inclusive contra as Pessoas
Jurídicas de Direito Público" (art. 4º, § 2º, da LC nº 80/1994). Com isso, resta assegurada a independência
funcional do Defensor Público na tomada de decisões polêmicas e protegida a Instituição de ataques políticos
nos casos mais controversos.” 24

SE LIGA, ALUN@ RDP: como vimos acima, a Defensoria Pública é mantida com recursos públicos, mas se
encontra desvinculada das funções de Poder da República; ademais, sua atuação pode ser, inclusive, contra
os interesses de órgãos e entidades da Administração direta ou indireta.

Nessa esteira, devemos ter em mente que a Defensoria se caracteriza como órgão DE Estado, haja vista sua
natureza jurídica de direito público interno. Não pode, portanto, ser considerada como órgão DO Estado, já
que, como dito, não pertence ou está vinculada a nenhum outro órgão ou entidade pública (essa
diferenciação já apareceu em prova).

Ademais, devemos criticar duramente o enunciado nº 421 da Súmula do STJ, que diz: “Os honorários
advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público
à qual pertença.”

Isso porque o enunciado parte de uma concepção incorreta, haja vista que, como dito, não há
pertencimento da Defensoria a nenhuma outra pessoa jurídica de direito público. Mais à frente
aprofundaremos as discussões em relação a esse ponto.

22 GAB: E. Adotou-se o modelo público ou salaried staff model.


23 ERRADO. O modelo adotado foi o público ou salaried staff model.
24 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018,

p.13

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A nível de aprofundamento, é bom anotar que segundo a doutrina de Franklyn Roger e Diogo Esteves
25
(2018 ), o salaried staff model se desdobra em três submodalidades:

(I) salaried staff model direto;


(II) salaried staff model indireto; e
(III) salaried staff model universitário.

No salaried staff model direto, segundo os autores:

"o próprio poder público opta pela criação de organismos estatais destinados à
prestação direta dos serviços de assistência judiciária (e eventualmente também de
assistência jurídica extrajudicial), contratando para tanto advogados que, neste
caso, manterão vínculo funcional com o próprio ente público". como exemplo, os
autores citam a Defensoria Pública brasileira e o “Ministério Público de la Defensa
argentino”.

No salaried staff model indireto, por outro lado os autores estabelecem que:

“os serviços podem ser prestados por entidades não estatais, via de regra sem fins
lucrativos, que recebem subsídios dos cofres públicos para custeio de suas despesas,
inclusive para o pagamento dos advogados contratados cujo vínculo empregatício
será estabelecido com essas respectivas entidades e não com o Estado”. Diogo e
Roger também apontam como exemplo os Neighborhood Law Offices,
implementados nos Estados Unidos na década de 1960.

Por fim, no salaried staff model universitário, “a assistência jurídica é prestada por advogados
vinculados a universidades públicas, que supervisionam o trabalho dos estudantes nos escritórios modelos.
Não obstante o serviço jurídico-assistencial seja prestado de forma gratuita à população, o advogado
supervisor recebe remuneração fixa proveniente dos cofres públicos, pelo exercício da atividade de docência
universitária. Como exemplo, podemos citar o Escritório Modelo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro”.
(ROGER E ESTEVES, 2018).

De fato, no salaried staff model universitário, a prestação da assistência é feita por advogados
vinculados a universidades públicas, como o Escritório Modelo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

4. ONDAS RENOVATÓRIAS E ACESSO À JUSTIÇA

Com relação ao acesso à justiça, não tenho dúvidas de que você já ouviu falar em Mauro Cappelletti e
Garth. Esses dois caras fizeram uma obra célebre chamada “Acesso à justiça”, e esse livro é fundamental para
o nosso concurso (calma, não precisa ler, rs).

25 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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Segundo Franklyn Roger e Diogo Esteves (2018, p. 47):

“o denominado "Projeto Florença de Acesso à Justiça" (Florence Access-to-fustice Project)


teve como objetivo principal a análise dos obstáculos jurídicos, econômicos, político-sociais,
culturais e psicológicos, que tornavam difícil ou impossível, para muitos, o acesso e o uso do
sistema jurídico; outrossim, tinha como propósito realizar o levantamento de informações e
críticas sobre esforços empreendidos em vários países para superar e atenuar os referidos
obstáculos. Em linhas gerais, a estrutura analítica da evolução do movimento mundial de
acesso à justiça delineada pelo Projeto Florença foi desenvolvida em torno da metáfora de
três ondas:

(i) a primeira referente à assistência jurídica;


(ii) a segunda traduzida pela tutela de interesses metaindividuais, com a
articulação da representação de direitos coletivos mediante ações de
classe e de interesse público;
(iii) e, por fim, a terceira onda abordando os procedimentos judiciais, seus
custos e o tempo de duração.

Com o benefício da análise retrospectiva, podemos identificar ao longo do desenvolvimento


dessas ondas renovatórias diversos movimentos (ou sub-movimentos) distintos, que
conformam a clivagem de sub-ondas alternadas. Além disso, passados quase 40 anos desde o
início do Projeto Florença, podemos detectar diversas transformações no movimento mundial
de acesso à justiça, que acabaram colmatando o surgimento de novas ondas renovatórias.

Como vimos, eles basicamente dividiram o acesso à justiça em três ondas renovatórias, embora
atualmente a doutrina tem sustentado outras novas ondas.

ONDAS RENOVATÓRIAS DO ACESSO À JUSTIÇA

Assistência jurídica aos pobres. Está relacionada ao obstáculo econômico do acesso à


4.1 PRIMEIRA justiça. A Defensoria se insere em todas as ondas, mas tem ênfase na primeira. OBS.:
ONDA nós já vimos que assistência judiciária é aquela prestada dentro do processo, apenas.
Refere-se à representação dos interesses difusos em juízo e visa contornar o obstáculo
organizacional do acesso à justiça. Observou-se que os direitos difusos e coletivos (lato
4.2 SEGUNDA
senso) poderiam ser defendidos com maior facilidade e eficácia mediante ações
ONDA
coletivas, ao invés de diversas ações individuais.
Acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça, e
um novo enfoque de acesso à Justiça. A terceira onda leva em consideração,
especialmente, o papel do magistrado na condução do processo, como forma de
4.3 TERCEIRA
contornar obstáculos burocráticos de acesso à Justiça. Surgem então os procedimentos
ONDA
mais céleres e eficientes para a proteção dos direitos.

Ex.: Lei dos Juizados Especiais.

20
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CAIU NA DPE/BA – 2021 – FCC: Considerando o aspecto plurissignificativo da expressão “acesso à justiça” e o
estudo realizado pelo Projeto Florentino de Acesso à Justiça, publicado em 1979, com especial atenção às
ondas renovatórias relatadas por Cappelletti e Garth, a preocupação com a facilitação e simplificação dos
procedimentos dispostos aos jurisdicionados e também com a criação de vias alternativas de Justiça
identificam:26
A) a terceira onda, já que o simples acesso à Justiça não é suficiente à garantia dos direitos e, ainda, não se
deve promover toda solução de conflito por meio do Poder Judiciário.
B) a primeira onda, garantindo o acesso à justiça ou outro modelo de efetivação de direitos, inclusive, pelas
pessoas economicamente hipossuficientes.
C) a segunda onda, que propõe abordagem diferenciada, eficiente e alternativa do ponto de vista da efetivação
do direito.
D) as segunda e terceira ondas, haja vista a identificação de objeto e finalidade, buscando-se abordagem
diferenciada e acessível à resolução da situação concreta de determinado indivíduo.
E) as primeira e segunda ondas, haja vista a identificação de objeto e finalidade, buscando-se o acesso sem
necessidade de enfrentar-se pagamento de custas judiciais, com a criação de juizados de pequenas causas.

CAIU NA DPE/AM – 2018 – FCC: Tomando por base as “três ondas” de Mauro Capelletti e Bryant Garth, na
reconhecida obra “Acesso à Justiça”, é correto afirmar que a
A) segunda onda renovatória de acesso à Justiça ganhou força e se relaciona com a promulgação da Lei n°
1.060/1950 e a instituição da Defensoria Pública da União, Distrito Federal e Territórios e dos Estados.
B) primeira onda foi o bastante para garantir o acesso individual à Justiça pelos menos favorecidos.
C) terceira onda leva em consideração, especialmente, o papel do magistrado na condução do processo, como
forma de contornar obstáculos burocráticos de acesso à Justiça.
D) primeira onda ainda valorizou o desenvolvimento das regras processuais que possibilitem que entes
possam, em melhores condições, enfrentar seus adversários em prol da cidadania participativa.
E) segunda onda trouxe consigo a instituição dos Juizados Especiais, chegando a permitir o acesso à tutela
jurisdicional sem a presença de advogado. 27

Modernamente, existem duas novas ondas:

A dimensão ética e política do direito. Kim Economides ensina que o acesso à justiça
4.4 QUARTA
exige que o Direito seja exercido por todos os seus atores com base na ética e
ONDA
probidade.
4.5 QUINTA A internacionalização da proteção dos direitos humanos perante os órgãos dos
ONDA sistemas internacionais de direitos humanos, como a Corte IDH e a CIDH.

CAIU NA DPE/RN – 2015 – CESPE: No processo histórico que caracterizou a passagem da prestação de
assistência judiciária para a prestação de assistência jurídica, a discussão em torno do acesso à justiça nos

26 GAB: A.
27 GAB: C.

21
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países do mundo ocidental levou ao desenvolvimento de três posições básicas, que surgiram uma após a outra
e foram denominadas ondas. Considerando essas informações, assinale a opção correta.28
A) Um dos objetivos principais do método empregado pela terceira onda é a prestação de assistência jurídica
de forma a prevenir disputas sociais, com foco na solução extrajudicial de conflitos.
B) A primeira onda tinha entre seus modelos o sistema judicare, que consistia na indicação, pelo Estado, de
advogados particulares que atuavam sem receber remuneração para representar judicialmente as pessoas
mais pobres.
C) O sistema judicare incentivava e permitia que o advogado particular auxiliasse os pobres a compreender
seus direitos e a identificar áreas em que podiam valer-se de remédios jurídicos.
D) A segunda onda estava fundamentada em uma visão individualista, que buscava promover um aumento da
qualidade da representação dos interesses individuais dos mais pobres.
E) Na terceira onda, buscou-se um novo paradigma de assistência jurídica, com base em um modelo misto de
assistência que abandonava as técnicas utilizadas nas duas primeiras ondas de reformas, agora consideradas
obsoletas.

Sobre o tema, esclarece Suzana Gastaldi29:

“Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na célebre obra “Acesso à justiça”, dividiram em três ondas os principais
movimentos renovatórios do acesso à justiça.

A primeira onda diz respeito à assistência judiciária aos pobres e está relacionada ao obstáculo econômico do
acesso à justiça. A segunda onda refere-se à representação dos interesses difusos em juízo e visa contornar o
obstáculo organizacional do acesso à justiça. A terceira onda, denominada de “o enfoque do acesso à justiça”,
detém a concepção mais ampla de acesso à justiça e tem como escopo instituir técnicas processuais
adequadas e melhor preparar estudantes e aplicadores do direito.

No Brasil, a primeira onda renovatória do acesso à justiça ganhou consistência jurídica com a entrada em vigor
da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950 e, mais de quarenta anos após, com a instituição da Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, por meio da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de
1994. Hoje, com a Constituição Federal de 1988, a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos está inserida no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente
no inciso LXXIV do artigo 5º. A Defensoria Pública foi consagrada no artigo 134 da Constituição como
“instituição essencial à função jurisdicional do Estado” e, por ser uma garantia institucional, não pode ser
suprimida do ordenamento jurídico”.

É preciso aprofundar sobre as duas outras ondas renovatórias trabalhadas por Diogo Esteves e
Franklyn Roger Alves Silva30 (a quarta e a quinta) como vimos acima:

“QUARTA ONDA RENOVATÓRIA: A DIMENSÃO ÉTICA E POLÍTICA DO DIREITO

28 GAB: A.
29 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26143/as-ondas-renovatorias-de-acesso-a-justica-sob-enfoque-dos-interesses-
metaindividuais. Acesso em: 30/01/2022.
30 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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Tendo como base a sensação comum na sociedade moderna de estar-se rodeado de injustiça, ao mesmo
tempo em que não se sabe onde a justiça está, o professor KIM ECONOMIDES preconiza a existência de uma
quarta onda de acesso à justiça, expondo a dimensão ética e política da administração da justiça. De acordo
com o professor, "a essência do problema não está mais limitada ao acesso dos cidadãos à justiça, mas inclui
também o acesso dos próprios advogados à justiça". Isso porque "o acesso dos cidadãos à justiça é inútil sem
o acesso dos operadores do direito à justiça".”31

“QUINTA ONDA RENOVATÓRIA: A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


Ao longo da segunda metade do século XX, o Direito Internacional dos Direitos Humanos atravessou
importante processo de restauração, estimulado especialmente pelas duras experiências legadas pelos dois
conflitos mundiais. A tutela de direitos humanos ganhou significativa atenção após a Segunda Guerra Mundial
mediante a criação da Organização das Nações Unidas e dos instrumentos normativos protetivos, com especial
atenção para a Carta de São Francisco, a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, todos
integrantes da chamada Carta Internacional de Direitos Humanos. O processo de generalização da proteção
internacional dos Direitos Humanos desencadeou o surgimento de um novo movimento de acesso à justiça,
que conforma o desenvolvimento de uma nova onda renovatória, dedicada à efetividade da proteção jurídica
do indivíduo em face do próprio Estado que deveria protegê-lo.”32

Nesse contexto, é importante trazermos o debate sobre a crise da Covid-19 e a tecnologização da


Defensoria Pública, e que faz trazer ao debate uma nova onda de acesso à justiça: a 6ª onda. Em artigo
publicado recentemente, Eduardo Mesquita Gibrail, que é Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, traz
um embate interessante33:

(...) Analisando a figura do litigante vulnerável no âmbito do processo civil, Fernanda


Tartuce atentou-se à peculiaridade de que “a exclusão digital pode se dar pela
insuficiência econômica que impede o acesso a computadores e outros
equipamentos. Contudo, não se resume a tanto: há quem, apesar de dispor do
aparato físico, tenha dificuldades de utilizá-lo”.

