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Foi nosso jantar à luz de adeus

Nossa despedida de casal


Ela terminou sem derramar nenhuma lágrima
E eu ainda não digeri esse final
Despedida De Casal, Gustavo Mioto

Eu dei uma última olhada no espelho retrovisor antes de sair do carro.


Ajeitei a franja e passei as mãos nos cabelos castanhos e cumpridos,
alinhando os fios bagunçados pelo vento no caminho de casa até aqui.
Já estava alguns minutos atrasada. Planejei sair mais cedo do trabalho,
mas no fim tive que ficar até mais tarde para autuar algumas prisões em
flagrante que haviam aparecido na delegacia no último minuto. O resultado:
um atraso de quase meia hora no meu encontro com o Rodrigo, que já estava
me esperando há bastante tempo. Ele nunca se atrasava.
Caminhei apressada em direção ao nosso restaurante favorito. Os saltos
me incomodavam, mas era o preço a se pagar pelo visual daquela noite. Eu
usava um vestido vermelho de um ombro só que ia até os joelhos, mas
conforme eu caminhava o vestido ia subindo pelas minhas coxas, me
fazendo puxá-lo para baixo o tempo todo.
Empurrei as familiares portas de vidro e entrei no restaurante. Era o
nosso aniversário de cinco anos de casamento. Já estávamos juntos há oito
anos e sempre comemoramos nossas datas especiais ali.
O Rodrigo estava sentado em uma mesa de frente para a janela e mexia
distraído no celular, ainda não tinha me visto chegar. Ele estava lindo, usava
um terno cinza claro com um ótimo corte e uma gravata azul. Ele sempre
teve bom gosto para roupas. Sorriu quando finalmente me viu se aproximar.
Eu tinha muitas expectativas para aquela noite. Passei a semana
pensando sobre como falaria para o meu marido que eu estava pronta e
queria que nós começássemos a tentar engravidar. Nós nunca conversamos
abertamente sobre esse assunto, mas em alguns momentos ele dava a
entender que não gostava de crianças e que não desejava ter filhos.
A minha vida estava ótima, quase perfeita, se assim pudesse dizer. Eu
tinha um casamento maravilhoso com um homem incrível, estava feliz com
o meu trabalho como agente de polícia civil, mas tinha acabado de completar
trinta e dois anos e já vinha sentindo há um tempo que queria começar a ter
os meus bebês. Eu finalmente estava pronta, mas preocupada com o
desinteresse do Rodrigo em aumentar o tamanho da nossa família.
Eu o cumprimentei com um beijo nos lábios e sentei na cadeira a sua
frente. Ele já bebia uma taça de vinho e eu pude sentir o sabor das uvas no
seu beijo.
– Feliz aniversário para a gente! – falei animada.
–Você demorou.
– Eu sei, desculpa, no último minuto apareceram alguns presos em
flagrante para autuar e a Mari já tinha ido embora – segurei a mão dele que
estava sobre a mesa – Mas eu estou aqui agora, pronta para comemorar.
Rodrigo desviou os olhos de mim para o celular que começou a tocar.
Ele era promotor de justiça há alguns anos, era muito dedicado, trabalhava
bastante, as vezes até tarde da noite e estava sempre no celular.
– Ah, não amor, nada de trabalho hoje, é nosso aniversário.
– Eu sei, Lari, mas pode ser importante – ele se levantou para atender,
deu um beijo no topo da minha cabeça – Vai ser rápido, eu prometo – falou
antes de se afastar.
Enquanto ele falava ao telefone eu aproveitei para pedir ao garçom uma
cerveja. Se os meus planos para aquela noite dessem certo essa seria uma das
últimas cervejas que eu tomaria nos próximos meses.
Depois de alguns minutos de conversa o Rodrigo voltou para a nossa
mesa parecendo aborrecido.
– Pronto, chega de trabalho por hoje...
–Aconteceu alguma coisa? Você parece chateado... – perguntei olhando
o cardápio.
–Está tudo bem, só é chato ser incomodado com o trabalho enquanto eu
estou aqui com você, na nossa noite – ele segurou a minha mão,
entrelaçando os nossos dedos –Você está tão linda...
Sorri. O garçom se aproximou da mesa com a minha cerveja e
perguntou se já estávamos prontos para pedir. O Rodrigo pegou o cardápio e
começou a fazer os nossos pedidos.
– O que você acha de um ceviche de salmão para a entrada, Lari, é
pouco calórico.
Concordei com um aceno. O Rodrigo estava sempre tentando me
convencer a fazer dieta, ele era muito preocupado com a alimentação e com
o corpo, malhava bastante e era acompanhado por personal trainer e
nutricionista, enquanto eu vivia cheia de fome, morria de preguiça de me
exercitar e estava um pouco acima do peso.
– Então, quatro anos, eim... – ele falou e eu apertei os olhos para ele em
desafio – Isso merece um brinde, você não acha?
– Quatro anos, tem certeza? São cinco anos, Rodrigo! – reclamei de
brincadeira e ele riu erguendo a taça de vinho.
– Espera, você não pode brindar com cerveja.
– É claro que posso, deixa de ser chato!
– Você se lembra da primeira vez que a gente veio aqui? – me
perguntou meio nostálgico.
Sorri.
– Se eu me lembro? Como eu poderia me esquecer se naquele dia você
me convenceu a transar com você no banheiro do restaurante, eu fiquei com
vergonha de voltar aqui por um tempão.
Ele deu uma gargalhada.
– Te convenci, mas você bem que se divertiu.
– Ah, foi legal, mas você sabe que eu morro de vergonha dessas coisas
– ao olhar para a cara sonsa do meu marido logo percebi que ele tentaria me
convencer a repetir a aventura. – Não, de jeito nenhum! – me antecipei – A
gente não tem mais vinte e quatro anos.
–Tem certeza? É nosso aniversário, a gente pode fazer o que quiser... e
a comida ainda vai levar um tempo para chegar...
–Você é louco! A gente vem aqui há oito anos, todos os funcionários já
conhecem a gente, Rodrigo – não pude deixar de sorrir. Ele começou a
encostar a sua mão na minha por baixo da mesa para me provocar e eu ri
baixinho.
Tomei um gole da minha cerveja para dar coragem.
– Sabe, eu tenho mesmo que ir até o banheiro retocar o meu batom –
Levantei da mesa, bebi mais um pouco da cerveja e caminhei rebolando até
o banheiro feminino do restaurante.
Me olhei no espelho enquanto esperava pelo Rodrigo, apesar do medo
de ser descoberta, os meus olhos castanhos brilhavam de empolgação. Não
demorou muito até que ele abrisse a porta que eu tinha deixado destrancada.
...
– Obrigada, a comida estava deliciosa – falei para o garçom mais tarde
naquela noite, após pagarmos a conta.
– O que você acha da gente dar uma caminhada antes de ir? – sugeriu –
Quero conversar com você sobre uma coisa importante.
A noite estava sendo maravilhosa, conversamos e nos divertimos
bastante no jantar, mas eu ainda não tinha tido coragem de falar com ele
sobre uma possível futura gravidez, estava adiando com medo de como ele
reagiria, mas agora parecia ser o momento perfeito.
– Eu também quero falar com você – falei com o coração acelerado
quando começamos a caminhar devagar pela orla, em direção ao
estacionamento no sentido oposto ao restaurante.
– Ah é? – ele sorriu, mas algo mudou no seu olhar e o Rodrigo
começou a parecer nervoso, então ele segurou o meu braço e parou. –
Larissa, você é uma mulher incrível, tem sido uma companheira e tanto
nestes últimos oito anos...
– Foram ótimos mesmo... – falei sorrindo amorosa para o homem da
minha vida.
– Eu tenho pensado bastante sobre nós nas últimas semanas, sobre o
nosso relacionamento e... e sobre o nosso futuro. – Ele falou e eu senti uma
fagulha de esperança se acender. Talvez eu estivesse errada sobre a falta de
interesse do Rodrigo em ter filhos. Talvez esse tempo todo ele estivesse
pensando o mesmo que eu.
Respirei fundo.
– Então tem algo que preciso te dizer e eu não posso mais adiar...
–Amor, o que está acontecendo? Você sabe que pode me falar qualquer
coisa.
–Eu sei, você é maravilhosa, Larissa.
–E talvez eu queira a mesma coisa que você... – sorri timidamente
dando a oportunidade para que ele falasse, já que ele tinha tomado a
iniciativa.
– Hmm, não sei se é o caso, mas como dizer isso...
Eu estava muito feliz e estava adorando a nossa noite, mas o Rodrigo
estava nervoso e a sua expressão logo mudou, ele parecia, sei lá,
envergonhado...
– Larissa, eu quero o divórcio.
A partir dali tudo mudou.
Existirá, em todo porto tremulará
A velha bandeira da vida
Acenderá, todo farol iluminará
Uma ponta de esperança
E se virá, será quando menos se esperar
Da onde ninguém imagina
A cura, Lulu Santos

Três meses depois que o Rodrigo me pediu o divórcio, eu me


encontrava olhando para uma pequena delegacia localizada no município de
Lourdes, lá no interior, há duas horas de viagem da capital.
A delegacia ficava em frente à praça principal da cidade. Ainda era
cedo, então não havia muito movimento. As casas e estabelecimentos ao
redor, assim como a delegacia tinham uma arquitetura antiga, com muitas
portas e janelas em estilo colonial. A cidade era familiar, muito parecida
com o interior onde eu tinha sido criada junto com as minhas irmãs.
É engraçado como eu passei a minha adolescência toda querendo fugir
de uma cidade como essa e no fim das contas, com trinta e dois anos, uma
separação e quinze quilos a menos eu tinha sido transferida justamente para
um lugar como esse. Parece que eu regredi na vida, logo depois de ter
conquistado quase tudo o que eu mais desejava.
Não pude deixar de lembrar daquela última noite...
–Você o quê?
– É isso, Larissa, o nosso casamento acabou.
–Não! Nós estamos bem! – Eu disse ainda em choque – É nosso
aniversário, eu ia conversar com você sobre a gente ter um bebê, o nosso
casamento não acabou!
Ele então me olhou com pena e me doeu ser a destinatária daquele
olhar.
– Filhos? Você sabe que eu nunca quis ter filhos. Eu deixei claro para
você desde o início, achei que você tinha entendido, filhos nunca estiveram
nos meus planos – continuou, zangado.
Olhei para ele confusa. Nada fazia sentido. Nós estávamos em um
encontro ótimo, nos divertimos bastante naquela noite, não poderia ser o fim.
– Eu não estou entendo, nós estávamos bem até alguns minutos atrás, o
que mudou de lá pra cá?
– Era uma despedida, Larissa, acabou.
Uma despedida, pensei.
Depois de terminar comigo o Rodrigo já não parecia mais nervoso.
Não, ele estava calmo, seguro de si, tinha absoluta confiança na decisão que
tinha tomado. Enquanto isso eu sentia o mundo cair sob os meus pés,
completamente paralisada.
– Mas... – tentei dizer – Você não me ama mais, é isso?
– Isso não se trata de amor, Larissa, cresça.
– Se não se trata de amor, se trata de quê? Você é meu marido, não pode
acabar com um relacionamento como o nosso dessa maneira! – as lágrimas
começaram a cair sem nenhum controle. – Nós temos uma vida juntos,
Rodrigo...
– Agora cada um vai seguir o seu caminho, você vai ficar bem, eu tenho
certeza.
Como ele poderia ser tão frio comigo depois de oito anos juntos? Eu
não estava mais reconhecendo aquele homem. O resto da noite se passou
como um borrão na minha mente, sem que eu pudesse fazer muita coisa a
respeito.
Sem condições de dirigir, o Rodrigo me levou para casa. Quer dizer, eu
pensei que ele estava me levando para a nossa casa, até que ele estacionou
na frente do prédio em que a minha irmã morava.
– Você vai ficar com a Evelyn, eu deixo as suas malas aqui amanhã.
– O que você está dizendo? Eu não vou ficar aqui. Me leve para casa,
Rodrigo.
– Aquela não é mais a sua casa, Larissa – falou em voz baixa – Preciso
que devolva as chaves agora, amanhã eu passo aqui e trago todas as suas
coisas.
– Você não pode estar fazendo isso comigo... – choraminguei – Há
algumas horas atrás nós estávamos bem, felizes, nos divertindo... o que
aconteceu?
– Eu não vou ficar aqui me repetindo para você, isso também não está
sendo fácil para mim.
– Se não está sendo fácil, não faça! Seja qual for o problema, nós
podemos resolver! – no fundo eu ainda tinha esperança de que o que quer
que estivesse passando pela cabeça dele, mudasse. Ninguém termina um
relacionamento de anos assim, de uma hora para a outra. Não fazia sentido.
– Eu preciso, não tenho muita escolha... Não estava dando certo de toda
forma.
Olhei pela janela, tinha começado a chover.
– Não estava dando certo? Como você pode falar isso na minha cara
depois da gente transar no banheiro do restaurante!
Dei um tapa no peito dele, depois repeti o gesto, mas ele segurou os
meus antebraços para me impedir de lhe dar um segundo tapa.
– Você está agindo feito louca, Larissa, já chega! – suspirou impaciente
– Nós não temos mais nada para conversar e você já está fora de controle, é
melhor você ir agora!
Olhei para ele inconformada, puxei a maçaneta do carro e a porta se
abriu, a chuva tinha aumentado. Eu me molharia toda.
– Larissa – olhei para ele com expectativa – Preciso das suas chaves
agora.
Lá fora, sob uma chuva cortante eu procurei na bolsa as chaves de casa,
joguei com violência em cima dele e bati a porta do carro com força.
A partir dali o que se seguiu foram meses de entorpecimento.
A Evelyn me recebeu na sua casa sem fazer ideia do que estava
acontecendo. O Rodrigo mandou mensagem para ela avisando que eu
passaria a noite lá, mas somente quando cheguei na sua casa aos prantos e
toda molhada da chuva ela soube sobre a separação. Rapidamente a história
se espalhou pela minha família.
A Berenice, a minha irmã mais nova que faz residência médica em um
hospital em Salvador, pediu férias e se mudou temporariamente para a casa
da Evelyn para ficar com a gente.
Bem, ao menos tudo isso serviu para me aproximar das minhas irmãs
que me apoiaram e ficaram ao meu lado durante aqueles últimos meses.
Foi um período muito difícil, eu fiquei bastante deprimida e
inconformada. Tenho vergonha de dizer que demorei para aceitar que o meu
casamento com o Rodrigo tinha acabado. Perdi quinze quilos. Precisei ser
afastada do trabalho por licença médica e vi todos os meus amigos, que
também eram amigos dele, se afastarem.
As minhas amigas do trabalho, inclusive a Mari, que além de chefe
também era uma das minhas melhores amigas, pararam de atender as minhas
ligações e responder as minhas mensagens. Eu fiquei completamente
isolada, exceto pelas minhas irmãs que não me deixaram passar por esse
momento sozinha.
O Rodrigo deixou as minhas malas no dia seguinte e não entrou mais
em contato, tampouco para formalizar o nosso divórcio. Por um tempo isso
me trouxe esperança de que ele viesse a mudar de ideia, mas depois de
alguns meses, muita terapia e conversas com as minhas irmãs eu fui
percebendo que isso talvez nunca fosse acontecer.
Aos poucos eu fui me recuperando. A tristeza foi diminuindo e a minha
vida foi voltando ao normal. Quer dizer, o quão normal era possível diante
de tantas mudanças. Emagreci, cortei o cabelo na altura dos ombros e clareei
ele também, era bom me olhar no espelho e ver que eu parecia diferente, que
estava mais bonita, pelo menos isso eu poderia contar ao meu favor.
Depois de três meses eu recebi alta médica e autorização para retornar
ao trabalho, o que me deixou aliviada, eu adorava ser policial e achei que
teria os meus amigos e uma parte da minha vida de volta.
Mas não foi bem isso o que aconteceu.
Foi uma surpresa ter sido transferida para aquela delegacia de polícia
logo após o fim da licença médica. Mas aqui estava eu, prestes a recomeçar a
vida. Levantei os óculos escuros e olhei ao redor.
Aquela cidade era a minha casa agora.
Eu me senti estranhamente aliviada.
Se não faz sentido
Discorde comigo
Não é nada demais
São águas passadas
Escolha outra estrada
E não olhe
Não olhe pra trás
Não olhe pra trás, Capital Inicial

Como eu disse, a delegacia ficava localizada em um prédio pequeno


e antigo, com dois pavimentos, localizado na praça principal da cidade.
Peguei na bolsa o ofício de apresentação com a minha transferência e entrei
no prédio, encostei no balcão que ficava logo na entrada e toquei a
campainha.
Lá dentro os meus colegas de trabalho trabalhavam tranquilamente.
Um deles era mais velho e parecia amigável, baixinho, atarracado e
apresentava os primeiros sinais de calvície. O outro era muito alto e bem
sarado, do tipo atraente que passa todo o tempo livre na academia. O último
era mais jovem, bonito e claramente gay. Nenhum deles estava
uniformizado, mas estavam bastante envolvidos com o trabalho de plantão
na delegacia.
Os três pares de olhos se voltaram para mim assim que ouviram o
som da campainha.
– Pois não? – falou um deles.
– Bom dia – a minha voz falhou por um instante, mas eu logo tratei
de recuperar um pouco da segurança – Me chamo Larissa Brito, eu sou
agente de polícia, vim transferida para esta delegacia – entreguei o ofício ao
policial mais velho que se aproximou.
– Ah, claro, sim, sim. Seja bem-vinda! Entre! Achamos que você
tinha conseguido reverter a sua transferência – ele falou abrindo a portinha
de madeira que ficava entre o balcão e a parede para que eu passasse.
– Bem vinda, Larissa, a agente de polícia transferida – falou o mais
magro muito simpático, confirmando o meu diagnóstico inicial – De onde
você veio?
– Vim de Aracaju.
– Sim, mas de qual delegacia? – insistiu, curioso.
– Ah, sim, eu vim da sexta delegacia metropolitana.
O outro policial, o mais forte que tinha ficado em silêncio falou:
– Eu conheço a sexta DP, é da delegada Mariana, certo?
A mesma Mariana que há meses não atendia a minhas ligações, pensei.
– Essa mesma.
– Venha, eu vou te mostrar a delegacia – o mais velho falou, ignorando
a curiosidade dos demais. – Esses são o Luan e o Marcão. Eu sou Aristides,
chefe do cartório, mas pode chamar de Ari.
Eles pareciam bem legais, apesar da curiosidade estampada na cara
de cada um deles.
– É um prazer – Olhei ao redor a procura do quarto integrante
daquela equipe – O delegado não está?
– O chefão ainda não chegou – falou o Luan – O Ari é quem manda
quando o Dr. Danilo não está....
Dr. Danilo... esse nome era ligeiramente familiar.
O Ari então me mostrou a delegacia. O tour durou apenas alguns
minutos, já que ela era tão pequena por dentro quanto parecia por fora. Do
outro lado do balcão, por onde eu entrei, era a sala de espera, com um painel
para senhas e algumas cadeiras pretas acolchoadas. Do lado de cá do balcão
ficavam as nossas mesas, eram quatro no total com uma mesa cumprida ao
final da sala, onde ficava a máquina de café, o garrafão de água e alguns
biscoitos. Acima dela ficava uma janela de vidro fumê bem escura.
As paredes eram brancas, apesar de ser uma delegacia o lugar me
pareceu limpo e bem administrado. No final da sala principal havia um
corredor que dava em algumas salas. A primeira era a do delegado. Lá
dentro havia uma mesa cumprida com cadeiras de boa qualidade e um
computador. Um armário para guardar os inquéritos e um sofá. Ali também
tinha uma porta que dava em um banheiro.
Percebi que a janela de vidro fumê dava ampla visão da secretaria
para o delegado. Eu precisava me lembrar disso, já que significava que ele
estaria sempre de olho na gente. Dando continuidade, do outro lado do
corredor havia mais um banheiro e em frente a ele e vizinha a sala do
delegado estava uma sala para interceptação telefônica, onde tinha vários
computadores, por último estava a copa que ficava em frente a uma sala de
custódia onde não havia ninguém preso.
– É isso – o Ari falou concluindo o nosso tour – Cuidado para não se
perder aqui dentro da delegacia – disse rindo e eu o acompanhei de volta até
a secretaria.
– Ninguém fica preso aqui? Eu vi que a sala de custódia está vazia...
– perguntei ligando o computador da mesa que o Ari tinha me indicado
como o meu posto de trabalho.
– Não é muito comum, mas as vezes acontece – o Marcão respondeu
sem desviar o olhar da tela do seu computador – A cidade é sossegada,
geralmente a gente libera os infratores no mesmo dia, a menos que se trate
de alguma situação muito séria, aí mandamos para a Delegacia de Polícia de
Propriá que tem mais estrutura.
– Pois é, aqui é um buraco... – o Luan falou da mesa a minha frente.
– Que pecado você cometeu para ser mandada pra cá?
– Como assim? – demorei alguns segundos esperando que o meu
computador ganhasse vida, mas pelo visto ele ainda ia demorar para carregar
o windows, quando olhei para o lado flagrei os meus três colegas policiais
me olhando.
O Aristides riu.
– Deixem de coisa, a moça acabou de chegar – os repreendeu apesar
de também parecer curioso a meu respeito. – Você vai gostar daqui, é um
lugar muito bom para trabalhar.
Apesar da reprimenda a postura dos meus colegas não mudou, eles
ainda me olhavam esperando uma resposta.
Que desconcertante!
– O que foi, gente?! Por que vocês estão me olhando desse jeito, tem
alguma coisa de errada comigo? – ajeitei o cabelo ondulados com babyliss e
a franja que ficavam facilmente bagunçados e passei a mão discretamente ao
redor dos lábios esperando limpar uma mancha imaginária do batom
vermelho.
– Eu não sei... Tem? – falou o Marcão.
Eu não estava entendendo o que eles estavam querendo sugerir. Eles
acham que havia alguma coisa por trás da minha transferência, mas eu não
poderia imaginar um motivo para ter sido mandada para cá.
– Não liga para eles, esses dois amargaram desde que foram
transferidos pra cá – o Ari estava ali do lado em pé, encostado na sua mesa
que ficava ao lado da minha, enquanto alisava a sua barriga saliente. – De
todos eu sou o único que está lotado aqui por vontade própria. Gosto dessa
cidade, a minha família é daqui, é bom para criar as crianças...
– Então vocês todos foram transferidos para cá compulsoriamente?
– Diretamente para o cantinho do pensamento, ou o exílio, que é
como chamamos – falou o Luan com amargura – Estamos de castigo aqui
até quando Deus quiser.
– Alguns aqui até merecem o castigo – o Marcão provocou – o
garanhão aqui foi flagrado se pegando com um preso na sala da custódia.
– O quê?!
O Marcão riu.
– E não me arrependo. Quer dizer, me arrependo um pouco sim, se
soubesse que seria mandado para cá teria resistido a paquera daquele
bonitão.
– Esse Luan não tem jeito... – repreendeu o chefe de cartório – Tá
precisando ir comigo no culto qualquer dia desses.
– Eu prefiro morrer.
– Vai no culto, Luan – o Marcão provocou.
Para mim o Luan disse:
– Essa cidade é um tédio e os gays daqui ainda não saíram do
armário.
– Ah, isso é uma pena – me solidarizei, em seguida perguntei para o
marrento do Marcão, – Mas e você, o que fez pra estar aqui?
– Eu sou vítima da política judiciária – respondeu curto e grosso.
– Ele fez parte de uma operação que prendeu o sobrinho do
governador – o Ari esclareceu – Isso irritou algumas pessoas poderosas...
– A pergunta é, o que a mocinha aí fez para ser mandada pra cá,
quem você irritou?
– Deixa a moça, se ela não quer falar é direito dela. Não força a
barra, Marcão.
– Ah, mas essa eu também quero saber. Tão bonitinha ela. Posso te
chamar de Lari, né?
Sorri sem jeito.
– Eu não fiz nada. Eu estava de licença médica e quando voltei me
mandaram direto para cá – me justifiquei dando de ombros, esperando a
porcaria do computador carregar.
– Mas pensando bem... – continuou o Luan – Tem algo de estranho aí
viu! Por que o Dr. Danilo aceitaria a transferência de uma mulher para a
equipe?
– E por que ele não aceitaria? – ergui uma sobrancelha questionadora
e eles se entreolharam.
– O Dr. Danilo odeia as mulheres – confidenciou o Luan.
– Trabalhar, com as mulheres – o Marcão rapidamente corrigiu.
Mas a segunda afirmação não me pareceu melhor do que a primeira.
– Calma, vocês têm que explicar as coisas direito – Ari falou
repreendendo os demais – Desse jeito vocês estão assustando a moça e
fazendo o Dr. Danilo parecer alguém que ele não é.
– Tá, como dizer isso... – ele tentou explicar – É que o Dr. Danilo
tem uma fraqueza enorme por moças bonitas como você.
Own, eles me acharam bonita. Corei de leve com o elogio.
– Ele é um tarado ou algo do tipo?
– Algo do tipo... – o Luan falou e o Marcão deu um tapa atrás da
cabeça do colega.
Eu arregalei os olhos.
– Relaxa, o Luan está só zoando com você – o Marcão disse com um
sorriso solidário, – O Dr. Danilo é gente boa, você vai ver.
– É que onde se ganha o pão não se come a carne, já dizia o nosso
chefão...
– Então tá bom... – eu era nova ali, estava muito longe de casa e da
minha zona de conforto – Essa porcaria não liga?
– Ele demora um pouco para pegar no tranco, é melhor você tomar
um café enquanto espera... – o Ari sugeriu – Infelizmente não é o melhor
computador que nós temos aqui...
E foi o que eu fiz, afinal o café é nada mais do que o combustível do
trabalhador, assim como a cerveja, mas não era nem a hora, nem o lugar para
uma breja gelada, infelizmente.
Você que nem me ouve até o fim
Injustamente julga por prazer
Cuidado quando for falar de mim
E não desonre o meu nome
Será que eu já posso enlouquecer
Ou devo apenas sorrir?
Não sei mais o que eu tenho que fazer
Pra você admitir
Me Adora, Pitty

Algumas xícaras de café depois eu decidi usar o banheiro.


A manhã estava passando rapidamente e exceto pelo meu
computador que era o pior da delegacia e demorava em média quarenta
minutos para carregar o sistema da segurança pública, tudo estava
acontecendo de forma tranquila.
Enquanto isso estava preocupada em causar uma boa impressão já
que os rapazes estavam atentos a tudo o que eu fazia, por isso não valia a
pena dar nenhum passo em falso, por mais que eu quisesse muito sacudir
aquele computador.
Mas eu não queria que eles pensassem que eu era uma pessoa
violenta.
Por mais que eu fosse, um pouco.
Então deixei ele carregando o sistema e fui ao banheiro. Em frente a
porta pensei que era de fato a única mulher na delegacia e que agora teria
que dividir o banheiro com um monte de homens, isso não parecia bom.
Logo em frente estava a sala do delegado. Ele ainda não tinha
chegado então abri a porta e dei uma espiada lá dentro em busca do banheiro
privativo do Dr. Danilo.
Os meus colegas policiais estavam concentrados no trabalho de
rotina, ninguém perceberia se eu entrasse ali discretamente. Eu seria rápida.
A sala dele era muito organizada, o que para mim indicava traços de
que o Dr. Danilo era sistemático e controlador. Eu logo saberia. Os papéis e
canetas estavam alinhados na mesa e na tela do computador a logo da
delegacia balançava.
O banheiro era pequeno, mas muito limpo, confirmando as minhas
suspeitas iniciais. Por curiosidade abri o armário e bisbilhotei os itens de
higiene pessoal que estavam guardados em um nécessaire.
O meu chefe usava um perfume importado de bom gosto, bastante
masculino. Dei uma borrifada e quase me engasguei com o cheiro forte, mas
maravilhoso. É claro que ele fazia sucesso com as mulheres, com um
perfume daqueles.
A loção pós barba era da mesma marca do perfume. Também tinha
desodorante, pasta de dente, uma escova de cabelo e um pacote de
camisinhas. Devolvi a nécessaire para o armário e dei uma olhada ao redor,
antes de matar a vontade de fazer xixi, que só não era maior do que a minha
curiosidade.
Quando estava fazendo o famigerado xixizinho percebi que alguém
tinha entrado na sala ao lado. Foi então que as coisas começaram a ficar
estranhas...
– Hum... adoro quando você chega cedo na terça-feira... – ouvi uma
voz de mulher seguida por um homem que disse:
– Já eu adoro quando você vem com essas sainhas fáceis de
levantar...
Puta merda! Arregalei os olhos.
Olhei ao redor em busca de uma rota de fuga.
Não havia nenhuma.
Era um banheiro pequeno e fechado com uma pequena área de
ventilação há uns dois metros do chão.
Eu não conseguiria passar por ela nem agora que estava magra.
Ouvi risos.
– Danilo... não bagunça o meu cabelo, você sabe que daqui vou
direto para o fórum...
Então aquele era o meu chefe? Que maravilha, ele estava transando
com alguém do lado de fora e eu estava presa ali dentro.
– Não esquenta, eu tenho uma escova de cabelo no banheiro.
Mas que merda.
Eu precisava fazer alguma coisa senão logo seria descoberta.
Mas o que fazer numa situação como aquela? Eu não tinha como
fugir, nem poderia sair pela porta.
Não tive escolha a não ser colar o ouvido na porta e ouvir o que
estava acontecendo do lado de fora para escolher o melhor momento para
sair.
Mas só ouvi barulhos indistintos.
– Você fica a cada dia mais gostosa, Dra. Vanessa...
Ela riu antes de dizer:
– Eu sei bem que você fala isso para todas.
– Não, nada disso, você sabe que com você as coisas são diferentes.
Eu engoli uma risada, antes que algum dos dois percebesse.
– Esse é o melhor sofá de Lourdes – a moça falou.
– E a terça é o meu dia preferido da semana – eles riram e eu revirei
os olhos.
Resolvi mandar uma mensagem para as minhas irmãs, elas saberiam
o que fazer naquela situação, certeza.
Larissa: Primeiro dia na delegacia e já estou presa no banheiro
enquanto o delegado está se pegando com alguém do lado de fora.
– Esse sutiã é novo? – escutei ele perguntar.
A Evelyn foi a primeira a responder, seguida pela Berenice:
Evelyn: O QUÊ? Mas como isso foi acontecer? Não tem nem três
horas que você está aí...
Berenice: Peraí, o seu chefe está transando do lado de fora e você
está presa no banheiro dele, Puta merda!? #Chocada
– É de renda preta, comprei pensando em você.
– Hum... alguém saiu de casa hoje decidida a me provocar...
Continuei ouvindo sons indistintos enquanto teclava com as Britos.
Larissa: Eu não sei o que fazer, não tem como eu sair daqui agora,
eles vão saber que estava aqui o tempo todo!
Evelyn: Não tem nenhuma janelinha ou basculante por onde você
possa atravessar?
Berenice: É mesmo, agora que você é magra pode funcionar!
Larissa: Essa foi a primeira coisa que eu pensei, mas o basculante
aqui é muito pequeno e eu não emagreci tanto assim...
Berenice: Tem coisas que só acontecem com você! Eu
provavelmente seria a pessoa do lado de fora com o seu chefe bonitão.
Rsrsrs
Larissa: E como que você sabe que ele é bonito?
Berenice: É claro que ele é, ele está transando do outro lado da
porta. Só caras muito bonitos e com egos enormes fazem esse tipo de
loucura no trabalho.
Evelyn: E você está aí escutando tudo o que eles estão fazendo?
#LariPervertida
Berenice: HAHAHAHA
Larissa: Eu não tenho escolha! Vocês não estão me ajudando em
nada!
– Você tem camisinha? – a moça perguntou.
– Ah, mas é claro. Eu tenho uma em algum lugar por aqui...
Larissa: Que saco, eles vão mesmo transar. Ele está procurando por
uma camisinha...
Evelyn: Ai não, Lari! Ferrou! Onde que você acha que ele vai pegar
essa camisinha?
Larissa: Mas que merd...
Mas eu não cheguei a terminar de digitar por que nesse mesmo
instante a porta do banheiro se abriu abruptamente e eu cai de bunda no
chão, batendo a cabeça na pia e derrubando o celular.
Então se seguiu um dos momentos mais constrangedores da minha
vida. Enquanto eu estava no chão com a mão na testa dolorida e com olhos
enormes e surpresos. De frente para mim estava ninguém menos que o Dr.
Danilo, o meu chefe, a autoridade máxima daquela delegacia, sem camisa,
com sua barriga muito branca e lisinha, com apenas uma cueca boxer Calvin
Klein preta muito, mas muito bem preenchida.
Infelizmente ele também estava com uma arma apontada para mim.
– Você não precisa apontar isso para mim – falei erguendo as mãos
em sinal de rendição com o olhar variando entre a arma ameaçadora e a sua
cueca que estava atraindo mais da minha atenção do que eu gostaria de
admitir.
A sua cara de desconfiança foi rapidamente substituída por um olhar
apertado e um sorriso debochado de tirar o fôlego.
– Estou falando da arma... não da outra coisa... – me atrapalhei com
as palavras o que só fez o seu sorriso aumentar.
– Quem é você e que porra você está fazendo aqui no meu banheiro?
Ai meu Deus.
Atrás do delegado estava a advogada, ela estava semidespida, com
uma saia levantada até em cima e o tal do sutiã exposto. Era realmente muito
bonito, mas eu não desperdiçaria uma lingerie nova com um mulherengo
daqueles. A moça era morena com o cabelo curto e bastante cacheado e
segurava a sua pasta com um olhar agressivo e uma postura ameaçadora.
O meu celular vibrou no chão onde eu tinha deixado cair durante o
susto.
Berenice: E aí, conseguiu escapar?
Não sei quanto tempo se passou enquanto nós três nos encarávamos
surpresos e constrangidos. Quer dizer, eu estava constrangida, eles pareciam
prestes a me matar. Poderiam ter sido segundos ou horas, não fazia
diferença, eu só queria cavar um buraco no chão e me esconder nele para
sempre até que o planeta fosse extinto.
Mas não me mexi. Fiquei ali olhando hipnotizada para aquele
homem lindo apontando uma arma para mim. Seu cabelo era preto e estava
completamente desalinhado, a barba bem-feita sobre a pele branquinha e
aquela boca bonita faziam do Dr. Danilo um dos homens mais bonitos que
eu já conheci, além de cheiroso.
Não percebi que estava prendendo a respiração até aquele momento.
– Não vai responder? Fala logo quem é você, porra, eu não tenho o
dia todo!
Nossa, que ignorância.
Mas foi o bastante para me despertar do meu deslumbramento.
– Desculpa, eu sou a Larissa – falei me levantando desajeitada com
as mãos para cima, o que não foi nada fácil – Sou agente de polícia e vim
transferida para esta delegacia...
– Você? Transferida?! – falou incrédulo com as sobrancelhas
erguidas.
– Sim, Dr. Danilo, da 6ª Delegacia Metropolitana.
O olhar do Dr. Danilo mudou do deboche para o reconhecimento e
passou a me avaliar por inteiro, me causando um arrepio na espinha.
Então eu me lembrei de onde já tinha ouvido falar no Danilo, foi a
Mari. Ela já tinha me falado sobre ele. Eles estudaram juntos na academia.
Ele era ninguém menos do que o Dr. Danilo, o delegado mais gato da
segurança pública e aquele que prendeu uma quadrilha comandada pelo
sobrinho do governador gerando a maior polêmica dos últimos anos.
No seu jogo você faz de bobo quem confia em você
Tenho dó de quem não te conhece e se deixa envolver
Nem sempre as coisas são do jeito que quiser
Você nem é tudo isso, meu bem
Não vai fazer de mim o que bem entender
Agora você vai me conhecer
Você não me engana
Conheço sua fama
'Tá acostumado a sempre dominar
'To observando os seus movimentos
Assisto calada, também sei jogar
No seu jogo você faz de bobo quem confia em você
Você nem é tudo isso, Marilia Mendonça

Meu primeiro pensamento quando entendi quem era aquela mulher na


minha frente foi: Então a filha puta da Mariana me enganou de novo!
A Larissa não era nada parecida com a imagem que a Mariana tinha me
vendido. Eu estava esperando há mais de três meses por uma mulher
totalmente sem graça, um tanto acima do peso, descuidada e sem nenhum
charme ou beleza.
Eu teria que matar a Mariana, porque se eu soubesse que aquela era a
agente que eu estava aceitando a transferência, jamais teria concordado com
aquilo. Estava na cara que não ia dar certo.
Ela parecia um tanto assustada, nada como ter uma pistola Taurus 9 mm
apontada para a sua cara para deixar qualquer um nervoso. A situação era tão
inusitada que por um instante eu até esqueci que a dra. Vanessa ainda estava
conosco no escritório.
– Danilo, acho melhor eu ir – falou recuperando a voz e procurando as
peças de roupa que estavam espalhadas pelo chão. – Te ligo mais tarde.
Me despedi dela com um aceno sem tirar os olhos da estranha na minha
frente que não sabia como se portar diante das circunstâncias. Ela se
esforçava para evitar contato visual enquanto a Vanessa saiu em silêncio,
sem se fazer notar.
Achei que aquela manhã seria igual a todas as outras. Eu pegaria a
estrada, chegaria na minha delegacia e encontraria com a Vanessa, ou, como
os meninos chamavam, “a minha ficada da terça” e o dia seguiria sossegado
e tedioso, como sempre.
Mas parece que não dessa vez.
As coisas começaram a ficar interessantes.
Com calma, travei a arma e coloquei em cima da mesa. Em seguida
procurei as roupas espalhadas pela sala. Vesti primeiro a calça e ao abotoar o
botão reparei que ela me olhava com seus olhos castanhos esverdeados
enormes...
– Está curtindo a vista? – provoquei e ela imediatamente desviou o
olhar corando ao mesmo tempo que se enfuriava.
Vesti a camisa branca sem fechar os botões, deixando o peito amostra.
Fiz um gesto para que a moça se sentasse e dei a volta em torno da mesa
sentando na minha cadeira de frente para ela.
Ela se sentou cautelosa.
Em silêncio alinhei os materiais de escritório que tinham sido
bagunçados pela minha aventura anterior com a dra. Vanessa e antes de falar
qualquer coisa dei uma boa olhada na Larissa.
Larissa era muito bonita e isso não era bom. Os seus olhos claros
enormes quase escondidos por uma franja me olhavam com expectativa. A
sua pele branquinha quase não continha maquiagem, exceto pelo batom
vermelho que se destacava por causa do seu cabelo castanho com curvas e
reflexos loiros que estavam bagunçados devido aos últimos acontecimentos.
– Você sempre se esconde no banheiro no seu primeiro dia de trabalho?
– perguntei abotoando a camisa.
– Porquê? Você sempre transa com advogadas no seu escritório?
Ao mesmo tempo que ela rebateu a minha zombaria eu percebi que se
arrependeu, ficando mais uma vez corada. Eu quase ri, mas consegui me
manter sério para responder.
– Na verdade sim. Isso te incomoda de alguma maneira?
Desiste logo, Larissa, está aí um joguinho em que você não pode me
vencer.
– Não, de jeito nenhum, dr. Danilo. Sua delegacia, suas regras.
– Melhor assim – falei logando no computador que eu tinha esquecido
ligado no dia anterior. – Então finalmente resolveu aparecer...
– Desculpa, não entendi...
– Escuta, você demora muito para entender as coisas, é lentinha?
Porque eu não vou querer alguém assim na minha delegacia – eu sei, eu sou
um babaca.
Mas existem situações em que ser um babaca é necessário e algo me
dizia que eu estava diante de uma dessas.
Ela não respondeu, só continuou me olhando com aqueles olhos
exagerados.
– Certo, então depois de três meses nada mais natural do que aparecer
aqui na minha delegacia atrapalhando... – continuei provocando, só por
diversão.
Ela expirou claramente ofendida.
– Eu não demorei três meses para vir até aqui, só fiquei sabendo ontem
sobre essa transferência!
– E já chegou causando uma impressão e tanto eim...
– Eu posso dizer o mesmo de você... – resmungou baixinho e eu contive
o sorriso debochado.
– Bom, vamos esquecer isso, seja bem-vinda. Eu me chamo Danilo e a
partir de agora você responde a mim, já deve ter conhecido a equipe,
imagino...
– Eles me receberam muito bem hoje de manhã.
– Excelente, não espere receber a mesma recepção de mim, eu não
queria você aqui e não estou feliz que tenha sido transferida para cá.
Cara eu era mesmo um babaca, mas o melhor a fazer era manter essa
garota bem longe de mim...
Eu não estava orgulhoso do meu comportamento, não era assim que eu
costumava tratar ninguém da minha equipe, mas aquela moça não era como
eu imaginava e isso estava me incomodando. O melhor a fazer para nós dois,
e principalmente para ela, era manter distância antes que a moça começasse
a se sentir atraída por mim.
Trabalhar com mulheres era algo que eu vinha evitando há anos já que
as minhas experiências anteriores não tinham acabado muito bem, por isso
aceitar a Larissa era um inconveniente que eu achei que não precisaria mais
ter que lidar. Achei que a Mari tinha mudado de ideia em transferir a garota,
eu não conhecia os motivos da transferência, mas imagino que a Larissa
tenha se tornado um problema para a 6ª Delegacia Metropolitana senão a
Mariana não teria empurrado ela para cá pro interior.
– Você pode sair agora – falei abrindo o principal portal de notícias do
estado, – Aproveita e me traz um café...
Senti seu ódio por mim aumentar e mudei de ideia, ela poderia cuspir
no café.
– Quer saber, deixa, não precisa – disse com um sorriso amarelo.
Levantei logo em seguida e abri a porta para que ela passasse na frente.
– Ninguém aqui pensou em me dizer que a novata tinha chegado,
porra? – esbravejei para o resto da equipe que ria do inconveniente.
O Luan ria tanto que quase se dobrava na cadeira. Passei por ela e me
servi de uma xícara de café sem açúcar. Ali mesmo, encostado na mesa
enviei mensagem para dra. Vanessa me desculpando por ter estragado os
nossos planos para aquela manhã.
Eu conheci a dra. Vanessa quando fui transferido para o interior. Ela
havia defendido um cliente preso em flagrante por dirigir embriagado na
mesma semana e o que se seguiu foi inevitável. Não tínhamos um
relacionamento, eu não namorava com ninguém há anos, não era o meu tipo
de coisa. Nos víamos uma vez por semana e estava tudo certo, cada um vivia
a sua vida.
Felizmente a dra. Vanessa não foi a única advogada da região a se
interessar pelo delegado novo e bonitão a assumir a delegacia regional e
dessa forma eu logo arrumei companhia para os dias em que passava no
município.
Era difícil não atrair a atenção das mulheres em uma cidade pequena,
então foi sensato afastar logo de cara o interesse da Larissa. Só de olhar para
ela dava para ver que ela tinha ficado impressionada e tinha uma grande
propensão a se apaixonar pelo chefe.
Apesar de que o chefe não estava imune ao efeito que ela também
poderia causar, afastei logo esse pensamento. Era por isso que eu não
trabalhava mais com mulheres, para evitar problemas, para mim e para elas.
Nos últimos anos as minhas equipes vinham sendo formadas exclusivamente
por homens então eu não sei o que deu na minha cabeça quando deixei a
Mariana me convencer a aceitar receber a Larissa.
– Não, de jeito nenhum! Eu não trabalho com mulheres, nem sei o que
fazer com elas na equipe...
– Conta outra, Danilo, eu sei que é por que você morre de medo de se
apaixonar por uma colega de trabalho!
– Realmente não está nos meus planos. Onde se ganha o pão, não se
come a carne.
– Eu te garanto que não existe a menor chance disso acontecer, não com
a Larissa, pelo menos. Ela é sem graça, não é nem um pouco atraente –
abaixou o tom de voz e completou – Ela é gorda.
– Além de tudo você quer me mandar uma policial feia, Mariana? –
reclamei.
– Dos males, o menor, Danilo. Deixa de coisa, vai! Eu estou com um
problema bem sério aqui, você tem que me ajudar!
– Você está brincando comigo se acha que eu vou aceitar uma agente
problemática! – resmunguei. – Não, não estou interessado, dá outro jeito, se
vira.
– Ela é uma ótima policial, é organizada, tem iniciativa, mas nós temos
um conflito de interesses que se não for resolvido logo pode virar um
problema enorme para mim... Ela não é o seu tipo. Eu te garanto que você
não vai ficar interessado!
Bufei em discordância.
– Eu não queria usar essa carta na manga, mas você não me dá outra
opção... – falou e eu já sabia o que se seguiria. – Danilo, não esquece que
você me deve uma...
Coloquei as mãos sobre a cabeça derrotado. Não adiantava o quanto eu
odiasse essa ideia, a Mariana tinha vencido essa.
– Você deve estar mesmo louca para se livrar dessa garota...
Ela suspirou vitoriosa.
– Você nem faz ideia.
Eu esperava que a Mariana estivesse mesmo certa, mas assim olhando
para a Larissa percebi que essa temporada aqui seria um desafio. Diferente
do imaginado ela era bonita pra caramba. De olho no computador ela
prendeu o cabelo ondulado e grosso em um rabo de cavalo enquanto
acessava o sistema, deixando o pescoço exposto.
Achei melhor voltar para a minha sala, mas antes não pude deixar de
sorrir ao ouvir a Larissa reclamar:
– Ninguém aqui pensou em me avisar que o chefe era um babaca?!
Você precisa saber
O que passa aqui dentro
Eu vou falar pra você
Você vai entender
A força de um pensamento
Pra nunca mais esquecer
Custe o tempo que custar
Que esse dia virá
Não, nunca pense em desistir, não
Te aconselho a prosseguir
Pensamento, Cidade Negra

A primeira semana de trabalho se passou sem maiores desafios, exceto


pelo fato de que eu evitava a todo custo cruzar com o gostoso do meu chefe,
que eu passei a chamar secretamente de Danilindo. Ele parecia fazer o
mesmo, talvez por constrangimento (eu duvido) ou apenas por ser um
babaca (muito provável).
Aquela também foi a minha primeira semana na residência funcional,
que ficava no pavimento superior da delegacia. Era um apartamento sem
divisórias, como um loft, de muito bom gosto. O Aristides foi quem me
mostrou o apartamento e me disse que ele fora recentemente reformado, mas
que ninguém o utilizava, me entregou as chaves e disse que eu não precisava
alugar uma casa na região, que poderia ficar por lá pelo tempo que
precisasse.
Eu não poderia ter ficado mais satisfeita. Além de ser um apartamento
lindo e mobiliado, ainda encontrei uma geladeira cheia de cerveja gelada.
Não preciso dizer que até o fim da semana eu já tinha tomado todas e estava
acumulando as garrafas vazias ao lado da geladeira. O lugar era pequeno,
perfeito para uma garota como eu e com uma atmosfera totalmente diferente
do pavimento inferior, onde ficava a delegacia. Ele também tinha uma
entrada independente que dava em um ambiente que mesclava cozinha e
sala, com teto alto e forrado em madeira envernizada e um quarto elegante
com duas janelas antigas e gigantes voltadas para a rua.
Tudo muito bonito e moderno, a prefeitura deve ter gastado um
dinheirão para reformar aquele apartamento. Enfim, eu não poderia estar
morando melhor e sem pagar aluguel o que era um bônus maravilhoso.
Foram dias bem tranquilos, a cidade era mesmo muito parada e a
maioria das ocorrências se tratavam de brigas de vizinhos e inconvenientes
do cotidiano. Então eu basicamente dividi os meus dias entre o tédio na
delegacia e o sossego do apartamento, onde eu assistia as minhas novelas
colombianas e conversava por chamada de vídeo com as minhas irmãs.
Nós tínhamos nos reaproximado bastante nos últimos três meses, depois
da minha separação. O que foi bom, já que as minhas amigas começaram a
ficar cada vez mais distantes e a Mari, a mais próxima de todas, sequer
respondia as minhas mensagens e ligações.
O que não era muito sossegada era a sala do Danilindo, já que ele
recebia muitas visitas a semana inteira. Ele era realmente engajado com a
comunidade jurídica da região, principalmente a feminina.
Mesmo assim, foi com surpresa que eu ouvi o Danilindo me chamar na
sala dele assim que eu cheguei na segunda-feira. Quando eu encostei na
porta vi que ele estava atendendo a uma senhora de idade e estava sendo
bastante atencioso com ela.
– Pois não, Dr. Danilo?
Ele ergueu o olhar pra mim e fez menção para que eu entrasse e
fechasse a porta.
– Larissa, essa daqui é a Dona Sônia, ela é residente da área rural do
município e veio dar queixa do desaparecimento do marido.
– Um desaparecimento?!
– Exato. Dona Sônia, você pode acompanhar a Larissa, que ela é uma
das policiais mais competentes dessa delegacia e vai pegar o seu
depoimento.
Antes que eu disfarçasse a minha expressão de surpresa diante do
elogio ele se voltou para mim, sério:
– Larissa, eu quero que você apure tudo sobre esse desaparecimento,
precisamos encontrar o Seu Osvaldo o mais rápido possível. Este é um caso
muito importante, você entende?
– Claro, Dr. Danilo – e para a senhorinha – Vamos encontrar o marido
da senhora logo, Dona Sônia, se puder vir comigo...
Ora, ora, será que o Danilindo finalmente estava me vendo com
respeito? Parecia que ele resolvera dar o primeiro passo para um bom
relacionamento aqui no trabalho. Fiquei feliz em saber, que apesar do que
ele me dissera naquele primeiro dia, ele estava se esforçando.
– Pode deixar comigo – falei pra ele, amigável – eu vou me dedicar
bastante e vamos descobrir o que aconteceu com o marido da senhorinha.
Ele desviou os olhos do computador e me deu um sorriso debochado
– Eu não tenho dúvidas sobre isso.
É, parece que o Danilindo não é esse osso duro de roer todo não.
Sorri pra mim mesma e acompanhei a Dona Sônia até a minha mesa,
nos sentamos ali e eu comecei a colher o seu depoimento.
– E aí, Dona Sônia – falou o Marcão que vinha da copa com uma xícara
de café na mão. O Luan falava no telefone e o Ari não estava. – A senhora
por aqui? Quer um cafezinho?
– Aceito sim, filho, sem açúcar, por favor.
– Então, Dona Sônia, quando foi a última vez que a senhora viu o seu
marido?
O Marcão olhou pra gente com uma expressão surpresa e depois
esboçou um sorriso.
– O Dr. Danilo passou esse caso pra você, Lari?
– Passou – falei animada, mas imediatamente corrigi minha postura já
que estava diante de um desaparecimento – Acho que ele finalmente está me
dando um voto de confiança. Até comentou que me acha supercompetente,
acredita?
O Marcão quase se engasgou com o café.
– Acredito sim, o Dr. Danilo parece durão, mas tem o coração mole.
– Então, Dona Sônia...
Foi então que a senhorinha me contou tudo sobre o marido. O seu
Osvaldo tem 75 anos e foi visto pela última vez no final de semana quando
saiu pra jogar damas com os amigos na praça. A esposa me contou que ele
sempre saia no fim da tarde pra o costumeiro jogo e que as vezes emendava
a noite tomando uma cachacinha no bar ali próximo.
Acontece que no último sábado o Seu Osvaldo saiu, mas não voltou pra
casa, causando preocupação para a esposa que já o procurou pela cidade
inteira, mas nem o encontrou, tampouco teve notícias suas.
Durante a conversa o Luan cumprimentou a Dona Sônia e começou a
observar a nossa dinâmica, bastante intrigado. O Marcão voltou com o café e
nada mais disse. Umas duas horas depois o Danilindo saiu da sala dele e se
dirigiu até nós.
– Tudo bem por aqui, Dona Sônia? A Larissa está te tratando bem?
– Está sim, meu filho. A doutora vai descobrir por onde que anda o sem
vergonha do Osvaldo.
– Excelente, eu quero prioridade neste caso. – então se voltou para
todos na delegacia – Se a Dra. Luana chegar por aí pra falar comigo, podem
mandar ela direto pra minha sala.
Revirei os olhos.
Mais tarde eu falei com os meninos sobre o caso do Seu Osvaldo, o
marido da Dona Sônia. Eu teria que sair para fazer algumas perguntas e
começar a investigação, mas ainda não conhecia a cidade muito bem, então
precisava me localizar primeiro.
O Marcão foi ótimo e se ofereceu pra me acompanhar já que conhecia
bem a região. Além de que estava desocupado, já que nas segundas as brigas
entre vizinhos diminuíam bastante e o Luan e o Ari (sem contar com o
Danilindo em reunião com a advogada), estavam na delegacia cobrindo o
turno.
– Aonde você quer ir primeiro, Lari?
– Pensei em passar na praça e seguir para o bar mais próximo, já que
foram os lugares que a esposa falou que ele mais frequentava.
– Bom, essa é a maior praça da cidade, é onde os velhinhos se reúnem
para jogar dama em frente da igreja.
Seguimos pra lá, mas ainda era cedo, já que eles costumavam se reunir
somente no fim da tarde, então me adiantei e fui logo no bar, que era bem pé
de chinelo e estava funcionando com alguns clientes, apesar do horário.
– Vão querer uma gelada? – perguntou o dono do bar.
– Eu tenho algumas perguntas pro senhor, se não se importar. – falei e o
dono parou de servir uma mesa e começou a prestar atenção em mim.
– Ah, você é a nova policial do Dr. Danilo. – o comentário me
incomodou, mas eu me contive – O que quer saber? Alguém andou
reclamando do bar lá na delegacia?
– É sobre o Senhor Osvaldo, marido da Dona Sônia. – folheei as
minhas anotações – ela falou que ele costuma frequentar o seu bar, o senhor
se lembra da última vez que viu ele por aqui?
– O Osvaldo? – perguntou estupefato e olhou para o Marcão ao meu
lado que deu de ombros – Rapaz, tem é o tempo que não vejo ele por essas
bandas não, viu doutora...
Coçou a cabeça.
– A Dona Sônia está procurando por ele? De novo?
Olhei pro Marcão desconfiada.
– Isso costuma acontecer com bastante frequência?
– De vez em quando ela aparece por lá pela delegacia procurando o
marido. – foi só o que o Marcão me disse.
Havia algo de estranho nessa história. Mas continuei a investigar.
– Mas o senhor sabe indicar quando foi a última vez que o viu? Tente se
lembrar, qualquer informação ajuda.
Mais uma vez o dono do bar coçou a cabeça, meio confuso.
– Rapaz, tem é ano que eu não vejo o Osvaldo...
– Anos?! – Contestei – Mas a esposa diz que ele vem sempre aqui,
depois do jogo na praça...
– É que a Dona Sônia já está ficando meia broca, meio lelé, tá ruim da
cabeça ela...
– Mas que desrespeitoso! – falei aborrecida. – Vocês homens adoram
diminuir o que as mulheres falam com essa história de que estamos loucas.
Eu deveria levar o senhor preso agora mesmo por machismo! A sua sorte é
que isso ainda não é crime!
– Calma, Lari, vem – falou o Marcão me levando pra fora do
estabelecimento – melhor continuarmos procurando em outro lugar...
– Mas você viu que absurdo? Ele só faltou chamar a Dona Sônia de
velha louca!
O Marcão deu de ombros mais uma vez com um sorriso amarelo.
Aproveitei que já estava entardecendo e atravessamos a rua onde os idosos já
montavam as mesas e os tabuleiros para o jogo vespertino.
Aquela era uma ótima oportunidade para apurar aquele caso e conseguir
informações sobre este desaparecimento. Aquela era uma cidade muito
pequena, não era possível que ninguém tivesse notado nada.
– Boa tarde, senhor, tudo bem por aqui?
– Vai jogar? – o velhinho perguntou. Fiquei meio em dúvida, mas
acabei sentando no lugar oposto para começar uma partida.
– O senhor mora nessa cidade há muito tempo?
– Sua vez. – ele falou indicando que já tinha movido as peças – Sou
nascido em Propriá, mas me criei aqui em Lourdes.
– Certo, então o senhor deve conhecer todo mundo por aqui, não é?
Afinal essa é uma cidade pequena.
– Não conheço você – falou mal-humorado – por quê está fazendo
tantas perguntas?
– Eu sou nova na cidade, sou agente de polícia.
– Hum... do Dr. Danilo... – porque as pessoas nessa cidade só se
referiam a ele assim, o Danilindo não era o dono da delegacia – Tá me
investigando por acaso?
– O senhor fez alguma coisa pra ser investigado? – provoquei, aquele
velhinho já estava me irritando.
– Eu tenho uma neta que é advogada – falou – Eu só falo na presença
dela.
Bufei e o Marcão que acompanhava o jogo interessado riu alto.
– Senhor, eu não estou te investigando. Estou procurando pelo Sr.
Osvaldo, a esposa deu queixa do desaparecimento dele hoje de manhã.
– Humpf... sua vez.
– A esposa estava muito preocupada, o senhor sabe de algo que possa
ajudar na investigação? Quando foi a última vez que o viu jogar dama aqui
com vocês?
– Quem, o Osvaldo?
Suspirei.
– Vocês estão procurando o Osvaldo? – falou um outro senhorzinho que
jogava na mesa ao lado da nossa – Ele tava no mercado comprando leite hoje
de manhã.
– O quê? Tem certeza que era ele? Em qual mercado você o viu? –
perguntei preparando o bloco pra anotações.
– O Osvaldinho? Oxente, naquele mercado da esquina. Hoje de manhã,
a mulher até perguntou da Sônia pra ele...
Troquei olhares com o Marcão.
– Melhor irmos lá. Obrigada pela partida senhor...
– Hum... nem terminou e já tá largando o jogo... – resmungou sem me
dizer seu nome.
– Prioridades, senhor...
– Luís – o outro velhinho respondeu o nome do colega.
– Obrigada pela ajuda, rapazes.
Então peguei o Marcão e seguimos em direção ao mercado. Ele na
frente, claro, já que era quem sabia onde ficava o lugar.
Fomos entrando cheios de autoridade, o Marcão era enorme e por isso
muito fácil impor a sua presença em qualquer lugar. Fomos direto ao caixa
onde estava uma moça entediada que passava lentamente as compras dos
clientes alheia ao tamanho da fila que se formava.
– Tem algo estranho sobre esse desaparecimento do Seu Osvaldo... –
pensei em voz alta.
– Você acha?
– Você não? Primeiro o dono do bar não tem notícia dele há anos e
depois o colega de jogo de damas acredita tê-lo visto no mercado hoje
mesmo...
– Se você colocar dessa maneira é mesmo estranho...
– Oi... – falei com a caixa entediada, cujo nome no crachá era Márcia –
... Marcia, estamos investigando o desaparecimento do Seu Osvaldo e
tivemos conhecimento de que ele foi visto esta manhã comprando leite, você
confirma?
– O Osvaldo desapareceu? Oxe, desde quando?
– Desde o final de semana, segundo a Dona Sônia.
– Oxe, mas ele vem comprar pão e leite aqui quase todo dia... hoje de
manhã mesmo passou aqui...
Algo não estava certo...
– Você não saberia pra onde ele foi depois de comprar o leite, não é?
– Deve ter ido pro trabalho, doutora, lá na prefeitura...
– Ele não é aposentado? – perguntei intrigada, afinal a Dona Sônia
tinha dito que ele já contava 75 anos...
Olhei para o relógio avaliando a possibilidade da prefeitura ainda estar
aberta aquela hora. Com a ajuda do Marcão fomos até lá. A prefeitura do
município também ficava ao redor daquela praça enorme (zero surpresa),
onde reunia a maior parte da vida urbana daquela cidade.
A prefeitura já estava fechada para atendimento ao público, mas
usamos da nossa autoridade policial para ter acesso ao interior do prédio.
– Procuro por Osvaldo. – fui logo falando, impaciente.
Uma senhora meio rabugenta chamou pelo Osvaldo sem sequer nos dar
muita atenção.
– Ele está vindo.
– Ótimo. – Eu não via a hora de apresentar a solução daquele caso para
o Danilindo.
– Osvaldo, esses policiais estão aqui pra falar com você.
Ao me levantar das cadeiras da sala de espera me dei de cara com o
Osvaldo, mas ele não era bem como eu imaginava. Bom, ele devia ter uns 20
anos a menos do que o descrito pela Dona Sônia.
– O senhor é o Osvaldo, marido da Dona Sônia? – perguntei incrédula.
– Marido? – o homem que tinha uns cinquenta anos se surpreendeu –
Não, não, Sônia é a minha mãe, aconteceu alguma coisa com ela?
Ah, sim, isso esclarecia a diferença de idade.
– Ah, então você é filho da Dona Sônia e do Seu Osvaldo?
– Sim, sim, sou Osvaldo Junior. O Osvaldinho como o pessoal da
cidade costuma me chamar. A mãe tá bem? – ele parecia preocupar.
– A sua mãe está bem, mas ela prestou queixa do desaparecimento do
seu pai esta manhã, estava muito preocupa...
– Ela o quê? – ele pareceu surpreso, então colocou as mãos na cabeça
preocupado – Não acredito que a mãe fez isso de novo...
Então atravessou o balcão e veio até mim, chegando mais perto.
– Tem algo que eu preciso saber? – questionei intrigada, olhei pro
Marcão que começou a ficar sem graça.
Lá fora já estava anoitecendo.
– Bom, pra começar, o meu pai é falecido já tem uns cinco anos...
Arregalei os olhos em surpresa.
– Como é? Mas... mas a sua mãe...
– Acho que a mãe tá meio doente da cabeça. – falou desanimado – volta
e meia ela esquece que o pai morreu e vai na delegacia. O Dr. Danilo sempre
manda ela pra casa dizendo que vai procurar...
Olhei pro Marcão que pareceu culpado.
– Você sabia disso?
A cara dele dizia tudo.
Aquilo tinha sido uma brincadeira do babaca do Danilo.
Um trote com a novata da delegacia.
– Danilo filho da pu... – Larguei o Marcão lá na prefeitura e saí
andando pela praça de volta pra delegacia.
Eu estava com tanta raiva que poderia ter entrado na delegacia e dado
um muro no meu chefe ali mesmo, mas para evitar um processo disciplinar
ou uma prisão por desacato, fui pra casa. O Danilo teria o que merecia, mas
não agora.
Essa ele tinha vencido, por enquanto.
Disparo balas de canhão
É inútil, pois existe
Um grão-vizir
Há tantas violetas velhas
Sem um colibri
Queria usar quem sabe
Uma camisa de força
Ou de vênus
Mas não vou gozar de nós
Apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom...
Chão de Giz, Zé Ramalho

Se eu me sentia culpado por sacanear a Larissa?


