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– Nossa, mas que babacas, todos eles sabiam que eram trote e
ninguém te falou nada? – perguntou a Evelyn.
– Eu quero saber é o que você vai fazer agora...precisamos de um
plano de vingança – falou a Berenice – se você não fizer nada eles não vão te
respeitar.
Ouvi a Berenice e a Evelyn falando através de uma chamada de
vídeo no notebook que estava apoiado na bancada da cozinha, enquanto eu
abria os armários em busca de ingredientes. Estávamos em uma chamada de
vídeo há alguns minutos e eu tinha acabado de contar pra elas o que havia
acontecido no trabalho naquele dia.
– É claro que eu não vou deixar passar batido – Evelyn comemorou –
Já estou me preparando para fazer uns donuts. Aqueles babacas vão ter o que
merecem!
As duas teriam se entreolhado, se não estivessem em aparelhos
diferentes.
– Donuts, Lari? Donuts? – a Berenice perguntou ligeiramente
surpresa. – A não ser que você pretenda colocar alguma coisa neles...
– Quem sabe um laxante pra dar dor de barriga? – sugeriu a Evelyn
animada.
– Ou um Rivotril pra apagar todo mundo! Você pode, você tem a
receita!
– Vocês parecem duas psicopatas – falei tranquila – vocês sabem que
cozinhar donuts me relaxa.
Elas sabiam. Nos últimos três meses enquanto eu tinha perdido 15
quilos elas tinham ganhado alguns por causa de todas as fornadas de donuts
que cozinhei naquele período.
– Tá, então explica direito como você pretende se vingar deles com
donuts, porque eu não estou entendendo. – a Evelyn conversava enquanto
jantava, então ela deu uma mordida no seu sanduiche enquanto falava.
– Eu vou fazer uma coisa que a mamãe costumava fazer quando a
gente era criança e aprontava alguma malcriação...
A Bê me olhava como se eu estivesse doida. Na verdade, ela me
olhou como se eu tivesse surtado outra vez. Enquanto a Evelyn me
acompanhava da tela atenta e curiosa.
– Deu até saudade dos seus donuts...
– Vocês não lembram? – suspirei – Tá, deixa pra lá, a Bê era pequena
mesmo, não tinha como lembrar, mas você Evelyn passou por isso várias
vezes junto comigo...
– Ah, não, espera. É isso que você vai fazer? – ela arregalou os olhos
– A mamãe era malvada, eu faço terapia até hoje por causa disso.
– Do que vocês estão falando eim?
– De algo que é pior do que apanhar – falou a Evelyn com suspense –
Estou falando de tortura psicológica!
– E a mãe fazia isso com a gente? – a Bê perguntou espantada.
– Fazia! – respondemos juntas, eu e a Evelyn, as mais velhas e que
aprontavam mais.
– Nossa, isso explica muito sobre esta família. – concluiu a Bê antes
de mudar de assunto – Escuta, Lari, você tem tido notícias daquela sua
amiga, a Mari?
Estranho a Bê me perguntar sobre a Mari, elas não se gostavam
muito, ainda que a Mariana fosse uma das minhas melhores amigas há anos.
Apesar de que uma melhor amiga atende quando a gente liga, não é?
Ou responde as nossas mensagens...
Já faziam três meses que eu não tinha notícias dela, o que não fazia o
menor sentido já que antes disso nós vivíamos grudadas uma na outra.
Agora eu estava morrendo de saudade e ligava pra ela pelo menos
três vezes por semana, sempre sem resposta. Não conseguia entender como
ela podia me evitar durante a pior fase da minha vida.
– Você sabe algo sobre ela? – perguntei ansiosa – Não nos falamos há
uns três meses e ela não atende a nenhuma das minhas ligações...
Percebi a Bê corar e demorar pra responder.
– Não, era só curiosidade mesmo. Vocês andavam sempre tão
juntas...
– Eu sei, estou morrendo de saudades dela, não entendo por que se
afastou...
– Nossa esse sanduiche está horrível – falou a Evelyn alheia a nossa
conversa paralela – Eiii, eu vi aquele bonitão do Lucas Silva na televisão
outro dia, parece que ele vai participar de um reality show.... não era ele que
perseguia você?
– Esse é um babado enorme, mas que eu vou ter que deixar pra outra
hora, já estou atrasada pro plantão. – então parece que a Berenice caiu em si
– Espera, então você vai envenenar o bonitão do seu chefe com esses
donuts?
– Não, claro que não. – sorri pra minha irmã – Mas vou fazer ele
pensar que sim.