Exsurge, assim, o questionamento: é possível a utilização de tecnologias digitais do


serviço público jurídico-assistencial no Brasil?

A partir de uma análise da gradativa evolução da assistência jurídica no mundo,


Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva identificaram o surgimento de diversos
movimentos (ou sub-movimentos) distintos. Naquilo que passou a ser denominado
de sexta onda renovatória de acesso à justiça pela “nova edição do Projeto Florença”
(Global Access to Justice Project), a Tecnologização da Assistência Jurídica é assim
explicada pelos autores:

31 Ibidem, p.44.
32 Ibidem, p.46.
33 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-07/tribuna-defensoria-crise-covid-19-tecnologizacao-defensoria-
publica#author. Acesso em: 31/01/2022.

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“Dentro do atual cenário mundial de crise econômica e de busca pela otimização de


recursos, diversos países passaram a investir em tecnologia como forma de reduzir
ou, pelo menos, estabilizar os gastos orçamentários com os serviços jurídico-
assistenciais públicos. Atualmente, os serviços de call center são utilizados por
grande parte dos modelos de assistência jurídica no mundo, como etapa preliminar
para o atendimento presencial ou como forma de prestar orientação jurídica
extrajudicial. Essa ferramenta tem possibilitado a redução do custo inerente ao
deslocamento físico dos advogados e a maximização do tempo gasto na prestação
de orientações jurídicas, além de facilitar a superação de obstáculos geográficos que
poderiam dificultar o acesso das classes mais pobres à justiça. A crescente difusão
do acesso à internet tem possibilitado, também, o fornecimento de assistência
jurídica on-line, seja por intermédio de chats ou, até mesmo, por videoconferência.
Outrossim, foram desenvolvidos websites interativos que auxiliam o usuário a
resolver pequenos problemas jurídicos (selfhelp systems)”

No Brasil, já há algum tempo, é verdade, se observa, no cotidiano das Defensorias


Públicas (Estaduais e da União), a implementação de recursos tecnológicos,
especialmente voltados à divulgação e difusão de informações em sites e redes
sociais, e à aproximação do contato entre Instituição e usuário, de maneira mais
dinâmica, a partir de aplicativos de mensagens e e-mails, por exemplo.

Todavia, ainda não se tinha visto – antes da pandemia mundial ora vivenciada – a
efetiva tecnologização da assistência jurídica, de forma integral e substitutiva ao
atendimento presencial.

É cediço que, diante da recomendação mundial das autoridades sanitárias quanto à


imprescindibilidade de isolamento social para mitigar os riscos de contágio pelo
novo coronavírus, surgiu a necessidade de criação de alternativas capazes de manter
o serviço público essencial prestado pela Instituição.

No âmbito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em tempo recorde, foram


criados (e estão em pleno funcionamento desde o dia 23 de março de 2020), 110
polos de atendimento remoto para garantir a orientação jurídica à população sem a
necessidade de deslocamento, com fluxo de comunicações por meio do aplicativo
de mensagens WhatsApp, e-mails e telefone – cujas informações foram
consolidadas em um site criado especificamente para essa finalidade. Há, também,
atendimentos no plantão noturno diário e nos plantões de feriados e finais de
semana – tratando-se, pois, de serviço ininterrupto.

Dados divulgados no site oficial da Defensoria Fluminense dão conta de que, no


período compreendido entre a implementação do funcionamento remoto e o dia 17
de junho de 2020, foram registrados 144 mil atendimentos.”

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Conclui o autor que “a forçada mudança de paradigma, do “analógico” para o “digital”, que já era
fomentada no texto das "Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condições de
Vulnerabilidade" (100 Regras de Brasília)34” pode deixar, como herança, um serviço público jurídico-assistencial
mais moderno e, portanto, mais eficaz. Novas perspectivas, antes inexploradas, agora vieram à tona, e o futuro
se incumbirá de trazer outras, de modo que não há outra conclusão senão compreender, em definitivo, que
não há mais como voltar atrás.”

Vocês já ouviram falar em Visual Law? Se nunca ouviram falar, com certeza conhecem o famoso QR-
CODE (que inclusive às vezes usamos em nossos materiais). Pois bem. Visual Law nada mais é que uma área
que utiliza elementos visuais para tornar o Direito mais claro e compreensível. A utilização de QR-Codes em
petições iniciais, contestações e recursos, por exemplo, é uma frequente materialização prática do visual law.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, conforme notícia no site da ANADEP em 24/07/202035,


recentemente, conseguiu suspender uma decisão liminar que havia determinado uma desocupação coletiva
de famílias carentes. Para reforçar os argumentos jurídicos, o defensor público Diogo Esteves anexou ao
agravo de instrumento, além de fotos da comunidade, um breve vídeo com depoimentos e imagens, feito
pelos próprios moradores e enviado para o WhatsApp do atendimento remoto da Defensoria Pública. O
material foi publicado no YouTube em modo privado, e o acesso dos desembargadores possível por link e por
QR Code inserido no corpo da peça processual. — O uso de Visual Law nas petições pode tornar o Direito e
as provas mais claras e compreensíveis. Esse debate sobre a tecnologia e o acesso à justiça tem despertado
ideias sobre uma sexta onda renovatória de acesso à justiça.

Por fim, caso vocês não tenham lido o Mapa da Defensoria Pública no Brasil, peço que pelo menos
deem uma olhada, considerando que já houve cobrança de pontos destacados neste Mapa.36

CAIU NA DPE-AM-2018-FCC: “São dados e constatações que surgem no panorama consolidado pelo Mapa da
Defensoria Pública do Brasil, de 2013, quando se analisam todas as instituições já instaladas pelo País, elevado
número de cargos vagos e atuação extrajudicial de relevância”. 37

5. FUNÇÃO TÍPICA E ATÍPICA DA DEFENSORIA PÚBLICA

Também é importante sabermos sobe as funções típicas e atípicas desempenhadas pela Defensoria
Pública. Segundo Franklyn Roger Alves e Diogo Esteves38, há a classificação clássica em típica e atípica, que
vamos entender agora.

Como função típica, pode-se entender como sendo “aquelas exercidas com o objetivo de tutelar
direitos titularizados por hipossuficientes econômicos exercidas nas esferas judiciais e extrajudiciais”.

34 Capítulo IV, Seção 5, Regra 95: "Procurar-se-á o aproveitamento das possibilidades que o progresso técnico possa oferecer para
melhorar as condições de acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade".
35 Disponível em: https://anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=45197. Acesso em: 31/01/2022.
36 Disponível: https://www.ipea.gov.br/atlasestado/arquivos/artigos/3210-mapa-relatorio-digital.pdf. Acesso em: 26/01/2022.
37 CERTO.
38 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2017 (Edição

do Kindle).

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Já a função atípica seria “toda aquela que não se relacionar com a deficitária condição econômica do
sujeito, sendo desempenhadas pela Defensoria Pública independentemente da verificação da hipossuficiência
do destinatário. Nesses casos o fator econômico é irrelevante”. É o caso, por exemplo, do exercício da curadoria
especial no processo civil. Imagine o caso em que Sílvio Santos, dono do SBT, é revel em um processo que foi
citado por edital. Neste caso, a Defensoria Pública poderá atuar na qualidade de curador especial, tendo em
vista que não há a verificação de fator econômico.

CAIU NA DPE-AL-2017-CESPE: “As funções atípicas da Defensoria Pública prescindem da insuficiência de


recursos financeiros e abarcam os organizacionalmente vulneráveis”.39

6. FUNÇÕES TRADICIONAIS E NÃO TRADICIONAIS: UMA NOVA CLASSIFICAÇÃO

A classificação em “típica e atípica” vem sendo menos utilizada atualmente, havendo uma nova teoria.
Para o professor José Augusto Garcia40, há, em vez de “típica e atípica”, as funções tradicionais (ou
tendencialmente individualistas) e aquelas não tradicionais (ou tendencialmente solidaristas).

As “Funções Tradicionais” seriam aquelas “ligadas à atividade básica (ou mínima) da Defensoria
Pública, classicamente associadas à carência econômica do indivíduo”. É, em síntese, equivalente à função
“típica” que vimos acima.

Já na função não tradicional, por outro lado, “decorre do solidarismo jurídico dentre as quais se
destacam as atribuições que tencionam a proteção concomitante de pessoas carentes e não carentes (ex.:
ação civil pública relativa a direitos difusos), - as atribuições que repercutem em favor de pessoas carentes e
também beneficiam de forma nominal pessoas não necessariamente hipossuficientes (ex.: representação
judicial de um casal abastado que visa à adoção de uma criança internada), etc. Assim, vejam a tabela abaixo
para ficar mais claro.

FUNÇÃO TRADICIONAL FUNÇÃO NÃO TRADICIONAL


(Tendencialmente individualistas) (Tendencialmente solidaristas)
Associadas à carência econômica do indivíduo. É irrelevante o fator econômico.

Ex.: ação de indenização ajuizada por um Ex.: atuação da DPE como custos vulnerabilis na
hipossuficiente econômico representado pela execução penal.
Defensoria Pública.

39 CORRETO. Lembre-se que “prescindir” é sinônimo de dispensar.


40 Esse autor é examinador da DPERJ. Para entender melhor as funções tradicionais e não tradicionais, recomendamos uma rápida
leitura do seu artigo “O Destino de Gaia e as Funções Constitucionais da Defensoria Pública”.

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7. A AUTOCOMPOSICÃO E A PERSPECTIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA

A Defensoria Pública possui um papel fundamental no microssistema de autocomposição de conflitos.


De acordo com o art. 4º, inciso II, da LC 80/94, que estabelece, é função institucional da DP a promoção
prioritariamente da solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas e conflitos de
interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração
de conflitos.

II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à


composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação,
conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de
conflitos. (GRIFOS NOSSOS).

É importante asseverar que a disposição “demais técnicas de composição e administração de conflitos”


prevista no art. 4º, inciso II, da LC 80/94, consagra uma cláusula geral de atipicidade no tratamento adequado
de conflitos (o que foi incluído pela alteração promovida pela LC 132/09).

Desse modo, a DP foi o primeiro, dentre os atores processuais, a incorporar, por meio de alteração
legislativa, a ideia de tratamento adequado de conflitos, voltada não apenas a resolvê-los, mas também,
administrá-los. Desse modo, é possível divergir da doutrina majoritária, que atribui a primazia do tratamento
adequado de conflitos à Resolução 125 do CNJ, pois esta somente foi editada em 2010, ou seja, 1 ano depois.

Não se discute a relevância normativa da Resolução 125, do CNJ, porque ela foi a primeira norma de
âmbito federal que institui uma política judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos relativa ao
Poder Judiciário. Todavia, uma noção mais contemporânea de acesso à justiça não se confunde com o acesso
ao Judiciário, de modo que não podemos ignorar que a LC 80/94 foi a primeira lei federal que estabeleceu
uma cláusula geral e aberta para o tratamento adequado do conflito, utilizando-se a técnica que se mostrasse
mais adequada ao caso concreto.

Devemos considerar, ainda, a reconfiguração que o Processo Civil, através das mudanças de fase
metodológica, sofreu, de modo que o CPC de 2015 não pode ser interpretado com o mesmo olhar do CPC de
1973. Isso porque este se encontrava plenamente adaptado à doutrina do instrumentalismo, a qual conferia
à jurisdição o papel central na resolução do conflito, devendo o Magistrado adequar o processo ao direito
material (o que se critica por conferir um protagonismo excessivo ao juiz, sem a participação das partes).

Diante do cenário apresentado na vigência do CPC de 73 e paralelamente às discussões para a


elaboração do CPC de 2015, surgiu uma nova fase metodológica de análise do processo (que a doutrina
identifica como uma 4ª fase), o formalismo valorativo, que se distingue do instrumentalismo quanto à forma
de compatibilizar o direito processual ao direito material.

No instrumentalismo, o processo é visto como um instrumento, que deve ser conformado pelos juízes
às exigências do direito material. Por outro lado, o formalismo valorativo afasta a jurisdição do vértice do

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sistema, para atribuir ao processo à posição central da teoria (a forma processual serve como garantia e, não
amarra da justiça).

O processo é visto como valorativo, pois ele serve à construção do direito posto pelo jurisdicionado e
uma proteção quanto ao arbítrio judicial, configurando-se, portanto, como verdadeiro direito fundamental.