Bebi mais um gole da minha cerveja gelada antes de responder ao Ari,
meu chefe de cartório.
Não, nem um pouco. Mas ali, tomando uma cerveja depois do
expediente com a equipe, comecei a pensar se não peguei muito pesado com
ela.
Estávamos todos bebendo, no happy hour da segunda-feira, no
restaurante Pontal do Rio, o melhor da região que ficava nas margens do rio
São Francisco. Eu teria incluído a Larissa no convite se ela não tivesse ido
embora furiosa depois do trote daquele dia.
Ela não achou tão engraçado quando a gente. Que pena, por que foi
realmente divertido vê-la percorrer o centro da pequena cidade de Lourdes,
de uma ponta a outra a procura de um senhorzinho que já estava falecido há
vários anos.
Ah, Larissa, você é tão ingênua...
– Ela ficou muito puta, cara. – falou o Marcão que acompanhou a Lari
na investigação. – Sério, não sei como que vai ser amanhã quando ela chegar
pra trabalhar...
– Tá com medo de mulher, Marcão? – provoquei – Desse tamanho e
com medo de uma miudinha como a Larissa...
– E você não? – ele me devolveu – a garota é nova e a gente ainda não
sabe do que ela é capaz...
– Vocês já descobriram o que ela fez pra ser mandada pra cá? –
perguntou o Luan curioso como sempre.
Eu ri alto.
– E ela tem que ter feito alguma coisa? – bebi mais um pouco do chopp
gelado, estávamos em uma mesa ótima com vista para o rio – Vocês são
muito desconfiados...
– Ou será que é você quem está com o rabo preso, chefinho... – o Luan
continuou, esperto – Só assim pra você aceitar ela na equipe...
– Agora ele te pegou. – o Ari piscou pra mim.
Bebi mais um pouco ganhando tempo enquanto a minha equipe me
olhava esperando respostas.
– Foi apenas um favor a uma amiga. Nada demais.
– Ainda assim, é estranho.
– Porra, até você Marcão?
O Marcão era um amigo antigo, havíamos sido exilados ali juntos após
uma operação policial que acabou prendendo o sobrinho do governador por
tráfico de drogas. Coisa muito grande e que nos rendeu ao invés de uma
medalha, uma transferência para o interior do estado.
Uma investigação muito complexa, mas que acabou desagradando as
autoridades. Enfim, uma pedra antiga no meu sapato.
– Ela me jurou que a garota era gorda, feia e que não ia me causar
nenhum transtorno.
Falei e observei as sobrancelhas se erguerem uma por uma.
– Eu sei, eu sei, ela acabou sendo bem diferente do que eu estava
esperando...
– E já chegou causando transtornos. – o Luan me alfinetou.
– É, isso também... – falei lembrando do flagrante que havia dado nela
quando estava com a Dra. Vanessa no escritório. – Mas está muito longe de
fazer o meu tipo, então está tudo bem, vocês sabem que...
– Onde se ganha o pão, não se come a carne! – os três repetiram em
coro, chamando atenção das outras pessoas do restaurante.
Dei risada.
– É isso aí, vocês aprenderam direitinho.
– Ela é bem bonita, se eu fosse você ficaria ligado. – dessa vez foi o
Marcão.
– O que é isso, Marcão, ficou interessado nela? – me incomodei – Tira
logo esse cavalinho da chuva que eu não quero saber de romance na minha
delegacia!
– O chefe tá certo, não quero saber de ninguém ali dentro incomodando
a moça. – o Ari todo paizão foi logo se manifestando, até que se voltou pra
mim, com a autoridade que lhe era inerente – Isso inclui você, Danilo.
– Não precisa nem falar! Não há nada no mundo que me faça me
interessar pela Larissa. – engoli mais da bebida – Ela pode até ser bonitinha,
mas não sei se vocês perceberam uma coisa que eu vi nela de longe....
Os outros me olhavam em expectativa ao meu suspense.
– Oh, porra, ninguém presta atenção em nada? A Larissa transpira
desespero. E não há nada mais repelente do que uma mulher desesperada.
– Nossa, pegou pesado eim, chefe... – o Luan observou.
– Ah, se não estão preparados pra ouvirem a verdade, vão tomar
chazinho da tarde com ela, porra!
– Pois eu achei a moça muito bacana. – o Ari se manifestou no modo
tiozinho do bem.
Esse time pró Larissa já estava me irritando. Em uma semana ela já
tinha ganhado o coração e a simpatia da minha equipe. Mas para ganhar a
minha simpatia, ela ia precisar se esforçar muito mais, eu não era do tipo que
se impressionava só com um rostinho bonito, por mais incrível que pareça.
Acendi um cigarro e me afastei do grupo. Fiquei um tempo apoiado na
balaustrada do restaurante que dava vista para o rio aproveitando a brisa
fresca enquanto eles conversavam animados na nossa mesa.
Aceitar a Larissa na equipe havia sido um erro enorme, eu percebi isso
no momento em que a flagrei no meu banheiro naquele dia. É claro que logo
todos eles estariam afeiçoados a ela, era natural, já que ela era a única
mulher na nossa delegacia e eu estava preocupado com o quanto isso poderia
distrair os meus agentes.
É claro que a delegacia era tranquila, a cidade pequena favorecia isso,
mas eu era o responsável por aquele lugar e não queria a equipe distraída por
causa de uma mulher. Ela poderia fazer um trabalho excelente na delegacia
da Mari, mas ali as coisas eram diferentes.
Voltei pra mesa depois daquele cigarro, a tempo de me despedir do Ari
que já estava indo embora.
Continuei com o Luan e o Marcão no bar do restaurante até um pouco
mais tarde. Não pude negar que o assunto volta e meia retornava para a
Larissa o que me deixava estranhamente satisfeito, já que falar mal dela me
proporcionava um estranho prazer secreto.
O nome dela estava sempre na ponta da minha língua, pronto para ser
mencionado.
Ah, Larissa, que merda que eu fiz ao aceitar receber você...
De longe não é feia
Tem voz de uma sereia
Cuidado não a toque
Ela é má pode até te dar um choque
Venenosa
Erva venenosa
É pior do que cobra cascavel
Seu veneno é cruel
Erva venenosa, Rita Lee

– Nossa, mas que babacas, todos eles sabiam que eram trote e
ninguém te falou nada? – perguntou a Evelyn.
– Eu quero saber é o que você vai fazer agora...precisamos de um
plano de vingança – falou a Berenice – se você não fizer nada eles não vão te
respeitar.
Ouvi a Berenice e a Evelyn falando através de uma chamada de
vídeo no notebook que estava apoiado na bancada da cozinha, enquanto eu
abria os armários em busca de ingredientes. Estávamos em uma chamada de
vídeo há alguns minutos e eu tinha acabado de contar pra elas o que havia
acontecido no trabalho naquele dia.
– É claro que eu não vou deixar passar batido – Evelyn comemorou –
Já estou me preparando para fazer uns donuts. Aqueles babacas vão ter o que
merecem!
As duas teriam se entreolhado, se não estivessem em aparelhos
diferentes.
– Donuts, Lari? Donuts? – a Berenice perguntou ligeiramente
surpresa. – A não ser que você pretenda colocar alguma coisa neles...
– Quem sabe um laxante pra dar dor de barriga? – sugeriu a Evelyn
animada.
– Ou um Rivotril pra apagar todo mundo! Você pode, você tem a
receita!
– Vocês parecem duas psicopatas – falei tranquila – vocês sabem que
cozinhar donuts me relaxa.
Elas sabiam. Nos últimos três meses enquanto eu tinha perdido 15
quilos elas tinham ganhado alguns por causa de todas as fornadas de donuts
que cozinhei naquele período.
– Tá, então explica direito como você pretende se vingar deles com
donuts, porque eu não estou entendendo. – a Evelyn conversava enquanto
jantava, então ela deu uma mordida no seu sanduiche enquanto falava.
– Eu vou fazer uma coisa que a mamãe costumava fazer quando a
gente era criança e aprontava alguma malcriação...
A Bê me olhava como se eu estivesse doida. Na verdade, ela me
olhou como se eu tivesse surtado outra vez. Enquanto a Evelyn me
acompanhava da tela atenta e curiosa.
– Deu até saudade dos seus donuts...
– Vocês não lembram? – suspirei – Tá, deixa pra lá, a Bê era pequena
mesmo, não tinha como lembrar, mas você Evelyn passou por isso várias
vezes junto comigo...
– Ah, não, espera. É isso que você vai fazer? – ela arregalou os olhos
– A mamãe era malvada, eu faço terapia até hoje por causa disso.
– Do que vocês estão falando eim?
– De algo que é pior do que apanhar – falou a Evelyn com suspense –
Estou falando de tortura psicológica!
– E a mãe fazia isso com a gente? – a Bê perguntou espantada.
– Fazia! – respondemos juntas, eu e a Evelyn, as mais velhas e que
aprontavam mais.
– Nossa, isso explica muito sobre esta família. – concluiu a Bê antes
de mudar de assunto – Escuta, Lari, você tem tido notícias daquela sua
amiga, a Mari?
Estranho a Bê me perguntar sobre a Mari, elas não se gostavam
muito, ainda que a Mariana fosse uma das minhas melhores amigas há anos.
Apesar de que uma melhor amiga atende quando a gente liga, não é?
Ou responde as nossas mensagens...
Já faziam três meses que eu não tinha notícias dela, o que não fazia o
menor sentido já que antes disso nós vivíamos grudadas uma na outra.
Agora eu estava morrendo de saudade e ligava pra ela pelo menos
três vezes por semana, sempre sem resposta. Não conseguia entender como
ela podia me evitar durante a pior fase da minha vida.
– Você sabe algo sobre ela? – perguntei ansiosa – Não nos falamos há
uns três meses e ela não atende a nenhuma das minhas ligações...
Percebi a Bê corar e demorar pra responder.
– Não, era só curiosidade mesmo. Vocês andavam sempre tão
juntas...
– Eu sei, estou morrendo de saudades dela, não entendo por que se
afastou...
– Nossa esse sanduiche está horrível – falou a Evelyn alheia a nossa
conversa paralela – Eiii, eu vi aquele bonitão do Lucas Silva na televisão
outro dia, parece que ele vai participar de um reality show.... não era ele que
perseguia você?
– Esse é um babado enorme, mas que eu vou ter que deixar pra outra
hora, já estou atrasada pro plantão. – então parece que a Berenice caiu em si
– Espera, então você vai envenenar o bonitão do seu chefe com esses
donuts?
– Não, claro que não. – sorri pra minha irmã – Mas vou fazer ele
pensar que sim.
Ela gargalhou.
– Essa delegacia vai ferver amanhã, mas é isso aí, mostra pra eles
quem é a Larissa!
– Não se preocupa não que eu conto tudo pra vocês no fim do dia.
– Também tenho que ir, eu tô cheia de provas para corrigir...
Então depois que desligamos passei a cozinhar e fiz uma fornada de
delicioso donuts, que ficaram bem macios e fofinhos. Os caras iam amar,
eles viviam com fome e comiam tudo que tinha na copa da delegacia, quer
fossem deles ou não (já vivi a experiência de ter o meu lanche roubado e não
gostei).
No dia seguinte acordei cheia de energia.
Adorava abrir os olhos e dar de cara com aquele apartamento lindo.
Bom, pelo menos nesta eu saí ganhando, até que olhei ao redor e fui
invadida por uma tristeza ao me lembrar do Raul, que ainda estaria
dormindo aquela hora, como grande preguiçoso que era.
Senti falta do seu bafo quente na minha cara de manhã.
Sorri.
Como será que ele estava eim? Será que estava se alimentando
direito?
Será que estava com saudade de mim?
Me arrumei rapidamente e desci para a delegacia. Como sempre os
meninos já estavam trabalhando quando eu cheguei.
– Bom dia, meninos. Trouxe uma coisa pra vocês.
Falei com o meu melhor sorriso mostrando a cesta repleta de donuts
deliciosos com coberturas variadas.
– Hum... o que você tem aí? – perguntou o Marcão interessado – É
low carb?
Ergui uma sobrancelha com ironia.
– São donuts, Marcão. Os melhores que você vai comer na sua vida!
– Hum... temos uma cozinheira nessa delegacia, finalmente! – o Luan
falou chegando mais perto – deixa eu ver esse aqui.
O Luan foi o primeiro a pegar um. Distribuiu para os outros rapazes
também que comeram rapidamente. O Marcão comeu logo dois de uma vez.
– Tá mesmo muito bom – falou o Ari – mas qual a ocasião, alguma
comemoração que não estamos sabendo?
– Hum... É que depois do que aconteceu ontem eu achei que vocês
mereciam uma coisinha...
– Você não vai querer, Lari? – Luan perguntou enquanto repetia –
Você é realmente boa nisso, garota, arrasou!
– Não, obrigada. Nada no mundo me faria comer esses donuts.
– Dieta? – o Marcão perguntou se deliciando e lambendo os dedos.
– Não, não – respondi misteriosa – Outros motivos...
Eles olharam pra mim desconfiados e eu apenas ri.
– O chefe já chegou? – perguntei inocente, levantei e coloquei alguns
em um guardanapo pra ele – Melhor levar pra ele antes que acabe, de todos
vocês ele é quem mais merece.
– O que você fez, Lari? – o Ari questionou preocupado – O que foi
que você colocou nesses doces?
– Nada, uai. Querem mais um?
– Não, obrigada... – me responderam e eu ri.
Peguei os mais bonitos e separei para o Danilindo, então bati na porta
dele, que me mandou entrar de imediato.
– Algum problema, Larissa? – perguntou sem sequer olhar pra mim.
– Problema nenhum, Dr. Eu só vim te trazer alguns donuts, os
meninos adoraram. É uma oferta de paz, aceita?
Ele me olhou bem surpreso e pareceu ligeiramente constrangido.
– Claro, aceito sim. – em seguida deu uma mordida – Foi você quem
fez? Está mesmo muito bom...
– Eu cozinho muito bem, Dr. Danilin... – mordi a língua – que bom
que você gostou. Eu vou voltar para o meu trabalho agora.
Fechei a porta atrás de mim e dei alguns pulinhos triunfante.
O Dr. Danilindo ia se ver comigo.
Voltei pra minha mesa e comecei a atender uma cidadã local que
estava ali reportando uma briga de vizinhos quando o meu chefe saiu da sua
sala e foi se servir de mais alguns dos meus saborosos donuts.
Por coincidência naquele momento a Dra. Vanessa, a amiga colorida
do Danilindo chegou na delegacia para a visita da terça.
– Bom dia, pessoal – nos cumprimentou com simpatia – Dr. Danilo
eu gostaria de discutir sobre o inquérito de um cliente com o senhor, se
possível...
– Claro, claro, pode entrar... ‘vamos discutir sobre o inquérito’... –
começou a guiar a advogada até a sua sala até que para a minha alegria ele
resolveu oferecer a ela alguns dos meus donuts – Está delicioso, a doutora
deveria experimentar.
– Melhor não! – eu me levantei e me adiantei para a frente da mesa
onde se encontrava apenas um terço dos donuts que eu tinha trazido, os
meninos comeram bastante, mas agora estavam desconfiados.
Todos me olharam com um misto de choque e incredulidade.
– Desculpa, mas a doutora não pode comer desses donuts.
– Deixa de ser ridícula, Larissa, aprende a dividir, você está fazendo
feio na frente da doutora... – o Danilo chamou a minha atenção, mas eu nem
liguei, estava adorando aquele showzinho.
– Não me leva a mal, Dra. Vanessa – falei baixinho em confidência,
mas é claro que eles todos ouviram – mas você não vai querer comer desses
donuts, acredite em mim.
– Você está querendo dizer que tem alguma coisa errada com eles? –
o Danilindo estava chocado, principalmente porque estava segurando um
donut pela metade naquele momento.
– Ah, gente, isso está me deixando nervoso – o Luan falou
levantando e jogando o pouco que sobrara dos donuts no lixo – Pronto, agora
ninguém mais come esses donuts amaldiçoados.
– Espera, vamos resolver isso agora – o Ari falou – o que tem no
doce, Larissa?
– Você está tentando envenenar a delegacia, porra? – o Danilindo
estava bravo.
– Mas que merda, eu tô começando a ficar enjoado... – o Marcão
falou ao mesmo tempo.
– É claro que não! São só donuts. Donuts normais, com cobertura de
chocolate, de brigadeiro, tinha um de canela também que era uma delícia... –
me defendi adorando colocar fogo no parquinho – Por que, você está
sentindo alguma coisa, chefe?
Nossa, o Danilindo estava furioso. Ele começou a ficar vermelho,
prestes a explodir.
– Fala logo o que tem nessa porra desses donuts!
– Calma, não precisa gritar! – falei séria, sem perder o equilíbrio
emocional, eu era policial, sabia lidar com situações de alta pressão – Tem
farinha, ovos, manteiga, essência de baunilha, eu também uso leite, mas se
tiver alguém com intolerância a lactose eu recomendo que você use leite de
amêndoas ou algum outro vegetal... – fui reduzindo a voz, bastante satisfeita
– eu posso te mandar a receita por e-mail se você quiser...
– O quê? – perguntou cético e irritado.
Respirei fundo para o meu desfecho dramático. Peguei a cesta que o
Luan tinha colocado no lixo e recuperei. Segurei um donut com cobertura de
brigadeiro branco e antes de dar uma mordida nele eu falei triunfante
adorando aquele momento.
– Sabe, Dr. Danilo, Ari, Marcão e Luan, não tem absolutamente nada
de errado com esses donuts – eu confessei enquanto dava uma mordida,
hum, estava mesmo delicioso – mas tem algo de errado com vocês se
acharam que poderiam fazer trote comigo sem receber nada em troca.
Eu sorri e o queixo do Danilindo quase bateu no chão.
Ouvi de imediato a gargalhada do Ari.
– “Eu tô ficando enjoado” – falei com uma voz infantil debochando
do Marcão – Fala sério, Marcão!
Ele ficou sem graça e o meu chefe continuava me olhando em
silêncio enquanto os outros comentavam e riam.
– Menina, você não é brincadeira eim – o Luan quem comentou –
ainda bem que não tinha nada no donut, por que eu adorei, comi uns quatro e
quero mais, eu que lute pra queimar tudo na academia mais tarde...
– Eu acho melhor voltar outro dia – falou a advogada. Eu quase tinha
esquecido que ela continuava ali nos olhando com incredulidade como se
fossemos um bando de crianças.
No fundo acho que éramos mesmo.
Bom, eu era, um pouquinho.
– Mas e o inquérito do seu cliente? – perguntou o Danilindo
abandonado...
– Fica pra semana que vem...
Observei a moça ir embora ainda encostada na minha mesa. Não
pude deixar de me sentir triunfante quando o Dr. Danilo me olhou
aborrecido e deu meia volta pra sua sala batendo a porta com mais força do
que o necessário.
Hoje ia ser mais um dia que o Danilindo ia ficar na mão, mas dessa
vez ele tinha aprendido uma lição importante comigo. Agora ele sabe que se
quiser brincar comigo vai ter que lidar com as consequências. Eu já estava
no fim do mundo mesmo, então não me importava com mais nada.
Para abraçar o sol e fechar os olhos
Para falar de amor, deitar em seu colo
Vim de outra cidade, eu sou da estrada, sou rosa
Rosa no céu azul, te beijei os ombros
Você que me contou sobre os seus assombros
Assombros de amor de lá do fundo do seu mar
A Cor é rosa, Silva

O dia estava uma merda. Já tinha sido trolado com um donut e mais
uma vez fiquei sem a visita da Dra. Vanessa. Tudo por culpa da peste da
Larissa.
Quantas vezes mais aquela garota iria atrapalhar os meus encontros?
Olhei para a secretaria pelo vidro fumê, os agentes sempre se
esqueciam que ele estava ali, mas eu ficava de olho sempre, gostava de ficar
bem informado. A dinâmica do grupo era bastante previsível, o Ari falava
no telefone resolvendo algum pepino com alguém da família. O Marcão
conferia boletins de ocorrência no sistema, ou algo assim, enquanto o Luan
zapeava em um portal de notícias.
Já a Larissa, a única pessoa na sala que ainda era um mistério para
mim, estava atendendo a uma senhora e parecia muito interessada no que ela
tinha a dizer. Eu diria até que ela estava se divertindo com o assunto da
conversa.
Maldita a hora que eu concordei em receber aquela garota. Ela me
irritava tanto que até a sua risada me incomodava.
Entediado fui até a copa em busca de um pouco de café, o expediente
já estava acabando e eu não via a hora de voltar para a minha casa na capital,
afinal, depois do encontrinho malsucedido com a Vanessa, eu acabei
marcando um encontro de verdade com uma moça com quem já vinha
conversando há alguns dias em um aplicativo de namoro.
Bom, de uma forma ou de outra eu ficaria com alguém hoje.
Abastecido com um pouco de café, mas desejando uma boa cerveja,
eu observei mais uma vez aquela garota que estava mudando toda a
dinâmica da minha delegacia. Tentei pensar em algo para provoca-la, chamar
a sua atenção, mas nada me ocorreu, o que só serviu de alerta ao meu
subconsciente de que era melhor me livrar dela o quanto antes.
– Larissa? – falei encostado na parede, não só ela como todos
voltaram os olhos para mim – Amanhã quando chegar pode ir direto para a
sala de interceptações telefônicas, lá nos fundos. Você vai passar o resto da
semana lá...
Observei seus olhos antes curiosos se apertarem aborrecidos e gostei
da satisfação que isso me deu. Maltratar a Larissa era mesmo divertido,
apesar de que eu tinha que ficar atento para não ultrapassar os limites
funcionais.
Dei as costas e ouvi ela comentar antes que eu fechasse a porta da
minha sala.
– Parece que o chefe me colocou de castigo...
Não esperei para ouvir a resposta dos demais. Recolhi as minhas
coisas e aproveitei pra ir embora mais cedo, afinal, eu tinha um encontro
aquela noite e uma viagem de 2h no caminho entre eu e a moça.
Depois de uma viagem longa, com direito a engarrafamento na
entrada da cidade, eu consegui chegar ao restaurante japonês onde combinei
de encontrar a jovem. Seu nome era Natália, e ela era um espetáculo, muito
loira, bronzeada e com cara de filhinha do papai. Infelizmente não era lá
muito inteligente o que tornava a conversa superficial, maçante, ela estava
na faculdade de direito e ainda era bancada pelos pais.
Mas eu não estava procurando um relacionamento, então pouco
importava se ela era tão profunda quanto um copo d’agua. Conversamos
trivialidades, até que depois de algum tempo de papo eu comecei a achar a
sua aparência um tanto familiar, embora ela tenha dito que nunca nos
encontramos antes. Mas uma vez que eu ficava desconfiado era difícil
desligar.
Bom, jantamos e conversamos a noite inteira. Não sei se teríamos
assunto para um segundo encontro, mas por hora estava valendo. Depois do
jantar aproveitei pra convidar a moça pra tomar um vinho lá em casa e quem
sabe esticar para a sobremesa.
Ela era a sobremesa.
Ela aceitou sem muita insistência, para a minha alegria, abriu um
sorriso e aceitou de cara a minha oferta. Bom, não conversamos muito
depois disso, ficamos ocupados com coisas mais interessantes.
A companhia foi ótima por umas horas e o que se seguiu depois lá
em casa foi ainda mais interessante, no entanto fiz de tudo para que ela não
passasse a noite e logo me ofereci para levar a garota em casa para que eu
pudesse apurar melhor de onde vinha essa minha desconfiança. É claro que
eu deveria ter feito isso antes de ficar com ela e não depois. Mas a Larissa
tinha me atrapalhado tanto naquele dia que eu estava carente de uma atenção
feminina.
Bom, eu era delegado de polícia, investigar estava na minha veia,
além disso, alguns minutos depois de ter deixado ela em casa eu recebi a
notificação de que a garota tinha começado a me seguir no instagram.
Vasculhei toda a rede social da Natália que a princípio parecia
inofensiva, até eu rolar a página até algumas fotos mais antigas que
mostravam de onde eu já tinha visto aquela garota.
Ela era, ou já tinha sido, não sei bem, namorada do sobrinho do
governador. Aquele mesmo filho da puta que eu prendi há alguns anos por
tráfico de drogas. O mesmo caso que me fez ser transferido para a delegacia
do interior.
Eu sabia que já a tinha visto, eu sempre reparo nas garotas bonitas,
tanto quanto elas reparam em mim em qualquer ambiente fechado. Ela
estava presente durante o julgamento do garoto, tinha me visto prestar
depoimento e sabia quem eu era quando me encontrou hoje.
Fiquei furioso, não acreditava que tinha jantado com a namorada de
um criminoso em um restaurante lotado depois de ter colocado o filho da
puta na cadeia e ainda estar sendo punido institucionalmente por isso.
Entrei em casa e busquei uma mala dentro do guarda-roupa. Já fazia
um tempo que eu não ficava no apartamento lá de Lourdes e aquele me
pareceu um ótimo momento para retornar, passar uns dias fora da cidade era
a melhor ideia que eu poderia ter àquela hora da noite. Eu tinha que parar de
me colocar nesse tipo de situação, ainda mais envolvendo pessoas que já
prendi...
Aquela não havia sido a primeira vez que eu ficava com uma garota
envolvida com alguém que eu já havia prendido. Era fácil, bastava analisar
os números, eu já tinha prendido bastante gente e ficado com muitas
mulheres, uma hora as coincidências iam começar a acontecer.
Mas algo me diz que o envolvimento com essa Natália não era mera
coincidência.
Recebi uma mensagem no aplicativo:
Natália: Adorei o nosso encontro e já penso em repetir...
Bom, Natália, se depender de mim a gente nunca mais vai se ver...
Bloqueei o contato antes que isso me envolvesse em mais confusão e
desinstalei o aplicativo. De mala cheia, peguei as chaves do carro e me
apressei em direção ao interior para mais duas horas de viagem na estrada...
Eu ficaria afastado por um tempo, até garantir que qualquer um que
pudesse ter me visto naquele restaurante com a namorada de um presidiário
esquecesse essa mancada.
E se o vento hoje sopra a seu favor
Eu não guardarei rancor
Acho que sei perder
E não será a primeira vez
Hoje é você, amanhã será quem for, for
Serei um bom perdedor
E meu mundo não vai mudar
Até que alguém ocupe o seu lugar
Um Bom Perdedor, Bruno e Marrone

“Você não me ama de verdade, Marcos Leonardo! Eu sei que você é


um dos responsáveis pela morte do meu pai”
– O quê?
Parei de mastigar a pipoca chocada com a informação. Já era tarde e
depois de tomar umas cervejas, chorar rios e rios de lágrimas sem nenhuma
dignidade e de ter ligado pra Mariana, sem sucesso, diversas vezes, eu
resolvi dar a volta por cima e assistir a um episódio da minha novela
favorita, “Cevada da Paixão”. Isso sempre me animava ou ao menos me
chocava a ponto de não conseguir mais pensar sobre o que tinha dado errado
na minha vida.
– Mas como ele pode ter matado o seu pai? O Marcos Leonardo é um
homem inocente! – falei para a Maria Letícia que acusava injustamente o
galã, o Marcos Leonardo, de ter assassinado o pai dela após ele ter sido
picado por um enxame de abelhas na fazenda.
“Eu confiei o meu coração a você, te dei a flor da minha inocência e
você agiu contra meu pai, destruiu a minha família!”
– Ah, nem vem, a flor da sua inocência já tinha ido embora há muito
tempo com o João Vicente, que eu sei!
“Mas meu amor, como pode me acusar de atentar contra a vida do
seu pai se o que fiz foi tentar salvá-lo?”
– Ela não te merece, Marcos Leonardo. A cada episódio eu tenho
mais certeza disso.
Acompanhei a discussão dos dois protagonistas ao mesmo tempo em
que olhava o celular, nenhuma resposta da Mari. Tentei ligar para alguma
das outras meninas da delegacia, mas a conversa não aconteceu como eu
gostaria, elas até atenderam a ligação, mas pareciam constrangidas, evasivas
e muito pouco interessadas em manter contato.
Nossa amizade nunca havia sido assim e infelizmente desde que
entrara na polícia eu tinha me fechado e o meu círculo de amigos era
formado apenas pelos colegas de trabalho e pelos amigos do Rodrigo, com
quem agora eu evitava qualquer tipo de contato.
Ainda chorava todas as noites por causa da nossa separação, também
sentia uma saudade indescritível dele e da nossa vida juntos, mas depois de
muito insistir e praticamente vender a alma para conseguir que ele me
ouvisse na tentativa de recuperar o nosso casamento ele finalmente
confessou que já tinha outra pessoa, o que me fez desistir.
Mas ainda sentia falta daquela vida, afinal tudo tinha mudado, eu não
tinha mais a minha casa, os meus amigos, o meu local de trabalho, nem o
Raul...
Ah, o Raul...
Senti as lágrimas tomarem conta dos meus olhos outra vez até que a
Maria Letícia me tirou deste torpor:
“Eu nunca mais quero te ver, Marcos Leonardo! Volte para as suas
ovelhas, para o seu algodão, eu nunca vou te perdoar pelo que fez”
– Você é muito burra, Maria Letícia! – falei aborrecida, talvez
aquelas cervejas finalmente tenham subido, já que eu continuava
conversando com os personagens da novela – Não enxerga o que está bem
na sua frente, o Marcos Leonardo é inocente, mas o seu amante, o João
Vicente, nem tanto.
Recebi uma notificação no celular.
Plim!
Berenice: Ainda acordada?
Larissa: ahã. Vendo Cevada da Paixão.
Berenice: Credo, você ainda assiste essas porcarias?
Larissa: não sei do que você está falando, essas novelas são ótimas!
Berenice: são totalmente fora da realidade e cheias de drama...
Larissa: pelo contrário, elas são muito complexas e profundas...
Berenice: ah é? E o que o Rogério Rodrigo Rodolfo aprontou dessa
vez?
Larissa: deixa de ser sacana, Bê, esse personagem nem existe!
Olhei para o relógio, já estava tarde, não era comum a Bê me chamar
àquela hora.
Berenice: Você está sentada?
Desconfiei.
Larissa: E é pra ver a novela em pé?
Berenice: Affs deixa de implicância. Eu tive uma ideia, mas quero
que você mantenha a mente aberta.
Pausei a novela e passei a chamar a Bê em uma chamada de vídeo,
ela atendeu de imediato.
– Quer dizer que em vez de ir dormir e descansar pro próximo
plantão você fica ai acordada pensando na minha vida?
– Alguém tem que pensar, já que você não faz nada com ela.
Fechei a cara.
– Olha pra você, andou chorando outra vez?
– É claro que não. – menti – só tomei algumas cervejas, você sabe,
eu tenho um trabalho arriscado, fico estressada...
– Um trabalho arriscado como agente de polícia em Lourdes... – me
olhou irônica – atendendo a roubo de galinhas e briga de vizinhos...
– Mesmo assim é muito estressante, as galinhas são importantes para
a economia local.
A Berenice deu uma risada.
– Me conta, como que tá lá com o seu delegado bonitão?
– Ele não é MEU delegado e nem é tão bonitão, é um babaca. Hoje
ele me falou que eu vou passar o resto da semana na interceptação
telefônica...
– E isso é ruim? Ele não sabe que você é a maior fofoqueira? Se
soubesse não te colocava pra ouvir a conversa dos outros.
Dessa vez eu tive que rir, porque era verdade. Eu era a maior curiosa
da vida alheia.
– Mas me conte, que ideia é essa que você teve?
– Então, primeiro eu quero que você prometa que vai pensar a
respeito ao invés de descartar a ideia logo de cara.
– Tá na cara que é uma ideia ruim, então eu não vou prometer nada.
– Deixa disso, eu sou sua irmã, só quero o melhor pra você.
– E o melhor é...?
– Conhecer outras pessoas. – ela falou e eu não entendi aonde ela
quis chegar – Veja, você está em uma cidade nova, em uma vida nova e não
conhece quase ninguém, não fez amigos...
– Claro que fiz ou estou em vias de fazer, eu trabalho com uns caras
bem legais na delegacia.
– Eles não contam, são do trabalho. Sem contar que um é gay, o
outro é casado, além do rato de academia e do gato do seu delegado.
– Ele não é meu delegado...
– Não importa, eu tenho uma sugestão, acho que você devia entrar
naqueles aplicativos de namoro.
Fiquei alguns segundos parada olhando pra ela antes de cair na
gargalhada.
– Nem pensar que eu vou baixar um aplicativo daqueles. Nenhum
desespero no mundo me faria descer tão baixo.
Ela ficou zangada.
– Larga de ser preconceituosa, não tem nada a ver com desespero, é
uma forma de conhecer as pessoas.
– É como um cardápio de pessoas onde eu seria o prato principal. De
jeito nenhum, nem pensar!
– Mas já tem três meses que você não fica com ninguém, não está se
sentindo sozinha?
Muito.
– Exatamente, faz três meses que eu me separei, não é tão simples,
não posso pular direto nos braços de outra pessoa, é muito cedo...
– Não foi cedo para o Rodrigo – ela falou e eu senti as lágrimas
ameaçarem – ele caiu nos braços de outra antes mesmo de vocês
terminarem.
É, uma lágrima escapou sem autorização.
– Eu não sou o Rodrigo. Eu não esqueço das pessoas assim tão
rápido. – falei aborrecida.
– Mas deveria. Ele não vai voltar e você precisa seguir em frente com
a sua vida, ele seguiu com a dele.
– O que você quer dizer com isso?
– Bom, eu não queria te contar, juro que não queria, mas se for o que
você precisa pra seguir com a sua vida, então eu vou dizer. Eu sei que você
foi bloqueada de todas as redes sociais do Rodrigo, mas eu não...
– O que você viu? – coloquei a mão sobre a boca, prestes a receber a
notícia que me desestabilizaria por completo.
– O Rodrigo anunciou nas redes sociais que vai se casar, Lari.
– O quê? Mas como isso é possível, nós nem nos divorciamos ainda!
– Pois é, mas ele não parece muito preocupado com isso.
As lágrimas desceram, uma após a outra sem nenhum controle.
– Pense a respeito dos aplicativos de namoro. Você também merece
conhecer alguém bacana, o Rodrigo nunca prestou, você só não sabia disso...
– Eu acho melhor a gente continuar essa conversa outra hora, Bê... eu
preciso dormir, vou acordar bem cedo amanhã.
– Tá certo. – ela me olhou com solidariedade, daquele jeito de quem
dava uma notícia ruim e não poderia fazer nada a respeito. – Conversamos
amanhã, tá certo?
– Combinado. – Desliguei a ligação antes que ela me desse boa noite.
Naquela noite eu dormi com o travesseiro molhado, pensando em
como tudo tinha mudado e em como eu não estava preparada para lidar com
nada daquilo.
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos
Perto de uma mulher
São só garotos
Garotos, Leoni

A viagem de carro demorou mais do que o esperado já que parte da


rodovia estava em meia pista devido a obras na estrada. Já eram quase quatro
horas da manhã quando parei o meu carro na frente da delegacia. Peguei as
chaves do apartamento e subi arrastando a mala de rodinhas escada acima.
Nem me dei ao trabalho de acender as luzes, estava tarde e em breve
eu teria que acordar para trabalhar, me restavam poucas horas de sono e não
havia tempo a perder, eu estava exausto, tratei de deitar na cama... mas ela
não estava vazia como eu achei que estaria.
Alguém rolou pra cima de mim com uma arma apontada para o meu
rosto. Senti um calafrio, parecia cena de filme mesmo, pela primeira vez em
anos me senti assustado de verdade e ligeiramente excitado. Não tive a
oportunidade de sacar a minha arma, eu estava completamente vulnerável.
– Quem é você e o que você está fazendo na minha cama? – ela falou
e com a outra mão puxou a cordinha do abajur que a minha decoradora
escolheu a dedo.
Era a Larissa e ela ficou tão chocada ao me ver, quanto eu ao vê-la,
mas não saiu de cima de mim, nem deixou de apontar a sua pistola, 9 mm.
– Dá pra tirar isso da minha cara? – falei mal humorado e percebi a
ironia do destino por causa de quando apontei a minha arma pra ela ao
flagrá-la no meu banheiro. – O que você está fazendo no meu apartamento?
– Que horas são? O que você está fazendo aqui? – ela pareceu
insegura por um instante, mas não pude deixar de notar que continuava em
cima da minha cintura e isso estava mexendo comigo, literalmente. Então ela
saiu de cima de mim, estava usando apenas uma camiseta e uma calcinha
como pijamas. A garota travou a arma e colocou em cima da gaveta. – Porra,
Danilindo, nem me deixa dormir em paz, eu devo estar sonhando – falou se
deitando para voltar a dormir.
Então eu belisquei ela.
– Ai porra! – gritou – Tá fazendo o quê aqui?
– É o meu apartamento, saia. – falei calmo, cansado.
– Seu apartamento? – me olhou cética – eu moro aqui há três
semanas.
– É meu. Quem você acha que fez a reforma que deixou esse lugar
habitável, o governo?
– O Ari me entregou as chaves quando eu fui transferida pra cá, ele
disse que ninguém usava.
Ele estava certo. Eu quase não usava o apartamento funcional que
ficava em cima da delegacia.
– Ele não deveria ter feito isso. O apartamento é meu por direito, eu
sou a autoridade máxima, ele é meu. Saia.
– Sai você! São quatro da manhã e eu não vou sair a essa hora da
minha cama.
– Você quis dizer “minha cama”.
– Não importa. – ela virou de lado e voltou a dormir. Me deixando
sozinho acordado sem saber o que fazer com a Larissa na minha cama.
Deixei a mala estacionada ali, peguei o lençol e um travesseiro e
desci para o sofá. Pausado na televisão estava o que parecia ser uma novela
mexicana boba. Desliguei a o aparelho e dormi o resto daquela madrugada
no sofá do apartamento, enquanto a folgada da Larissa se esparramava na
minha cama, no puro conforto.
Acordei as nove horas da manhã, atrasado.
A Larissa obviamente já tinha levantado e já estava dando plantão na
delegacia. Não pude deixar de notar as garrafas da minha cerveja favorita
acumuladas ao lado da geladeira. Além de roubar o meu apartamento ela
também tinha bebido a minha cerveja e isso era imperdoável. Para a sua
sorte a sua expulsão ia ter que esperar, já que eu tinha uma reunião marcada
as dez horas da manhã com a juíza da comarca de Propriá, há meia hora de
distância.
Me arrumei rapidamente e peguei a estrada. Esta reunião tinha sido
solicitada por mim depois de muitas tentativas com os meus superiores de
conseguir recursos para investigar uma onda de roubos a bancos nas regiões
circunvizinhas.
Não era de hoje que eu vinha observando nas notícias que a região do
baixo são Francisco em Sergipe vinha sofrendo com vários assaltos a banco
realizados por uma quadrilha altamente especializada que agia com rapidez e
eficiência.
Também não pude deixar de notar que nenhum desses assaltos
ocorreu no município de Lourdes o que me levava a duas teorias: ou nós em
breve seriamos alvo da quadrilha ou eles agiam daqui e assaltavam apenas os
municípios da redondeza.
As duas hipóteses eram sérias e muito me preocupavam, mas os
meus superiores não pareciam pensar da mesma maneira. Não depois da
prisão do sobrinho do governador que ainda estava no seu mandato e não
poderia ser investigado por causa do seu foro privilegiado e por isso optou
por me exilar no alto sertão sergipano, numa tentativa óbvia de me paralisar
institucionalmente, o que foi recebido com a concordância dos políticos e do
secretário da segurança pública, mais uma marionete do governo.
Enfim, eu não vou ficar aqui remoendo os malfeitos do passado,
estava mais preocupado com as notícias que vinham se repetindo nos jornais
todas semanas e com os riscos de ter que agir contra uma quadrilha tão
poderosa com uma equipe tão pequena, se fosse o caso.
De toda forma eu pretendia compartilhar todas as minhas
inseguranças com a Juíza da 10ª vara criminal de Propriá. Ela já tinha me
ajudado uma vez e eu esperava que pudesse fazer de novo. Eu me sentia
amarrado, sem poderes, sem apoio. Era péssimo ir de encontro ao quadro
político da ocasião e ter sido exilado apenas porque não poderia ser
exonerado por retaliação ao fato de cumprir a minha função bem até demais.
Graças a isso eu não tinha nenhum apoio, até os colegas tinham
medo de se posicionar e perder privilégios na polícia. Eu estava sozinho e
por isso só me restava recorrer ao judiciário como último recurso, sem ele eu
desistiria, é muito cansativo lutar sozinho e eu estava descredibilizado
politicamente graças ao grupo que se encontrava no poder.
Coloquei perfume antes de descer do carro, esse era um dos segredos
para fazer sucesso com as mulheres, além de bonito e bem barbeado eu
estava sempre perfumado e a Juíza Dra. Fátima apreciaria isso, não que ela
fosse cair nos meus encantos. Por ser uma mulher mais velha, já estava
preparada para os truques baratos como aqueles e não se deixaria convencer
tão fácil por um rostinho bonito.
Esperei na salinha privativa por um tempo até que o seu assessor
viesse me chamar. Eu estava atrasado e àquela hora da manhã era quando
aconteciam as audiências, o fórum estava lotado.
Já era quase meio dia quando eu consegui a atenção da Juíza Dra.
Fátima, eu estava morrendo de fome, desejei um dos donuts da Larissa.
– Vamos lá doutor, de forma objetiva, qual o motivo desta reunião? –
ela falou entrando na própria sala e sentando na sua cadeira em frente a mim
– Como o senhor tá vendo o dia hoje está bem movimentado e eu ainda
tenho seis audiências de custódia.
– Bom, Doutora, eu peticionei em nome da Delegacia de Lourdes
solicitando autorização para investigar os crimes circunvizinhos devido a
onda de assaltos a banco...
– Houve algum assalto a banco na sua cidade?
– Não doutora...
– Então porque o senhor está querendo investigar crimes que
aconteceram em outras cidades, doutor, a cidade de Lourdes está tão
sossegada assim, que o senhor está querendo fazer o trabalho dos outros?
– Eu acredito que a quadrilha pode estar usando o município de
Lourdes como ponto principal de articulação e por isso estão evitando
assaltar a cidade, para não chamar atenção.
– Houve alguma denúncia neste sentido, doutor, algum informante,
alguma pista que o levasse a essa conclusão, alguma ligação anônima?
– Infelizmente ainda não doutora...
– Então você vem até mim pedir autorização com base no seu
achismo?
– Eu já provei em investigações anteriores ter bons palpites em
relação a crimes organizados, Excelência...
– Entendo, mas não é assim que a justiça funciona, doutor. Se o
senhor está aqui hoje é porque todos os seus superiores negaram o seu
pedido.
– Sim, mas eu confio nos meus instintos e acredito que existe
realmente algo acontecendo em Lourdes e que podemos parar essa quadrilha
se tivermos recursos e autorização pra interceptações telefônicas e mandados
de buscas e apreensão...
– Tudo isso sem nenhuma prova pra justificar, Dr. Danilo.
– Eu confio nos meus instintos, Excelência.
– Entendo. Basicamente o senhor quer que eu autorize aquilo que
ninguém mais quis autorizar, que coloque o meu nome nos mandados para o
senhor ir atrás das pessoas que desconfia com baste no seu instinto e se tudo
der absolutamente errado vai ser o meu nome constando na assinatura desses
documentos.
– Assim como o meu, Excelência.
Ela sorriu, como se eu fosse um tolo ao comparar as nossas carreiras.
– Você não tem nada, doutor... nenhum indício.
– Ainda não, mas terei assim que puder fazer uma interceptação
telefônica, doutora.
– Eu vou analisar a sua petição, Dr. Danilo. Sei que é competente no
que faz, mas vimos onde foi parar quando resolveu mexer com as pessoas
erradas.
– Eu sei disso e aceito as consequências.
Ela suspirou.
– Sei que você aceita, a questão é se eu aceito as consequências de
colocar meu nome nisso se tudo der errado.
– Não vai dar errado. O meu palpite é forte, não tenho dúvida de que
há algo acontecendo em Lourdes.
– Muita gente queria ter essa sua confiança, Delegado. Mas vamos
ver, eu vou analisar os documentos e os seus pedidos.
Suspirei derrotado.
– Apareça com algum indício e os mandados serão seus. Enquanto
isso vai ter que esperar uma análise bastante criteriosa da minha equipe em
busca de uma brecha na legislação que permita que o senhor investigue
crimes que não estão na sua circunscrição com base no seu “instinto”.
Assenti.
Ela não ia me dar uma autorização assim tão fácil. Não estava
disposta a colocar o dela na reta assim como eu. Eu tinha que aceitar e
esperar.
Ter paciência nunca foi o meu forte. Foi por isso que eu me adiantei
e providenciei algumas interceptações telefônicas por conta própria. Quer
dizer, eu com a ajuda do Marcão e do Luan dando cobertura. O Ari ficou de
fora por ser chefe de cartório, pai de família, se a coisa apertasse não
queríamos que sobrasse pra ele e quanto a Lari, foi antes dela chegar e ainda
não sei o quanto eu poderia confiar nela para esse tipo de conduta.
Conduta ilegal, é o que eu quero dizer.
Afinal, até hoje eu não sei porque ela foi banida da 6º Metropolitana.
Fiz a viagem pra Lourdes ciente que hoje ainda teria que enfrentar o
problema da garota no apartamento. Eu vim pra ficar um tempo e em
nenhuma hipótese iria dividir com ela, era um loft, o lugar era minúsculo,
feito pra uma pessoa só e eu tinha reformado para que correspondesse ao
meu bom gosto.
O Ari não tinha nada que dar as chaves pra ela. O apartamento era
meu e eu não abriria mão disso.
Cheguei na delegacia já tarde. Ali na espera estava uma advogada
linda chamada Luana que costumava aparecer de vez em quando. Eu a
cumprimentei e pedi que esperasse um pouco, já que tinha um problema
maior pra resolver antes de conversar com ela sobre o inquérito do seu
cliente.
– “Deixa, deixa mesmo de ser importante, vai deixando a gente pra
outra hora...”
Passei pela Larissa sem que ela me visse, ela estava preparando um
café na nossa cafeteira, com fones de ouvido cantando baixinho uma música
qualquer da Marília Mendonça, tão típico que parecia só mais um dia normal
na delegacia.
Chamei o Ari para que me acompanhasse até a minha sala e ele veio
tranquilo. Me encostei na mesa ainda de pé e pedi que ele sentasse no sofá
em frente, aquele que ficava logo abaixo da janela de vidro de onde eu
observava a delegacia, mas não parei de observar a garota. Será que ela sabia
usar aquela máquina? Normalmente não se demorava tanto assim pra se
fazer um café.
– Quer dizer que eu deixo uma chave extra do meu apartamento com
você e você dá pra Larissa morar nele?
O Ari ficou nervoso, aquela veia na testa dele começou a pulsar e seu
rosto ficou vermelho. Temi que a sua pressão aumentasse, o meu chefe de
cartório tinha tendência a ter a pressão alta.
– É melhor você sentar. – e ele o fez, mas eu continuei ali de pé, onde
era melhor de observar pelo vidro fumê. – Eu preciso passar um tempo no
apartamento, e como ficamos agora que você permitiu que a Larissa morasse
nele?
– Ah, doutor, o senhor reformou o apartamento todo, mas nunca teve
interesse nele, nunca dormiu, então achei que a Lari tava precisando mais.
Ela me disse que se separou recente e que estava ficando na irmã, então
achei que poderia usar o apartamento.
– Ela se separou recente, que história é essa?
– Então, parece que ela era casada com um promotor de justiça e ele
deu o pé nela, a coitada ficou sem nada. Ela não fala muito no assunto aqui
na delegacia, mas no dia que mostrei o apartamento ela acabou falando um
pouco da própria vida.
Hum... então a Larissa era divorciada? Isso pra mim era novidade. E
pior, tinha levado um pé na bunda... olhei pra ela através do vidro, linda
cantando Marília Mendonça e exceto pela música de sofrência ela não
demonstrava nenhuma emoção para alguém que estava passando por um
divórcio.
– E filhos, ela tem? – perguntei sem pensar muito, mas me arrependi
no mesmo instante, o Ari ficou desconfiado.
– Olha doutor, se eu fosse o senhor deixava a Lari quieta. Imagina o
transtorno, o senhor se envolver com ela e depois o climão que vai ficar
nessa delegacia. Vai ser ruim pra todo mundo.
– Lá vem você de novo com essas histórias... você está louco se acha
que eu quero ficar com ela. Não estou interessado, era só curiosidade e eu
quero meu apartamento de volta. Você não tinha o direito de ceder pra ela,
nem ninguém e agora vai ter que tomar ele de volta pra mim.
– Como é, Dr. Danilo?
– Não foi você que disse que ela poderia morar lá, então também
pode desdizer.
Então pra minha surpresa o Ari riu e eu fiquei contrariado.
– O senhor quer o apartamento de volta e quer que eu faça o trabalho
sujo? – continuou rindo – Desculpa doutor, com todo o respeito, mas eu não
sou o Marcão. Essa o senhor vai ter que resolver sozinho.
– Humpf
– Lute por ele, como quem luta contra o crime – ele riu – mas no fim
lembre que o senhor tem uma casa na cidade, e só quer ficar aqui porque se
meteu em alguma confusão. A Larissa precisa mais do apartamento do que
você.
– Mas é meu apartamento. Meu apartamento!
– Eu sei, já entendi. Mas sabe de uma coisa doutor, você tá
parecendo demais com meu filho mais novo. – falou o Ari se dirigindo até a
porta – ele tem seis anos.
Com essa ele saiu. Me chamando de criança. Será que eu não teria
uma mínima vitória naquele dia. Até que lembrei da Dra. Luana lá fora.
– Dra. Luana, pode vir, por favor – apontei para a porta do meu
escritório. –Sobre qual inquérito quer discutir exatamente?
Perguntei tolamente porque ao fechar a porta do escritório a Dra.
Luana foi logo me beijando e me puxando pelo colarinho. Me empurrou até
a parede zangada.
– Como que você me deixa esperando por tanto tempo?
Em seguida me beija antes que eu tenha a chance de responder.
– Você sabe muito bem que o inquérito tramita lá em Propriá...
– Coincidência, estive lá hoje, no fórum – falei tentando afastar a
moça para que eu pudesse respirar, não estava no clima pra pegação naquele
momento, então a afastei segurando nos seus antebraços e perguntei se ela
aceitava um café.
– Eu já tomei um, aquela sua agente já me serviu. Nova ela aqui né...
– começou a me olhar com desconfiança e um pouco de ciúme. – Vocês
estão juntos?
– Claro que não, nem poderia. Ela é esposa de um grande amigo
meu. – menti – É uma pobre coitada, tive que aceitar aqui porque ninguém
queria trabalhar com ela. – olhei pra Larissa que parecia concentrada no
computador – A coitada tem uns probleminhas da cabeça, por isso
mandaram pro interior... Fiquei com pena...
– Sei, mas ela é bonita. – e era mesmo.
– Mas de onde vem esses ciúmes, você sabe que o que rola aqui é
completamente casual, a gente não tem nada sério. – falei, percebendo que a
Luana queria ultrapassar alguns limites.
– Eu não sou homem pra namorar, Lu. Você sabe muito bem disso.
Ela deu a volta e sentou no meu colo. Eu estava no sofá.
– Uma hora você vai se apaixonar por alguém, porque não poderia
ser por mim? – ela falou se olhando no reflexo do vidro – eu sou linda, bem
sucedida, também sou um bom partido, Danilo.
– Claro que é, minha linda, mas não sou o amor da sua vida, pode ter
certeza disso. Na verdade, talvez seja melhor a gente dar um tempo nesses
encontros, pro seu bem, claro. Vejo que você está confundindo um pouco as
coisas entre nós e eu não quero que sofra.
– Em outras palavras, você não quer mais que eu venha aqui?
– Eu não quero te fazer sofrer, você merece um homem melhor do
que eu...
Ela suspirou levantando e recolhendo a sua bolsa junto com o resto
de dignidade.
– Você é um mulherengo incorrigível. Sempre que está chegando
perto de alguém, corre.
Não sei em que momento a Luana achou que estávamos ficando
próximos, a gente se via de vez em quando e trocava memes na internet.
Nosso relacionamento era só isso.
– Não nego que tenho medo de me apaixonar – é aqui que eu
demonstro vulnerabilidade pra ela não saia gritando e quebrando tudo na
delegacia. Eu era experiente, tinha os meus truques – E não quero que você
perca o seu tempo comigo. Tem um cara por aí que vai querer te dar o
mundo pra ficar contigo. Quando isso acontecer você vai ficar feliz em não
ter perdido mais tempo comigo.
– Nossa, você é um babaca. – fala chateada – mas eu vou sentir sua
falta.
Me dá um último beijo e sai, sem escândalo e sem baixaria, pro meu
alívio. Se despede de todos e sai da minha delegacia e eu sento na cadeira
aliviado. Até me questionar o por quê de eu estar aliviado, afinal eu acabei
de perder uma ficada certa, com uma gata que eu poderia ter enrolado um
pouco mais, mas coloquei fim ao nosso envolvimento. Porquê?
Balancei a cabeça devaneando. Nada mais fazia sentido.
Pelo vidro não vi mais a Larissa, a essa altura ela já tinha ido embora
e esse era um outro problema que eu teria que enfrentar mais tarde, mas por
enquanto eu só queria fechar os olhos e respirar.
O dia tinha sido foda e estava longe de acabar.
Achei que ia te deixar no canto
Varrer você para debaixo do tapete
Eu que já tava fazendo outros planos
Meu celular não tem você no papel de parede
Não foi bem assim
Eu me enganei, tava bem longe do fim
Não foi bem assim
Você me desmontou, sorriu de novo pra mim
Uô, a gente não se aguenta
Mas a gente não aguenta ficar longe um do outro
A Gente não se aguenta, Marília Mendonça