Ela gargalhou.
– Essa delegacia vai ferver amanhã, mas é isso aí, mostra pra eles
quem é a Larissa!
– Não se preocupa não que eu conto tudo pra vocês no fim do dia.
– Também tenho que ir, eu tô cheia de provas para corrigir...
Então depois que desligamos passei a cozinhar e fiz uma fornada de
delicioso donuts, que ficaram bem macios e fofinhos. Os caras iam amar,
eles viviam com fome e comiam tudo que tinha na copa da delegacia, quer
fossem deles ou não (já vivi a experiência de ter o meu lanche roubado e não
gostei).
No dia seguinte acordei cheia de energia.
Adorava abrir os olhos e dar de cara com aquele apartamento lindo.
Bom, pelo menos nesta eu saí ganhando, até que olhei ao redor e fui
invadida por uma tristeza ao me lembrar do Raul, que ainda estaria
dormindo aquela hora, como grande preguiçoso que era.
Senti falta do seu bafo quente na minha cara de manhã.
Sorri.
Como será que ele estava eim? Será que estava se alimentando
direito?
Será que estava com saudade de mim?
Me arrumei rapidamente e desci para a delegacia. Como sempre os
meninos já estavam trabalhando quando eu cheguei.
– Bom dia, meninos. Trouxe uma coisa pra vocês.
Falei com o meu melhor sorriso mostrando a cesta repleta de donuts
deliciosos com coberturas variadas.
– Hum... o que você tem aí? – perguntou o Marcão interessado – É
low carb?
Ergui uma sobrancelha com ironia.
– São donuts, Marcão. Os melhores que você vai comer na sua vida!
– Hum... temos uma cozinheira nessa delegacia, finalmente! – o Luan
falou chegando mais perto – deixa eu ver esse aqui.
O Luan foi o primeiro a pegar um. Distribuiu para os outros rapazes
também que comeram rapidamente. O Marcão comeu logo dois de uma vez.
– Tá mesmo muito bom – falou o Ari – mas qual a ocasião, alguma
comemoração que não estamos sabendo?
– Hum... É que depois do que aconteceu ontem eu achei que vocês
mereciam uma coisinha...
– Você não vai querer, Lari? – Luan perguntou enquanto repetia –
Você é realmente boa nisso, garota, arrasou!
– Não, obrigada. Nada no mundo me faria comer esses donuts.
– Dieta? – o Marcão perguntou se deliciando e lambendo os dedos.
– Não, não – respondi misteriosa – Outros motivos...
Eles olharam pra mim desconfiados e eu apenas ri.
– O chefe já chegou? – perguntei inocente, levantei e coloquei alguns
em um guardanapo pra ele – Melhor levar pra ele antes que acabe, de todos
vocês ele é quem mais merece.
– O que você fez, Lari? – o Ari questionou preocupado – O que foi
que você colocou nesses doces?
– Nada, uai. Querem mais um?
– Não, obrigada... – me responderam e eu ri.
Peguei os mais bonitos e separei para o Danilindo, então bati na porta
dele, que me mandou entrar de imediato.
– Algum problema, Larissa? – perguntou sem sequer olhar pra mim.
– Problema nenhum, Dr. Eu só vim te trazer alguns donuts, os
meninos adoraram. É uma oferta de paz, aceita?
Ele me olhou bem surpreso e pareceu ligeiramente constrangido.
– Claro, aceito sim. – em seguida deu uma mordida – Foi você quem
fez? Está mesmo muito bom...
– Eu cozinho muito bem, Dr. Danilin... – mordi a língua – que bom
que você gostou. Eu vou voltar para o meu trabalho agora.
Fechei a porta atrás de mim e dei alguns pulinhos triunfante.
O Dr. Danilindo ia se ver comigo.
Voltei pra minha mesa e comecei a atender uma cidadã local que
estava ali reportando uma briga de vizinhos quando o meu chefe saiu da sua
sala e foi se servir de mais alguns dos meus saborosos donuts.
Por coincidência naquele momento a Dra. Vanessa, a amiga colorida
do Danilindo chegou na delegacia para a visita da terça.
– Bom dia, pessoal – nos cumprimentou com simpatia – Dr. Danilo
eu gostaria de discutir sobre o inquérito de um cliente com o senhor, se
possível...
– Claro, claro, pode entrar... ‘vamos discutir sobre o inquérito’... –
começou a guiar a advogada até a sua sala até que para a minha alegria ele
resolveu oferecer a ela alguns dos meus donuts – Está delicioso, a doutora
deveria experimentar.