Por essa razão, doutrinadores, como Hermes Zanetti Jr., defendem uma relação circular entre o direito
processual e o direito material, na qual o processo serve ao direito material, mas, para que assim o faça, é
necessário que seja servido para aquela, o que resulta na construção de um direito material novo pelo
processo. Isso é relevante, pois, assim, o processo passa a admitir outras soluções, para além da sentença
adjudicada. O que se observa é que o CPC de 2015 adotou um sistema de múltiplas portas de acesso à justiça,
onde há várias formas de se iniciar o processo, devendo ser asseguradas, também, várias “portas” para se sair
dele.41

Neste sentido, o caput do art. 3º, do CPC consagra o princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional. Mas, no § 1º, autoriza a arbitragem, na forma da lei. No § 2º afirma que o Estado promoverá,
sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, e, por fim, no § 3º, estabelece que a conciliação, a
mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos (consagra-se, mais uma vez, uma cláusula
geral de tratamento de conflitos, a qual dialoga com a cláusula geral prevista no art. 4º, II, da LC 80/94) deverão
ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do MP, inclusive no curso do processo
judicial.

A realidade é que o CPC de 2015 tem uma aplicação diferente daquela que observamos, quando
estudamos outros microssistemas. Por exemplo, no microssistema de tutela coletiva devemos buscar uma
solução, primeiro, no próprio microssistema e, após, no CPC, em caráter subsidiário. No microssistema de
autocomposição, entretanto, o CPC não possui aplicação subsidiária, pois ele se comunica diretamente com
as normas do microssistema, possuindo grande importância a cláusula geral de atipicidade de tratamento de
conflitos.

O microssistema de autocomposição é analisado, diferentemente dos demais microssistemas, sob a


perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. A repercussão prática desse tratamento é que a
abordagem deixa de ser puramente jurídica, mas passa a ser interdisciplinar. O Direito é encarado como mais
um sistema social, ou seja, ele não está sozinho, mas inserido em um macrossistema de tratamento de
conflitos, além disso, é o resultado do acoplamento estrutural entre os sistemas de heterocomposição e
autocomposição (interseção entre os sistemas).

A compreensão do conflito, a partir de suas peculiaridades, é fundamental para a utilização da técnica


adequada. O conhecimento e a utilização correta desta são fundamentais para a resolução do conflito (não
basta apenas duas pessoas serem colocadas frente a frente para uma conversa). O estudo das teorias do
conflito permite a observação e a compreensão do conflito como um fenômeno inerente à vida humana, que
pode ser analisado em variados níveis e escalas, visto que não se trata de um fenômeno estático e, sim,

41 As outras portas seriam a mediação, conciliação, arbitragem etc.

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dinâmico. Permite, ainda, que se perceba um nível manifestado e um nível latente. Normalmente, o direito se
ocupa apenas com as condutas externas, o que, em regra, é apenas a ponta do iceberg do conflito, daí a
incapacidade, muitas vezes, da sentença adjudicada pelo juiz não possuir a capacidade de externar a
pacificação. Elementos internos ao próprio indivíduo e a visão parcial do objeto em jogo podem vir a refletir
no comportamento manifestado.

A solução de controvérsias de forma insatisfatória para uma ou ambas as partes, em muitos casos,
não extinguem os conflitos, mas apenas muda as suas feições, razão pela qual muitos conflitos poderão
apresentar natureza construtiva ou destrutiva a depender dos resultados que produzirão. O conflito é um
fenômeno social dinâmico que se desenvolve a partir de uma espiral negativa de degeneração.

Cumpre ressaltar que a autocomposição não é algo novo no processo brasileiro e nem a panaceia para
a resolução de todos os problemas, mas não podemos ignorar todo o potencial que ela apresenta a partir da
evolução das fases metodológicas do processo, do movimento de nova sistematização do direito, os quais
importam num novo papel para os sujeitos envolvidos na relação conflituosa. Trata-se de um modelo flexível,
que tem se mostrado mais adequado para suprir as expectativas sociais com o resultado do processo.
Devemos reconhecer o potencial protagonismo que a DP pode exercer como instrumento.

CAIU NA DPE-CE-2022-FCC: “Artigo publicado no sítio eletrônico da Defensoria Pública do Estado do Ceará,
em 25 de janeiro de 2019, aponta que com técnicas de mediação e conciliação, 80% das partes que
procuraram a Defensoria Pública chegaram a um acordo. A busca pela solução extrajudicial de conflitos na
Defensoria Pública é
A) condição obrigatória para o atendimento da pessoa assistida.
B) restrita às técnicas de conciliação e mediação.
C) função institucional legalmente prevista como de promoção prioritária.
D) incompatível com demandas que envolvam crianças e adolescentes.
E) restrita às demandas de direito de família.”.42

CAIU NA DPE-MS-2022-FGV: “Laura, moradora da comunidade do Mosquito, procura a Defensoria Pública


para informar que está sendo constantemente molestada por seu vizinho, Fábio, com violações à “Lei do
Silêncio” e às regras de boa convivência. Entretanto, o que mais está a incomodar Laura, segundo narra, foi o
fato de Fábio ter pintado, na parede de seu próprio imóvel, bem diante da porta de saída para a rua de Laura,
um emblema religioso contrário à religião professada por ela.
Diante desse cenário e dos papéis institucionais da Defensoria Pública e ciente do pleito de Laura para que
Fábio apague aquela pintura, segundo a legislação de regência, é correto afirmar que:
A) Fábio, diante de sua atitude, não terá condições de ser atendido pela Defensoria Pública, caso demandado
por Laura;
B) prioritariamente, o objetivo é o de promover a solução extrajudicial do litígio, não sendo recomendada, de
imediato, a propositura de alguma ação judicial;
C) a hipossuficiência de Laura é presumida de maneira absoluta por conta de seu local de moradia, devendo
ser dispensada de qualquer comprovação de renda para receber o atendimento buscado;

42 GABARITO: C.

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D) percebe-se de plano que qualquer pretensão que seja dirigida por Laura contra Fábio nesta hipótese é
descabida, já que a relação deste com seu imóvel não diz respeito a qualquer pessoa, podendo usufruir do
bem livremente.”.43

CAIU NA DPE-RO-2017-VUNESP: “É função institucional da Defensoria Pública promover, prioritariamente, a


solução judicial dos litígios.” 44

CAIU NA DPE-RO-2017-VUNESP: “O instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo


Defensor Público, quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público, valerá como
A) título executivo extrajudicial.
B) meio de proporcionar legitimidade para a propositura de ação civil pública.
C) instrumento necessário para homologação judicial.
D) recurso de coação perante as instâncias administrativas.
E) documento obrigatório para ação de obrigação de fazer, se houver descumprimento.” 45

CAIU NA DPE-AL-2017-CESPE: “Nos termos da Lei Complementar n.º 80/1994, no exercício de sua função
institucional, a Defensoria Pública deve promover a solução extrajudicial dos litígios por meio
I. do exercício da mediação direta entre as partes.
II. da constituição de juízo arbitral.
III da promoção da conciliação.
IV. da exigência, das partes, de pactum de non petendo.
V. da execução de auxílio direto.
Estão certos apenas os itens
A) I e II.
B) I e III.
C) I, II e III.
D) I, III e IV.
E) II, III e V.” 46

8. A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO “OMBUDSMAN”

A princípio, o nome Ombudsman pode parecer estranho à sua memória. Assim, não se desespere se
nunca tiver lido ou escutado por aí. Absolutamente normal.

Podemos conceituar a expressão Ombudsman como “uma instituição pública (criada normalmente
pela Constituição e regulada por lei do Parlamento) dotada de autonomia, cuja finalidade principal é proteger
os direitos humanos dos cidadãos frente à Administração Pública do país respectivo." (PARECER "Dimensões
Constitucionais da Defensoria Pública da União", de autoria do Professor Daniel Sarmento a ANADEF47).

43 GABARITO: B.
44 GABARITO: ERRADO. É, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, e não judicial.
45 GABARITO: A.
46 GABARITO: B
47 Disponível em: http://www.anadef.org.br/images/Parecer_ANADEF_CERTO.pdf. Acesso em: 31/01/2022.

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Nesse parecer, o professor Daniel Sarmento responde a alguns questionamentos, entre eles, o
seguinte: “As Emendas Constitucionais 74/2013 e 80/2014 permitem que os Defensores Públicos Federais
exerçam a função de Ombudsman?”

E a resposta foi a seguinte:

“A plena autonomia da DPU, como destacado na resposta ao quesito anterior, foi expressamente reconhecida
pela EC nº 74/2013. Os membros da Defensoria Pública da União, em simetria com o regime constitucional do
Ministério Público e da Magistratura, possuem independência funcional e inamovibilidade (CF, art. 134, §§1º
e 4º), e estão sujeitos a uma série de deveres voltados à garantia do bom exercício das suas funções, como a
necessidade de residirem na localidade onde estiverem lotados (art. 45, I, LC nº 80/94) e a proibição do
exercício de atividade político-partidária enquanto atuarem perante a Justiça Eleitoral (art. 46, V, LC nº 80/94).
A EC nº 80/2014, por sua vez, conferiu explícito reconhecimento constitucional a atribuições institucionais
que já tinham sido conferidas à Defensoria Pública da União, pela Lei Complementar nº 80/94, especialmente
após as modificações introduzidas pela Lei Complementar nº 132/2009, (veja-se, e.g., os arts. 3º-A e 4º da LC
nº 80/94). De todo modo, o desempenho da função de Ombudsman pela Defensoria Pública da União está
delimitado pelo escopo das suas finalidades institucionais, que, conforme o disposto no art. 134 da CF, se
ligam especialmente à defesa de indivíduos e grupos hipossuficientes e vulneráveis”. GRIFOS NOSSOS.

CAIU NA DPE-AL-CESPE-2017: “No que diz respeito às funções típicas e atípicas da Defensoria Pública, é correto
afirmar que a função de ombudsman exercida pela Defensoria Pública brasileira em defesa dos direitos
humanos consiste em atribuição típica”.48

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 4636, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), em que discutia a obrigatoriedade do defensor público ser inscrito na OAB, o
ministro relator Gilmar Mendes defendeu a não obrigatoriedade de inscrição na OAB para postular em juízo
pelos Defensorxs, e ainda fez uma observação muito importante sobre a atuação da instituição enquanto
ombudsman, vejam:
“Conclui-se que a Defensoria Pública, agente de transformação social, tem por
tarefa assistir aqueles que, de alguma forma, encontram barreiras para exercitar
seus direitos. Naturalmente sua atribuição precípua é o resguardo dos interesses
dos carentes vistos sob o prisma financeiro. Todavia, ressalto, não é a única. Ora, as
desigualdades responsáveis pela intensa instabilidade social não são apenas de
ordem econômica.

A bem da verdade, examinando o projeto constitucional de resguardo dos direitos


humanos, podemos dizer que a Defensoria Pública é verdadeiro ombudsman, que
deve zelar pela concretização do estado democrático de direito, promoção dos
direitos humanos e defesa dos necessitados, visto tal conceito da forma mais ampla

48 ERRADO. Trata-se de função atípica (ou não tradicional). Isso porque esta não afeta à condição econômica.

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possível, tudo com o objetivo de dissipar, tanto quanto possível, as desigualdades


do Brasil, hoje quase perenes.” GRIFOS NOSSOS).49

9. A DEFENSORIA PÚBLICA PODE ATUAR NA DEFESA DE PESSOAS JURÍDICAS?

Na mesma ADI Nº 4636 questionou-se, perante o STF, a constitucionalidade da expressão “e jurídicas”


constante do inciso V do art. 4º da Lei Complementar 80/1994 (Lei Orgâncica da Defensoria Pública), com a
redação dada pela Lei Complementar 132/2009, como podemos observar abaixo:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(...)

V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o


contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos
e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou
extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e
efetiva defesa de seus interesses;

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes deixou claro que: tanto a expressão “insuficiência de
recursos”, quanto “necessitados” podem aplicar-se tanto às pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas.

Transcrevo abaixo, para fins de aprofundamento para fases discursivas e orais, o voto do relator:

(...) Lembro que não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas
jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos fundamentais,
não obstante estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se
superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas
humanas.

Os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por


pessoas jurídicas podem tê-las por titular. Assim, não haveria por recusar às pessoas
jurídicas as consequências do princípio da igualdade, nem o direito de resposta, o
direito de propriedade, o sigilo de correspondência, a inviolabilidade de domicílio,
as garantias do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Os
direitos fundamentais à honra e à imagem, ensejando pretensão de reparação
pecuniária, também podem ser titularizados pela pessoa jurídica.

49Em provas mais avançadas (discursiva e oral), mostre ao examinador que detém conhecimento sobre esse julgado do STF e também
sobre o Recurso Especial nº 1.710.155 – CE no STJ, cuja tese fixada foi a de que os defensores não precisam estar inscritos na OAB para
postularem em juízo (disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/acordao-stj-defensores-publicos-nao.pdf. Acesso em:
31/01/2022).

