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Introdução

Assim, o trabalho tem como objecto de investigação as justiças comunitárias em geral e não
apenas os tribunais comunitários. O trabalho de estudo procura uma categoria e uma definição
flexíveis com o objectivo de promover uma chegada ao terreno mais livre de preconceitos,
evitar a exclusão de formas de justiça apenas por não encaixarem numa definição fechada
previamente estabelecida, e ter a possibilidade de dar conta de uma realidade móvel.

Quanto à metodologia empregada durante a realização da pesquisa utilizou-se pesquisa


bibliográfica e análise documental.

Justificativa:

Delimitação do tema:

Constitui o tema desta pesquisa: O Relatório de Práticas Jurídicas. Esta pesquisa realizar-se-á
em três Tribunais Comunitárias nomeadamente: "Tribunal Comunitária de Ntique"; "Tribunal
Comunitária de Ntutupue-A" e "Tribunal Comunitária de Ntutupue-B" todos são do
ordenamento jurídico do distrito de Ancuabe, província de Cabo Delgado. A escolha deste
local para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa, é pelo facto do pesquisador encontrar-
se a viver próximo desta zona e pretender desenvolver este tema de extrema importância para
a competência básicas de conhecer a realidade da zona.

Objetivos

Objetivo Geral

 Analisar informações sobre o funcionamento clinico jurídico das instituições de


tribunais comunitárias da região.

Objetivos específicos

 Identificar três tribunais comunitárias locais para visitar;


 Recolher dados de informações sobre a realidade do funcionamento dos tribunais
comunitários visitados com base na ficha de recolha de dados;
 Apresentar a análise e discussões dos resultados recolhidos no trabalho do campo.
Fundamentos teóricos
Segundo Araujo, (2020)Ao longo da história, o Estado moçambicano assumiu diferentes
modelos que influenciaram sempre a dinâmica formal com que se relacionou com as
estruturas locais de resolução de conflitos. O papel dos juízes eleitos era fundamental na
organização judiciária, sobretudo ao nível tribunais de base. Esperava-se que conhecessem os
problemas da comunidade e as pessoas. O governo moçambicano, ao mesmo tempo que se
empenhava em pôr fim ao direito costumeiro, procurava garantir instâncias sensíveis aos
cidadãos e às suas noções de justiça. A ideia de uma justiça de reconciliação e a forma de
resolução na base “do bom senso e da justiça” garantia o último objetivo.

Os tribunais populares de base deveriam substituir as autoridades tradicionais ao nível das


funções judiciais. Contudo, a estas cabiam, ainda, funções administrativas, que, na estrutura
estabelecida pelo Estado moçambicano, passariam a ser desempenhadas pelos Grupos
Dinamizadores, que nunca chegaram a conhecer formatação jurídica formal (Meneses, 2009,
p.26).

Conforme visto, os cidadãos recorrem – às formas tradicionais e hábitos locais de resolução


de conflito. Os tribunais comunitários surgiram como forma de valorização pelo direito estatal
dessas formas tradicionais, no âmbito da reforma do sistema judicial em Moçambique,
ocorrida em 1992, como corolário da revisão constitucional de 1990. Estes tribunais foram
criados com objetivo de substituir o trabalho que até então era feito pelos chamados tribunais
populares, no período de 1978 a 1992. (Miguel, 2020, p14)

Araujo, (2020) da uma visão ao afirma que:

(...) O meu conceito permite-me incluir velhas e novas formas de justiça, com vista a
encontrar resposta a uma pergunta: onde e como é que as pessoas resolvem conflitos?

Os Tribunais Comunitários constituem, portanto, mecanismos indispensáveis para a


viabilização da justiça e valorização das formas comunitárias de resolução de conflitos,
enxertados no próprio sistema judiciário, sendo tribunais oficiais, uma vez criados por lei,
mas ao mesmo tempo fora destes.