– Melhor não! – eu me levantei e me adiantei para a frente da mesa
onde se encontrava apenas um terço dos donuts que eu tinha trazido, os
meninos comeram bastante, mas agora estavam desconfiados.
Todos me olharam com um misto de choque e incredulidade.
– Desculpa, mas a doutora não pode comer desses donuts.
– Deixa de ser ridícula, Larissa, aprende a dividir, você está fazendo
feio na frente da doutora... – o Danilo chamou a minha atenção, mas eu nem
liguei, estava adorando aquele showzinho.
– Não me leva a mal, Dra. Vanessa – falei baixinho em confidência,
mas é claro que eles todos ouviram – mas você não vai querer comer desses
donuts, acredite em mim.
– Você está querendo dizer que tem alguma coisa errada com eles? –
o Danilindo estava chocado, principalmente porque estava segurando um
donut pela metade naquele momento.
– Ah, gente, isso está me deixando nervoso – o Luan falou
levantando e jogando o pouco que sobrara dos donuts no lixo – Pronto, agora
ninguém mais come esses donuts amaldiçoados.
– Espera, vamos resolver isso agora – o Ari falou – o que tem no
doce, Larissa?
– Você está tentando envenenar a delegacia, porra? – o Danilindo
estava bravo.
– Mas que merda, eu tô começando a ficar enjoado... – o Marcão
falou ao mesmo tempo.
– É claro que não! São só donuts. Donuts normais, com cobertura de
chocolate, de brigadeiro, tinha um de canela também que era uma delícia... –
me defendi adorando colocar fogo no parquinho – Por que, você está
sentindo alguma coisa, chefe?
Nossa, o Danilindo estava furioso. Ele começou a ficar vermelho,
prestes a explodir.
– Fala logo o que tem nessa porra desses donuts!
– Calma, não precisa gritar! – falei séria, sem perder o equilíbrio
emocional, eu era policial, sabia lidar com situações de alta pressão – Tem
farinha, ovos, manteiga, essência de baunilha, eu também uso leite, mas se
tiver alguém com intolerância a lactose eu recomendo que você use leite de
amêndoas ou algum outro vegetal... – fui reduzindo a voz, bastante satisfeita
– eu posso te mandar a receita por e-mail se você quiser...
– O quê? – perguntou cético e irritado.
Respirei fundo para o meu desfecho dramático. Peguei a cesta que o
Luan tinha colocado no lixo e recuperei. Segurei um donut com cobertura de
brigadeiro branco e antes de dar uma mordida nele eu falei triunfante
adorando aquele momento.
– Sabe, Dr. Danilo, Ari, Marcão e Luan, não tem absolutamente nada
de errado com esses donuts – eu confessei enquanto dava uma mordida,
hum, estava mesmo delicioso – mas tem algo de errado com vocês se
acharam que poderiam fazer trote comigo sem receber nada em troca.
Eu sorri e o queixo do Danilindo quase bateu no chão.
Ouvi de imediato a gargalhada do Ari.
– “Eu tô ficando enjoado” – falei com uma voz infantil debochando
do Marcão – Fala sério, Marcão!
Ele ficou sem graça e o meu chefe continuava me olhando em
silêncio enquanto os outros comentavam e riam.
– Menina, você não é brincadeira eim – o Luan quem comentou –
ainda bem que não tinha nada no donut, por que eu adorei, comi uns quatro e
quero mais, eu que lute pra queimar tudo na academia mais tarde...
– Eu acho melhor voltar outro dia – falou a advogada. Eu quase tinha
esquecido que ela continuava ali nos olhando com incredulidade como se
fossemos um bando de crianças.
No fundo acho que éramos mesmo.
Bom, eu era, um pouquinho.
– Mas e o inquérito do seu cliente? – perguntou o Danilindo
abandonado...
– Fica pra semana que vem...
Observei a moça ir embora ainda encostada na minha mesa. Não
pude deixar de me sentir triunfante quando o Dr. Danilo me olhou
aborrecido e deu meia volta pra sua sala batendo a porta com mais força do
que o necessário.
Hoje ia ser mais um dia que o Danilindo ia ficar na mão, mas dessa
vez ele tinha aprendido uma lição importante comigo. Agora ele sabe que se
quiser brincar comigo vai ter que lidar com as consequências. Eu já estava
no fim do mundo mesmo, então não me importava com mais nada.