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(...) Podemos concluir, assim, que as pessoas jurídicas são titulares do direito à
inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV) e dos direitos do tipo procedimental,
como o direito a ser ouvido em juízo e o direito ao juiz predeterminado por lei, o
direito à igualdade de armas e o direito à ampla defesa (HC 70.514, DJ 27.6.1997).
Como não enxergar, por exemplo, as microempresas, as empresas de pequeno
porte, as individuais? Quando se fala em pessoa jurídica, aqui, devemos ir além dos
bancos, grandes lojas, redes de supermercado. Trata-se, sim, do padeiro que abriu
seu estabelecimento comercial com recursos da adesão ao Programa de Demissão
Voluntária, da costureira que organizou oficina na garagem de sua casa, do sapateiro
que atende em uma pequena banca de bairro. Enfim, as possibilidades são
infindáveis. E mais: não podemos esquecer que as entidades civis sem fins lucrativos
e associações beneficentes também são pessoas jurídicas.

Por esta razão, a pretensão aventada pela requerente, quando pleiteia a declaração
de inconstitucionalidade da expressão “e jurídicas”, constante do inciso V do artigo
4º da Lei Complementar 80/94, com o objetivo de restringir a assistência da
Defensoria Pública apenas as pessoas físicas, não encontra guarita na Constituição
Federal.

10. A DEFENSORIA COMO “CUSTOS VULNERABILIS”

Ainda dentro de Direito Institucional, reservei um ponto EXCLUSIVO para tratarmos sobre o instituto
do custos vulnerabilis.

Segundo Maurílio Casas Maia,

“‘custos vulnerabilis’ representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em


nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal) –
atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e
objetivamente aos direitos humanos – representando a busca democrática do
progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no
cenário jurídico-político” (Legitimidades institucionais no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (IRDR) no Direito do Consumidor: Ministério Público e
Defensoria Pública: similitudes & distinções, ordem & progresso. Revista dos
Tribunais. vol. 986. ano 106. págs. 27-61. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2017, p. 45).
No mesmo sentido Cassio Scarpinella Bueno50:

“A expressão 'custos vulnerabilis', cujo emprego vem sendo defendido pela própria
Defensoria Pública, é pertinente para descrever o entendimento aqui robustecido.
Seu emprego e difusão têm a especial vantagem de colocar lado a lado – como deve

50BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1: teoria geral do direito processual civil: parte geral
do código de processo civil. 9ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 219.

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ser em se tratando de funções essenciais à administração da justiça – esta


modalidade interventiva a cargo da Defensoria Pública e a tradicional do Ministério
Público. O 'fiscal dos vulneráveis', para empregar a locução no vernáculo, ou, o que
parece ser mais correto diante do que corretamente vem sendo compreendido
sobre a legitimidade ativa da Defensoria Pública no âmbito do 'direito processual
coletivo', o 'fiscal dos direitos vulneráveis', deve atuar, destarte, sempre que os
direitos e/ou interesses dos processos (ainda que individuais) justifiquem a oitiva (e
a correlata consideração) do posicionamento institucional da Defensoria Pública,
inclusive, mas não apenas, nos processos formadores ou modificadores dos
indexadores jurisprudenciais, tão enaltecidos pelo Código de Processo Civil. Trata-se
de fator de legitimação decisória indispensável e que não pode ser negada a
qualquer título.”

Em artigo publicado sob o título “Defensoria pública enquanto custos vulnerabilis: tese e avanço
jurisprudencial em 2020”, Maurílio Casas Maia comenta as bases do custos vulnerabilis51:

“Embora em textos esparsos, as ideias basilares da doutrina sobre o Custos


Vulnerabilis podem ser apontadas:

(1) A expressão possui ao menos, duplo sentido”, a ser aferido contextualmente,


podendo se apresentar em sentido amplo como missão constitucional, da qual
deriva a legitimidade defensorial, ou ainda de intervenção” institucional;

(2) Base teórica garantista a partir dos estudos de Luigi Ferrajoli”;

(3) Reconhecimento da atuação constitucional da Defensoria Pública para a


remoção de obstáculos de acesso à Justiça em todas as ondas renovatórias
visualizadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth', e as demais ondas posteriores
como a quarta onda renovatória de Kim Economides, com impacto na amplitude do
conceito de “necessitados”:

(4) Possibilidade de a Defensoria Pública atuar em posições processuais dinâmicas,


até mesmo ocupando diversos polos processuais (LC 80/1994,art. 4º-A, I), de modo
concomitante ou sucessivo, ainda que em Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (IRDR) ou no Processo Penal',

(5) O reconhecimento de que o “Estado Defensor” possui seu próprio interesse


institucional” e constitucional a zelar, como forma de interesse público!º, primário
ou secundário, especialmente em prol dos vulneráveis quando assumirá O
quadrante dos interesses públicos primários;

51 MAIA, Maurilio Casas. Defensoria Pública enquanto Custos Vulnerabilis: tese e avanço jurisprudencial em 2020. Revista dos Tribunais,

São Paulo, n. 1025, p. 355-364, Mar. 2021.

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(6) O Custos Vulnerabilis detém especial responsabilidade com o reequilíbrio das


relações jurídicas e potencialização do contraditório inclusive na formação de
precedentes, buscando uma “interpretação pro homine” do ordenamento jurídico?;

(7) A intepretação histórica é relevante ao reconhecimento da função interventiva


da Defensoria Pública brasileira, porquanto seus membros surgem como órgão da
Procuradoria Geral de Justiça do antigo Rio de Janeiro (Lei Estadual 2.188. de
21.07.1954), em cargo isolado ladeando os antigos promotores públicos, com
paridade de garantias, mas diferenciação funcional:

(8) Com o avanço dos estudos, foi ainda revelada uma distinção funcional-finalística
das intervenções Custos Vulnerabilis e Amicus Communitatis e Amicus Curiae”.

Como bem lembra Pedro Lenza (Manual de Direito Constitucional Esquematizado, 2020), o Estado do
Rio de Janeiro foi o primeiro na implementação da Defensoria Pública no Brasil, servindo de modelo para
edição da LC 80/1994, inclusive.

Nesse sentido, abro parênteses para mencionar um recente julgado do STF que declarou
inconstitucional um artigo do ADCT da Constituição do Estado de Sergipe. Vamos entender melhor, e logo
depois voltamos para o assunto custos vulnerabilis.

É que antes da CF/88, alguns Estados possuíam Defensoria Pública por força de leis estaduais (ex.:
DPE-RJ). Outros estados, embora não tivessem a Defensoria Púbica com esse nome, tinham advogados
contratados pelo Estado para exercerem uma função muito parecida com a que conhecemos hoje na
Defensoria Pública.

Veja, contudo, o que estabeleceu o art. 22 do ADCT da CF/88:

Art. 22. É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de
instalação da Assembleia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com
a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da
Constituição.

Ou seja, o art. 22 do ADCT da CF/88 previu que as pessoas que estivessem exercendo a função de
Defensor Público até 01/02/1987 (data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte) pudessem optar
pela carreira de Defensor Público.

De forma semelhante, o art. 15 do ADCT da Constituição do Estado de Sergipe passou a prever o


seguinte.

Art. 15. É assegurado aos defensores públicos investidos da função até a data da
instalação da Assembleia Estadual Constituinte o direito de opção pela carreira, com

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a observância das garantias e vedações previstas no art. 123, parágrafo único, da


Constituição Estadual.

Contudo, a data da instalação da Assembleia Estadual Constituinte do Estado do Sergipe foi posterior
à data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte (CF/88). Assim, houve simplesmente a ampliação do
prazo do art. 22 do ADCT da CF/88, concordam?

O STF, ao analisar a ADI 5011 em 08/06/2020, entendeu que o art. 15 do ADCT da CE/SE ampliou o
limite temporal de excepcionalidade previsto pelo art. 22 do ADCT da CF/88 e, por essa razão, feriu a regra do
concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal). O art. 22 do ADCT criou, de modo excepcional, uma
forma derivada de investidura em cargo público. Trata-se de uma exceção à regra geral do concurso público
e, portanto, não pode ser ampliada pelo constituinte estadual. STF. Plenário. ADI 5011, Rel. Edson Fachin,
julgado em 08/06/2020 (Info 984).52

Agora voltamos ao ponto anterior, em que estávamos tratando sobre a gênese da DPERJ.

Pois bem!

Foi no Distrito Federal (posterior Estado da Guanabara) assim como no antigo Estado do Rio de Janeiro
(este abrangia todo o Estado do Rio, exceto a cidade Rio de Janeiro, capital), que a Defensoria Pública estava
inserida dentro da carreira do Ministério Público, como bem assevera Diogo Esteves e Franklyn Roger em sua
obra sobre Direito Institucional. Assim, a assistência aos necessitados era prestada por integrantes da carreira
do MP.
Veja que interessante!

Por mais estranho que possa parecer, a Defensoria Pública surge atrelada à carreira do MP. A lei do
antigo Distrito Federal trazia a carreira do Ministério Público com os seguintes cargos: Defensor Público,
Promotor Substituto, Promotor Público e Curador. O primeiro cargo (Defensor) era provido por concurso
público, e os demais por promoção (ascensão funcional).

Em outras palavras, o candidato aprovado entraria na carreira do Ministério Público como Defensor,
e ia sendo promovido até chegar a ser Promotor.

Maurílio Casas Maia sustenta que essa ideia de colocar o cargo de Defensor “antes” do de Promotor,
na mesma carreira, demonstra que o legislador pensou que antes de acusar, seria necessário ter passado pelas
mazelas da defesa, isto é, ter conhecido na pele as dificuldades inerentes à defesa.

52Contudo, conforme estabelece Márcio do Dizer o Direito no Inf. 984 comentado, tendo em vista que já se passaram muitos anos
desde a edição da CE/SE, o STF entendeu que, em homenagem à segurança jurídica, deveriam ser preservadas as aposentadorias e
pensões dos Defensores nomeados pelos atos derivados da norma inconstitucional (modulação dos efeitos). Assim, o STF julgou
procedente o pedido da ADI para declarar a inconstitucionalidade do art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do
Estado de Sergipe, ressalvando, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, os servidores que já estejam aposentados (ou seus
dependentes estejam em gozo de pensão por morte) ou que, até a data do julgamento, tenham preenchido os requisitos para a
aposentadoria. Para ler mais: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/08/info-984-stf.pdf. Acesso em: 31/01/2022.

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É importante dizer que a partir do termo “necessitados”, hoje em ampla construção, começaram a
desenvolver modelos de atuação da Defensoria Pública.

Pedro Lenza (2020) afirma que Bheron Rocha (Defensor Público do Estado do Ceará e escritor de várias
obras sobre Defensoria) identifica três grandes modelos de atuação:

Neste caso, é quando a Defensoria representa judicialmente a


10.1 PROCURADOR JUDICIAL DOS
parte, no uso da sua capacidade postulatória. O Direito é do
VULNERÁVEIS
próprio usuário (assistido), que só está sendo representado
(ATTORNATO AD VULNERABLE)
judicialmente pela Defensoria Pública.
A Defensoria atua em nome próprio, na defesa de direitos alheios.
10.2 LEGITIMADO EXTRAORDINÁRIO É o caso do ajuizamento de ação civil pública para defesa de
(AMICUS COMMUNITAS) vulneráveis (idosos, por exemplo).
10.3 GUARDIÃO DAS A Defensoria, neste caso, atua em nome próprio em razão de
VULNERABILIDADES missão institucional de promoção dos Direitos Humanos. O
(CUSTOS VULNERABILIS) direito envolvido pode ser individual ou coletivo.

Nesse sentido, gostaria de tratar especificamente sobre a atuação da Defensoria como “custos
vulnerabilis”, terceiro modelo visto nesse quadrinho.

Para alguns, é no art. art. 554, § 1º do NCPC onde está positivado o embrião do custos vulnerabilis.

Vejam o art. 554, § 1º do NCPC:

§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a
citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais,
determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de
hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

Em julgado histórico, publicado em 25/09/2019, o TJ-AM, tratando sobre o subfinanciamento da


Defensoria ante às demais instituições do sistema de justiça, sedimenta a tese de Maurilio Casas Maia a
respeito do custos vulnerabilis, e faz referência a tese de Bheron Rocha de Defensoria Pública como amicus
democratiae.

Inicialmente, afirma o TJ-AM:

“Conforme visto, múltiplos são os fundamentos do decisório vergastado,


destacando-se para a admissão da intervenção de custos vulnerabilis: 1) missão
constitucional da Defensoria Pública, voltada à defesa dos vulneráveis e tutela dos
direitos humanos; 2) Interpretação histórica extraída da origem do cargo de
defensor público – a Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 2.188/1954 –, pela qual se
afigura que os defensores públicos nasceram enquanto órgão da Procuradoria de
Justiça do Rio de Janeiro; 3) Com a finalidade de amplificar a democracia processual

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com a escuta do interesse dos vulneráveis, para a Defensoria Pública deve ser, ao
menos, possibilitado influenciar os Tribunais na formação de precedentes; 4) Deve
ser garantida a paridade de armas e simetria entre Estado Acusador e Estado
Defensor na formação de precedentes em todas as instâncias e graus”. Autos nº
0003697-80.2019.8.04.0000. Classe: Agravo Regimental Criminal.

