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15/06/2020 Atuação preventiva e remédios antitruste - JOTA Info

CONCORRÊNCIA

Atuação preventiva e remédios antitruste


Uma retrospectiva dos ACCs em 2019 sob a ótica das guidelines do Cade

GUSTAVO FLAUSINO COELHO


THALES CASTANHEIRA

12/06/2020 10:11
Atualizado em 12/06/2020 às 11:44

Crédito: Divulgação

O ano de 2019 representou um recorde para a atuação preventiva do Cade: 442 atos
de concentração analisados, sendo que cinco deles resultaram em acordos em
[1] [2]
controle de concentrações (ACC) . Para além de um re exo dos novos critérios de
noti cação impostos pela lei nº 12.529/2011, estes números também transparecem
a crescente in uência da autarquia no mercado brasileiro.

Concomitantemente, surge a preocupação dos agentes econômicos em veri car a


consistência do Cade, atribuindo dose de segurança jurídica às suas decisões
comerciais. Tal tentativa, no entanto se vê muitas vezes frustrada, na medida em
que não há um referencial para a jurisprudência da autarquia que vincule a
Superintendência-Geral e o Tribunal.

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Esta característica não signi ca, necessariamente, algo negativo para os objetivos
propostos pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. É preciso ter em
mente que as mudanças constantes do mercado não são compatíveis com
parâmetros engessados, sendo necessário dar exibilidade ao exercício analítico
para se alcançar resultados satisfatórios.

Adotada já há alguns anos, a solução para essa dicotomia tem sido a publicação de
guidelines, um conjunto de regras soft law com intuito expressar aquilo que o Cade,
em linha com a comunidade internacional, vê como boas práticas. Para a
[3]
negociação de ACCs, por exemplo, o guia de remédios antitruste vem cumprindo o
papel de orientar o desenho das restrições, antecipando problemas de efetividade,
implementação e monitoramento.

Fundamentalmente, são estabelecidos princípios e diretrizes gerais para o desenho


de remédios, expressão mais sensível da atuação preventiva do Cade, que se expõe
ao risco de permitir uma alteração potencialmente prejudicial ao mercado na
esperança de que as restrições ali acordadas sejam capazes de mitigar os
problemas concorrenciais.

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Quanto aos princípios, o guia advoga pela proporcionalidade, na qual o remédio deve
neutralizar os problemas, ao mesmo tempo em que preserve as sinergias da
operação e não a inviabilize; pela tempestividade, que busca limitar o prolongamento
da implementação, de modo a evitar que eventos alheios subvertam os efeitos
almejados; e pela factibilidade e veri cabilidade, no intuito de reforçar que os
remédios devem ser (razoavelmente) possíveis de se implementar e passíveis de
monitoramento.

Com essa premissa, dois dos ACCs celebrados em 2019 colocaram em prova a
adoção da cartilha principiológica pela autoridade antitruste: a aquisição do controle
[4]
dos negócios de consumer healthcare da P zer pela GlaxoSmithKline e a compra
[5]
da 21st Century Fox pela Walt Disney Company .

No primeiro, foram veri cadas possíveis implicações negativas decorrentes da


operação no mercado de antiácidos simples. Assim, as próprias requerentes
propuseram um ACC no qual a P zer se comprometeria ao desinvestimento dos
ativos de seu único produto neste mercado, contando, inclusive, com um comprador
[6]
já de nido (fatores que reforçam a factibilidade e veri cabilidade da restrição).
Seguindo as guidelines, o remédio acabou sendo homologado pela unanimidade do
Tribunal, justamente porque anularia o incremento problemático da participação da
GlaxoSmithKline.

Já no segundo ACC destacado, a proposta de desinvestimento dos negócios da Fox


Sports no Brasil foi vista como proporcional, já que estava alinhada com demais
[7]
jurisdições e não inviabilizaria a operação.

