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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS


DIRETORIA DE ENSINO A DISTÂNCIA
PÓS GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE SEGURANÇA DO TRABALHO

Felippe da Fonseca Paes

ESTUDO COMPARATIVO ENTRE DIFERENTES TÉCNICAS DE PRESERVAÇÃO


DE PEÇAS ANATÔMICAS E SEU IMPACTO NA SAÚDE DOS TRABALHADORES

Belo Horizonte
2022
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1 Introdução

O presente estudo intitulado “Estudo comparativo entre diferentes técnicas de


preservação de peças anatômicas e seu impacto na saúde dos trabalhadores", tem
por objetivo apresentar a glicerina com alternativa ao formaldeído como opção menos
prejudicial à saúde durante a prática laboratorial e da rotina de trabalho de
profissionais que atuem em segmentos onde é necessária a manipulação de peças
anatômicas preservadas. Este estudo foi realizado em duas universidades particulares
de grande porte localizada no estado de Minas Gerais, onde foram visitados os
laboratórios de anatomia animal e humana.
O estudo constitui-se de um estudo preliminar onde são abordados alguns
conceitos e definições sobre o uso do formaldeído e da glicerina na preservação de
peças anatômicas. Foram utilizados como referência artigos científicos e trabalhos
publicados na base de dados Scielo, Google Acadêmico, CAPES periódicos e
PubMed. Os termos utilizados nas pesquisas foram: Preservação de peças
anatômicas, glicerina para preservação de peças anatômicas, formaldeído como
conservante de peças anatômicas.
Este estudo justifica-se pela possibilidade de garantir um ambiente de
trabalho mais seguro, diminuindo os possíveis efeitos nocivos do processo de
manipulação de peças anatômicas realizadas por professores, alunos e equipe
técnica durante as aulas laboratoriais. Tendo como base a prevenção da saúde, este
estudo buscou autores que abordam as vantagens da utilização da glicerina como
alternativa ao formaldeído.

2 Identificação do risco e descrição dos objetivos

Com a utilização do formaldeído para preservação das peças anatômicas,


há um risco à saúde dos que a realizam. Considerando amplos estudos científicos já
divulgados e a NR-15, que dispõe sobre as atividades e operações insalubres, no caso
em questão, as pessoas que realizam esse tipo de manipulação estão expostas a um
agente químico nocivo.
Para que se reduza a exposição do colaborador aos riscos, faz-se
necessário a utilização de mecanismos de engenharia (ventilação exaustora),
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administrativas (monitoramento biológico) e a utilização de equipamentos de proteção


individual, em especial para proteção das vias aéreas e vias de contato.
Sendo assim, o objetivo do trabalho é apresentar uma alternativa de
preservação das peças anatômicas com menor risco ocupacional através da
substituição dos compostos reagentes.

3 Revisão da literatura

Dados históricos mostram que o estudo da anatomia humana vem de


milhares de anos atrás, cerca de 3000 a 2500 a.C., no Egito, usando a técnica de
mumificação (Lacerda, 2021). Visto a evolução que tais estudos traziam para a
medicina possibilitando cada vez mais a manutenção e preservação da saúde
humana, criar formas de melhor preservação das peças estudadas se tornou uma
necessidade. Em 1660 o álcool passou a ser utilizado para auxiliar nessa preservação,
e em 1890, o formaldeído, que até os dias de hoje é o principal elemento usado para
a preservação de peças anatômicas devido seu baixo custo.
O uso de peças anatômicas contribui significativamente para o aprendizado
dos alunos, pois os leva a ter suas habilidades expandidas, aproximando-os na
prática, do que é explanado em aulas teóricas. Assim o estudo anatômico e
morfológico se tornam mais acessíveis e tornam mais nítidos detalhes como
consistência, flexibilidade e coloração dos objetos analisados. Diversas técnicas
auxiliam na preservação dessas peças (KIMURA & CARVALHO, 2010 apud ZÓFOLI,
2017, p.12-57).
Negativamente, o formaldeído apesar de amplamente utilizado na
preservação das peças para estudos anatômicos, é muito nocivo não só ao meio
ambiente, mas também à saúde daqueles que o manipulam. Conforme Moticello et
al(1989), em um estudo realizado com primatas, onde os mesmos foram sujeitos à um
ambiente onde a concentração do formaldeído era de 6ppm, puderam identificar a
prematura degeneração e ligeira metaplasia escamosa do epitélio das conchas
nasais, traqueal e também dos principais brônquios até dezoito vezes maior em
relação ao grupo que ficou exposto ao ar ambiente, o que constata o efeito
cancerígeno do mesmo. Dentre sua ampla aplicação sobressai o uso do formaldeído
nos laboratórios de anatomia, onde a exposição a este produto pelos docentes,
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pesquisadores e técnicos é constante, chegando a alcançar níveis acima de dez


