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Este conto faz parte do universo de “Borboletas Pra lá e Pra cá” e

“Mosquitinhos Pra lá e Pra cá”, que contam a história do romance de Laís


Monteiro e Thaila Fontana, duas mulheres que se conheceram no ensino
médio e se apaixonaram. Hoje, sete anos depois, você foi convidade para o
casamento delas.
Playlist do #ContoDeAgosto

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Para todas as borboletas,
principalmente as que fizeram
questão de permanecer.
Ato I - A Preparação
Se há anos atrás, quando eu tinha só dezoito anos, me dissessem que eu
conheceria o amor da minha vida e que hoje estaria me casando, eu
gargalharia na cara da pessoa. Sem sombra de dúvidas.
A Thaila Fontana de sete anos atrás não era alguém que se permitia
sentir. Que se deixava envolver com as pessoas ou ser vulnerável, que
desmanchava um muro com tanta facilidade. Eu não fui ensinada a isso. Eu
não tive relações que me fizeram ou me mostraram que isso podia
acontecer. Eu sequer tinha vontade de me apaixonar. Estava tudo indo bem
enquanto eu ficava com garotas aleatórias sem precisar me esforçar muito
para a relação ter futuro — porque não era a intenção.
E, para ser sincera, eu nem sei ao certo o quê ou como aconteceu,
mas eu fui pega completamente desprevenida desde a primeira vez que vi
Laís Monteiro na minha frente.
E acho que desde aquele momento eu nunca tinha tido tanta certeza
de algo na minha vida, por mais que não esperasse a garota complicada e
confusa que me aguardava pela frente. No fim das contas, o meu muro foi
facilmente desmanchado, o esforço maior foi para conseguir desmanchar o
dela. E que sorte a minha por ter conseguido!
Afinal de contas, agora, eu estava checando todos os últimos
detalhes para o grande dia.
E, não, não estou falando do casamento, mas da casa que vamos
morar juntas a partir de agora. Laís monopolizou todo o planejamento do
casório e está há aproximadamente um ano em completo surto para que saia
tudo perfeito, sem que eu me estresse com nada. Eu, claro, dou pitaco em
uma coisa ou outra, mas toda a perfeição desse dia é mérito dela.
Como todo planejamento, algumas coisas já deram errado no
caminho, mas tiramos nossos momentinhos juntas para relaxar e tirar um
pouco a situação de mente. Ainda assim, com todo o perfeccionismo da
minha noiva cansada que faz escalas de 24h no hospital e gasta o tempo
livre planejando nosso casamento, desde o pedido temos vivido um ano e
meio de noivado absolutamente delicioso.
O climinha de romance não acaba nunca! Parece que estamos na
fase da lua de mel desde antes do pedido de namoro, e eu torço para
continuarmos assim até ficarmos velhinhas — por mais que os
relacionamentos mudem e amadureçam. Nós mudamos muito desde o
início, e sempre conseguimos nos ajeitar e nos entender bem nessa
baguncinha nossa. Sempre conseguimos resolver nossas diferenças juntas.
Nós crescemos juntas; e nosso relacionamento também.
Laís Monteiro é a melhor escolha que eu poderia fazer todos os dias
da minha vida. A cada detalhe, a cada segundo.
E, por falar nela, meu celular começou a vibrar no bolso da calça
enquanto o corretor terminava de mostrar o apartamento.
— Com licença, querido — pedi, andando até outro cômodo.
— Fique à vontade, a casa é sua. — Abílio sorriu, com as marcas de
expressão à mostra e o cabelo grisalho sendo ressaltado pelo sol da manhã
que entrava no lugar.
— Bom dia, minha noiva — atendi a ligação.
— Thaila Fontana, eu te deixei encarregada de três coisas: das
alianças, da sua roupa e da sua presença — ela falava alto do outro da linha,
então afastei um pouco o celular do ouvido. Já imaginava que Laís fosse
ficar muito brava com minha demora, visto que ela não fazia ideia do que
eu estava fazendo. — Sua roupa acabou de chegar, mas nenhum sinal seu.
Posso entender o que está acontecendo? Você pretende desistir de tudo e
sumir? Porque o buffet já tá aqui, as decoradoras, nossas amigas estão
chegando, tudo…
— Meu bem. — Sorri, tentando tranquilizá-la. — Respira fundo e
conta até três. Eu vou chegar aí a qualquer momento, você nem vai perceber
o atraso. A Lorena tá passando pra me buscar com a Carol. Vai dar tudo
certo.
— E posso saber o que você tá fazendo que tanto demora? — Olhei
ao redor do apartamento.
Para a cozinha enorme e planejada que ela iria adorar passar horas
cozinhando suas sobremesas favoritas, para a sacada cercando todo o local,
onde comemoraríamos todas as nossas próximas conquistas. Encostei no
batente da porta da cozinha e fitei a sala, onde passaríamos nosso tempo
juntas, com as crianças no futuro correndo para os lados. Olhei para a
escada que levava ao segundo andar da cobertura, onde ficavam os quartos
e o terraço com piscina e churrasqueira.