Miguel, () afirma que:

Se por um lado, como se disse, estes tribunais têm cobertura e


reconhecimento legal na organização judiciária (de base), a lei
estabelece que sua operacionalidade funciona fora dessa
organização, assente nos valores culturais comunitários. De acordo
com o preâmbulo da Lei dos Tribunais Comunitários, “as
experiências colhidas pela justiça comunitária indicam para a
necessidade da sua valorização e aprofundamento, considerando a
diversidade étnica e cultural da sociedade moçambicana.” Estes
tribunais são entidades jurídicas híbridas em que se levam em
consideração princípios do direito estatal e do direito
consuetudinário, (Miguel, 2020, p.14)

Metodologia de trabalho

Quanto à método de pesquisa empregado durante a realização da pesquisa utilizou-se o


Estudo do Caso através do Levantamento do Campo. Na construção deste relatório vai-se
basear na compilação descritiva e esquematizada das informações através de ficha de recolha
de dados. E para a recolhas das informações, usou-se o Estudo de Caso, Segundo Gil (2010),
é usado quando: o caso em estudo é crítico para se testar uma hipótese ou teoria explicitada.

Técnicas de recolha de dados

Quanto Instrumento de recolha de dados esta pesquisa utilizou duas técnicas: a entrevista e a
observação.

Entrevista-estruturada: permitiu o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido.


Não é permitido adaptar as perguntas a determinada situação, inverter a ordem ou elaborar
outras perguntas.

-Contato inicial: clima amistoso; objetivos

- Formulação das perguntas: de acordo com o tipo (estruturada: seguir roteiro; não
estruturada;

- Registro das respostas;

-Término entrevista.

Observação “permitiu a utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da


realidade. Consiste de ver, ouvir e examinar fatos ou fenômenos” (Marconi & Lakatos,
1999:90)

Situação geográfica do distrito de Ancuabe


Ancuabe é um distrito da província de Cabo Delgado, em Moçambique, com sede na vila de
Ancuabe. Tem limite, a norte com o distrito de Meluco, a oeste com o distrito de Montepuez,
a sul com o distrito de Chiúre e a este com os distritos de Metuge e Quissanga.

Fonte: Localização geográfica do Distrito de Ancuabe com base Ocha, (2020)

Os três tribunais comunitários em analise estão situados dentro do Posto administrativo de


Metoro, e distam-se a menos de 30 km da sede do Distrito. Todos os tribunais visitados
localizam-se a beira da Estrada Nacional N1.

A situação actual dos Tribunais Comunitários locais visitados

Tribunal comunitários de Ntique

No Tribunal Comunitário de Ntique, os casos reportados com mais frequentes são adultério e
divórcios.

Tribunal Comunitário de Ntutupue-A e Ntutupue-B

Para os Tribunal Comunitário de Ntutupue-A e Ntutupue-B, ambos sidas na aldeia do mesmo


nome "Ntutupue", os casos reportados com mais frequência são de abuso de confiança,
adultério e também o divórcios. Os casos que envolvem conflitos conjugais ou violência
contra a mulher são enviados aos Gabinetes de Atendimento à Mulher e Criança Vítimas de
Violência. Dentro das instâncias criadas pelo Estado, destaco as esquadras de polícia que,
mesmo não sendo identificadas como instâncias de resolução de conflitos, desempenham esse
papel em moldes que, por vezes, as aproximam das instâncias comunitárias de resolução de
conflitos encontradas fora do DM1, como os secretários de bairro, os régulos ou os tribunais
comunitários, nomeadamente através da resolução de conflitos não judiciáveis. Todas as
esquadras têm um gabinete associado, que em regra funciona apenas uma parte do dia. Em
seguida vide o quadro de registo dos resultados das visitas efetuadas nos três tribunais em
análise.