partes por milhão (Veronez et al.,2006). É sabido que os mais expostos a esse
composto são os profissionais que atuam na preparação e manutenção das peças
anatômicas.
A excessiva exposição humana ao formaldeído está amplamente
relacionada ao câncer de nasofaringe, cavidade bucal, faringe, laringe, pulmão e
também ao câncer linfático (Brasil, 2012). De acordo com Viegas et al. (2010),
aproximadamente 90% do formaldeído que o ser humano inspira, é absorvido pelo
trato respiratório superior, e ainda pode ser absorvido pela pele durante a
manipulação, classificando-o assim como carcinogênico. Conforme estudos referidos
por Carvalho (2009), o formaldeído provoca efeitos agressivos em tecidos do corpo
humano e até mesmo no DNA, o que significa que, além de causar irritação nos olhos,
mucosas nasais, queimação na garganta e desencorajar o estudo da anatomia por
isso, riscos muito mais graves podem ser acarretados à saúde de quem tem vivência
com essa substância química. O formaldeído é considerado como uma substância
cancerígena conforme a lista de produtos da Organização Mundial de Saúde (2021).
A Agência Internacional de Pesquisas em Câncer já o classifica como cancerígeno
desde 1995 (IARC,1995). O Ministério da Saúde do Brasil publicou em 2021 o Atlas
do Câncer relacionado ao Trabalho no Brasil onde reforça as propriedades
carcinogênicas do formaldeído.
Devido aos grandes malefícios à saúde pelo uso do formaldeído, estudos
de novas formas de preservação dessas peças têm sido realizados, e uma opção de
substituição encontrada, é a glicerinação.

A glicerina tem a capacidade de desidratação celular, atuando como fungicida


e bactericida. A técnica de glicerinação proporciona melhor preservação das
peças anatômicas com diversas vantagens como: a leveza que as mesmas
adquirem no processo de preservação, a morfologia é preservada o mais
próximo da forma original e a coloração, facilitando a identificação de várias
estruturas de difícil visualização. Além disso, a glicerina é uma substância
inodora, não irrita as mucosas, não é carcinogênica e não possui um risco de
contaminação ambiental tão elevado em comparação ao formol (An et al.
2012, Krug et al. 2011 apud Karam et al., 2016, p. 672-675).

Segundo estudos realizados por Karam (2016), ele apresentou diversas


técnicas utilizadas para a preservação de peças anatômicas. Uma delas apresenta a
lavagem das peças que foram conservadas em formaldeído, com água, por 48 horas,
para retirada de todo o composto. Logo depois, as peças ficaram submersas em
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solução de peróxido de hidrogênio. Depois de retiradas da solução, as peças foram


introduzidas em álcool absoluto (99%), até que a solução chegue a 65%. Somente
após 3 meses as peças são colocadas em solução de glicerina. Por conta da solução
alcoólica, as peças ficam desidratadas e após serem submersas em glicerina elas
voltam a ser hidratadas.

A técnica de preservação em glicerina é mais eficiente que o uso do formol,


deixando as peças mais próximas do que eram tanto em tonalidade quanto
em maleabilidade, não apresenta cheiro e nenhuma condição prejudicial à
saúde, podendo manter as peças de estudo conservadas por décadas
aplicando-se a manutenção adequada de 3 em 3 anos (CURY et al., 2013, p.
695).