Observei o lugar onde seríamos ainda mais felizes daqui para
frente.
— É surpresa — soltei em um suspiro, por fim.
— Espero que seja uma surpresa das boas, Thaila Fontana, para valer
meu estresse. — Ela deu uma risadinha. — Tô te esperando, não vou
começar a me arrumar sem te ver aqui, ouviu, mocinha?!
— Pode deixar, doutora — respondi, com um sorriso nos lábios e a
sensação de orgulho tomando conta de mim. — Vou chegar em breve.
— Te amo mais do que tudo, princesa.
— Te amo ainda mais. Muito mais. — Sorri, sentindo minhas
bochechas doendo com a repetição do movimento. — Até logo, noiva.

— Vocês podiam muito bem ter ido morar perto da gente, minha opinião.
— Lorena brincava no banco carona do carro de Carolina.
— Ah, claro! — Eu ri. — Porque você é muito mais importante do
que toda a família da Laís e o restante das nossas amigas. — Dei duas
batidinhas no ombro dela. — A gente vai te visitar, Lorena! Relaxa.
— Tô um pouco ofendida, mas vou passar essa porque é o seu grande
dia e eu tô muito nervosa pra ser uma madrinha impecável. — Lorena
respirou fundo.
— Você já tá sendo. Esse tempo todo. — Dei uma piscadinha em sua
direção. Ela se voltou para frente, rindo.
— Ouviu, né, amor? — Ela suspirou orgulhosa. — Eu já tô sendo
uma madrinha impecável.
— Eu disse, você que não acreditou — Carolina riu, prestando
atenção no caminho que o mapa indicava, por mais que eu desse pitaco com
alguma frequência por ser uma motorista que detesta andar de carona.
— É muita responsabilidade! Eu fico insegura.
— Não precisa, amiga. Você é perfeita. — Sorri.
— Quem olha assim nem diz que você me odiava.
Gargalhei, lembrando de quando nos conhecemos.
— São águas passadas! — Me defendi. — Hoje em dia eu nem quero
te socar a cada frase que você diz, nem reviro os olhos.
— Você revira os olhos às vezes — Carolina apontou.
— Ela tem razão.
— Tá — assumi. — Mas é que às vezes você é feliz demais até pra
mim!
— Não vou te julgar. — Ela suspirou. — Eu sou mesmo!
Acho que minha ficha tinha demorado demais para cair. Foi quando o GPS
apontou 10 minutos que minha ansiedade começou a apertar. Esse seria o
dia mais importante da minha vida. Um deles, definitivamente.
Eu estava a caminho do casamento com a mulher que eu amo. Tipo,
de verdade. A gente vai casar. Hoje. Em poucas horas. Casar de verdade!
Eu e a Laís Monteiro. Puta merda.
Eu sou a mulher mais sortuda do mundo.
E agora meu corpo inteiro está colapsando porque eu estava
adiando ao máximo esse momento de surto enquanto arranjava outras
preocupações para me distrair do fato de que, puta merda, eu vou casar
hoje!
— Lorena, você não tá entendendo. — Eu andava de um lado para
o outro em um dos quartinhos dos fundos da "Parada da Batata", um lugar
mais do que especial que tínhamos escolhido para fazer nossa cerimônia,
por mais que o nome não parecesse tão especial assim.
Tadeu, o senhorzinho dono do estabelecimento, tinha decidido
fornecer o lugar para a cerimônia gratuitamente, mesmo que a gente tenha
insistido em pagar. Ele também considerava um acontecimento muito
especial em seu restaurante e afirmou que, desde que estivesse convidado,
não cobraria nada.
Então foi um valor que conseguimos guardar — e que eu,
secretamente, tinha investido na nossa casa.
Agora, mais um motivo para o meu amontoado de Motivos Para
Surtar Antes do Casamento.
— Thaila Fontana, olha para mim. — Lorena parou bem à minha
frente, me segurou pelos ombros e me fez olhar em seus olhos. — Você
acha que a Laís é o tipo de pessoa que vai fugir no dia do casamento?
— Não, não acho. — Suspirei. — Mas vai que…
— Vai que nada! — Lorena deu dois tapinhas de leve no meu rosto.
— Só não mando você dormir porque o casamento é hoje. Então você tem
que ficar bem acordada e consciente. — Ela respirou fundo, olhando ao
redor. — Vamos lá, você não tá tendo uma crise ainda, mas vou usar o
método que eu uso quando meus aluninhos estão surtando, ok?
— Você vai resolver o meu problema da mesma maneira que resolve
o de crianças de quatro anos de idade?
— Três a cinco — ela corrigiu, com o dedo indicador levantado na
minha direção. — Senta aqui.
Lorena me puxou até o sofá, fazendo com que eu me sentasse. Só
estávamos nós duas naquela salinha e ela já estava arrumada. Eu, ainda não,
porque estava surtando desde o momento em que pisei os pés no local.