Acordo com uma leve ressaca e com lembranças confusas sobre a


noite anterior. Eu tive a impressão de ter conversado com o Danilindo na
madrugada, mas isso era impossível e não fazia nenhum sentido. As minhas
irmãs diriam que eu me sinto atraída por ele, por isso ando imaginando
coisas. Eu não nego que a atração por ele era quase inevitável, ele era tão
bonito, mas não poderia ser confundida com interesse, isso eu não tinha e
nunca teria e era uma das poucas certezas que eu poderia contar naquele
momento.
Só despertei pra valer depois de um banho gelado, graças a Deus a
pressão do chuveiro era tão forte que acordaria até um defunto. Mas foi só
ao descer as escadas de alumínio que eu percebi que o meu chefe, na sua
enormidade estava dormindo no sofá.
É, talvez a conversa que tivemos na madrugada não tenha sido um
sonho. Preparei um café na máquina de expresso enquanto o observava
dormir. Depois olhei para as garrafas de cerveja acumuladas ao lado da
geladeira, isso não deve ter passado uma boa impressão e era impossível que
ele não tivesse notado.
Fiquei apoiada no balcão tomando meu delicioso café, forte, sem
açúcar para me despertar por inteiro, eu não era uma pessoa muito matinal e
precisava de toda a ajuda para cumprir horário de manhã, enquanto isso
observava ele dormir. Na certa havia perdido o horário, mas eu não iria
acordá-lo por nada neste mundo.
Ele dissera que o apartamento era dele e olhando ao redor, fazia todo
sentido, era um apartamento de muito bom gosto, mas masculino e novinho
em folha. Certeza que ele nunca tinha usado depois da reforma. Mas eu
gostava dali e não queria ser despejada, principalmente porque não pagava
aluguel e ficava logo acima da delegacia, ou seja, a apenas alguns passos do
trabalho.
Desci tentando fazer o menor barulho possível. Deixei um pouco de
café na cafeteira, eu era uma boa anfitriã, afinal. Cheguei na delegacia como
se nada tivesse acontecido. Dei bom dia a todos. O Ari ainda não tinha
chegado, mas o Marcão e o Luan já estavam lá. O fortão reclamava que
talvez tivesse exagerado na academia no dia anterior.
– Pega leve nessa academia, Marcão, você pode acabar se
machucando. – falei ao ligar o meu computador que ainda demoraria uns
vinte a trinta minutos para carregar. – E você não acha que já está forte o
bastante?
– Não existe isso de forte o bastante... – resmungou
– Ele usa a academia pra extravasar as frustrações. – falou o Luan
também ligando o computador, muito superior ao meu.
– Você já ouviu falar em terapia? Pode ajudar muito a lidar com isso,
melhor do que distender um músculo por aí.
– Eu não acredito em terapia. – falou o Marcão todo truculento –
você paga pra uma pessoa ficar só ouvindo fofocas sobre a sua vida.
Eu dei risada.
– Parece um bom emprego. – falei – mas é sério, a terapia funciona,
me ajudou muito quando...
Os dois ficaram atentos.
– A terapia me ajudou muito. – completei e eles soltaram a
respiração, curiosos.
– Mas você fazia terapia por que mesmo? – o Luan perguntou como
quem não quer nada, já que eu não tinha satisfeito a curiosidade deles.
– Por causa de alguns problemas pessoais que eu tive que lidar
recentemente, mas eu não quero incomodar vocês com nada disso. – fiz um
gesto de pouco caso, eles se entreolharam e eu me diverti – Que boba eu
aqui, esqueci que vou passar a semana toda de castigo na interceptação
telefônica, que tédio...
– Por favor, nos incomode, a gente não liga... – falou o Luan
enquanto eu me divertia com os dois atentos. No fundo eram dois
fofoqueiros.
– Nãh, deixa pra lá... A vida de vocês é muito mais interessante do
que a minha... mas o que eu falei sobre a terapia é sério, Marcão e se você
quiser eu posso até te recomendar algumas terapeutas bem legais.
– Gostosas? – perguntou.
– Bem competentes e profissionais. – o repreendi já pegando a bolsa
e indo pra sala de interceptação telefônica, que também era onde ficavam as
telas com as câmeras da cidade, que ninguém nunca olhava. A equipe era
pequena para monitorar aquela sala todos os dias.
Acendi a luz fraca da sala e liguei o computador ao mesmo tempo
que olhava curiosa o que acontecia pela cidade nos nove monitores que
ficavam permanentemente ligados. A praça estava tranquila, ainda era cedo.
O caminho para o melhor restaurante da cidade estava calmo. Enfim, tudo
estava sossegado.
No computador havia nada menos de cento e cinquenta e seis horas
de interceptação telefônicas gravadas para escutar. Era realmente um castigo.
Coloquei os fones de ouvido e comecei a ouvir conversas alheias sem saber
exatamente o que estava procurando já que o Danilindo não tinha
especificado o que estávamos investigando, o que tornava esse trabalho
ainda mais difícil.
Observei pelas câmeras o meu chefe sair correndo e entrando na sua
Fiat Toro preta, atrasado em direção a algum lugar. Continuei a ouvir
algumas gravações nada interessantes até que resolvi mandar uma
mensagem pro grupo das irmãs.
Larissa: Novidades! Descobri de quem é o apartamento chique em
que estou morando de graça.
Passados cinco minutos nenhuma resposta, ansiosa, resolvi continuar
mesmo assim.
Larissa: Nenhum palpite? É do meu chefe, por isso estava todo
reformado! E agora ele quer que eu saia!
Plim!
Recebi uma resposta, seguida de outras.
Berenice: Despejada de novo? Que tal um banho de sal grosso?
Evelyn: É o típico “tava bom demais pra ser verdade”, e agora, o que
você vai fazer?
Larissa: Nada. Não vou me mudar, ele que se vire, vai ter que trocar
a fechadura pra me impedir de entrar no apartamento.
Evelyn: Essa rebeldia não te pertence, parece coisa da Bê.
Berenice: Pois você está é certa. Ele passou quase um mês sem dar
fé desse apartamento e agora chega do nada querendo pagar de dono? Ele
que lute.
Larissa: Eu não vou sair. Já estou adaptadíssima ao apartamento que
é lindo, não tive que pagar aluguel nenhum e ainda fica a um minuto do
trabalho. Não vou sair. Pro Danilo é só um capricho, ele está sempre
procurando uma forma nova de me humilhar.
Berenice: Isso, garota, lute!
Evelyn: Calma, eu tenho certeza que vocês podem chegar a um bom
acordo.
Larissa: É que você não conhece ele, Evelyn, o Danilo é tão
irritante, com ele não tem acordo.
Berenice: Ele sabe que você é uma sem teto?
Larissa: Vai lá, me humilha mais um pouco.
Evelyn: A minha casa sempre vai estar aberta pra você e você sabe
disso, não liga pra essa doida não. A propósito é pra gente votar pra o Lucas
Silva ficar ou sair do reality show?
Berenice: Ai meu Deus, Evelyn, eu já te expliquei várias vezes,
quando você vota é sempre pro participante ficar. E sim, o Lucas tem que
ficar até o final pra ganhar o prêmio.
Larissa: Que história é essa de reality show? Vocês andam
conversando sem mim né e eu fico aqui no meio do nada sem saber das
fofocas escutando conversa sem graça de outras pessoas! Eu já estou bem,
vocês não precisam ficar moderando os assuntos, também quero saber o que
acontece na vida de vocês!
Berenice: Pronto, o Lucas Silva entrou em um reality show e está
concorrendo a um prêmio milionário, mas você saberia disso se olhasse as
redes sociais... ou se assistisse algo além daquelas novelas colombianas
ridículas.
Evelyn: É verdade, essas novelas são horríveis e o reality show é
bem legal, apesar de eu ficar na dúvida se quero que ele vença. Não sei ainda
se gosto dele...
Berenice: Arre! É claro que você vai votar nele, porque eu, a sua
irmã mais nova, estou pedindo! O Lucas é meu amigo e vamos torcer por
ele.
Eu realmente estava boiando no que se referia a cultura pop. Passava
o dia na delegacia cercada de homens e a noite chegava tão cansada que só
tomava umas cervejas e assistia a umas novelas. As vezes ligava pra mamãe,
as vezes conversava com as ridículas das minhas irmãs, outras vezes ligava
pra Mari pra ver se ela atendia ou pro Rodrigo, infelizmente este último
tenho vergonha de confessar.
Larissa: Espera, então nós gostamos ou não gostamos do Lucas
Silva? Só pra ficar bem claro.
Berenice: Nós gostamos. Até a mamãe tem votado nele. Mas enfim,
não é isso que importa agora, você tem trinta e dois anos e não setenta.
Vamos atualizar as redes sociais? quem sabe baixar um aplicativo de
namoro?
Evelyn: Isso mesmo, já está na hora de baixar um aplicativo. Você
está aí há quase um mês e já conhece quantas pessoas? Quatro? Você precisa
disso...
Larissa: Conheço mais do que você imagina, todos os dias eu
conheço alguém novo aqui no trabalho.
Evelyn: É mesmo? Cite o nome da última pessoa que você conheceu
aí.
Hum... a última pessoa que eu conheci aqui foi a... realmente, não me
lembro o nome dela, mas lembro que era uma queixa de som alto contra a
vizinha.
Larissa: Ah, tem o Marcos, o Aristides, o Luan...
Berenice: Nem vem, esses são os nomes dos seus colegas de
trabalho, gente que você vê todos os dias, não conta.
Larissa: Eu não quero entrar em um aplicativo...
Falei receosa.
Larissa: Eu sou policial, não parece seguro pra mim conhecer
pessoas assim.
Evelyn: E quem disse que você tem que revelar tudo no seu perfil?
Conta que é policial depois, se achar que vale a pena. Coloca que você é
professora. Professoras são sempre inofensivas.
Larissa: Você está falando isso só por que você é professora...
Berenice: ... e não é nem um pouco inofensiva.
Larissa: A cidade aqui é muito pequena, logo todo mundo vai saber
que a nova agente ‘do Dr. Danilo’ está no aplicativo.
Evelyn: Só vai saber quem também estiver lá. Então fica tranquila,
que vai dar tudo certo.
Berenice: Vamos fazer assim, eu e a Evelyn vamos criar um perfil
pra você ainda hoje, a gente vai escrever o seu perfil, vai escolher as suas
fotos...
Larissa: Pelamordedeus! Não escolhe nenhuma foto de quando eu
estava gorda!
Falei horrorizada.
Berenice: Vamos fazer o que for possível, acredite.
Evelyn: A gente vai fazer um perfil bem legal pra você, pode confiar
em mim (na Bê não, sabemos que ela é doida, mas em mim você sabe que
pode confiar).
Berenice: Não tenho vergonha do que sou. Deus me fez assim para
brilhar!
Larissa: Ridícula!
Berenice: Recalcada. Mas sim, hoje te mando o link do seu perfil e
você escolhe alguém pra conversar, vai ter alguém interessante em um raio
de 100km, pode ter certeza.
Evelyn: Daí basta você ser você mesma, só que um pouco melhor e
mais animada e pronto! Vai achar alguém interessante, sair, conversar e
quem sabe quebrar esse seu jejum intermitente!
Affs
A minha falta de vida sexual era um assunto que essas duas
adoravam explorar, não bastava eu mesma lembrar disso? Afinal, não me
envolvi com ninguém desde a minha separação, estava muito deprimida por
como tudo tinha acontecido e só agora estava voltando para a normalidade
da minha vida nova. Mas elas adoravam esfregar na minha cara que eu não
ficava com alguém novo há anos e com absolutamente ninguém há meses.
Berenice: Isso se o Dr. Danilo não te levar pra cama primeiro...
Eu quase me engasguei.
Larissa: Isso nunca vai acontecer, Berenice. NUNCA.
– Como está indo aí? – o Marcão apareceu e eu fechei a tela do
celular na mesma hora – A conversa parece interessante.
Ele riu e se encostou na mesa de braços cruzados, de frente pra mim
e de costas para os monitores.
– São as minhas irmãs, elas não param de falar besteira. – falei
torcendo para que ele não tivesse visto nada, principalmente as últimas
mensagens. – É bem difícil de escutar as interceptações sem saber o que
estamos procurando.
– O Danilo não te falou nada sobre essas interceptações? – ele ergueu
as sobrancelhas – Isso não é típico dele...
– Estou escutando há horas procurando algo suspeito, mas acho que
ele só me mandou pra cá pra não ter que cruzar comigo pela frente.
Ele riu.
– Não, não, o Danilo não é assim, ele é gente boa. É que alguma
coisa em você irrita ele pra caramba. Mas se conta de alguma coisa a gente
gosta de você. Seu café é bom e você sempre traz comida.
– Ah tá, que bom que a minha personalidade está sendo avaliada com
base no meu café e nos meus lanches. – sorri.
– E eu ainda vou te ajudar com essa – falou se dirigindo aos fones
que estavam pendurados no meu pescoço – se liga, se ouvir algo sobre
dinheiro, banco, esquema, encontro em grupo, ou qualquer tipo de
articulação ou código que te leve a pensar em alguma dessas coisas, presta
atenção que pode ser importante. Pode parecer castigo, mas isso daí é bem
importante pro Danilo, vai contar pontos com ele se você conseguir alguma
coisa.
Ele deu uma piscadinha e atirou em mim com uma arminha boba
com a mão antes de sair.
O dia se estendeu longamente, já no fim do dia cansada e precisando
relaxar procurei no spotify uma playlist da Marília Mendonça e fui preparar
um café, já era fim de expediente e eu pretendia escapar para o apartamento
antes que o meu chefe me visse. Ele tinha passado o dia todo fora e ali na
espera estava uma advogada pronta para despachar com ele, ou seja, mais
um dos casinhos nojentos do Danilo.
Ofereci a ela um café, desliguei a máquina jurássica que tinha ligado
pela manhã, peguei minha bolsa e subi pro apartamento, onde eu tirei as
minhas botas, peguei uma cerveja gelada na geladeira, deitei no maravilhoso
sofá, onde o travesseiro e o lençol constavam dobrados e alinhados no canto,
coloquei meus pés em cima da mesa de centro e liguei a televisão.
Plim!
Berenice: Fizemos seu perfil no aplicativo, não foi nada fácil.
Evelyn: Principalmente na escolha das fotos...
Berenice: Mas acho que você vai gostar. Pra todos os efeitos você é
professora do ensino médio...
Evelyn: E fomos bastante fieis aos seus gostos e personalidade...
Que medo dessas duas.
Larissa: Ok!
Berenice: Só isso, ok? Não vai contestar nem reclamar?
Larissa: Dessa vez não. Obrigada, amo vocês, suas insuportáveis.
Evelyn: Não dá pra acreditar em você desse jeito, você parece
estranha e suspeita.
Larissa: Obrigada, só não esperem muito. Duvido encontrar alguém
que me interesse nesse aplicativo.
Berenice: Vamos ver o que acontece.
Evelyn: A sorte está lançada para os homens do interior.
Berenice: Que vença o melhor vaqueiro!
Larissa: Aqui não temos muitos vaqueiros.
Berenice: Então que vença o melhor homem!
Apesar da televisão ligada eu não estava prestando atenção. Com o
celular em mãos eu comecei a explorar o aplicativo de namoro, dando NÃO
para muitos e SIM para poucos, era até divertido.
Me distraí de forma que sequer notei quando ele chegou.
Você apareceu do nada
E você mexeu demais comigo
Não quero ser só mais um amigo
Você nunca me viu sozinho
E você nunca me ouviu chorar
Não dá pra imaginar quando
É cedo ou tarde demais
Pra dizer adeus, pra dizer jamais
Pra dizer adeus, Titãs

– Botas espalhadas pelo chão, marcas de pés e cerveja na minha


mesa de centro caríssima... É assim que você acha que vai me convencer a te
deixar morar aqui?
– O Ari me deu as chaves, tenho autorização para ficar aqui, caso
você ainda não saiba.
– Ele não é o dono do apartamento para dar autorização pra ninguém
morar aqui, no mínimo essa decisão deveria passar por mim. – Reclamei
recolhendo as botas da Larissa e colocando em um canto. Ela parecia
bastante à vontade no meu sofá. – Você não deveria estar fazendo as malas?
Ela não estava me dando muita atenção, parecia entretida com o
celular. Com quem poderia estar falando para deixa-la assim tão distraída
quando eu esbravejava na sua frente.
– Alou, maluca! Nós temos um problema sério aqui, dá pra prestar
atenção?
Ela depositou a garrafa ainda molhada na mesa e me olhou sentada
no sofá com as pernas abertas e a blusa para fora da calça, estava bem
informal, o sutiã estava ao lado, no sofá, como se aquela fosse a primeira
coisa de que tinha se livrado ao chegar e o botão da sua calça estava aberto.
Tudo isso mexeu comigo de uma forma que não pude controlar, já que dava
para perceber bem as suas formas. Enquanto isso ela me olhou com seus
olhos enormes, me dando finalmente a atenção que eu pedi.
Tratei de pegar em uma das gavetas um descanso de copo e colocar
abaixo da sua cerveja. Já não era mais uma das minhas, pelo que pude
observar das garrafas acumuladas, aquelas já haviam acabado há bastante
tempo.
– Desculpa, o que você disse? Eu estou fora do meu horário de
expediente e aqui você não é mais meu chefe. Pega uma cerveja na geladeira
e relaxa. – seus olhos se voltaram para o celular e ela deu um sorriso
acompanhado de uma risada. Isso me incomodou pra caralho.
Não tenho orgulho de dizer que fiz exatamente o que ela disse. Fui
até a geladeira pensando em como expulsar ela de forma rápida e eficaz.
Abri uma garrafa, dei um gole. Estava muito boa.
Sentei na poltrona ao seu lado e olhei para a garota entretida com
ceticismo, engrossei a voz e prossegui.
– Como eu dizia, foi um erro o Ari te dar as chaves do meu
apartamento. Esse lugar é imprescindível para as minhas funções como
delegado dessa cidade e como você pode ver, é pequeno demais para duas
pessoas.
– Tem razão. – uffa, achei que seria mais difícil, ela não é tão
irrazoável quanto eu imaginei que seria – esse apartamento é pequeno
demais para duas pessoas. Mas se é tão imprescindível para o exercício das
suas funções como diz, como não percebeu que eu já estou morando aqui há
quase um mês? Porra, esse apartamento fica em cima da delegacia.
Ela sorriu e disse calmamente.
– Eu não vou sair daqui. – Ela se levantou, colocou algo no micro-
ondas e voltou com mais duas garrafas, me servindo uma, já que sem que eu
percebesse já tinha bebido toda.
Eu aceitei a contragosto.
– Larissa, você não tem autorização pra continuar aqui. – disse sério
– eu sou o delegado da cidade e você sabe que posso te autuar com um
processo administrativo por desobediência.
– Eu sei que você pode fazer muitas coisas, doutor – falou calma,
com a voz suave após um gole da cerveja maldita – mas me autuar com um
processo administrativo por causa do meu local de residência, isso você sabe
que extrapola as suas funções... sinto muito, mas não vou a lugar algum.
– Eu sabia que aceitar você aqui era um erro. – falei baixinho – sabia
que ia acabar me dando trabalho.
Ela gargalhou.
– E quem te pediu pra que me recebesse aqui? Seria bom finalmente
saber alguma coisa sobre essa minha transferência.
Bem, esse tipo de satisfação essa cretinazinha não ia obter de mim.
– Não é da sua conta. É assunto confidencial.
– É totalmente da minha conta. – então o micro-ondas apitou e ela se
levantou, seu bumbum até que era bem bonito. – Eu estava bem na 6º
Delegacia até ser mandada pra esse fim de mundo.
Ela veio da cozinha com dois pratos de pizza.
– Calabresa, gosta? – me serviu, como uma anfitriã, como se fosse a
dona da minha casa – O que te traz até aqui afinal? Faz quase um mês que
moro aqui e o Ari me contou que você nunca veio antes. Por quê agora, está
fugindo de alguma coisa na cidade?
Quando foi que as coisas viraram contra mim desse jeito? Eu estou
no meu apartamento, que gastei uma fortuna para reformar, discutindo com
uma funcionária inconvenientemente atraente que não quer ir embora de
jeito nenhum e agora ela está me tratando como visita dentro da minha
própria casa? Que mulher irritante.
Mordi o pedaço de pizza e dei outro gole na cerveja, mas eu estava
incomodado.
– Não te devo explicações. A propósito, como foi hoje nas
interceptações telefônicas?
– É difícil escutar horas de conversa sem saber o que se está
procurando.
Tive uma pequena satisfação.
– Por sorte o Marcão me deu umas dicas do que se tratava e parece
que você tá buscando algo muito sério.
Ah, esse Marcão era um grande bocudo. Eu mesmo já havia escutado
a maior parte daquelas interceptações telefônicas antes e não havia
encontrado nada. Aquela era a minha playlist do carro, da academia...
pensando bem talvez eu realmente estivesse obcecado com a minha teoria
sobre os assaltos a banco.
– Até quando você pretende ficar? – ela me perguntou.
– Você está brincando? Não te devo satisfações garota. Já te falei que
quero você fora daqui o mais rápido possível.
– E eu já te disse que não vou a lugar nenhum. – disse se levantando
e seguindo em direção as escadas.
– Pra onde vai? – seu prato continuava na mesa e as três garrafas
vazias no chão logo abaixo.
– Tomar banho e dormir, tá tarde e você sabe né, amanhã eu trabalho.
– falou cínica.
– E não vai limpar isso aqui? – perguntei perplexo.
– Ah, pode deixar aí que amanhã eu limpo.
O quê? Meu Deus, que mulher horrível. Ela subiu as escadas e eu
ouvi o barulho do chuveiro enquanto ela cantava uma música qualquer. Eu
recolhi as garrafas e juntei com as outras, isso teria que ser recolhido logo no
dia seguinte e lavei os pratos, já que eu JAMAIS dormiria com os pratos
sujos na mesa ou na pia.
Aquela garota ia destruir a minha casa. Ia encher o apartamento de
ratos e baratas. Ela tinha que ir embora.
Obstinado eu subi as escadas de metal em direção ao quarto, que
também era onde ficava o único banheiro da casa, pro meu desprazer. A
Larissa já estava deitada na cama, da mesma forma que na noite anterior ela
usava uma camisa com um astronauta e estava apenas de calcinha, com as
pernas de fora. Não fez questão de se cobrir ao me ver passar.
Pra ser bem honesto não me deu nenhuma atenção, como se eu
sequer estivesse ali. O abajur estava ligado e ela continuava no celular,
sorrindo e as vezes até rindo para a minha irritação.
Eu era invisível e não estava gostando disso.
Tomei meu banho quente incomodado com toda essa situação, não
estava acostumado a ser ignorado e a Larissa estava se comportando como
uma peste. Então fiz questão de sair do banheiro molhado com a toalha
amarrada na cintura, como a minha mala estava estacionada lá embaixo
(obra dessa cretina, claro) eu me trocaria lá. Era impossível ela não me notar.
Ainda mais com o que eu disse em seguida.
– Você tem até o final de semana para encontrar outro lugar pra ficar.
Quero as chaves do apartamento na minha mesa na segunda.
Seus olhos se abriram em choque e finalmente ela não pode disfarçar
o olhar que dirigiu a mim, um misto de ódio e.... e algo mais, atração,
desejo? Não sei dizer. A Larissa me odiava por mandar ela embora, mas se
sentia atraída pelo meu corpo.
É, até que satisfez um pouco do meu ego, pelo menos até o último
degrau, quando eu a ouvi rir por causa da pessoa com quem estava
conversando.
Quem seria esse comediante, tão engraçado. Um babaca, sem dúvida.
Eu queria arrancar aquele celular das mãos dela e jogar janela abaixo, isso
sim me traria satisfação e acabaria com aquelas risadinhas idiotas. A Larissa
era exatamente igual a todas as outras, dando risadinhas e sorrisos bobos por
causa de algum idiota. Eu só poderia ter pena dele, duvido que soubesse que
ela bebia igual um marinheiro e que é uma bagunceira.
Me acomodei no sofá irritado, já que a dona risadinha estava lá
confortavelmente na minha cama enquanto eu me apertava de novo para
caber naquele sofá. Logo suas luzes se apagaram dando fim aquele
incômodo. Por causa da cerveja acabei dormindo mais rápido do que
imaginei entre pensamentos inquietantes sobre a Larissa.
Capítulo treze – Larissa
Dizem que eu ando bem melhor depois que eu terminei
Todo mundo consegue enxergar o quanto eu melhorei
Engraçado ver eles pensando que eu te superei
Todo mundo menos você, Marília Mendonça

Hoje a noite eu tenho um encontro.


Isso mesmo. Depois de passar quase dois dias conversando com o
João, um comerciante local muito divertido e com ótimo senso de humor, eu
finalmente aceitei sair com ele em um encontro no restaurante que ficava na
beira do rio.
Esse era, pelo visto, o melhor e mais famoso restaurante da cidade,
que tinha um deque elegante e um mirante para o famoso rio São Francisco.
No fim o aplicativo de namoro acabou me surpreendendo e as
minhas irmãs estavam certas, existia mesmo gente boa por lá, não só uns
babacas, como pareciam ser a maioria. Mas o João estava lá e eu também e
estávamos tendo ótimas conversas desde que eu instalei o aplicativo.
As fotos que as minhas irmãs usaram foram as melhores que
puderam encontrar nas atuais circunstâncias, já que antes da minha
separação eu pesava uns quinze quilos a mais, meu rosto e o corpo em geral
eram muito mais redondos, tanto que precisei comprar um guarda-roupa
inteiro de roupas novas depois que emagreci.
O meu peso nunca tinha sido um problema até a separação. Eu vivia
bem, me achava bonita como era, com as minhas bochechas proeminentes e
curvas avantajadas, sei lá, achava que não havia nada de errado comigo. Mas
a separação mexeu com a minha autoestima e eu passei a me achar feia,
rejeitada, quis transformar tudo em mim. Culpei o meu físico pelo
casamento não ter dado certo e fiz tudo diferente, emagreci, cortei e clareei o
cabelo, comprei roupas novas.
Quase não parecia mais a mesma pessoa, então as minhas fotos no
aplicativo estavam um pouco diferentes de quem eu era agora e eu nada
poderia fazer, não havia tirado fotos nem registrado aquela nova versão de
mim até o momento.
Ousei tirar uma selfie e fui olhada com curiosidade pelo Luan.
– Tá tirando foto pro boy? Melhora esse ângulo, inclina a cabeça.
Fiquei tímida na hora. Não queria ser flagrada mandando selfie pro
João, nem atualizando as fotos do instagram. Não, ainda não era o momento
para que eles me vissem como eu era agora.
– Não! Claro que não. Não tem boy nenhum. – falei rápido demais o
que só fez aumentar as suspeitas dos garotos.
O Danilo estava lá na sala dele mal humorado. Passou o dia inteiro
no telefone e estava claramente incomodado comigo. Acho que o irritei
ontem a noite com tanta indiferença, ideia da Berenice, é claro. Ser fria e
fazer pouco caso de alguém não era fácil pra mim. Eu era mais do tipo que
brigava, gritava, apontava o dedo e esbravejava.
Mas funcionou com ele, talvez por ele esperar exatamente o contrário
de mim, uma atitude histérica e irracional. Foi bom vencer uma batalha
contra ele, mesmo que tenha sido difícil de me concentrar no plano ao vê-lo
só de toalha no apartamento. Ele era mesmo um gato e eu quase tinha
esquecido que tinha um corpo incrível, isso não facilitava as coisas.
Ele estava muito confiante de que eu sairia do apartamento. Havia
me dado um ultimato, mas eu não iria a lugar nenhum, eu gostava dali e
tinha certeza que logo ele iria embora de volta pra capital e me deixaria em
paz.
– Vocês receberam o convite para o 28º prêmio da segurança
pública? – o Luan perguntou.
Dei uma olhada nos meus e-mails e lá estava o convite com uma
programação na qual parecia que o Dr. Danilo era um dos homenageados
pelo trabalho que estava fazendo aqui no interior. Estranho, já que ele
parecia ser frequentemente alvo de perseguição.
– Vocês vão? – perguntei ansiosa, afinal, era uma oportunidade de
rever as amigas que não via já há algum tempo.
– O Danilo vai ser homenageado, melhor a gente ir pra dar apoio.
Não vai ser fácil pra ele... – o Marcão comentou.
– Mas essa homenagem não é uma coisa boa? Não entendo...
– Parece um recado bem claro de onde ele está e de onde deve
continuar, quieto e comportado. – falou o Marcão.
– Uma alfinetada institucional. – completou o Luan.
– Nossa, pra mim uma homenagem é apenas uma homenagem, não
sabia que tinha tanto significado. – olhei para trás, pelo vidro, como se desse
para observá-lo de dentro da sala. – Será que é por isso que ele está tão
chateado?
– Com certeza deve ser um dos motivos. – falou o Ari que até então
se mantinha concentrado no que quer que fosse – Acho que você deve ser o
outro. Está dando um trabalhão danado pra ele.
– Eu? – falei sonsa – Quem manda ele vir mexer comigo? Eu tenho
uma assessoria muito bem preparada pra me ajudar a lidar com ele.
– Está falando das suas irmãs? – o Luan estava curioso – Como elas
são? Se parecem com você?
– Depende. Fisicamente eu sou bem parecida com a Evelyn, ela
também é branquinha como eu, já a Berenice saiu ao pai, é mais morena. –
Peguei no celular uma foto de nós três juntas. – Olha aqui. – apontei no
celular. – A Evelyn é professora de inglês, já a Berenice é médica, faz
residência em Cardiologia em Salvador.
– Espera, essa do meio aí é você? – me perguntou cético.
– Deixa eu ver. – o Marcão pegou o celular da minha mão – Suas
irmãs são umas gatas. Já você... – ele olhou pra foto e depois pra mim,
envergonhada eu tomei o aparelho da mão dele.
– Muita coisa mudou desde que tiramos essa foto.
– Menina, muita coisa mudou mesmo. – repetiu o Luan atônito – o
que aconteceu com você?
– Era por isso que você fazia terapia? – perguntou o Marcão na cara
dura e eu dei risada.
– Nem vem, eu não era tão feia assim. – me defendi.
– Não, ninguém disse que você era feia, Lari. Só... bem... diferente. –
falou o Marcão sem jeito.
– Eu vou pra essa premiação e vou querer uma carona, por que vou
beber bastante champanhe pago pelo governo. – falei mudando de assunto.
– Tchim thim!
Eu e o Luan brindamos com as nossas taças imaginárias.
Plim!
João: Estou ansioso pelo nosso encontro. Nunca pensei que ia ficar
tão animado em encontrar uma professora.
Eu ri. É, estava usando a história da professora até me sentir
confortável para dizer que era da polícia.
Larissa: Isso parece coisa de quem era um péssimo aluno na escola
kkkk
João: O pior! Mas vou tentar me comportar com você.
Larissa: Muito bem, senão vai levar uma nota zero no aplicativo
kkkk
Respondi bem humorada, mas ele não disse mais nada. Paquerar
ainda era uma coisa nova. Depois de passar muito tempo em um único
relacionamento, eu tinha perdido o jeito. Nunca tinha ficado muito tempo
solteira, então as vezes eu acabava falando alguma coisa inapropriada.
Bom, hoje a noite eu treinaria na prática e estava bem nervosa. Pra
começar não sabia o que vestir, nem o que fazer com o cabelo. Não queria
parecer arrumada demais para que ele não achasse que eu tinha me dedicado
muito ao encontro. Mas também não queria parecer que tinha vestido a
primeira roupa que tinha visto pela frente.
Além de tudo tinha a arma. A melhor forma de escondê-la era usando
um coldre na coxa que era preso a cintura e a depender da roupa poderia
chamar atenção. Mas eu me sentiria nua sem a minha pistola, impossível sair
de casa sem ela.
Optei por um vestido folgado onde o coldre não seria notado, a não
ser que o João tivesse a mão boba. Neste caso eu teria que tomar as minhas
próprias providências.
Peguei o carro e cheguei as oito da noite. Não quis que ele fosse me
buscar para que não soubesse onde eu morava, afinal, apesar do papo
divertido, ele ainda era um estranho. O restaurante ficava a apenas dois
quilômetros da delegacia, na beira do rio, todo feito em alvenaria e madeira.
Larissa: Já cheguei, onde você está?
Perguntei já que ainda não nos conhecíamos. Ele levantou o braço e
acenou de uma das mesas. Por ser dia de semana o restaurante estava
praticamente vazio. Fui até ele tentando demonstrar o máximo de confiança,
mas não era bem assim que eu me sentia.
– Você é bem diferente da foto. – foi a primeira coisa que me disse se
levantando pra me cumprimentar, mas se corrigiu rapidamente – É muito
mais bonita, é o que eu quero dizer.
Essa era uma coisa a que eu ainda estava me acostumando, a ser
elogiada pela minha aparência por outras pessoas.
– Já você é igualzinho. – falei um pouco sem jeito, sem saber como
me comportar – Esse restaurante é muito bonito.
– É praticamente o único dessa cidade. Também é muito romântico...
Olhei ao redor. Era mesmo. Pensei no Danilo, aquele parecia ser o
tipo de lugar que ele gostaria de frequentar. Afastei esse pensamento, a
última coisa de que eu precisava era pensar no Danilo enquanto estava em
um encontro.
– Então, o que uma mulher como você faz em um aplicativo como
aquele?
– Hum... o mesmo que você, não?
– Não sei, você não parece ser do tipo que precisa de ajuda pra
conhecer pessoas e ter encontros.
– Acho que hoje em dia todo mundo precisa, mas confesso que eu
resisti bastante antes de entrar... as minhas irmãs quem fizeram o meu perfil,
acredita?
– Então que bom que elas fizeram, senão você não estaria aqui agora.
– ele colocou o braço por cima da minha cadeira, ao redor dos meus ombros.
Eu não gostei, não fiquei confortável. Ele só tirou o braço dali
quando o garçom chegou para anotar nossos pedidos.
– Uma cerveja pra mim.
– Ah, você bebe? – me perguntou e eu senti o julgamento em sua
voz.
– Isso é um problema? – questionei.
– Bem, durante a semana... Você não tem que dar aula amanhã,
professora?
– Na verdade preciso te confessar uma coisa... – falei – eu não sou
professora.
– Mas você trabalha com o quê? Não gosto de mulheres que mentem
no aplicativo.
– Eu imagino o que isso possa te parecer, mas a maioria dos homens
não dariam match comigo se souberem o que eu faço pra viver.
Ele começou a ficar sem paciência.
– Mas você vai dizer com o que trabalha ou vai ficar fazendo
mistério a noite toda?
– Na verdade eu prefiro não dizer ainda, deixa a gente se conhecer
um pouco mais, a noite está só começando...
– Porque você não quer dizer? – então ele pareceu se dar conta de
algo e se levantou de repente. – Ah! Não precisa falar mais nada, eu já sei o
que você é, você é uma prostituta! – ele respondeu na mesma hora – eu
deveria ter adivinhado.
O quê? Prostituta?
– Eu não sou uma prostituta! – falei me levantando, ofendida.
– É sim! Você é garota de programa, vai me cobrar depois do
encontro!
– Já disse que não sou prostituta!
Eu também me levantei ofendida.
– Pra mim, já deu. Não vou pagar por nada! Nem por essa cerveja aí.
Ficamos os dois parados, ele com nojo no olhar e eu chocada por
aquele desfecho inesperado.
– Você está falando sério? – falei estupefata.
– Eu deveria ter percebido desde o começo. Eu não preciso desse tipo
de serviço, moça.
– Eu não sou prostituta, porra!
– Vou embora. – Ele disse.
– Não. – coloquei o dedo no peito dele chateada – Sou eu que vou
embora depois de ser ofendida dessa maneira e se considere com sorte, eu
sou agente de polícia e só não te levo preso por desacato por que não estou
de serviço. Agora pega a sua arrogância e vai a merda, seu idiota!
Virei as costas e me dirigi a saída, ainda ouvi ele resmungando.
Quem diria que uma pessoa que parecia tão legal poderia ter se revelado um
grande idiota. Peguei meu carro e fui embora estacionando atrás da Toro do
Danilo. Péssimo sinal, significava que ele ainda estava na delegacia ou pior,
no apartamento.
Subi devagarinho atoa, ele não estava lá. Abri uma garrafa de cerveja
na geladeira e liguei a televisão em uma das minhas novelas colombianas.
As cenas de briga entre os personagens Juan Manuel e Henrique de La Costa
estavam tomando toda a minha atenção quando ele chegou.
– Você continua por aqui... – não sei se foi uma pergunta ou uma
afirmação, continuei vendo a novela.
Repetindo o meu gesto anterior, ele foi até a geladeira se serviu de
uma gelada e se jogou com força no sofá ao meu lado, cansado, derrotado,
não sei descrever exatamente o que ele estava sentindo, mas o Danilindo não
parecia bem.
Em seguida ele acendeu um cigarro e eu olhei pra ele em reprimenda.
– Vai fumar aqui agora?
– É meu apartamento, eu fumo onde caralho eu quiser.
– Isso vai te matar, um pulmão de cada vez.
– E você acha que essa cerveja todo dia não vai te matar também?
Seu túmulo vai estar lá bem ao lado do meu.
– Não vai não, eu tenho duas irmãs para um transplante de fígado.
Ele riu, quase se engasgando.
– Mais duas de você? Que Deus nos ajude.
– Você não aguentaria nem cinco minutos com elas...
– E não duvido disso. Que porcaria é essa que você está vendo hoje,
não tem nada melhor na televisão pra assistir.
– Porcaria? – olhei pra ele cética – Essa é a melhor novela
colombiana do ano, ganhou até o prêmio das novelas latino-americanas.
– Me poupe. Que grande lixo!
– Dá pra você apagar essa porcaria desse cigarro? Agora o
apartamento vai ficar empesteado com esse fedor horrível.
– Ele já está empesteado de você, que parece que não sai de jeito
nenhum.
– Não saio mesmo, estou bem a vontade aqui. – falei tirando um
sapato e jogando pro lado só pra irritar ele.
– Onde você estava vestida assim?
– Não é da sua conta.
– Você estava em um encontro? – me olhou com a sobrancelha
erguida, então olhou pro relógio – mas é meio cedo pra já estar em casa, se
você estava em um encontro, não acha?
– Já disse, diferente de você que faz questão de escancarar a sua vida
romântica, a minha não é da sua conta.
– Minha vida romântica? – ele deu risada – Não tem nada de
romance na minha vida, mas você estava sim em um encontro. – me avaliou
– o que deu errado?
– Não importa. – falei irritada aumentando o volume da televisão
enquanto dava uma golada na cerveja.
– Essa novela é mesmo muito ruim, porque esses dois estão brigando
afinal?
– O Henrique de La Costa acha que o Juan Manuel roubou o camafeu
raro da sua família e penhorou para comprar as terras do pai da sua amada,
que agora está nas mãos dele...
– E ele roubou?
– É claro que não! O Juan Manuel conseguiu esse dinheiro
trabalhando na usina de açúcar da família dela e quer se vingar por ter sido
rejeitado quando era pobre...
– Ninguém ganha tanto dinheiro trabalhando, ele com certeza roubou
o camafeu. – falou objetivo enquanto bebia.
– Você não sabe de nada, Danilo, o Juan é honesto, sofreu muita
humilhação e agora quer que paguem por isso. Nada mais justo já que a
Marilia Helena o rejeitou por causa da sua condição.
– A Marília Helena gosta de conforto, e daí? Quem pode julgar, é
bom chegar em casa e tomar um banho quente ou então poder ligar um ar
condicionado.
– Ela é fútil – afirmei convicta – aposto que foi ela quem roubou o
camafeu.
– Você está sendo preconceituosa.
– Você não conhece ela como eu conheço.
– Ninguém conhece, aposto que você é a única pessoa que assiste
essa novela ridícula, como se chama mesmo?
– Canavial do amor.
– Canavial do amor? – repetiu cético – agora vou ter que acender
outro cigarro e a culpa vai ser sua. Ou do Canavial do amor, tanto faz.
Ele levantou e abriu uma das enormes janelas coloniais que iam até o
chão.
– Não culpe a minha novela por seus hábitos ruins. – Levantei e
peguei um aromatizador de ambientes borrifando na casa toda, quando
cheguei bem perto borrifei nele também.
– Eiii, caralho! Que porra você pensa que está fazendo?
– Eu não suporto esse cheiro. – dei uma cheirada perto dele e borrifei
um pouco mais, tinha cheiro de talco de bebê.
Voltei pro sofá, acompanhada de mais duas cervejas, uma para mim e
outra pra ele que entendeu o recado e sentou-se ao meu lado, bebendo e
reclamando dos acontecimentos da novela.
Ele nunca tinha assistido e já assumia automaticamente todas as
opiniões contrárias as minhas o que estava me irritando muito apesar de ser
divertido ter companhia para ver a novela. O Rodrigo sempre ria delas e ia
jogar videogame no quarto.
– Tem certeza que essa novela ganhou um prêmio?
– Ganhou sim, da melhor novela latino-americana. – defendi.
– Realmente, os prêmios hoje em dia não significam nada mesmo...
E eu percebi que ele já não mais se referia a novela. Mas continuou
assistindo até que adormecemos meio bêbados e cansados no sofá.
Ela dormiu no calor dos meus braços
E eu acordei sem saber se era um sonho
Há um tempo atrás pensei em te dizer
Que eu nunca caí nas suas armadilhas de amor
À sua maneira, Capital Inicial

Era chegado o dia da 28º prêmio da segurança pública e eu seria


supostamente homenageado com um prêmio hipócrita que significava mais
um “cale a boca” e isso me deixou de mau humor desde que eu recebi a
notícia. Eu estava cheio de raiva e de frustração, então decidi levantar mais
cedo e ir na academia, senão seria insuportável para qualquer um lidar
comigo pelo resto do dia.
Com o despertar eu notei que dessa vez havia algo de diferente. Um
cheiro de shampoo invadia o meu nariz, assim como a percepção de que um
certo cabelo estava no meu rosto. Abri os olhos e eu não estava sozinho.
Olhando ao redor vi o que de fato tinha acontecido, a televisão ligada em um
streaming com o som mudo e a Larissa dormia ao meu lado.
Espere, não só ao meu lado, isso não descreveria exatamente o que
era aquilo. Nós estávamos bastante emaranhados um ao outro. Porém
vestidos. O que significa que nada havia acontecido, apenas adormecemos e
assumimos aquela posição ao longo da noite.
Estávamos tão agarrados que eu não saberia como me levantar sem
acordá-la, o que era a última coisa que eu queria naquele momento. Fui me
afastando aos poucos e com cuidado para que ela não despertasse.
– Não vai Rodrigo...
Rodrigo? Não pude evitar de sentir ciúmes. Ela estava ali agarrada a
mim e pensando em um certo Rodrigo? Quem seria esse babaca?
Isso só me deixou mais irritado, mas consegui a incrível façanha de
sair do sofá sem acordar a Lari. A cobri com o cobertor e fui direto pro
chuveiro. Um banho gelado e uma hora de academia mudaria o meu estado
de espírito. A Larissa era linda dormindo, apesar de babar e chamar o nome
de outro. Seu cabelo curto e claro ganhava volume como uma juba de leão e
as bochechas ficavam rosadas ao se agarrar em mim. O meu peito estava
babado e eu sorri. “Larissa babona”, mas nunca poderia confessar nada
daquilo pra ela.
Passei o resto do dia distraído.
Não dei atenção para as mulheres que me deram mole na academia.
Eu era o cara mais gostoso de lá facilmente. Mas eu estava com muita coisa
na cabeça para sequer prestar atenção a elas. Essa onda de assaltos a banco,
esse prêmio maldito e o que ele significava e a Larissa dormindo agarrada a
mim no sofá. A sensação de ter ela sob os meus braços não foi ruim, não que
isso vá se repetir, é perigoso, ela pode acabar confundindo as coisas entre
nós e isso vai ser ruim pra todo mundo. Mas o cabelo dela tinha um cheiro
ótimo e eu nunca tinha percebido, mas também, como poderia, nunca
chegamos tão perto antes, pelo menos não se eu pudesse evitar.
“Rodrigo...” Quem era esse cara que estava nos pensamentos dela?
Seria o cara do encontro no dia anterior? Porque se foi eu tenho certeza que
a coisa não acabou bem já que ela estava em casa tão cedo. Bom, eu era
policial, poderia investigar.
Trabalhei isolado naquele dia, estava bastante mexido com os
últimos acontecimentos e tinha medo de sair da sala e dar de cara com a
Larissa. Será que ela sabia que nós tínhamos dormido juntos? Literalmente
agarrados um ao outro?
Seria embaraçoso encontrar com ela agora, por isso fiquei
trabalhando da minha sala o dia todo e chamei por telefone os meninos
sempre que precisava de alguma informação extra. Saí mais cedo, peguei a
estrada e fui para a minha casa na capital. No interior eu não tinha o traje de
gala que o evento requeria.
Todos estariam lá, inclusive a minha equipe, para me apoiar diante de
tamanho constrangimento. Todos sabiam, esse prêmio era uma piadinha sem
graça do governador, uma forma de me cutucar e me mostrar qual era o meu
lugar. Era como os poderosos mostravam quem realmente mandava na porra
toda.
Fui de carro, apesar da minha vontade de encher a cara no evento eu
não faria isso. Queria manter a dignidade e sair dali o mais rápido possível,
aí sim eu poderia beber, fumar e encher a cara em algum lugar menos digno,
sem risco de passar nenhum vexame.
Quando cheguei o evento já estava bastante lotado, tive dificuldade
pra estacionar a toro, o carro era grande e todas as vagas que encontrei eram
pequenas, acabei deixando aos cuidados de um flanelinha, que se assustou
ao ver a minha arma embaixo do terno elegante.
Avistei logo o Luan, só depois eu vi os outros. O Aristides estava
acompanhado da esposa, eu a cumprimentei primeiro. O Marcão estava
apertado dentro de um terno, com todos aqueles músculos e ali, entre eles,
estava a coisa mais linda que eu já vi.
Quer dizer, ela estava bastante interessante em um vestido vermelho
e longo de alças finas que parecia ser veludo. O estilo acho que as mulheres
chamam de vestido sereia. A sua maquiagem estava impecável e o cabelo
estava preso apenas de um lado, deixando o seu pescoço amostra.
Controlei a vontade de chegar perto e sentir o seu perfume.
– Boa noite, senhores. Vamos esperar que nenhum crime aconteça
essa noite em Lourdes. – cheguei falando – já que toda a minha equipe está
aqui.
– Só um evento desse pra fazer a gente vestir essas roupas. –
reclamou o Marcão.
– Não fala isso, você tá bonitão. – falou a Larissa ajeitando o
colarinho no meu amigo e me causando um comichão. – Você também está
ótimo, chefão.
Senti o coração parar por um segundo, até que engoli em seco.
– Deu pra puxar meu saco agora, Larissa?
– Vai me adiantar alguma coisa?
– Não mesmo. – sorri – pelo contrário, odeio puxas sacos.
Ela apenas sorriu.
– Bom, eu vou aproveitar pra ver se encontro alguma alma conhecida
– ela falou antes de sair para circular. Eu não queria que ela saísse, queria
que permanecesse ali onde eu pudesse ver – Olha, espumante!
Falou pegando uma taça e saindo a passos pequenos por causa
daquele vestido bobo. Acompanhei a sua ida com o olhar.
– Você viu como ela está bonita, chefão? – falou o Luan colocando as
mão sobre os meus ombros – fui eu que ajudei com a maquiagem. Culpado!
– levantou as mão – Vai chamar atenção de bastante gente hoje.
Pois é e eu não estava gostando disso.
– A única regra hoje é: Bebam, mas não passem vergonha. – falei
pra equipe que ficou – Ari, não deixa eles fazerem nenhuma besteira.
– Deixa comigo, Danilo.
– E fica de olho no Luan, não quero ele se pegando num canto com
nenhum convidado. Estamos aqui hoje como uma equipe séria, mesmo com
eles querendo nos humilhar com esse prêmio absurdo.
Olhei ao redor, o salão era enorme e estava cheio de personalidades,
pessoas que eu teria que cumprimentar com um sorriso no rosto. Então foi
isso que fiz, armei meu melhor sorriso e fui dar uma volta, sem tirar da
mente a Larissa com seu vestido vermelho que tinha se misturado na
multidão.
Cumprimentei outros delegados.
E nada de ver a Larissa.
Cumprimentei prefeitos.
E a Larissa continuava fora do meu campo de visão.
Quando finalmente a avistei, ela estava conversando com a Mariana,
surpreendentemente. Previ problemas, já que ela que me pediu pessoalmente
para aceitar a transferência da Lari. Segui naquela direção.
– Você está grávida! – Pude ouvir a Larissa comentar com um sorriso
no rosto – Parabéns! Estou tão feliz por você.
– Err... obrigada, Larissa. Que estranho que você veja isso como uma
coisa boa...
A Mari respondeu com menos entusiasmo.
– Eu te liguei tantas vezes, por que você nunca me atendeu? – senti a
voz da Lari oscilar o que me inspirou solidariedade, mas a sua pergunta não
foi respondida já que a Mariana me avistou neste mesmo momento e
aproveitou essa oportunidade para se afastar da Larissa, que se virou e
também me viu, a seguindo na minha direção.
– Aí está você! O homem do momento! – ela falou parecendo
aliviada ao me ver – Estou tão orgulhosa de você pelo prêmio que vai
receber.
Ergui uma sobrancelha.
– Vocês se conhecem? – a Lari perguntou me olhando, mas foi a
Mari quem respondeu entusiasmada.
– Mas é claro! Somos delegados, todos nos conhecemos!
Então eu vi a gravidez a qual a Lari tinha mencionado enquanto eu
aproximava, estava bastante protuberante, eu apostaria uns oito meses, mas o
que eu sabia sobre gravidez? Absolutamente nada. A Lari estava ao meu
lado e olhava de mim para a Mari com confusão.
– Ah querida, te procurei por todo lugar. Encontrei um Uísque, mas
depois perdi você de vista. – um homem se aproximou pela direita e segurou
a Mari pela cintura.
Foi quando eu senti o clima mudar. Como o brilho do raio que
antecede o trovão.
– Rodrigo? – a Lari quem falou e parecia chocada.
O Tal do Rodrigo ficou pálido, a Mari ficou sem graça e passou a
olhar pro chão e a Larissa... ah, a Larissa ficou vermelha, parecia prestes a
explodir e eu tive que interferir...
– Eu não sabia que você estaria aqui. – o Rodrigo falou – mas
deveria ter previsto, você é policial...
Estendi a mão para ele para cumprimenta-lo, tentando quebrar o gelo
que tinha se formado entre o grupo. Parecia que o tempo havia parado e só
existíamos nós naquele salão.
– De quantos meses? – a Larissa perguntou antes que eu pudesse me
apresentar. – Com quantos meses de gravidez você está?
– Nossa, que situação desagradável... – a Mariana falou baixo.
– Ela está com seis meses, Larissa. – o Rodrigo respondeu, sério, mas
também baixo, constrangido.
Só então eu fiz a ligação. Rodrigo tinha sido o nome que a Lari tinha
falado naquela manhã. Decerto só poderia ser aquele patife.
– Está tudo bem, querida? – perguntei pra Larissa segurando a sua
mão e puxando ela para mais perto, torcendo para que ela entendesse o que
eu estava fazendo.
Ela me olhou confusa por dois segundos, mas logo se deixou puxar
por mim que apoiei a minha mão na sua cintura. Isso não passou
despercebido ao olhar do casal.
– Claro, amor. – falou chegando ainda mais perto, aquecendo as
partes do meu corpo que tocavam as suas – só estou surpresa...
– Você não me contou que estava namorando, Danilo. – a Mari falou
e eu comecei a me sentir irritado com ela, pois tava na cara que ela tinha me
usado para se livrar da Larissa por causa deste cara.
– Não sei porque você acha que eu devo alguma explicação da minha
vida pra você se nem mesmo me contou que estava grávida.
Ela não gostou da minha resposta, mas eu estava certo.
– Eu sou o Danilo, a propósito – me apresentei pra o tal do Rodrigo –
sou amigo da Mari há muito tempo e namorado da Lari a nem tanto tempo
assim. – olhei pra ela e dei um selinho acompanhado de um olhar carinhoso.
Eu era um ótimo ator, mas a Larissa não. Ela ficou surpresa com o
beijo. Eu senti o gosto de cereja do seu batom, espero que não tenha ficado
com a marca dele na minha boca.
– Vocês estão juntos? – o rapaz perguntou incomodado.
– Pra minha sorte ela veio transferida pra minha delegacia e não deu
pra evitar, não havia nada no mundo que me impedisse de me apaixonar por
ela. A Larissa é incrível.
Eu a beijei novamente, dessa vez com um pouco mais de vigor, mas
ela estava preparada.
– Eu achei que você não namorasse as mulheres com quem
trabalhava. – Mariana falou séria e desconfiada.
– Essa era mesmo uma regra muito importante, mas quando
encontramos a mulher certa, essas convenções não importam e eu não ia
deixar de namorar a Larissa por causa disso.
– Há quanto tempo estão juntos? – perguntou o babaca.
– Eu não sei... – olhei pra Lari – Uns quatro meses...
– Três. – a Lari corrigiu – Três meses, amor. Como pode se esquecer?
– Você sabe, eu sou péssimo com datas. – sorri – E vocês? Já devem
estar juntos a bastante tempo se estão esperando o primeiro filho...
Senti as costas da Larissa se retesarem, ela estava tensa.
– Já tem um tempinho – a Mari respondeu – Mas que bom que
estamos todos bem, seguindo com a vida...
Era isso. Lembrei do Aristides me falando que a Lari tinha se
separado recentemente e aquele deveria ser seu marido. Rodrigo. Eu quase
rangi os dentes de ódio daquele cara e olhei pra Mari com outros olhos. Ela
realmente tinha me usado pra se livrar da esposa do seu amante e agora
estava grávida dele o que estava magoando a Larissa de todas as formas pelo
que eu podia ver.
Ela lutava para manter as suas emoções, mas eu não sei mais quanto
tempo ela aguentaria. Decidi por fim a essa conversa antes que as comportas
dos olhos da Larissa se abrissem. Eu sei que ela nunca se perdoaria se
chorasse na frente deles.
– Foi um prazer – mentira, eu estava odiando aqueles dois – Mas
acho que eles já vão começar a anunciar os prêmios e a minha namorada
estava indo ao banheiro quando nos desencontramos.
– Estou mesmo muito apertada. – ela falou me agradecendo com o
olhar.
– Então não vamos perder mais tempo. – falei guiando seu corpo a
frente do meu até a direção em que vi os banheiros.
Depois de sair das vistas daqueles dois babacas a Larissa me soltou e
correu até o banheiro feminino.
O que mais eu poderia fazer? Eu fui atrás dela.
Lembra quando eu perguntei
Se tinha outro alguém? Você negou
Chegou na parte principal
Você me traiu, levou um tempo, mas eu descobri
Você não vale nada, 'tá claro pra mim
Seu plano era bom, era quase perfeito
Pena que tudo que 'cê faz, 'cê faz mal feito
Mal Feito, Hugo & Guilherme
Nunca na vida vivi nada mais humilhante do que aquilo. Mas
explicava o porque da Mariana não atender a nenhuma das minhas ligações,
da equipe do trabalho ter cortado contato. Todos sabiam. Todos estavam
cientes que ela estava tendo um caso com o meu marido, aquele canalha.
Assim que me desvencilhei do Danilo eu corri até o banheiro. Ele
não estava vazio, infelizmente.
– Peço desculpas, mas as senhoras podem nos dar licença? – ouvi a
voz do Danilo que em seguida fechou a porta e travou a fechadura com a
lixeira.
Além de toda a humilhação ainda tinha sido na frente dele. O Danilo
não era burro, ele tinha sacado que havia algo de estranho, por isso assumiu
a posição de meu namorado que eu não tive escolha de recusar, não era
momento para deixar as nossas questões pessoais interferirem, eu precisava
daquilo para diminuir a minha sensação de humilhação e vergonha.
– Aaaaaaah que ódio! – gritei chutando a outra lixeira e derrubando
os frascos de sabonete líquido da pia. – Eu queria poder matar aqueles dois!
Malditos! Eu odeio tanto eles, como puderam me trair daquele jeito!
Eu estava furiosa, chutei uma porta do banheiro com tamanha
violência que ela bateu na parede e se desprendeu ficando pendurada por
apenas um caixilho.
– Ela era minha melhor amiga, porra! – gritei, por sorte o som do
evento lá fora abafava o barulho que eu fazia lá dentro e o Danilo apenas me
olhava sem saber o que fazer, ou me deixando desabafar, não sei bem o que
ele estava fazendo ali – Nós estávamos juntos há oito anos! Oito anos,
caralho!
Respirei com dificuldade.
– E eu nem sei quem odiar mais. Ele era meu marido e ela era minha
melhor amiga e agora está grávida! Arrr – gritei procurando algum objeto
próximo pra jogar, mas não havia nada, eu já tinha quebrado uma porta, o
chão já estava cheio de lixo e molhado.
A transição do grito pro choro não foi gradual. Mas agora eu estava
chorando e prestes a dar um murro no espelho quando o Danilo segurou a
minha mão e me puxou para um abraço.
– Agora ela está grávida... ela roubou a minha vida... o meu marido e
o meu bebê...
Chorei molhando o seu terno de corte fino e elegante. Apoiei a
cabeça em seu peito duro, ele era mesmo forte, mas estava me abraçando
mesmo sabendo que eu o amarrotaria todo para quando subisse ao palco.
– Ele não queria filhos... eu queria, e agora ele me deixou porque ela
está grávida, eu não entendo, Danilo...
– Eles são dois filhos da puta, Lari. Os dois te traíram, você não
merecia isso.
Chorei. Chorei. Chorei.
Ouvi pessoas incomodadas baterem na porta querendo usar o
banheiro, mas ignoramos.
– Nada disso é culpa sua, não vale a pena você machucar a sua mão
por causa deles.
– Mas eu tô com tanta raiva, Danilo, tanta raiva...
– Eu sei minha linda, eu sei...
Ele não parou de me abraçar até que eu me acalmasse. Ignorou todas
as batidas na porta do banheiro, ignorou o meu choro barulhento e
desesperado que melecou todos o seu terno com fluidos que saiam dos meus
olhos, nariz e boca.
– Precisamos ir. Eles estão prestes a me chamar pro maldito prêmio e
você não pode ser vista dessa maneira.
Ele pegou papel toalha e enxugou o meu rosto. Embora a maquiagem
que eu usava fosse a prova d’agua, não conseguiu me deixar perfeita, como
eu estava antes. Mas me deixou apresentável. Pegou o batom na minha bolsa
e retocou nos meus lábios até que eu comecei a rir, borrando o seu trabalho.
– Porra, Larissa... – reclamou consertando.
– Quem diria eim, você me recompondo num banheiro depois de
uma crise de choro, grito e humilhação.
– A vida é mesmo uma caixinha de surpresas. Eu também não estava
esperando por isso hoje de manhã. Opa, você ouviu isso? Estão me
chamando para o palco.
Realmente, seu nome era anunciado. Saímos do banheiro para
encontrar uma fila de mulheres irritadas do lado de fora, na certa pensando
que estávamos usando o cômodo para outra finalidade.
– Fica aqui que depois que eu receber a porra do prêmio volto pra te
buscar.
O Danilo me deixou ali e correu em direção ao palco fazendo uma
gracinha para a plateia que observava.
– Eu realmente não imaginei que ia te encontrar aqui hoje e nem que
isso mexeria tanto comigo. – alguém se aproximou, era o Rodrigo, eu não o
olhei, continuei olhando para frente, para o palco onde alguma autoridade
qualquer entregava a Danilo o seu prêmio – Você mudou muito...
emagreceu, cortou o cabelo... Você está linda Lari.
Bati palmas junto com os outros espectadores enquanto o Danilo
seguia para o púlpito para um breve discurso.
– Eu sinto a sua falta. – rangi os dentes com raiva daquele babaca
que me deixou e tirou de mim tudo o que eu tinha, principalmente minha
autoestima.
– Não parece, você está muito bem acompanhado. – Não pude evitar
de falar e mordi a língua por isso – Vai até ter um filho.
– Nem me fala sobre isso, essa gravidez está me levando a loucura,
eu nunca quis ser pai, você sabe disso...
– Engraçado que ela está grávida de seis meses, e nós só nos
separamos há quatro... – falei me virando para ele pela primeira vez.
– Você também foi muito rápida, mal esperou eu sair de cena pra
começar a namorar outro cara.
– Você nem mesmo esperou! há quanto tempo estava me traindo com
a minha melhor amiga?
– Acho importante você se lembrar que nós ainda estamos casados,
Larissa. – falou cheio de razão apontando para o Danilo lá no palco – Não
esquece disso.
Eu apenas ri.
– Que hipócrita! Você deveria ter lembrado disso antes de engravidar
a Mariana e sair desfilando com ela por aí.
– ...Essa é uma conquista da minha equipe – falou o Danilo lá de
cima – e principalmente da minha namorada, a Larissa, que me instiga a ser
um delegado melhor todos os dias. Obrigado querida.
Isso me surpreendeu e eu mandei um beijo pra ele, já que as atenções
se voltaram para mim quando ele me apontou de lá de cima. Na certa viu que
o Rodrigo estava ali, me incomodando.
– Esse Danilo... – sussurrei.
– Você está apaixonada por ele?
– Me deixa em paz. O que eu sinto deixou de importar quando você
me largou abandonada na chuva no nosso aniversário de casamento. Agora
me dá licença que eu vou lá encontrar o Dani.
Saí dali sem rumo ou direção certa, bebendo todas as taças de
espumante que encontrei pelo caminho, desejando no fundo uma cerveja
bem gelada.
Bêbada, não consegui encontrar os meus amigos. Já não estava
distinguindo quem era quem até que o Danilo me encontrou.
– O que você fez, tomou todas que viu pela frente?
– Exatamenti ixxo. – falei sorrindo. Porque eu estava chateada antes
mesmo? – Mas não xe preocupa, eu num tô bêbada naum.
Ele riu.
– Não, você está completamente bêbada. Incapaz de ficar sozinha.
Ele me segurou pela cintura e me dirigiu, se é que eu poderia dizer
isso, até o resto do nosso grupo. Eu fui seguindo trôpega e ligeiramente feliz.
– Oiii – cumprimentei meus colegas
– O que aconteceu? – Ouvi o Marcão perguntar – Lari está bêbada?
– Nhaum. – respondi e ele riu.
– Completamente bêbada, foram muitas emoções pra ela esta noite.
– Nossa, a maquiagem, eu tive tanto trabalho... – lamentou o Luan
– Max eu continhuo lindaaa.
– Você está perfeita, querida – o Luan falou – É uma rainha!
– É melhor irmos – ouvi o Danilo – Vocês podem ir juntos no mesmo
carro, eu levo a Lari comigo. Vou dar um café pra ela. É uma viagem muito
longa, ela pode passar mal no caminho.
– Vamox ficar! Eles têm champanhe.
– O que aconteceu? – dessa vez o Ari perguntou e o Danilo reuniu
todos e falou baixinho, mas eu consegui ouvir – Ela descobriu que o ex-
marido está com a antiga chefe, que está grávida.
– Ah – Luan ficou de boca aberta – Grávida?
– Seis meses. – Danilo falou puto.
– Quem é o filho da puta? Eu vou lá e dou uma na cara dele. – o
Marcão falou chateado, mas o Danilo colocou a mão no ombro dele.
– Segura a onda, Marcão, o cara é promotor e está com a delegada
Mariana. Não vamos arrumar nenhuma confusão esta noite, vamos embora.
– Delegada amiga da onça – falou a esposa do Ari.
– Vamox ficar! – passou um garçom e eu tentei pegar mais uma taça
de champanhe, mas o Danilo não deixou
– Você já bebeu demais, já chega por hoje.
– Humm... tão mandão ele... – ele riu – além de gostoso.
Falei pra ninguém em particular mas fingi segredo. O Danilo riu.
– Me respeita, Larissa, ainda sou seu chefe.
– Exato. Meu chefe, nhaum é meu pai. Eu quero um drinki.
Eles me ignoraram, claro. Eu estava bêbada.
– Então vocês seguem no carro do Marcão e eu vou logo em seguida
com a Larissa. Os meus bancos são de couro.
– Claro, faz sentido. – o Ari falou, ele segurava o prêmio, ia pendurar
na parede da delegacia. – Então vamos, não tem mais nada pra fazer aqui. Só
viemos pra te dar apoio mesmo.
– E eu agradeço. Vocês são foda. – ele deu um toca aqui nos meninos
e me segurou para que eu ficasse de pé. Vamos, princesa bêbada?
– Pra onde vamox?
– Pra casa, pra onde mais?
– Pra minha ou pra xua? – falei rindo – Eu moro na xua casa. – ri
mais um pouco e ele riu da minha bobeira.
– Então tá, vamos para a minha casa. – e ele sentiu satisfação ao
dizer isso, eu tenho certeza.
Vamos fugir deste lugar, baby!
Vamos fugir
Tô cansado de esperar
Que você me carregue
Vamos fugir
Pr'outro lugar, baby!
Vamos fugir
Pr'onde quer que você vá
Que você me carregue
Vamos fugir, Skank

Uma coisa era certa, Lourdes era longe pra caramba.