Para abraçar o sol e fechar os olhos
Para falar de amor, deitar em seu colo
Vim de outra cidade, eu sou da estrada, sou rosa
Rosa no céu azul, te beijei os ombros
Você que me contou sobre os seus assombros
Assombros de amor de lá do fundo do seu mar
A Cor é rosa, Silva
O dia estava uma merda. Já tinha sido trolado com um donut e mais
uma vez fiquei sem a visita da Dra. Vanessa. Tudo por culpa da peste da
Larissa.
Quantas vezes mais aquela garota iria atrapalhar os meus encontros?
Olhei para a secretaria pelo vidro fumê, os agentes sempre se
esqueciam que ele estava ali, mas eu ficava de olho sempre, gostava de ficar
bem informado. A dinâmica do grupo era bastante previsível, o Ari falava
no telefone resolvendo algum pepino com alguém da família. O Marcão
conferia boletins de ocorrência no sistema, ou algo assim, enquanto o Luan
zapeava em um portal de notícias.
Já a Larissa, a única pessoa na sala que ainda era um mistério para
mim, estava atendendo a uma senhora e parecia muito interessada no que ela
tinha a dizer. Eu diria até que ela estava se divertindo com o assunto da
conversa.
Maldita a hora que eu concordei em receber aquela garota. Ela me
irritava tanto que até a sua risada me incomodava.
Entediado fui até a copa em busca de um pouco de café, o expediente
já estava acabando e eu não via a hora de voltar para a minha casa na capital,
afinal, depois do encontrinho malsucedido com a Vanessa, eu acabei
marcando um encontro de verdade com uma moça com quem já vinha
conversando há alguns dias em um aplicativo de namoro.
Bom, de uma forma ou de outra eu ficaria com alguém hoje.
Abastecido com um pouco de café, mas desejando uma boa cerveja,
eu observei mais uma vez aquela garota que estava mudando toda a
dinâmica da minha delegacia. Tentei pensar em algo para provoca-la, chamar
a sua atenção, mas nada me ocorreu, o que só serviu de alerta ao meu
subconsciente de que era melhor me livrar dela o quanto antes.
– Larissa? – falei encostado na parede, não só ela como todos
voltaram os olhos para mim – Amanhã quando chegar pode ir direto para a
sala de interceptações telefônicas, lá nos fundos. Você vai passar o resto da
semana lá...
Observei seus olhos antes curiosos se apertarem aborrecidos e gostei
da satisfação que isso me deu. Maltratar a Larissa era mesmo divertido,
apesar de que eu tinha que ficar atento para não ultrapassar os limites
funcionais.
Dei as costas e ouvi ela comentar antes que eu fechasse a porta da
minha sala.
– Parece que o chefe me colocou de castigo...
Não esperei para ouvir a resposta dos demais. Recolhi as minhas
coisas e aproveitei pra ir embora mais cedo, afinal, eu tinha um encontro
aquela noite e uma viagem de 2h no caminho entre eu e a moça.
Depois de uma viagem longa, com direito a engarrafamento na
entrada da cidade, eu consegui chegar ao restaurante japonês onde combinei
de encontrar a jovem. Seu nome era Natália, e ela era um espetáculo, muito
loira, bronzeada e com cara de filhinha do papai. Infelizmente não era lá
muito inteligente o que tornava a conversa superficial, maçante, ela estava
na faculdade de direito e ainda era bancada pelos pais.
Mas eu não estava procurando um relacionamento, então pouco
importava se ela era tão profunda quanto um copo d’agua. Conversamos
trivialidades, até que depois de algum tempo de papo eu comecei a achar a
sua aparência um tanto familiar, embora ela tenha dito que nunca nos
encontramos antes. Mas uma vez que eu ficava desconfiado era difícil
desligar.
Bom, jantamos e conversamos a noite inteira. Não sei se teríamos
assunto para um segundo encontro, mas por hora estava valendo. Depois do
jantar aproveitei pra convidar a moça pra tomar um vinho lá em casa e quem
sabe esticar para a sobremesa.
Ela era a sobremesa.
Ela aceitou sem muita insistência, para a minha alegria, abriu um
sorriso e aceitou de cara a minha oferta. Bom, não conversamos muito
depois disso, ficamos ocupados com coisas mais interessantes.
A companhia foi ótima por umas horas e o que se seguiu depois lá
em casa foi ainda mais interessante, no entanto fiz de tudo para que ela não
passasse a noite e logo me ofereci para levar a garota em casa para que eu
pudesse apurar melhor de onde vinha essa minha desconfiança. É claro que
eu deveria ter feito isso antes de ficar com ela e não depois. Mas a Larissa
tinha me atrapalhado tanto naquele dia que eu estava carente de uma atenção
feminina.