— Fecha os olhos e respira fundo — mandou, e assim o fiz. — Nota
ao seu redor, ok? Vou falando aos poucos. — Cinco coisas que você está
ouvindo.
Notei primeiramente o som do ar condicionado, depois, barulho de
ferramentas sendo usadas na montagem da estrutura, das portas do
restaurante abrindo e fechando, o som abafado de alguma conversa do lado
de fora e, por último, ao longe, o som dos carros passando na estrada em
que o local ficava.
— Pronto.
— Agora, quatro coisas que você está sentindo te tocar.
— Certo. — Mantive os olhos fechados.
Eu podia sentir, enquanto respirava fundo, o toque de Lorena na
minha perna, as roupas tocando minha pele, o sofá abaixo de nós e a aliança
de noivado em meu dedo. A aliança de noivado em meu dedo.
Respirei fundo.
— Pronto.
— Agora, três cheiros que você tá sentindo.
— Hum — resmunguei, mas sabendo que aquilo estava surtindo
efeito.
Eu sentia meu perfume forte, sentia o cheiro de sofá antigo e o cheiro
do incenso de canela que Maria Luiza havia acendido ali antes de
entrarmos.
— Agora, dois gostos.
Senti o gosto de pasta de dente e do chiclete de melancia que Carolina
tinha me dado no carro.
— Pronto.
— Agora abre os olhos e me diz a primeira coisa que você vê, pode
ser?
Assenti. Abri os olhos e, com a cabeça um pouco inclinada para
baixo, avistei o anel em meu dedo. A aliança que Laís havia dado quando
nos pedimos em casamento. E, de alguma maneira, a lembrança disso me
tranquilizou.
— Como você tá? — Lorena questionou, se certificando.
— Melhor. — Suspirei. — Definitivamente melhor.
— Tô cumprindo bem o meu papel, então. — Ela respirou aliviada.
— Você é boba — gargalhei.
— Toc-toc — ouvi a voz de Laís acompanhada por duas batidas na
porta.
— Se você estiver vestida de noiva, está estritamente proibida de
entrar neste cômodo! — Lorena gritou, me arrancando uma risada.
— A Thaila tá? — ela perguntou, com deboche na voz, já sabendo a
resposta. Lorena me olhou, amuada, e eu assenti.
— Tá não — ela respondeu em um muxoxo.
— Pois eu também não. — Ela abriu a porta, entrando de uma vez no
cômodo. — Precisava te ver.
Laís caminhou em minha direção, me puxando em um abraço
apertado.
— Oi, minha vida — apertei ainda mais o abraço, suspirando.
— Tô nervosa — ela sussurrou.
— Vou dar um momento para as pombinhas e já volto — Lorena
avisou, se retirando.
— Tá nervosa com o quê, meu amor? — Puxei ela para o sofá,
fazendo com que se aconchegasse em meu peito.
— De dar algo errado. — Laís começou a brincar com as pontinhas
do cabelo castanho. — De acontecer alguma coisa. — Ela respirou fundo.
— De você surtar e desistir.
— Parece que esse é um medo comum em casamentos, então —
brinquei.
— Como assim? — ela franziu o cenho, me abraçando pela cintura
naquele sofá apertado e olhando em minha direção.
— Eu também tô morrendo de medo de você, sei lá, perceber que
não me ama tanto assim e desistir de tudo.
— Thaila Fontana — Laís fechou a cara, sentando de frente para
mim em meu colo —, você tá estritamente proibida de pensar isso! Eu te
amo. Sempre. A gente vai casar hoje, tá me ouvindo?
Dei uma gargalhada alta, segurando ela pela cintura. Me aproximei
daquela mulher e depositei um selinho demorado em sua boca.
— Então você também tá estritamente proibida de pensar isso, tá
bem? — Encostei o dedo indicador na ponta de seu nariz e ela fez uma
careta.
— Promete que não vai desistir de mim hoje? — Seus olhos
encheram de lágrimas e eu fiz questão de secar cada uma delas conforme
caíam.
— Prometo que não vou desistir de você nunca.
Ela assentiu rapidamente.
— Eu te amo. Muito.
— Eu te amo muito, muito mais — afirmei. — Agora vai se
arrumar, minha noivinha linda. — Depositei mais um selinho em sua boca,
depois um beijo em sua testa. — Porque eu também preciso ficar linda pra
você.
— Até o altar, então?
— Até o altar. — Sorri.
Observei minha futura esposa se desprender do meu abraço com
muito pesar e sair de fininho da sala. E aquele momento foi a confirmação
que eu precisava para respirar fundo e manter a calma.
Tudo daria certo com ela do meu lado. Independente das
circunstâncias. Sempre.

Lorena me deixou dar uma espiada em como tudo estava indo antes de me
trancar dentro do quarto para que eu pudesse me arrumar, então aproveitei
os cinco minutos de liberdade para pegar um ar e espiar a decoração.