Além das significativas vantagens relacionadas à prevenção dos danos à


saúde dos trabalhadores, a glicerina pode ser reutilizada, ao contrário do formaldeído
que precisa ser reposto durante o processo de preservação das peças (Kimura e
Carvalho, 2010 apud Reis, 2019, p. 16).

4 Proposta de medida de segurança e operacionalização

Neste capítulo serão utilizadas como base a Norma Regulamentadora n°01


(NR-01), que estabelece diretrizes para o gerenciamento de risco das organizações,
a Norma Regulamentadora n°15 (NR-15), que versa sobre as atividades e operações
insalubres e a utilização dos EPIs como agentes de eliminação e neutralização onde
há contato com agentes químicos nocivos e a Norma Regulamentadora n°32 (NR-32),
de segurança do trabalho nos estabelecimentos de saúde, considerando as medidas
de proteção que deverão ser adotadas em locais como hospitais, clínicas e
laboratórios.
Dentre todo o contexto abordado neste estudo, a maior preocupação é com
a saúde ocupacional, que ocupa a maior parte na exposição ao formaldeído. Por ser
um elemento altamente nocivo, deve ser evitado e substituído sempre que possível,
como estabelece a NR-01 nos itens referentes aos direitos e deveres do empregador
e a ordem de prioridades mencionada no item 1.4.1 da referida norma. A NR-15
estabelece diretrizes sobre a insalubridade no âmbito ocupacional, essa norma
disserta sobre os limites de tolerância para agentes físicos, químicos e biológicos que
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um colaborador pode se expor de maneira segura. O estabelecimento de limites para


o contato com agentes nocivos à saúde dos trabalhadores é essencial, pois assegura
que os mesmos estão amparados contra exposições inadequadas à sua integridade
física.
Considerando as aulas laboratoriais, a utilização de peças anatômicas para
aprendizagem acadêmica deve ser segura para todos que entram em contato com
tais substâncias, conforme o que estabelece a NR-32.
Dessa forma, pode-se entender como de suma importância os cuidados na
utilização de tais substâncias. A escolha entre as técnicas de utilização do formaldeído
ou da glicerina, deve levar em conta os riscos que cada um oferece a quem os
manipula.
Sendo assim, surge a necessidade de novas técnicas de preservação de
peças anatômicas, assim como a divulgação do uso da glicerinação. Assim será
possível proporcionar aulas práticas em um ambiente mais seguro e permitir aos
professores e equipe técnica um ambiente de trabalho mais confortável, com menores
riscos e possíveis danos à sua saúde.

5 Conclusão

Conclui-se que a exposição ao formaldeído no processo de preservação de


peças anatômicas tem maior potencial em causar danos à saúde se comparada ao
uso da glicerina.
Entende-se que o uso do formaldeído nos laboratórios é relevante e de
menor custo. Entretanto, apesar da glicerinação possuir um custo inicial mais elevado,
e por este motivo ainda não ser amplamente inserida no meio acadêmico, o custo de
manutenção tende a ser menor em função de possuir um processo bem mais
simplificado onde não há necessidade de reposição do composto.
Além disso, do ponto de vista ocupacional a técnica de preservação por
glicerina é mais segura do que por formaldeído, pois ela não apresenta odor, não irrita
as mucosas e mais importante, não é cancerígena.
Os discentes também serão beneficiados durante o ensino e aprendizado
mútuo da anatomia em função da manipulação das peças anatômicas sem a presença
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dos vapores oriundos do formaldeído, que também causam desconforto mesmo em


pequenas exposições.
Percebe-se, portanto, que medidas são necessárias para reduzir o uso
excessivo do formaldeído no ambiente ocupacional laboratorial. Sugere-se que sejam
realizadas pesquisas mais aprofundadas sobre a utilização da glicerina e novas
técnicas de preservação mais eficazes e não prejudiciais à saúde, além de ações que
promovam a conscientização dos benefícios destas técnicas e dos danos que o
formaldeído pode causar ao organismo humano.

REFERÊNCIAS

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