Bom, eu era delegado de polícia, investigar estava na minha veia,
além disso, alguns minutos depois de ter deixado ela em casa eu recebi a
notificação de que a garota tinha começado a me seguir no instagram.
Vasculhei toda a rede social da Natália que a princípio parecia
inofensiva, até eu rolar a página até algumas fotos mais antigas que
mostravam de onde eu já tinha visto aquela garota.
Ela era, ou já tinha sido, não sei bem, namorada do sobrinho do
governador. Aquele mesmo filho da puta que eu prendi há alguns anos por
tráfico de drogas. O mesmo caso que me fez ser transferido para a delegacia
do interior.
Eu sabia que já a tinha visto, eu sempre reparo nas garotas bonitas,
tanto quanto elas reparam em mim em qualquer ambiente fechado. Ela
estava presente durante o julgamento do garoto, tinha me visto prestar
depoimento e sabia quem eu era quando me encontrou hoje.
Fiquei furioso, não acreditava que tinha jantado com a namorada de
um criminoso em um restaurante lotado depois de ter colocado o filho da
puta na cadeia e ainda estar sendo punido institucionalmente por isso.
Entrei em casa e busquei uma mala dentro do guarda-roupa. Já fazia
um tempo que eu não ficava no apartamento lá de Lourdes e aquele me
pareceu um ótimo momento para retornar, passar uns dias fora da cidade era
a melhor ideia que eu poderia ter àquela hora da noite. Eu tinha que parar de
me colocar nesse tipo de situação, ainda mais envolvendo pessoas que já
prendi...
Aquela não havia sido a primeira vez que eu ficava com uma garota
envolvida com alguém que eu já havia prendido. Era fácil, bastava analisar
os números, eu já tinha prendido bastante gente e ficado com muitas
mulheres, uma hora as coincidências iam começar a acontecer.
Mas algo me diz que o envolvimento com essa Natália não era mera
coincidência.
Recebi uma mensagem no aplicativo:
Natália: Adorei o nosso encontro e já penso em repetir...
Bom, Natália, se depender de mim a gente nunca mais vai se ver...
Bloqueei o contato antes que isso me envolvesse em mais confusão e
desinstalei o aplicativo. De mala cheia, peguei as chaves do carro e me
apressei em direção ao interior para mais duas horas de viagem na estrada...
Eu ficaria afastado por um tempo, até garantir que qualquer um que
pudesse ter me visto naquele restaurante com a namorada de um presidiário
esquecesse essa mancada.
E se o vento hoje sopra a seu favor
Eu não guardarei rancor
Acho que sei perder
E não será a primeira vez
Hoje é você, amanhã será quem for, for
Serei um bom perdedor
E meu mundo não vai mudar
Até que alguém ocupe o seu lugar
Um Bom Perdedor, Bruno e Marrone
Larissa
Eu passei o final de semana agindo como a noiva mansa do chefe da
quadrilha. As pessoas não podiam encostar em mim, mas isso não as
impedia de serem hostis em cada oportunidade.
O roubo, ou operação, como eles chamavam, não aconteceu naquela
noite, nem nas que seguiram. O assunto do momento era como o Renan
casaria com uma policial. Enquanto isso eu via as mulheres da família
planejando o meu casamento sem me envolver muito, fingindo que estava
emocionada nos momentos certos e tentando ouvir o máximo de informação
possível para quando fosse resgatada.
Se é que eu seria encontrada naquele lugar ermo, mas eu só poderia
ter fé.
Danilo
Com os mandados de prisão e busca e apreensão eu já tinha material
suficiente para convencer meus colegas delegados a me darem apoio nesta
operação. Eu também pedi o apoio da polícia militar da região, ao todo
conseguimos reunir quarenta homens que partiriam em comboio direto para
a Fazenda Pontal do Rio, onde a Larissa se encontrava mantida refém e viva.
Pelo menos era o que eu mais esperava. Mas a movimentação do
Raul pelo lugar mostrava que ele estava bem, então ela também estava.
Apesar de tudo eu acreditava que o Renan protegeria a minha garota do resto
da sua família.
Larissa
Eu me sentia impotente.
Sem minha arma, sem meu celular eu não poderia me defender, nem
entrar em contato com ninguém, imagina quando eu contasse isso pras
minhas irmãs, elas diriam que eu era digna de uma novela colombiana.
– Está triste, meu amor? Não está sendo como você queria?
Não, não e não.
– Sinto falta das minhas irmãs. Queria que elas pudessem estar
presentes nesse momento e elas nem ao menos sabem que eu vou me casar.