A cerimônia em si ocorreria do lado de fora, no espaço do
estacionamento, um terreno relativamente grande — o suficiente para
garantir o conforto dos nossos convidados mais íntimos, já que optamos por
um casamento pequeno.
Um tapete vermelho nos esperava desde a estrada do restaurante até o
palanque com o púlpito onde a celebrante realizaria o rito da cerimônia.
Emoldurando o tapete vermelho, haviam cadeiras brancas individuais, uma
ao lado da outra, cada fileira sendo decorada por um arranjo de lírios
brancos e rosas em um tom de azul claro. No palanque, havia um arco de
folhas, com as flores escolhidas para a decoração e borboletas azuis
artificiais referenciando uma piada interna nossa.
Tudo estava lindo e praticamente impecável, por mais que ainda não
estivesse pronto. Pude analisar pelo vidro da lanchonete que alguns
funcionários corriam para um lado e para o outro, organizando os
preparativos finais do que seria o salão de festas.
Senti minha barriga roncar antes de ouvir Lorena me chamando, e só
aí me dei conta de quanto tempo estava sem comer nada.
— Amiga, consegue arranjar algo para eu comer? — pedi, assim que
entrei no quartinho.
— Tô começando a achar que você que vai fugir. — Lorena me
encarou com os olhos semicerrados. — Toda hora uma desculpa diferente
pra ficar sozinha.
— Eu não tomei café da manhã nem almocei, garota. — Peguei uma
garrafinha de água no frigobar. — Só tô com fome.
— Eu vou pegar algo. — Ela se levantou, indo em direção à porta. —
Mas eu tô de olho, Thaila Fontana. Na volta quero você de banho tomado e
cabelo penteado.
— Sim, senhora.
A porta se fechou e aproveitei aquele momento sozinha para me olhar
no espelho com atenção, tentando não sucumbir ao pensamento que me
vinha à cabeça.
Já tinha algum tempo que meu transtorno alimentar estava
controlado, graças ao acompanhamento com diversos profissionais e aos
medicamentos que comecei a tomar.
Ainda assim, às vezes se tornava um pouco difícil me olhar no
espelho, principalmente em dias de tanta ansiedade como esse.
Eu sempre digo que a bulimia é algo que poucas pessoas vão
entender. Por mais que eu tenha noção do meu privilégio enquanto uma
pessoa magra, por mais que eu saiba que ocupo esse lugar, por mais que eu
veja o peso na balança e as taxas… É difícil.
A imagem que eu vejo no espelho é outra. A imagem das
fotografias. A falta de fome e a ânsia de não comer quando a fome vem. O
excesso de tudo quando a ansiedade bate. Entender o que é um
comportamento comum e o que é a bulimia falando mais alto. Tudo é um
grande desafio, com uma enorme necessidade de se reinventar para passar
por isso.
Ao mesmo tempo que o mundo foi feito para pessoas como eu, ele
não foi preparado para lidar com pessoas com transtornos como o meu. Ou
qualquer outro tipo.
Então é preciso olhar com cuidado para essas pessoas.
E eu preciso olhar com cuidado para mim também.
Engoli em seco e dei meia volta, abrindo a porta para o banheiro.
Evitei pensar muito sobre a situação, sobre a roupa que eu iria vestir e que
foi preparada sob medida para mim. Apenas abri o chuveiro na água fria e
entrei lá. Deixei minha cabeça viajar para outro lugar e me permiti pensar
em coisas boas, enquanto respirava fundo para evitar uma possível crise de
ansiedade.
Hoje, não. Hoje é dia de pensar em outras coisas. Como, por exemplo,
na mulher que viria em minha direção no altar no momento em que eu
colocasse os pés lá. Na mulher linda que me encantou desde o primeiro
momento e que, devagar e com muita resistência, me permitiu ser ainda
mais apaixonada por ela todos os dias.
Era nisso que eu precisava focar hoje.
No anel que eu iria colocar em seu dedo.
Puta merda. O anel.
Desliguei o chuveiro correndo e me enrolei na toalha. Já tinha lavado
meu pouco cabelo e me ensaboado, então saí do banheiro. No sofá, Lorena
estava sentada com um prato de salgadinhos e a atenção voltada para o
celular, passando alguns vídeos e rindo sozinha.
— Lorena, ferrou.
— O que houve? — Ela olhou em minha direção. — Por que você tá
parada na minha frente como se tivesse visto uma assombração?
— Porque as alianças tão dentro do meu carro.
Lorena estreitou as sobrancelhas, me olhando confusa.
— Lorena, meu carro tá em casa! Eu vim com vocês!
— Puta merda! — Ela levou uma das mãos até a boca, ainda
segurando o prato de salgadinhos. — Ferrou.
— O que eu faço? — Me virei e encostei a cabeça na parede,
choramingando.
— Calma. Eu vou pensar. — Ela se levantou, me entregando o
pratinho e dando umas cinco voltas no cômodo antes de virar em minha
direção com um olhar iluminado. — Simples. A Carolina vai lá buscar!
