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Instrumentos financeiros e valores mobiliários

A noção legal de instrumentos financeiros engloba qualquer contrato que dê


origem, simultaneamente, a um ativo financeiro de uma parte e a um passivo
financeiro ou instrumento de capital da outra parte, incluindo, no mínimo os
instrumentos financeiros que já se encontravam na base legal. Estes instrumentos
abrangem:

Categorias de instrumentos habitualmente


Instrumentos do mercado monetário negociadas no mercado monetário, como
(artigo 2º/1/b) CVM e artigo 4º/1/17) DMIF por exemplo bilhetes do tesouro,
II) certificados de depósito e papel comercial,
com exclusão dos meios de pagamento.
As licenças de emissão de carbono (de emitir
Licenças de emissão (artigo 2º/1/g) CVM e uma tonelada de equivalente dióxido de
Diretiva 2003/87/CE do Parlamento carbono) durante um prazo determinado
Europeu e do Conselho) foram consideradas instrumentos
financeiros pela DMIF II.
São caracterizados pela dilação temporal
entre a vinculação jurídica e a data da
prestação que o contraente se obriga,
Derivados (artigo 4º/1/15) e 16) DMIF II e expondo as partes aos riscos de valorização
artigo 2º/1/c) CVM) de outro ativo (financeiro ou não), índice ou
medida de valor económico porque o valor
do contrato está dependente do ativo
subjacente.
São documentos emitidos por empresas ou
outras entidades, em grande quantidade,
Valores mobiliários (artigo 4º/1/44) DMIF II que representam direitos e deveres,
e artigo 1º CVM) podendo ser comprados e vendidos,
nomeadamente na Bolsa. Existem diversos
tipos de valores mobiliários, descritos no
artigo 1º CVM.

Valores mobiliários:
Importa, em primeiro lugar, destacar que, por força do artigo 1º CVM, podemos
constatar que estamos perante uma tipicidade enunciativa ou não esgotante, já que a
alínea g) introduz “outros documentos representativos de situações jurídicas
homogéneas, desde que sejam suscetíveis de transmissão em mercado”:

 Remetendo para o artigo 362º CC (qualquer objeto elaborado pelo homem


com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto). Além
disso, esses elementos terão natureza homogénea a fungível (são
reconhecidos pela sua quantidade ou número) e serão negociáveis em
mercado (transmissíveis, em abstrato, para terceiro, em mercado). Estas
características vão caracterizar a noção de valor mobiliário.

Para além destes outros documentos mencionados na alínea g) do artigo 1º CVM,


nessa norma ainda constam outros valores mobiliários de tamanha importância:

a) Ações;
b) Obrigações;
c) Títulos de participação;
d) Unidades de participação em instituições de investimento coletivo;
e) Warrants autónomos;
f) Direitos destacados;

Ações
As AÇÕES são valores mobiliários que correspondem a uma situação jurídica
complexa contendo um conjunto de direitos e obrigações. Representam uma parcela
do capital social (que representado por um documento constitui um valor mobiliário).
Ter ações numa sociedade significa ser acionista, o que confere ao investidor um
conjunto de direitos sobre a sociedade. Não obstante, estes direitos variam em função
do número e da categoria de ações detidas.

As ações conferem aos investidores o direito de:

 Estar presente nas reuniões da assembleia geral e votar;


 Ser informado sobre os negócios da sociedade, em determinadas
condições;
 Participar nos lucros da sociedade e receber dividendos, na proporção das
ações detidas;
 Receber a quota de liquidação quando a sociedade seja extinta e na
medida em que existam bens no seu património a distribuir após o
pagamento a todos os credores.

Obrigações
As obrigações são valores mobiliários com uma duração limitada que representam
uma parte de um empréstimo contraído por uma empresa ou entidade junto dos
investidores. Ter obrigações significa ser credor de um emitente. Decorrido um
determinado período, o investidor terá direito a receber o valor que inicialmente
investiu e periodicamente receberá juros, se estes tiverem sido acordados. Portanto,
obrigações são valores mobiliários que representam direitos de crédito face à entidade
emitente e que podem ser emitidos por sociedades anónimas e por sociedades em
comandita por ações (artigos 348º e 478º CSC), assim como também por sociedades
por quotas (DL nº 160/87 de 3 de abril) e outras entidades.

As obrigações mais comuns são:

 Obrigações públicas ou privadas, conforme a natureza do emitente;


 Obrigações de curto, médio e longo prazo, e obrigações perpétuas 1;
 Obrigações de taxa fixa e obrigações de taxa variável;
 Obrigações de cupão zero2 e obrigações com remuneração periódica.