A decisão, que é simplesmente brilhante, ainda esclarece que o Ministério Público seria como se fosse
uma espécie de fiscal da democracia (custos democratiae) e a Defensoria Pública uma amiga da democracia
(“amicus democratiae”)53

Nesse sentido:

“Com efeito, considerando-se o Ministério Público como o fiscal da ordem jurídica e


do regime democrático (art. 127, CF) e a Defensoria Pública como uma expressão e
instrumento do regime democrático (art. 134, CF), seria como se o Ministério
Público fosse uma espécie de fiscal da democracia (custos democratiae) e a
Defensoria Pública uma amiga da democracia (amicus democratiae) – podem se
parecer para aos desavisados não estudiosos do tema, contudo, o papel do primeiro
é de índole objetiva e do segundo órgão de marca subjetiva, voltada ao olhar
fraternal em prol dos vulneráveis. Nesse ponto, é importante que se diga que o
recurso aqui julgado, com indício corporativista, não se coaduna com o interesse
constitucional do Ministério Público de resguardar o regime democrático
decorrente de sua missão constitucional.”

Conforme noticiado em 20 de setembro de 202054, “ao conceder Habeas Corpus a um acusado de


tráfico por excesso de prazo na citação, o desembargador Mario Parente Teófilo Neto, do Tribunal de Justiça
do Ceará, reconheceu que a Defensoria Pública atua como um instrumento da democracia e protetora dos
direitos humanos. Para o relator, membro da 1ª Câmara Criminal do TJ cearense, a defensoria se constitui em
amicus democratiae e guardiã dos direitos humanos dos cidadãos”. Para ler a decisão completa clique na nota
de rodapé abaixo.55
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, em 27/09/2019, também admitiu a intervenção da Defensoria
Pública na qualidade de custos vulnerabilis, em decisão inédita tomada no REsp 1.712.163, admitindo que a
DPU intervenha no feito na qualidade de “guardião da vulnerabilidade”, nas hipóteses em que há formação
de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.

Admite-se a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos


vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos

53 Expressão cunhada por Bheron Rocha.


54 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-20/tjs-reconhecem-defensoria-instrumento-democracia. Acesso em:
31/01/2022.
55 Decisão completa em: https://www.conjur.com.br/dl/tjs-reconhecem-defensoria-instrumento.pdf. Acesso em 31/01/2022.

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vulneráveis e dos direitos humanos. STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel.
Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657). (DIZER O DIREITO)56

CAIU NA DPE/AP – 2022 – FCC: A intervenção da Defensoria Pública na condição de custos vulnerabilis:
A) Não encontra guarida ou previsão no ordenamento jurídico brasileiro, pois se confunde com o papel
exercido pelo Ministério Público quando atua como fiscal da ordem jurídica.
B) Limita-se às hipóteses de ações possessórias em que figure no polo passivo grande número de pessoas,
dentre as quais se encontrem pessoas em situação de hipossuficiência econômica.
C) Tem natureza jurídica de amicus curiae, de modo que a legitimidade recursal é restrita à interposição de
embargos declaratórios e recurso contra decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
D) Nas situações em que é imposta a atuação institucional, a ausência de intimação da Defensoria para a
manifestação acarreta nulidade processual.
E) É instrumento aplicável exclusivamente aos processos que tratem de direitos transindividuais, não sendo
possível a sua aplicação em processos individuais, hipóteses em que a defensoria atuará como representante
da parte hipossuficiente.57.

CAIU NA DPE/RS – 2022 – CESPE: Conforme entendimento do STJ, a intervenção da Defensoria Pública na
condição de custos vulnerabilis, em nome próprio, poderá ocorrer em processos individuais e coletivos, nas
hipóteses em que haja formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos58.

CAIU NA DPE/RR – 2021 – FCC: A intervenção da Defensoria Pública como custos vulnerabilis se dá
pela Instituição em nome próprio e em razão de seu interesse institucional.59.

Nesse sentido, indo além, em 2020 o STJ admitiu a DPU como custos vulnerabilis no processo penal
(Habeas Corpus nº 568.693 – ES):

56 Informativo do STJ (657): Salienta-se preliminarmente que, no caso, foi facultada à Defensoria Pública da União a sua atuação nos
autos como amicus curiae. Contudo, a DPU postulou a sua intervenção como custos vulnerabilis, ou seja, na condição de "guardiã dos
vulneráveis", o que lhe possibilitaria interpor todo e qualquer recurso. O art. 1.038, I, do Novo Código de Processo Civil, estabelece
que o relator poderá solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando
a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF/88, é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição
Federal. Segundo a doutrina, custos vulnerabilis representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol
de seu interesse institucional (constitucional e legal), atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e
objetivamente aos direitos humanos, representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis
no curso processual e no cenário jurídico-político. A doutrina pondera ainda, "que a Defensoria Pública, com fundamento no art. 134
da CF/88, e no seu intento de assegurar a promoção dos direitos humanos e a defesa [...] de forma integral, deve, sempre que o
interesse jurídico justificar a oitiva do seu posicionamento institucional, atuar nos feitos que discutem direitos e/ou interesses, tanto
individuais quanto coletivos, para que sua opinião institucional seja considerada, construindo assim uma decisão jurídica mais
democrática". Assim, tendo em conta que a tese proposta no recurso especial repetitivo irá, possivelmente, afetar outros recorrentes
que não participaram diretamente da discussão da questão de direito, bem como em razão da vulnerabilidade do grupo de
consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, a Defensoria Pública da União está
legitimada para atuar como custos vulnerabilis.
57 Gabarito: D.
58 GAB: C.
59 GAB: C.

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(...) Sendo assim, depreende-se do exposto acima que é cabível a admissão da


Defensoria Pública da União como custos vulnerabilis nos casos em que há formação
de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. In casu, como já
ressaltado, trata-se da defesa de presos - que praticaram atos de menor gravidade
- que não possuem condições financeiras de saldar o valor estipulado a título de
fiança e por isso permanecem presos (ainda que em período reconhecido como de
pandemia). Ora, a vulnerabilidade econômica do grupo social que aqui se avulta é
patente, mas, além dela, trata-se, também, de pessoas em vulnerabilidade social.
No mais, também não há dúvida de que ao tratar de prisão de pessoas em
vulnerabilidade econômica e social em presídios com superlotação e insalubridade
em tempos de COVID-19, estamos tratando de direitos humanos, vez que se
defende, aqui, a liberdade como direito civil e também a liberdade real advinda dos
direitos sociais. Assim, defiro o pedido da Defensoria Pública da União para atuar no
feito como custos vulnerabilis.”

Leia a decisão completa com o QR CODE abaixo.

Decisão completa

Já em 2021, os Tribunais brasileiros começaram a autorizar novos tipos de atuação da Defensoria em


favor de crianças, com uma espécie de “defensor da criança”.60

A Lei Complementar nº 135/2021 do Estado do Pará, que alterou a Lei Orgânica da Defensoria Pública
do Pará, passou a constar expressamente a intervenção custos vulnerabilis, ao estabelecer o seguinte:

§ 11. Nas ações em que figure em quaisquer dos polos processuais grande número
de litigantes em situação de vulnerabilidade, a Defensoria Pública poderá requerer
sua intervenção para acompanhar o feito.61

Trata-se de grande conquista ao povo do Estado do Pará!

60 Para ler mais: https://www.conjur.com.br/2021-mar-27/tribunais-autorizam-novas-atuacoes-defensoria-favor-criancas. Acesso em:


31/01/2022.
61 Lei completa em:
http://www2.defensoria.pa.def.br/portal/anexos/File/Lei%20Complementar%20nº%20135,%20de%2013%20de%20janeiro%20de%2
02021%20-%20Altera%20e%20acrescenta%20dispositivos%20à%20Lei%20Complementar%20nº%2054.pdf. Acesso em: 31/01/2022.

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Por fim, mas antes de concluir, vamos conversar sobre outro ponto bem legal.

Bem.

Vocês já perceberam que o Ministério Público atua como fiscal da ordem jurídica em primeiro e
segundo grau, não é? Pois bem. Isso quer dizer que caso o MP recorra de uma sentença ou elabore
contrarrazões ao recurso da defesa, o relator, em segundo grau, remeterá os autos do processo para o
Procurador-Geral de Justiça (na justiça estadual).

Ou seja, há um MP como órgão acusador, e há também o MP como fiscal da ordem jurídica (custos
iuris), que sempre irá velar pelas teses institucionais, que em sua maioria são contrárias à defesa e em prejuízo
do réu.

Perceba que não há nenhuma paridade de armas entre acusação e defesa. Isso porque a defesa tem,
em tese, apenas uma única oportunidade de se manifestar, enquanto o MP se manifesta duas vezes: a primeira
como recorrente, ou, se assim não recorra, em contrarrazões do recurso da defesa; e a segunda através de
manifestação ministerial em segundo grau (como fiscal da ordem jurídica), o que com certeza influencia na
hora do julgamento.

Isso acontece tanto nos Tribunais de segundo grau, como também no Tribunais Superiores (no STJ
com os subprocuradores da república e no STF com a Procuradoria Geral da República).

Certo, mas o que se propõe, então?

Sustenta-se que o Defensor Geral, representando a instituição Defensoria Pública, também atuasse
como “custos vulnerabilis” em segundo grau em situações de vulnerabilidade, assim como atua o MP como
fiscal da ordem jurídica (custos iuris). Assim, por exemplo, havendo qualquer espécie de vulnerabilidade no
recurso, o relator enviaria os autos também à Defensoria Pública do Estado para atuação do DPG.

Informo que isso é uma crítica doutrinária bem trabalhada pelo Maurílio Casas Maia e outros
professores, e que poderá ser argumentada em prova abertas, sobretudo oral.

Há inclusive caso amazonense que em revisão criminal determinou-se a intimação do Defensor Público
Geral para que este fosse ouvido em segundo grau, face à paridade de armas. Em resumo, a teoria dos poderes
implícitos justificaria a representação da DPE como custos vulnerabilis.

Agora abro parênteses para acrescentar que o professor Franklyn Roger Alves Silva apresenta críticas
em alguns pontos no que tange ao estudo do custos vulnerabilis, a fim de evitar confusão entre custos
vulnerabilis e curadoria especial, por exemplo. Entre outras, o professor faz as seguintes provocações: qual a
natureza jurídica do custos vulnerabilis? Custos vulnerabilis é legitimidade extraordinária ou intervenção de
terceiro anômala?

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Nesse quesito, muitos estudos ainda estão por vir. Mas segundo a doutrina específica, custos
vulnerabilis é uma intervenção constitucional, porque vem de um mandamento constitucional, e não apenas
do processo civil ou do processo penal.

Por exemplo, a Defensoria atua como órgão da execução penal, segundo a LEP. Neste caso, poderia
atuar a Defensoria mesmo quando o apenado tem advogado particular? Sim, inclusive há caso na Defensoria
Pública do Estado do Amapá, em que a Defensoria Pública atuou em um Júri mesmo tendo o assistido
contratado advogado particular, considerando tratar-se de caso em que existia grande vulnerabilidade, razão
pela qual o magistrado permitiu o ingresso da DPE na qualidade de custos vulnerabilis62. Neste caso, a
Defensoria está exercendo uma missão constitucional, e as pessoas presas são, sem dúvidas, vulneráveis,
tendo em vista sobretudo o estado de coisas inconstitucional que vivemos no sistema penitenciário Brasileiro.
Assim, poderia a Defensoria atuar como “custos vulnerabilis” no âmbito da execução penal, mesmo que o
direito envolvido seja exclusivamente individual.

Apenas a título de aprofundamento, é bom conhecer sobre a "Teoria dos poderes implícitos e
investigação criminal defensiva".

O Ministério Público possui um maior aparato para a realização de investigações, seja porque possui
melhores meios investigatórios, seja através de seu poder requisitório para pessoas físicas e jurídicas, públicas
e privadas, sem contar com inúmeras possibilidades em conjunto com a polícia.

Diogo Esteves e Franklyn Roger assim estabelecem:

“O cotidiano da atuação profissional revela a existência de profunda desigualdade


entre os polos antagônicos da relação processual penal. Enquanto a acusação dispõe
de toda a fase de inquérito para ouvir testemunhas, coletar documentos, realizar
perícias e reunir elementos informativos suficientes para embasar seu pedido
condenatório, a defesa depende do esforço do próprio imputado e de seus
familiares para que possa realizar a simples indicação das testemunhas que irão
depor em juízo.”63

Os autores trazem importantes questionamentos:

“Em quantos inquéritos policiais é realizada a oitiva de testemunhas defensivas? Em


quantos inquéritos são realizadas diligências requeridas pelo investigado? De fato, o
próprio Código de Processo Penal mostra -se resistente em relação à tais práticas,
afirmando em seu art. 14 que "o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado
poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da
autoridade".

62 Disponível em: https://selesnafes.com/2019/08/custus-vulnerabilis-defensoria-publica-do-amapa-protagoniza-caso-inedito-no-


brasil/. Acesso em 31/01/2022.
63 ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. - 3. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018,

p.527.

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Portanto, face à teoria dos poderes implícitos, a autoridade policial não poderia negar de maneira
discricionária as provas requisitadas pela Defensoria Pública. Ademais, a investigação criminal defensiva não
precisa necessariamente ser conduzida dentro de inquérito ou de ação penal, isso porque, ao que se propõe,
a atuação investigatória realizada pela Defensoria goza de absoluta autonomia, cuja condução é feita pelo
Defensor Público e alimentada pelos elementos de prova colhidos diretamente por ele ou pelas informações
requisitadas.64

A realidade é que não se mostra suficiente a simples abertura de vista para que a Defensoria Pública,
no exíguo prazo legal, ofereça a resposta arrolando suas testemunhas e indicando as provas que pretende
produzir.