— Faltam quarenta minutos pro casamento e a chave do carro tá
dentro de casa — expliquei. — Meu avô com certeza já saiu de casa.
Ferrou, Lorena. Não tem casamento sem aliança.
Sentei no sofá, ainda de toalha, colocando uma coxinha para
dentro, absolutamente sem esperança.
— Tá, vamos tentar. Se não der certo, a gente dá outro jeito. Beleza?
— Ela olhou nos meus olhos, esperando uma resposta. Eu dei de ombros e
assenti, encostando no sofá e respirando fundo.
Lorena ligou para Carolina e em um instante passou as coordenadas.
A casa do meu avô não era tão longe dali, afinal. Uns 20 minutos. Carolina
precisaria botar o pé no acelerador para chegar, pegar a aliança e voltar. E
eu tinha quase certeza de que não daria tempo e nem teria jeito de fazer
isso. Então precisávamos de um plano B.
— Tá, plano B?
— Não tem plano B. O plano A vai funcionar — Lorena afirmou. —
O plano B é você começar a se arrumar logo ou não vai ficar pronta a
tempo. E eu sei que a noiva atrasa, mas nem maquiagem, nem cabelo você
vai fazer! Vamos deixar esse pequeno atraso para a outra noiva, que tal?
Bufei, mordiscando uma bolinha de queijo. Muito gostosa por sinal.
Ela tinha razão, eu não podia me atrasar para o meu próprio casamento
enquanto deixava a ansiedade — para o casamento — me engolir.
Levantei do sofá e bati as mãos na toalha, tirando o farelo de
salgadinho. Respirei fundo e olhei mais uma vez no espelho.
— Tá, fecha o olho ai que eu vou botar a roupa.
Lorena virou de costas e, ainda assim, tapou os olhos com as duas
mãos.
Deixei a toalha de lado e vesti uma calcinha branca — Laís leu em
algum lugar que dá sorte e me obrigou a usar também — acompanha de um
sutiã branco de renda que deixava à mostra meu ombro e braços malhados.
Infelizmente, essa belezura ainda seria coberta.
Vesti uma calça off-white de alfaiataria que se alargava de acordo com
a extensão das pernas e possuía cintura alta. Uma espécie de blazer no
mesmo tom, em um tecido um pouco mais leve do que o tradicional, entrou
em cima do sutiã de renda, deixando-o à mostra por não estar abotoado. A
calça foi complementada com um cinto de couro marrom e eu acrescentei
acessórios dourados. Coloquei duas argolas pequenas e troquei meus
piercings nas orelhas, assim como acrescentei duas correntinhas de
tamanhos diferentes no pescoço. Um relógio dourado com pulseira de couro
entrou no meu pulso e tirei a aliança de noivado, deixando meu dedo livre
para a aliança dourada de casamento que, potencialmente, entraria ali.
Se tudo desse certo. O que eu tinha quase certeza de que, bom, não
daria.
Penteei meu topete e analisei de perto o corte das laterais, que estava
disfarçado com um risquinho na entrada. Comecei a torcer para que o vento
fizesse seu trabalho e secasse meu cabelo a tempo. Laís tinha roubado o
secador para ela, então eu podia contar apenas com recursos naturais.
— E seu discurso, madame? — Lorena se aproximou, me
oferecendo uma bala de menta. Aceitei, já colocando na boca. Ela tentou
mexer no meu cabelo, mas me esquivei na hora. — Leonina demais. —
Revirou os olhos.
Franzi o cenho, prendendo uma risada.
— E desde quando você entende de signo?
— Desde que eu comecei a namorar Carolina Montenegro e,
necessariamente, precisei aprender. — Ela deu de ombros, rindo, e eu
acompanhei.
Lorena deu batidinhas em meus ombros, como se o blazer estivesse
sujo, e olhei para ela com as sobrancelhas franzidas e uma careta.
— Que foi? — Ela arregalou os olhos. — Eu também tô nervosa!
Minhas amigas tão se casando! E eu sou madrinha!
— Ok, tudo bem. Tá no seu direito. — Respirei fundo, sentando no
sofá. — Alguma notícia da Carolina?
— Ainda no caminho. — Lorena olhou a localização compartilhada
no celular. — E o discurso?
Olhei em sua direção e dei uma risada leve. Então fiz uma careta
que me entregava totalmente.
— Você não escreveu um discurso — concluiu. — Thaila Fontana,
você tem cérebro?!
— Desculpa, eu tava ocupada demais comprando uma casa e me
distraindo de todo o nervosismo do casamento!
— Tudo bem, mas deveria ter escrito um discurso! É a parte mais
básica possível de um casamento.
— Eu amo a Laís. São sete anos! Eu sei tudo de cabeça. — Olhei
minhas unhas cortadas, concluindo que precisava lixar algumas. Então fui
em direção a minha bolsa e peguei a pequena lixa de unhas que eu
costumava levar a todos os lugares.