Por outro lado, não houve uma de nição de quem seria o comprador destes ativos.
Embora o próprio guia não coloque a ausência de um upfront buyer como obstáculo
absoluto, a dinâmica deste mercado, com leilões de direitos esportivos como
recorrentes janelas de oportunidade para sua reformulação, dos quais, por certo
[8]
período , a Disney não poderia sequer participar, é um fator alheio às partes que
poderia prejudicar o sucesso do terceiro entrante e propiciar uma concentração
mais elevada do que o próprio cenário de aprovação sem restrições.

Assim, o Tribunal foi colocado na difícil posição de


decidir entre uma reprovação desproporcional (uma
vez que as sinergias relativas ao restante da
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operação ultrapassam os problemas veri cados);


uma aprovação condicionada a remédios cuja
efetividade é questionável; e uma aprovação sem
ressalvas, porém que legitimaria uma concentração
problemática.

Sem entrar no mérito de qual teria sido a melhor decisão a ser tomada, o fato é que
as compromissárias não foram capazes de cumprir o prazo estabelecido para o
desinvestimento e o Tribunal decidiu por revisar a operação neste ano, com a
celebração de novo ACC, que substituiu o remédio estrutural por remédios
[9]
comportamentais .

Voltando às guidelines, no que tange às diretrizes gerais, incorporou-se a máxima de


que remédios estruturais são aplicados a sobreposições horizontais, enquanto
remédios comportamentais a integrações verticais.

Vale dizer que estes impõem restrições à atuação das compromissárias (e.g.,
vedação a cláusulas de exclusividade ou a práticas discriminatórias), enquanto
aqueles alteraram a estrutura da operação proposta, preservando ou rede nindo a
con guração do mercado (e.g., venda de ativos ou de participações societárias). Ou
seja, há uma diferença no grau da externalidade provocada por cada remédio.

Os outros três ACCs aqui contemplados, por outro lado, foram vistos como
exceções a essa regra.

[10]
Na aquisição da Mediplan pelo Grupo Notre Dame Intermédica veri cou-se
sobreposição horizontal problemática no mercado de planos de saúde coletivos.
Seguindo o de nido no guia de remédios, o mais adequado à situação seria um
desinvestimento dos negócios de uma das requerentes, sendo, portanto, uma
solução estrutural. Entretanto, por maioria, o Tribunal entendeu por acordar por
remédios comportamentais voltados à manutenção, por três anos, de planos
baratos e investimentos na qualidade de seus serviços.

Em verdade que, se cumpridos, tais compromissos podem repassar benefícios


inéditos aos consumidores. Por outro lado, eles parecem não endereçar plenamente
o problema identi cado, i.e., a possibilidade de a Intermédica elevar seus preços
após a aquisição.

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[11]
O pano de fundo dos outros dois ACCs, SM (grupo Fagron) – All Chemistry e
[12]
Transvip – Prosegur , também são sobreposições horizontais. O uso de remédios,
no entanto, fora um pouco peculiar, já que visam prevenir problemas concorrenciais
de forma generalizada.

Em ambos os casos, o histórico de aquisições crescentes, gradualmente


concentrando o mercado, levaram as requerentes e o Tribunal em concordar por
aplicar remédios comportamentais, impedindo aquisições futuras pela Fagron e pela
Prosegur em mercados problemáticos. Ou seja, sendo ou não justi cável, vemos a
aplicação recorrente de remédios comportamentais a sobreposições horizontais.

Em suma, o ano de 2019, para além dos números que apresentara, reforça a
di culdade de combinar as guidelines com a tarefa da defesa da concorrência. As
particularidades impõem ao julgador adversidades para as quais as regras não
possuem respostas diretas.

Ainda assim, os posicionamentos tomados em cada caso, com referências


constantes aos princípios do guia de remédios, consolidação do uso de trustees e
divergências em caso de não observância das guidelines, demonstram que, a
despeito do veredito, as regras – soft law – do Cade são consideradas pela
autarquia e não devem ser ignoradas pelos pro ssionais e estudiosos do direito
concorrencial brasileiro.