Muita estrada pelo caminho e eu ia sozinho com uma Larissa
completamente bêbada apesar do café expresso que comprei pra ela no posto
de gasolina. Ela tagarelava bastante.
– Sabe do que eu sinto mais falta? – falou chorando, já mais próxima
da sobriedade – do Raul. De tudo, o que eu mais lamento ter perdido é o
Raul.
Então ela chorou. Já estava até trocando o nome do marido de
Rodrigo pra Raul. A Larissa bêbada era uma vergonha.
– Eu escolhi ele. Ele era meu, o Rodrigo não poderia ter me tirado o
Raul assim. Ele não é como parte da mobília da casa.
Espera, acho que Raul não era o marido, ela estava falando de outra
pessoa.
– E quem que é esse tal de Raul, não era Rodrigo o seu marido?
– O Raul é a coisa mais importante da minha vida, o Raul é meu
cachorro, Danilindo, você não tá prestando atenção?
– Eu tô, mas as vezes é difícil de entender o que você está falando.
– Eu tô falando do Raul, meu cachorrinho. – chorei alto – eu sinto
tanto a falta dele. É como se tirasse direto daqui – apontou pro coração – um
pedaço de mim.
Nossa que dramática.
– Um cachorro não é só um cachorro. – falou – Um cachorro é como
ter um anjo da guarda que você pode ver.
– Por que os anjos da guarda normais são invisíveis. – fui na onda da
maluca.
– Isso! Agora você entendeu. É como ter uma parte de você em outro
animal. Um pedacinho da sua alma.
– Certo, certo, então você tem que lutar por ele. – falei – Se é assim
tão importante pra você.
– Ele é tudo pra mim.
– Então toma as rédeas da sua vida e faz alguma coisa. – instiguei –
Vai deixar uma parte de você com o nojento do Rodrigo? Lute pelo que
quer!
– Eu não tenho mais as chaves da casa – confessou – senão iria lá
agora. Mas ele me expulsou de lá. A casa era herança da avó dele, então ele
simplesmente me despejou de lá e pegou a chave de volta... na chuva...
– Como assim, ele não deixou você pegar as suas coisas?
– Não pisei mais naquela casa depois do dia que nos separamos, era
nosso aniversário de casamento...
– Ele terminou com você no dia do seu aniversário de casamento?
Eu odiava cada vez mais aquele cara.
– Me deixou na porta da casa da Evelyn, sozinha, na chuva, só com a
roupa do corpo...
Percebi como aquela era uma lembrança terrível pra ela, mas esse
cara era mesmo um babaca pela forma como fez o que fez. A cada momento
eu odiava mais ele.
– Quer saber, a gente deveria ir lá.
– O quê? Mas eu não tenho mais a chave, você não presta atenção no
que eu digo.
Irritado, dei meia volta na estrada de volta para a cidade. A gente ia
pegar esse cachorro.
– A gente não precisa da chave, somos policiais, Larissa. O cachorro
é seu, é como um resgate.
– Você fala em invadir a casa? – ela estava cada vez mais sóbria.
– Talvez... você teria coragem?
– Pelo Raul, é claro. Eu o amo como se fosse um filho pra mim.
Pois é e negar o cachorro a ela depois de largar a garota faz desse
cara pior do que ele parece.
– Eu ganhei o Raul, ele é meu e eu tenho todo o direito de ir lá e
pegar o que é meu.
Falou animada.
– Mas como fazer isso... – dava para ouvir ela pensando.
O que a Lari não sabia é que eu tinha todo o aparato para invasão na
carroceria da toro, eu era delegado e andava preparado, afinal nunca se sabe
quando vai precisar invadir uma casa pra pegar um cachorro.
Depois de algumas horas e a Lari quase sóbria mostrando o caminho
nós chegamos até a casa do babaca que ainda estava na festa de premiação,
mas poderia chegar a qualquer momento.
A casa tinha um design antigo. O portão era de ferro com umas setas
em cima nas pontas. Seria fácil de pular, no entanto, nada fácil de transportar
um cachorro por cima.
– Como vamos fazer isso? Não vai dar pra passar o Raul pelo portão.
– ela falou exatamente como eu estava pensando.
– Ele morde? – perguntei pensando em pular o muro e depois ver o
que fazia pra jogar o cachorro que não estava a vista.
– Raul! – gritou.
– Tá maluca? Assim os vizinhos vão ouvir e chamar a polícia. –
reclamei.
– Mas nós somos a polícia. – ela falou com um sorrisinho safado e eu
juro, meu corpo todo se arrepiou de um jeito estranho e satisfatório.
– Raul! – chamou e depois de alguns minutos veio correndo um
labrador chocolate, gordo, com uns 40kg – Meu amor, a mamãe veio
resgatar você!
Ela abraçou o cachorro pela grade e ele lambeu ela toda.
Seria realmente impossível jogar o cachorro que era lindo, mas
enorme.
– Acho que pela hora nós não temos muito tempo pra pensar no que
fazer. – falei observando o quanto ela estava feliz com aquele cachorro
enorme abraçando e pulando de felicidade ao reencontrá-la – Eu vou ter que
tomar uma providência, que eu não gostaria.
– Hum, o quê? – perguntou distraída.
Eu fui até o carro e peguei um alicate corta vergalhão para romper o
cadeado.
– Oh, acho que mereço as honras – ela falou
– Você consegue usar um desses? – perguntei surpreso.
– Eu sou policial, porra, me respeita! – dei risada.
Ela foi rápida, apesar do vestido que precisou ser elevado para te
ajudar a dar impulso com a perna apoiada no portão, a Larissa foi lá, como
uma mulher maravilha e arrebentou o cadeado do portão da casa do ex-
marido.
– Além disso, ainda somos casados – ela olhou pra mim esperta – e
tem uma câmera bem ali. Apontou para perto da porta da casa.
Acho que por toda a adrenalina o álcool foi perdendo o efeito,
deixando a garota cada vez mais sóbria e esperta, eu tinha que dar pontos pra
ela. Afinal, ela assumiu a responsabilidade pela invasão me livrando de outra
fodeção de saco.
Abrimos o portão e o Raul saiu pulando e lambendo a Larissa,
bagunçando o seu vestido. Ela realmente amava aquele animal, já eu não via
muita graça nele, só pensava na sujeira que ia fazer no meu carro enchendo
ele de pelos.
– Vamos com a mamãe agora. – ela abriu a porta de trás do carro para
que o cachorro entrasse, eu recolhi as provas do crime.
– O primeiro crime da minha vida. – ela falou – invasão a domicílio.
E o seu?
– Se eu te contasse teria que te matar.
– Ah, não vem com essa, me conta, você já cometeu algum delito?
Ah se ela soubesse... uma invasão a domicílio não era nada
comparado a tudo de ilegal que eu já tinha feito durante a minha carreira.
Eu estava bastante satisfeito. O labrador babava em cima de mim e a
Larissa não parava de beijar e apertar ele, mostrando o quanto estava feliz
em resgatá-lo. As consequências desse resgate eu ainda não sabia, mas
estava pronto para assumir a responsabilidade se fosse necessário. A Larissa
já tinha passado por coisas demais para ainda ter que lidar com um processo,
se fosse o caso.
Voltamos pra Lourdes e dessa vez não pareceu tão longe, chegamos
no apartamento e subimos com o cachorro. O tal do Raul era um saco.
Pulava bastante e queria lamber a gente toda hora. Eu não sou o maior fã de
cachorros, eles são muito carentes, assim como as mulheres. Querem sempre
atenção e que você esteja junto com eles, não, era demais pra mim, não
gostava muito dessa dependência.
A Larissa pegou uma vasilha e colocou água que o cachorro bebeu
empolgado, colocando as patas dentro do pote.
– Amanhã eu compro um saco de ração pra ele. – falou sentando no
sofá – Nossa, que noite mais estranha, nem parece que tudo que aconteceu
realmente aconteceu...
Eu fui até a geladeira e peguei duas cervejas.
– Acho que merecemos comemorar. – falei entregando uma pra ela e
tocando em um brinde – por um resgate bem sucedido!
Bebemos.
– Não só este resgate. Você também me resgatou lá, na premiação
quando eu encontrei com aqueles dois traidores. Porque você fez isso? Você
nem gosta de mim...
– Quem disse que eu não gosto de você?
– Você mesmo, com todas as suas atitudes desde o dia que eu cheguei
aqui.
– Não é exatamente isso, é mais o que você representa.
– E o que eu represento?
– Bom, eu não teria que fingir ser namorado do Luan, se a situação
fosse a mesma...
– No entanto, eu tenho a impressão de que você faria, se precisasse.
– Provavelmente. – nós rimos – Sem a parte do beijo, eu não ia
querer ser tão convincente assim.
– É verdade, nós nos beijamos – e ela tocou os lábios pensativa –
apesar de que foi um beijo básico, não sei se viola as regras...
– Um beijo básico?
– É, um beijo sem língua.
– Ah tá, então foi mesmo um beijo básico. Mas o que foi aquilo que
você falou sobre as regras?
– As suas regras.
– E o que você sabe sobre elas?
– Tudo, sei tudo. Os meninos são uns fofoqueiros. – ela riu – Onde se
ganha o pão, não se come a carne.
– Essa é uma regra bem importante.
– Foi por isso que você não me queria aqui na delegacia?
– Foi. Em parte.
– Disserte em seis linhas. – falou se ajeitando no sofá se virando pra
mim.
Ela já estava completamente descomposta, suja de cachorro, que por
sinal já dormia confortavelmente em cima do meu tapete caro.
– Ter uma mulher na equipe distrai os meus policiais, como você de
fato faz toda vez que traz um bolo, donuts ou coisas gostosas, está distraindo
os meninos, mimando eles.
– Você sempre come as coisas gostosas que eu trago.
– Pois é e você não está vendo como eu tô mimado?
Nós rimos.
– Isso é uma surpresa pra mim. – falou – sempre achei que você me
odiasse, sério.
– Talvez eu odeie mesmo... Talvez eu odeie achar você tão bonita...
– Hum...
Afastei o seu cabelo do pescoço e beijei aquele local.
– Talvez eu odeie o quanto gosto do cheiro do seu perfume.
Ela ofegou.
– Ou talvez eu só odeie essa sua língua afiada que responde a tudo o
que eu digo, me desafiando o tempo inteiro.
E finalmente fiz o que estava com vontade de fazer a noite inteira e a
beijei. Ela correspondeu lentamente ao beijo colocando uma mão sobre a
minha nuca e com a outra me puxando mais pra perto ao segurar a aba do
meu terno.
– Esse não foi um beijo básico. – falei.
– Ele viola todas as regras.
– E o que temos feito essa noite além de quebrar regras e fazer o que
não deveríamos?
– Então se é pra enfiar o pé na jaca, porque não fazer isso por inteiro?
– ela falou me olhando nos olhos.
– O que você quer dizer com isso, mocinha?
– Era um vestido tão lindo, mas agora, tá todo sujo e amarrotado. –
falou olhando nos meus olhos.
Então a Larissa se levantou e fez uma coisa que eu não esperava.
Lentamente, e com um pouco de dificuldade, enquanto eu assistia ali sentado
olhando fascinado pra ela, foi tirando o seu vestido vermelho até ficar
apenas de calcinha e sutiã sem alça.
Sorri pra aquela visão maravilhosa do paraíso.
– Hora de quebrar a última de todas as regras. – ela falou no meu
ouvido pouco antes de me puxar pela mão em direção as escadas que
levavam ao quarto.
É, Larissa, talvez eu te odeie por no final das contas não conseguir
resistir a você.
A voz do anjo sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido já escuto os teus sinais
Que tu virias numa manhã de domingo
Eu te anuncio nos sinos das catedrais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Anunciação, Alceu Valença

Acordei aos poucos tomando consciência da loucura que havia sido o


dia anterior. Primeiro aquela premiação idiota no evento da Secretaria de
Segurança Pública, seguido de descobertas sobre a Mariana ter sido o pivô
do fim do casamento da Larissa. Sem contar que nós dois invadimos a casa
em que eles moravam e roubamos o cachorro dela de volta e no fim da noite,
aí sim que as coisas fugiram completamente do controle.
Tive medo de abrir os olhos.
Eu fiz a maior besteira de todas, violei a minha principal regra e a
troco de quê? Agora todo o relacionamento entre a equipe seria arruinado,
por um erro meu.
Eu nunca deveria ter dormido com a Larissa.
Pus a mão sob os lençóis, eu continuava pelado, mas ao passar a mão
pelo resto da cama percebi que estava sozinho e só então me senti seguro
para abrir os olhos. Ela já tinha se levantado, apesar de ainda ser cedo, o
cachorro sarnento também não estava mais ali.
Coloquei o travesseiro na cara e dei um grito. Caralho! Eu estraguei
tudo, que raiva que estava de mim mesmo. A partir de agora a minha vida
seria um inferno e eu nem poderia transferir a Larissa logo de cara, nós
tínhamos cometido um delito juntos, sem contar que eu ia mandar ela pra
onde se esse já era o fim do mundo?
Tomei um banho gelado pra ver se colocava a cabeça no lugar, não
poderia estar mais arrependido. Como eu, um delegado experiente, poderia
ter cometido um erro primário como aquele? Como?
E onde estava a Larissa afinal? Ela não é do tipo que acorda tão cedo
pra ir trabalhar.
Comi um pedaço de bolo de banana que ela tinha deixado na mesa
com um café expresso da máquina. Alimentado e pronto para enfrentar uma
das situações mais constrangedoras da vida, ergui a cabeça e entrei na minha
delegacia. O Ari, o Luan e o Marcão conversavam juntos em uma mesa, na
certa a linguaruda da Larissa já tinha dado com a língua nos dentes.
– Bom dia – falei rabugento – o que é tão importante que os três
bonitinhos estão fofocando ao invés de trabalhar?
– Ih, parece que ele acordou com a o pá virada hoje. – o Marcão
reclamou segurando uma xícara de café.
– Essa delegacia ganhou prêmio de competência, então vamos
trabalhar, porra!
– Nah, ainda tá cedo, nem terminamos o café – falou o Ari, tranquilo
como sempre – você está bem? Ficamos preocupados.
– Preocupados comigo? – perguntei cético – Porquê?
– Por causa de ontem, né, chefinho. Foi um dia cheio de emoções. –
falou o Luan – pra piorar ainda levou a Lari bêbada pra casa, espero que ela
não tenha vomitado no carro. É por isso que você tá chateado, ela vomitou?
Luan fez cara de nojo diante da própria pergunta.
– Não, mas faltou bem pouco. Falando na Larissa, cadê aquela
arruaceira? Não vem trabalhar não, tá achando que isso aqui é colônia de
férias?
– Tá maluco? – falou o Marcão já se irritando com o meu mau humor
– a Lari foi a primeira a chegar, estava com uma ressaca do caralho e ainda
trouxe um cachorro.
– Diz ela que é pra apoio emocional...
– A Larissa trouxe a porra do cachorro pra minha delegacia? Era só o
que faltava! E cadê ela?
– Eu tô aqui. – apareceu a margarida, pálida e cansada, também
pudera, com o tanto de ação que a gente viveu ontem a noite a coitada quase
não teve tempo de descansar – O que foi isso, dormiu com o capeta? Se
acalme.
Ainda me repreendeu que cara de pau!
– Foi você que me colocou na interceptação telefônica, eu tô aqui
fazendo o meu trabalho. – ela foi até a mesa e serviu um café na xícara pra
mim – Toma um café e vê se se acalma, antes que tenha um infarto ou sei
lá...
Então logo atrás dela aparece o cachorro. O tal do Raul, um labrador
chocolate, um pouco acima do peso e com cara de bobão. Por isso ele não
estava no apartamento.
– O que essa porra desse cachorro está fazendo aqui, Larissa? –
perguntei baixo e furioso.
Senti o clima gelar e todos paralisaram diante daquele tom.
– Eu não ia deixar o Raul sozinho no nosso primeiro dia juntos. – ela
respondeu calma, me desafiando. – Como eu expliquei aos meninos, o Raul
é um ótimo garoto e é um cão de apoio emocional, ele vai se comportar
muito bem aqui na delegacia.
Que baboseira era aquela que ela estava inventando? Cão de apoio
emocional?
– É preciso um laudo psiquiátrico para autorizar um animal de
assistência emocional, Larissa. Isso não é brincadeira! É direito de quem tem
depressão, ansiedade, problemas psicológicos sérios...
– Eu sei disso e já estou providenciando esse laudo, agora se depois
do que aconteceu ontem, você ainda acha que eu não tenho motivos para ter
vários problemas emocionais, talvez isso faça você mudar de ideia.
Os outros observavam paralisados o nosso embate. A Larissa foi até
a sua mesa e tirou da bolsa uma nécessaire. O Raul apenas olhava pra todos
com cara de bobo e balançando o rabo. Eu já odiava aquele cachorro.
Um por um, a Larissa foi tirando da bolsinha os remédios que ela
tomava, e não eram poucos, as caixas eram tarja preta.
– Esse é pra dormir a noite. Esse é pra ficar acordada durante o dia.
Esse outro eu tomo pra não gritar, nem agredir ninguém ao longo do dia,
bem como eu estou com vontade de fazer com você agora, mas por sorte eu
tomei o remédio hoje cedo. E esse aqui é pra não surtar de vez.
Os meninos ficaram chocados e seus olhares se voltaram pra mim
com objeção. O Ari e o Luan puxaram a Larissa pra si, como proteção e o
Marcão me olhou cético com os braços cruzados, mostrando os seus
músculos avantajados.
Mais uma vez eu perdi pra Larissa e ela parecia bastante orgulhosa
disso enquanto guardava os remédios. Pra alguém que tomava tanto
medicamento, ela bebia demais, pensei, voltando para a minha sala e dando
as costas para todos.
Do vidro continuei a assistir a conversa entre eles, sem no entanto
ouvir o que falavam. A Larissa, em pé, encostada na mesa conversava com
os rapazes como se nada tivesse acontecido enquanto alisava o cachorro que
parecia feliz em ter reencontrado a sua dona.
Espera aí.
A Larissa estava se comportando como se nada tivesse acontecido e
isso não era normal. Não era típico dela, nem das mulheres com quem já me
envolvi. Elas sempre cobravam a conta no final, sempre e a Larissa não
parecia se importar com a noite passada.
Será que ela se lembrava da noite passada?
Franzi a testa tentando pensar sobre isso.
Não tinha como ela esquecer. Apesar da garota ter bebido bastante
durante a noite, ela foi ficando sóbria ao longo do tempo. Estava bem lúcida
quando invadimos a casa do ex-marido e roubamos o Raul e estava
totalmente desperta quando me chamou para a sua cama.
Nem fui eu que tomei a iniciativa! Foi ela!
Eu sou apenas uma vítima de um convite irrecusável.
Um convite que, verdade seja dita, eu teria feito se ela não tivesse
agido primeiro. Há quase um mês eu ando me segurando de desejo por essa
mulher e agora, com ele finalmente satisfeito eu estava frustrado, porque ela
parecia nem se importar.
Talvez deixasse para tocar no assunto a sós quando estivéssemos no
apartamento, era isso. Ela não ia dar bandeira ali, no nosso local de trabalho.
A Larissa não era burra. Ou talvez estivesse tão arrependida quanto eu, no
fim das contas.
O que não agradava o meu orgulho, se você quer saber.
Alguém bateu na porta e eu me ajeitei na cadeira pra fingir que
estava trabalhando.
– Está tudo certo lá na interceptação, viu chefão. Nada digno de nota.
– a Larissa falou com a sua cara cínica com o cachorro tentando entrar na
minha sala pela brecha da porta.
– Nada digno de nota? – perguntei, sem saber se ela se referia
realmente as interceptações ou se havia um significado oculto por trás da
escolha daquelas palavras.
– Nadinha, pode ficar tranquilo. – começou a fechar a porta dizendo:
– Qualquer novidade eu te aviso.
“Nada digno de nota.”
Suspirei.
“Nada digno de nota.”
Que comentário mais incômodo.
Uma pessoa com um repertório vocabular tão extenso e escolheu
logo essas palavras: Nada digno de nota. Ah, como eu odiava a Larissa.
Peço tanto a Deus
Para lhe esquecer
Mas só de pedir me lembro
Minha linda flor
Meu jasmim será
Meus melhores beijos serão seus
Sinto que você é ligado a mim
Sempre que estou indo, volta atrás
Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais
Amado, Vanessa da Mata

– Ai meu Deus, eu merecia um Oscar, Raul. Sou uma ótima atriz. –


falei pra ele que me olhou por um segundo antes de começar a lamber as
patas. – Só um cretino chega na delegacia fazendo balburdia depois de ter
me levado pra cama, ele mereceu o que teve!
Agora todos me amavam e estavam meio ressentidos com o Danilo.
Não era essa a minha intenção, mas acabou acontecendo depois do
comportamento dele naquela manhã.
Eu passei horas pensando em como seria esse reencontro da “manhã
seguinte” e como uma covarde eu fugi logo cedo para levar o Raul para
passear. (Ele estava acima do peso e eu duvido que o Rodrigo estivesse
cuidando dele direito). Aproveitei pra começar cedo no trabalho, assim
evitaria encontrar o Danilo pelado na minha cama quando ele acordasse.
Eu estava digerindo todos os acontecimentos da noite passada para
ainda ter que lidar com essa escapulida com o Danilo. Isso não era
prioridade agora, então eu simplesmente agiria como se nada tivesse
acontecido.
O mais importante agora é: eu não sei o que fazer. Coloquei as mãos
sobre a cabeça ao lembrar do Rodrigo com a Mariana.
Eu precisava do meu quartel general urgente. Fechei a porta da sala e
liguei pra elas em chamada de vídeo.
– Não sei se você sabe, mas eu também trabalho a essa hora, viu. –
falou a Evelyn atendendo.
– Oiiii – falou a Berenice – SOS?
– SOS – repeti – Quem de vocês sabia que o Rodrigo estava com a
Mariana?
As duas pareceram chocadas.
– Como assim? Com a Mariana? – a Evelyn falou, mas a Berenice
nada disse.
– Berenice? – perguntei.
A Berenice estava lá com uma roupa hospitalar verde e touca na
cabeça em um consultório que ela deve ter entrado só para atender a
chamada. Sua expressão dizia tudo.
– Não é como se eu tivesse alguma prova, eu só desconfiava. Então
acho que no fundo sabia sim. Ele te deixou. Logo em seguida ela sumiu,
parou de falar com você, assim como toda a equipe, você foi removida de
lugar... acho que tudo isso me fez concluir que era com ela que ele estava.
– E você nunca pensou em nos contar?
– Pra quê? Que bem isso faria? E eu não tinha certeza de nada...não
queria mexer com isso...
– Espera – falou a Evelyn – Como você descobriu tudo isso?
– Ontem foi a premiação da secretaria da segurança pública e o
Danilindo ia receber um prêmio, fomos todos convidados. – falei – encontrei
com os dois lá e essa nem é a pior parte!
– E o que pode ser pior do que ser traída pelo seu marido com a sua
melhor amiga?
Meus olhos se encheram de lágrimas antes que eu falasse, o que fez
com que o Raul chegasse mais perto.
– Ela está grávida de seis meses!
– Mas que rapariga, filha da puta e sem vergonha! – falou a Berenice
incomodada.
– Calma, o verdadeiro vilão aqui é o Rodrigo, ele era o marido, tinha
que manter o passarinho dele longe de outras pessoas.
– Só que essa outra pessoa era a melhor amiga dela! A pessoa que
sabia o quanto a Lari queria engravidar. Ela roubou o bebê da Lari.
– Acho que essa não é a melhor forma de ver as coisas...
– Você é muito pacifista Evelyn, acorde pra vida!
– E você é muito volátil, o estrago tá feito. Não adianta colocar mais
lenha nessa fogueira, o negócio é acalmar a Lari que deve ter ficado péssima
quando viu tudo isso.
– Fiquei transtornada, destruí um banheiro.
– O quê? – a Berenice se surpreendeu.
– Tá vendo?! – Ralhou a Evelyn com a caçula.
– A sorte é que o Danilo estava lá, senão eu não sei o que teria
acontecido... – falei enxugando as lágrimas. O Raul colocou a cabeça sobre o
meu colo e eu comecei a alisar.
– Esse aí é o Raul?
– Espera, como você conseguiu convencer o Rodrigo a te devolver o
cachorro? – a Evelyn perguntou.
– O Rodrigo nem ligava pro cachorro, ele só não queria que eu
tivesse ele. Mas o Raul é meu, sempre foi meu, ele não tinha o direito de
ficar com meu cachorro.
Bom, cheguei na parte da história em que teria que contar a elas
sobre o que tinha acontecido com o Danilo e eu não sei como nenhuma das
duas reagiria e estava com medo.
– Tem mais algumas coisas que eu preciso contar pra vocês. A noite
não acabou por aí...
– O que você aprontou eim? Você está com aquela cara...
– Como assim? Cara de quê?
– Cara de quem aprontou e tá com vergonha de contar – a Berenice
completou.
Nossa, elas me conheciam mesmo.
– Acontece que depois da festa o Danilo me ajudou a roubar o Raul...
– O Danilo? O babaca do seu chefe? – a Evelyn tinha mania de
repetir as coisas quando era pega de surpresa – mas porque ele faria isso?
– Por pena? – sugeriu a Berenice – aposto que a nossa irmã aqui
encheu a cara e chorou horrores no pé do ouvido do cara...
– Não foi assim! Quer dizer, foi, um pouco... o Danilo já estava puto
por outros motivos, acho que ele queria fazer alguma coisa perigosa e eu
estava chorando por saudade do Raul, acho que acendi a pólvora.
– Esse Danilo é um tesão – falou a Berenice – não sei como você
resiste trabalhando com ele aí todo dia e agora dividindo apartamento...
Foi aí que eu me entreguei. Corei e abaixei a cabeça. A Evelyn foi a
primeira a perceber.
– Não! Não, não, não, não! Larissa, não!
A Berenice cobriu a boca em choque.
– É sério?
– Eu não vou entrar em detalhes!
A Evelyn deu um tapa na testa revoltada.
– Caramba! Ele é seu chefe, criatura. Você não poderia ter feito isso
nunca!!
– E por que não? – Berenice me defendeu – eles são adultos,
atraentes, estavam afim, porque não?
– Porque ele é um babaca! – a Evelyn gritou revoltada assustando
alguém que estava passando – Porque ele tem sido um babaca com a nossa
irmã todos os dias desde que ela chegou nessa delegacia! Isso não é motivo
pra você? Por que é pra mim!
– Ele não é tão ruim. – falei, no meio, entre as duas – Ontem ele me
ajudou a recuperar o Raul e também fingiu ser meu namorado pra diminuir
meu constrangimento na frente do Rodrigo e da Mari.
– Lari, entenda, ter feito duas ou três coisas legais não muda o fato
dele ter sido um babaca com você esse tempo inteiro.
– Você está sendo rancorosa – acusou a Berenice – e se ele se
arrependeu e resolveu ser um homem melhor? Ajudar a Lari ontem mostra
muito sobre o caráter dele e me faz pensar que ele tem sido um babaca
porque está atraído por ela desde o primeiro dia.
– Não viaja, Berenice. – cortei – O problema é que eu não sei o que
fazer agora. Hoje mesmo eu agi como se nada tivesse acontecido, como se
fosse só mais um dia normal na delegacia, mas e se ele me perguntar alguma
coisa, se ele quiser conversar a respeito?
– Você está pensando como mulher. – falou a Bê – ele deve ter ficado
aliviado por você fingir que nada aconteceu.
– E com certeza não vai te chamar para conversar sobre isso –
completou a Evelyn – Nós mulheres é que fazemos isso de querer
“conversar” sobre as coisas. Os homens só seguem em frente. Confie em
mim, se você fingir que nada aconteceu ele vai fazer o mesmo e ainda vai
ficar aliviado...
Elas pareciam entender do assunto. Eu era péssima para esse tipo de
situação. Passei oito anos com o mesmo homem, o cara que eu acreditei ser
o amor da minha vida e meu melhor amigo. Então elas provavelmente
estavam certas. Tudo que fizemos foi apenas sexo casual e não precisava
ficar pensando ou falando no assunto, nem com ele, nem com ninguém.
Próxima pauta!
– O problema – falou Berenice – é que você não está acostumada
com nada disso e acabou de ver seu ex com outra. Tenho receio de que acabe
se apegando ao Danilindo.
– Nem morta!
– Nós já ouvimos isso antes. Como anda o aplicativo, conheceu mais
alguém interessante?
– Só gente chata, feia e sem conteúdo.
– Tem que ter paciência. Continue procurando. – Evelyn disse –
Tudo o que você mais precisa agora é de um encontro.
– Ah tá. Um encontro só vai trazer mais confusão pra minha vida.
– Gente, tão me chamando na enfermaria, tenho que ir. Converso
com vocês melhor a noite, cheiro.
A Berenice desconectou, ficamos só eu e a Evelyn.
– Um encontro vai te ajudar a tirar o foco do Danilo, vai evitar que
você pense muito nele depois da noite passada.
– Nossa, mas vai ser difícil, eu trabalho com o cara, vejo ele o dia
todo e depois em casa, lá no apartamento.
– Eu acho que agora que vocês dormiram juntos ele vai arrumar uma
desculpa pra ir embora.
– Quando foi que você ficou tão entendida desses assuntos eim?
– Sendo solteira desde sempre.
Rimos juntas, mas infelizmente era sério, a minha irmã não teve
nenhum relacionamento sério desde que fez o intercâmbio lá no Canadá, mas
pelo visto tinha se tornado perita sobre a vida de uma solteira.
– Eu só não quero que você tenha uma decepção amorosa com esse
Danilo. Ele parece ser um lobo predador, enquanto você é mais como um
cachorrinho fofo.
– Eu não sou mais assim...
– Eu sei, mas eu sinto falta da minha irmã fofa.
– Depois que a gente muda não dá mais pra voltar a ser como antes.
Aquela Larissa morreu pra essa nascer, pelo menos renasci mais magra.
– Ei, eu também tenho que ir, dei intervalo pros alunos, mas já está
durando tempo demais, logo mais a diretora vai querer me dar uma chamada
por causa disso.
– Vai lá, eu vou me virar aqui. Pelo menos eu tenho o Raul pra me
ajudar a ouvir a conversa dos outros.
– Tenha juízo. Não faça nada que a Berenice faria e tudo vai dar
certo.
Rimos e encerramos a ligação.
O que você precisa
É de um retoque total
Vou transformar o seu rascunho
Em arte final
Agora não tem jeito
'Cê tá numa cilada
É cada um por si
Você por mim e mais nada
Uh eu quero você
Como eu quero
Como eu Quero, Kid Abelha

O dia já seguia estranho até eu me deparar com uma matéria sobre


mais um assalto a banco na cidade de Porto da Folha, uma das cidades
vizinhas. A notícia tinha sido disparada no grupo de delegados de polícia e
eu logo acessei a página para buscar mais informações com o que a mídia
tinha para divulgar.
Os bandidos tinham agido da mesma forma que nos outros assaltos,
tinham quebrado as portas de vidro das agências e explodido a entrada do
cofre principal. Tudo isso na calada da noite, usando carros roubados que
eram abandonados na madrugada. Mais uma vez os bandidos escapavam
misteriosamente sem deixar pistas.
Pensei em ligar para a juíza Fátima, mas aquele assalto ainda não ia
fazer com que ela se convencesse que o município de Lourdes também
corria riscos. Eu precisava de algo mais concreto. Precisava de provas mais
sólidas de que ou a quadrilha partia daqui ou que seria o próximo alvo dessa
quadrilha.
Me levantei e fui até um mapa do estado de Sergipe que eu tinha na
parede. Era um mapa grande, cerca de um metro de altura por um de largura.
Com um marcador eu fui lá e marquei a cidade de Porto da Folha, que
também era ribeirinha do Rio São Francisco, assim como Lourdes.
Passei a observar as outras cidades que já tinham sido assaltadas,
Telha, Amparo do São Francisco, Aquidabã, Itabi. Todas cidades próximas
ou ribeirinhas que abraçavam a cidade de N. S. de Lourdes o que não
poderia ser coincidência.
– Marcão, vem cá! – gritei pela porta, logo ele entrava no escritório –
Olha isso. – apontei no mapa para que ele visse o grande “X” que eu tinha
marcado em cima de Porto da Folha.
– O cerco está se fechando pro lado de cá. – o Marcão disse, tirando
as mesmas conclusões que eu – Porque não vieram para Lourdes ainda?
– Com certeza não é por causa da fama do delegado, disso não tenho
dúvidas...
– Como eles fugiram dessa vez?
– Ninguém sabe, abandonaram os carros que roubaram durante a
noite e desapareceram, mesmo ‘modus operandi’.
– Se todas as cidades são ribeirinhas, então eles devem ter fugido de
barco. – a Larissa falou da porta que o Marcão deixou aberta, com uma
xícara de café na mão. Não era minha intenção que ela se envolvesse com
aquele caso.
Há quanto tempo será que ela estava ali?
– Nem todas as cidades são ribeirinhas. – falei – algumas são apenas
próximas a cidades que margeiam o rio...
– Certo, mas nesse caso onde os carros foram abandonados? –
perguntou tomando um gole de café.
A pestinha estava certa e agora parecia óbvio.
– Se essas cidades tiverem câmeras de segurança como aqui, dá pra
ver por onde eles seguiram depois de abandonar os carros, devem ter
seguido a pé até alguma fazenda onde os barcos estavam ancorados...
– É senhora espertinha, mas infelizmente eu não sou delegado dessas
cidades e nem tenho autorização para buscar informações com eles sobre
isso.
– Bom, nesse caso não há nada que se possa fazer...
– E nas interceptações telefônicas? Alguma novidade?
Ela apertou os olhos. A Larissa era esperta de verdade.
– Não, nada, apenas fofoca entre vizinhos. Talvez as interceptações
tenham sido colocadas no lugar errado, não tenho ouvido nada de relevante,
apesar de estar curiosa se a Rayane realmente está dormindo com o marido
da Crislaine, quando ela sai pra trabalhar.
Troquei olhares com o Marcão.
– Se bem que a Rayane parece estar saindo com o marido da dona do
mercadinho também... – falou pensativa – essa Rayane... Bom, melhor eu ir
né, quero saber como essa história vai terminar.
Ao sair da sala eu fechei a porta.
– Temos que mudar o lugar das interceptações. – falei de imediato. –
o assalto foi recente, se não conseguimos nada até agora, pode ser que eles
não tenham sido colocados nos melhores lugares.
– Quando? Hoje a noite?
– Amanhã a noite é melhor. Eu tenho que buscar material e pra isso
ainda preciso acionar aquele contato. Avisa ao Luan, deixa ele por dentro do
que está acontecendo.
– E o Ari e a Lari? Vai deixar eles de fora?
– Melhor nenhum dos dois saber o que a gente anda aprontando, por
enquanto. A Lari é toda certinha e o Ari é pai de família, melhor não
envolver eles, por ora...
– Não sei não, o Ari não se mete muito, mas a Lari... você sabe, ela é
esperta.
– Mais esperta do que transparece. – falei – Mesmo assim vamos
deixar ela de fora dessa, pelo menos até a gente conseguir um mandado.
– Falando na Lari, ela comentou alguma coisa sobre ontem? –
perguntei enquanto ajeitava uns papéis disfarçando o meu constrangimento.
– O que a Lari teria pra dizer? – o Marcão ficou desconfiado – Ela
falou do cachorro e tal...
Ele passou a me analisar desconfiado.
– Aconteceu alguma coisa, por acaso?
– Quem você acha que ajudou a maluca a recuperar o cachorro? –
sugeri, tentando disfarçar o que eu realmente queria esconder.
Ele ergueu as sobrancelhas e bateu palmas.
– Parabéns pra Larissa, essa garota é foda. Convenceu você a roubar
um cachorro!
– E a cometer meia dúzia de delitos por causa disso – resmunguei.
– Porque será eim? – o Marcão já estava começando a me irritar e a
passar dos limites.
– Tá dispensado. – falei ignorando a sua insinuação enquanto olhava
pro computador – volte aqui quando tiver alguma informação importante.
O Marcão saiu rindo e eu voltei para o mapa pensando no que a
Larissa tinha falado. Após alguns minutos de reflexão fui na secretaria e
falei pros meninos:
– Eu quero que vocês entrem em contato com a capitania dos Portos
e pesquisem o registro de embarcações de pequeno a grande porte com
endereço aqui no município. Quero uma lista completa até o final dessa
semana. – Dei a ordem aos rapazes que estavam atentos as instruções – eu
vou elaborar ofícios para apresentação, se for necessário. Entrem em contato
por telefone, por e-mail, pelo caralho a quatro, mas quero uma lista ainda
esta semana, entenderam?
– Copiado, chefão! – falou o Luan em posição de sentido, ele era
todo palhaço, mas logo começaram a pesquisar.
Enquanto isso fui na sala em que a Larissa ouvia as interceptações
telefônicas.
– E aí, essa Rayane tá ou não tá com o marido da dona no
mercadinho? – falei sério e surpreendi a Lari que riu.
Gostei do som da sua risada. Lembrei dela ontem a noite enquanto
ela rolava nos lençóis comigo. Agora, olhando para aquela garota comecei a
questionar a minha sanidade, por que parecia que nada daquilo tinha
acontecido de verdade. Despertei do meu devaneio quando o Raul veio me
cheirando e querendo pular em mim.
– Ah, com certeza ela está. Apesar de eu não ter nenhuma prova do
fato ainda, os mexericos correm rápido nessa cidade e logo teremos uma
briga de mulheres pra separar aqui na delegacia.
– Você tem um bom sentido para as coisas, foi muito esperta hoje
mais cedo ao concluir sobre a fuga em barcos. – alisei o cachorro pulguento,
até que ele tinha orelhas macias.
– É que as vezes algo é tão óbvio e está tão estampado na nossa cara
e só a gente não percebe. – falou, fazendo alusão ao caso do marido com a
amiga, imagino – Só que eu não vou mais deixar o óbvio passar
despercebido...
– Hum... o que quer dizer com isso exatamente?
– Quero dizer que eu procurei o mandado que autoriza essas
interceptações telefônicas e não encontrei...
– Ah, algum dos meninos deve ter perdido, eles são uns bagunceiros.
– Eles são sim, você não. – afirmou – Mas deve ter sido isso, eles
devem ter perdido...
Ela falou, cética. Demonstrando que sabia que se tratava de uma
interceptação ilegal. Eu estava certo, ela era mesmo esperta. Por isso mesmo
ia agir como se não soubesse de nada.
– Fica de olho aí. – falei antes de sair.
– Não se preocupe, estou sempre com ouvidos atentos. – disse ao
recolocar os fones headset sobre os ouvidos.
Durante o horário de trabalho não era o melhor momento para
conversar com a Lari sobre a noite anterior. Não que eu quisesse falar sobre
o assunto, mas eu queria ter certeza de que ela se lembrava, de que não
estávamos tão bêbados que ela não se lembrasse que dormiu comigo.
Afinal estávamos praticamente sóbrios. Uma cerveja não embebeda
pessoas como nós, mas eu estava intrigado. Precisava de uma confirmação
de que tudo realmente tinha acontecido, afinal eu acordei pelado na cama,
mas ela não estava mais lá, embora eu me lembre de tudo o que rolou depois
que ela me guiou até a nossa cama.
Eu falei nossa cama? Credo.
Continuei trabalhando até além do horário, primeiro porque tinha
muito a se fazer, mas principalmente porque queria chegar no apartamento
depois que a Lari já estivesse bem acomodada com a sua cerveja e a sua
novela, para só então abordar o assunto do porque ela estava agindo tão
estranho desde ontem a noite.
Ou seria, porque ela estava agindo tão normal, desde que passamos a
noite juntos?
Nossa, que situação mais estranha, incomum e desconfortável. Agora
sentia que eu é que precisava de uma cerveja, senão não teria coragem de
abordar o assunto. Olhei no relógio e já era um horário razoável para chegar
no apartamento. Desliguei tudo e subi, as luzes estavam acesas, um bom
sinal.
Mas ao subir não a encontrei, diferente do Raul que roncava
preguiçoso no meu tapete, não encontrei a Larissa em lugar nenhum.
– Oxente, cara, cadê a sua dona, eim?
Ele ergueu a cabeça e olhou por alguns segundos e me ignorou,
voltando a dormir imediatamente. Que cachorro patético, não sei porque a
garota fez tanta questão de pegar ele de volta, não serve pra nada, nem latiu
quando eu entrei. Que grande apoio emocional ele era.
Bufei irritado. Olhei na geladeira, no micro-ondas e no forno e a
Larissa não tinha deixado nada pronto. Fiquei mais irritado ainda. Olhei pela
janela, o tempo estava fresco.
– Quer ir dar uma volta, cara? Você não tá fazendo nada, eu
também...
É claro que só de mencionar o passeio o comportamento do cachorro
mudou da água para o vinho e ele começou a saltitar como um carneiro e a
latir todo animado.
– Calma, não é pra tanto, você vai passear por Lourdes, não é
nenhum central parque ou sei lá por onde você costumava ir... se bem que
olhando pra você, gordo desse jeito parece que não passeava por lugar
nenhum... tem que se cuidar, cara...
Coloquei a guia de passeio naquele inútil e saímos juntos, era umas
oito e meia da noite, a cidade estava calma, as luzes da praça estavam
acessas e alguns casais passeavam por ali, o bar estava aberto e
movimentado. Caminhamos por alguns quilômetros até que a fome começou
a apertar, então eu desci em direção ao restaurante Pontal do Rio, o melhor
da região.
Cumprimentei os donos do lugar e fui direto para uma das mesas que
ficavam no deque, eu adorava aquela parte do restaurante. Amarrei a guia do
cachorro na mesa e pedi uma cerveja gelada. Aproveitei pra acender um
cigarro e foi naquele momento que vi quem estava sentada a algumas mesas
na minha frente, em um encontro: a Larissa!
Capítulo vinte: Larissa
Teus sinais me confundem da cabeça aos pés
Mas por dentro eu te devoro
Teu olhar não me diz exato quem tu és
Mesmo assim eu te devoro
Te devoraria a qualquer preço
Porque te ignoro ou te conheço
Quando chove ou quando faz frio
Noutro plano, te devoraria tal Caetano
A Leonardo DiCaprio
Eu te devoro, Djavan

Seguindo os conselhos das minhas irmãs passei o resto do dia


conversando com um rapaz que eu tinha conhecido no aplicativo. A gente já
tinha dado match há alguns dias, mas nenhum dos dois tomou a iniciativa,
coisa que fiz hoje e acabei me deparando com um cara razoavelmente
interessante para me distrair do Dr. Danilindo.
Era um cara de baixa manutenção, gostava demais de falar de si
mesmo, o que era bom, já que eu só tinha que dizer alguns “não acredito!”
ou um “É mesmo?” de vez enquanto para manter a conversa. Enquanto isso
eu poderia devanear sobre o desfecho da última novela ou pensar sobre as
interceptações, desde que no fim o pensamento não acabasse seguindo na
direção do Danilo.
O mesmo Danilo que acabou de se sentar algumas mesas a frente da
minha, no deck do Pontal do Rio, onde eu estava em um encontro com esse
cara. Ah, o Raul também estava com ele, com a língua pra fora, deve ter se
cansado na caminhada pra cá, ele estava meio fora de forma.
O meu celular vibrou
Danilo: Então, você está em um encontro?
– É mesmo? – falei pro meu acompanhante, um professor de
educação física da rede pública local. Ele continuou a tagarelar, quando eu
senti o celular vibrar mais uma vez.
Danilo: Não parece estar se divertindo, como ele é, ele é chato?
Ignorei o comentário e dei um sorriso para o meu acompanhante.
– Você me acompanha em uma cerveja? – sugeri
– Claro, ótima ideia, pode deixar que eu peço. – falou acenando para
o garçom trazer um chopp.
Com um chopp ia ser mais fácil aturar o encontro e o Danilo ali na
frente me mandando mensagens que estavam sendo ignoradas.
Danilo: Precisa tomar cerveja pra aguentar esse cara ou é só aquele
viciozinho habitual?
Danilo: Ele está te entediando, termina esse encontro e toma uma
cerveja aqui comigo.
Ele sorriu e deu de ombros de lá de onde estava, mas eu o ignorei. O
objetivo era não pensar nele. E depois da cerveja até que meu acompanhante
tava parecendo menos chato.
– Eu não acredito. – continuei.
Ele continuou falando sem se dar conta de que eu não estava
prestando atenção.
Danilo: Eu trouxe o Raul, ele estava triste e com fome no
apartamento.
Danilo: Você me fez roubar o cachorro pra deixar ele assim, triste e
com fome?
O Danilo fez cara de drama o que quase me fez rir.
Larissa: Primeiro, como foi que você conseguiu o meu número?
Larissa: Segundo, dei comida pro Raul antes de sair de casa.
Danilo: Então o danadinho me enganou pra comer duas vezes.
O Danilo olhou pro Raul com julgamento.
Danilo: Com essa gula toda, não me admira que ele pese mais que
um bezerro novo.
Dessa vez eu ri, mas por sorte meu amigo ali pensou que era por
causa dele.
Danilo: Eu tenho o seu número porque tenho uma ficha sobre você
no meu escritório. Preciso poder contatar os meus agentes caso precise de
uma operação de última hora.
– Não é? – ele falou.
– Inacreditável. – eu disse.
Larissa: Ele só está um pouco acima do peso, culpa do Rodrigo que
não cuidou dele direito.
Larissa: O que você está fazendo aqui?
Larissa: O que tem nessa ficha que você guarda nesses seus
arquivos?
Fiquei meio receosa.
Danilo: Estou assistindo ao seu encontro. E ele não parece ir muito
bem.
Danilo: Talvez você precise de algo mais forte que o chopp pra
aguentar essa falação toda dele.
Larissa: Você também percebeu?
Enviei rindo.
Larissa: Acho que eu sou a nova terapeuta dele.
Danilo: Na sua ficha tem absolutamente tudo sobre você. Por quê?
Tá com medo de que eu descubra alguma coisa?
Larissa: Eu sou um livro aberto...
Então o garçom chegou na mesa com os nossos pedidos e com duas
doses da cachaça local. Segundo ele, cortesia do delegado da cidade.
– Olha, que coisa bacana. – falou o meu acompanhante procurando
pelo delegado da cidade, que acenou pra ele com um sorriso (amigável pra
ele) e irônico pra mim.
Danilo: Talvez uma cachacinha te ajude a aturar ele melhor.
– Bem, já que a gente ganhou a dose, melhor beber né, não é sempre
que se ganha um drink do delegado da cidade, ele deve saber que sou
professor da escola local e de todo o trabalho que eu tenho feito com os
alunos...
Assim brindamos e bebemos uma cachaça que desceu queimando
durante todo o seu percurso para dentro do meu corpo.
Larissa: Nunca mais me envie uma cachaça dessas.
Larissa: P.S. Não ajudou em nada, agora ele está todo convencido,
acha que foi reconhecido. Kkkkk
Danilo: Larga ele e vem pra cá, te pago um pastel de vento.
Larissa: Um pastel de vento, jura? É isso que eu valho pra você?
Oferece pelo menos um pastel de camarão.
Danilo: Hum, daí eu já não sei, pela sua ficha não sei se você merece
tanto assim...
Larissa: Essa sua oferta vai ter que melhorar pra me tirar aqui. Estou
adorando o encontro, vejo nele um grande potencial.
– É mesmo? – falei para alimentar a conversa – Acho que essa
cachaça não me caiu bem, vou ao toalete rapidinho.
Levantei em direção ao banheiro, no caminho pedi mais uns chopes
pra mesa. No banheiro não fiz nada mais do que empurrar os peitos mais pra
cima, para que eles parecessem maiores no vestido, retoquei o batom e
coloquei mais blush. Passei a mão nos cabelos bagunçados pelo vento do
deck e pronto, eu estava perfeita para voltar.
Perfeita pra quem? As minhas irmãs me perguntariam.
Mas a resposta era clara, eu estava perfeita para o encontro, com
saltos enormes e uma produção caprichada eu estava linda demais pra aquele
cara, ou pra qualquer um naquela cidade.
Danilo: Produção total pra esse cara chinfrim, sério?
Larissa: Por que não? Até onde eu sei ele pode ser o homem da
minha vida, o futuro pai dos meus filhos...
Acho que não.
– Valeu pelo Chopp, mas acho melhor eu parar antes que comece a
falar demais.
– É mesmo? – falei quase rindo, mas ouvi a risada alta do Danilo
algumas mesas atrás. – Neste caso é melhor não exagerar mesmo.
Não que ele tivesse parado de falar de si mesmo ou da sua vida ou
das suas séries na academia ou dos seus planos futuros de investir em
fisiculturismo. Pensando bem, eu tinha prestado atenção em bastante coisa.
Fiquei impressionada com a minha capacidade de reter informação inútil que
não me interessava nem um pouco, mas que estava acontecendo ao redor.
Deve ser por isso que eu era uma policial foda, antes de ser enviada
pra esse buraco onde todo o meu potencial era subutilizado pelo homem a
algumas mesas dali, todos os dias.
Danilo: Você sempre vem a encontros assim?
Ignorei a pergunta.
Danilo: São caras de aplicativo, não são?
Fingi que não tinha recebido.
Danilo: Mas que decadente até pra você Larissa!
Larissa: Os aplicativos são a melhor forma de conhecer pessoas!
Me defendi. Eu não era decadente, as minhas irmãs eram as únicas
culpadas.
Danilo: A-há! Eu sabia. Um cara de aplicativo.
Danilo: Então é esse tipo de cara que você curte.
Seu olhar era de julgamento.
– Eu não acredito. – comentei alimentando a conversa com o meu
acompanhante.
Comi um pouco da comida que tinha pedido. Mas não estava mais
com fome, estava completamente envolvida com a conversa, com o
Danilindo.
Larissa: Claro que não.
Me defendi.
Larissa: Mas fiquei sem muitas opções pra hoje.
Danilo: Só confirma a minha certeza de que aplicativos são só pra
desesperados.
Eu ri.
Larissa: Eu não estou desesperada!
Danilo: Está sim.
Larissa: Apesar de que... outro dia um cara achou que eu era
prostituta.
Falei e ouvi a risada do Danilo.
Danilo: Desesperada e com atração por malucos.
Eu ri e finalmente o meu acompanhante pareceu perceber que eu
estava no celular.
– Tem alguma coisa interessante aí no seu celular, Larissa?
– Hum, desculpe, onde você estava mesmo?
– Quer compartilhar comigo o que tem de tão engraçado nesse
celular que você não está prestando atenção a nossa conversa?
Danilo: Ih! agora ele resolveu bancar o professor!
Danilo: Você está reprovada, Larissa!
Eu não consegui evitar e ri, ri muito, porque era exatamente isso que
estava acontecendo, eu estava levando uma bronca do professor no meio de
uma aula.
– Você vai confiscar meu celular, professor? – perguntei e o Danilo
riu lá atrás
Danilo: Jogada ousada, muito ousada.
Mas infelizmente ele não achou engraçado.
– Eu sou uma piada pra você, Larissa? Eu estou aqui abrindo a minha
vida inteira pra você e é assim que você retribui?
Danilo: Mas não funcionou, porque ele é um chaaaaaaato.
– Me desculpe, eu não quis ser desrespeitosa, me desculpe.
Mas ele se levantou, estava indignado.
– Eu até te contei sobre a morte do meu hamster, o Fred, na sexta
série, sabe como é difícil pra mim falar sobre isso?
Então eu não consegui resistir e comecei a rir. O Danilo já estava
rindo há um tempão algumas mesas a frente. Meu acompanhante ficou
ultrajado com o meu comportamento. Eu também levantei pra falar.
– Me desculpa, mas quem conta sobre a morte de um hamster
durante um encontro?
– Era um hamster muito importante para mim. – falou sério.
– Eu sei e sinto muito pela sua perda, mas você não perguntou nada
sobre mim a noite toda, percebeu?
– Achei que você queria me conhecer primeiro, mas já que não quer,
é melhor acabarmos por aqui. – ele falou. – Vou desfazer o match, então por
favor não insista.
– Tá bom. Não insistirei. – Falei voltando a sentar para tomar o resto
do meu chopp, não ia desperdiçar a cerveja. – Melhoras pra sua avó, a
propósito.
Fiquei sentada sozinha na mesa pateticamente enquanto o Danilo me
mandava mensagem.
Danilo: Vem pra cá.
Continuei onde estava.
Danilo: Eu te pago outro Chopp.
O objetivo era me distrair dele e não acabar na mesa com o meu
chefe o que me fez lembrar um pouco o que aconteceu entre nós na noite
passada, mas hoje a noite acabaria de um jeito diferente.
Sentei na mesa dele.
– Você arruinou o meu encontro!
– Eu? O cara era o maior chato, eu salvei você de uma vida tomando
whey.
Cruzei os braços em indignação.
– Eu estava realmente interessada na vida dele, ele é
muito...estimulante.
– Você estava quase dormindo sentada quando eu cheguei.
O Raul se sentou e encostou a cabeça no meu colo e eu comecei a
fazer carinho nele que era muito bonzinho e fofo.
– Então você saiu pra passear com o Raulzinho?
– Esse cara aí estava lá de bobeira, chamei ele pra dar uma volta, já
que você não deixou nada pra gente comer.
Ele reclamou e eu ergui as sobrancelhas.
– Eu não sou sua mãe, Danilo. Faça você a sua própria refeição.
– Mas não se pode acostumar um homem de uma forma e depois tirar
aquilo dele.
– Huuum, quer dizer que eu sou essencial naquele apartamento é?
Falei convencida, querendo ganhar uma confirmação dele de que eu
poderia ficar tranquila com a minha moradia.
– Você pelo menos faz comida, apesar de beber toda a cerveja. Você
já pensou em todo esse seu alcoolismo?
– Tá preocupado com a minha saúde ou com as suas cervejas?
– Com os dois, ora, se você morre eu fico sem um policial na equipe.
Joguei uma batatinha frita na cara dele.
– Essa conversa tá muito pereba pra uma noite de fim de encontro.
– Pereba, é mesmo? – assentiu mudando de assunto – Então falemos
de outra coisa, finalmente me conte, o que você está fazendo naquele
aplicativos de encontro. Isso é tão fim da linha e você não me parece alguém
que não teria opções...
– Ah – fiz um gesto com a mão de pouco caso – Isso é coisa das
minhas irmãs, elas insistiram, criaram um perfil e cá estou eu, saindo com
estranhos.
– E que história foi aquela de um deles ter achado que você era
prostituta? – perguntou com meio sorriso no rosto.
– É o tipo de coisa que acontece num primeiro encontro depois de
muitos anos em um relacionamento, você não sabe como se expressar e
acaba sendo mal interpretada.
O Danilo riu.
– Isso é a sua cara.
– Ele pensou que ia ter que pagar pelo serviço no fim da noite. – falei
corada. – Foi muito constrangedor, me admira que você não tenha ficado
sabendo já que você vive aqui e sempre sabe de tudo.
– Deixa eu te contar um segredo. – ele falou me chamando pra mais
perto, senti suas palavras soprarem no meu ouvido – Eu não sei de tudo.
– Só finge saber pra que todo mundo ache que você está no controle.
– falei olhando nos olhos dele e ele assentiu. – Você é um controlador
compulsivo, mesas alinhadas, papéis alinhados...
– Geralmente funciona. Eu gosto da ordem, me traz paz...
– Imagino que sim, principalmente com as advogadas. – ele riu.
– Não sei nem o que dizer sobre isso, foi justamente o contrário... –
ele riu olhando pra baixo e balançou a cabeça – ...foi acontecendo até que eu
perdi o controle. Quando eu vi, já estava cercado por todas aquelas mulheres
bonitas sem saber dizer não pra elas.
Ele suspirou
–Você sabe o quanto é doloroso dizer não pra uma mulher bonita?
– Você me fala “não” o tempo inteiro – falei bem humorada e
mostrando constrangimento.
– Pois é, e isso é difícil, desgastante, no final do dia eu estou exausto,
só por causa disso, você me dá muito trabalho.
– Eu sou a sua funcionária mais sossegada.
– Quem te disse isso?
Ergui os braços, afinal era óbvio.
– Não, Larissa. Dentre todos, você é a única funcionária com quem
eu não sei lidar. Estou há meses tentando saber o que fazer com você.
– Interceptações telefônicas? – questionei.
– Interceptações telefônicas. Coloquei a maior futriqueira no seu
habitat natural.
Joguei outra batata na cara dele, dessa vez ele capturou com a boca e
comeu.
– Acho melhor ir pra casa – falei – amanhã eu tenho um dia longo de
novelas e um encontro a três pra contar tudo sobre hoje. As minhas irmãs
odeiam perder qualquer novidade sobre a minha vida.
– Você conta tudo pra elas?
– Tudo. São minhas melhores amigas e conselheiras. Pelo menos foi
assim depois que os meus amigos me deixaram.
– Bom, vamos lá então, não quero atrapalhar essa sua programação
de sábado tão interessantes. Novelas colombianas bobas e fofoca entre
irmãs.
Levantei e desamarrei o Raul da mesa.
– Mas falando sério agora, você acha que o Marcos Leonardo vai
conseguir provar a verdade para a Maria Letícia?
Me provocou uma última vez antes de irmos embora de volta
caminhando para o apartamento.
Esse turu, turu, turu aqui dentro
Que faz turu, turu quando você passa
Meu olhar decora cada movimento
Até seu sorriso me deixa sem graça
Nem estou dormindo mais, já não saio com os amigos
Sinto falta dessa paz que encontrei no seu sorriso
Qualquer coisa entre nós vem crescendo pouco a pouco
E já não nos deixa a sós, isso vai nos deixar loucos
Quando você passa, Sandy e Junior