— Se você não improvisar o discurso mais lindo que eu já ouvi na
vida, eu vou lá na frente e começo a falar o que eu escrevi.
— Lorena — franzi o cenho, falando pausadamente para ter certeza
de que eu não estava enganada —, você escreveu um discurso de casamento
pra minha noiva que coincidentemente é sua ex?!
— Não! — ela exclamou, fazendo careta. — Quer dizer, sim. Mas não
desse jeito. — Lorena pegou um papel no bolso da calça e desamassou. —
Eu escrevi como se fosse você falando pra ela.
Peguei o papel da mão dela, prendendo o riso, e fiz uma leitura
rápida. Tinha uma página e meia, escrito a mão com letra de criança. Uma
das coisas mais genéricas que já vi.
— Beleza, me lembra de escrever o seu discurso no dia do seu
casamento, porque isso aqui parece ter saído diretamente do maternal. E
pesquisado no google!
— Que isso?! Tá lindo, Thaila!
— Tá brega, Lorena! — Cruzei as pernas, me encostando no sofá,
enquanto deixava a gargalhada presa sair. — Achei que você fosse mais
romântica que isso.
Observei a garota coçando o cabelo loiro, com um dos olhos
fechados.
— E eu sou! Mas com a Carolina.
— Justamente com quem precisa, olha que maravilha. — Revirei os
olhos, com as bochechas doendo de rir. — Não com a minha namorada! —
Dei um soquinho no braço dela, que resmungou.
Ouvimos três batidas na porta.
— Meninas, tá na hora — era a voz de Malu. — Tá tudo pronto, os
convidados e acompanhantes chegaram e a outra noiva já tá preparada.
Vamos?
E foi aí que meu coração começou a acelerar bem mais do que o
recomendado pelos médicos e demorou muito, mas muito mesmo, para
voltar ao normal.
Estava na hora. Eu iria me casar com Laís Monteiro.
Ato II - A Cerimônia
Eu sempre estive preparada para muitas coisas. Eu sempre estive preparada
para os piores e os melhores cenários. Eu estive preparada para o meu
primeiro beijo com uma menina. Eu estive preparada para me entender
lésbica, sem dúvida alguma. Eu estive preparada para a primeira vez que fui
parar no hospital depois de um tombo de skate. Eu estive preparada para me
assumir para os meus pais e para todas as consequências disso. Eu estive
preparada para encarar a adolescência e toda a confusão que é carregada
junto com ela. Estive preparada quando me mudei e estive preparada
quando me deparei com a garota mais linda e hipnotizante que eu já havia
visto. Eu estive preparada em todos os quase beijos que dei nela e estive
preparada no primeiro também. Estive preparada para o desafio que seria
conquistá-la. E estive preparada para pedi-la em namoro e convidá-la para
ser feliz ao meu lado, assim como eu era feliz ao lado dela.
Estive preparada todos esses anos e para tudo que enfrentamos juntas.
Estive preparada no dia em que a pedi em casamento. Nunca tive dúvida de
nada.
E não tenho dúvida alguma.
O fato é: existia apenas uma coisa pela qual, não importa o esforço
que eu depositasse, nunca estaria preparada. E esta coisa era o momento em
que eu estaria no altar observando Laís Monteiro entrar vestida de noiva ao
meu encontro.
Eu entrei primeiro, com todos os rostinhos conhecidos sentados ao
nosso redor de olhos atentos. Quer dizer, antes de mim, é claro, entraram as
madrinhas: Lorena e Malu.
Escolhemos que fossem apenas elas porque, dentre todas as nossas
amigas próximas, escolher um número tão limitado seria praticamente
impossível.
Escolhemos uma banda para tocar na cerimônia e em um período da
festa também. A questão é que eu não estava preparada, também, para ouvir
o instrumental de “Tenerife Sea”, do Ed Sheeran, uma das minhas músicas
favoritas, sendo tocada naquele momento de entrada.
Entrei de cabeça erguida, de braços dados com meu avô, a figura
familiar mais importante e presente da minha vida. Existia uma coisa que
me deixava um buraco no coração no meio disso tudo: a ausência dos meus
pais. O fato de nunca terem aceitado, de nunca terem conhecido a mulher da
minha vida. De não estarem presentes nesse dia. O dia mais importante da
minha vida — com licença poética para ser extremamente repetitiva sobre
isso.
Mas a família que eu havia construído aqui era o necessário. Era o
suficiente. E a família que eu construiria com ela também. Muito mais do
que o suficiente. Era absolutamente tudo o que eu mais queria.
A questão é que, quando cheguei ao altar e parei no meu lugar,
posicionada de frente para o tapete vermelho, meu coração foi tomado
absolutamente pelo sentimento mais profundo que eu já pude sentir em toda
a minha vida. Como se meu peito fosse parar ali mesmo, completamente
preenchido. Como se meu corpo não pudesse reagir.
Senti minha boca secar, meu coração acelerar, senti a ponta do meu
estômago arder. Senti meus olhos marejarem por completo. Senti o ar faltar.