– Você sabe que eu só posso devolver o seu celular depois do
casamento, depois que a confiança da família estiver estabelecida.
– Eu sei, mas eu não saí de casa naquele dia pensando que de repente
ia ficar isolada do mundo, sem contato com ninguém, eu não estou
acostumada com isso.
– Relaxa e aproveita o momento. Você é a noiva da vez, esse é o
momento mais importante da sua vida. Das nossas vidas! Logo estaremos
casados, você acredita?
Não mesmo.
– Incrível as surpresas que a vida nos traz.
Danilo
A noite tinha caído e nós partimos em comboio em direção a
fazenda. Estávamos armados até os dentes. Como assaltantes a banco nós
sabíamos que eles possuíam armamento pesado, até mesmo explosivos.
Então conosco levávamos também uma equipe do esquadrão antibombas.
Eu seguia na frente, por seguir a direção do GPS. Estava muito
ansioso, por baixo da minha camisa preta e do colete eu suava bastante.
Tinha medo que houvesse confronto e perdas, não queria que a Larissa se
machucasse, afinal ela não sabia dos nossos planos ou da nossa operação e
poderia ser encontrada em algum momento ruim ou ser feita de refém.
Pelo GPS nós já estávamos chegando, já dava pra ver algumas luzes
então desligamos os faróis e seguimos com o plano.
Larissa
Era chegado o momento.
Lá estava eu vestida com um vestido de noiva que eu não escolhi em
um casamento em que não gostaria de estar. Eles tinham feito um ótimo
trabalho com a decoração, o lugar estava cheiro de flores. Chamaram um
Padre para celebrar o casamento. Eu não sei até que ponto este Padre sabia
das atividades daquela família, mas ele parecia ser alguém de confiança da
avó do Renan.
Será que ninguém tinha notado que eu tinha faltado no trabalho hoje?
Pelo visto os meus amigos não eram tão meus amigos assim, eles deveriam
ter percebido que havia algo de errado.
O Danilo não pode achar que eu faltei por pura birra depois da nossa
briga.
Eu estava lá no caminho da noiva, acompanhada pelo Raul, com
todos de pé diante da marcha nupcial. Na minha frente um homem com
quem eu não queria me casar e o tempo todo eu só pensava no Danilo. Em
quanto ele estaria lindo se fosse ele ali de pé no lugar do Renan.
Caminhava lentamente quando ouvi um barulho que chamou a
atenção de todos.
Danilo
Nós atropelamos a porteira da fazenda em grande velocidade,
fazendo com que os portões de madeira voassem e amassando a lataria da
picape 4x4 que eu estava dirigindo.
– Parece que estão fazendo um casamento – falou o Marcão do meu
lado
– Mas que porra...
Rapidamente nós invadimos a fazenda e enchemos o campo com
veículos da polícia. Os policiais saíram rapidamente rendendo cada pessoa
que passava na frente.
Cercamos a área onde acontecia o casamento e lá estava a Larissa
vestida de noiva segurando a guia do Raul. Ela estava linda, perfeita em seu
vestido. Mas não demorou para que a família do noivo percebesse o que
estava acontecendo e sacassem as suas armas em uma troca de tiros contra a
polícia. A Lari sabidamente se jogou no chão e agarrou o Raul.
Larissa
Eu caminhava em direção ao meu destino quando ouvi um barulho
alto e de repente tudo mudou e assim o casamento se transformou em um
verdadeiro caos. A polícia invadiu a cerimônia e rendeu todos as pessoas que
estavam na fazenda, até que os primos do Renan sacaram as suas armas e
começaram uma violenta troca tiros com a Polícia.
Rápida e conhecendo o potencial lesivo daquela operação eu me
joguei no chão e puxei o Raul pra baixo, a última coisa que eu precisava
depois de sobreviver aquele final de semana era levar um tiro.
A Cerimônia se desmontou por inteiro, algumas pessoas se
abaixaram assim como eu enquanto outras atiravam contra a polícia. Em
silêncio rezei para que nem o Danilo, nem nenhum dos meus amigos fossem
atingidos.
Continuei abaixada e por um tempo eu só ouvi o barulho da troca de
tiros. Era assustador fazer parte daquilo sem estar armada, nem protegida
com um colete. Eu me sentia completamente vulnerável.
Com um tempo a situação foi se acalmando e o barulho de tiros foi
diminuindo.
Eu respirava fundo tentando manter a calma quando alguém me
puxou abruptamente.