Depois dos últimos dias comecei a me sentir estranho e resolvi voltar


para o meu apartamento na cidade, pra alegria da Larissa que ficou com o
loft todo só pra ela. Eu não sabia descrever exatamente o que eu estava me
sentindo, mas talvez fosse o caso de procurar um médico. Eu tenho histórico
na família de morte prematura por problemas cardíacos.
Talvez fosse isso. Marquei uma consulta com um cardiologista amigo
meu dos tempos da escola, o Dr. Carlinhos. Ele saberia diagnosticar o que
era aquela inquietude e aqueles batimentos acelerados a todo momento.
– Que milagre você por aqui. – cumprimentou meu amigo assim que
adentrei o seu consultório – Finalmente resolveu fazer um check up?
– Não é exatamente um check up, eu tô com algumas queixas e você
conhece o histórico da minha família né...
– Você já parou de fumar? – perguntou o meu amigo sentando do
outro lado da mesa enquanto digitava no computador a minha ficha médica.
Eu sorri.
– Você já parou de raparigar? – devolvi com outra pergunta e ele
sorriu.
– A diferença é que raparigar não vai me causar uma doença
pulmonar, nem pode me predispor a um infarto ou um câncer de pulmão.
Torci a cara diante daquelas palavras. É claro que aquilo nunca
aconteceria comigo, eu pararia de fumar antes dos quarenta.
– Você que pensa... tem mulher que dá tanto trabalho que pode sim te
causar um infarto. – reclamei sem pensar.
– Ah, então tem alguém na sua vida... – ele sorriu irônico – foi ela
que te obrigou a vir aqui?
– Sigo solteiro e muito distante de me amarrar, se você quer saber...
Ele mediu a minha pressão com o um aparelhinho.
– A sua pressão está normal. O que é que você sente que te fez
levantar a bunda do seu escritório e vir até aqui?
– Bom, falando bem sério agora. – me concentrei nos meus sintomas
– as vezes no meu trabalho eu sinto o coração disparado e um pouco de falta
de ar.
– Mas você é delegado, passa por situações de risco, é normal a
pressão e a frequência cardíaca aumentarem em situações em que a sua
adrenalina está alta.
– Só que isso não acontece em situações de risco. – comentei
envergonhado – A minha delegacia fica num fim do mundo, é muito
tranquila. Eu sinto esses sintomas em situações normais do cotidiano.
– Entendi. Eu posso passar alguns exames pra te tranquilizar, mas
avaliando assim – ele tinha acabado de ouvir meu coração com um
estetoscópio – eu posso dizer que parece que você está lidando mais com
ansiedade do que com um problemas cardíacos, apesar do histórico familiar.
– Ansiedade? – repeti, cético.
– É muito comum, mais do que você imagina. Eu posso te prescrever
um ansiolítico leve para você tomar, vai ajudar no dia a dia. Mas recomendo
que procure perceber os gatilhos dessa ansiedade, em quais momentos você
sente estes sintomas e tente evitar passar por eles. Se não puder, talvez seja o
caso de procurar um psiquiatra para que ele possa prescrever um ansiolítico
mais forte.
Na volta pra casa comecei a refletir sobre o que o médico disse.
Em quais momentos eu me sentia mais ansioso e com o a frequência
cardíaca aumentada?
Quase não havia crimes graves em Lourdes, então realmente não
deveria ser nada no trabalho, só a Larissa que vivia me irritando e me tirando
do sério, mas não era pra tanto.
Apesar de que ela estava me irritando mais ainda depois que nós
dormimos juntos. Ela agia normalmente, como se nada tivesse acontecido e
isso não fazia o menor sentido. E agora indo a encontros pelo tinder, não
tinha como ser mais patética.
Parei pra almoçar na estrada no caminho para a delegacia.
Ela deveria estar adorando ter o apartamento todo só pra ela e pra
aquele cachorro rechonchudo. Será que a maluca estava passeando com ele
direito? O Raul se cansava rápido por causa do peso, ela tinha que ter
cuidado.
Do jeito que as coisas estavam logo ela estaria namorando com
alguém da cidade e isso não parecia nada bom.
Namorando um matuto de Lourdes, era bem o que ela merecia. Mas
eu não queria saber de ter outro marmanjo no meu apartamento. Ela estava
doida se achava que ia conseguir um cara que aturasse a bebedeira e aquelas
novelas colombianas ridículas dela.
Falando nisso, muita coisa deve ter acontecido desde que eu parei de
assistir. Quando chegasse na delegacia ia dar uma olhada no resumo das
novelas, não que eu gostasse delas, mas você fica curioso depois de um
tempo que começa a ver aquela porcaria.
Cheguei na delegacia pouco depois do almoço, só encontrei o
Marcão lá, os outros ainda não tinham voltado.
– Cadê todo mundo?
– Almoçando. Foram comer lá no Pontal do Rio.
– E só ficou você?
– Alguém tinha que ficar e eu dei azar no sorteio. – lamentou.
– Humm...
– Tá querendo alguma coisa com alguém específico?
– Quero saber da Larissa, sobre as interceptações, ela ficou de me
mandar um relatório.
– Então é hoje a noite que a gente vai colocar as escutas e instalar as
interceptações novas?
– É sim, mas não fique falando sobre isso. Nem a Larissa, nem o Ari
devem saber.
– Não quer que a Larissa saiba que o delegado favorito dela comete
umas ilegalidadezinhas de vez em quando? – perguntou irônico.
– Isso ela já sabe, afinal eu invadi uma casa e roubei um cachorro
junto com ela.
O Marcão riu.
– Você disse delegado favorito? Ela falou alguma coisa sobre mim? –
encostei na mesa dele curioso enquanto o Marcão se divertia as minhas
custas.
– Porque quer saber? Achei que você nem gostasse dela...
– E não gosto mesmo, você tá vendo o trabalhão que ela tem me
dado desde que chegou aqui.
O Marcão ergueu as sobrancelhas.
– A garota não é fácil e ainda quer me desafiar o tempo todo –
reclamei
– Mas ela faz ótimos donuts... – o Marcão comentou
– Os melhores. Mas não vejo ela mais do que uma funcionária, você
sabe muito bem disso.
– Sei, sei, claro, claro... – respondeu sorrindo com ironia, eu não
estava gostando daquilo.
Logo em seguida ouvi um barulho e risos, eram eles chegando do
almoço.
Entraram pelo balcão um a um sentando em suas mesas. Como eu
estava encostado na mesa da Larissa ela teve que me encarar primeiro e eu
estava louco para alfinetá-la de alguma maneira.
Tum tum tum
Senti a minha frequência cardíaca aumentar.
Seria aquele um gatilho?
– Ainda não recebi o relatório que pedi sobre as interceptações
telefônicas. – reclamei.
– O prazo é até hoje, mas o dia ainda não acabou chefinho. – ela
sorriu, senti o cheiro da cerveja em seu hálito o que me vez tocar no seu
queixo.
– Você andou bebendo, Larissa? – perguntei sério, ciente de que
todos ali nos observavam.
– Apenas um chop gelado, está muito calor.
– Você não pode beber em um dia de trabalho, eu poderia te dar uma
advertência.
Ela me olhou mais profundamente e deu um passo para mais perto de
mim quase me tocando. Que ousadia.
TUM TUM TUM
– Você poderia. – falou no meu ouvido, mas estava silêncio, tenho
certeza de que todos nos ouviram – Mas eu bebi no meu horário de almoço.
Prendi a respiração enquanto sentia o hálito quente dela no meu
ouvido.
– E deixa de coisa que você também adora uma breja gelada. – falou
alto e rindo para quebrar o gelo, a galera riu, eles a amavam.
– Se está com tanto calor – falei, gélido, mas sentindo que o coração
ia sair pela boca – aumenta o ar condicionado.
TUM TUM TUM
Com o coração disparado fui pra minha sala e tomei um dos
ansiolíticos que o meu amigo tinha me dado como amostra grátis. A Larissa
era a culpada por aquilo. Ela estava tornando a minha vida uns vinte anos
mais curta. Eu ia acabar morrendo aos cinquenta igual ao tio Bráulio.
Eu estava nervoso, mas levantei por um instante, fui até a porta e
gritei:
– Se alguma advogada aparecer por aí hoje procurando por mim,
podem avisar que não estou recebendo visitas.
E voltei para a minha cadeira. Lá fora todos se entreolhavam
confusos, afinal as visitas femininas eram o auge do trabalho pra mim e eu
acabei de dispensar as do dia. O que estava acontecendo comigo afinal?
Ansiedade? Por causa da Larissa? Isso não poderia ser sério.
Nenhuma mulher deveria ter tanto poder.
Pelo menos nunca havia acontecido comigo. Eu deveria ser
internado.
Nada mais fazia sentido.
Fiquei ali, sentado esperando o remédio começar a fazer efeito e me
sentir mais calmo. Isso já já ia passar.
No inicio foi assim
Terminou tá terminado
Cada um pro seu lado
Não precisa ligar mais
Só que foi eu quem terminou
E quem foi largado não espera
Eu segui minha vida
Até ela começar seguir a dela...
Liberdade provisória, Henrique e Juliano

– Alguém mais tá achando o chefe estranho? Eu acho que o Danilo


pode estar ficando doente.
– Ah, eu acho também – falou o Luan, debochado – Mas essa doença
não precisa de hospital não, é outro tipo de remédio...
– E quem já viu, encrencar com um chop inofensivo, affs, que cara
irritante! – reclamei – pelo menos ele já saiu do loft...
Estava reclamando do chefe como todo bom funcionário quando vi
uma chamada do Rodrigo no meu celular. A primeira chamada depois de
meses e eu fiquei ali olhando o telefone tocar de queixo caído sem saber
muito bem o que fazer, até que ele parou de tocar, só até recomeçar outra
vez.
– Ei gata, não vai atender não? – perguntou o Luan.
Eu olhei pra ele confusa, precisava de uma chamada em grupo com
as minhas irmãs, urgente.
– É o meu ex. – todos se voltaram pra mim na mesma hora – não sei
se devo atender, não falo com ele desde a festa e ele não me liga há meses...
– Você tem que atender, saber o que ele quer, pode ser importante. –
falou o Marcão.
– Não gata, jamais! Deixa ele no banho maria, te fez comer o pão que
o diabo amassou agora que fique aí, sendo ignorado.
Olhei pro Ari para um último conselho. Ele ergueu as mãos em sinal
de rendição.
– Prefiro não opinar. Só você sabe como foi a coisa toda e se tem
cabeça para falar com ele.
Eu não tinha.
Mas ele não desistia, continuou a me ligar. Mas eu deixei o celular no
modo silencioso e ignorei todas as chamadas.
É claro que isso me desconcentrou pelo resto do dia e eu acabei não
finalizando o relatório que o Danilindo tinha me pedido, ele ia me dar uma
bronca enorme no dia seguinte, mas eu estava disposta a enfrentar, já que a
presença invisível do Rodrigo tornou impossível fazer qualquer trabalho
direito e ele não parava de me ligar.
Saí mais cedo do trabalho e subi pro apartamento. Eu precisava fazer
uma fornada de donuts, isso com certeza ia me acalmar.
Larissa: SOS!
Mandei a mensagem no grupo e esperei as minhas irmãs enquanto
cozinhava. O Raul monitorava tudo bem de perto sem me largar. Ele passou
a manhã inteira comigo na delegacia, mas acabei trazendo ele pro
apartamento quando saí pra almoçar com os meninos. Ele parecia sentir falta
do Danilo, o por quê, eu não entendo, já que o meu chefe não gostava dele.
– A mamãe logo vai te levar pra passear viu, Raul. Quem é o bonitão
da mamãe? Quem é?
Demorou um pouco até que a primeira aparecesse.
Berenice: Acabei de fazer uma cirurgia cardíaca foda. Qual o motivo
do seu SOS?
Humm, pensando bem eu era extremamente tóxica e dependente das
minhas irmãs. Acontece que elas tinham se tornado as minhas melhores
amigas durante toda a fase que eu passei e agora eu não sabia mais como me
virar sem elas.
Larissa: Cadê a Evelyn?
Berenice: Ah, eu sozinha não sirvo não, é?
Larissa: Deixa disso, é que é muito sério.
Evelyn: Estou aqui, mas preciso sair daqui a pouco, então não tenho
muito tempo.
Berenice: Você vai a um encontro?
Evelyn: Antes fosse, reunião de pais e professores na escola, um
saco.
Larissa: Agora estou me sentindo mal, tô sempre trazendo vocês
pras minhas crises...
Evelyn: Você é nossa irmã, estamos presas pelo resto da vida. Fala
logo o que aconteceu.
Berenice: É, fala logo, que eu tô, tipo, muiiiiiito cansada.
Larissa: o Rodrigo me ligou.
Soltei a bomba.
Berenice: OMG! Mas o que ele disse?
Larissa: Nada, eu não falei com ele, não atendi.
Berenice: Ah!
Evelyn: Então o que estamos discutindo aqui exatamente?
Larissa: O fato dele ter me ligado. Eu tomei um susto, fiquei
chocada, foram quase trinta ligações.
Berenice: Nossa, então ele tava obstinado mesmo eim
Larissa: Será que era para falar sobre o divórcio? Ele já usa aliança
de noivado com aquela lá, eu vi na festa.
Evelyn: Se prepara que ele não vai desistir, amanhã ele vai ligar de
novo e eu acho que você deveria atender.
Berenice: Evelyn! Atender pra quê? Ele é um babaca.
Evelyn: Ele é, mas as vezes é bom fechar ciclos, encerrar as coisas
todas de vez e seguir em frente...
Berenice: Como você nunca fez com a sua vida?
Evelyn: Eu não sou o assunto da pauta, vamos voltar pra Larissa.
Larissa: Além disso, o Danilo anda todo estranho.
Berenice: É claro, você dormiu com ele!
Larissa: Mais estranho do que isso. Ainda bem que ele foi embora
daqui.
Evelyn: Eu acho que ele gosta de você.
Eu ri sozinha e falei pro Raul:
– A Evelyn tá lelé da cuca.
Larissa: Se tem uma das poucas certezas que eu tenho na vida é a de
que o Danilo não está apaixonado por mim.
Berenice: Também acho pouco provável, o Danilo é experiente, ele
não ia se deixar apaixonar depois de uma transa qualquer, com todo respeito,
irmã.
Larissa: Eu sei e não me ofendi porque entendo o que quer dizer.
Evelyn: Vocês não entendem, pessoas como o Danilo estão
acostumadas com um padrão. No momento que você quebra o padrão, você
entra na cabeça dele e foi o que aconteceu quando a Lari fingiu que nada
tinha acontecido, ela desarmou ele.
Berenice: Você lê muitos livros de romance. Eu acho que ele está
desconfortável, mas apaixonado, eu acho que não.
Evelyn: Mas vamos voltar ao que importa, amanhã, você vai atender
ao Rodrigo? Ele não vai desistir de te ligar.
Larissa: Vocês acham que eu deveria?
Evelyn: Acho que uma hora essa conversa vai ter que acontecer, nem
que seja pra finalizar o divórcio. A questão é, você está pronta pra falar com
ele sozinha, sem reforço?
Larissa: Eu não sei.
E não sabia mesmo. Da última vez que nos falamos ele estava
acompanhado da Mari o que me doeu como uma faca no peito e eu precisei
que o Danilo intervisse. Mas falar com Rodrigo sozinha pelo telefone, eu
não sei se estava pronta, não importa o que ele dissesse.
Finalizamos a conversa e eu continuei pensando nisso, se atenderia
ele amanhã. Terminei e confeitei uma fornada deliciosa de donuts que os
meninos iam adorar comer, passeei com o Raul pelas ruas frias de Lourdes e
fui pra cama, sempre com o Rodrigo no pensamento e sobre o que eu faria
quando ele tentasse contato de novo.
Porque elas estavam certas, ele não desistiria de falar comigo.

A manhã seguinte se passou tranquila. O Danilindo chegou antes de


mim e passou a manhã trancado no escritório, quieto, estranho. Eu aproveitei
pra terminar o relatório que ficou pendente do dia anterior.
O Rodrigo não me mandou nenhuma mensagem, o que me causou
certo estranhamento e um pouco de decepção. No fundo eu esperava que ele
insistisse tanto quanto no dia anterior. Ele não era mais o homem que eu
conhecia, esse desistia rápido... ou não! Pouco antes da hora do almoço o
Rodrigo apareceu na delegacia apertando a campainha diversas vezes para
chamar nossa atenção.
– Rodrigo? – levantei assustada, chamando a atenção dos outros – O
que você está fazendo aqui?
– Já que você não quis me atender ontem, hoje eu resolvi vir direto a
fonte. – sorriu.
Ele ainda era tão bonito, estava de terno, mas sem gravata, elegante
de forma ímpar.
– Esse é o seu ex? – o Marcão perguntou já querendo se levantar,
mas eu fiz sinal para que continuasse sentado e fui até lá. O traidor do Raul
foi comigo e ficou de pé na bancada, reconhecendo o Rodrigo.
– Então é aqui que você está né, seu safadinho! – para mim, ele disse
– Você roubou o meu cachorro.
– Não, Rodrigo. Você roubou o meu cachorro, a minha vida, tudo o
que eu tinha. O que você quer vindo aqui afinal?
– Calma, Lari, não precisa se armar toda. Eu só quero conversar, será
que podemos almoçar juntos?
Pronto, aquele era o momento em que o Rodrigo ia me dar a cartada
final com a documentação do divórcio. Mas eu não seria um obstáculo. Não
sou esse tipo de mulher. Eu não percebi que estávamos sendo observados,
mas o Danilo logo saiu da sua toca e deu as caras por ali.
– O que esse cara está fazendo aqui? – perguntou com a sua voz mais
grossa, eu quase dei risada.
– Bom dia, Dr. Danilo. Vim convidar a minha esposa pra almoçar,
algum problema?
– A Larissa não vai almoçar com você – então eu olhei pra ele com
aquela cara de “você-não-manda-em-mim” – Se ela não quiser.
– Nós não temos nada pra conversar, Rodrigo. – falei.
– Pelo contrário, Lari. Nós temos muita coisa para conversar, muito o
que definir...
– Já estamos separados há cinco meses e agora você quer a minha
opinião sobre alguma coisa?
– Eu achei que era isso que você queria, poder decidir com o que
ficar, afinal você roubou o meu cachorro e eu juro que vi alguém muito
parecido com o seu namorado pelas câmeras de segurança da casa no dia que
o Raul foi roubado...
O Danilo rangeu os dentes. Dois machos alfas se enfrentando.
Ou seja, dois idiotas.
– Você está me ameaçando, Dr. Rodrigo? – perguntou calmamente –
Eu tenho uma equipe inteira disposta a dizer que estava comigo no horário
do roubo, sem contar que tudo o que você fez com a sua esposa durante a
separação é violência psicológica, basta que ela faça uma queixa pra gerar
um processo contra você.
– Eu vou almoçar com você. – falei irritada. – Não adianta ter
nenhum tipo de conversa com vocês aqui disputando quem rosna mais alto.
Percebi que o Danilo ficou incomodado.
Eu tinha até esquecido que fingimos ser namorados na festa e agora o
Rodrigo pensava isso. Então eu me virei para o Danilo e segurei pelos
ombros.
– Vai ser só uma conversa rápida sobre a formalização do divórcio.
Coma um donut, logo estarei de volta.
Assim passei para o outro lado do balcão, com meus colegas nos
olhando confusos. Sai na frente com o Rodrigo logo atrás.
– Tem algum lugar neste buraco onde a gente possa ter um almoço
decente.
Não gostei da forma como ele falou da cidade, apesar dela ser
mesmo um buraco. Mas era o meu buraco agora e eu não queria que ele se
referisse a Lourdes assim.
– Não é uma cidade tão ruim – ele deu uma risada debochada do tipo
que eu odiava – Tem um restaurante ótimo bem perto daqui, beira rio, é
lindo. Podemos ir a pé, mas acho que você vai odiar caminhar nesse calor...
– Você está certa – falou destravando as portas do carro, onde eu fui
indicando o caminho, em dois minutos nós chegamos no restaurante. – Você
me conhece tão bem, Larissa.
Segurou a minha mão e ficou me olhando nos olhos por alguns
segundos até que eu puxasse a minha mão de volta e cortasse o contato
visual.
– Você tem razão, é um restaurante bem elegante. – disse surpreso.
Entramos e escolhemos uma mesa, dessa vez do lado de dentro por
causa do calor, preferimos ficar perto do ar condicionado apesar das mesas
do lado de fora terem uma vista mais bonita para o rio.
– Temos tanto o que conversar... são quase cinco meses afastados...
– Por escolha sua. – falei seca – Sobre o que você quer tanto falar,
sobre o divórcio? Soube que já está noivo novamente.
– Isso é bobagem – falou fazendo gesto de pouco caso – foi
insistência da Mariana para marcar território sobre você. Eu ainda sou
casado, nós ainda somos.
– Mesmo assim você foi lá e engravidou outra mulher, bem embaixo
do meu nariz.
– Nós, homens, cometemos muitos erros. Vocês, mulheres, são mais
inteligentes, precisam saber o quanto somos fracos e nos perdoar.
O garçom chegou e nós fizemos os nossos pedidos.
– Sabe, Larissa, eu não consigo parar de pensar em você desde que
nos vimos naquela festa. Você estava tão linda, tão diferente, me fez pensar
se eu realmente tomei a decisão certa.
– Acho que já está meio tarde para pensar nisso, você demorou cinco
meses para vir me procurar, você engravidou outra mulher...
– Eu sei. Você acha que eu também não penso nisso todos os dias?
Você sabe que eu não quero ter filhos, eu nunca quis...
– Isso não muda o fato de você ter engravidado a Mariana. Ela era a
minha melhor amiga, Rodrigo. Tanta mulher no mundo e você resolve ter
um caso com a minha melhor amiga! Você sabe o quanto eu me senti
sozinha sem ela, o quanto eu sofri sem o meu marido que eu pensava ser
perfeito e a minha melhor amiga.
– Eu nunca fui perfeito, Lari, mas sempre tentei ser o melhor homem
pra você e a Mariana morre de inveja disso até hoje. Ela quer que eu seja
exatamente como eu era com você, mas não dá. – ele segurou a minha mão –
Eu não quero mais me divorciar, você é a única que eu sempre amei, te
deixar foi o maior erro da minha vida e eu vou fazer de tudo pra reparar esse
erro.
Puxei a minha mão de volta. Aquele era o momento que eu venho
esperando desde o dia que ele me deixou na Evelyn, sozinha, na chuva e
com medo do futuro. Eu esperei e me moldei pra ficar pronta para este
instante que no fundo eu sempre achei que chegaria. É tão típico, é tão
previsível...
Eu amava tanto aquele homem, queria ter uma família com ele,
achava que o conhecia como a palma da minha mão. Acordei ao seu lado por
quase dez anos e agora, bom, agora eu olhava pra ele e só via uma casca
vazia. Uma sombra do homem que eu conheci e que se perdeu com o
deslumbre do sucesso da carreira.
Eu olhava pra ele e só conseguia ver o homem que tinha coragem de
ter um caso com a minha melhor amiga, embaixo do meu nariz. Só via o
homem que me tirou tudo o que eu tenho e me jogou no abismo de uma dor
que parecia que nunca teria fim.
– Há quanto tempo você e a Mariana estão juntos? – perguntei, fria
feito gelo.
– Eu não sei, seis, sete anos? Eu não sei...
– Quando nós nos casamos, vocês já estavam envolvidos?
– A gente já tinha ficado algumas vezes antes do nosso casamento,
eu não sei dizer como começou, um dia nos encontramos por acaso,
começamos a conversar e acabou rolando, quando eu vi, já era tarde...
– E isso continuou durante o nosso casamento inteiro... – presumi.
– A Mari tentou me convencer a me separar algumas vezes e todas as
vezes que eu e você brigamos eu realmente pensei em me separar pra ficar
com ela, era sempre tão fácil, tão divertido...
– E eu não era divertida?
– Claro que você era. Você era incrível, eu nunca mereci você e a
Mari não era essa melhor amiga toda que você pensa não, senão ela não teria
se envolvido comigo.
– Só que a Mari não era meu marido. Não era o homem que me
prometeu lealdade e fidelidade em um altar na frente de duzentas pessoas.
Você me traiu e me humilhou com a gravidez da sua amante esfregada na
frente de todo mundo que eu conhecia. Vocês me tiraram a minha vida, o
meu trabalho, os meus amigos...
– A Mariana achou melhor não ter você por perto, ela tinha medo de
como seria quando você descobrisse. Sempre quis ocupar o seu lugar. Mas
você era a minha esposa por que eu te admirava, eu te amava e queria...
– Mesmo assim você me traiu. Foi por causa da gravidez que você
me deixou?
– Entenda, eu fui muito pressionado pela Mari por causa dessa
criança. Eu não deixei de te amar por um segundo sequer, mas eu não pude
dizer não pra mulher que estava carregando o meu filho, mesmo eu não
querendo ser pai, eu devia isso a ela...
– E pra mim, o que você devia depois de dez anos juntos? Eu
esperava muito mais de você... era para ser a nossa gravidez, não a dela.
– Você não entende, Lari, eu seria um péssimo pai. Eu já sou um
péssimo pai e o menino ainda nem nasceu. Eu quero a minha vida com você
de volta. Nossas viagens, nossas aventuras, não eram incríveis? Você não
quer tudo isso de novo?
– O que você sugere, Rodrigo?
Ele pareceu se animar com a minha pergunta.
– Sugiro que você me perdoe por ser esse idiota e entenda que eu
também cometo erros. Quero que você volte pra casa com o Raul e a gente
retome as nossas vidas de onde paramos. Eu vou assumir o filho da Mariana,
pagar pensão, mas o nosso caso vai estar acabado. Vai ser só eu e você.
Como eu sempre quis que fosse. Ele queria me dar o que eu sempre
desejei, ter nossa vida de volta. Mas eu já não era mais a mesma, só que ele
não contava com isso.
O Rodrigo era um covarde, estava com medo de ser pai e isso se
repetiria se a gravidez fosse minha. Ele passou a maior parte do nosso
relacionamento tendo um caso com a pessoa a quem eu tinha como melhor
amiga.
O Rodrigo nunca seria digno da minha confiança novamente.
– Eu não confio, nem acredito em você.
– Você mudou tanto, está tão bonita – pareceu não me ouvir – quando
eu te vi na festa com aquele delegado, tudo o que eu quis foi pegar você de
volta e te levar pra nossa casa, voltar pra nossa vida.
Eu ri.
– Agora é nossa casa? Não foi o que você disse quando me largou na
chuva só com a roupa do corpo na casa da minha irmã. Nossa casa... não
existe nossa casa.
Ri mais um pouco. Mas era um riso triste. Olhando pra ele ali,
vulnerável eu vi que a minha vida nunca voltaria a ser o que era, não
importava o quanto eu desejasse, não importava o quanto eu me moldasse
para parecer mais desejável e atrair ele de volta, ele não era mais a pessoa
com quem eu queria dividir a vida. Ele perdeu todo o meu respeito quando
me traiu, quando covardemente me abandonou e isso não poderia ser
esquecido, nem recuperado.
– Você só está tendo uma crise com medo de ser pai. – concluí. – Eu
não queria que o nosso casamento acabasse, mas ele acabou e ia acabar uma
hora ou outra quando eu descobrisse a verdade sobre quem você era ou até
mesmo quando eu engravidasse e você surtasse como está fazendo agora.
– Larissa, eu pensei muito a respeito, não estou agindo por impulso,
eu realmente te amo.
– E eu até acredito que você acha que me ama. Mas é como você
disse naquele dia, nem tudo se trata de amor. O amor não é o bastante pra
duas pessoas ficarem juntas. Eu não vou voltar pra você, eu não quero mais
ter aquela vida de volta e sabe porque? Porque era uma vida falsa, uma
felicidade falsa, eu só não sabia disso na época.
– Isso é por causa do Danilo?
Respirei fundo.
– Isso é por causa de mim. Você tem razão quando diz que eu estou
mais bonita. Eu perdi quinze quilos, cortei e pintei o cabelo, fiz
preenchimento labial e coloquei extensão de cílios. Eu queria estar perfeita
para o dia que você finalmente me procurasse.
– E eu estou aqui agora, eu sou seu.
– Ninguém acreditou quando eu disse que você voltaria. Mesmo
assim eu me preparei, achei que estaria pronta pra te receber de volta, pra te
perdoar pelos seus erros e para recompor a nossa vida. Mas há muito mais
do que nós dois nessa história. Você tem outra mulher agora e vai ter um
filho em breve. Não se trata mais só de nós dois e chutar a amante pra fora
das nossas vidas.
Ele suspirou percebendo que não ia me ter de volta.
– A Mariana agora é o seu presente, é a sua vida, é tudo o que você
tem e eu já não faço mais parte dessa sua história. E se tem uma coisa que eu
posso fazer é te agradecer por não ter atendido a todas as minhas ligações
quando me abandonou. Eu teria voltado pra você na hora. – lamentei – e
teria uma vida infeliz sabendo que tinha sido traída e que você teria o filho
de outra.
– Você tem certeza de que é isso que quer? Eu não vou insistir...
Eu ri.
– Eu não sou mais aquela esposa inocente, muita coisa mudou em
mim Rodrigo e eu tô feliz que tudo tenha acontecido como aconteceu apesar
de ter sofrido bastante. Agora eu sei que passei dez anos da minha vida com
a pessoa errada eu não vou cometer esse erro novamente. Vou escolher
melhor da próxima vez.
Virei de costas com as lágrimas presas nos olhos após aquele ponto
final e fui embora do restaurante sem olhar pra trás, deixando um Rodrigo
arrependido e totalmente derrotado na mesa.
Não me deixe só
Eu tenho medo do escuro
Eu tenho medo do inseguro
Dos fantasmas da minha voz
Não me deixe só, Vanessa da Mata

– Que ousadia desse cara aparecer aqui na minha delegacia... –


resmunguei vendo a Larissa seguir com ele logo atrás.
– E essa história de namoro em chefinho, não vai contar pra gente não?
– Perguntou o Luan, sempre o Luan.
Bufei irritado.
– É uma história que a gente inventou na festa quando encontrou com
ele e a Mari juntos, só uma besteira pra Larissa não sair por baixo...
– Humm, então você fingiu que era namorado dela? – falou o Ari
tomando um café.
– Fingi, mas foram só alguns minutos. Algum problema? – retruquei, eu
estava irritado e descontando na galera.
– Será que você não tá levando muito a sério esse fingimento não?
Olhei pro Ari, a pessoa que eu sempre respeitei naquela delegacia, pela
idade e pela experiência.
– O que você está querendo dizer, Ari, seja claro.
– Hum, veja só, será que o doutor não está confundindo as coisas?
– A Larissa é uma mulher muito bonita. – falou o Marcão
despretensioso, mas eu quase rosnei pra ele também.
– Ah tá interessado nela também? Vai ter que disputador com o
promotor lá.
– O que ele tá querendo sugerir, chefinho, e por favor não me prenda
por desacato pela impertinência, é que será que o senhor não está gostando
da Larissa? – sempre o Luan.
Coloquei a mão massageando as têmporas, cansado.
– O estado não paga vocês pra ficarem falando besteira nem
conjecturando sobre a minha vida e respeitem a colega de vocês!
– Não é desrespeito se for amor...
– Amor, que caralho de amor! Se ela volta com aquele pretensioso, eu
que fico sem um policial na delegacia!
– Há alguns meses a gente não tinha ela e o doutor não sentia falta. –
falou o Ari.
– Mas agora faço questão. Não mandaram ela pra cá? Então agora ela é
minha, assim como cada um de vocês! Já falaram tudo o que queriam ou
querem falar mais alguma besteira?
Desafiei na cara dura. Eu poderia ser bastante intimidador.
Me virei pra minha sala, mas antes peguei um punhado de donuts da
Larissa, ela devia saber que ia encontrar com ele. Ela sempre cozinha donuts
quando está estressada.
– Essa saída não tem como dar certo. – resmunguei baixinho olhando
para o relógio. Já eram duas da tarde e eles ainda não tinham voltado.
Passei o resto da tarde agitado e ansioso.
– Marcão, liga pro pontal do Rio e pergunta se tá tudo bem por lá.
Gritei da sala.
– Recebemos alguma queixa, Dr. Danilo?
– A minha queixa, Marcão, olha a hora, a Larissa ainda não chegou.
Todos pareciam assustados com o meu comportamento. Fui me servir
de um copo de café.
– Melhor não, doutor, o senhor já está muito agitado. – falou o Luan,
sempre o Luan – que tal um chazinho de camomila, eu posso fazer.
– Tá me achando nervoso? – questionei marrento.
– Talvez só um pouco ansioso, normal, acontece.
– Eu vou aceitar o chá, mas quero sem açúcar.
Voltei pra minha sala, mas eu não conseguia ficar sentado na cadeira,
nem em pé, nem no sofá, resolvi organizar uns arquivos, parei, sentei de
novo na minha cadeira quando vi o Marcão se aproximar.
– Tudo certo lá no Pontal, Dr. – ele falou e pigarreou antes de continuar
– perguntei pela Larissa...
– E...
– Ela continua lá com o marido conversando, não houve nenhuma
altercação até o momento.
– Ex.
– O quê? – me perguntou confuso.
– Você falou marido, mas é ex-marido. Qualquer coisa me avise.
– Pode deixar.
Resolvi tomar um dos comprimidos para ansiedade. A Larissa tava
fodendo com a minha saúde mental. Essa história de conversar com ex era
uma péssima ideia, obvio.
Peguei as chaves do carro, eu poderia ir lá discretamente.
Mas já eram quatro da tarde, que justificativa eu teria para ir no
restaurante, era muito tarde pra almoçar, muito cedo pra jantar ou pra beber.
Porque a Lari estava demorando tanto?
O que eles tinham tanto pra conversar? Divórcio é divórcio e pronto,
cada um fica com algumas coisas e tá resolvido. Não?
Queria ter enfiado uma escuta na Larissa pra poder acompanhar tudo!
Mas que merda, eu já não estava pensando racionalmente.
Sentei na minha cadeira e fingi olhar alguma coisa no computador
quando o Marcão bateu na minha porta.
– Pois não? – que fingimento ruim.
– O pessoal do Pontal ligou. Eles disseram que a Lari acabou de sair de
lá, sozinha.
– Humm. Obrigada, Marcão.
Sair sozinha é um bom sinal.
Peguei as minhas chaves e saí, eu compraria umas cervejas pra Lari,
daquelas que ela gosta e ia esperar por ela no apartamento. Peguei o Raul e
levei comigo. Já era umas cinco da tarde, fim de dia, então essa conversa
tinha rendido bastante e eu queria saber sobre o que eles falaram.
– Vou levar o cachorro pra passear e depois ver como a Larissa tá. –
senti a necessidade de me justificar depois dos meus atos no dia de hoje.
Ninguém respondeu diretamente, só um “até amanhã”, “bom descanso”
murmurado.
Todo mundo, todo mundo, todo mundo vê
Eu só queria que você soubesse (todo mundo, todo mundo, todo
mundo vê)
Que todo minha mudança é genuína (todo mundo)
(Todo mundo, todo mundo vê)
Genuinamente por você (todo mundo, menos você)
Dizem que eu ando bem melhor depois que eu terminei
Todo mundo consegue enxergar o quanto eu melhorei
Engraçado ver eles pensando que eu te superei
Todo mundo menos você, Maiara & Maraisa e Marília Mendonça

Entrei no apartamento me sentindo mentalmente esgotada, olhei na


geladeira, não tinha cerveja e o Raul ainda estava lá embaixo na delegacia.
Mas eu não sentia que tinha forças para ir até lá buscar ele. Eu estava com
raiva, triste, com uma dor no coração e puta pra caralho.
Joguei a minha bolsa no sofá e encostada na parede entre o sofá e as
cortinas da janela, quase escondida eu fui escorregando devagarinho pela
parede até sentar no chão onde as lágrimas começaram a escorrer sem
controle.
Não demorou para que eu sentisse uma lambida na minha cara, o
Raul estava ali e tinha me encontrado no espaço entre o sofá e a parede,
quase embaixo da cortina.
– Raul? Como você chegou até aqui? – perguntei baixinho entre
lágrimas, derrotada.
– Larissa? – era o Danilo – cadê você?
O Raul me denunciou latindo e pulando.
– Toma. – ele me deu uma cerveja, uma das boas – acho que é disso
que você precisa agora.
E sentou no chão junto comigo, empurrando o sofá mais pro lado.
– Parece que o seu dia foi uma merda.
– Tá carimbado na minha cara. – falei rindo entre lágrimas – porque
você está aqui?
– Você sabe, o dia estava acabando e o Raul queria ir pra casa.
– Obrigada por trazer ele pra mim. – falei alisando o braço dele como
um gesto de agradecimento.
– Como foi o encontro com o ex-marido? O pessoal na delegacia
ficou bem curioso...
– Ah, aqueles enxeridos. – o Danilo ficou corado.
– Como foi? – ele repetiu a pergunta. Também estava bebendo.
– Muito parecido com como eu achei que seria...
Dei mais um gole.
– Eu sabia que ele voltaria a me procurar, eu conheço ele há mais de
dez anos, então apesar de todo mundo falar o contrário, eu sabia que um dia
esse momento chegaria. A questão é: eu estaria pronta pra ele?
– E você estava?
– Não. Mas olha bem pra mim. – falei entre lágrimas – olha bem pra
esse rosto.
Foi o que ele fez, ainda sem entender onde eu queria chegar.
– Eu sou linda. – chorei – Mas eu nem sempre fui assim...
– Não consigo imaginar você como Betty, a feia.
– Eu não era feia. Era normal. Apenas normal. Não me destacava na
multidão. – respirei fundo – mas ele, o Rodrigo, ele sempre foi bonito. Ele
sempre foi bonito demais pra mim.
– Não acredito que você pensa assim. – mas eu não deixei que ele
continuasse, eu coloquei o dedo calando a boca dele.
– Eu era tão normal... e aquele homem lindo me deixou lá, na chuva
com meu vestido vermelho apertado dizendo que não queria mais ficar
comigo e ninguém sabe como eu me senti.
Ele me ofereceu outra cerveja.
– Eu senti como se soubesse que um dia isso aconteceria, porque ele
sempre foi demais pra mim. Por mais que eu estivesse errada, eu pensei
assim naquele momento.
Respirei fundo.
– Danilo, eu perdi 15 quilos em três meses.
– Você me disse que ficou deprimida...
– Não foi por causa da depressão. – assumi – eu parei de comer tudo
que era calórico e comecei a fazer exercício como uma louca. Eu corria dez
quilômetros quase todos os dias...
– Poderia ter se machucado, dez quilômetros é bastante coisa.
– Eu sei, eu poderia ter lesionado um tendão, um músculo, mas não
importava. Eu só queria perder peso, porque eu estava gorda e não merecia o
Rodrigo. Então eu emagreci, cortei e cuidei do cabelo, clareei, fiz extensão
de cílios, coloquei preenchimento labial, botox em algumas ruguinhas que
começaram a aparecer e comecei a usar lentes de contato... eu fabriquei uma
versão de mim que o Rodrigo não rejeitaria.
Ele passou a me olhar de outra forma, eu não sei o que se passava na
cabeça dele.
– Eu sei o que você vai dizer, que eu não deveria ter feito isso por
causa de um homem, mas eu fiz. Eu mudei, melhorei porque sabia que uma
hora ele me procuraria e eu queria que nesse momento ele se arrependesse
daquele dia que me deixou parada na chuva com meu vestido vermelho na
casa da minha irmã e visse valor em mim.
– Mas você é uma mulher incrível, Larissa. Seu valor independe da
sua aparência, seu valor é quem você é. É a mulher que brinca com os
amigos no trabalho, é a mulher que não tem medo de desafiar o chefe, é
aquela que sempre faz donuts pra todo mundo e foi capaz de roubar o
próprio cachorro, é a mulher que trata com gentileza qualquer pessoa que
entra pelas portas da delegacia...
Eu ri.
– Eu sei que você está certo. Mas eu tinha acabado de ser
abandonada sem nenhuma explicação. “Isso não se trata de amor”, ele me
disse. Mas se tratava sim, o filho da puta do Rodrigo matou o meu amor
próprio quando me deixou. Ele fez isso! Eu me sentia bem comigo mesma
antes de ser abandonada. Eu me sentia bem sendo normal. Mas quando ele
me deixou fez com que eu achasse que a culpa era minha, então eu mudei.
Mudei e esperei.
– Sinto muito que tenha passado por isso. Nenhum homem deveria
ter tanto poder sobre uma mulher.
– Mas você também é assim, cercado por mulheres, você acha que
elas também não se sentem um lixo quando são “jogadas fora” por você.
– Então eu sou um babaca escroto. – falou desanimado.
– Sinto muito, mas você é. Eu não queria ser a pessoa a te falar isso,
mas você é.
– Ninguém nunca foi tão sincero comigo. – ele falou tocando o meu
rosto com a sua mão livre.
– Eu tive uma depressão pesada, tomei vários remédios tarja preta,
alguns eu ainda tomo, me senti um lixo depois da minha separação.
Rejeitada. Jogada fora como um pedaço de papel usado.
– Você não deveria beber se ainda toma esses remédios.
– Foda-se. Você não deveria fumar e mesmo assim fuma.
– Tá bom, eu não tenho muita moral pra te falar como deve cuidar da
sua vida...
– Sabe qual foi a parte mais difícil?
– Diz.
– Ele quer largar a amante grávida pra ficar comigo. A amante que
era a minha melhor amiga e me afastou de todo mundo que eu conhecia.
Eles destruíram a minha vida e ele acha que é só largar ela que voltaremos a
ser como antes!
– Ele te pediu pra voltar? Disse que ainda te ama?
– Ele só está com medo de ser pai. Ia acontecer a mesma coisa se eu
engravidasse, ele ia me largar pra ficar com ela. E essa era a coisa que eu
mais queria...
– O quê? – ele pareceu confuso, nós já estávamos bêbados.
– Eu queria engravidar. Eu estava pronta pra ter o meu bebê, mas ele
me largou dizendo que nunca queria filhos e foi pros braços da amante
grávida, não faz nenhum sentido não é? Ou eu que tô muito bêbada?
– Você ia ter que parar de beber se engravidasse, sabe disso né? –
debochou de mim fazendo cosquinha na minha barriga.
– Só por alguns meses.
– Você não ia aguentar.
– Ia sim, eu não sou nenhuma alcoólatra, pelo menos eu acho que
não.
– Você é um pouquinho alcoólatra sim, mas acho que ainda dá pra
controlar – ele falou rindo.
– Danilo.
– Oi.
– Ela era a minha melhor amiga. E eles são amantes há vários anos,
antes mesmo do nosso casamento.
– Isso não é legal.
– E aí eu pergunto, ela era minha melhor amiga por causa dele ou se
tornou amante dele por ser minha melhor amiga? Faz sentido?
– Não sei, eu me perdi um pouco nessa de melhor amiga e amante.
– Ela sabia o quanto eu queria engravidar, é quase como se tivesse
roubado isso de mim.
– Ela pode ter engravidado de propósito. – ele concluiu – algumas
mulheres fazem coisas desse tipo.
– Eu só sei que nunca mais vou escolher alguém assim...
– Assim como?
– Como o Rodrigo.
– Mas você sabe que as pessoas mudam, melhoram quando querem
né?
– Não sei se eu acredito mais isso. O Rodrigo não vai mudar.
– Eu não estava falando do Rodrigo... – falou baixinho. – Mas você
mudou, por que um homem não poderia mudar? Basta ter um motivo forte o
bastante e qualquer pessoa é capaz de fazer a mudança necessária.
– Eu mudei na aparência, fiquei mais bonita, mas a minha essência
continua a mesma. Fiquei mais bonita, mas não fiquei mais confiante.
Ele pegou no meu queixo e olhou bem nos meus olhos.
– Você, Larissa, merece ter toda confiança do mundo. Você é linda,
mas o seu coração é enorme. Você é incrível e não tem medo de nada, não
tem medo de desafiar o seu chefe babaca escroto.
– Eu até me divirto desafiando meu chefe babaca e escroto... – falei
com o rosto ainda bem próximo ao dele.
A essa altura estávamos tão próximos que foi impossível não beijá-
lo. Ele tinha o mesmo beijo lento e profundo da outra vez, só que com um
gostinho de cerveja.
– Eu sei que você não precisa de mim pra nada, mas não precisa lidar
com isso sozinha. Eu tô aqui pra você.
Falou um pouco antes do segundo beijo, que levou ao terceiro,
seguido do quarto até eu não poder contar mais quantos foram. Não sei em
qual altura dos nossos beijos nós estávamos tirando as nossas roupas no sofá.
Ia acontecer de novo. Tudo estava nos levando a repetir aquele
momento e dessa vez eu não ia mais poder agir como se nada tivesse
acontecido.
Mas o abraço dele parecia tão certo, a sua pele parecia que tinha sido
feita para tocar a minha. Nada parecia errado, nada parecia um indicativo
para que nós parássemos e foi acontecendo até que mais uma vez se repetiu,
foi só quando tudo acabou que eu recobrei a razão. Aquele era o Danilo, o
meu chefe, o babaca escroto que ficava com várias mulheres e aquilo não
poderia mais se repetir.
– Isso não pode mais acontecer. – falei ofegante.
– Porque não, é tão bom, é tão certo.
– Eu nunca mais vou me envolver com alguém como ele, nem como
você.
Eu nunca mais permitiria que alguém como eles, com tanto poder
chegasse perto do meu coração outra vez. Eu não suportaria passar por
aquilo de novo e não iria.
– Foi um erro e não vai mais se repetir.
Capítulo vinte e cinco: Larissa
Desculpe estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo
As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pra uma criança
Por onde andei, Nando Reis

Acordei com a maior ressaca naquela manhã.