E as borboletas. Ah, as borboletas no estômago. Para lá e para cá.
Para sempre.
Ela chegou, de braços dados com sua mãe.
Laís Monteiro estava absolutamente impecável. Ao mesmo tempo que
estava linda como sempre, também estava linda como nunca. Seu vestido
era tomara que caia. O mais simples possível, como ela bem gostava. O
tecido era de seda, rente ao corpo de início. No tronco, possuía vincos
delineando a silhueta e, ao decair, a saia ia se tornando mais leve, menos
justa ao corpo, com uma fenda na perna esquerda que iniciava na altura da
coxa. Era lindo; perfeito. Feito para ela a ponto de me deixar inteiramente
arrepiada.
Minha futura esposa também usava o cabelo em um coque alto
perfeitamente construído, como o de princesas. Entretanto este possuía
alguns fios de cabelo soltos, caindo do topo de sua cabeça, os que ela havia
descolorido há tempos atrás, principalmente. Preso no coque, estava uma
grinalda com detalhes de flores e borboletas, de onde pendia um véu
inteiramente de tule, sem muitos detalhes, que, ao contrário do vestido, era
longo a ponto de se arrastar pelo tapete enquanto ela andava.
Como uma princesa. A minha princesa. Desde sempre.
Mais importante, agora, para sempre.
Assim como meu sorriso não se fechava, o de Laís estava igual. A
partir de certo momento, com a trilha sonora instrumental ao fundo e os
olhos dela colados ao meu, também marejados, eu esqueci de todo o resto
do mundo. De tudo o que nos cercava, de todas as pessoas em volta. Eu
esqueci que ali, naquele momento, não éramos apenas nós duas. Porque
para mim era.
Se não fosse antes, agora seria essa a imagem eternizada em minha
memória: nós duas com o tapete vermelho e poucos passos nos separando.
Nossos sorrisos gigantes. Nossos olhos molhados. Minhas bochechas
doendo a ponto de não aguentar o riso misturado com choro.
A mulher da minha vida estava vindo em minha direção para se
tornar, oficialmente, a minha mulher. E acho que eu não seria capaz de
descrever o sentimento que tomava conta do meu corpo.
Poderia dizer, até, que eram todos aqueles sentimentos quando
estamos falando de paixão. De amor. Mas todos eles misturados, ao mesmo
tempo. E incredulidade. Incredulidade pela capacidade de duvidar que um
momento tão mágico como este estaria de fato acontecendo.
Foi quando minha sogra entregou a filha para mim que eu me dei
conta, com nosso toque de mãos eletrizante como sempre, de que sim; era
real. Não tinha como não ser.
Era a materialização de tudo o que a gente sentia uma pela outra. A
atmosfera do ambiente era essa. A cerimônia mal havia começado e a
maioria dos convidados estavam chorando, como nós.
— Você tá tão maravilhosa nesse vestido — sussurrei para ela. — Eu
amo o seu cabelo desse jeito.
Laís sorriu ainda mais para mim.
— Você tá perfeita, meu amor. — Ela suspirou. — Como sempre.
Que mão hidratada! — Gargalhamos juntas e eu precisei umedecer os
lábios pelo impacto causado em meu corpo naquele momento.
Laís se posicionou em minha frente. E respiramos fundo, juntas,
olhando uma para a outra. Segurei sua mão, que estava tão trêmula quanto a
minha. Mas conseguíamos conversar pelo olhar, simplesmente. Eu tentava
acalmá-la, assim como ela tentava me acalmar. Por mais que nenhuma das
duas estivesse, de fato, calma. Mas faríamos qualquer coisa uma pela outra,
sempre.
— Podemos começar? — Daniele, a celebrante, perguntou, sendo
respondida com um acenar de cabeças de ambas as noivas. — Hoje, nesse
dia tão bonito e ensolarado, viemos celebrar um amor puro. Um amor
verdadeiro. Difícil de se encontrar nessa vida. Um amor verdadeiramente
poético, de duas mulheres que se encontraram no meio dessa bagunça que é
a vida e que, desde então, com todas as adversidades, não desistiram uma
da outra. Não desistiram do amor. — Uma pequena pausa foi feita, mas eu
não fui capaz de tirar os olhos de Laís um único segundo para olhar ao
redor. Então respirei fundo. — Em nome das noivas, sejam oficialmente
bem-vindes a esta cerimônia. — Uma salva de palmas foi puxada pelos
convidados. — Hoje, nós vamos falar um pouco de Laís Monteiro e Thaila
Fontana. Donas de um amor que começou há anos atrás, sem sequer se
apresentar dessa maneira. Bom, pelo menos não para uma delas.
Ela olhou para Laís, prendendo o riso, e nos levou à mesma reação.
Da mesma maneira, quem estava ao nosso redor e acompanhou a história
desde o início, riu também.