Nesse sentido os ensinamentos de Franklyn Roger e Diogo Esteves:

“Para tanto, não se mostra suficiente a simples abertura de vista para que a
Defensoria Pública, no exíguo prazo de 10 dias, ofereça resposta arrolando suas
testemunhas e indicando as provas que pretende produzir (art. 396 e art. 396-A, §
2°, do CPP). Afinal, as provas não caem do céu e as testemunhas defensivas não
surgem por simples passe de mágica; a descoberta de evidências favoráveis ao
imputado demanda tempo e recursos, seja para a localização de testemunhas, seja
para a realização de diligências objetivando a colheita de outros elementos
probatórios.”

Abaixo trago os enunciados sobre Custos Vulnerabilis aprovados pelo CONDEGE (Colégio Nacional de
Defensores Públicos-Gerais):

ENUNCIADO 01: Por unanimidade, aprovação em bloco das propostas 1 e 11 que restaram aglutinadas com a
seguinte redação: “A atuação da Defensoria Pública, prevista no §1º do artigo 554 do CPC, se dá na condição
de custus vulnerabilis e não se confunde com a atuação de representantes dos réus e curador especial,
podendo, em tese, essas três formas de atuação recair sobre o mesmo defensor na ausência de conflito, ou
sobre defensores distintos”.

JUSTIFICATIVA: A Defensoria Pública conquistou posição de destaque na defesa dos interesses coletivos de
grupos que sofrem vulnerabilidade social. Neste sentido, o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 554,
§1º, previu a intimação da Defensoria Pública em litígios relacionados a conflitos fundiários coletivos que
envolvam pessoas em situação de vulnerabilidade. Apesar de o texto prever expressamente o termo
hipossuficiência econômica, deve haver uma interpretação mais abrangente, ampliando-se para o aspecto
organizacional. (Franklyn Roger Alves Silva e Diogo Esteves, 2015). Esta intimação da Defensoria Pública
inaugura uma nova forma de atuação na condição de custos vulnerabilis, a qual independe da procura pelas
partes. Trata-se de uma intervenção em que a Defensoria não atua como representante processual dos
requeridos, mas sim como terceiro em cumprimento da sua missão constitucional de defender os interesses
dos vulneráveis de forma coletiva (Maurílio Casas Maia, 2016). Uma vez que a Defensoria Pública também é

64 ibidem, p.529.

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um órgão que realiza a representação processual das pessoas necessitadas e exerce a função de curador
especial, será possível que esta atue em um mesmo processo como representante processual das partes,
como curador especial e como “custos vulnerabilis”. A princípio não se verifica um conflito entre as três formas
de atuação, podendo ser realizada pelo mesmo órgão de execução. Contudo, se no caso concreto se visualizar
uma incompatibilidade de interesses ou colidência de defesas, essas funções serão exercida por órgãos de
execução diferentes.

ENUNCIADO 02: Por unanimidade, aprovação em bloco das propostas 05 e 16 que restaram aglutinadas com
a seguinte redação: “A atuação na condição de custus vulnerabilis, prevista no artigo 554, § 1º, do CPC,
compreende a intimação de todos os atos do processo, a possibilidade de produção de provas, de requerimento
de medidas judiciais e de interposição de recurso”.

JUSTIFICATIVA: A Defensoria Pública desde a sua previsão na Constituição Federal conquistou posição de
destaque na defesa não apenas dos interesses individuais dos hipossuficientes como também dos coletivos de
todos os grupos que sofrem vulnerabilidade social. Neste sentido, o Código de Processo Civil de 2015, em seu
art. 554, §1º, previu a intimação da Defensoria Pública em litígios relacionados a conflitos fundiários coletivos
que envolvam pessoas em situação de vulnerabilidade. Apesar de o texto prever expressamente o termo
hipossuficiência econômica, deve haver uma interpretação mais abrangente, ampliando-se para o aspecto
organizacional. (Franklyn Roger Alves Silva e Diogo Esteves, 2015). Esta nova forma de intervenção, em que a
Defensoria não atua como representante processual dos requeridos surge de sua missão constitucional de
defender os interesses dos vulneráveis de forma coletiva. (Maurílio Casas Maia, 2016). Ela independe de que
o órgão seja procurado pelas partes envolvidas e tem como objetivo a ampliação do contraditório e
qualificação do direito de defesa dos vulneráveis. Esta atuação é bem próxima à atuação do Ministério Público
como fiscal da ordem jurídica (custos legis). Neste sentido, é devida a aplicação do disposto no art. 179, do
CPC/2015, à Defensoria Pública garantindo-lhe a intimação de todos os atos do processo, a produção de
provas, o requerimento de medidas processuais pertinentes e principalmente o direito de recorrer.

ENUNCIADO 03: Aprovação, por unanimidade, da proposta 17 com alteração da redação: “A atuação da
Defensoria Pública, nos termos do artigo 554, §1º, do CPC, não substitui a representação processual regular
das partes e não gerará a presunção de citação de todos os interessados nem a sua preclusão consumativa à
apresentação de defesa”.

JUSTIFICATIVA: O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 554, §1º, previu a intimação da Defensoria
Pública em litígios relacionados a conflitos fundiários coletivos que envolvam pessoas em situação de
vulnerabilidade. Apesar de o texto prever expressamente o termo hipossuficiência econômica, deve haver
uma interpretação mais abrangente, ampliando-se para o aspecto organizacional. (Franklyn Roger Alves Silva
e Diogo Esteves, 2015). Esta nova forma de intervenção, em que a Defensoria não atua como representante
processual dos requeridos surge de sua missão constitucional de defender os interesses dos vulneráveis de
forma coletiva. (Maurílio Casas Maia, 2016). Neste caso, a Defensoria Pública atuará de ofício, sem a
necessidade de ser procurada pelas partes envolvidas. A intervenção da Defensoria tem como objetivo a
ampliação do contraditório e qualificação do direito de defesa dos vulneráveis, deste modo, ela não impede
que a coletividade ou os indivíduos atuem no processo como legitimados ordinários, buscando a
representação processual por meio do profissional que entendam ser mais adequado. Da mesma forma, esta

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intervenção também não gerará a presunção de citação de todos os interessados nem a preclusão
consumativa à apresentação de defesa. Nos dizeres de José Aurélio de Araújo (2015) “Mesmo a própria
Defensoria Pública não pode excluir a participação direta dos legitimados ordinários, sob pena de se desvirtuar
de sua natureza democrática e tornar-se uma instituição autoritária (...)”

ENUNCIADO 04: Por unanimidade, aprovação em bloco das propostas 12, 13 e 20 que restaram aglutinadas
com a seguinte redação: “A intimação da Defensoria Pública, na condição de custus vulnerabilis, deve ser
determinada no despacho inicial, antes da audiência de mediação ou justificação e antes da apreciação da
liminar de reintegração de posse”.

JUSTIFICATIVA: A intimação da Defensoria Pública nos litígios relacionados a conflitos fundiários coletivos que
envolvam pessoas em situação de vulnerabilidade, para que seja eficiente e proporcione o amplo direito ao
contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal (art. 5º, LIV, LV, da CFRB), deve ser determinada no
despacho inicial, antes da audiência de mediação ou justificação e antes da apreciação da medida liminar de
reintegração de posse, sob pena de nulidade. Ao atuar como guardiã dos interesses dos grupos vulneráveis a
Defensoria Pública não pode agir como mero agente legitimador dos atos processuais praticados, devendo se
preocupar em realizar a efetiva proteção dos interesses dos inúmeros requeridos. Por isso deve ser realizada
a intimação da instituição em tempo hábil para a sua participação na formação do contraditório, previamente
à tomada da medida extrema que é a reintegração de posse. Antes do Novo Código de Processo Civil e da
exigência da intimação da Defensoria Pública era comum que a liminar de reintegração de posse movida contra
os ocupantes incertos e desconhecidos de uma grande área fosse cumprida liminarmente, sem a participação
da Defensoria Pública e de nenhum representante processual dos requeridos. Nestes casos, o cumprimento
da liminar prejudicava o direito dos requeridos de forma irreversível, uma vez que a retirada dos ocupantes
da área impedia que em momento posterior se pudesse identificar quem seriam os ocupantes do imóvel,
interessados na demanda.

ENUNCIADO 05: Aprovação, por unanimidade, da proposta 07 com alteração da redação: “A Defensoria
Pública deve ser intimada à luz do artigo 554, §1º, do CPC, para manifestar-se em qualquer situação em que
envolva coletividade no polo passivo, pois é da sua competência apurar o estado de hipossuficiência da
coletividade.”

JUSTIFICATIVA: A Defensoria Pública, conforme art. 134, da Constituição Federal, tem a função de prestar
assistência jurídica integral e gratuita, judicial e extrajudicial, de forma individual ou coletiva, aos necessitados.
Uma vez que a Defensoria Pública é uma instituição autônoma e independente cabe a ela a verificação do
estado de necessidade da pessoa ou da coletividade que busca os seus serviços. Assim, a Defensoria Pública
deve ser intimada à luz do artigo 554, §1º, do CPC/2015 para manifestar-se em qualquer situação que envolva
litígio coletivo passivo de imóvel, porquanto a validade do controle da sua atuação, ou não, por parte do
Julgador é ope judicis e deve se acautelar na oportunização do contraditório prévio para a instituição que tem
prerrogativa privativa de evidenciar sua pertinência. Tem-se ainda que, apesar de o texto do §1º do art. 554,
do CPC/2015 prever expressamente “a existência de pessoas em situação de hipossuficiência econômica”
podem se enquadrar na situação de necessitados as pessoas ou grupos que sofrem qualquer espécie de
vulnerabilidade econômica, social, cultural ou organizacional. (Ada Pellegrini Grinover, 2000).

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ENUNCIADO 06: Aprovada por unanimidade a proposta 14 sem qualquer alteração. “A audiência de mediação
prevista no §1º, do artigo 565, do CPC pode ser requerida mesmo que ainda não decorrido o prazo de 1 (um)
ano, a contar da data de distribuição, em observância à norma do §3º, do artigo 3º, do CPC”.

JUSTIFICATIVA: O Código de Processo Civil de 2015 tem como uma de suas diretrizes a extrajudicialização dos
conflitos e prevê como norma fundamental, em seu art. 3º, §3º, a solução consensual dos conflitos e a
obrigação de todos os atores de justiça no estímulo à conciliação, à mediação e outros métodos de solução
consensual. Neste sentido, o art. 565, § 1º, determina que o juiz designe audiência de mediação, nas ações
que discutem conflitos fundiários coletivos, nos casos em que já houve a concessão liminar de medida
possessória, mas em que esta não foi executada no prazo de um ano a contar da data da distribuição da ação.
Esta norma tem a finalidade exclusiva de tornar obrigatória a designação de audiência de mediação na
hipótese narrada, em que há uma grande demora no cumprimento da liminar. Por outro lado, ela não pode
ser interpretada no sentido de impedir a designação de audiência de mediação anteriormente ao prazo de um
ano previsto no §1º, do art. 565, quando esta for solicitada por uma das partes. Nesse caso se estaria criando
uma formalidade desarrazoada para a limitação da aplicação do princípio fundamental de busca da resolução
consensual dos conflitos fundiários.

ENUNCIADO 07: Aprovada por unanimidade a proposta 19 com alteração da redação. “A designação de
audiência de mediação, prevista no artigo 565, do CPC, deve ocorrer em todas as demandas possessórias
multitudinárias que envolvam pessoas vulneráveis, inclusive as que discutem posse de força nova, com a
participação obrigatória dos agentes responsáveis pelas políticas habitacionais e de reforma agrária, em
observância à norma do §3º, do artigo 3º, do CPC”.

JUSTIFICATIVA: A norma do art. 565, caput, do CPC/2015, prevê a necessidade de designação de audiência de
mediação nas ações relacionadas a conflitos fundiários coletivos que discutem posse de força velha,
anteriormente ao deferimento de medida liminar. Na redação original do Projeto do Novo Código de Processo
Civil, estava previsto a designação de audiência de mediação no caso de esbulho ou turbação ocorrido há
menos de ano e dia, sendo alterada para os casos ocorridos há mais de ano e dia. Tal modificação trouxe
dificuldades interpretativas, esvaziou o conteúdo da norma e restringiu as hipóteses em que se exige a
realização de mediação, contrariando a tônica do Novo Código de Processo Civil de extrajudicialização dos
conflitos e da norma geral prevista no seu art. 3º, §3º. De qualquer forma, a audiência de conciliação/mediação
nas ações de força nova deverá ser designada, com base no art. 334, do CPC/2015. Tendo em vista a
complexidade dos conflitos fundiários ligados a questões referentes à implementação de políticas públicas
urbanas e agrárias, além da necessidade de resolução do conflito de forma a garantir o direito à moradia e à
dignidade de um grupo de pessoas vulneráveis, é necessária a realização de mediação previamente ao
cumprimento de liminar também nas ações que discutam posse de força nova. (José Aurélio de Araújo, 2015).
Uma vez que os conflitos fundiários são fruto da falta de implementação de políticas urbanas e agrárias
previstas no art. 182 a 184, da CFRB, a participação dos órgãos responsáveis na audiência de mediação deve
ser obrigatória.