O Danilo não estava mais ali, ainda bem. Seria estranho encontrar
com ele no café da manhã depois de ter dormido com ele uma segunda vez.
Foi ótimo, mas também foi um erro. Eu estava desarmada, vulnerável e ele
me consolou e me deu o conforto que eu precisava naquele momento. Passar
a noite juntos acabou sendo uma consequência depois de dividirmos tanta
intimidade.
Mas como eu disse, foi um erro e eu não repetiria pela terceira vez. O
Danilo era cilada e eu não me envolveria com ele. Não agora que parece que
a minha vida estava finalmente entrando nos eixos com o começo de uma
nova fase.
Aquele dia ele não apareceu na delegacia e eu não sabia se tinha
alguma coisa a ver com isso. Esperava que não. Eu tampouco tinha contado
para as minhas irmãs o que havia acontecido. Me permiti um dia de covardia
porque sabia que levaria uma bronca pelo deslize, então eu resolvi ignorar o
grupo e as chamadas de vídeo que elas tinham tentado ao longo do dia.
Só depois de alguns dias eu liguei para elas, sentada em um banco
em frente ao computador no balcão da cozinha, com uma cerveja gelada na
mão.
Berenice: Olha só, apareceu a margarida!
Evelyn: O que você aprontou, Larissa? Ninguém some por tantos
dias sem ter aprontado alguma coisa antes.
Larissa: Me desculpem, eu sou uma covarde. Tive medo de encarar
vocês.
Berenice: Você não voltou com o babaca do Rodrigo, voltou? Porque
se for isso...
Evelyn: ...eu vou te matar!
Uma completou a frase da outra, mostrando como era unânime a
rejeição pelo meu ex-marido.
Larissa: Calma, nós conversamos bastante e ele até propôs essa
loucura, mas é claro que eu não aceitei.
Berenice: Por um breve momento eu achei que isso poderia ter
acontecido. Estou aliviada.
Evelyn: Então ele queria voltar? Depois de cinco meses e uma
mulher grávida ele teve essa cara de pau.
Larissa: Pois é. Não vou dizer que não foi satisfatório ter ele me
querendo de volta. O meu ego ferido até que gostou de viver esse momento.
Mas eu nunca mais vou poder confiar nele. Eles me traíram por anos, ela era
a minha melhor amiga.
Berenice: Outra cretina, se você quer saber. Eu nunca gostei dela.
Evelyn: Ela parecia ser gente boa, eu nunca imaginei que te trairia
desse jeito. Vocês eram unha e carne.
Larissa: A Mariana me magoou muito e não falou comigo nenhuma
vez, só passou a me tratar como indiferença, como se eu não existisse, nada
é pior que isso. Enfim...
Berenice: Mas isso não é motivo pra sumir, o que mais aconteceu?
A Berenice era esperta e estava desconfiada.
Larissa: Eu não falei com vocês antes porque fiquei com vergonha...
Evelyn: O que mais você aprontou, Larissa?
Larissa: Bom, naquele mesmo dia, o Danilo apareceu e...
Berenice: VOCÊ DORMIU COM O DANILO DE NOVO!
Ai meu Deus que vergonha de admitir isso. Ele era um babaca, era
meu chefe, era o tipo de homem que eu desprezava, mas ali estava eu prestes
a admitir a verdade.
Larissa: Talvez...
Evelyn: Não existe talvez pra esse tipo de pergunta! Vocês estão
juntos agora?
Larissa: Não! Foi um erro que nunca mais vai se repetir...
Berenice: Eu já ouvi isso antes, mas tô adorando! Kkkk
Evelyn: Coloca o pé no chão, o Danilo é um mulherengo e trabalha
com você, é seu chefe.
Larissa: E você acha que eu não pesei tudo isso? Só que eu só pensei
depois que a gente já tinha feito. Aconteceu, não dá pra apagar o que já
aconteceu.
Berenice: E foi bom? Esse Danilo tem cara de quem faz loucuras na
cama...
Evelyn: BERENICE!
Larissa: Ele é tão bom de cama quanto parece. 100% de
aproveitamento.
Evelyn: Ecaaa, não quero ouvir esse tipo de coisa da minha irmã.
Larissa: Mas nunca mais vai se repetir. Eu seria muito burra. Ele
mastiga mulheres e depois cospe. Eu não tenho a autoestima tão fraca pra ser
uma das mulheres do Danilo. Vocês precisam ver, aparecem um monte de
advogadas na delegacia o tempo todo pra ver ele, até que diminuiu um
pouco, mas era todo dia isso...
Berenice: O que você vai fazer agora? Não dá mais pra fingir que
nada aconteceu.
Larissa: Eu sei disso e estou um pouco preocupada. Faz dois dias
que ele não aparece na delegacia, mas uma hora ele vai voltar e como vai
ser?
Evelyn: Você precisa de mais um encontro do tinder. Alguém legal
pra te distrair do seu chefe. Mudar o foco.
Larissa: Dois encontros em uma semana? Que tipo de pessoa você
acha que eu sou?
Evelyn: O tipo de pessoa que dorme com o chefe e depois fica com
medo de se apaixonar por ele.
Berenice: Opa! Ninguém tinha falado a palavra com A ainda. Lari,
tem alguma chance disso acontecer?
Parei, dei um gole na minha cerveja enquanto olhava pros seus rostos
curiosos e pensei. O Danilo era um babaca, mas as vezes era um fofo
também, será que tinha alguma chance de eu me apaixonar por ele? Vamos
ser sinceros, eu era eu e ele era ele, então sim, existia uma chance, por mais
que eu não quisesse me envolver com alguém assim como ele, era
impossível controlar esse tipo de sentimento.
Larissa: Sempre existe a chance da palavra com A acontecer, você já
viu a cara dele e já foram duas noites que passamos juntos.
Berenice: Então Evelyn está certa. Você precisa conhecer outro cara.
Desviar o foco desse Danilo mulherengo que não serve pra você. Vamos ao
Tinder. Você precisa de um encontro pra amanhã. Coisa urgente.
...
E foi assim que eu terminei jantando com um peão na noite seguinte
lá no Pontal do Rio. Os funcionários já estavam começando a cochichar toda
vez que me via com alguém novo e eu já estava começando a ficar sem
graça...
– Então o que você faz mesmo?
– Eu cuido do gado da Fazenda do Pontal da Mata. Alimento, coloco
eles para pastar, você sabe, tudo em ordem. E você? Não tem cara de
professora...
– E como é uma cara de professora?
– Você sabe, óculos, cabelo amarrado, roupa larga...
– Isso é um estereótipo totalmente equivocado. – falei rindo – Uma
professora pode ser bonita, pode se vestir como quiser, principalmente em
um encontro.
– Um estéreo-oquê?
– Um estereótipo, um padrão fixo, um clichê.
– Você poderia ter dito isso, tá querendo parecer inteligente né.
– Não, claro que não. – Eu já estava meio impaciente, ele era mais
novo, meio orgulhoso e um pouco bruto também. O encontro não estava
bom. – Acho melhor a gente pedir a conta.
Sugeri.
– A senhora é mesmo muito inteligente e bonita, não tem muitas
meninas assim por aqui...
– Por favor, não me chama de senhora, me faz parecer uma velha de
setenta anos.
Para a minha alegria a conta chegou, mas para a minha surpresa o
moço tirou do bolso um calhamaço grosso de dinheiro de papel se
oferecendo para pagar a conta.
Talvez eu tenha sido preconceituosa, mas como um peão de fazenda
tinha tanto dinheiro em espécie assim no bolso?
– Pelo visto trouxe todas as economias... – comentei sugestiva.
– Você sabe, professora, um homem tem que andar preparado. Eu te
acompanho.
Saímos do restaurante e a moto dele estava estacionada do lado de
fora. De jeito nenhum que eu andaria com ele naquilo. Foi quando ele tirou
do bolso algo inimaginável, acendeu um cigarro de maconha e me ofereceu,
me deixando de queixo caído.
– A senhora curte um bequinho pra relaxar?
– Quantos desse você tem aí?
– Uns três só, mas se a senhora quiser eu arrumo mais.
Então eu dei um sorriso debochado.
– É, seu peão, eu não achei que esse encontro acabaria assim. Mas
você está preso pelo tráfico de drogas, pelo artigo 33 da lei de drogas.
Ele ficou branco e eu tirei da bolsa as algemas, vendo que ele
pretendia correr para a moto e fugir. Antes disso eu o algemei.
– Aonde o senhor pensa que vai? Agora temos um encontro lá na
delegacia. – falei debochada.
Fomos a pé. Eu sei, foi ridículo porque eu inventei de ir pro
restaurante caminhando e por isso teria que voltar andando para a delegacia.
– Mas eu não fiz nada.
– Você fumou na minha frente e ainda me ofereceu um cigarro de
maconha, isso é crime.
– Mas você não é professora?
– Não, seu peão, eu não sou professora. Sou agente de polícia.
– Ah.
– Mas não se preocupa não que quando a gente chegar lá eu deixo
você ligar pra alguém, um advogado, quem sabe.
Demorados alguns minutos de constrangimento, chegamos a
delegacia onde eu encontrei a equipe plantonista. Eram outros policiais, não
éramos muito próximos, mas nos conhecíamos brevemente.
– Foi uma prisão em flagrante por tráfico de drogas, podem deixar
que eu autuo.
– Você disse que quando chegasse eu ia poder fazer uma ligação. –
ele falou tentando pegar o celular no bolso, com dificuldade por causa das
algemas.
Eu tirei as algemas dele e deixei que ligasse pra alguém antes de
colocá-lo na custódia. Eu precisava de alguns minutos para me recompor,
afinal eu saí para um encontro e voltei com um preso. Fui até o banheiro do
Danilo, lavei o rosto, prendi os cabelos em um rabo de cavalo e me preparei
para fazer a oitiva do preso.
Mas pelo visto ele tinha ligado pras pessoas certas, porque em cinco
minutos já tinha alguém ali do interesse dele pra falar comigo, imaginei ser
seu advogado. Deixei que entrasse e o recebi na sala do delegado.
– Que azar do meu funcionário que tenha saído para encontrar logo
com uma policial disfarçada. – Ele entrou falando, tirando o chapéu.
– O senhor é o advogado dele? – perguntei um tanto abalada com o
quanto aquele fazendeiro era bonito. Seus cabelos claros caiam no rosto
antes de ele colocar no lugar. Fiz sinal para que sentasse.
– Primeiro posso saber o nome da mulher que prendeu o Juca?
– É Larissa. Estou autuando seu funcionário pelo crime de tráfico de
drogas, acho que o senhor deveria chamar um advogado.
– É um prazer, dra. Larissa. Me chamo Renan, a propósito – falou
beijando a minha mão me deixando arrepiada – creio que não vai ser
necessário a presença de um advogado, já que tudo isso se trata apenas um
mal-entendido.
– Um mal-entendido? – levantei uma sobrancelha, ainda encantada
com aquele cara gato ali na minha frente.
Ele era tão bonito quanto o Danilo, se alguém fosse comparar, mas
de uma forma totalmente diferente. Era moreno, por causa da exposição ao
sol, mas seus cabelos lisos tinham alguns reflexos claros, totalmente
naturais, amassados por causa do chapéu. Não vestia uma camisa xadrez
como o estereótipo obrigava, estava bem vestido, de calça jeans e uma
camisa preta dobrada até os cotovelos.
– Então como o senhor explica os cigarros de maconha que o seu
funcionário carregava? Ou o calhamaço de dinheiro em seu bolso?
Ele deu uma risada. Uma risada gostosa de ouvir.
– Eu culpo a doutora por ambos. – falou charmoso.
– Como é que é?
– Vamos lá, olhe pra você.
– O que quer dizer com isso? Seja mais claro, Senhor fazendeiro –
ele riu ao ser chamado dessa forma – Não acho que está seguindo por um
bom caminho aqui.
– Você é linda, doutora. Com todo respeito. – falou sério me olhando
nos olhos – o dinheiro? Claro que foi pra te impressionar. Ali provavelmente
é tudo que ele já ganhou na vida. A senhora não deve estar acostumada com
os homens do interior.
– Então está dizendo que o dinheiro em excesso era uma tentativa de
me impressionar?
– Óbvio. Olhe só pro pobre do Juca, não demorou pra ele perceber
que a senhora era areia demais pro caminhãozinho dele. Bonita, estudada,
vinda da capital. Você julga meu funcionário por ter se sentido inseguro na
sua presença e mostrado as economias de toda uma vida? Até eu me sinto
um pouco inseguro agora e ainda não sei como te impressionar, será que a
senhora também deveria me prender por causa disso?
Eu ri com o flerte e ele pareceu gostar.
– Isso não justifica a maconha. – falei tentando recuperar a
compostura.
– Não? Tem certeza?
– Tenho certeza que o senhor fazendeiro tem um ponto de vista
bastante interessante sobre isso também. – insinuei.
Ele então passou a gesticular sobre a mesa.
– Bom, pela hora imagino que o encontro não tenha sido muito bom,
não é doutora? Muitas diferenças culturais entre vocês...
– Isso não vem ao caso. – justifiquei constrangida, afinal o Juca era
meu encontro pra esquecer o Danilo.
– Mas como não? Depois de um encontro fracassado com uma
mulher linda, o Juca só quer fumar um cigarrinho e relaxar.
– Um cigarrinho de maconha, senhor fazendeiro. – afirmei.
– Cigarro, maconha, pacaio, o que seja. Ele estava nervoso. – olhou
pra mim se encostando no fundo da cadeira – Ele deve ter oferecido pra
senhora, já que enquadrou ele como tráfico e não como porte de drogas...
– Foi exatamente o que aconteceu, me ofereceu um cigarro de
maconha.
– Ele só quis ser educado – fez sinal de pouco caso – Imagino a
frustração desse pobre homem, olhe pra você, não deve ser fácil perder uma
oportunidade com uma mulher como essa.
– A sua estratégia pra tirar o seu funcionário da cadeia é puxar o meu
saco? – falei debochada – não está funcionando.
Mas estava sim.
– A minha estratégia com a senhora era contar com a sua empatia, já
que me parece ser uma pessoa bastante sensata e sabe que é bonita e tem um
efeito sobre os homens ao redor. – disse com naturalidade, me desarmando.
– Tem certeza que o senhor não é advogado?
– Eu fiz seis semestres de direito antes de mudar para engenharia
agrícola. – ele sorriu, nada inocente.
– Tá explicado. Você deveria ter terminado o curso, é muito bom
nisso.
– Você acha? Na época eu cedi a pressão da família, mas é bom ouvir
da senhora que eu tenho jeito com o Direito.
– Bom, eu vou enquadrar a conduta do Juca como posse de droga
pelo art. 28, nesse caso ele não vai precisar ficar detido.
– Isso é ótimo.
– Mas você deveria dar uma bronca no seu funcionário. Só pra que
ele não ofereça isso pra mais ninguém, a gente nunca sabe quem são as
pessoas.
– Posso até dar uma bronca no Juca como a senhora está me pedindo,
mas também devo um aumento a ele, afinal o azar dele acabou sendo a
minha sorte.
– Desculpa, não entendi. – falei distraída enquanto digitava a
burocracia no computador do Danilo, dez vezes mais rápido que o meu.
– Em que outra circunstância eu teria a sorte de encontrar e conhecer
você, dra. Larissa?
Olhei pra ele, que continuava me paquerando. Não vou fingir que
não estava gostando, por mais séria que eu tentasse parecer.
– Não sei, na rua? Na feira? Eu sempre passeio com o meu cachorro
Raul por aí...
– O acaso quis que fosse hoje, aqui nessa delegacia.
Eu imprimi o papel que liberava o Juca e pedi pra um dos meninos
do plantão abrisse a cela da custódia.
– Você tem sorte mesmo, vai poder levar seu funcionário pra casa
sem ter que pagar fiança.
– Vou ter mais sorte ainda se você concordar em jantar comigo essa
semana.
– O quê? Eu não posso. Seria antiprofissional.
– Seria? Não fui eu que fui preso. A doutora não tem nenhuma boa
desculpa para não aceitar, a não ser que não queira, neste caso vou respeitar
completamente.
– Não vai insistir se eu disser que não quero?
– Não. Vou entender que não quer e ponto final.
– Então eu aceito um jantar com o senhor. – falei satisfeita por
conseguir um encontro que não vinha do aplicativo – com uma condição.
– O que você quiser, eu concordo. – falou confiante.
– Que o encontro não seja no Restaurante Pontal do Rio.
Ele riu. O Renan tinha uma risada muito gostosa, acabei rindo junto.
– Acho que posso imaginar o motivo.
Fiquei um pouco constrangida.
– Mas está certa. O Pontal do Rio é um tanto óbvio demais e eu
posso surpreendê-la com algo mais interessante, mais a sua altura.
– Ah, é mesmo?
– Vai ter que esperar pra ver. – falou tocando o meu queixo.
– Até lá, então. – eu mal podia esperar.
E o preço que eu pago
É nunca ser amada de verdade
Ninguém me respeita nessa cidade
Amante não tem lar
Amante nunca vai casar
Amante não tem lar, Marília Mendonça

Passei os últimos dias preso a uma conferência para delegados


promovida pela secretaria de segurança pública. Os temas eram
interessantes, mas eu estava distraído. Primeiro com a onda de assaltos a
bancos e a minha incapacidade de montar uma força tarefa pra investigar
esses crimes por eles não terem acontecido no meu município.
E segundo, eu não parava de pensar na Larissa. Na noite que tivemos
juntos e nela dizendo que nunca ficaria com alguém como eu outra vez. Isso
me incomodou na hora e continua me incomodando. Aquelas palavras me
cortaram como uma faca. Eu poderia mudar, melhorar se quisesse. Eu não
era uma pessoa estagnada no tempo, também poderia me transformar em
alguém melhor, se tivesse bons motivos.
Lá pro segundo dia de conferência resolvi sair mais cedo pra tomar
um café na delicatessen ao lado. Infelizmente parece que a Mariana teve a
mesma ideia. Ela estava lá com seu barrigão de grávida sentada em uma das
mesas. Não pude evitar de sentar na mesma mesa que ela.
– Oi. – falei despretensioso.
– Oi, também tá matando a conferência?
– Eu não tô com muita paciência pra os temas de hoje.
Ela riu.
– Imagina eu estando grávida. Esse meninão aqui não para de me
chutar, quer sentir?
– Não. – falei curto e grosso – Você se lembra daquele dia em que
você me ligou desesperada pedindo para que aceitasse a Larissa na minha
delegacia?
Ela ficou desconfiada.
– Onde você está querendo chegar com esse tipo de pergunta?
– Ali você já estava planejando passar a rasteira nela, não era? Nunca
imaginei isso de você, é tão baixo...
– Se está aqui pra me julgar, eu sugiro que vá embora. – falou
emburrada.
– Ter um caso com o marido da sua melhor amiga... e você sabe o
quanto ela sentiu a sua falta?
– É claro que eu sei, ela não parou de me ligar e de me mandar
mensagens.
– E você não pensou em dar uma explicação pra ela? Só expulsou a
garota da sua delegacia como se ela não valesse nada e pronto?
– O que você quer com isso, Danilo, tomar as dores da sua
namorada? Tudo isso já passou, não adianta discutir agora. Já está feito. Sim,
eu tive um caso com o marido dela, eu o amava e ela o tinha, eu tive que
fazer algo a respeito.
– Engravidar foi o seu algo a respeito?
Ela respirou fundo.
– Eu gostaria que você pedisse ao seu amante, noivo, sei lá o que
vocês são, que não aparecesse mais na minha delegacia implorando pra
voltar com a Larissa, será que você pode fazer isso?
Ela deu um riso debochado.
– Ele nunca faria isso.
– Ele fez. Foi lá tentar convencer ela a retomar o casamento. Ele ia
deixar você na hora se ela aceitasse... – seu rosto ficou branco feito papel e
eu temi que ela começasse a passar mal ali na minha frente. – Seu plano de
engravidar pra roubar o marido da sua amiga não contou com o fato de que
ele até que gostava dela, apesar de ser um babaca infiel.
Uma lágrima escorreu dos seus olhos contra a sua vontade e eu não
me senti culpado, estar grávida não fazia da Mariana intocável, nem
irrepreensível.
– Se ele aparecer por lá de novo eu o prendo por importunação, ela
não quer nada com ele, já que você o roubou, mantenha-o na linha. Não
quero minha funcionária sendo incomodada por nenhum ex-marido
inconformado.
– Você falou funcionária.
– O que é que tem?
– Não chamou de namorada. Vocês estavam fingindo naquele dia,
não foi?
– Acho que nossas vidas pessoais não te dizem respeito.
– Você viu a Larissa em uma situação desconfortável e correu pra
fingir ser seu namorado. Você gosta dela.
Seu queixo quase caiu no chão ao me olhar.
– Você se apaixonou por ela, logo você.
– Não fale besteiras.
– Está mentindo ou ainda não se deu conta de que está apaixonado,
isso deve ser novo pra você.
– Aceitar a transferência dela foi um erro, ela é bem diferente do que
você me mostrou.
– Também me surpreendi quando a vi. Ela sempre foi gordinha e sem
graça. Mas mesmo assim você se apaixonou.
Bufei irritado me levantando.
– Melhor voltar pra conferência. Pra você eu já falei tudo o que eu
queria. Nunca pensei que você fosse esse tipo de gente, mas é como dizem, a
gente nunca conhece realmente as pessoas. Boa sorte nesta missão de
segurar o Rodrigo, só não quero saber dele perambulando por Lourdes atrás
da Larissa.
Ela revirou os olhos. Estava claro que aquilo a incomodava. A
Mariana fora a amante e agora ocupava o protagonismo, mas não contava
que o Rodrigo teria recaídas e tentaria voltar com a Larissa para reparar o
erro que cometeu.
Enquanto isso eu não entendia o que estava sentindo. A Mari tinha
dito que eu estava apaixonado pela Larissa. Os meninos no trabalho tinham
insinuado o mesmo, mas como eu saberia se era mesmo aquilo que estava
sentindo se não tinha familiaridade com esse tipo de sentimento?
Me doeu ouvi-la falar que não ficaria com alguém como eu. Me
cercou de uma sensação de impotência. Eu sempre fui muito desejado, muito
apreciado e ter alguém dizendo que não ficaria comigo abalou a minha
confiança em mim mesmo.
Antes de entrar na sala de conferência encontrei com o secretário de
segurança pública e parei pra dar uma palavrinha com ele.
– Dando um tempo das palestras, secretário? – comecei tentando
jogar conversa fora.
– Tentando sair escondido sem chamar muita atenção.
Se esquivando, como sempre.
– A minha solicitação de uma força tarefa chegou a ser analisada
pelo senhor e pelo delegado geral? Tenho visto nas notícias que os assaltos
continuam acontecendo.
– E estão sendo investigados pelos respectivos delegados de cada
cidade.
– Mas não seria mais inteligente unir forças em um grupo só para
concentrar a produção de provas e as investigações?
– Nisso você pode até estar certo, doutor. Mas a direção dessa força
tarefa não caberia ao senhor, já que nenhum crime aconteceu na sua área.
– Então está me dizendo pra sentar e ficar esperando um assalto a
banco em Lourdes pra poder agir? Com essa força tarefa nós poderíamos
investiga-los antes que outras cidades fossem assaltadas.
– Acho que não seria muito bom chamar atenção do governador pro
seu nome agora, Dr. Danilo. Ele ainda não superou a prisão do sobrinho e o
senhor sabe onde foi parar depois daquilo.
– O sobrinho dele era um criminoso e tinha que enfrentar a justiça
como uma pessoa normal, independente de quem é parente, secretário. Eu
não deveria estar sendo punido por cumprir o meu dever funcional.
– O senhor se sente punido? Mas não foi homenageado no último
evento da secretaria? Eu teria muito cuidado com as palavras que o senhor
usa, delegado.
Olhei pra ele e vi que não adiantava. Eles não iriam colaborar
comigo nem se eu entregasse o inquérito pronto. Só me restava continuar
intervindo por baixo dos panos, o que não me agradava, mas não tinha outra
opção.
Eu ainda acreditava que quando conseguisse uma escuta com alguma
pista, poderia conseguir um mandado com a juíza de Propriá para interrogar
e investigar um pouco mais. Não adiantava falar com aqueles políticos, eles
não estavam interessados nos crimes que aconteciam, só se importavam com
a própria imagem e eu feri a do governador ao prender o seu sobrinho, por
isso não conseguiria nada com eles.
As novas interceptações já haviam sido colocadas na calada da noite
com a ajuda do Luan e do Marcão, mas ainda precisávamos de alguns dias
para ter material suficiente para a Larissa escutar. Ela era esperta, se
houvesse alguma pista escondida tenho certeza que ela conseguiria observar
o padrão.
No fim todo pensamento retornava pra Larissa.
Será que a Mariana estava certa sobre eu estar apaixonado?
Difícil dizer...
Se quando um certo alguém
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar
Certo Alguém, Lulu Santos

Berenice: Estou muito animada com seu encontro com o fazendeiro


bonitão.
Recebi a mensagem da Bê.
Na verdade eu também estava animada. Mandei o link das redes
sociais dele e elas piraram, acharam o Renan um gato e já querem começar a
planejar o nosso casamento. Mas eu pensava no Danilo, o que será que ele ia
achar de tudo isso.
Ele tinha passado o início da semana em uma conferência da
segurança pública e ainda não tinha conseguido a força tarefa para investigar
os assaltos a banco. Durante a sua ausência os meninos me colocaram a par
de tudo e agora eu também estava preocupada e empenhada em saber se
Lourdes era o centro de comando ou a próxima vítima.
Os locais das interceptações haviam mudado e agora as conversas
que eu acompanhava eram diferentes, algumas mais interessantes, outras
nem tanto. Comecei a investigar e anotei os dias em que haviam acontecido
os assaltos a banco para observar se existia um padrão ou se as datas eram
mencionadas em algumas das conversas. Até agora nada tinha sido
comentado, mas eu continuaria de olho, quer dizer, de ouvidos bem atentos.
O meu encontro seria aquela noite e eu estava animada, mas também
apreensiva e insegura.
Evelyn: Vai dar tudo certo, só seja você mesma.
As mensagens de apoio não paravam de chegar.
Eu ainda não sabia onde seria o encontro, então não sabia exatamente
o que vestir.
Larissa: O que vestir quando não se sabe para onde vai?
Mandei mensagem para ele.
Renan: A resposta que eu queria dar é que você não precisa usar
nada, mas como eu não posso dizer isso, vou falar para vir bem confortável.
Larissa: Tudo bem, não vou usar nada então.
Renan: Ah, doutora, não brinca comigo assim não...
Eu ri.
Estava gostando de conversar com o Renan. Nós trocávamos várias
mensagens ao longo do dia, mas acho que só hoje no encontro eu o
conheceria de verdade.
Olhei meu guarda-roupa sem saber o que vestir que fosse confortável
e ao mesmo tempo sexy, afinal aquilo ainda era um encontro e eu queria
impressionar. Acabei me decidindo por um vestido preto, tubinho com uma
jaqueta estilo militar retrô. Não era bem confortável, mas eu queria ficar
bonita. Os sapatos também eram de salto preto. A maquiagem foi toda
baseada em tons terrosos, afinal, ele era fazendeiro. Me afastei do espelho e
olhei bem, eu estava linda. Tinha feito uns cachos no cabelo que estava
deliciosamente ondulados, como se fossem naturalmente assim.
Renan: Cheguei.
Peguei a minha bolsa pra descer quando me deparei com o Danilo
com uma mala de rodinhas subindo as escadas.
– O que você está fazendo aqui? – perguntei surpresa e ele me olhou
em choque, não posso culpá-lo, eu estava mesmo muito bonita.
– Eu tive um problema no encanamento do meu apartamento, vou ter
que ficar mais alguns dias por aqui. Pra onde você vai desse jeito? Você está
linda!
Ele estava de queixo caído, mas eu estava com pressa.
– Obrigada, mas depois falamos, eu tô com um pouco de pressa
agora. Tem cerveja na geladeira, mas não fuma no apartamento.
Desci correndo as escadas sobre os saltos enormes. Até me dar de
cara com uma Land Rover estacionada na frente da delegacia. O Renan deu
a volta para abrir a porta pra mim.
– É assim que você se veste quando quer ficar confortável? – ele riu.
– Bem, não. Mas esse segredo todo atrapalhou a minha escolha.
Odeio não saber para onde vamos.
– Logo vai saber. – falou abrindo a porta. Pude ver o Danilo
observando através das cortinas do janelão lá de cima. – Você está muito
linda.
– Obrigada, você também está bonito.
Ele deu a volta e começou a dirigir em direção a área rural da cidade.
– Se você estiver planejando me matar saiba que eu estou armada e
que as minhas irmãs sabem que eu saí com você – sem contar o Danilo que
tinha espiado pela janela. – E o meu chefe vai sentir minha falta amanhã no
trabalho.
Ele deu uma daquelas gargalhadas contagiantes.
– Esse encontro vai ser mais interessante se você estiver viva, eu
garanto. Mas porque eu mataria você?
– Porque eu prendi um dos seus funcionários?
– Aí nesse caso acho que o Juca é que iria me matar, tenho certeza
que ele não deve ter gostado de saber que eu vou sair com você. Pobre Juca.
– Parece que eu tenho escolhido muito mal esses homens de
aplicativo. – comentei.
– Então eu fico feliz de não ter te conhecido por um. Tornou tudo
mais natural e interessante. Vai ser legal de contar pros nossos filhos.
– Que pretencioso eim... Nossos filhos? Acho que alguém aqui já
recuperou a confiança.
– Você sabe, ela vai e vem, como ondas de rádio. Agora eu estou um
pouco inseguro, não sei se você está gostando das minhas cantadas bobas.
Você está?
– Não estou desgostando. É legal não ser a pessoa mais insegura do
casal.
– Yes! – ele comemorou – ela falou casal!
Eu ri.
– Aposto que todas as meninas da cidade já caíram nesse seu
papinho.
– Ah eu não vou muito a cidade. A fazenda tem tudo o que a gente
precisa e o que falta geralmente outras pessoas saem para fazer as compras.
– Você não é rico, é? Porque aí eu não sei se saberia lidar com isso...
– Não, claro que não. A gente tem uma cabaninha confortável, uma
ou duas cabeças de gado pro churrasco de fim de semana e uns barquinhos
aqui e ali.
– Então está bem.
Mas não era bem aquilo que ele estava falando. Primeiro porque
eram milhares de cabeças de gado, a casa era enorme, quase uma mansão e o
barco, bom, haviam algumas lanchas, mas o que esperava a gente no píer da
fazenda era nada menos que um catamarã.
– Uns barquinhos, você disse...
– Queria te surpreender. – falou me dando a mão para que eu entrasse
no catamarã.
O Renan me guiou até em cima onde havia uma mesa montada para
o nosso jantar, embaixo uma equipe trabalhava para que a comida fosse
preparada e para que o barco andasse.
– É mentira né? – falei bem chocada.
– Calma que essa nem é a surpresa, vai ter que esperar mais um
pouco até a gente chegar lá.
– Como assim? – o motor do barco foi ligado e ele começou a se
dirigir rio a cima.
– Você vai ver. – sentei na cadeira e aceitei o espumante que me
serviram, o Renan também aceitou.
– Você sempre capricha tanto assim em um encontro?
– Eu prometi te surpreender com um encontro interessante fora do
Pontal do Rio, não foi? Então eu me esforcei pra te oferecer o melhor.
– Mas você sabe que com isso está estabelecendo um padrão bem
alto né, se a gente não der certo, vai ser difícil alguém superar isso.
– E se a intenção for exatamente essa?
– Me estragar pra os outros caras?
– Garantir que você seja só minha.
– Huuum
O garçom me entregou um cardápio e eu escolhi um peixe da região.
Como estávamos no topo do catamarã as velas não ficavam acesas, o vento
era forte, mas a jaqueta estava dando conta. Após uns trinta minutos o
catamarã parou no meio do rio.
– Está tudo bem? – perguntei com medo de que ele tivesse quebrado
ali no meio do rio.
– Você vai ver em, 3, 2,1!
Então duas luzes laterais acenderam mostrando os cânions do rio são
Francisco, eu me levantei maravilhada.
– Renan! Eu não acredito que você fez isso!
– Eu não coloquei os cânions aí, foram só as luzes. – ele brincou e eu
ri dando um tapa de leve no braço dele que aproveitou a oportunidade para
me segurar de costas e depois me virar de frente e me beijar.
O beijo dele era bom. Muito bom, mas diferente do... do Danilo.
– Isso é incrível. – falei – Mas porque você tem um catamarã? Não é
um pouco inusitado?
– Parece mesmo né? Mas a minha família é dona de uma empresa de
turismo que leva pessoas para conhecer os cânions em lanchas ou em
catamarãs como esses, dependendo da quantidade.
– Eu nunca tinha visto os cânions. – comentei rindo – nem nunca
imaginei ser trazida aqui em um encontro.
– Eu só precisei convencer eles a instalarem as luzes, com a
justificativa de que com isso poderiam atrair clientes para viagens noturnas
pelo rio, e não é que eles gostaram da ideia? E agora aqui estamos!
– Quem são eles, exatamente?
– Os meus pais, o meu irmão. É uma empresa familiar.
Voltei a sentar na cadeira para jantar e ele fez o mesmo, com aquela
vista maravilhosa.
– Me fale mais sobre a sua família.
– Tem o meu pai que cuida mais do gado, ele gosta, é bem matuto. A
minha mãe é muito religiosa, mas gosta de ficar de olho em tudo. A ideia de
explorar o rio foi minha e do meu irmão, com isso a gente triplicou a receita
da família. Também tem um monte de primo que trabalha na empresa e na
fazenda.
– Então além de fazendeiro você é um empresário bem-sucedido. –
conclui sorrindo – chegou a minha vez de me sentir intimidada.
– Não há motivos pra isso, você é a pessoa incrível aqui, o que você
faz é realmente surpreendente, combate o crime, prendeu sozinha um cara
com o dobro do seu tamanho. Você é linda, é corajosa...
– Eu não sou tão heroica assim, quase não acontece nada em
Lourdes, a cidade é pacata até demais. Mas eu e o Raul estamos gostando
daqui.
– Raul é seu filho?
– De certa forma, é meu cachorro, um labrador chocolate que vive
grudado em mim.
– Da próxima vez você traz ele, eu quero conhecer já que ele é como
um filho pra você.
– Ele é. Eu também tenho uma família interessante. – falei não
deixando a conversa morrer – mas não somos ricos como vocês – Eu sou a
mais velha de três irmãs. Depois vem a Evelyn, que é professora de inglês na
capital e a Berenice que está terminando uma residência em cardiologia em
outro estado. E eu sou agente de polícia, uma encrenqueira, segundo o meu
chefe.
– Acho que o seu chefe está errado, você é um doce, mas também
uma mulher foda pra caralho.
Gostei do que ele disse, por isso deixei que me beijasse logo depois.
E os beijos continuaram por um tempo.
– Você disse que não vai muito a cidade...
– Costumo ir quando alguém prende algum dos meus funcionários.
Rimos.
– Mas como eu faço se eu quiser que a gente almoce junto, lá no
pontal do rio...
Ele sorriu.
– Já quer me convidar pro segundo encontro antes de acabarmos o
primeiro?
– Não! Quer dizer, talvez. Não sei bem o que estou falando, acho que
o champanhe mexeu com os meus sentidos.
– Achei que você não gostasse do Pontal do Rio.
– Ah, eu gosto, adoro lá, vou sempre.
– Mas você não queria que eu te levasse lá no nosso primeiro
encontro...
– É verdade, mas não por não gostar, é que meus últimos encontros
foram lá e eu fiquei com um pouco de vergonha – apertei os olhos
constrangida – dois encontros com homens diferentes na mesma semana e
no mesmo lugar...
Ele sorriu.
– Se você quiser me chamar pra um almoço lá eu vou adorar, assim
como se você quiser me chamar pra tomar uns shots no boteco da esquina,
qualquer lugar vai ser interessante se for com você.
Corei.
O Renan era aquele tipo de homem que exalava masculinidade e
sempre sabia as palavras certas. Era perigoso, mas de um jeito diferente do
Danilo. Enquanto que com o meu chefe eu temia me apaixonar por alguém
que não se compromete com ninguém, com o Renan eu temia me encantar
por uma pessoa do interior que me fizesse mudar de vida.
Uma mulher da fazenda? Eu? Não, eu não conseguia me ver assim.
Mas ele era tão envolvente que era fácil mergulhar no seu universo. O resto
do encontro foi bem divertido. Comemos um pudim de sobremesa e ele me
trouxe pra casa, não pediu pra subir pro apartamento, nem tirou nenhuma
ousadia. Renan era respeitador, talvez a criação da mãe religiosa tenha
influenciado.
Ele me deu um beijo de boa noite e eu subi para encontrar o Danilo
deitado no sofá e o Raul que estava deitado perto dele veio me cumprimentar
e subir comigo para o meu quarto.
– Bom garoto! – dei um beijinho no topo da cabeça dele.
Eu gosto tanto de você
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar subentendido
Como uma ideia que existe na cabeça, e não
Tem a menor obrigação de acontecer
Pode até parecer fraqueza
Pois que seja fraqueza então
A alegria que me dá, isso vai sem eu dizer
Apenas mais uma de amor, Lulu Santos

Aquela manhã eu acordei mais cedo e preparei o café da manhã. Eu


já tinha passeado com o Raul e comprado pão fresquinho na padaria do seu
Francisco. O cheiro do café logo chegaria até a Lari, que já estava no
chuveiro.
Não vou mentir e dizer que o encontro dela com aquele fazendeiro
não me incomodou, porque me deixou puto pra caralho. Principalmente
porque os meus sentimentos ainda estavam muito confusos e eu me dei conta
de que se queria ter alguma chance com a garota teria que provar que já não
era mais aquela pessoa que ela me viu ser nos últimos dois meses.
Eu teria que mudar.
Mais que mudar, eu teria que provar a mudança.
– Humm, que cheirinho bom é esse? Será que a fada do café da
manhã resolveu aparecer? – ouvi ela dizer enquanto descia as escadas
vestida pra trabalhar.
– Está surpresa? – perguntei – Acordei mais cedo e já passeei com o
Raul.
– E ainda preparou esse café da manhã maravilhoso? – ela deu um
beijo estalado na minha testa, como eu estava sentado em uma das banquetas
do balcão isso se tornou possível, já que ela era mais baixa que eu bem uns
trinta centímetros.
Eu queria que o beijo tivesse sido em outro lugar, um pouco mais
embaixo.
– É... – falei sem graça, tudo isso era novo pra mim. Eu nunca tinha
preparado um café da manhã pra uma mulher antes, principalmente pra uma
que na noite anterior tinha saído com outro. Senti um amargor na boca – Eu
aproveitei e passei na padaria do seu Francisco, na praça.
É claro, tudo ficava ao redor da praça.
– Muito obrigada. Eu cheguei tão tarde ontem... – acho que ela
percebeu a minha careta diante do seu encontro – que não consegui acordar a
tempo pra levar o Raul pro banheiro.
Deu uma mordida em um pãozinho de queijo enquanto eu a servi de
um café forte, do jeito que sabia que ela gostava. Também tinha bolo e frutas
no balcão. Eu estava de parabéns.
– Então o que foi que aconteceu lá no seu aparamento da cidade?
– Bem, não é que estourou um cano no vizinho? Vou ter que passar
um tempo fora até eles consertarem, inundou a minha cozinha, um desastre...
Será que ela sabia que era mentira?
Será que eu conseguia me entregar de alguma maneira?
Eu era acostumado a falar meias verdades para as mulheres com
quem me envolvia, mas nesse caso era mentira mesmo. Mas que outra
desculpa eu teria para voltar e passar um tempo aqui com ela.
Pigarreei.
– Você saiu em um encontro ontem a noite? Finalmente encontrou
um cara legal no aplicativo?
Ela pareceu ficar sem graça.
– Acabou acontecendo. Do jeito mais inusitado... Mas acho que dei
um pouco mais de sorte dessa vez.
– Você estava linda ontem...
– Ah, era um encontro, o que você esperava? – Percebi que ela
continuava sem graça. Rindo constrangida diante do meu elogio – Da
próxima vez eu vou de pijamas, melhor assim?
Lembrei dela só de camisa de dormir, como costumava ficar logo
quando voltei pro loft e não aprovei a ideia de vê-la saindo com alguém
vestida daquele jeito.
– Melhor não, eu teria que prendê-la se você saísse daquele jeito.
Ela gargalhou. Pareceria feliz. Gostei do som do seu sorriso.
– Você sabe que não ia conseguir me prender, chefe.
– Ah é? – Fiz como se fosse correr atrás dela e a Larissa começou a
correr, alcancei a danada a tempo de fazer cosquinha nela e jogá-la sobre o
meu ombro. Ela poderia ter perdido quinze quilos, mas ainda continuava
pesada. O Raul ficou agitado querendo brincar também, então devolvi ela
em pé já na sala, rindo e falei com bom humor – Posso te pegar quantas
vezes eu quiser.
– Você é muito convencido. – falou ajeitando os cabelos que tinham
ficado desarrumados com a nossa brincadeira. – Só porque me fez um café
da manhã acha que pode mandar em mim...
– Só porque eu sou seu chefe eu tenho certeza que posso mandar em
você...
– Não aqui. Aqui você é um hóspede que ocupa todo o sofá.
– Um hóspede no meu loft e no meu sofá, você quis dizer, imagino –
corrigi com bom humor – Então, vai sair com ele de novo?
– Humm... Isso aqui tá muito bom. – Falou mordendo um bolinho –
Vamos, senão a gente vai se atrasar pro trabalho. Raul!
Chamou e o cachorro veio na hora preparado para passar o dia na
delegacia.
– E sim, acho que vamos sair de novo em breve. – suspirou enquanto
passava a chave na porta de casa – Na verdade eu tô bem animada. É a
primeira vez em muito tempo que eu conheço alguém assim...
Se eu estava intimidado com esse cara novo? Ah eu tava sim. Mas eu
também confiava em mim mesmo, nós já tínhamos ficado duas vezes, ela se
sentia atraída por mim, o que é setenta por cento do objetivo alcançado. Eu
só precisava que ela entendesse que eu estava interessado em algo mais, em
ser o cara diferente que ela buscava.
– Que tal uma chop depois do trabalho hoje a noite. – toquei no seu
cotovelo antes que ela entrasse na delegacia com o Raul.
– Um chop bem gelado? – fingiu pensar sobre o assunto e sorriu –
Claro que eu topo!
Isso!
– Eu te encontro lá então?
Ela franziu a testa.
– Pode ser, mas você não vai direto daqui? – me perguntou confusa,
não tinha sacado ainda que era um encontro?
– Não, eu precisar dar uma passada em outro lugar antes, nos
encontramos lá as seis.
– Tá bom. Nos vemos lá.
O dia de trabalho se passou cheio de expectativa. Em algumas horas
eu teria um encontro com a Larissa. Tinha que usar todas as minhas armas e
mostrar pra ela que eu escolhi ser um novo homem. Por ela. E que não
precisava conhecer fazendeiro nenhum, eu já estava ali, era o seu homem. O
cara certo pro seu recomeço. O Cara que faz o café da manhã e que não tá
interessado só em uma noite na cama.
O cara para se ter um futuro.
Aproveitei o fim do dia pra levar o Raul pra passear, estava me
afeiçoando ao garoto. Depois subi no apartamento e tomei um banho bem
caprichado. Eu a surpreenderia. Com os cabelos ainda molhados e
perfumado até as orelhas, vesti uma camisa branca impecável com o
colarinho aberto e dobrada até os cotovelos e calças sarja cinza que
marcavam o bumbum e outras partes do corpo.
Eu tava do jeito que o diabo gosta e ia encontrar a Larissa logo logo.
Mentalizei o objetivo e me dirigi ao Pontal do Rio, nosso restaurante
favorito, já estava anoitecendo, mas era o happy hour e logo estaria
acompanhado da moça mais linda de toda a cidade.
Sentei na minha mesa de preferência e peguei um cigarro nas mãos
decidindo se valia a pena. Eles me ajudariam a me acalmar, com certeza.
Mas a Larissa os odiava e o cheiro seria indisfarçável.
Guardei a carteira de cigarros no bolso. Eu aguentaria firme, tinha
um objetivo.
Não demorou muito até que ela aparecesse. Vestia as mesmas roupas
que usou durante o dia no trabalho. Percebi que me procurava com os olhos.
Acenei distante e ela sorriu ao me ver, mas para a minha surpresa fez sinal
para alguém atrás dela e logo em seguida eu vi o Marcão, o Ari e o Luan a
seguirem até a nossa mesa.
Isso não era o planejado. Os caras me cumprimentaram sem notar a
minha confusão.
– A Lari disse que você convidou a gente pra tomar um chopinho
depois do trabalho.
– Isso, traz uns chopes bem gelados pra gente? – ela falou ao ver o
garçom passar
– E umas batatas! – o Luan completou.
– Maravilha. – ela falou sorrindo. – Nossa você tá bonito! Vai
encontrar alguém depois do happy hour aqui?
Eu dei uma risada (sem graça), doido por um cigarro. A noite mal
tinha começado e já estava fugindo do controle e a coisa não estava ao meu
favor. Percebi o olhar do Marcão sobre mim, ele tinha notado alguma coisa e
se comunicava com o olhar. Muitos anos de convivência fazia isso com as
pessoas, fazia com que a comunicação ficasse mais eficiente com apenas um
olhar.
– Seja bem vinda ao nosso happu hour! – falou o Luan brindando
com a Lari.
– Finalmente eu fui convidada. Sobre o que vocês falavam quando
vinham pra cá eim? Agora eu tô bem curiosa. – disse sentada ao meu lado
com a mão sob o queixo.
– Geralmente falávamos sobre você. – o Marcão confessou antes de
beber um gole – se bem ou mal, aí já é informação demais pra você saber.
Todos rimos.
– Ou podemos dizer que alguns falavam bem enquanto outros
falavam mal – brincou o Ari.
– Ah, que cretinos! Eu tenho certeza que posso dizer quem falava
bem e quem falava mal de mim aqui! – Falou sorrindo.
Ela estava se divertindo, achava que finalmente tinha sido convidada
para o nosso clube do bolinha quando na verdade se tratava de um encontro
comigo e apenas o Marcão pareceu entender isso. O que era bom, eu já
estava muito vulnerável com ele percebendo, imagina se todos soubessem
que na verdade eu esperava me encontrar sozinho com ela.
– Apostado uma rodada? – perguntou o Marcão. – Porque essa é do
chefão, já que ele convidou a gente pra essa breja.
– Apostadíssimo! Mas se eu acertar vocês vão pagar a minha conta
da noite. Combinado?
Os meninos fizeram uma algazarra enquanto eu apenas observava me
sentindo um otário, frustrado pra caramba.
– Bom, falavam bem de mim, o Ari que não sabe falar mal de
ninguém e o... – pareceu pensar, em dúvida entre o Marcão e o Luan. – e o
Luan, que gostou de mim desde o primeiro dia, pelo menos eu acho!
– Duas divas sempre se reconhecem. – Brindaram novamente.
– Agora que falavam mal de mim eu não tenho a menor dúvida, o
chefe e o Marcão. O Chefe porque mal me aturava quando eu cheguei e o
Marcão, isso não vale pra agora, tá Marcão, mas você achava que eu era só
um rostinho bonito e agora sabe que eu sou boa no trabalho.
– Touché! – falou o Marcão erguendo o copo do chop.
– E o doutor não vai nem tentar se defender? – ela me perguntou
sorrindo e eu só sentia vontade de mandar todo mundo embora para que
ficássemos sozinhos.
Me provocou.
Era o que ela mais adorava fazer.
– Não é segredo pra ninguém que eu não queria uma mulher na
equipe, ainda mais uma bisbilhoteira que se escondeu no banheiro da minha
sala logo no primeiro dia.
– Isso só aconteceu uma vez! – ela se defendeu falando alto, devido
ao barulho e ao álcool. – E você tava com uma mulher na sala!
– Mas eu não tenho recebido mais nenhuma dessas visitas, você
percebeu? – falei só pra ela, não sei se os outros ouviram, também não
importava.
– Eu tô indo pra casa. – avisou o Ari e a Lari se voltou pra ele. O Ari
sempre saia mais cedo do rolê porque tinha família, filhos e não gostava de
chegar bêbado em casa – Se eu beber mais do que isso a patroa me coloca
pra dormir no sofá.
– O Ari tá sempre queimando o rolê. – falou o Luan se despedindo.
Será que eu teria a sorte de me livrar de um por um até ficar sozinho
com ela?
– Traz mais outra rodada garçom! – gritou o Luan respondendo a
minha pergunta.
Eu estava estranhamente sóbrio.
A Larissa estava completamente bêbada.
– Não vai fumar hoje, chefão? – ela me perguntou tocando no meu
antebraço me fazendo arrepiar, ou talvez tenha sido o vento, não sei.
– Tô tentando parar – falei pra ela que ficou surpresa.
– É sério? Mas isso é muito legal – ergueu a taça pra brindar comigo
– Já tem quanto tempo?
– Apenas alguns dias...
– Mas mesmo assim isso é ótimo. Significa menos um câncer na sua
vida. Tô tão feliz por você chefe. – então a Larissa bêbada propôs um brinde
– Atenção, atenção todo mundo! Ergam as suas taças que vamos brindar. –
ela até se levantou – ao nosso chefe, esse bonitão que parou de fumar!
O Marcão me deu um olhar solidário e todos brindamos.
– Você ganhou mais uns quinze anos de vida, sabia? E isso me deixa
feliz!
– Te deixa, é? Mas porque se você acha que eu mal te aturava?
– Ah, você sabe, no final você não é tão ruim assim...
– Isso é um elogio? – perguntei meio na dúvida.
– Pra mim já deu, galera. Se eu passar disso vou dar perda total. – ela
falou bebendo de uma vez o resto do recipiente do seu copo.
– Então é melhor pedir a conta, encerrar a noite. – sugeri. – Já que eu
sei que sou eu que vou ter que ajudar essa mocinha a chegar em casa.
Com a noite encerrada e uma Larissa bêbada que caminhava
cantando uma música qualquer do Lulu Santos pelas ruas de Lourdes
enquanto eu a ajudava a chegar em casa percebi o quanto o meu plano foi
falho. Ela não sabia que era um encontro, eu não fui claro. Ou pior, se ela
percebeu tratou de desfazer essa ideia chamando o resto da equipe, afinal me
jurou que nunca mais ficaria com alguém como o ex-marido ou alguém
como eu, um homem de muitas mulheres.
Não que eu ainda fosse assim, mas ela ainda não tinha tido a
oportunidade de saber disso. Se eu queria que ela me visse diferente teria
que ser mais claro, teria que mostrar pra ela de uma forma que não deixasse
dúvida alguma.
Não poderia agir pelo impulso, teria que pensar em algo romântico,
algum gesto tão ímpar quanto aquela mulher que cantava alegre pelas ruas
indiferente as reclamações da vizinhança.
É, eu teria que fazer algo melhor e maior, mas o quê?
Chega de mentiras
De negar o meu desejo
Eu te quero mais que tudo
Eu preciso do seu beijo
Eu entrego a minha vida
Pra você fazer o que quiser de mim
Só quero ouvir você dizer que sim!
Evidências, Chitãozinho e Xororó

Estava lá mais uma vez ouvindo a conversa alheia. Com fones de


ouvido enormes e apenas uma tela na minha frente me distraí pensando nos
últimos acontecimentos. As coisas até que não estavam ruins naquela
cidadezinha que eu claramente subestimei quando cheguei. Eu me sentia
bem no trabalho, tinha feito amigos, estava sempre acompanhada do Raul o
que sempre me fazia me sentir bem, morava em um loft elegante e
confortável e tinha um chefe que não ia dormir com o meu namorado.
Nossa, meu namorado. Nem tinha saído com o Renan em um
segundo encontro ainda, mas já estava pensando que o relacionamento
poderia prosperar até um possível namoro. Enquanto isso o meu chefe, o
Danilindo seguia se comportando de forma estranha. Eu estava tentando não
pensar muito sobre isso, afinal, pensar no Danilo era sempre perigoso e eu
tinha medo.
Medo de que o pensamento levasse a um sentimento que eu já via a
semente surgir, mas tentava de todo modo abafar. O Danilo não era homem
para mim. Ele nunca ia mudar, era um mulherengo, apesar de estar se
comportando esquisito pra caramba nas últimas semanas, o que estava me
deixando preocupada.
Será que era frustração por causa das negativas que tinha recebido
toda vez que tentou montar uma força tarefa para investigar os assaltos a
banco? Ou será que ele tinha se metido em alguma encrenca com alguma
garota? Era bem possível que fosse isso, com o Danilo, as garotas,
principalmente as advogadas, não paravam de aparecer. Elas brotavam do
chão todos os dias a procura dele. Apesar de que pensando bem, até que
essas visitas tinham diminuído bastante ultimamente, esses assaltos devem
estar realmente mexendo com ele.
– Vocês não acham que o chefe anda agindo meio estranho
ultimamente? – perguntei outro dia enquanto tomava um café encostada na
minha mesa.
Os meninos se entreolharam.
– Me diga, – falou o Marcão – porque que você acha isso?
– Eu não sei, estou achando ele meio diferente. Acho que essa
preocupação com um assalto na cidade pode estar mexendo com a cabeça
dele...
– Ou ele pode ter levado uma flechada – sugeriu o Luan arteiro.
– Não se mete, Luan, fica quieto. – Advertiu o Ari.
– Vocês estão sabendo de alguma coisa que eu não sei, não é? –
perguntei desconfiada – Poxa gente, achei que já fazia parte do grupo e
agora vocês ficam de segredinho de mim!
– A gente não tá de segredinho. – o Marcão se defendeu – É que
certas coisas não nos cabe falar a respeito.
– Tá vendo, olha você de segredinho agora. Tá na cara que os três
sabem o que está rolando, mas não querem me falar! Nossa amizade vai ficar
abalada!
– Ela sobrevive a isso, tenho certeza – falou o Ari se juntando aos
meninos – Você não tem algumas interceptações pra ouvir?
– Até você, Ari? Eu estou fazendo uma pausa, tomando um café. –
reclamei.
– Aproveita e come um pedaço do bolo de banana que o Danilo
trouxe. – sugeriu o chefe do cartório.
– Tá vendo! Isso é estranho! O chefe trazendo bolo de banana, que
por acaso é um dos meus preferidos.
– Nossa, que coincidência não? – sugeriu o Luan surpreso.
– Ele nunca trazia nada e agora tá trazendo até bolinho, isso é muito
suspeito. – olhei através do vidro, mas como era escuro, era impossível saber
o que se passava ali dentro – Parece que alguém deu com um porrete na
cabeça dele...
O Marcão riu.
– Acho que ele se sente meio assim mesmo, como quem levou uma
porretada na cabeça.
Ignorei o comentário e terminei o café.
– Bom, só quero que saibam que é muito feio vocês agirem dessa
maneira, todo clube do bolinha contra a única mulher aqui. – reclamei antes
de voltar para as interceptações – Não gosto de me sentir excluída.
Voltei para o meu computador e comecei a ouvir e gravar algumas
ligações que estavam acontecendo naquele momento.
“Cara, o chefe mudou a festa de aniversário do Bráulio pra hoje”
Alguém falou e eu morri de inveja, adorava festas de aniversário.
“Não era amanhã? ” a outra pessoa falou demonstrando surpresa.
“Tenho que checar se a minha equipe está preparada”
“Tem que estar, tem uma galera do Bráulio desconfiando, por isso
tivemos que antecipar”
Melhor mesmo, senão o Bráulio ia atrapalhar a própria surpresa.
“Por aí está tudo preparado? A sua galera foi toda avisada? ”
“Por aqui tudo certo, só falta você avisar a sua”
“E os presentes? ”
“Tudo carregado, tudo preparado, não vai ter erro”
Pelo visto esses caras levavam o aniversário do Braulio bem a sério,
afinal falavam com bastante preocupação sobre a festa dele. Era mesmo bom
ter ótimos amigos... Parei de ouvir aquela conversa chata e mandei
mensagem no grupo das irmãs, eu estava entediada.
Larissa: Danilo está estranho e ninguém quer me dizer o motivo.
Pra o Renan eu mandei.
Larissa: Pensando sobre nosso último encontro...
Depois daquela noite no catamarã eu e ele não nos encontramos
mais. Como o Renan morava na fazenda era difícil a gente se esbarrar por aí,
mas não paramos de nos falar por mensagem e pelo telefone nenhuma vez
sequer.
Coloquei um dos fones no ouvido e os caras continuavam
combinando detalhes do aniversário do Bráulio, deixei pra lá quando recebi
uma mensagem do Renan.
Renan: O primeiro de muitos, eu espero. Mas tô em reunião agora,
posso te ligar mais tarde?
Ele era muito fofo, não era?
Larissa: Claro, também tô enrolada aqui no trabalho.
Renan: Espero que não seja nada grave...
Larissa: Você sabe, só papelada, não acontece nada nessa cidade.
Renan: Que bom né, linda. Te ligo mais tarde.
Enquanto isso nenhuma movimentação no grupo das minhas irmãs.
Larissa: Alguém vivo aí?
Evelyn: Tô trabalhando agora, sem tempo pra discutir as variações
de humor do seu chefe, Lari.
Larissa: Affs, que mau humor.
Evelyn: Vai combater o crime, vai registrar um BO.
Larissa: Tá me achando desocupada?
Ela não estava errada, afinal, eu estava enrolando no trabalho.
Berenice: Opa, opa, que encrenca é essa?
Larissa: a Evelyn tá um saco hoje.
Evelyn: e a Lari acha que todo mundo tem que parar pra discutir a
vida romântica dela.
Larissa: O Danilo não faz parte da minha vida romântica!
Evelyn: A-hã.
Berenice: Aconteceu alguma coisa com o Danilindo?
Evelyn: Adivinha? Ele está estranho.
Affs, a Evelyn tava chata mesmo.
Larissa: Você falando assim parece até besteira... mas ele é meu
chefe e meu...
Berenice: ... seu o quê?
Larissa: Acho melhor seguir o conselho sábio da Evelyn e ir
trabalhar.
A conversa com as minhas irmãs não saiu exatamente como eu
pretendia. É claro que eu tinha noção que elas tinham vidas próprias, seus
trabalhos, seus hobbies, mas eram as minhas únicas amigas.
Mas peraí, agora elas não eram mais as minhas únicas amigas.
O dia tinha sido puxado e a gente tinha esticado pra atender as
expectativas do chefe, que inclusive já tinha ido embora. Porque não chamar
os meninos pra uma cervejinha lá em casa? A gente sempre tinha bastante
cerveja.
– Eii – falei arrumando a minha bolsa pra ir embora. – O que vocês
acham de tomar uma cervejinha lá em cima, no loft?
– Tá aí um lugar que eu nunca fui, nesse loft, bora? – falou o Luan.
– E eu lá recuso uma breja gelada? – falou o Marcão – Ainda mais se
for de graça.
– Então bora! – falei animada já pensando na social lá em casa.
– Eu vou, mas não posso ficar muito tempo. – o Ari se manifestou –
a mulher reclama quando eu chego tarde e cheirando a cerveja.
– Relaxa Ari, só umas cervejinhas e a gente te libera.
Animados com a possibilidade de cerveja grátis e de conhecer o
apartamento que roubei do Danilo, fui com os caras para o apartamento. O
Raul foi na frente e disparou assim que eu abri a porta que dava nas escadas,
nós fomos subindo logo em seguida...
...Para encontrar um Danilo totalmente pelado deitado no sofá em
uma pose em que apenas um buquê de rosas amarelas cobria as suas partes
íntimas.
Meu queixo quase caiu no chão diante daquela cena. Mas o pior foi
que os meninos foram parando atrás de mim, um a um, chocados ao ver
nosso chefe pelado no sofá.
Seus olhos se arregalaram ao ver os rapazes chegarem logo atrás de
mim e o que durou segundos pareceram horas de choque e horror entre todos
os envolvidos. Enquanto isso o Raul ia lá cumprimentar e cheirar o Danilo,
tornando tudo ainda mais constrangedor.
Durante alguns minutos o silêncio reinou naquele apartamento, até a
primeira pessoa gargalhar (acho que foi o Luan), o que deu abertura para as
outras risadas que se seguiram. Eu não pude me conter, depois do choque
veio a graça, afinal, que ideia maluca era aquela do Danilo de me esperar
pelado no sofá? E as flores, eram pra mim?
Enquanto isso ele ia ficando mais vermelho e envergonhado. Pegou
uma almofada e cobriu as suas partes intimas, aquelas que antes estavam
cobertas com as flores, que eram lindas por sinal.
– Se eu soubesse que ver o chefão pelado tava incluído no convite
teria vindo muito mais cedo. – falou o Luan.
– Taí uma coisa que eu não tava esperando. – Marcão ainda ria muito
– mas é melhor a gente ir embora.
– Eu também acho melhor vocês irem – falou o Danilo sem graça –
Muita coisa já foi vista aqui hoje.
– Muita coisa mesmo – observou o Luan deliciado – meu Deus eu
nunca vou esquecer esse dia.
– Eu não estou entendendo nada – observei meio lerda pegando uma
toalha e jogando para o Danilo que pegou com uma mão sem soltar a outra
que segurava a almofada. – Porque raios você está pelado aqui no
apartamento?
– Ah Larissa, me poupa vai! – falou o Luan – Não tá vendo que tudo
isso aqui é pra você?
Eu olhei ao redor, havia comida na bancada e velas espalhadas pelo
loft.
– Ai Meu Deus. – disse com as mãos no rosto, chocada depois de
quase chorar de rir.
– Você não tava querendo saber o que havia de estranho com o
chefe? – o Ari finalmente se manifestou – Tá aí a sua resposta.
– Mas... Danilo?
– É melhor a gente realmente ir agora, acho que os dois precisam
conversar. – Ari falou, sábio, mais uma vez.
– Quero ver como vai ser no trabalho amanhã – falou o Luan
descendo as escadas rindo – que espetáculo eim chefão.
– Fica quieto e não piora as coisas, cara. – o Marcão se solidarizou
com o amigo e assim os três marmanjos iam descendo as escadas em direção
a porta enquanto eu encarava um Danilo de toalha altamente constrangido.
– As flores... são pra você.
– Você estava pelado! – Acusei ainda em choque.
– Era uma surpresa pra você, eu não achei que viria acompanhada...
– É, eu chamei os meninos pra tomar uma cerveja... – então falei
sentando no sofá confusa – eu realmente preciso de uma agora.
O Danilo foi lá e pegou uma garrafa pra mim. Ele abriu a tampinha
na bancada, nada de abridor, na força bruta.
– Quer me explicar tudo isso ou eu devo tirar as minhas próprias
conclusões?
– Me fala o que você pensou que eu te digo se foi isso mesmo.
– Ok. Você está aqui, pelado, numa tentativa de me levar pra cama
mais uma vez. Coisa que eu te disse que não vai mais acontecer.
– Não é isso! Claro que não é isso – falou ofendido.
– Mas você estava pelado.
– Eu sei, mas é que eu não tô sabendo fazer isso direito... é tudo
muito novo pra mim.
– Fazer o quê? Do que você está falando?
– Estou falando de romance, Larissa.
– Romance? – estranhei.
– É, você sabe, conquista, namoro...
– Namoro? – me espantei mais ainda.
– Eu geralmente não namoro, tenho casos...
– Pois é.
– Mas com você é diferente. Com você eu quero o romance, o
namoro...toda essa merda, por que sei que é disso que você gosta.
– Ai meu Deus, você enlouqueceu?
– Parece loucura pra você?
– É loucura. Primeiro, você mesmo falou que não namora, que tem
casos. Segundo, eu não vou ser um dos seus casos, deixei bem claro da
última vez, que não ficaríamos de novo, foi um erro. Terceiro, que eu não
entendo porque você acha que quer namorar comigo, esse não é você.
– Eu tenho sentido coisas difíceis de compreender, sentimentos
confusos... por você.
– Então vai fazer terapia! – falei – Eu não quero alguém confuso.
Quero alguém que saiba bem o que quer!
– Eu sou esse cara. É que isso é tão novo e eu não tô conseguindo me
expressar muito bem, entenda, eu nunca senti isso por ninguém antes...
– Nunca sentiu o quê? Já pensou em ir a um médico? Podem ser
gases.
Ele riu.
– Você realmente não me leva a sério, não é? Naquele dia que te
chamei pra um chop e você levou os caras...
– O que tem aquele dia?
– Aquilo era um encontro. Ou uma tentativa de um já que você
estragou tudo.
– E como eu ia saber?
– Bem, eu te convidei pra sair e tomar um chop, o que você acha que
é isso?
– Achei que era pra me enturmar com a galera.
– Não. Era um encontro.
– Ah, então desculpa. Mas se eu soubesse que era um encontro...
– Você não teria aceitado o convite.
– Não. – falei direta – Eu não ia querer incentivar uma coisa que não
vai pra lugar nenhum...
– Porque não? Eu tô mudando, você não está vendo?
– Tenho percebido mesmo você um pouco estranho.
– Não estou estranho, estou me moldando pra me encaixar nessa
moldura de homem que você estabeleceu.
– Ah.
– Pois eh.
– E agora? – falei.
A essa altura ele estava sentado de toalha ao meu lado no sofá.
– Não sei. A sua rejeição não muda os meus sentimentos...
– Você ainda não me disse que sentimentos eram esses.
– Direi quando souber direito.
– Você quer que eu acredite que está mudando e querendo ter um
relacionamento comigo quando você nem sabe direito o que sente? Não dá.
– É mais ou menos isso. Mas eu sei o que eu quero e é você.
– Me querer não é o suficiente para me ter. – então passei a mão pelo
seu peito e abdômen – Não importa o quanto seja tentador, não vou beber
dessas águas novamente.
Então meu telefone começou a tocar.
Era o Renan.
O Danilo viu a ligação e ficou em silêncio.
– Eu vou descer pra atender a essa ligação. Enquanto isso aproveita
pra desmanchar tudo isso. – falei gesticulando para o apartamento cheio de
velas e desci para atender ao Renan lá fora.
Meus passos seguem um destino traçado
Nesse momento estão desacelerados
Na espera que alcance o meu caminho
Pensei que fosse nosso, eu pensei
Espero mais um dia
Ou quem sabe um mês
Espero mais um dia
Uma vida talvez
Uma vida a mais, Marília Mendonça