[1] BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Anuário CADE 2019. Brasília,

2020. Disponível em: <www.cade.gov.br>. Acesso em 11 de fevereiro de 2020.

[2] Foram selecionados apenas ACCs com adoção de remédios antitruste,

totalizando cinco em 2019. Acordos exclusivamente relacionados à implementação


prematura de ato de concentração (gun jumping) não foram considerados para ns
deste artigo.

[3] ______. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Guia de Remédios

Antitruste. Brasília, 2018. Disponível em: <www.cade.gov.br>. Acesso em 11 de


fevereiro de 2020.

[4] Ato de Concentração nº 08700.001206/2019-90, julgado na 144ª Sessão

Ordinária de Julgamento do Cade de 11 de junho de 2019 (requerentes


GlaxoSmithKline PLC. e P zer Inc.). Conselheira-Relatora Paula Farani de Azevedo
Silveira.

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[5] Ato de Concentração nº 08700.004494/2018-53, julgado na 138ª Sessão

Ordinária de Julgamento do Cade de 27 de fevereiro de 2019 (requerentes The Walt


Disney Company (Brasil) Ltda. e Twenty-First Century Fox, Inc.). Conselheira-Relatora
original Polyanna Ferreira Silva Vilanova, com voto vogal do Conselheiro Paulo
Burnier da Silveira.

[6] Embora haja a con rmação de um comprador especí co, a informação é de

acesso restrito ao Cade e às requerentes.

[7] O Consent Decree rmado nos EUA previu remédio similar, porem adaptado a

cada ente federativo do país, sendo citado expressamente pela Conselheira-Relatora


Polyanna Vilanova.

[8] O período constante no ACC é con dencial, porém foi sugerido o prazo de três

anos pelo Conselheiro Paulo Burnier, com quem o ACC fora negociado.

[9] O novo ACC – fora do escopo do presente artigo em razão do recorte temporal

escolhido – foi aprovado por maioria do Tribunal na 158ª Sessão Ordinária de


Julgamento do Cade de 06 de maio de 2020. Conselheiro Luis Henrique Bertolino
Braido.

[10] Ato de Concentração nº 08700.005705/2018-75, julgado na 143ª Sessão

Ordinária de Julgamento do Cade de 22 de maio de 2019 (requerentes Notre Dame


Intermédica Saúde S.A.; Mediplan Assistencial Ltda; Hospital Samaritano Ltda.; e
Hospital e Maternidade Samaritano Ltda.). Conselheira-Relatora Polyanna Ferreira
Silva Vilanova.

[11] Ato de Concentração nº 08700.005972/2018-42, julgado na 139ª Sessão

Ordinária de Julgamento do Cade de 20 de março de 2019 (requerentes SM


Empreendimentos Farmacêuticos Ltda. e All Chemistry do Brasil, Inc.). Conselheiro-
Relator Maurício Oscar Bandeira Maia.

[12] Ato de Concentração nº 08700.003244/2019-87, julgado na 151ª Sessão Ordinária de

Julgamento do Cade de 11 de dezembro de 2019 (requerentes Prosegur Brasil Transporte de


Valores e Segurança S.A. e Transvip – Transporte de Valores e Vigilância Patrimonial Ltda.).
Conselheira-Relatora Paula Farani de Azevedo Silveira.

GUSTAVO FLAUSINO COELHO – Sócio do Coelho Vasques Advogados e professor de Direito Empresarial
(IBMEC). Doutorando e Mestre em Direito Empresarial (UERJ) e graduado em Direito (UFRJ). Vice-

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Presidente da Comissão de Direito da Concorrência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) e Vice-
Presidente da Comissão de Direito Empresarial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
THALES CASTANHEIRA – Brasília

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