Por fim, encerrando o tema “custos vulnerabilis, indispensável conhecer os enunciados aprovados no
I Colóquio Amazonense da Advocacia e Defensoria Pública, realizado em dezembro de 2019, sendo 14
enunciados aprovados sobre a intervenção no processo como custos vulnerabilis.

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ENUNCIADOS SOBRE CUSTOS VULNERABILIS APROVADOS NO I COLÓQUIO AMAZONENSE DA ADVOCACIA


E DEFENSORIA PÚBLICA
ENUNCIADO 1 — É direito da parte vulnerável, por seu advogado constituído, o contraditório diante da
manifestação institucional de custos vulnerabilis.
ENUNCIADO 2 — A intimação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis não supre e nem convalida a
ausência de intimação da parte por seu advogado constituído.
ENUNCIADO 3 — O requerimento fundamentado do advogado do vulnerável pela oitiva da Defensoria
Pública como custos vulnerabilis não prejudica e nem desprestigia sua atividade de representante
postulatório, devendo ser vista como instrumento de advocacia estratégica.
ENUNCIADO 4 — O advogado constituído da parte vulnerável pode requerer a oitiva da Defensoria Pública
quando entender presente interesse institucional da Defensoria Pública como custos vulnerabilis, a partir
da legitimidade constitucional e legal do Estado Defensor, em especial da LC nº 80/1994, art. 4º, XI.
ENUNCIADO 5 — Nas causas perante juízos ou tribunais, o advogado do vulnerável poderá postular a
intervenção da Defensoria Pública fundamentado na existência de vulnerabilidade concreta ou na violação
de direitos humanos lesiva ao seu cliente, bem como indicando a possível repercussão negativa do caso
sobre os interesses público-institucionais primários da Defensoria Pública ou na formação de precedentes
no órgão monocrático ou colegiado.
ENUNCIADO 6 — No Direito Processual Penal, como mecanismo de reequilíbrio da relação Estado-cidadão,
a Defensoria Pública custos vulnerabilis realiza intervenção pró-defesa, como Estado Defensor, sob pena de
nulidade das manifestações lesivas à ampla defesa, recomendando-se a abstenção em caso de
impossibilidade de contribuição com a defesa do vulnerável.
ENUNCIADO 7 — No Direito Processual Penal, a intervenção custos vulnerabilis não se presta ao apoio à
acusação, devendo eventuais atuações em favor da vítima necessitada ocorrerem pelos mecanismos
existentes, tais como representação postulatória da vítima na assistência de acusação ou ação penal privada
subsidiária da pública, bem como amicus curiae ou a excepcional legitimação extraordinária de amiga da
comunidade – amicus communitatis (CDC, art. 80 c/c art. 82, III).
ENUNCIADO 8 — O advogado constituído que compreender estar diante de grave violação de direitos
humanos, arbitrariedades lesivas à ampla defesa ou que seu cliente esteja abarcado por outras formas de
vulnerabilidade ocasionadoras do interesse institucional da Defensoria Pública poderá se dirigir, por escrito
ou oralmente, diretamente ao defensor público natural da causa a fim de expor seus fundamentos,
aplicando-se, por analogia, o inciso VIII e inciso XI do art. 7º do Estatuto da Advocacia.
ENUNCIADO 9 — O membro da Defensoria Pública possui autonomia e independência funcional para definir
se há ou não hipótese de intervenção custos vulnerabilis, devendo tão somente se abster de manifestações
gravosas ao vulnerável presente no processo e que ensejou sua intimação para eventual atuação.
ENUNCIADO 10 — Enquanto perdurar o estado de coisas inconstitucionais do sub-financiamento
orçamentário da Defensoria Pública e não for a mesma estruturada proporcionalmente à sua demanda,
com preenchimento integral de cargos e similaridade à estrutura funcional do Ministério Público Fiscal, o
excesso de demandas em prol do necessitado econômico configurará justa causa para que o membro da
Defensoria Pública priorize a essa categoria dos vulneráveis econômicos, deixando de intervir como custos
vulnerabilis nas causas individuais em que o vulnerável esteja devidamente representado por advogado.

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ENUNCIADO 11 — Nas demandas repetitivas tributárias, considerando-se a vulnerabilidade do contribuinte


face ao Estado Tributador, que legisla, aplica a norma e julga, a intervenção custos vulnerabilis é cabível em
prol do contribuinte.
ENUNCIADO 12 — A OAB ou a Defensoria Pública, nas ações coletivas em que atuarem, poderão requerer
ao Juízo, suas respectivas oitivas, enquanto instituições terceiras interessadas, quando entenderem
presente interesse institucional comum e compartilhado entre OAB e Defensoria.
ENUNCIADO 13 — Respeitadas as autonomias institucionais, OAB e Defensoria Pública poderão propor
ações coletivas conjuntamente, em litisconsórcio ativo, nas causas em que compartilharem interesses
institucionais.
ENUNCIADO 14 — Nas ações coletivas propostas pela Defensoria Pública envolvendo direitos individuais
homogêneos – potencialmente ensejadoras de sentenças condenatórias genéricas seguidas de liquidações
e execuções individuais –, é recomendável que o órgão defensorial comunique por ofício a propositura da
ação coletiva e a prolação da sentença a fim de ampliar a publicidade da abertura da fase individual do
processo coletivo, facilitando assim a atuação advocatícia em favor dos beneficiários individuais não
hipossuficientes econômicos na fase individual, com consequente abertura ao mercado advocatício,
viabilizando também à Defensoria Pública a mais atenta atuação em prol dos necessitados econômicos na
fase individual do processo.

11. ADPF 279 E A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA MUNICIPAL

Um ponto atual e que todo estudante que objetiva ser aprovado em um concurso para Defensoria
Pública Estadual precisa saber diz respeito ao julgamento da famigerada ADPF 279.

Em novembro de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por nove votos a um (Nunes Marques
foi voto vencido), julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 279, que
questionava a Lei Municipal nº 735/1983 e a Lei Complementar municipal 106/1999, que instituíram a
Assistência Judiciária de Diadema (SP).

Para nossa explicação ficar mais didática, preciso que vocês leiam os principais dispositivos da Lei n.
735/1983 impugnados nesta ADPF:

Lei n. 735/1983 do Município de Diadema

“Art. 1o Com a finalidade de amparar a população carente de Diadema, em


sua necessidade de seu direito à obtenção de Justiça, fica criada e instituída a
Assistência judiciária do Município, que ficará subordinada diretamente ao
Departamento Jurídico, cujo funcionamento e atribuições serão reguladas
pela presente lei e pelos demais dispositivos legais aplicáveis à matéria,
inclusive e especialmente as contidas na Lei no 4.215/63.

Art. 2o A Assistência Judiciária é inteiramente gratuita e tem como objetivo


proporcionar à população carente de Diadema um atendimento específico no

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sentido de possibilitar-se orientação jurídica para seus problemas mais


agudos e dar-lhe condições de postular em Juízo a solução de suas questões
judiciais mais prementes.

Art. 3o A Assistência Judiciária será integrada por advogado militantes e


estudantes de Direito que tenham completado o (terceiro) ano do Curso, em
número condizente com a demanda da população carente, beneficiária de
seus serviços.

Parágrafo Único. O quadro da Assistência Judiciária poderá ser suplementado


por Assistentes Sociais e Escreventes, se e quando ficar comprovada a
necessidade dos serviços de tais elementos, para o desempenho de suas
finalidades.

Art. 4o A Assistência Judiciária somente atenderá pessoas comprovada e


reconhecidamente carentes, situação essa que deverá ser reconhecida
através do serviço de Assistência Social do Departamento de Promoção
Humana da Prefeitura após rigorosa triagem das alegadas condições de
penúria do eventual beneficiário do atendimento.

Parágrafo Único. Verificando, a qualquer tempo, que o pretendente à


assistência não reúne as condições adequadas para tanto, a Assistência
Judiciária deixará de atendê-lo e o encaminhará ao D.D. Ministério Público da
Comarca, o qual decidirá sobre a espécie de atendimento a ser dispensado ao
mesmo.

Art. 5o A Assistência Judiciária atuará, prioritariamente, na esfera cível do


Direito, voltada, de preferência, para as questões de relevante motivo social,
atendendo, também, os casos que lhe sejam remetidos pelo D.D. Ministério
Público da Comarca e que estejam dentro de sua alçada, desde que, o
interessado tenha seu estado de carência reconhecido na forma do artigo
anterior.
Art. 6º Os membros integrantes da Assistência Judiciária, são remunerados
pela Prefeitura de Diadema, com verbas destacadas das dotações
orçamentárias dos Departamentos a que estejam afetos.

Parágrafo Único. É vedado a qualquer membro da Assistência Judiciária a


prestação de quaisquer serviços a outros advogados alheios a esta, ainda
quando os membros sejam nomeados como "dativos", pelo D.D. Ministério
Público da Comarca, para atender a casos e pessoas não enquadrados nos
parâmetros estabelecidos nos artigos 4o e 5o da presente Lei.

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Art. 7o Os membros da Assistência Judiciária estão subordinados somente à


orientação social e jurídica emanada da Prefeitura Municipal, atuando sempre
e somente em objetivos de cunho social e humanitário.

Art. 8o Todos os Membros da Assistência Judiciária estão sujeitos, no que lhes


for aplicável, aos dispositivos legais vigentes sobre a matéria e aos preceitos
contidos na Lei no 4.215/63, aplicando-se, também à sua atuação, os
dispostos contidos no parágrafo único do Art. 2o e no Art. 3o da Lei no
1.060/60.

Art. 9º É expressamente vedado aos membros da Assistência Judiciária


prestar orientação ou assistência de qualquer espécie a terceiros, em
oposição aos direitos e interesses da Municipalidade de Diadema.

Pois bem. Primeiro saiba que contra essa norma não caberia ADI por dois motivos: a) primeiro, por ser
a Lei nº 735/1983 anterior à Constituição Federal, daí porque seria caso de não recepção e não de
inconstitucionalidade; b) segundo, porque se trata de lei municipal, portanto impugnável apenas por ADPF.

Neste caso, a Procuradoria Geral da República intentou a presente ADPF por entender haver vício
formal, pois o Município não teria competência para legislar sobre assistência jurídica e Defensoria Pública,
haja vista ser esta competência concorrente à União, Estados e o Distrito Federal, nos moldes do art. 24, XIII
da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:

XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;

Apenas a título de ilustração prática, em diversas comarcas do interior do Brasil, o Município institui
centros de assistência judiciária para que a população não fique sem acesso à justiça, considerando que ainda
há muitos locais sem a existência local da Defensoria Pública. Nesse caso, segundo o Ministro Barroso, não há
vedação à prestação de serviços de assistência judiciária por municípios, que podem legislar sobre assuntos
de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, conforme o artigo 30, I e II,
da Constituição.

A relatora Ministra Cármen Lúcia, ao votar pela improcedência da referida ADPF (seguida pelos
ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux), assim estabeleceu:

“Pelos diplomas questionados, instituiu-se serviço público para auxílio da


população economicamente vulnerável do Município, facilitando a cada
pessoa o acesso à jurisdição.

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No caso, não se extrai das normas impugnadas interpretação pela qual se


pretenda, pelos serviços de assistência judiciária, substituir-se a atividade
prestada pela Defensoria Pública.

A finalidade das normas questionadas nesta sede de controle abstrato de


constitucionalidade é socialmente adequada, necessária e razoável,
atendendo-se o princípio constitucional da razoabilidade, consectário do
devido processo legal em sua face material e de proteção suficiente (inc. LV
do art. 5º da Constituição da República).

5. Importa realçar que a competência material para o combate às causas e ao


controle das condições dos vulneráveis em razão da pobreza e para a
assistência aos desfavorecidos é comum a todos os entes federados,
conforme determinado expressamente na Constituição da República:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e


dos Municípios: [...]

X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,


promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.

Essa competência constitucional comum dos entes federados decorre dos


objetivos fundamentais da República previstos no art. 3o da Constituição:
construir-se uma sociedade livre, justa e solidária; garantir-se o
desenvolvimento nacional; erradicar-se a pobreza e a marginalização;
reduzirem-se as desigualdades sociais e regionais; e promover-se o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.

O acesso à jurisdição, garantia fundamental prevista na Constituição (inc.


XXXV do art. 5o), pode ser o meio necessário de que se vale o cidadão para o
exercício dos direitos fundamentais. Não é possível que a hipossuficiência
econômica constitua obstáculo de acesso ao Poder Judiciário.

(...)

Insista-se em que a situação posta nos autos assemelha-se àquela em que o


serviço de assistência jurídica gratuita aos necessitados é prestado por
escritório de prática jurídica pertencente a instituição de ensino superior, cuja
finalidade também é a de atender às exigências de estágio obrigatório
supervisionado dos discentes, associando-se ensino à extensão.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.792, destacou o Relator, Ministro


Dias Toffoli (DJe de 1o.8.2017) em seu voto condutor que “não se veda aqui

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o exercício do serviço de assistência jurídica gratuita aos necessitados pelos


escritórios de prática jurídica das instituições de ensino superior, o qual já é
de praxe na atualidade, pois, além de atender às exigências de estágio
supervisionado, desempenha importante papel social, inclusive
concretizando objetivos que as instituições de ensino devem promover, como
a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e a conscientização dos
discentes sobre sua responsabilidade social”.