Depois do constrangimento envolvendo a minha nudez, dei um jeito


de sumir da delegacia por alguns dias. Fui um covarde mesmo, não dá pra
negar. Dormi naquele sofá, quer dizer, passei a maior parte da noite em claro
enquanto a Larissa dormia e de repente resolvi pegar as minhas coisas, dar
um cheiro no Raul e voltar para o meu apartamento na cidade.
Acordei com a notícia de que mais uma cidade tinha sido assaltada.
Dessa vez a vítima havia sido o município de Canhoba, vizinho a cidade de
Lourdes. Os bandidos em uma ação rápida explodiram a entrada do banco e
a porta do cofre central levado alguns milhões em notas variadas.
Eles chegavam de repente e roubavam alguns carros na cidade para
fazer o assalto para depois abandonar os veículos e desaparecerem
misteriosamente. Tudo na surdina, durante a madrugada, em uma ação
rápida e sem vítimas.
Aproveitei a amizade com o delegado da cidade para visitá-lo e ver
as provas que eles já tinham recolhido até o momento. Infelizmente não
encontraram digitais nos veículos e as poucas câmeras das cidades não
estavam funcionando muito bem, então tiveram que ser requisitadas as
imagens das câmeras particulares instaladas nas casas de alguns moradores
da cidade no trajeto dos bandidos.
As imagens não eram boas, mas mostravam uma equipe de cerca de
dez pessoas em três carros roubados, todos encapuzados. Cada um com a sua
função. O motorista, o especialista na abertura das portas e aquele que
manuseava os explosivos em quantidade suficiente para abrir as portas sem
danificar as notas.
Aproveitei essa oportunidade para acompanhar uma parte das
investigações, mas elas não estavam seguindo em uma boa direção e eu
segui em frente. Reapareci na delegacia no outro dia.
Eu era puro constrangimento, mas não poderia perder o respeito da
minha equipe.
Então eu passei por cima da vergonha e fui trabalhar. A Lari já estava
na sala de interceptação, então não tive que encará-la. Mas não fui poupado
pelos outros agentes.
– Eii chefe, achamos que não ia aparecer mais aqui. – falou o Luan,
sempre o Luan.
– É bom te ver vestido de novo, cara. – o Marcão me cumprimentou.
– Como você está? – perguntou o Ari todo paizão.
– Tirando a vergonha de encarar todos vocês eu tô bem.
– Deixa disso, quem nunca passou uma vergonha por amor, eim – O
Luan disso, enquanto que o Marcão negou na mesma hora e o Ari riu.
– Ela tá aí? – perguntei passando a mão no rosto.
– Tá lá na sala de interceptação telefônica como sempre.
– Melhor assim. Odiaria encarar ela agora.
– Ela te rejeitou? – o Luan perguntou curioso, só ele tinha essa
ousadia.
– E como! Pra piorar está saindo com um fazendeiro “tudo de bom”
aqui da cidade – fiz as aspas com os dedos.
– Que merda, cara. – Marcão.
– Se eu fosse você relaxava, muitas águas vão rolar nessa história
ainda – falou o Ari
– Você acha que esse casinho não vai durar? É isso?
– Ele não é o cara certo pra ela. – o Ari falou sem desviar os olhos do
computador.
– E você acha que eu sou? – perguntei cético.
– Ainda não. Mas pode ser. – falou – E tá na cara desde o começo
que os dois estão atraídos um pelo outro.
– Ah isso é verdade.
– Isso ninguém pode negar mesmo.
Os outros dois falaram ao mesmo tempo o que me deu um pouco de
esperança, já que eles achavam que a Lari estava atraída por mim é porque
existia uma fagulha entre nós.
Apesar disso eu não conseguia esquecer dela me dizendo que nunca
ficaria comigo novamente. Me acusou de não saber exatamente o que sentia
ou o que queria. Eu pensei sobre a conversa que tivemos várias vezes e
apesar da vergonha eu sabia que se queria ficar com a Larissa precisava
continuar no loft. Voltar pro apartamento da cidade só criaria mais distância
entre nós e abriria mais espaço pro fazendeiro entrar e dominar o coração
dela.
Bom, ele não ia fazer isso a minha revelia. Isso jamais. Eu demorei a
vida toda pra sentir esses sentimentos estranhos que eram bons e ruins ao
mesmo tempo, então eu iria lutar pela pessoa que me fazia me sentir assim.
Essa porta ainda não estava totalmente fechada.
O seu prêmio que não vale nada, estou te entregando
Pus as malas lá fora e ele ainda saiu chorando
Essa competição por amor só serviu pra me machucar
Tá na sua mão, você agora vai cuidar de um traidor
Me faça esse favor
Infiel, Marília Mendonça

Era fim de semana, finalmente. Aquela parecia uma semana de dez


dias ao invés dos sete de costume.
Acordei cedo para um encontro com o Renan. A ideia era cavalgar e
conhecer a fazenda, ver o gado que era tradicional da região e ir almoçar
fora em algum lugar bacana.
É claro que eu estava morrendo de medo de cavalgar. Eu nunca tinha
subido em um cavalo em toda a minha vida, mas demonstrei entusiasmo
quando o Renan sugeriu, afinal ele era fazendeiro e se o nosso
relacionamento desse certo eu acabaria me tornando também uma mulher do
campo.
E pela minha experiência das novelas colombianas, quase sempre
ocorridas em fazendas e lugares do campo, cavalgar não parecia ser tão
difícil.
Ele me pegou logo cedo. Estava lindo e perfumado, nem parecia que
tinha acordado de madrugada, ao contrário de mim que ainda estava
despertando e não tinha me arrumado direito por causa da hora. Não era
natural acordar antes do nascer do sol e eu estava exausta da minha semana
de dez dias. Mas o Renan estava lá, em pleno vigor, exalando masculinidade
as cinco da manhã.
– Não se preocupa que o pessoal tá preparando um café da manhã
reforçado lá na fazenda, você vai adorar, com cuscuz quentinho e leite tirado
direto da vaca.
– Hum parece mesmo ótimo. – Não sei quanto tempo depois de falar
isso eu dormi. Só sei que acordei com as porteiras da fazenda do Pontal da
Mata se abrindo para nossa entrada.
Ajeitei o cabelo e o rosto amassado no espelho do carro e me
preparei para aquele grande café da manhã em família. Eu estava bastante
confiante, eu era ótima com pais. Eles me adoravam. Mas claro que eu
queria impressionar, então ajeitei o cabelo o melhor que pude, coloquei um
pouco de blush nas bochechas e um batom de tom terracota.
– Alguém aqui está nervosa com o café?
– Não estou nervosa. – respondi rapidamente parecendo nervosa –
mas nunca é demais querer impressionar.
– Eles vão adorar você. Na verdade já te adoram.
Impossível, eles nem me conhecem.
– Quem vai estar aí mesmo?
– Os meus pais, já que eles moram aqui na fazenda. O meu irmão
veio e tem uns primos aí também pra te conhecer.
– Espera, ninguém falou em primos, isso tá parecendo uma festa. E
ainda nem são 8 da manhã!
– A família é assim. Quando tem uma novidade todo mundo quer
saber.
– No caso, eu sou a novidade? – perguntei espantada. – Acho bom
você ter boas intenções comigo, senhor fazendeiro, senão depois eu vou ficar
com a maior vergonha de ter conhecido esse pessoal todo.
Ele desceu do carro e abriu a porta pra mim.
– Não dá pra ver que as minhas intenções são as melhores? – beijou a
minha mão logo em seguida.
– Eu não sei como são os homens do interior – falei provocando –
Pode ser só um truque barato pra me conquistar mais rápido.
Ele deu uma gargalhada.
– Não sei, parece estar te assustando mais do que encantando esse
negócio de apresentar pra família. Tô começando a repensar se foi mesmo
uma boa ideia e se você vai dar no pé assim que o encontro acabar.
Olha só, ele também tinha inseguranças. Vulnerabilidade. Gosto
disso.
– Vamos ver.
Caminhamos até a entrada da casa, mais ao longe dava para ver o rio
e um deque onde algumas lanchas estavam ancoradas.
Entramos pela porta principal e a casa era bem antiga e original com
piso de madeira. Os vários empregados se moviam de um lado pro outro
levando os itens do café da manhã para a mesa da sala de jantar que já se
encontrava cheia de gente, me deixando um pouco retraída.
Mas o Renan me segurava pela mão e entrou na frente. Estava uma
barulheira por causa dos primos todos conversando. Na ponta da mesa estava
o pai dele com a mãe em pé servindo a comida direto no prato do homem.
Os outros se serviam e conversavam sem notar nossa presença.
– Ou! Ou peãozada! Querem começar o café sem mim? Eu trouxe
uma convidada.
Então todos se calaram e passaram a me observar por alguns
segundos. Me senti despida e intimidada, por algum motivo nem todos os
olhares eram amigáveis.
– Conheçam a minha namorada, a Larissa.
Ele me apresentou como sua namorada. Meu queixo quase caiu, mas
eu tentei retomar o controle das minhas emoções e não ia desmenti-lo na
frente de todas aquelas pessoas apesar da gente ainda não ter conversado
sobre namoro.
Eu sorri e acenei, seguido de um:
– Prazer em conhecer a todos, me disseram que o cuscuz de vocês é
ótimo!
– Vai ter que provar primeiro pra dizer. – falou a mãe dele, não muito
amigável.
– Seja bem-vinda, sente e pegue um prato. – falou o pai do Renan –
alguém dê um prato pra moça.
Sentei em uma cadeira que o Renan puxou pra mim. Ele sentou ao
meu lado e colocou um prato marrom de vidro na minha frente.
– Então vocês estão namorando? – falou o homem a minha frente,
bastante parecido com o Renan. Pensando bem, todos os primos se pareciam.
A mãe do Renan revirou os olhos e saiu pra buscar mais café, não
entendi o motivo dela antipatizar comigo antes de sequer nos conhecermos.
O que poderia ter deixado uma impressão ruim a meu respeito, será alguma
coisa que o Renan disse? Ou será a forma como eu estava me portando?
– É verdade que você é policial? – um dos primos perguntou.
– Calma, deixa ela comer. Eu não trouxe a Larissa pra cá pra vocês
ficarem interrogando não.
– E nem estou acostumada, geralmente sou eu quem faz as perguntas.
– falei sorrindo.
– Esse besta aí na sua frente é o meu irmão, a propósito, o nome dele
é Bruno.
– É mesmo? Eu achei ele o mais parecido com você até agora.
– É tudo parecido esses meninos, o sangue dessa família é forte. –
falou o pai lá na ponta, comendo com uma colher.
– Já você é mais bonita do que o meu irmão fez parecer.
– Era pra espantar a urubuzada em cima da minha mulher.
Mulher dele? Ah, eu tava me sentindo numa novela colombiana e
estava adorando.
– Eu sei é que ele tá exagerando pra impressionar. – falou um dos
primos, mas não de um jeito legal, parece que o nome dele era André – e a
moça é da polícia.
– Isso te preocupa de alguma forma? – falei e o clima no ambiente
pesou – Porque se não andou aprontando por aí, eu ser policial não deveria
ser um problema pra você.
– Num tô dizendo que é problema... – o André resmungou.
– Deixa pra lá, eles são tudo uns brucutu e depois que você prendeu o
peão, ficaram todos cismados. – justificou o Renan colocando um dos braços
ao meu redor.
– Vocês têm sorte de que aqui em Lourdes é muito tranquilo. – falei
tentando apaziguar – tirando briga de vizinho e roubo de galinha a polícia
quase não tem o que fazer.
Percebi alguns deles se entreolharem.
– É, a gente tem muita sorte. – resmungou um deles baixinho.
Tomei café da manhã rapidamente com a intenção de abreviar aquele
momento que seguia tenso, acho que estava sendo hostilizada por ser agente
de polícia, pelo visto prender o peão mexeu bastante com o ego daqueles
rapazes.
O resto da manhã se passou tranquila.
Cavalgar não foi tão fácil quanto parecia nas novelas, mas com a
ajuda do Renan se tornou uma experiência interessante, que eu não pretendia
repetir tão cedo. O animal era diferente de um carro, por óbvio, ele tinha
vontade própria e uma força difícil de controlar, apesar de se tratar de uma
égua mansa. Segundo ele.
O Renan foi um fofo o tempo inteiro, não que tenha se passado
despercebido todas as vezes que ele tentou se exibir com o cavalo pra me
impressionar. O gado era numeroso e bonito de ver. A fazenda era bem
cuidada e grande, com algumas casas menores espalhadas pelo terreno onde
moravam pessoas que trabalhavam na fazenda.
Depois do nosso passeio, eu estava suada e fedendo a cavalo, mas
como o Renan tinha me avisado, eu trouxe uma muda de roupa pra trocar e
fiz isso depois de um banho rápido no quarto dele.
Pronta e arrumada, o Renan tinha me prometido um almoço especial,
dessa vez só nós dois. Então foi uma surpresa quando eu sai da casa e ali no
gramado central estava um helicóptero.
– Você só pode estar de brincadeira. – falei admirada.
– Você já andou de helicóptero antes? – ele me perguntou, me
guiando até lá onde havia um piloto preparado para voar.
– É seu? – perguntei.
– Não, não, dessa vez é emprestado de um amigo. Vamos almoçar na
cidade, eu te prometi um almoço especial, lembra?
Olhei ao redor e algumas pessoas nos observavam, inclusive os pais
dele. A mãe claramente não aprovava, alguns dos primos também estavam
por ali em grupo conversando. Entrei com ele no helicóptero morrendo de
medo. Mas o Renan, sempre gentil, me equipou com o cinto de segurança e
o aparato para a viagem.
Quando decolamos percebi que o catamarã não estava ancorado na
fazenda, mas ainda haviam cerca de seis a oito barcos que deviam ser dos
primos, eu acho, já que apesar de simples a família parecia abastada
financeiramente.
– Tá com medo? – ouvi a voz do Renan pelos headsets.
– Você não? Porque não me falou que iriamos de helicóptero?
– Eu queria te fazer uma surpresa. Além de que é o jeito mais rápido
de chegar na cidade.
E ele estava certo. Em menos de vinte minutos nós chegamos na
capital, nos poupando uma viagem de duas horas pelas rodovias.
Desci do helicóptero do mesmo jeito que eu desci do cavalo, toda
rígida de tensão. Eu precisaria de um banho quente e uma massagem de spa
pra me recuperar daquele dia.
Ele me levou em um restaurante chique, onde tivemos um almoço
delicioso. O Renan se desculpou pelo comportamento da família e me
explicou que não sabia que eles agiriam assim.
– Acontece, nem todo mundo simpatiza com a polícia nesse país. –
falei – Acabam colocando todo mundo num mesmo saco por causa de alguns
policiais corruptos que existem por aí.
Antes da sobremesa eu pedi licença para ir ao banheiro, foi ali que o
dia começou a dar errado, pois lavando as mãos na pia estava ninguém
menos que a Mariana, a minha ex-chefe, ex-melhor amiga e atual noiva do
meu marido.
– Você por aqui? – ela se surpreendeu ao me encontrar então olhou
ao redor para ver com quem eu estava. – Bonito o seu acompanhante. –
então concluiu – Ah, o Danilo já se cansou de você... Até que foi rápido
dessa vez.
– Porque, você vai querer roubá-lo também? – desculpa, mas não deu
pra evitar a provocação.
Ela engoliu em seco, com a barriga ainda maior.
– Também não estou vendo o Rodrigo. – continuei debochada – Ele
ainda não voltou pra você depois que veio correndo até mim me implorando
pra voltar?
Ela ignorou a pergunta.
– Eu não tenho interesse nenhum no Danilo, nós somos muito amigos
pra isso. – ela rejeitou a ideia e eu fiquei desconfortável com essa amizade –
Foi por causa da nossa amizade que ele aceitou receber você na delegacia,
foi um favor pessoal. Ele sabia que eu não poderia mais lidar com você no
trabalho por causa do Rodrigo e foi um bom amigo e te recebeu, mesmo
sendo contra a sua política de trabalho. O Danilo odeia trabalhar com
mulher.
Ela revirou os olhos.
Então o Danilo sabia de tudo desde o começo. Sabia da traição, sabia
que a Mari estava com o Rodrigo e aceitou a minha transferência pra ajudar
a amiga.
– Foi um favor pessoal, mas pelo visto ele também se divertiu com
você, pelo menos até enjoar... – soltou o veneno – Mas apesar disso você
parece bem, já passou de um pro outro rapidinho. – ela me deu um tapinha
nas costas do qual eu me desvencilhei – Isso é bom, sinal de que está
superando rápido as coisas né...
– Eu nunca vou superar o que você fez comigo. – desculpa de novo,
dessa vez eu perdi a compostura, que vergonha. – é interessante como você
valoriza algumas amizades mais do que outras. A nossa claramente não
significou nada pra você...
– Você tem razão – falou séria – e eu não vou me desculpar por isso.
Pra mim sempre foi o Rodrigo em primeiro lugar, desde o começo.
Engoli em seco, mas não antes de terminar com ela.
– É, mas ele não parece estar com você agora. A verdade é que você
não conhece o homem que colocou acima de tudo na sua vida. Forçar uma
gravidez foi a pior coisa que você poderia ter feito pra segurar o Rodrigo, ele
odeia criança.
– Foi o suficiente pra tirar ele de você. – falou com triunfo, mas eu a
conhecia, ela estava insegura – Foi por causa do nosso bebê que ele te
deixou, para que pudéssemos formar uma família juntos e vai acontecer de
um jeito ou de outro.
– E durou quanto tempo? – questionei atônita – Outro dia ele viajou
até Lourdes só pra me pedir pra voltar. Ele pode até acabar com você, mas
quem garante que não vai ter outra assim como tinha você? A verdade é que
você nunca mais vai confiar nele porque já sabe que o Rodrigo é um traidor
e quem é assim, não trai só uma vez. Eu honestamente não quero que você
acabe tendo que criar essa criança sozinha, mas boa sorte, quem sabe uma
hora ele desiste de sair dessa gaiola em que você o colocou.
Ela se irritou.
– Não tenha pena de mim! A gaiola em que ele vivia era o seu
casamento!
– Mas será que era? Então por que até agora ele não entrou com o
pedido de divórcio? Deixa, não precisa responder, eu já deixei o meu amigo
esperando por tempo demais e você não vale a pena.
Então eu deixei ela lá. Satisfeita por ter ganhado uma briga? Sim.
Arrasada por descobrir que o Danilo sabia de tudo? Também. Mas consegui
abrir o sorriso e continuar o meu encontro com o Renan. Compactei toda a
confusão dentro de mim pra pensar nesse assunto em outro momento, depois
que chegasse em casa. Porque se eu parasse para refletir sobre o impacto de
tudo isso, começaria a chorar ali mesmo, no restaurante.
Não tem lua que faça você me amar
Não tem lua que faça você passar por mim
Não tem cheiro, nem flor
Nem perfume de amor
Não tem lua não, não tem lua
Não tem Lua, Asa de Águia

Depois de um telefonema e de receber no sistema da segurança


pública um mandado de prisão para autuar senti uma alegria que já não
sentia há tempos, o gosto pela profissão que tinha me sido tirado quando me
jogaram naquela cidade irritantemente sossegada. De imediato marquei uma
reunião com os meus agentes e pedi reforços a delegacia de Propriá.
– Através de uma ligação anônima há suspeitas de que um perigoso
traficante de drogas foragido se encontra escondido aqui na cidade de
Lourdes. – falei para os meus agentes, demorando o olhar um pouco mais
sobre a Lari, que não manteve nenhum contato visual comigo, pelo
contrário, parecia me evitar, chateada. – A polícia de São Paulo constatou
que ele tem família em Sergipe, aqui em Lourdes e a ligação anônima
confirmou a presença dele na casa de uma tia.
– Finalmente! – gritou o Marcão animado – um pouco de adrenalina
nessa porra!
– Calma Marcão – o repreendi, mas eu me sentia igualmente
animado – o cara é perigoso e está foragido há mais de dois anos, se o
encontrarmos vai ser muito bom pra nossa delegacia.
– Parece que alguém aqui já quer se aparecer... – a Lari comentou
baixinho, mas eu não deixei de ouvir.
– A operação vai acontecer amanhã de manhã e eu já solicitei
reforços da polícia militar e civil da cidade de Propriá. Quanto maior o
número de agentes envolvidos, menor a chance desse cara escapar pelas
beiradas, se é que ele já não está desconfiado de que foi denunciado, não
sabemos.
– Então vamos ter que tirar a nossa roupa tática do armário – falou o
Luan – a minha deve estar cheia de poeira.
– Eu quero todos concentrados aqui às quatro da manhã. Com o
nascer do sol partimos. O plano é simples. Invadir a casa, retirar o cara sem
necessidade de troca de tiros, de preferência, e entregar ele para a polícia de
Propriá, que vai transferir o cara para a capital, onde ele deve ser enviado de
avião de volta para São Paulo.
– Ele ainda ganha uma viagem com tudo pago pra São Paulo, olha
só. – Luan, é claro.
– Os meus agentes, no caso vocês, eu quero aqui amanhã as três e
meia para repassarmos o plano, menos a Larissa que está dispensada da
operação, entenderam?
– Eu só não entendi por qual motivo a Larissa está dispensada da
operação. – ela perguntou séria e eu me calei por alguns segundos.
Todos se calaram, afinal, eles não iam se meter nas minhas próprias
batalhas. Tem horas em que é cada um por si e essa era uma daquelas. A
Larissa me olhava séria, claramente chateada, por isso ou por outra coisa, eu
não sei.
Mas como dizer pra ela que eu não queria coloca-la em perigo?
Como dizer que eu não conseguiria lidar com o fato de que alguma coisa
poderia acontecer com ela? Ou então como dizer que eu não sei o que faria
se ela se ferisse ou se alguma coisa pior acontecesse? Bom, eu não poderia
dizer nenhuma dessas coisas, embora todas fossem verdade.
– Como dito, eu solicitei reforços da policia civil e militar de Propriá,
já temos muita gente nessa operação. A princesa adormecida não vai precisar
interromper o seu soninho de beleza da madrugada.
– “Como dito”... – ela repetiu a minha frase só pra me provocar –
eles são reforço. Nós somos a equipe principal e eu faço parte dessa
delegacia tanto quanto o Marcão, o Ari e o Luan. Tanto quanto você.
Ela estava certa e não havia nenhum motivo lógico para excluí-la da
operação, nada além dos meus sentimentos por essa garota irritante querendo
se expor ao perigo. Eu não sabia o que dizer para justificar a sua dispensa e
ela queria me provocar até me levar a este limite.
– Você acha que eu não sou tão boa quanto os outros, só porque sou
mulher?
– O quê? É claro que não! – Respondi por impulso perdendo uma
boa oportunidade de ser misógino e me aproveitar disso para protegê-la – Só
acho que já temos gente demais e por isso não precisamos de você.
Então ela se voltou para os rapazes que abaixaram o olhar, sem
querer se envolver.
– Foi só eu que ouvi ele dizer que quanto maior o número de agentes
envolvidos, menor a chance desse cara fugir? – ela continuou olhando pra
eles com as sobrancelhas erguidas. – Covardes! Vão ficar sem doces e bolos
por uma semana.
– Mas a gente não tem culpa! – falou o Luan.
– Sem apoio, sem lanche. – falou ousada como a mulher que eu
admirava por ser, o que me fazia temer ainda mais pela sua segurança. –
Amanhã a princesa adormecida vai estar aqui, as três e meia da manhã pra
repassar o plano com o resto de vocês.
Falou apontando para cada um deles antes de voltar furiosa para a
sala das interceptações telefônicas.
– Caramba, que tenso! – falou o Marcão – Você não dá conta dela
não chefão.
– A Larissa é um furacão, mas eu já sabia disso, dá pra ver nos olhos
dela. – Luan contribuiu.
– É Danilo... – o Ari deu uns tapinhas nas minhas costas – Você não
vai conseguir proteger ela desse jeito. Deixa ela na retaguarda, ou com
alguma função menos importante, mas tirar ela da operação não foi uma boa
ideia.
– Eu não pensei direito. – me justifiquei.
Eu não vinha pensando direito há alguns meses, desde que ela
chegou na minha delegacia e invadiu a minha vida com seu labrador
chocolate que a seguia para todo lado.
A noite passou rápido e adivinha quem não conseguiu dormir? Já
fazia um tempo que eu não participava de uma operação policial e eu não era
um homem livre de inseguranças apesar de parecer transbordar confiança o
tempo todo. Me dei conta da hora apenas quando vi o abajur da Larissa
acender.
Ela ia mesmo pra operação, não existia um motivo forte para que ela
não participasse, mesmo a contragosto.
Encontrei com os rapazes lá embaixo as três e meia da manhã,
conforme combinado. A Larissa estava lá, fardada com a roupa preta da
polícia, assim como os outros. O Raul tinha ficado no apartamento dormindo
o preguiçoso, aquele sim era um princeso.
Distribuí os coletes e abri com a minha chave o armário das armas.
Entreguei um fuzil para o Marcão e o outro para o Luan. Para o Ari e a Lari
uma nove milímetros devia bastar, era a mesma arma que eu levaria, sem
contar a minha arma no coldre da calça estilo militar.
Não tardou para que os carros dos parceiros de Propriá aparecessem.
Os caras já estavam preparados, armados até os dentes e cientes da missão
que teríamos pela frente. Cumprimentei o delegado da Regional de Propriá
que era um grande amigo e passamos o plano para o grupo que era formado
por 25 policiais, dez civis e quinze militares já preparados pra o tipo de
trabalho que a gente tinha pela frente.
Para a minha surpresa a Lari tinha impresso a foto do alvo da nossa
missão, o que facilitaria na hora de encontrar a pessoa certa. Eu estava
munido do mandado de prisão e das informações sobre a localização do
bandido. Ao nascer do sol sairíamos em comboio até o endereço que nos
tinha sido fornecido.
Tudo muito rápido, orquestrado e eficaz.
– Lari, você fica na retaguarda, me dando cobertura, do lado de fora,
entendeu?
Ela revirou os olhos pra mim.
– Eu sou o seu chefe aqui, porra! Entendeu ou não entendeu?
– Eu entendi, chefe. – falou aborrecida.
O sol começava a nascer quando um policial militar, com seu
material para arrombamento, um aríete e uma alavanca e um alicate, os
mesmos itens que eu tinha na mala do meu carro e que usara quando
resgatamos o Raul.
Com a porta arrombada o Marcão entrou na frente junto com outro
policial militar. Utilizei a minha lanterna para procurar o quarto onde o
foragido dormia, encontrando ele de pé, assustado com as mãos na cabeça.
Na certa tinha acordado com um carinho do Marcão direto na cara.
– Não deixa marcas, Marcão. Ele ainda vai passar pelo IML, porra!
Por sorte não vai ser dentro de um saco.
Mostrei o mandado e o algemei com ignorância. A adrenalina estava
lá em cima.
O resto da casa também acordou com a nossa movimentação,
fazendo com que a tia, o marido e os sobrinhos levantassem e viessem
intervir fazendo bagunça na nossa operação, enquanto eu conduzia o
bandido foragido em direção a rua, onde a Larissa estava me esperando. Ela
tinha obedecido apesar da cara furiosa e apontava a arma para nós quando
saímos.
– Se tentar alguma gracinha eu mando bala. – ela falou e o cara
estremeceu. Eu também, mas de formas diferente, tenho certeza.
Aos poucos a família foi saindo da casa e gritando absurdos sobre a
polícia e a prisão do cara, o que foi atraindo a atenção dos vizinhos que
aquela hora da manhã foram aparecendo na porta, tornando maior o volume
de pessoas na rua.
Empurrei, ou melhor, guiei o cidadão até o carro em que ele seria
levado para Propriá, enquanto a família fazia de tudo para evitar aquela
prisão.
– Meu sobrinho é inocente! Vocês não podem levar ele daqui.
– Nós temos um mandado, senhora. – falou o Ari mostrando o
mandado para a mulher sem que ela pegasse no documento que legitimava
toda a nossa operação.
– Eu vou ligar pra um advogado. – a mulher falou.
– Você está no seu direito, mas ele vai ser levado de toda forma.
A bagunça estava aumentando. Enquanto alguns policiais revistavam
a casa em busca de drogas ou armas, outros tentavam conter a curiosidade
dos vizinhos e a animosidade da família do meliante.
– Vamos acabar com essa putaria, senão eu levo todo mundo junto
com ele, porra! – falei já incomodado com a família – Quer chamar
advogado? Chame, mas vai ter que encontrar com ele em São Paulo, que é
pra onde ele vai.
De dentro o Marcão chegou com uma doze milímetros, para a
surpresa da família.
– Olha aqui o que o seu sobrinho inocente tinha dentro do quarto. –
falei pra família, surpresa.
Bem neste momento, por algum defeito no travamento das portas, o
bandido foragido conseguiu abrir a porta e tentou sair do carro, só para
encontrar o punho da Lari na sua cara, o derrubando de volta pra dentro do
carro em um nocaute que me deixou admirado.
Olhei pra Lari que só então me correspondeu com deboche.
– Parece que eu não sou tão irrelevante assim, não é?
– Eu nunca disse que era. – falei me rendendo e a família também
pareceu se assustar – vou incluir no relatório que houve tentativa de fuga,
mas que ele foi detido pela senhora.
– É o mínimo que você pode fazer. – então ela passou por mim
pisando com força no meu pé antes de ir falar com os meninos.
Não urrei de dor porque estava em público, mas posso jurar que ela
pisou no meu pé de propósito, o que não seria nada se ela não estivesse
usando aqueles coturnos pesados próprios para operações especiais.
Talvez eu precisasse tirar um raio x depois que tudo aquilo acabasse.
Assim foi aquela manhã e nós já estávamos exaustos. A polícia de
Propriá levou o cara para a cidade, conforme o planejado e após uma perícia
no IML ele embarcaria em um vôo para São Paulo, onde seria encaminhado
para uma penitenciária onde cumpriria a sua pena, já que até o momento da
fuga ele respondia pelos crimes em liberdade.
Ao chegar na delegacia dei de cara com o fazendeiro da Larissa
esperando por ela em uma Land Rover. Senti raiva e inveja dele ao vê-la
disparar em seus braços seguida de um beijo que me deu vontade de vomitar.
– O que faz aqui? – ela perguntou.
– Soube que você estava em uma operação policial e vim saber se
estava tudo bem. Quem vocês prenderam?
– Um bandido foragido de São Paulo, não era ninguém importante e
nem da região – ela falou – Lourdes continua sendo um lugar parado e
seguro.
Ele riu. Mas percebi preocupação e seu olhar desviou ao cruzar com
o meu.
– Vamos lá, café da manhã no Portal do rio, por minha conta! – falei
para a equipe.
– Agora sim! – falou o Marcão – depois de uma manhã dessas bora
tomar um café gostoso, principalmente agora que a Lari deixou a gente de
castigo.
Falou ao passar por ela, já sem as armas.
– Vem tomar café da manhã com a gente. – a Lari chamou, pra o meu
desprazer.
– Não dá, eu tenho que voltar, tem muito trabalho na fazenda.
Ou ele não queria sair num rolê com um monte de policiais, pensei.
Eu já não gostava desse cara de graça, pelo simples fato dele estar saindo
com a Larissa, mas a falta de interesse em nos acompanhar também me
deixou intrigado.
– Ah que pena. Queria que você conhecesse os meninos.
– Vai ter que ficar pra outra vez, minha linda. – como eu odiava esse
cara, então ele abriu a porta do Land Rover – Mas te vejo amanhã, vamos
almoçar, combinado?
– Desde que não envolva nenhuma outra viagem de helicóptero, tá
combinado.
Helicóptero? Que história é essa?
Seu olhar passou rapidamente por mim antes de dar a partida no
carro quando a Larissa mencionou o helicóptero, sua expressão mudou,
como se ele não tivesse gostado do comentário.
– Nunca mais, eu prometo. Agora eu tenho mesmo que ir. Só queria
saber se você estava bem.
– Como pode ver, eu estou ótima. – e deu uma voltinha para que ele
olhasse o que me causou irritação imediata.
Ela estava agindo feito uma boba. E não era por minha causa.
A Larissa deu um último beijo antes que ele se fosse e veio em minha
direção, quer dizer, na direção da delegacia.
– Vocês estão namorando por acaso? – perguntei irritado.
– Acho que a minha vida pessoal não é da sua conta. – foi o que ela
me respondeu antes de entrar. Hostil. Alguma coisa havia mudado e não era
por causa do que aconteceu ontem a noite, ela já estava assim antes, há
alguns dias e eu não sabia o motivo já que estávamos nos dando bem até
então. – Você devia cuidar desse pé, está mancando.
Ah, desgraçada.
Teu corpo combina com meu jeito
Nós dois fomos feitos muito pra nós dois
Não valem dramáticos efeitos
Mas o que está depois
Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas do rancor
Lutemos mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor
Nosso estranho amor, Caetano Veloso

As últimas semanas tem sido muito intensas por aqui.


Depois da operação policial eu passei a ver o Renan quase todos os
dias. Ele sempre vinha almoçar ou jantar comigo na cidade o que eu estava
adorando. Ele me tratava bem e era sempre tão legal e gentil que eu estava
me deixando levar e gostando da sua companhia.
Ele também era muito curioso sobre o meu trabalho, por um lado
parecia excitado com o perigo e por outro, preocupado com o que poderia
acontecer em um trabalho de risco como esse, apesar de não acontecerem
muitas operações policiais com frequência por ali.
Mas nós ainda não tínhamos dormido juntos.
O Danilo tinha se instalado definitivamente ali no meu sofá. Quer
dizer, o sofá era dele, mas isso não dava a ele o direito de ficar ali em
definitivo, sabendo que agora aquela era a minha casa. Mas ele não se
importava. Comia da minha comida, assistia as minhas novelas, passeava
com o meu cachorro.
O Raul adorava ele.
Enquanto eu o odiava desde que soube pela Mariana que ele sabia
tudo sobre as circunstâncias da minha transferência, principalmente sobre o
caso antigo dela com o meu marido. O Danilo tinha sido um falso comigo
todas as vezes que desabafei sobre a minha dor, fingindo que não sabia de
nada e isso era o que mais me doía, porque fora aqueles momentos que mais
nos aproximaram e agora eu vejo que era tudo mentira.
Eu só queria que ele saísse dali e voltasse para o apartamento dele na
cidade, que deveria ser dez vezes melhor do que aquele. Mas ele parecia
acomodado. Era ótimo morar há alguns metros do trabalho.
Na delegacia eu ouvia muitas conversas aleatórias nas interceptações
telefônicas. Era incrível como em uma era de whatsapp ainda se preferissem
ligações telefônicas.
Uma coisa que me intrigava era um cidadão chamado Braulio.
Havia bastante conversa sobre ele em algumas ligações telefônicas,
mas quando eu fazia uma busca no sistema da polícia não encontrava
ninguém com esse nome natural dessa cidade. Talvez ele fosse algum
forasteiro, assim como eu, que se viu obrigado a morar em Lourdes. O
importante é que eu estava cada vez mais curiosa sobre ele.
Como não havia nada sólido eu não tinha reportado nada ao Danilo.
Era apenas uma curiosidade e eu ainda estava chateada com ele e evitava ao
máximo ter que conversar sobre qualquer motivo, então eu só falaria se
achasse algo suspeito o bastante, o que ainda não era o caso.
Mas o Bráulio era sempre notícia nas ligações. Vários comentários
aleatórios eram feitos sobre ele no meio de conversas ocasionais, como
“Bráulio está se preparando pra o próximo projeto”, “O Bráulio me deu uma
bronca depois do último trabalho”, “Bráulio gosta de precisão nos detalhes,
vamos ser mais cuidadosos”.
Parecia papo de escritório o que seria normal, se eu não estivesse em
Lourdes e não existisse nenhum Bráulio conhecido.
Mas deixa o Bráulio pra lá, o que importa era que deixando o
Danilindo de lado, eu estava tendo uma ótima fase com o Renan, só não
tinha mais voltado na fazenda, sempre ele que vinha até mim, o que não era
ruim, já que a fazenda era longe e a família dele não era exatamente minha
fã.
As minhas irmãs estavam animadas com esse “namoro”, embora ele
nunca tivesse feito um pedido oficial, a gente se via com tanta frequência
que parecia mesmo que estávamos namorando, exceto pela falta de sexo, que
eu culpava exclusivamente o Danilo por isso, já que a sua presença me
impedia de chamar o Renan para subir pro apartamento.
Berenice: Vão pra um motel!
Larissa: Não é assim tão simples. Eu não posso dizer pra ele “Ei, e
se a gente for num motel? ” A gente nunca transou antes, seria uma manobra
arriscada.
Evelyn: É, não tem nada a ver com você isso. É mais a cara da
Berenice.
Berenice: É que vocês tornam difíceis coisas que pra mim são bem
simples.
Larissa: Mas ele poderia ter essa iniciativa, eu não entendo por que
ele não teve ainda. Será que não está atraído por mim dessa maneira?
Evelyn: Deixa de besteira, ele sai da fazenda todo dia pra te ver, é
claro que ele está totalmente na sua.
Berenice: Mas se essa falta de atitude dele está te incomodando faz
alguma coisa.
Larissa: Como o quê?
Berenice: Sei lá, expulsa o Danilo. Já tá mais do que na hora dele
voltar pra casa na cidade.
Larissa: Nem me fala. Parece que ele está lá de propósito só pra me
incomodar...
Evelyn: Ou pra você não levar o Renan pro apartamento!
Larissa: Você acha? Eu não iria tão longe.
Evelyn: Do Danilindo eu espero tudo. Ele não é como os outros.
Berenice: Tá, mas o Dani já era, certo? Tem certeza que você não
pode perdoar ele e seguir em frente?
Larissa: Não, o que ele fez comigo foi traição de alto nível. Ele
sabia de tudo e fingiu não saber de nada.
Berenice: Mas você tem essa certeza por causa de uma coisa que a
Mari disse e sabemos que ELA é que não é de confiança.
Larissa: Não tem como, eles são amigos. Ele devia saber.
Evelyn: Tudo depende de quão amigos eles eram e quão interessado
ele poderia ser na vida dela.
Berenice: E eu acho que o Dani não é do tipo que bate papinho no
telefone sobre casinhos de amor.
Larissa: Você nem conhece ele. No fundo o Danilo é um alcoviteiro.
Ele assiste a todas as minhas novelas e ainda gosta.
Evelyn: Você encontrou um homem que gosta das suas novelas e tá
aí fazendo corpo mole por causa de uma traidora feito a Mariana?
Larissa: Agora eu tenho o Renan, esqueceu?
Berenice: O Renan que nem transa com você, ele é um frouxo.
Larissa: Não, ele deve estar planejando alguma coisa pra nossa
primeira vez. Ele não vai querer me levar pra um motel nojento de estrada,
ele não é assim.
Evelyn: Então você vai ter que esperar pra ver o que acontece.
Berenice: E o carro? O carro é um bom lugar!
Larissa: Mas não pra uma primeira vez! Lembre, ele me levou de
catamarã pro nosso primeiro jantar, de helicóptero para um passeio. Ele não
vai fazer isso comigo no carro.
Berenice: Então desisto. Vai ver ele escolheu esperar.
Evelyn: Seria hilário se ele for um desses.
Larissa: Ah, calem a boca. Vocês não conhecem o Renan, eu sim.
Vai rolar, vocês vão ver.
Berenice: Tá, então quando finalmente rolar, se rolar, depois você
volta aqui e conta tudo.
Larissa: Isso jamais. Sem detalhes.
Evelyn: seria esquisito. Só fala se aconteceu ou não e já está bom.
Então rolando o feed de notícias do celular eu vi que houve outro
assalto a banco em uma cidade próxima, achei por bem avisar ao Danilo, se
é que ele já não estava sabendo, já que ele estava obcecado com esses
assaltos.
Fui até a sala dele, mas estava vazia com o computador ligado.
Experimentei sentar na sua cadeira e ver sobre o que ele estava pesquisando
e não gostei do que vi.
Abertas estavam várias abas com buscas sobre o Renan Medeiros,
meu provável namorado. Comecei a olhar uma a uma. Curriculo Lattes,
páginas do facebook, instagram, linkedin, sem contar uma busca no sistema
da polícia sobre os seus antecedentes e por multas no detran, ainda sem
resultados.
Não tardou para que o Danilo abrisse a porta do banheiro e desse
comigo vasculhando o seu computador.
– O que você está fazendo na minha mesa?
– Porque você está investigando o meu namorado? – falei brava me
levantando.
– Vocês estão namorando? – o Danilo parecia chocado.
– Claro, que porra você acha que a gente está fazendo?
– Sinceramente não sei e prefiro não saber, como você mesma disse,
sua vida privada não é da minha conta, mesmo que a gente divida um
apartamento.
– Mesmo que eu seja forçada a conviver com você em um
apartamento, acho que é o que você quer dizer.
– Está incomodada porque eu estou frequentando o MEU loft?
Me acanhei. Ele estava certo. Talvez fosse a hora de eu sair daquele
lugar.
– Talvez seja a hora de eu procurar outro lugar pra morar. – falei
irritada – Vou me mudar!
– Vai morar na fazenda com o seu namorado?
– E se for?
– Vai fazer uma viagem em estrada de terra pra vir pro trabalho todos
os dias.
– Talvez valha a pena!
– Porque que você tá tão zangada comigo eim? Você quase quebrou o
meu pé outro dia, sabia disso?
– Vai ver você merecia, por ser esse falso e mentiroso!
– O quê? Qual a razão de tudo isso, você não é do tipo que faz
agressões gratuitas...
– Gratuitas? Danilo, a Mariana me contou tudo! Ela me disse que
você sabia sobre o relacionamento dela com o meu marido. Um
relacionamento de anos, diga-se de passagem. E você o tempo todo aqui
fingindo que não e se aproveitando da minha vulnerabilidade.
– E de todas as pessoas você vai acreditar logo na Mariana, a amante
do seu marido?
– Você são amigos de longa data!
– Somos sim, nos conhecemos na academia de polícia, o que não
quer dizer que eu saiba detalhes da vida dela. Eu devia a ela um favor e só
isso. Ela usou esse favor pra transferir você.
– Mas você sabia de tudo. – acusei.
– Não, eu já disse que não sabia de nada, mas você prefere acreditar
na melhor amiga que te traiu do que em mim, o homem que..., o homem
que...
– O homem que o quê, Danilo? Você nem consegue dizer, né...
– Pra quê falar se você não acredita em nada que eu digo.
Eu não ia continuar ali discutindo com ele. Ainda não sentia
segurança nas suas respostas, mas foi o bastante para colocar a palavra da
Mariana em dúvida. Afinal, ela não era uma testemunha confiável.
– Vai trabalhar! – ele esbravejou com as mão sobre a mesa, chateado
pela minha falta de fé nele ou talvez por não conseguir se expressar tão bem
quanto gostaria, vai saber.
– Para de investigar o meu namorado! – e saí da sala dele batendo a
porta.
Hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito
Nem que seja só pra te levar pra casa
Depois de um dia normal
Olhar teus olhos de promessas fáceis
E te beijar a boca de um jeito que te faça rir
Que te faça rir
Só Hoje, Jota Quest
Larissa
Cheguei em casa irritada pelo dia que passou, por sorte iria ver o
Renan logo e isso melhoraria o meu dia. Tratei de me arrumar e me preparar
para o encontro daquela noite, coloquei uma calcinha especial e torci para
que aquela fosse a minha noite de sorte.
Ouvi o som da porta abrir e percebi que provavelmente era o Danilo
chegando. Fui até a grade do quarto e olhei pra baixo para ouvi-lo perguntar:
– Cadê o Raul?
– O quê? Achei que você estava passeando com ele!
Danilo
Percebi o pânico surgir no rosto da Larissa no momento em que ela
percebeu que o Raul não estava em casa, afinal ele a seguia por todo lugar,
exceto quando estava comigo.
– Será que ele ficou preso na delegacia?
– Impossível, eu acabei de sair de lá.
Ela foi descendo devagarzinho as escadas, em choque.
Larissa
Meu Deus, eu perdi o Raul! Comecei a olhar feito uma doida pelo
apartamento, olhando em lugares impossíveis como atrás do sofá ou debaixo
das cortinas. O Raul jamais caberia ali dentro.
Desci desnorteada as escadas com o Danilo logo atrás de mim. A
delegacia estava fechada, com apenas uma pequena equipe de plantão. Dois
policiais velhos que cobriam o turno da noite.
Vasculhei cada espaço para constatar o que o Danilo já tinha me dito.
Danilo
– Ele não está aqui. Eu te falei.
– Então onde ele está? – ela me perguntou desesperada.
– Até que horas você lembra de estar com ele?
– O tempo todo! Ele sempre está comigo, sempre!
– As câmeras! – lembrei, entrando na sala onde ela ouvia as
interceptações telefônicas e olhando nas televisões. Só que já era noite e a
imagem já não era tão nítida, peguei o celular e liguei pro Marcão – Temos
uma emergência, vem pra delegacia agora! Avise os outros.
Larissa
– Ai meu Deus, pra quem que eu deveria ligar num caso desses? Pra
polícia? Mas nós somos a polícia! Pros bombeiros?
– Os bombeiros não atendem esse tipo de chamado, não se ele não
estiver preso em algum lugar alto ou perigoso.
– Nem brinca com isso – falei chorosa – como eu fui perder o Raul,
logo o Raul, a pessoa que eu mais amo nesse mundo.
Danilo
– Ele não é uma pessoa. – ela me olhou atravessado enquanto eu
pensava no que fazer.
Fui até a frente da delegacia onde encontrei com a minha equipe.
Atrás de mim vinha a Larissa falando com alguém no telefone.
– Eu perdi ele, perdi o Raul. – falou pra quem quer que fosse.
– Vamos lá, preciso que cada um de vocês façam uma varredura pela
cidade, vamos encontrar o Raul hoje a noite a qualquer custo, entenderam?
– Ai meu Deuzinho, o Raul está perdido? – o Luan falou.
– Está e não sabemos desde quando. Alguém se lembra de ter visto
ele sair da delegacia?
– Mais cedo veio uma mãe com uma criança prestar queixa aqui na
delegacia, a criança estava brincando com o Raul, ele pode ter seguido ela
depois que foram embora. – falou o Marcão.
– Que horas foi isso? – perguntei preocupado, quanto mais o tempo
passava mais eu me preocupava com o cachorro. Temia que ele pudesse se
perder ou ser atropelado.
– Não sei, acho que umas cinco e meia da tarde...
– Tá, uma hora atrás, agora ele já pode estar em qualquer lugar.
Marcão, olha o endereço da senhora que veio prestar queixa, ela pode estar
com o Raul. Ari e Luan, deem uma volta de carro pela cidade, separados e
me deem notícias.
Voltei para a sala da interceptação e foquei na câmera que ficava em
frente a delegacia. Voltei a gravação até a hora em que a mãe tinha saído
com a criança, vendo o Raul escapulir alegre enquanto brincava com a
menina.
Larissa
Vi o Danilo sair com o Marcão em busca do Raul. Ele mandou que
eu ficasse ali para o caso do meu cachorro teimoso voltar, já que ele
conhecia um pouco da cidade por causa dos passeios com o Danilo.
Ficar parada e esperar é a última coisa que você quer fazer quando
alguma coisa grave está acontecendo, por isso eu liguei para o Renan, que
estava vindo jantar comigo e ele acionou toda a fazenda, para trazer todos
para a cidade pra procurar pelo Raul.
Até os caras que não tinham gostado de mim foram recrutados para
procurar pelo meu cachorro. O Bruno, o irmão do Renan, o André, o Ulisses,
o Lucas, o Ian e o Orlando, todos eles em suas motos estavam vindo pra
cidade pra me ajudar. Claro, que por ordens do Renan, mas pra mim não
importava, desde que o Raul fosse encontrado.
Tanta coisa poderia acontecer. Ele poderia ir em direção a alguma
área rural e ser raptado. Na verdade ele poderia ser roubado em qualquer
lugar, o Raul era muito bonito e mansinho, ele sempre gostava de todo
mundo.
Mas como que eu não percebi que ele não estava mais comigo?
Eu estava tão no mundo da lua assim que não tinha notado que ele
tinha sumido? O Raul é o que eu tenho de mais importante na vida, eu o amo
como se fosse um filho.
Comecei a chorar e não consegui parar até que o Renan chegou e me
abraçou, enxugando as minhas lágrimas.
– Não fica assim, minha linda, tem muita gente procurando por ele
agora, logo o Raul vai ser encontrado.
– E se ele for atropelado? Ele é tão bobo, não tá acostumado a andar
sozinho.
– Isso não vai acontecer, as pessoas aqui estão acostumadas a
encontrar animais na pista, elas tomam cuidado.
Eu sei que ele falou isso só pra me consolar, mas me trouxe conforto.
– Eu coloquei toda a minha equipe com esse objetivo, fica tranquila,
vai dar certo.
Danilo
Depois que identifiquei o endereço da senhora e vi que o Raul tinha
seguido a criança foi mais fácil começar a procurar. Coloquei o Marcão
dentro do carro comigo e seguimos em direção aquele endereço.
Não encontramos o Raul pelo caminho, o que me preocupou. Mas
quando chegamos na casa da senhora e eu bati no portão, senti o alívio
imediato ao ouvir os latidos do Raul que me lambia do outro lado da grade.
Não tardou até que a dona da casa aparecesse.
– Tá tudo bem, Dr. Danilo? – falou meio desconfiada, pegando as
chaves para abrir o portão.
– O que você acha? Acha que eu estaria aqui se estivesse tudo bem?
Ela abriu o portão e o Raul pulou em cima de mim todo feliz.
– É por causa do cachorro? – perguntou temerosa.
– Esse cachorro não é seu pra estar aqui na sua casa. – falei
rudemente – Eu poderia prendê-la em flagrante por furto!
– Mas eu não roubei o cachorro, ele veio seguindo a Valentina, achei
que era de rua, mas era bonito, ela pediu pra ficar... não sabia que era de
vocês.
– Esse cachorro é da minha agente e ela ficou muito preocupada que
ele estivesse perdido.
– Pode levar doutor, mas não me prende não, eu não sabia!
O Marcão colocou a mão no meu ombro e me acalmou.
– Deixa pra lá Danilo, o importante era encontrar o cachorro e você
já achou.
Ele estava certo. Mas eu estava com raiva.
– Eu vou deixar passar dessa vez, mas o que a senhora fez é crime e
dá de um a quatro anos de prisão!
Colocamos o danado do Raul dentro do carro e partimos de volta pra
delegacia. Enquanto isso o Marcão ia avisando aos outros que já poderiam
acabar com a busca, que nós havíamos encontrado o danado.
Larissa
Quando o Danilo parou o carro em frente a delegacia e abriu a porta
o Raul pulou com tudo em cima de mim me derrubando no chão, eu quase
tive um ataque cardíaco, mas um ataque de alegria, de alívio.
Eu abracei o sonso do meu cachorro com tanta força que o coitado
quase fugiu de mim de novo. Segurei na coleira dele e abracei o Danilo lhe
causando surpresa. De todas as pessoas na busca ele era a mais capaz e a
única que tinha encontrado. Seu treinamento como delegado lhe deu a
inteligência necessária para seguir as pistas que eu estava cega demais pelo
desespero para seguir.
– Você encontrou o Raul, de novo! – falei chorando em seus braços
deixando o Renan um pouco constrangido.
Percebi ele se afastar com o telefone, acho que pra avisar pra os
parentes que o Raul tinha sido encontrado.
– Eu sempre estou aqui pra você, você sabe disso. – ele falou
baixinho e eu continuei chorando enquanto o abraçava apertado.
– Você sabe o quanto ele é importante pra mim. Ele é tudo.
– Eu sei sim. Por isso não pude deixar você passar mais nenhuma
noite sem ele.
Quando o Renan se aproximou nós nos afastamos
– Eu já liguei pro pessoal encerrar as buscas.
– Obrigada, Renan, você é o máximo. – pros meninos eu falei – o
Renan colocou toda a equipe dele na busca pelo Raul.
– Equipe de quê? – o Danilo perguntou.
– A peãozada da fazenda, uns parentes, equipe é modo de falar.
– Claro. – o Danilo assentiu condescendente.
– Eu acho melhor ir agora – o Renan falou – acho que já foram
muitas emoções por hoje, você deve querer descansar e curtir um pouco o
seu cachorro.
– Sim, é tudo que eu mais quero. Preciso ter uma conversa séria com
esse fujão.
Danilo
O namorado da Larissa não tardou em ir embora, me deixando com
uma pulga atrás da orelha. Uma vez que o Raul estava bem, todos foram
dispensados e um a um foram indo pra casa.
Só eu fiquei e subi com ela pro apartamento.
– Que tal uma pizza? – sugeri.
– Não esquece de pedir a cerveja.
Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir
Encontros e Despedidas, Maria Rita

Havia algo errado acontecendo, eu podia sentir no ar.


Poderia até soar como ciúmes, implicância por ele estar com a garota
que eu queria, mas algo não me cheirava bem quando o assunto era o Renan,
o tal namorado da Larissa. Primeiro, ele e sua família vivia reclusa na
fazenda em que moravam, eram conhecidos na cidade, mas as pessoas
tinham pouco a falar sobre eles ou evitavam comentar o assunto.
Segundo, porque ao seguir uma pista sugerida pela própria Larissa
averiguei que a maioria dos registros de embarcações da cidade de Lourdes
estava em nome de pessoas da família dele. Eu poderia estar seguindo uma
pista errada com base em uma implicância pessoal? Poderia. Mas isso não
me impediria de investigar.
Antes de sair em viagem comprei um GPS e inseri discretamente na
coleira do Raul, assim eu poderia acompanhar do celular aquele sem
vergonha e ele nunca mais fugiria, o melhor é que a bateria do GPS durava
semanas até precisar recarregar.
Assim eu poderia ficar mais tranquilo.
Então comecei uma investigação por conta própria. Fiz o
levantamento de todos os municípios que tinham sofrido assaltos a banco
nos últimos seis meses e fui em cada um deles procurar por pistas.
Apesar de me manter em movimento e dos últimos acontecimentos,
nada tirava da minha cabeça as coisas que a Lari tinha me falado da última
vez que nós conversamos. Ela me acusou de traí-la por causa de algo que a
Mariana disse.
Como ela poderia ainda confiar em alguma palavra do que a Mari
dizia depois de tudo o que ela já lhe fez? E como poderia não confiar em
mim?
Logo em mim, o homem que matava e morria por ela.
Sim, depois de tanto lutar contra, eu tinha finalmente aceitado os
meus sentimentos pela Larissa, eu estava mesmo apaixonado por ela e
sofrendo feito um corno pelo fato dela estar namorando o fazendeiro.
Mas tudo estava prestes a mudar, nos dias que fiquei afastado eu
decidi que vou contar para a Larissa como realmente me sinto. Até agora eu
não tinha conseguido dizer por orgulho, medo ou insegurança, mas a
verdade é que eu a amo e ela precisa saber disso caso também sinta algo por
mim.
Bem essa é a aposta de toda a delegacia. Os caras acham que ela
sente o mesmo e eu também acho que ela sente algo, mas que não tem
coragem de confrontar esse sentimento, senão nós não teríamos tido aquelas
duas noites juntos. A Larissa não faz o estilo “sexo casual”, então deve ter
significado tanto pra ela, quanto pra mim.
Dessa forma, decidido a me confessar quando voltasse, continuei a
minha investigação. Já faziam alguns dias que eu não aparecia na delegacia
ou no loft. Investiguei sobre os veículos que haviam sido roubados nas
noites dos assaltos, passei dias em cartórios investigando os imóveis, casas e
fazendas que margeavam o rio nas cidades assaltadas, chegando a algumas
conclusões interessantes.
Havia um padrão em todos os assaltos. Todos eram realizados a
noite, em cidades pequenas que ficavam as margens do Rio São Francisco,
com a exceção de Lourdes onde as agências bancárias seguiam intocadas.
Será que era porque o quartel general da quadrilha não queria
levantar suspeitas sobre o local?
No quarto dia de investigações e já com algumas conclusões sobre o
caso eu resolvi voltar pra Lourdes. O plano era elaborar um relatório bem
sólido com todo o material que eu recolhi e apelar mais uma vez para a Juíza
de Propriá para que ela autorizasse um mandado de busca e apreensão que
com certeza nos levariam a provas dos crimes.
Eu tinha um suspeito. Eu tinha entendido toda a forma da quadrilha
agir e agora só precisava de autorização para seguir adiante. Com esse
relatório seria impossível não conseguir um mandado para trabalhar
formalmente no caso e assim prender todos os suspeitos.
Eu estava bastante satisfeito comigo mesmo.
Naquele dia cheguei a delegacia animado. Não passei no loft, fui
direto para a minha sala depois de cumprimentar a equipe. Assim que
sentasse na minha cadeira começaria os pedidos formais via sistema para
trabalhar no caso.
Bastante envolvido com o relatório, mal percebi quando alguém
entrou na minha sala sem ser anunciada. Era a advogada Letícia que
costumava me visitar de vez em quando. Ela era muito bonita, seus cabelos
loiros eram lisos e cumpridos e eu tinha várias lembranças dela naquele sofá.
– Doutora Letícia, o que faz aqui? – perguntei surpreso.
– Não está feliz em me vez, Danilo? Já tem um tempo que a gente
não se encontra. – falou já tirando o blazer e folgando a camisa. Me levantei
para contê-la.
– Acho melhor a gente parar por aqui, Letícia. – falei lhe entregando
o seu blazer.
– Hum... quando foi que você deu pra se fazer de difícil eim... – falou
colocando as mãos ao redor do meu pescoço e me puxando pra perto de si –
Você sempre adorou as minha visitas.
Então ela me beijou e continuou abrindo os botões da própria blusa.
Eu a afastei.
– Acontece que algumas coisas mudaram desde a última vez.
– Ah é? Você está namorando por acaso? – ela riu, afinal todas elas
sabiam que eu não namorava. E voltou a beijar o meu pescoço já com a
blusa toda aberta. Ela usava um sutiã de renda azul, muito bonito, mas eu a
afastei novamente.
– Acho melhor você ir embora, Letícia. Eu estou no meio do trabalho
e envolvido com algo grande.
– Até parece que tem alguma coisa grande nessa cidade além do
seu...
Foi nesse momento que depois de uma batida discreta a Larissa abriu
a porta da minha sala e seus olhos se arregalaram.
Assim como os meus. A última coisa que eu precisava naquele
momento era que ela achasse que eu estava me pegando com aquela
advogada.
– Desculpa, eu volto em outra hora. – falou antes de fechar a porta.
– Já chega Letícia, já está na sua hora, melhor você ir – falei abrupto,
chegando a ser grosseiro.
– Tem alguma coisa que eu deveria saber? – ela perguntou ainda
surpresa pelo meu comportamento.
– Você já não é mais bem vinda aqui e nosso caso acabou, será que
você pode ir embora agora?
Coloquei as mãos na cabeça angustiado. Agora a Larissa nunca mais
acreditaria que eu tinha mudado e que eu a amava. Ela ia achar que eu estava
envolvido com a Letícia e não ia me dar nenhuma credibilidade quando eu
confessasse que a amava, como eu estava planejando fazer ainda naquela
noite.
– Desculpa, eu não sabia que você estava envolvido com outra
pessoa. – ela falou recolhendo as suas coisas. Eu abri a porta e a mantive
assim até que a Letícia saísse. – Você deveria ter dito alguma coisa.
Como se eu não tivesse tentado.
– Vai pela sombra Letícia. – falei puto da vida e bati a porta com a
sua saída, mas logo depois fui até a secretaria.
– Porque ninguém me avisou que ela estava aqui?
Eu estava puto de raiva e os rapazes perceberam que eu não estava
pra brincadeira.
– Foi mal, mas ela foi logo entrando, nem deu tempo de falar nada. –
o Marcão justificou.
Coloquei as mãos sobre a cabeça e rodei na sala, a Larissa não estava
ali, na certa tinha voltado pra sala de interceptação telefônica.
– A Larissa – comecei a falar antes de apertar os olhos furioso – a
Larissa viu a garota na minha sala.
– Ai meu Deuzinho, isso não é bom. – falou o Luan. – então foi por
isso que ela saiu em disparada sem falar nenhuma palavra!
– Que inferno! Isso é péssimo. – falei furioso – Pra onde ela foi?
– Acho que pro apartamento, o Raul foi com ela. – o Ari finalmente
abriu a boca pra falar.
Masoquista do amor
No romance, um terror
Nunca dá certo
Comigo nunca dá certo
É que o amor machuca demais
Ninguém me avisou
Que o coração doía tanto
Doía tanto
O Amor Machuca Demais, de Vitor Kley

Os últimos dias foram bastante confusos.