1
São obrigações semelhantes às clássicas, mas que não têm uma data de maturidade, ou seja, o direito
a recebimento periódico de juros é eterno e o capital em dívida não é reembolsado.
Não obstante, avaliar uma obrigação consiste em determinar o seu preço justo,
que pode não coincidir com o seu valor nominal ou com o valor a que é comprada ou
vendida. Assim, o preço de uma obrigação vai corresponder ao valor atual dos
rendimentos a gerar no futuro (soma dos juros periódicos e reembolso).

Unidades de participação
As unidades de participação são as parcelas em que se divide o património de um
fundo de investimento. A duração das unidades de participação deve ser equivalente
ao prazo de duração do fundo. Traduzem quotas-partes (fação alíquota) de um
património autónomo de uma instituição de investimento coletivo. Ora, os fundos de
investimento são organismos de investimento coletivo constituídos pelas poupanças
de vários investidores. O conjunto dessas poupanças constitui um património em
partes iguais, com as mesmas características e sem valor nominal, designadas por
unidades de participação.

Títulos de participação
Os títulos de participação são valores mobiliários tendencialmente perpétuos que
conferem o direito a uma remuneração com duas componentes: uma fixa e outra
variável. Tanto a remuneração fixa como a variável são determinadas sobre a
percentagem do valor nominal do título de participação. Estes títulos podem ser
emitidos por empresas públicas ou sociedades anónimas pertencentes
maioritariamente ao Estado.

O valor nominal dos títulos de participação é o valor inscrito no título ou no


registo, que corresponde ao montante do empréstimo e só excecionalmente será
restituído ao investidor, servindo de base ao cálculo da remuneração fixa e variável.

2
São obrigações que não pagam juros periódicos, sendo adquiridas/subscritas a um preço abaixo do par
(abaixo do valor nominal), por forma a proporcionar aos investidores uma compensação sob a forma de
ganho de capital. Este tipo de obrigação pode igualmente ser adquirida/subscrita ao par (ao valor
nominal) e verificar-se um reembolso na data de maturidade acima do valor nominal (prémio de
reembolso) por forma a atingir o mesmo fim.
Os títulos de participação só são reembolsáveis se as entidades que os emitiram o
decidirem, mas nunca antes de terem decorrido 10 anos desde a sua emissão, ou se
essas entidades entrarem em falência.

Warrants autónomos
Os warrants são valores mobiliários com uma duração limitada que conferem ao
investidor um direito sobre outros valores mobiliários ou ativos financeiros,
designados “ativo subjacente”. Por exemplo, uma emissão de warrants autónomos
sobre ações pode conferir ao investidor o direito a comprar ou vender essas ações
numa data pré-definida. Esses ativos podem ser ações, obrigações, índices bolsistas,
taxas de juro ou taxas de câmbio.

O investidor tem sempre a possibilidade de optar por exercer ou não o seu direito.
O warrant confere, portanto, um direito e não uma obrigação.

Os warrants podem ser emitidos por bancos, pela Caixa Económica Montepio
Geral, pela Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, por sociedades de investimento,
pelo Estado, por sociedades anónimas (desde que os ativos subjacentes sejam valores
mobiliários próprios) e por outras instituições de crédito e sociedades financeiras de
corretagem previamente autorizadas pelo Banco de Portugal. Podem ainda emitir
warrants autónomos as entidades que tenham uma garantia prestada por outra
entidade idónea.

Os warrants podem conferir direitos como:

 Comprar o ativo subjacente;


 Subscrever o ativo subjacente;
 Vender o ativo subjacente;
 Receber a diferença em dinheiro entre dois preços: o preço do ativo
subjacente no momento de exercício e o preço de exercício.

O exercício dos warrants na data de maturidade nem sempre é automático. Nesse


caso, o detentor dos warrants terá de declarar a sua intenção de exercício. Se não o
fizer, os warrants vencem-se sem que o investidor receba qualquer quantia a que
tenha direito. A declaração de exercício deve ser remetida para a entidade identificada
no prospeto.

Dependendo das condições de emissão, podem existir warrants que prevejam as


chamadas barreiras (knock-in e knock-out). Nalguns casos, atingida essa barreira o
warrant expira sem qualquer valor. Essas características constam do prospeto e do
anúncio de lançamento.

Direitos destacados
Alguns valores mobiliários conferem direitos que podem ser destacados e
negociados separadamente, por exemplo, em bolsa. Estes direitos destacados são
valores mobiliários e têm como principal característica o prazo de duração muito
curto. São direitos destacados, por exemplo os direitos de subscrição e os direitos de
incorporação. No fundo, são direitos destacados os que decorrem do facto de
existirem direitos inerentes (diversas situações jurídicas ativas) representados num
valor mobiliário, que podem ser destacados ou cindidos (porque consubstanciam
situações jurídicas distintas e tal cisão se encontra prevista), e circular ou ser objeto de
negociação (artigo 1º/1 e 55º/3 CVM).