O quadro aqui delineado, portanto, assemelha-se com a advocacia pro bono


ou decorrente de parcerias com a Ordem dos Advogados do Brasil para a
assistência à população carente.

Tem-se, assim, que a Lei municipal n. 735/1983, pela qual se instituiu a


assistência judiciária no Município de Diadema/SP, foi recepcionada pela
Constituição da República de 1988. Ademais, são válidos os arts. 2o, 15, 18 e
19 da Lei Complementar n. 106/1999, pelos quais organizada a Divisão de
Assistência Judiciária no Município de Diadema.”

Perceba, portanto, que em nenhum momento o STF estabeleceu a chamada “Defensoria Pública
Municipal”, portanto muito cuidado com essa expressão em nossas provas. Embora a decisão do Supremo,
em nossa visão, tenha sido equivocada, pois poderia ter reconhecido a não recepção dos dispositivos haja vista
a busca pela concretização da EC 80/2014 (estabeleceu o prazo de 8 anos para a implementação de defensores
em todas as comarcas do Brasil), em momento algum o STF deixou claro que os Municípios poderiam criar
Defensorias Públicas Municipais.

Em seu voto, a própria relatora estabelece que “Na espécie em foco, nas Leis ns. 735/1983 e 106/1999
não se instituiu defensoria pública no Município de Diadema/SP. Essa criação não poderia ser cogitada pela
falta de competência constitucional do ente municipal para legislar sobre defensoria pública, função atribuída
à União, aos Estados e ao Distrito Federal concorrentemente. É o que se estabelece pelo inc. XIII do art. 24 da
Constituição da República”.

Aliás, os centros de assistência judiciária municipais serão mantidos pelo orçamento municipal, em
nada afetado o orçamento da Defensoria Pública Estadual e muito menos o da DPU. Outro ponto que precisa
ser deixado claro é que tais centros não farão atuações coletivas, educação em direitos, atuação custos
vulnerabilis, e muitas outras atribuições que cabem à Defensoria Pública por missão constitucional e
convencional.

Em provas abertas (discursivas e orais), o candidato deve deixar claro que a decisão do STF foi
equivocada, pois indiretamente enfraquece a Defensoria Pública como instituição, considerando que o
Constituinte atribuiu a assistência jurídica integral e gratuita à Defensoria Pública, portanto o problema da
falta de Defensores Públicos em várias comarcas poderia ser resolvido com a criação de mais cargos, realização
de novos concursos e nomeação dos aprovados para o exercício da função. Simples assim. O orçamento da

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Defensoria está pequeno? Aumenta! Foi assim que se fez com o Judiciário e o Ministério Público, por que não
com a Defensoria Pública?

Por fim, ficou vencido o ministro Nunes Marques, que votou pela procedência da ADPF para declarar
não recepcionadas as leis de Diadema.

“Segundo Nunes Marques, as normas criaram uma verdadeira Defensoria


Pública municipal, algo que não é permitido pela Constituição. O magistrado
manifestou receio de que a validação da Assistência Judiciária de Diadema
possa estimular os mais de 5 mil municípios brasileiros a criar órgãos
semelhantes, dando margem a irregularidades. E opinou que a solução para
ampliar o atendimento jurídico aos mais pobres passa pela contratação de
mais defensores públicos, e não pela autorização para municípios prestarem
tais serviços”.65

CAIU NA DPE/PR – 2022 – AOCP: A Defensoria Pública detém exclusividade na prestação de assistência jurídica
integral e gratuita aos necessitados, sendo inconstitucional qualquer iniciativa de Executivo Municipal nesse
sentido. 66

LEI NACIONAL Nº 1.060/50

Apenas por excesso de zelo, trataremos da Lei nº 1.060/50, tendo em vista que há pontos importantes
ainda válidos que merecem atenção.

A Lei nº 1.060/50 estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados.
Contudo, como você já deve ter percebido (se chegou a abrir a presente lei), grande parte dela foi revogada
pelo Novo Código de Processo Civil.

Abaixo trarei alguns dos artigos ainda mantidos pela presente lei (embora alguns estejam revogados
tacitamente, como veremos), que podem aparecer em sua prova.

Vamos lá!

O art. 5º da presente lei assim estabelece:

Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-
lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de 72 horas.

65 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-03/municipio-criar-servico-assistencia-juridica-pobres-stf Acesso em


31/01/2022.
66 GABARITO: Errado

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Bem! Para Franklyn Roger, a parte inicial do dispositivo está contida no artigo 99, parágrafo 2° do novo
CPC, enquanto a parte final, referente a motivação da decisão, não estaria em conformidade com o artigo 93,
IX67 da CRFB, razão pela qual seu conteúdo não subsistiria no ordenamento jurídico. 68

Além disso, o art. 5º também traz quatro parágrafos. E antes de qualquer comentário sobre eles, é
importante vermos o que eles trazem:

§ 1º. Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária,


organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis
o advogado que patrocinará a causa do necessitado.

§ 2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido,
caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou
Subseções Municipais.

§ 3º. Nos municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do
Brasil. o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do
necessitado.

§ 4º. Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e
que declare aceitar o encargo.

Percebam que não se faz menção à Defensoria Pública, inclusive porque a presente lei é do ano de 1950
(bastante antiga, eim?). É inegável que tais parágrafos trazem, sem dúvidas, resquícios do sistema judicare
(advocacia dativa), razão pela qual a doutrina entende haver a incidência da chamada
“INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA”, já que a assistência jurídica integral e gratuita deve ser prestada
pela Defensoria Pública. Nesse sentido Franklyn Roger:

(...) Já os seus parágrafos 1°, 2°, 3° e 4°, resquícios da adoção de um sistema judicare
(advocacia dativa) no Brasil, quando se referem à indicação de advogado que
patrocinará os interesses do necessitado sofrem do fenômeno da
inconstitucionalidade progressiva, considerando que a assistência jurídica estatal é
prestada por meio do modelo público consubstanciado na atuação da Defensoria
Pública. 69

67 Fundamentação das decisões: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público
à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
68 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-22/tribuna-defensoria-lei-10601950-ainda-utilidade-ordenamento-juridico.

Acesso em 31/01/2022.
69 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-22/tribuna-defensoria-lei-10601950-ainda-utilidade-ordenamento-juridico.

Acesso em 31/01/2022.

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O art. 8º, que estabelece que “ocorrendo as circunstâncias mencionadas no artigo anterior, poderá o
juiz, ex-offício, decretar a revogação dos benefícios, ouvida a parte interessada dentro de quarenta e oito horas
improrrogáveis”, estaria tacitamente revogado em razão da decisão surpresa (art. 10, NCPC)70 . Essa é a visão
do professor Franklyn Roger e ideal para nossas provas.

Já o 9º estabelece que os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo


até decisão final do litígio, em todas as instâncias.

Art. 9º. Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do


processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias.

A Lei também estabelece que são individuais e concedidos caso a caso, os benefícios de assistência
judiciária, que não se transmitem ao cessionário de direito e se extinguem pela morte do beneficiário,
podendo, entretanto, ser concedidos aos herdeiros que continuarem a demanda e que necessitarem de tais
favores.

Art. 10. São individuais e concedidos em cada caso ocorrente os benefícios de


assistência judiciária, que se não transmitem ao cessionário de direito e se
extinguem pela morte do beneficiário, podendo, entretanto, ser concedidos aos
herdeiros que continuarem a demanda e que necessitarem de tais favores, na forma
estabelecida nesta Lei.

Parte da doutrina entende que o art. 10 acima, apesar de não revogado expressamente, está
tacitamente revogado, pois o art. 99, § 6º do NCPC cuida do mesmo tempo (intransmissibilidade do direito à
gratuidade de Justiça):

§ 6º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou


a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos.

Por fim, o professor Franklyn Roger resume que “a utilidade da Lei 1.060/50 é de subsidiar a
assistência jurídica prestada pela advocacia dativa durante a sobrevida que lhe foi concedida até a completa
implantação da Defensoria Pública em todo o território e assegurar uma interpretação mais benéfica da
gratuidade de Justiça ao lado das normas modernas lançadas no corpo do CPC/2015”. 71

Fim!

70 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às
partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
71 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-22/tribuna-defensoria-lei-10601950-ainda-utilidade-ordenamento-juridico.

Acesso em 31/01/2022.

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QUESTÕES PARA FIXAR


Questão 01
A assistência jurídica gratuita refere-se exclusivamente à possibilidade de representação endoprocessual de
pessoas hipossuficientes.

CERTO ERRADO

Questão 02
No Brasil, a assistência judiciária só se apresentou de maneira expressa no texto constitucional a partir da
Constituição de 1937.

CERTO ERRADO

Questão 03
Segundo o Código de Processo Civil, a gratuidade de justiça pode ser concedida de maneira parcial.

CERTO ERRADO

Questão 04
A Constituição Federal adotou o modelo pro bono de assistência jurídica gratuita.

CERTO ERRADO

Questão 05
A terceira onda renovatória de acesso à justiça refere-se à representação dos interesses difusos em juízo e
visa contornar o obstáculo organizacional do acesso à justiça.

CERTO ERRADO

Questão 06
Segundo a doutrina majoritária, as funções típicas da Defensoria podem ser entendidas como aquelas
exercidas com o objetivo de tutelar direitos titularizados por hipossuficientes econômicos exercidas nas
esferas judiciais e extrajudiciais.

CERTO ERRADO

Questão 07
É vedado à Defensoria Pública atuar em prol de pessoas jurídicas.

CERTO ERRADO

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Questão 08
A Defensoria Pública é considerada verdadeiro ombudsman, já que sendo uma entidade autônoma, dotada de
status constitucional, possui o dever de zelar pelo estado democrático de direito, promoção de direitos
humanos e defesa dos necessitados.

CERTO ERRADO

Questão 09
A atuação da Defensoria em ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas em
situação de hipossuficiência (art. 554, §1º, NCPC) é considerada exemplo de atuação da instituição como
custos vulnerabilis.

CERTO ERRADO

Questão 10
De acordo com o art. 4º, inciso II, da LC 80/94, é função institucional da DP a promoção prioritária da solução
extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas e conflitos de interesses, por meio de
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos

CERTO ERRADO

GABARITO
1.E 2.E 3.C 4.E 5.E
6.C 7.E 8.C 9.C 10.C

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QUESTÕES PARA FIXAR - COMENTÁRIOS


Questão 01
A assistência jurídica gratuita refere-se exclusivamente à possibilidade de representação endoprocessual de
pessoas hipossuficientes.
GAB: E. A assistência jurídica gratuita é a possibilidade de representação endo e extraprocessual de pessoas
hipossuficientes, sendo bem mais ampla que a assistência judiciária gratuita, que foi abordada no enunciado.

Questão 02
No Brasil, a assistência judiciária só se apresentou de maneira expressa no texto constitucional a partir da
Constituição de 1937.
GAB: E. A previsão da assistência judiciária se deu a partir da Constituição de 1934.

Questão 03
Segundo o Código de Processo Civil a gratuidade de justiça pode ser concedida de maneira parcial.
GAB: C. Previsão do §5º do art. 98 do CPC.

Questão 04
A Constituição Federal adotou o modelo pro bono de assistência jurídica gratuita.
GAB: E. A CF/88 adotou o modelo da salaried staff.

Questão 05
A terceira onda renovatória de acesso à justiça refere-se à representação dos interesses difusos em juízo e
visa contornar o obstáculo organizacional do acesso à justiça.
GAB: E. O enunciado refere-se à 2ª onda renovatória de acesso à justiça.

Questão 06
Segundo a doutrina majoritária, as funções típicas da Defensoria podem ser entendidas como aquelas
exercidas com o objetivo de tutelar direitos titularizados por hipossuficientes econômicos exercidas nas
esferas judiciais e extrajudiciais.
GAB: C. Este é o conceito de funções típicas da Defensoria defendido por Franklyn Roger e Diogo Esteves.

Questão 07
É vedado à Defensoria Pública atuar em prol de pessoas jurídicas.
GAB: E. A Defensoria atua em prol de sujeitos que possuam insuficiência de recursos, sendo que a expressão
necessitados pode ser aplicada tanto a pessoas físicas quanto jurídicas (Art. 4º, V, da LC 80/94). O STF já
reforçou essa tese.

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Questão 08
A Defensoria Pública é considerada verdadeiro ombudsman, já que sendo uma entidade autônoma, dotada de
status constitucional, possui o dever de zelar pelo estado democrático de direito, promoção de direitos
humanos e defesa dos necessitados.
GAB: C. Tal denominação conferida à Defensoria Pública é legitimada pelo art. 134 da CF.

Questão 09
A atuação da Defensoria em ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas em
situação de hipossuficiência (art. 554, §1º, NCPC) é considerada exemplo de atuação da instituição como
custos vulnerabilis.
GAB: C. Conforme a maioria da doutrina este é um exemplo da atuação da Defensoria como custos vulnerabilis.
Como vimos, a DPE-PA ganhou, em 2021, em sua LC Estadual, redação semelhante.

Questão 10
De acordo com o art. 4º, inciso II, da LC 80/94, é função institucional da DP a promoção prioritária da solução
extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas e conflitos de interesses, por meio de
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos
GAB: C. É a exata previsão do art. 4º, inciso II, da LC 80/94.

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