Ao mesmo tempo em que eu vinha me encontrando com o Renan,
meu namorado, eu também estava sentindo uma saudade absurda do Danilo,
que não aparecia na delegacia há uns três dias.
Ninguém sabia onde ele estava ou o que estava fazendo, mas imagino
que tenha voltado pra cidade e tirado uns dias de folga depois do caos que
vivemos na noite em que o Raul desapareceu.
O Danilo tinha encontrado e devolvido o Raul e eu lembro do que
senti quando o abracei naquela noite e isso me deixou cheia de sentimentos
inominados que eu não sabia diferenciar se era gratidão, carinho, ou algo
mais...
Era desse algo mais que eu tinha mais medo.
Eu estava em um relacionamento saudável com um cara bem legal e
que me tratava muito, mas muito bem, melhor do que o Rodrigo na nossa
melhor fase. Mas ao mesmo tempo tinha o Danilo, que tinha imergido com
tudo na minha vida e estava em todos os lugares. Durante o dia no trabalho,
durante a noite em casa.
Ele assistia as minhas novelas comigo e dividia o mesmo gosto pela
cerveja. Ele também tinha confessado recentemente sentir algo por mim,
algo confuso no qual nem ele sabia colocar em palavras.
O Danilo não era o tipo de homem com quem eu deveria me
envolver. Apesar disso nós já tínhamos dormido juntos duas vezes e foi
incrível em cada uma delas, mesmo que eu finjisse que não foi importante.
Mas ele era o tipo de homem com quem mulheres como eu se
envolvia e se magoava e eu não estava pronta para lidar com outro
sofrimento como o que tive depois da separação com o Rodrigo.
Eu estava com saudade. Os últimos três dias saí pra passear com o
Raul já que o Danilo não estava lá e vi sozinha as novelas colombianas sem
ter ninguém no meu ouvido fazendo comentários sarcásticos sobre cada um
dos personagens.
Além de tudo isso, no trabalho, durante as interceptações telefônicas
eu tinha notado um padrão que talvez interessasse a ele e eu estava doida pra
apresentar pra o Danilo, no fundo acho que queria ser validada por ele.
Queria que ele ficasse orgulhoso das minhas conclusões.
Acontece que o Bráulio, a pessoa sobre quem eu sempre ouvia falar
em uma das interceptações telefônicas, estava sempre envolvido em algum
evento, aniversário, despedida de solteiro, casamento, batizado do filho.
Ninguém tinha progredido na vida tão rápido quanto esse Bráulio que era
sempre mencionado, mas nunca era a pessoa do outro lado do telefone.
Então passei a procurar os Bráulios que por ventura pudessem residir
naquela cidade. Só que não havia nenhum. Procurei no sistema da polícia os
Bráulios das cidades vizinhas, encontrei alguns poucos. Alguns eram
crianças, outros idosos, nenhum com idade pra ter o tipo de movimentação
social que o Bráulio de Lourdes tinha.
Mas se o Braulio não fosse o nome, mas um apelido? Me questionei.
Ou... se Braulio nem fosse uma pessoa, mas um código para transmitir
informações?
Foi quando eu passei a cruzar os dados com a maior obsessão do meu
lindo chefe, os assaltos a banco. Fiz o levantamento de todas as datas em que
os assaltos na região tinham acontecido e as datas dos eventos em que o
Bráulio era mencionado.
As informações batiam!
Não pude conter a animação quando vi que aquilo estava seguindo
em uma direção e eu estava louca pra compartilhar aquelas conclusões com
o Danilo, afinal ele sabia de quem era as linhas interceptadas, então ele
saberia quem estava envolvido com esse caso, o que poderia levar aos
suspeitos dos assaltos ou ao menos chegaríamos bem perto de ter
informações sobre eles.
Além disso, eu não parava de pensar no quanto eu posso ter sido dura
com o Danilo da última vez que conversamos e ele não merecia isso, ele
estava mesmo diferente nos últimos meses e eu não poderia esquecer que foi
ele que salvou o Raul e com isso me salvou de mais uma perda. O Danilo ao
menos merecia o benefício da dúvida. Eu precisa pedir desculpas a ele pelo
que tinha dito.
Dei uma última lida nos meus relatórios e fui na sala dele pronta para
me desculpar e em seguida contar as conclusões que tinha tomado sobre as
interceptações telefônicas.
Bati na sua porta e logo a abri...
... para encontra-lo se pegando com uma advogada. Uma que eu não
conhecia e que estava totalmente despida da cintura pra cima e agarrada ao
Danilo.
Eu fiquei chocada, a princípio.
– Desculpa, eu volto em outra hora. – falei antes de fechar a porta.
Depois senti algo novo e difícil de controlar e se eu não saísse dali
naquele momento acabaria desabando no choro na frente de todos e não
saberia explicar.
Foi então que eu larguei o meu relatório de qualquer jeito na minha
mesa, peguei o Raul e saí rapidamente da delegacia entrando de vez no
aparamento onde me larguei no sofá e comecei a chorar sem controle. O
Raul como bom amigo ficou do meu lado enquanto eu derramava lágrimas
que não entendia.
Não demorou muito até que eu ouvisse alguém subindo as escadas.
Só poderia ser ele. Enxuguei as lágrimas com o que tinha por perto e tentei
me recompor, apesar de saber que meus olhos estavam marejados e meu
rosto vermelho.
– Larissa, não foi nada daquilo que você está pensando, eu posso
explicar!
A frase mais clichê de todas, bem ali na minha frente. Mas eu me
mantive firme, sentada, em um esforço conjunto de cada célula do meu
corpo para me manter fria e racional.
– Porque você acha que tem que me explicar alguma coisa? Fica
tranquilo, não tem que me dizer nada.
– Nós não estávamos juntos – ele falou ignorando o que eu disse –
Não vejo aquela mulher há meses e ela invadiu a minha sala...
– Não é como se isso fosse novidade, não é? – falei segurando uma
lágrima que queria cair – todas as advogadas sabem que tem acesso direto a
sua sala...ao seu sofá.
– Isso foi antes, as coisas mudaram, ou você não percebeu que eu não
tenho recebido mais visitas?
– Então acho que você esqueceu de mandar o memorando pra aquela
moça lá, porque ela parecia bem envolvida...
– Eu a mandei embora no momento em que a vi.
– É a sua vida. Você fica com quem você quiser. Você é livre.
– Isso não é verdade. – ele falou, sério – eu não sou livre e você sabe
porque...
– Eu sei? – então eu ri sem graça – Não é como se eu soubesse muito
sobre a sua vida já que você sumiu nos últimos quatro dias e sequer deu
notícias...
– Sumi porque estava investigando um caso, mas você pelo visto
parece ter sentido a minha falta. – falou confiante.
– Senti sua falta tanto quanto sentiria de qualquer outro.
– Isso não é verdade. – ele falou, então eu lembrei de todos os
motivos pelo qual estava chateada com ele.
– Tudo o que você faz é bem inconsistente. Você é quem você é, o
cara que faz um favor a amiga inescrupulosa, o cara que recebe advogadas
para sexo no escritório, apesar de dizer o tempo que onde se ganha o pão,
não se come a carne, o cara que faz interceptações telefônicas ilegais só
porque acha que deve.
– Nem tudo o que você disse é verdade, Larissa. – se defendeu
chegando mais perto, a essa altura estávamos ambos discutindo de pé – Eu
não quis receber a visita da Letícia assim como não tenho recebido visita
nenhuma de nenhuma outra mulher, você sabe disso.
Ele tinha razão, mas isso não tirava da minha cabeça a visão daquela
mulher agarrada a ele.
– Eu e a Mari não somos mais amigos. Um dia fomos sim e eu fiz a
ela o favor de te receber aqui, mas não sabia o motivo, não sabia que ela
estava envolvida com o seu marido.
– Mesmo se soubesse não teria feito diferença.
– No começo não, você está certa. Mas agora que te conheço faz sim
toda a diferença. Por isso que nós não somos mais amigos, a Mariana mudou
muito e eu não aprovo a pessoa que ela é agora.
– Ela sempre foi essa pessoa, nós que não sabíamos. – concordei.
– E quanto as outras mulheres ou o que você acha que viu lá embaixo
com a Letícia, seria impossível, totalmente impossível, porque eu não
consigo me envolver com nenhuma outra mulher desde que eu me descobri
apaixonado por você.
Eu arquejei em surpresa.
– Você não pode estar falando sério, há cinco minutos você estava lá
embaixo com outra mulher!
– Larissa – ele falou calmo – Pra mim não existe outra mulher, só
você. O que você viu lá embaixo foi uma pessoa que eu não vejo há meses
tentando repetir um caso sem nenhum significado. Eu a mandei embora no
momento que a vi, mas é claro que você não viu isso.
– Eu não consigo acreditar em você, não com o seu histórico.
– Escolher me julgar pelo meu passado é um erro. Eu não sou mais
aquela pessoa desde que você chegou nessa delegacia e se tem uma das
poucas certezas que eu tenho na vida, Larissa, é que eu te amo. É isso, eu te
amo.
Ele falou e eu arregalei os meus olhos em choque.
– Eu te amo e quero ficar com você, só com você... e com o Raul
também, já que ele é um carinha bem legal.
Eu ri, mas me lembrei do Renan.
– Eu tenho um namorado.
A sua expressão mudou e ele ficou sério, resignado.
– E você pode dizer que sente por ele o mesmo ou algo maior do que
sente por mim? Porque eu sei que você também gosta de mim.
Mas que convencido. Como podia afirmar com tanta certeza quando
nem eu tinha certeza dos meus próprios sentimentos? Eu gostava do Renan,
não namoraria com ele se não gostasse, mas o Danilo...
O Danilo sempre pareceu aquilo que eu queria, mas nunca poderia
ter. Sempre foi o inalcançável e distante, por isso eu sempre abafei qualquer
vozinha ou sentimento que surgia sobre ele.
Mas será que abafei de verdade ou ele continuava lá, escondido,
volta e meia tentando sair?
Eu estava com medo. O Danilo estava ali, mostrando toda a sua
vulnerabilidade, mas eu estava morrendo de medo de repetir o que tinha
acontecido com o Rodrigo. E se o Danilo se enjoasse de nós? E se com o
tempo ele, que sempre teve uma vida amorosa agitada, ficasse entediado e
resolvesse buscar outra pessoa?
Ele não era do tipo que se acomodava. Isso era certo.
E quem garante que o que ele realmente sente realmente é amor?
– Larissa, fica comigo, seja minha. – a sua voz oscilou, talvez por
medo, por insegurança.
E também foi por medo e insegurança que eu respondi.
– Eu tenho um namorado.
Segurei minhas lágrimas
Pois não queria demonstrar a emoção
Já que estava ali só pra observar
E aprender um pouco mais sobre a percepção
Eles dizem que é impossível encontrar o amor
Sem perder a razão
Mas pra quem tem pensamento forte
O impossível é só questão de opinião
Só os loucos sabem, Charlie Brown Jr.

Eu estava com medo.


Por isso no instante depois que o Danilo foi embora eu procurei o
que me dava mais conforto e segurança, o meu namorico morno com o
Renan. Liguei pra ele e disse que estava indo lá na fazenda. Ele se espantou
com o meu interesse em uma visita repentina mas aceitou me receber com
alegria.
Já estava escuro quando saí apenas com uma bolsa e o Raul a tiracolo
seguindo as instruções enviadas pelo Renan para chegar na fazenda.
Depois de quase uma hora de solavancos, afinal o meu carro não era
4x4, tampouco eu estava acostumada a dirigir em estrada de terra no escuro
eu cheguei a fazenda Pontal do Rio, onde as porteiras foram abertas para a
minha chegada.
As luzes da fazenda estavam todas acesas e os peões e funcionários
em sua maioria estavam ali. Eu não imaginava que eles trabalhavam até
aquela hora da noite.
O Renan estava na frente da casa esperando pra me receber.
– Oi linda! – falou abrindo a porta do meu carro e me beijando. O
Raul saiu logo atrás de mim e eu o peguei pela guia antes que ele resolvesse
sair correndo pela fazenda – Está tudo bem, aconteceu alguma coisa? Você
nunca se oferece pra vir até aqui.
Não estava nada bem. Eu passei a viagem toda de ida pensando sobre
o Danilo e se deveria terminar com o Renan. Eu gostava dele, não sabia bem
o que fazer já que o Renan era aquele romance morninho e seguro, enquanto
com o Danilo era pura explosão.
– Você nunca mais me trouxe aqui, pensei em fazer uma surpresa.
Foi quando eu o abracei que senti algo estranho no cós da sua calça.
Dentro do cinto havia uma arma, no mesmo lugar onde eu costumava
colocar a minha.
– Espera, você está armado?
– É que tivemos uma invasão aqui na fazenda. – justificou – É por
isso que a família tá reunida e a peãozada está aqui de prontidão. Eu vou te
deixar no meu quarto, enquanto resolvemos isso e logo mais eu volto pra
gente jantar, tudo bem?
– Claro, desculpa, foi a pior hora pra resolver aparecer, não foi? –
falei seguindo ele pela casa arrastando o Raul pela coleira, passamos por
perto da sala de jantar onde a família se encontrava reunida e pelo visto
brigando, quando um dos primos, acho que o Orlando fechou a porta de
repente ao me ver observando.
Algo de muito estranho estava acontecendo.
– Desculpa, é que a minha família é muito discreta sobre os nossos
assuntos particulares.
– Eu que peço desculpas por chegar no pior momento, é melhor eu ir
embora.
– Não, fica. – me pediu enquanto subíamos as escadas para o
segundo andar – Eu resolvo com eles e já subo pra ficar com você.
O quarto do Renan cheirava ao Renan. Um cheiro amadeirado de
perfume caro e rústico. Seu quarto era uma suíte bastante elegante, a cama
era larga e havia uma televisão pregada na parede. Uma janela estava aberta
para o lado de fora, mas ele logo fechou por causa da frieza.
– Esperem aqui, eu já volto. Se quiser, assiste alguma coisa e fica a
vontade.
O que estava acontecendo naquele lugar? A família claramente não
estava feliz em me receber, todos eles estavam reunidos na sala de jantar,
exceto pelo Renan. Apesar de olhar rapidamente reconheci os seus pais,
alguém que parecia a sua avó, o irmão Bruno e os primos Ulisses, o Orlando
que fechou a porta...
Pensando bem, como era mesmo o nome dos outros primos...André,
tinha o Ian e um Lucas, acho que tinha um Lucas também.
Espera, isso só pode ser brincadeira, como que eu nunca percebi isso
antes? Bruno, Renan, André, Ulisses, Lucas, Ian e Orlando. Suas iniciais
formavam a palavra Braulio. Isso não era bom, algo me dizia que eu
precisava sair daquela casa agora mesmo, busquei o celular para avisar aos
outros da delegacia, mas tinha deixado a bolsa dentro do carro.
Que merda.
Como que eu ia sair dali com o Raul sem que ninguém percebesse?
Eu precisava achar um telefone o mais rápido possível! Fui até o banheiro e
através do basculante eu consegui ver o lado de fora. Haviam vários peões
armados, coisa que eu não tinha percebido logo ao chegar. Como eu passaria
por eles?
A família estava reunida naquela sala, eu só precisava passar por eles
sem ser vista e chegar até o carro. Por sorte eu não tinha colocado a arma na
bolsa, ela continuava presa na atrás da minha calça jeans, nas minhas costas.
Eu saquei a arma com uma mão e peguei a coleira do Raul com a outra.
– Você precisa ficar quieto e calado, viu Raul.
Abri a porta do quarto devagar, o Renan não desconfiava que eu
sabia de nada, senão teriam trancado a porta, eu tinha certeza. Observei o
corredor, estava vazio. Fui devagar até as escadas e guardei a arma de volta
no lugar. Se eu fosse flagrada me faria de desentendida e diria que precisava
levar o Raul lá fora para usar o banheiro. Seria melhor do que ser vista
perambulando pelos corredores de arma na mão e ser descoberta.
Fingir demência era o melhor caminho.
Consegui descer as escadas sem ser vista, mas lá embaixo estava
muito mais movimentado.
– A gente não vai cancelar a operação! – ouvi alguém gritar na sala
em que a família do Renan estava reunida.
– Você é louco, porra, colocar uma policial dentro dessa casa, logo
hoje!
– Não é pra tanto, a Lari não sabe de nada. – ouvi o Renan se
defender.
– Não sabe o caralho, como que você sabe que ela não está aqui
infiltrada pra nos investigar, você é louco porra!? Tá colocando tudo a perder
por causa de mulher. – Percebi que era o irmão dele quem estava falando.
Fiquei ali encostada por alguns minutos. Se ao menos eu estivesse
com o meu celular, poderia gravar aquela conversa.
– O pessoal da fazenda de Neópolis está todo preparado pra essa ação
que tem que acontecer hoje.
– De jeito nenhum, hoje ninguém sai. – Ouvi a voz do Renan.
– Mas meu filho – a mãe dele se manifestou – Ouça o seu irmão.
Leve a moça pra outro lugar e deixe que ele tome a frente do projeto por
hoje.
– De jeito nenhum, eu não esperava que ela viesse, mas ela veio e
agora não dá mais pra sair em operação, vou precisar desenhar pra vocês
entenderem? Vocês querem levantar alguma suspeita?
– Você coloca uma policial na fazenda e ainda quer estragar o plano,
cara... – um dos primos reclamou.
– Não foi planejado. Contratempos acontecem. – o Renan se
defendeu mais uma vez – Vamos remarcar, simples, ninguém sai perdendo.
– Acho que nós deveríamos votar.
– Que votar o caralho! – ouvi o Renan esbravejar batendo na mesa,
eu nunca tinha visto ele agir assim – Isso aqui não é uma porra de uma
democracia, quem manda aqui é o Bruno e eu e vocês obedecem e levam o
dinheiro em silêncio.
Eu precisava sair dali um quanto antes, mas estava completamente
presa e envolvida com a discussão que ocorria dentro daquela sala.
– Isso é problema teu, porra. – falou o Bruno – tô te falando desde o
começo que essa mina é furada.
– E eu já te disse que ela é um termômetro, se o delegado da cidade
desconfiar de alguma coisa ela vai saber e eu também.
Então era isso? O Renan estava me usando pra colher informações
sobre as investigações da delegacia?
– Nem vem com essa, você gosta dela. – falou um dos primos – a
danada até que é gostosinha.
Então ouvi uma movimentação turbulenta.
– Abaixa essa arma Renan. – falou a mãe, calma – para de apontar
pro seu primo. Orlando, se desculpe com o seu primo.
– Porra tia... foi mal cara, falar da sua namorada assim. Prometo agir
com mais respeito daqui pra frente.
Eu estava bastante confusa. O Renan estava me usando, mas gostava
mesmo de mim, era isso? O que nós tínhamos, nosso namoro cumpria a uma
finalidade pra quadrilha ou isso só aconteceu porque ele se apaixonou por
mim?
Não, eles me odiavam e toda a família era contra o relacionamento,
mas o Renan tinha se afeiçoado a mim e agora se encontrava em uma sinuca
de bico perante os próprios familiares. Eu era o pivô de uma discussão
familiar, me envaideci, só depois me lembrei que era uma família de
bandidos e eles planejavam um assalto para aquela noite, pelo menos até eu
aparecer e atrapalhar o plano de todos.
Nossa, agora eles deviam me odiar mais ainda.
E eu estava com medo, comecei a me movimentar em direção a saída
quando fui descoberta por uma mulher. Provavelmente esposa de um dos
primos.
– Pra onde a mocinha pensa que vai, eim?
Mas que merda.
Olhos fechados
Pra te encontrar
Não estou ao seu lado
Mas posso sonhar
Aonde quer que eu vá
Levo você no olhar
Aonde quer que eu vá
Aonde quer que eu vá, Os Paralamas do Sucesso

É isso. Ela tinha escolhido ele.


Eu estava lá em pleno sábado no sofá olhando para o vazio. Ontem
depois da nossa conversa a Larissa saiu e não voltou mais. Ela estava lá, com
ele e não tinha voltado até o momento.
O resto do fim de semana se passou sem que ela retornasse, pelo
visto estava aproveitando bastante a presença do namorado na fazenda, devia
estar andando de lancha, à cavalo, curtindo a vida no campo. E o pior, ela
tinha levado o Raul então eu não tinha nenhuma companhia.
O final de semana foi uma mistura de lágrimas e cerveja. Eu nunca
tinha sido rejeitado antes e não sabia que poderia doer tanto. Meu coração
estava metaforicamente pisado e humilhado e a minha dignidade não existia
mais.
Eu me sentia um nada.
Até que a segunda-feira chegou e eu fui obrigado a levantar a bunda
do sofá e ir trabalhar. Não estava pronto para reencontrar a Larissa, a mulher
que destruiu o meu coração. Não sei como conseguiria lidar com esse
sentimento e vê-la tão linda trabalhando toda comprometida com a função.
Mas a Larissa não apareceu pra trabalhar aquela manhã e isso me
acendeu um sinal de alerta. Os outros também pareciam preocupados, já que
nos quase seis meses que a Larissa trabalhava aqui, ela nunca havia faltado
ao trabalho. Nenhum dia sequer.
– Algum de vocês recebeu notícias da Larissa durante o final de
semana? – perguntei na secretaria e todos negaram.
Peguei o meu telefone e liguei para o celular dela.
Estava desligado.
– Está desligado, nem sequer chama.
– Alguma coisa deve ter acontecido, ela nunca falta. – falou o Ari.
– Mas vocês praticamente moram juntos – falou o Marcão – quando
foi a última vez que você a viu.
– Na sexta-feira. Tivemos uma conversa bem importante, brigamos e
ela saiu com o Raul. Não me disse pra onde, mas acho que foi pra casa do
namorado.
– Ai meu Deuzinho, é sempre o namorado! – falou o Luan
começando a ficar nervoso.
Eu fui até a mesa dela e vasculhei as suas coisas até encontrar um
relatório sobre as interceptações telefônicas das últimas semanas. Acho que
era sobre isso que ela queria falar quando me pegou no “flagra” com a
Letícia.
– Algum de vocês sabe algo sobre esse relatório? A Lari falou
alguma coisa pra vocês?
– Pra mim, nada. Acho que ela tava esperando pra mostrar pra você,
já que você passou aqueles dias fora.
Folheei o relatório e percebi que algumas informações ali batiam
com os fatos que eu estava investigando. As datas dos assaltos
correspondiam as datas dos eventos mencionados nas conversas
interceptadas, na qual um Braulio era citado.
Não havia nenhum Bráulio registrado naquela cidade, o relatório da
Lari, muito minucioso comentava. Cruzei as informações que ela relatou
com as que eu colhi e constatei aquilo que eu já sabia, a quadrilha agia de
Lourdes e o Renan, o namorado da Larissa, estava envolvido até o pescoço,
como eu sempre desconfiei, mas como ela não mencionava nada sobre ele
no relatório, eu imagino que não soubesse nada.
– Como nós vamos encontrá-la? – perguntou o Marcão entrando na
minha sala seguido pelos outros.
– Vamos ter que invadir a fazenda. A Larissa não ia compactuar com
nada disso, ela deve estar sendo mantida refém, deve ter descoberto alguma
coisa. – falei preocupado, peguei a minha chave e abri o armário onde as
armas eram guardadas. – Não podemos perder tempo, temos que ir lá agora.
– Não, chefe, você tá louco? – falou o Ari – Isso é maior que nós,
precisamos pedir reforços as cidades vizinhas antes de invadir a fazenda.
Não sabemos nada sobre eles, quantos são, que tipo de armamento eles tem.
Se formos só nós seremos mortos.
O Ari estava certo, mas eu estava angustiado e precisava fazer
alguma coisa pra salvar a minha garota. Coloquei as mãos na cabeça
pensando e resolvi acalmar os rapazes.
– Certo, ninguém sai daqui até conseguirmos reforços. Luan, acione
agora a delegacia de Propriá e a Polícia militar. Ari, ligue pras delegacias de
todas as cidades vizinhas, principalmente daquelas que estão investigando os
assaltos a banco. Quero reunir uma equipe aqui até o final do dia.
Respirei fundo.
– Quando eles chegarem precisamos agir rápido, até porque não
sabemos se estamos sendo vigiados. Marcão, eu quero você de olho nas
câmeras.
– Como vamos invadir em operação? Não sabemos onde fica a
fazenda. – ele me perguntou.
– A Larissa não ia se separar do Raul depois que ele se perdeu e eu
consigo saber onde ele está até uma distância de noventa quilômetros.
– Você colocou um rastreador nela?
– Eu coloquei um rastreador nele. Saber o paradeiro dela é só um
bônus.
Olhei o aplicativo de rastreio no meu celular e tive a localização
exata de onde o Raul estava, agora só poderia torcer que a Lari estivesse
com ele, viva.
Ele não ia deixar matarem ela...
Ela vai estar viva quando a encontrarmos.
Ela tem que estar.
Enquanto a minha delegacia agia para buscar reforços eu liguei para
a Juiza de Propriá para pedir uma audiência rápida, já que agora eu tinha
material o suficiente para um mandado de busca e apreensão e quem sabe até
um mandado de prisão, se eu fosse muito ambicioso.
Consegui um horário com a Juíza e corri feito um louco na estrada
para chegar até o fórum. Pedi que os rapazes me dessem qualquer notícia
que surgisse e me confirmassem a presença da galera pra operação. Ainda
hoje tiraríamos a Larissa daquela fazenda.
– Vamos lá, o que você tem de novo? – a Dra. Fátima da 10º vara
criminal ia direto ao ponto e eu gostava disso.
– Eu tenho tudo o que precisamos para conseguir um mandado de
prisão e de busca e apreensão.
– Isso sou eu que vou dizer. – falou fazendo menção para que eu
sentasse.
– Se a senhora não se importar hoje eu tenho um pouco de pressa, já
que uma das minhas agentes está sob o poder da quadrilha que estive
investigando.
– Isso é bastante grave, Danilo, você tem certeza?
– Tenho e vou te explicar e mostrar tudo. – olhei para o relógio –
Desde que os assaltos começaram eu percebi que eles aconteciam sempre em
cidades ribeirinhas e de forma muito rápida. Eles chegam, roubam alguns
carros, explodem uma agência, recolhem o dinheiro, abandonam os carros
em algum lugar ermo e desaparecem sem deixar pistas.
– Até agora nada de novo, doutor...
– Certo. Mas como eles poderiam desaparecer assim, do nada? Essa
questão a minha agente desvendou com uma resposta simples: barcos.
– Continue, doutor. – ela colocou o óculos e passou a olhar os papéis
que eu tinha levado como provas o que era um bom sinal.
– A partir de então passei a investigar os registros náuticos de
embarcação de pessoas que residissem em Lourdes, afinal, desde o começo a
cidade nunca foi invadida, nem assaltada o que me levou a acreditar que
poderia ser a sede do quartel general da quadrilha.
– Hum...
– Como a senhora pode ver existem vários barcos com titularidade
dos irmãos Renan e Bruno Teixeira, sob o pretexto de objetivo turístico
pelos cânions de Xingó. Os dois possuem uma empresa de fachada que lava
o dinheiro roubado pelo grupo.
– Isso é especulação doutor, mas continue.
– Por fim, fui tentar resolver o mistério de como eles entram nas
cidades sem serem vistos e desaparecem logo em seguida. Bem a quadrilha
vai de barco até pontos estratégicos no município, pequenas fazendas
compradas por eles. As fazendas não estão no nome do Renan, nem do
Bruno, mas estão em nome de vários primos, Orlando, Ian, Lucas...
– Certo, isso sim parece suspeito.
– Além de tudo isso recebemos uma denúncia anônima sobre um tal
de Bráulio. – menti pra juíza já que a nossa interceptação era ilegal, ela não
poderia saber como nós conseguimos as informações colhidas pela Larissa.
Essa ligação anônima informou a um dos meus agentes que esse Bráulio
estava ligado aos assaltos a banco.
– Quem é esse Bráulio, alguém importante?
– Esse Bráulio não é ninguém, doutora, apenas um código na
comunicação da quadrilha, pelo que pude perceber. Mas após fazer um
levantamento dos envolvidos na propriedade de fazendas e barcos usados
para a fuga, nós chegamos até alguns suspeitos, todos residentes na Fazenda
Pontal do Rio: Bruno, Renan, André, Ulisses, Lucas, Ian e Orlando. Como a
senhora pode ver, os registros dos imóveis e das embarcações giram em
torno desses sete cidadãos.
– E qual a relação da sua agente com tudo isso? – perguntou sempre
direta.
– Ela também estava investigando esses crimes, acredito que seguiu
uma pista e foi capturada.
Eu tive que mentir sobre isso também. Se a juíza soubesse sobre o
relacionamento da Larissa com o Renan ela poderia achar que a Larissa
estava envolvida ou pensar que estava com ele por vontade própria o que eu
não acredito.
– Então você acredita que ela está sendo mantida em cativeiro por
esta quadrilha?
– Ela nunca falta ao trabalho, Excelência. É uma agente exemplar.
Não há nenhuma outra explicação e o GPS que instalei na coleira do
cachorro dela – a juíza ergueu a sobrancelha pra mim quando mencionei o
GPS – Isso é outra história, doutora, o que importa é que o GPS do Raul
mostra que ela está na Fazenda de um dos suspeitos.
– E como você sabe que ela ou o cachorro ainda estão vivos?
– Eu não sei, eu só posso torcer para que estejam. – falei com a voz
embargando – os dois, ela e o cachorro, são muito importantes para a minha
delegacia.
– Entendo. Vou autorizar o mandado de busca e apreensão de provas
e documentos e um mandado de prisão para os irmãos Bruno e Renan.
Espero que as suas pistas estejam mesmo corretas, doutor.
– A senhora sabe que eu nunca desisto de um caso.
– Sei sim. Também sei até onde isso pode te levar...
Eu estava pronto para correr o risco. Tudo que me importava era
encontrar a Larissa viva e bem.
Mistérios da meia-noite
Que voam longe
Que você nunca, não sabe nunca
Se vão, se ficam, quem vai quem foi
Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada se apaixonou
Mistérios da meia noite, Zé Ramalho

Eu estava viva e bem, apesar de tudo.


A mulher que me encontrou era esposa do André. Ela me levou até a
sala em que a família deliberava.
– Olha quem eu encontrei espiando tudo atrás da porta. – falou me
empurrando na sala com uma arma apontada para mim. Aparentemente todo
mundo ali tinha uma arma.
– Pronto, agora fudeu tudo. – O Orlando se desesperou.
– Não era pra você ficar no quarto me esperando? – o Renan me
perguntou.
– Pois é, mas não deu pra esperar, o Raul queria ir ao banheiro.
O Raul me olhou desconfiado. Mas eu preferia me fazer de boba, ser
subestimada era a melhor coisa que poderia me acontecer agora, era o que
poderia me manter viva.
– Tirem a arma dela – o Renan falou calmo – e solte a garota,
Fernanda, ela ainda é a minha namorada.
– E agora, o que vamos fazer com ela, ela sabe de tudo. – o Bruno
falou.
– Vocês deviam matar ela. – a Fernanda sugeriu e eu a olhei com
ódio. Os outros fizeram coro a ideia da cunhada até que o Renan bateu forte
na mesa com a arma em punho.
– Ninguém vai matar a Larissa, entendeu? – me defendeu, ufa! –
Aquele que encostar num fio de cabelo dela vai ter um encontro com a
minha arma no inferno.
– Nem com o Raul. – falei – Não mexam com o meu cachorro.
– Você atiraria em alguém da sua própria família por causa dela? – a
mãe dele, minha sogra, perguntou chocada. Repetiu atônita apontando pra
mim – Por causa dela?
– Por um acaso eu gosto dela, não sei porque merda vocês não
entendem isso!
– Porque ela é policial, porra! – o Bruno falou – que parte de Po-li-
cial você não entende? Quer ferrar com a família toda?
– Ela não vai contar pra ninguém – o Renan falou e eu tive que
assentir, afinal estava correndo um risco sério ali.
– Não há garantias meu filho – falou o pai – Eu sei que você gosta
dela, mas ela é policial, se ela escapar ela vai ferrar com a nossa família
inteira.
– Você entende isso? – um dos primos se levantou, acho que o André
– Toda a família presa por causa de UMA garota!
– Eu preciso de um tempo pra pensar no que fazer, mas matar ela está
fora de cogitação.
– Então se case com ela. – a avó falou.
Todos olharam para a avó chocados com a ideia de que o casamento
poderia resolver a situação.
– A vó pirou de vez. – alguém falou.
O Renan estava considerando a ideia. Como se um casamento entre
nós dependesse só disso para acontecer.
– Eu preciso falar com ela a sós. – ele falou. Todos continuaram no
mesmo lugar – a sós! Saiam!
Eu nunca tinha visto esse lado autoritário do Renan. Era totalmente
diferente da pessoa que se encontrava comigo quase todos os dias, exceto
quando ele estava viajando, que eu percebo agora que era para fazer os
assaltos a banco.
Indignados os parentes do Renan foram saindo do cômodo onde
restou apenas eu, ele e o Raul.
– Larissa, desculpa por tudo isso – seu tom mudou, voltou a ser o que
ele usa pra falar comigo – Nós tínhamos um compromisso hoje a noite que
precisou ser adiado pela sua presença. Isso deixou alguns membros da minha
família nervosos.
Em nenhum momento ele falava em roubo ou em assalto. O Renan
era muito cuidadoso com a escolha das palavras que usava.
– Sinto que todos me odeiam. – falei – eu tô com medo, Renan.
Quero ir embora.
– Infelizmente agora você não pode, Lari. Você escutou coisa demais
atrás daquela porta e eu ainda não sei o quanto posso confiar em você agora.
– Somos namorados – apelei – nos gostamos, mas como tudo isso foi
acabar desse jeito?
– Eu não posso deixar você ir até confiar que você não vai expor a
minha família e no momento eu ainda não consigo acreditar que você não
vai nos entregar assim voltar pra cidade.
– Me fala só uma coisa – eu estava apelando de todas as formas –
Nosso namoro foi uma farsa pra você poder monitorar a polícia da cidade?
Tudo foi falso?
– Não, claro que não! Nós nos conhecemos de forma legítima e eu
não deveria ter me envolvido com você pra começo de conversa. Mas eu não
consegui, fui me apaixonando por você e não consegui controlar mais nada.
Sentei no colo de frente pra ele.
– Então você está apaixonado? – falei sorrindo boba.
– Eu estou é fodido. – ele falou derrotado – Você viu o que eles
queriam fazer? Mas eu não vou deixar que nada de ruim te aconteça.
– Eu quero ir pra casa, Renan. Eu tô com medo.
Eu estava mesmo com medo, cercada por pessoas que me odiavam e
queriam me matar.
– Você não pode, Lari. Não posso deixar a minha família correr esse
risco.
– Então o que você vai fazer? Vai me manter aqui pra sempre? Você
viu, eles não me querem aqui.
– Eles não te conhecem, nunca se permitiram te conhecer por terem
medo do que você poderia fazer por ser policial. O que eu fiz foi mesmo
uma loucura, nunca poderia ter me envolvido com você e colocado a minha
família nessa posição.
– Você não confia em mim e eu não confio neles. Não confio que não
vão fazer nada contra mim ou contra o Raul.
– Quanto a isso você não tem com o que se preocupar, eu sou a
autoridade aqui...
– Mas o seu irmão...
– O meu irmão não decide nada sozinho e ele não vai se contrapor a
minha ordem.
– Isso não muda o fato de que eles querem me matar.
– Eu queria que existisse alguma forma de garantir o seu silêncio e
todos nós pudéssemos conviver...
Eu já sabia onde ele queria chegar.
– A ideia da avó não é tão ruim. A gente poderia se casar.
– Não é assim tão simples – falei – não dá pra se casar num impulso,
tem que ser muito bem pensado, isso é muito sério.
– Você não quer se casar comigo?
– Não foi o que eu disse – corei – É que nenhuma garota sonha em
ser pedida em casamento dessa maneira.
Então ele riu, aquela risada gostosa que me encantou lá no começo,
mas que já não significava nada, não me causava borboletas no estômago,
nem nada. Só decepção. Mas eu tinha que fingir pra ele, ao menos pra ele,
que nada havia mudado entre nós. Só assim ele continuaria me protegendo
até que alguém na delegacia percebesse que havia algo de errado.
– Ah, então você está sentindo falta do romance. Entendi.
Então ele se levantou para em seguida se ajoelhar e segurar a minha
mão.
– Eu não tenho um anel, mas isso pode ser providenciado. Você,
Larissa, aceita se casar comigo?
– Eu aceito!
Ai caramba, o que eu estava fazendo? Tomara que isso desse certo,
eu já estava começando a ficar com medo de ser uma refém naquela fazenda
para o resto da minha vida.
Ele sorriu e nós nos abraçamos, o Raul até latiu.
– Quer ser minha parceira de vida e fazer parte dessa família e de
tudo o que vem junto com ela?
Eu sei bem o que ele queria dizer com essa pergunta. Casar com ele
significava fazer parte da quadrilha e me envolver nos negócios ilícitos da
sua família.
– Eu não sei, Renan – mostrei dúvida – Eu tenho muito medo.
– Não há o que temer, somos fortes juntos.
– Eu tenho medo que você seja preso. Que “eu” seja presa.
– Isso nunca vai acontecer, meu amor. – Falou presunçoso – Nós
somos muito cuidadosos e temos planos maiores, não vamos ficar aqui nessa
fazenda pra sempre, depois de alcançarmos o objetivo nos mudaremos pro
exterior.
– De que objetivo você está falando?
– Não é nada do que essa cabecinha linda tenha que se preocupar.
Eu estava muito, muito preocupada.
– Então você gosta de romance, não é? Vou fazer de tudo para que o
nosso casamento aconteça da forma mais rápida possível e que seja como
sempre sonhou.
Ah Danilo, descobre logo onde eu estou e me salva. Eu estava cada
vez com mais medo daquelas pessoas, daquele lugar. O meu consolo era
saber que o Raulzinho estava ali comigo.
– Agora eu vou pedir que você volte para o nosso quarto, tenho que
combinar algumas coisas com a minha família para que possamos ficar todos
em paz daqui por diante.
– E eu não posso ficar e participar dessa conversa?
– No começo é melhor não, eles estão muito inseguros ainda. Preciso
passar a confiança de que você será minha mulher e que fará parte dessa
família. Assim ninguém mais vai querer ameaçar você. Eu preciso ter essa
conversa com eles sozinho. Você confia em mim?
Não.
– Mais do que tudo na vida.
– Então é só o que importa. Seremos um só, eu só preciso acalmá-los
de que vai ficar tudo bem. Eu te encontro no quarto mais tarde.
– Tá certo. – dei um beijo nele antes de sair da sala e subir de volta
para o quarto como a refém mansinha que eu era.
Não sei quanto tempo a reunião durou, mas fingi que estava
dormindo quando o Renan voltou para o quarto, assim ele não tentaria me
levar pra cama em um gesto romântico. Dormir com o inimigo era a última
coisa que eu precisava naquele momento.
Às vezes sinto sua falta, mas sei
Que estou na direção correta, eu sei
Pressentimentos, talvez sexto sentido
Te vejo comigo, outra vez
Espero mais um dia
Ou quem sabe um mês
Espero mais um dia
Uma vida talvez
Uma vida a mais, Marília Mendonça

Larissa
Eu passei o final de semana agindo como a noiva mansa do chefe da
quadrilha. As pessoas não podiam encostar em mim, mas isso não as
impedia de serem hostis em cada oportunidade.
O roubo, ou operação, como eles chamavam, não aconteceu naquela
noite, nem nas que seguiram. O assunto do momento era como o Renan
casaria com uma policial. Enquanto isso eu via as mulheres da família
planejando o meu casamento sem me envolver muito, fingindo que estava
emocionada nos momentos certos e tentando ouvir o máximo de informação
possível para quando fosse resgatada.
Se é que eu seria encontrada naquele lugar ermo, mas eu só poderia
ter fé.
Danilo
Com os mandados de prisão e busca e apreensão eu já tinha material
suficiente para convencer meus colegas delegados a me darem apoio nesta
operação. Eu também pedi o apoio da polícia militar da região, ao todo
conseguimos reunir quarenta homens que partiriam em comboio direto para
a Fazenda Pontal do Rio, onde a Larissa se encontrava mantida refém e viva.
Pelo menos era o que eu mais esperava. Mas a movimentação do
Raul pelo lugar mostrava que ele estava bem, então ela também estava.
Apesar de tudo eu acreditava que o Renan protegeria a minha garota do resto
da sua família.
Larissa
Eu me sentia impotente.
Sem minha arma, sem meu celular eu não poderia me defender, nem
entrar em contato com ninguém, imagina quando eu contasse isso pras
minhas irmãs, elas diriam que eu era digna de uma novela colombiana.
– Está triste, meu amor? Não está sendo como você queria?
Não, não e não.
– Sinto falta das minhas irmãs. Queria que elas pudessem estar
presentes nesse momento e elas nem ao menos sabem que eu vou me casar.
– Você sabe que eu só posso devolver o seu celular depois do
casamento, depois que a confiança da família estiver estabelecida.
– Eu sei, mas eu não saí de casa naquele dia pensando que de repente
ia ficar isolada do mundo, sem contato com ninguém, eu não estou
acostumada com isso.
– Relaxa e aproveita o momento. Você é a noiva da vez, esse é o
momento mais importante da sua vida. Das nossas vidas! Logo estaremos
casados, você acredita?
Não mesmo.
– Incrível as surpresas que a vida nos traz.
Danilo
A noite tinha caído e nós partimos em comboio em direção a
fazenda. Estávamos armados até os dentes. Como assaltantes a banco nós
sabíamos que eles possuíam armamento pesado, até mesmo explosivos.
Então conosco levávamos também uma equipe do esquadrão antibombas.
Eu seguia na frente, por seguir a direção do GPS. Estava muito
ansioso, por baixo da minha camisa preta e do colete eu suava bastante.
Tinha medo que houvesse confronto e perdas, não queria que a Larissa se
machucasse, afinal ela não sabia dos nossos planos ou da nossa operação e
poderia ser encontrada em algum momento ruim ou ser feita de refém.
Pelo GPS nós já estávamos chegando, já dava pra ver algumas luzes
então desligamos os faróis e seguimos com o plano.
Larissa
Era chegado o momento.
Lá estava eu vestida com um vestido de noiva que eu não escolhi em
um casamento em que não gostaria de estar. Eles tinham feito um ótimo
trabalho com a decoração, o lugar estava cheiro de flores. Chamaram um
Padre para celebrar o casamento. Eu não sei até que ponto este Padre sabia
das atividades daquela família, mas ele parecia ser alguém de confiança da
avó do Renan.
Será que ninguém tinha notado que eu tinha faltado no trabalho hoje?
Pelo visto os meus amigos não eram tão meus amigos assim, eles deveriam
ter percebido que havia algo de errado.
O Danilo não pode achar que eu faltei por pura birra depois da nossa
briga.
Eu estava lá no caminho da noiva, acompanhada pelo Raul, com
todos de pé diante da marcha nupcial. Na minha frente um homem com
quem eu não queria me casar e o tempo todo eu só pensava no Danilo. Em
quanto ele estaria lindo se fosse ele ali de pé no lugar do Renan.
Caminhava lentamente quando ouvi um barulho que chamou a
atenção de todos.
Danilo
Nós atropelamos a porteira da fazenda em grande velocidade,
fazendo com que os portões de madeira voassem e amassando a lataria da
picape 4x4 que eu estava dirigindo.
– Parece que estão fazendo um casamento – falou o Marcão do meu
lado
– Mas que porra...
Rapidamente nós invadimos a fazenda e enchemos o campo com
veículos da polícia. Os policiais saíram rapidamente rendendo cada pessoa
que passava na frente.
Cercamos a área onde acontecia o casamento e lá estava a Larissa
vestida de noiva segurando a guia do Raul. Ela estava linda, perfeita em seu
vestido. Mas não demorou para que a família do noivo percebesse o que
estava acontecendo e sacassem as suas armas em uma troca de tiros contra a
polícia. A Lari sabidamente se jogou no chão e agarrou o Raul.
Larissa
Eu caminhava em direção ao meu destino quando ouvi um barulho
alto e de repente tudo mudou e assim o casamento se transformou em um
verdadeiro caos. A polícia invadiu a cerimônia e rendeu todos as pessoas que
estavam na fazenda, até que os primos do Renan sacaram as suas armas e
começaram uma violenta troca tiros com a Polícia.
Rápida e conhecendo o potencial lesivo daquela operação eu me
joguei no chão e puxei o Raul pra baixo, a última coisa que eu precisava
depois de sobreviver aquele final de semana era levar um tiro.
A Cerimônia se desmontou por inteiro, algumas pessoas se
abaixaram assim como eu enquanto outras atiravam contra a polícia. Em
silêncio rezei para que nem o Danilo, nem nenhum dos meus amigos fossem
atingidos.
Continuei abaixada e por um tempo eu só ouvi o barulho da troca de
tiros. Era assustador fazer parte daquilo sem estar armada, nem protegida
com um colete. Eu me sentia completamente vulnerável.
Com um tempo a situação foi se acalmando e o barulho de tiros foi
diminuindo.
Eu respirava fundo tentando manter a calma quando alguém me
puxou abruptamente.
Danilo
O cenário que encontramos quando invadimos a fazenda era bem
diferente do que imaginávamos. Primeiro, estava acontecendo um
casamento. Segundo, tivemos a sorte de encontrar todos os suspeitos
reunidos no mesmo lugar. Terceiro, o casamento era da Larissa com o Renan
o que me deixou chocado de início.
Em poucos segundos a situação evoluiu para uma troca de tiros o que
muito me preocupou já que a Larissa, apesar de linda naquele vestido, não
estava protegida, mas ela foi inteligente o bastante para se jogar no chão
juntamente com o Raul.
Os tiros duraram apenas alguns segundos, mas pareceram ter durado
horas. Éramos numerosos, então alguns policiais acabaram se ferindo, mas
nada muito grave já que estávamos preparados com capacetes e coletes a
prova de balas. Atingimos alguns suspeitos e outros se renderam quando
perceberam que morreriam se continuassem resistindo.
Eu tive o prazer de prender o Renan. Eu nunca tinha ido com a cara
dele. Ele ficou calado ciente dos seus direitos, mas o seu olhar para mim era
de puro ódio. Também notei que ele procurava a Larissa com os olhos, ela
ainda não estava a vista. Tão logo entreguei ele algemado para o Marcão eu
voltei para procurar a Lari e a encontrei no chão agarrada ao Raul.
Não pude me conter e a puxei com violência para um abraço. Ela
estava viva e eu aliviado.
Larissa
Era o Danilo. Ele me abraçava e me beijava angustiado, feliz em me
ver e preocupado também.
– Você está bem? Está ferida? – perguntou com as mãos segurando a
minha cabeça como se eu fosse uma boneca delicada.
– Acho que você acabou de quebrar uma ou duas das minhas costelas
– então sorri pra ele retribuindo o abraço e o beijo que se seguiu. – Você
veio! Você veio!
– É claro que eu vim, eu faço tudo por você, Larissa.
O Raul então começou a lamber o Danilo de felicidade.
– Então você cuidou da nossa garota, não foi carinha?
Já pra mim, ele disse:
– Quer dizer que eu deixo você sozinha por cinco minutos e você se
casa!
– Pra alguém que diz que me ama você demorou muito pra vir me
salvar. – suspirei – mas eu sabia que você viria. Sabia que nos salvaria!
Como nos encontrou?
– Esse carinha aqui me ajudou bastante – ele apontou para o Raul,
então me mostrou – Eu instalei um GPS na coleira dele.
– Você sabia que mais nada me separaria dele.
– Está tudo bem agora, Lari. – então me beijou mais uma vez e eu
retribui com todo o meu amor. – Eu tô aqui.
Todo o amor que eu tentei fingir que não existia.
– Você ia mesmo se casar com ele? – perguntou inseguro.
– Eu ia. – falei e senti a sua insegurança aumentar – Eu faria o que
fosse preciso para continuar viva até que você nos encontrasse. Além disso,
de nada valeria, eu ainda sou casada, lembra?
– Aquele seu marido tinha mesmo que servir pra uma coisa.
– Mas olha ao redor. – falei admirando o local e a decoração – seria
um casamento lindo se fosse de verdade – então completei – Pena que o
noivo era um criminoso.
Sorri.
– Você ainda pode se casar de novo se quiser, quer dizer, depois do
divórcio – falou o Danilo acanhado como eu nunca vi desde que o conheci –
Eu não me importaria.
Arregalei os olhos
– Quem é você? Cadê aquele Danilo galinha e meio babaca que eu
conheci há alguns meses?
– Ele não existe mais Larissa. Agora só existe esse cara aqui, que é
louco apaixonado por você. Que invadiria mil casamentos se fosse
necessário.
– Você está mesmo falando sério? – perguntei ainda em choque.
– Eu nunca falei tão sério na vida. Você é tudo que eu mais quero e
amo neste mundo. Eu quase morri quando achei que você tinha escolhido
ele.
– Ele nunca teve a menor chance, sempre foi você, desde o primeiro
dia. Eu só não queria aceitar, porque tive medo.
– Eu também estou com medo – ele falou.
– Não precisa. Eu também te amo, seu bocó. Amo o cara que assiste
as novelas comigo, que bebe a minha cerveja, que trata a equipe como se
fosse uma família. Eu te amo.
Ele me deu o beijo que eu tanto ansiava. Os primeiros foram
desesperados, beijos de reencontro. Mas esse era um beijo consciente de sua
reciprocidade. Era um beijo de amor.
Avaliei a destruição e a bagunça enquanto os outros policiais iam
levando os suspeitos para a delegacia.
– Ah, tem uma coisa que eu queria te contar. – falei animada, ciente
de que isso massagearia o ego do Danilo – A cidade de Lourdes não foi
assaltada não foi pra não levantar suspeitas do quartel general da quadrilha,
como imaginava.
– Não? – o Danilo ficou curioso.
– Não, meu amor. Eles não assaltaram o banco de Lourdes porque
morrem de medo de você. Eles não queriam ser investigados pelo delegado
que prendeu o sobrinho do Governador.
Os olhos do Danilo se arregalaram e ele sorriu satisfeito.
– Você tá sabendo né que seu namorado é um cara foda!?
– A sua namorada também não está muito atrás. Dizem que ela é do
caralho.
O amor que sinto por você
É o maior e o mais lindo que existe
E não há nada pra comparar
Dentro e fora do mundo que eu sinto por você
O meu coração, cheio de paixão
Grita teu nome onde quer que eu vá
Sonho com você, choro por você
Porque eu nasci pra viver com você
Cúmbia do Amor, Joelma
– Você precisava mesmo trazer o Raul para o nosso aniversário?
– Mas é claro! Foi ele quem uniu a gente, de certa forma...
Estávamos no deque do Pontal do Rio o melhor restaurante de
Lourdes.
– Há quanto tempo mesmo, três anos?
– Dois! Como você pode não saber!
– É que eu fiquei meio na dúvida se aquele começo conta...
– Não conta! Você dormiu comigo e com três quartos das mulheres
do município e regiões.
– Eiii!!! O passado não importa! – me repreendeu – Se eu me lembro
bem você estava com o chefe da quadrilha de assalto a bancos da região do
São Francisco.
– Ah, o Fazendeiro... como será que ele está eim?
– Na cadeia, bem longe daqui.
– Tá com ciúmes é?
– Meu amor, você tinha um péssimo gosto para homens.
– Que melhorou bastante depois que eu te conheci...
– Bom, eu te trouxe aqui por um motivo. – ele falou todo sério – Eu
tô pronto!
– Ah não! Não, não, não! – eu até tive um deja vu – Você não vai
terminar comigo agora, eu te proíbo!
– Terminar? Você está louca? Não quero terminar de jeito nenhum!
Respirei aliviada.
– Que bom, porque eu não ia acreditar que você ia fazer isso na
frente do Raul.
Olhamos juntos para o Raul, deitado ali alheio a nossa conversa, tão
inocente.
Então o Danilo começou a pigarrear, o que era estranho já que ele
tinha parado de fumar desde que resolveu me conquistar.
– O que eu realmente quero é o contrário de terminar...
– Ah é? – incentivei a seguir em frente.
– Eu, hum... acho que nós já podemos... hum... nos casar!
– O QUÊ? – meus olhos arregalaram quase saltando das orbitas
– É isso mesmo – então ele se ajoelhou! O Danilo se ajoelhou, por
minha causa, eu estava pasma com tudo isso. – Você quer se casar e ter
vários filhos comigo?
Então eu me ajoelhei e o abracei falando baixinho no seu ouvido.
– É tudo que eu mais quero nessa vida.

Fim.
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AGRADECIMENTOS

Eu gostaria de agradecer a Deus antes de todos por colocar tantas histórias


na minha cabeça. Também quero agradecer a Lili, a minha cachorrinha
Pitbull, por me emprestar seu rosto e seu nome para os meus primeiros
livros, aqueles em que eu ainda não tive coragem de apresentar como meu.

Às minhas queridas leitoras beta muito obrigada. Lorena e Lidianne vocês


são essenciais durante todo o processo de escrita, me ajudam a dosar e
compreender melhor os meus personagens e as suas sugestões tornam tudo
mais fácil pra mim, por isso agradeço por se manterem fieis e por toda a
paciência, já que eu estou sempre cheia de pressa em ouvir seus feedbacks.

Também sou grata ao apoio incondicional da minha família e ao meu noivo


que sempre compram meus livros e apoiam a minha escrita, mesmo não
sendo os maiores fãs do gênero que eu escrevo eu sei que são meus maiores
fãs. Mãe, Pedro, Ulisses, obrigada por sempre me apoiarem em tudo. Eu
amo muito vocês.

Escrever um livro não é um processo fácil, mas é extremamente prazeroso


contar uma história divertida para distrair e divertir os meus leitores. Por
isso agradeço também a você que leu este livro até o final e peço que avalie
a sua experiência lá na Amazon, para incentivar outros leitores a lerem
também.

Caso queira conhecer um pouco mais sobre mim, o meu dia a dia e tudo
mais, me sigam lá no instagram @Tes.santos

No mais, obrigada!
About The Author
Tes Santos
Advogada, funcionária publica e escritora no tempo livre, a autora Tes
sempre amou escrever romances, desde os 14 anos quando escrevia suas
histórias com lápis e papel.

Agora já se sente a vontade para publicar seus romances na Amazon com


seu próprio nome, após pegar emprestado o nome da sua cachorrinha pitbull
Lili Santos para as suas duas primeiras publicações.

Seu sonho é que seus romances alcancem cada vez mais pessoas que possam
se divertir com as suas palavras, por isso esse é o terceiro de muitos
romances que vem por aí
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Corações em Trilha
O vale do Pati é conhecido como um dos trekkings mais bonitos do Brasil,
com trilhas desafiadoras e bem isolado da civilização. É nesse cenário
selvagem e paradisíaco que Matt Dupont sofre um acidente e desaparece.
Depois de oito meses de buscas sem resultados a sua família anuncia uma
recompensa milionária para quem conseguir encontrá-lo, o que desencadeia
uma busca desenfreada no Pati.

Tudo o que a blogueira Maria Ferreira queria era uma boa trilha e um pouco
de paz para tomar uma decisão importante, mas as buscas pelo francês
transformaram seu lugar preferido em um caos. Já a jornalista Laura acaba
caindo (figurativa e literalmente) nessa confusa busca ao substituir um
colega na cobertura dessa matéria, o que ela não imaginou é que iria se
deparar com sua ídola (a Maria Ferreira) e com o demônio de alhos azuis
que arruinou seus tempos de faculdade de forma irremediável.

Em meio a uma corrida maluca por um francês desaparecido, brigando com


o caos interno e com declives acidentados, Laura e Maria nos dão uma
carona em suas jornadas pessoais e nos encantam e divertem com esse que é
o segundo livro da autora Lili Santos, com um enredo impossível de não se
apaixonar.

Amor e Outros Processos


Quando uma coisa começa a desandar na nossa vida, parece que todas as
outras decidem seguir o mesmo rumo. E as coisas começaram a desandar na
vida de Alana, mesmo que ela talvez não queira admitir isso. No mesmo dia
que foi abandonada pelo seu (quase) namorado, ela conheceu o homem
mais fantástico do mundo (há controvérsias). O que seria realmente
maravilhoso, se ele não tivesse estragado aquele momento perfeito...não
telefonando no dia seguinte.Com a vida amorosa em desalinho, nossa
destemida heroína resolve focar na vida profissional. E, não bastasse o seu
concorrente direto à vaga de sócio no escritório de advocacia ser seu
ex(quase) namorado, o novo chefe tinha que ser aquele miserável que não
ligou no dia seguinte.

Com coragem e perseverança, boas amigas, seu maravilhoso pug(Benzinho)


e uma mais ou menos fiel lata-velha como companhia, Alana nos encanta
com suas aventuras do dia a dia. Seu carisma e presença de espírito é
comparável ao de personagens queridas de Sophie Kinsella e Marian Keyes,
nesse encantador livro de estreia da autora Tes Santos.

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