Criptoativos ou Tokens
Os criptoativos são representações digitais de ativos baseadas em tecnologia
blockchain, não emitidas por um banco centro, instituição de crédito ou instituição de
moeda eletrónica e que podem ser usadas como forma de pagamento numa
comunidade que o aceite ou ter outras finalidades como a atribuição do direito à
utilização de certos bens e serviços ou a um retorno financeiro.

Nem todos os criptoativos são valores mobiliários, já que a sua classificação como
tal depende de uma análise casuística. Desta forma, para serem considerados
criptoativos têm que, cumulativamente, verificar-se os diversos requisitos que estão
definidos pela lei.

Estes criptoativos estão associados a inúmeros riscos:

 Risco de liquidez: os investidores podem não conseguir vender os


criptoativos que adquiriram.
 Risco de perda parcial ou total dos montantes : o capital investido não está
garantido, e os riscos associados ao investimento poderão não estar
referidos na documentação publicada pelo emitente do criptoativo.
 Risco de fraude: existe uma assimetria entre a informação de que dispõe o
emitente do criptoativos e o investidor, além de que a complexidade
inerente dos criptoativos dificulta a capacidade de os investidores
entenderem o seu propósito.
 Inexistência de regulamentação especifica para a proteção dos investidores
dos criptoativos que não sejam valores mobiliários: é necessário analisar
cada caso para se determinar se os criptoativos estão ou não abrangidos
pela regulamentação aplicável ao mercado de valores mobiliários.
 A maioria dos agentes que comercializam criptoativos não se encontram
sedeados em Portugal: a resolução de conflitos poderá estar fora da
competência das autoridades nacionais, o que pode desproteger os
investidores nacionais.
 Risco na formação do preço dos criptoativos : a formação do preço não é,
em muitos casos, transparente, pelo que pode não corresponder ao valor
real de mercado desse criptoativo.
 Elevada volatilidade: o valor de um criptoativo é propenso a variações de
preço súbitas e amplas.
 Risco de branqueamento de capitais: devido ao anonimato associado aos
criptoativos, poderá existir uma ocultação da origem dos fundos
investidos.
Desta forma, se investidores decidirem adquirir criptoativos ou instrumentos
financeiros com exposição direta a criptoativos, deverão compreender plenamente as
suas características e riscos. Os investidores não devem investir montantes cujas
perdas não possam suportar e deverão ter em conta que a aquisição de criptoativos,
mesmo que efetuada junto de entidades reguladas no âmbito de outras atividades,
não mitiga os riscos acima referidos.

Green bonds (obrigações verdes)


As obrigações verdes são títulos de dívida que visam o financiamento dos
emitentes e constituem instrumentos especificamente destinados a projetos climáticos
e ambientais, contribuindo para o Desenvolvimento Sustentável. Por sua vez, podem
ser emitidas por Estados e por emitentes privados. Não obstante, a maioria das
obrigações verdes emitidas até à data financiam projetos de energia renovável,
medidas de eficiência energética, transporte coletivo de baixo carbono e tecnologia de
águas.

Ou seja, no fundo, as green bonds são instrumentos representativos de dívida dos


quais a entidade emitente procura captar recursos junto de investidores e aplicar os
mesmos em projetos com benefícios ambientais.

Regime jurídico dos valores mobiliários


Em primeiro lugar, importa referir que os valores mobiliários abrangem certos
tipos, nomeadamente:

 Típicos constantes na DMIF II e no CVM;


 Atípicos nacionais ou estrangeiros que preencham os requisitos do
conceito;
 Legalmente nominados (direta ou indiretamente).
Os valores mobiliários detêm duas principais funções:

 Representação;
 Legitimação.

No que diz respeito à representação, mais propriamente à sua forma,


verificamos que os valores mobiliários podem ser titulados ou escriturais.
Precisamente, por força do artigo 46º CVM, serão titulados os valores mobiliários que
forem títulos em papel e serão escriturais os que foram registos informáticos 3.

 Os valores mobiliários titulados vêm previstos a partir do artigo 95º CVM.


 Os valores mobiliários escriturais vêm previstos a partir do artigo 61º CVM.

Valores mobiliários titulados


Os valores mobiliários titulados podem ser integrados num sistema centralizado
abrindo-se uma conta da emissão junto da respetiva sociedade gestora (artigo
44º/3/a) CVM). Podem ser depositados num intermediário financeiro onde se abre
uma conta de emissão (artigo 99º/1/a) CVM).

3
Os valores mobiliários escriturais facilitam a circulação dos valores, são mais seguros e possibilitam um
exercício de direitos mais eficientes.

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