Danilo
O cenário que encontramos quando invadimos a fazenda era bem
diferente do que imaginávamos. Primeiro, estava acontecendo um
casamento. Segundo, tivemos a sorte de encontrar todos os suspeitos
reunidos no mesmo lugar. Terceiro, o casamento era da Larissa com o Renan
o que me deixou chocado de início.
Em poucos segundos a situação evoluiu para uma troca de tiros o que
muito me preocupou já que a Larissa, apesar de linda naquele vestido, não
estava protegida, mas ela foi inteligente o bastante para se jogar no chão
juntamente com o Raul.
Os tiros duraram apenas alguns segundos, mas pareceram ter durado
horas. Éramos numerosos, então alguns policiais acabaram se ferindo, mas
nada muito grave já que estávamos preparados com capacetes e coletes a
prova de balas. Atingimos alguns suspeitos e outros se renderam quando
perceberam que morreriam se continuassem resistindo.
Eu tive o prazer de prender o Renan. Eu nunca tinha ido com a cara
dele. Ele ficou calado ciente dos seus direitos, mas o seu olhar para mim era
de puro ódio. Também notei que ele procurava a Larissa com os olhos, ela
ainda não estava a vista. Tão logo entreguei ele algemado para o Marcão eu
voltei para procurar a Lari e a encontrei no chão agarrada ao Raul.
Não pude me conter e a puxei com violência para um abraço. Ela
estava viva e eu aliviado.
Larissa
Era o Danilo. Ele me abraçava e me beijava angustiado, feliz em me
ver e preocupado também.
– Você está bem? Está ferida? – perguntou com as mãos segurando a
minha cabeça como se eu fosse uma boneca delicada.
– Acho que você acabou de quebrar uma ou duas das minhas costelas
– então sorri pra ele retribuindo o abraço e o beijo que se seguiu. – Você
veio! Você veio!
– É claro que eu vim, eu faço tudo por você, Larissa.
O Raul então começou a lamber o Danilo de felicidade.
– Então você cuidou da nossa garota, não foi carinha?
Já pra mim, ele disse:
– Quer dizer que eu deixo você sozinha por cinco minutos e você se
casa!
– Pra alguém que diz que me ama você demorou muito pra vir me
salvar. – suspirei – mas eu sabia que você viria. Sabia que nos salvaria!
Como nos encontrou?
– Esse carinha aqui me ajudou bastante – ele apontou para o Raul,
então me mostrou – Eu instalei um GPS na coleira dele.
– Você sabia que mais nada me separaria dele.
– Está tudo bem agora, Lari. – então me beijou mais uma vez e eu
retribui com todo o meu amor. – Eu tô aqui.
Todo o amor que eu tentei fingir que não existia.
– Você ia mesmo se casar com ele? – perguntou inseguro.
– Eu ia. – falei e senti a sua insegurança aumentar – Eu faria o que
fosse preciso para continuar viva até que você nos encontrasse. Além disso,
de nada valeria, eu ainda sou casada, lembra?
– Aquele seu marido tinha mesmo que servir pra uma coisa.
– Mas olha ao redor. – falei admirando o local e a decoração – seria
um casamento lindo se fosse de verdade – então completei – Pena que o
noivo era um criminoso.
Sorri.
– Você ainda pode se casar de novo se quiser, quer dizer, depois do
divórcio – falou o Danilo acanhado como eu nunca vi desde que o conheci –
Eu não me importaria.
Arregalei os olhos
– Quem é você? Cadê aquele Danilo galinha e meio babaca que eu
conheci há alguns meses?
– Ele não existe mais Larissa. Agora só existe esse cara aqui, que é
louco apaixonado por você. Que invadiria mil casamentos se fosse
necessário.
– Você está mesmo falando sério? – perguntei ainda em choque.
– Eu nunca falei tão sério na vida. Você é tudo que eu mais quero e
amo neste mundo. Eu quase morri quando achei que você tinha escolhido
ele.
– Ele nunca teve a menor chance, sempre foi você, desde o primeiro
dia. Eu só não queria aceitar, porque tive medo.
– Eu também estou com medo – ele falou.
– Não precisa. Eu também te amo, seu bocó. Amo o cara que assiste
as novelas comigo, que bebe a minha cerveja, que trata a equipe como se
fosse uma família. Eu te amo.
Ele me deu o beijo que eu tanto ansiava. Os primeiros foram
desesperados, beijos de reencontro. Mas esse era um beijo consciente de sua
reciprocidade. Era um beijo de amor.
Avaliei a destruição e a bagunça enquanto os outros policiais iam
levando os suspeitos para a delegacia.