Ficha de Registo dos resultados

Questão Previsão legal Realidade Efeitos/


em consequências
análise
Local de Os tribunais comunitários Os tribunais -Falta de respeito
funcionam funcionam nas sedes de funcionam em por parte dos
ent o posto administrativo ou de locais não arguidos, na
(edifícios) localidade, nos bairros ou apropriedos. medida que saibam
nas aldeias (nº2 do art.1 da Geralmente os que não há
Lei nº 4/92, de 6 de Maio - tribunais condições de
LTC). “A instalação dos comunitários em segurança;
tribunais comunitários locais como -invasão de pessoas
constituirá responsabilidade alpendres de não indicadas para
directa dos governos reuniões gerais da fazerem parte do
provinciais” (art. 12 da população. Vide as processo de
mesma lei). fotos em anexo 1. resolução de um
conflito.
Composiç “Os tribunais comunitários -Em todos tribunais -Bom
ão dos serão compostos por oito visitados observa- funcionamento dos
tribunais membros, sendo cinco se que os tribunais tribunais.
comunitári efectivos e três suplentes” comunitários são -na falta de
os e (nº 1 do art. 7 da LTC). Os compostos por oito controle para a
quórum. TCs não podem deliberar membros e três eleição feita pelos
sem que estejam presentes suplente. órgãos
pelo menos três membros - Os secretários de representativos
contando com o presidente bairro também locais controlados
(art. 8 da LTC). Compete ao fazem parte dos pelos tribunais
Governo estabelecer os judiciais de distrito,
mecanismos e prazos para a TCs. contribui para
eleição dos membros dos - relativamente a adesão do poder
TCs (art. 13). A eleição será questão de eleição descentralizado dos
feita pelos órgãos dos membros tribunais, embora
representativos locais destes órgãos, que haja casos de
controlados pelos tribunais notou-se que a abuso de poder.
judiciais de distrito (art. 9/2 nomeação dos
e art. 14) membros não
depende
necessariamente do
controle pelos
tribunais judiciais
de distrito.
Compensa A lei atribui aos Governos - Nota-se que a - falta de
ção o aos Provinciais a competência compensação por motivação por falta
membros de fixar uma compensação parte dos membros de incentivos que
dos aos membros dos tribunais dos TC é por meio venham satisfazer
tribunais comunitários, mediante de volores de quota suas necessidade.
comunitári proposta dos tribunais estipulado
os judiciais de província (art. mediante a
11 da LTC). compreensão local
de cada zona.
Casos Compete aos TCs “deliberar -Os casos - Alguns problemas
apreciados sobre pequenos conflitos de reportados com podem ser inibidos
nos natureza civil e sobre mais frequência são para o julgamento
tribunais questões emergentes de de abuso de judiciário
comunitári relações familiares que confiança, adultério subsequente,
os resultem de uniões e também o sobretudo quando
constituídas segundo os divórcios. se tratar de crimes
usos e costumes..., ...e que envolvem uma
conhecer de delitos de relação conjugal.
pequena gravidade, que não
sejam passíveis de penas
privativas de liberdade e a
que se ajustem medidas”
menos graves (Nºs 1 e 2 do
art. 3 da LTC).
Medidas “Os tribunais comunitários -Os Tribunais -Alcançam bons
tomadas procurarão que em todas as Comunitários consensos entre as
nos questões que lhe sejam tomam medidas partes.
tribunais levadas ao seu observando o
comunitári conhecimento as partes se respeito de usos e
os reconciliem, não se costumes.
conseguindo a reconciliação -No caso de falta
ou não sendo possível, o de consenso
tribunal comunitário julgará comuns de um
com a equidade, o bom conflito, os casos
senso e com a justiça” (nºs 1 muitas vezes são
e 2 do art. 2). Em matérias encaminhados para
criminais os tribunais as autoridades
comunitários podem tomar policiais.
como medida: a crítica -Os casos que
pública, prestação de envolvem conflitos
serviços à comunidade por conjugais ou
período não superior a trinta violência contra a
dias, multa cujo valor não mulher são
exceda 10.000,00Mts, enviados aos
privação por período não Gabinetes de
superior a trinta dias do Atendimento à
exercício do direito cujo uso Mulher e Criança
imoderado originou o delito Vítimas de
e indemnização de prejuízos Violência mais
causados pela infracção. próxima.