– Ah, tem uma coisa que eu queria te contar. – falei animada, ciente
de que isso massagearia o ego do Danilo – A cidade de Lourdes não foi
assaltada não foi pra não levantar suspeitas do quartel general da quadrilha,
como imaginava.
– Não? – o Danilo ficou curioso.
– Não, meu amor. Eles não assaltaram o banco de Lourdes porque
morrem de medo de você. Eles não queriam ser investigados pelo delegado
que prendeu o sobrinho do Governador.
Os olhos do Danilo se arregalaram e ele sorriu satisfeito.
– Você tá sabendo né que seu namorado é um cara foda!?
– A sua namorada também não está muito atrás. Dizem que ela é do
caralho.
O amor que sinto por você
É o maior e o mais lindo que existe
E não há nada pra comparar
Dentro e fora do mundo que eu sinto por você
O meu coração, cheio de paixão
Grita teu nome onde quer que eu vá
Sonho com você, choro por você
Porque eu nasci pra viver com você
Cúmbia do Amor, Joelma
– Você precisava mesmo trazer o Raul para o nosso aniversário?
– Mas é claro! Foi ele quem uniu a gente, de certa forma...
Estávamos no deque do Pontal do Rio o melhor restaurante de
Lourdes.
– Há quanto tempo mesmo, três anos?
– Dois! Como você pode não saber!
– É que eu fiquei meio na dúvida se aquele começo conta...
– Não conta! Você dormiu comigo e com três quartos das mulheres
do município e regiões.
– Eiii!!! O passado não importa! – me repreendeu – Se eu me lembro
bem você estava com o chefe da quadrilha de assalto a bancos da região do
São Francisco.
– Ah, o Fazendeiro... como será que ele está eim?
– Na cadeia, bem longe daqui.
– Tá com ciúmes é?
– Meu amor, você tinha um péssimo gosto para homens.
– Que melhorou bastante depois que eu te conheci...
– Bom, eu te trouxe aqui por um motivo. – ele falou todo sério – Eu
tô pronto!
– Ah não! Não, não, não! – eu até tive um deja vu – Você não vai
terminar comigo agora, eu te proíbo!
– Terminar? Você está louca? Não quero terminar de jeito nenhum!
Respirei aliviada.
– Que bom, porque eu não ia acreditar que você ia fazer isso na
frente do Raul.
Olhamos juntos para o Raul, deitado ali alheio a nossa conversa, tão
inocente.
Então o Danilo começou a pigarrear, o que era estranho já que ele
tinha parado de fumar desde que resolveu me conquistar.
– O que eu realmente quero é o contrário de terminar...
– Ah é? – incentivei a seguir em frente.
– Eu, hum... acho que nós já podemos... hum... nos casar!
– O QUÊ? – meus olhos arregalaram quase saltando das orbitas
– É isso mesmo – então ele se ajoelhou! O Danilo se ajoelhou, por
minha causa, eu estava pasma com tudo isso. – Você quer se casar e ter
vários filhos comigo?
Então eu me ajoelhei e o abracei falando baixinho no seu ouvido.
– É tudo que eu mais quero nessa vida.
Fim.
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About The Author
Tes Santos
Advogada, funcionária publica e escritora no tempo livre, a autora Tes
sempre amou escrever romances, desde os 14 anos quando escrevia suas
histórias com lápis e papel.
Seu sonho é que seus romances alcancem cada vez mais pessoas que possam
se divertir com as suas palavras, por isso esse é o terceiro de muitos
romances que vem por aí
Books By This Author
Corações em Trilha
O vale do Pati é conhecido como um dos trekkings mais bonitos do Brasil,
com trilhas desafiadoras e bem isolado da civilização. É nesse cenário
selvagem e paradisíaco que Matt Dupont sofre um acidente e desaparece.
Depois de oito meses de buscas sem resultados a sua família anuncia uma
recompensa milionária para quem conseguir encontrá-lo, o que desencadeia
uma busca desenfreada no Pati.
Tudo o que a blogueira Maria Ferreira queria era uma boa trilha e um pouco
de paz para tomar uma decisão importante, mas as buscas pelo francês
transformaram seu lugar preferido em um caos. Já a jornalista Laura acaba
caindo (figurativa e literalmente) nessa confusa busca ao substituir um
colega na cobertura dessa matéria, o que ela não imaginou é que iria se
deparar com sua ídola (a Maria Ferreira) e com o demônio de alhos azuis
que arruinou seus tempos de faculdade de forma irremediável.