Divulgaçã A LTC foi promulgada e - não se observa. -conflito na tomada


o da lei publicada em 6 de Maio de de agumas decisões
que regula 1992. Será que os membros entre o TC e
os dos tribunais comunitários
tribunais dominam o conteúdo desta arguidos;
comunitári lei?
os
Grau de “...quando houver -é notório
satisfação discordância em relação à
da medida adoptada pelo
comunida tribunal comunitário,
de com as qualquer das partes poderá
medidas introduzir a questão no
tomadas tribunal judicial
pelos competente” e quanto à
tribunais matéria criminal, “sempre
comunitári que se verificar falta de
os. concordância com a medida
adoptada, cabe ao tribunal
comunitário elaborar auto e
remetê-lo ao competente
tribunal de Distrito” (art. 4
da LTC).
Acesso à “A edificação de uma - observa-se uma
justiça nos sociedade de justiça social, justiça social, a
tribunais a defesa e a preservação da defesa e a
comunitári igualdade de direitos para preservação da
os. todos os cidadãos, o reforço igualdade de
da estabilidade social e a direitos para todos
valorização da tradição e os cidadãos, o
dos demais valores sociais e reforço da
culturais constituem grandes estabilidade social
objectivos na República de e a valorização da
Moçambique” 1º parágrafo tradição ecostume.
do Preâmbulo da LTC.

Relatório de Análise e Discussão dos resultados


No processo da reforma do sistema judicial, em 1992 foi aprovada uma nova lei orgânica dos
tribunais judiciais, a Lei n.º 10/92, de 6 de maio. Esta lei instituiu os tribunais distritais como
tribunais de base, excluindo deste modo os tribunais de localidade e de bairro (tribunais
populares, etc.), como parte do sistema.

Todavia, dado o papel fundamental destes, no mesmo ano, foram criados os Tribunais
Comunitários suprindo -se assim a lacuna deixada pelos tribunais populares e de bairro. Por
conseguinte, a Lei n.º 4/92, de 06 de maio, criou os Tribunais Comunitários, como parte de
instâncias locais de resolução de conflitos, mas fora do sistema judicial.

Em termos de objetivos, Miguel, (2020, p. 15) diz que estes tribunais têm a responsabilidade
de:

a) Contribuir para a edificação de um Estado justo;


b) Defesa e salvaguarda de direitos fundamentais;
c) Estabilidade social e valorização e promoção de hábitos e costumes tradicionais e;
d) Demais valores sociais e culturais, conforme estabelecido na lei em referência que os
constitui.

Quanto a sua composição, previsto no n.º 1 do art. 7° da lei em referência, indica que os
Tribunais Comunitários devem ser constituídos por oito membros, sendo cinco efetivos e três
suplentes. Os tribunais visitados cumprem conforme o legitimado tal como pode-se observar
no quadro número 1, deste estudo. Vale mencionar que estes tribunais herdaram um pequeno
número de juízes e as infraestruturas que funcionavam os tribunais populares, como foi
estabelecido no n.º 2 do art. 15° da Lei n.º 4/92, de 06 de maio.

Conclusão

É prática em comunidades moçambicanas, especificamente aquelas distantes do meio rural,


para a resolução de conflitos, seguirem os costumes adotados pelas tribos ou etnias das quais
fazem parte . Quaisquer formas de relação, organização social e solução de litígios, estão em
conformidade com a cultura, práticas e tradições locais. Grosso modo, essas práticas são
reguladas por normas que se mantêm pelo costume ou pela tradição, com grande diversidade,
uma vez que cada grupo tem as suas próprias regras.

Ora, isto não significa necessariamente que as justiças comunitárias sejam inexistentes ou
irrelevantes. Não é difícil encontrar outros motivos, para além da ausência de educação
formal, das dificuldades económicas ou da distância geográfica, que podem justificar a
preferência por formas de justiça não judiciais, como a lentidão da justiça judicial ou o facto
de, muitos litígios, pela sua natureza ou pelo tipo de relação entre os litigantes, tenderem ser
melhor resolvidos noutro tipo de instâncias.

Referências bibliográficas

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