— Enquanto Thaila tinha a mais pura e total certeza de estar
apaixonada, Laís passou muito tempo negando esse sentimento. Negando
esse sentimento que se transformou, aos poucos, em uma amizade. Em uma
amizade que todos sabiam que não se limitaria a isso. E essa amizade se
transformou em uma paixão diferente, que toma conta e que acalma, que
abraça e ajuda. E Laís precisou de muitas provas para que o amor se
concretizasse. Uma delas foi perder a garota que gostava de vista. — A
pausa dramática fez com que nossos olhos voltassem a se encher d’água,
lembrando de tudo o que aconteceu quando nos conhecemos. Quando nos
apaixonamos. Respirei fundo. Laís também. — Mas quando se
reencontraram, dentre todas as dificuldades, não houve quem ou o quê
pudesse separá-las. — Abri um sorriso largo, tentando prender um pouco o
choro que insistia em cair desde o momento em que avistei Laís Monteiro.
Tentativa falha, pois o discurso continuou:
— Com muito romance, um lindo pedido de namoro e dois pedidos
ainda mais lindos de casamento, com muita paciência e cumplicidade, com
muitas danças românticas em momentos oportunos e inoportunos, com uma
série de descobertas todos os dias, com os percalços da vida sendo
enfrentados sem que elas saíssem de perto uma da outra, elas estão aqui
hoje. Juntas. Mais do que nunca. E isso, por si só, é motivo para celebração.
Um amor como esse não se encontra muitas vezes na vida. Que bom que
não deixaram escapar, queridas. — Dani olhou em nossa direção, com as
fichas ainda em mãos, e sorriu.
— Vocês traçaram um lindo caminho até aqui — continuou. — E
ainda têm muito o que caminhar. Um casamento é uma nova etapa, repleta
de erros e acertos. Repleta de escolhas, de vivências, de encontros e
desencontros. Repleta de decisões, de discussões, de lutas. Lutas internas,
externas. Lutas dentro de si mesmas. — Suspirou. — Casar é buscar o
equilíbrio entre essas lutas. Entre esses momentos. É buscar e encontrar o
equilíbrio do próprio amor.
Laís ainda segurava minhas mãos. Para ser exata, nós ainda
segurávamos as mãos uma da outra. Com força, com cumplicidade, com
toda a eletricidade pairando por nós. Como se fôssemos uma única coisa.
Como se o amor fosse nosso. Fosse nós.
— Agora, vamos seguir a cerimônia com a entrada das alianças —
Daniele prosseguiu, me tirando do transe apaixonado e me fazendo voltar à
realidade. Que alianças?
Lorena automaticamente pigarreou ao meu lado e, tentando ser o
mais discreta possível, sussurrou no meu ouvido:
— Tenta enrolar. Já volto.
Arregalei os olhos e senti meu corpo estremecer dos pés à cabeça.
Eu literalmente não sabia como enrolar.
A meia-irmã de Laís, Mel, que agora estava com 8 aninhos e era a
coisa mais gostosa do universo, iria entrar com as alianças vestida de
daminha em um vestido azul claro, que combinava com a decoração do
casamento.
Assim como ela, as madrinhas acompanhavam o tema da
cerimônia: o vestido de Maria Luiza era na mesma tonalidade, de costas
abertas e alças finas, longo até o pé. O terno de Lorena também foi feito
com o mesmo tom de azul, contando com a camisa social branca e a gravata
acompanhando as cores do paletó e calça.
Eu gastei um tempo observando tudo isso em silêncio. A criança já
preparada na entrada do tapete vermelho, mas sem as alianças em mãos. E
eu ainda sem saber o que fazer.
— Aliás — comecei, virando para Daniele — eu gostaria que
declarássemos os votos antes.
Laís apertou minha mão, olhando fixamente para os meus olhos
quando meu olhar encontrou o dela. Agora não era emoção ou paixão, mas
desespero. Ela queria saber o que tinha acontecido. Eu era encarregada
pelas alianças. E eu estava enrolando a cerimônia por algum motivo. Porque
as alianças não estavam lá.
— Hum — Daniele grunhiu, observando seu cronograma. — Acho
que tudo bem. Podemos fazer isso!
Sorri, aliviada, torcendo para que fosse tempo o suficiente para o
problema ser resolvido. Eu confiava em Lorena. Daria tudo certo.
— Laís Monteiro, pode declarar o amor por sua noiva.
Laís relaxou o semblante, agora sorrindo. Ela respirou fundo e
pegou o papel entregue por Malu, desdobrando a folha quatro vezes. As
folhas, para ser mais exata. Então começou, fazendo meu coração se encher
nas primeiras palavras.
— Thaila Fontana, você é a melhor e mais fácil escolha que eu já
fiz em toda a minha vida. É a escolha que faço questão de repetir dia após
dia. Sem pensar duas vezes. — Ela suspirou, olhando para o alto na
tentativa de segurar, pelo menos um pouco, as lágrimas. — Eu te escolho
sempre que chego de um plantão de 24 horas às seis da manhã e você está
na porta de casa me esperando com chocolates. Eu te escolho sempre que
você posta uma foto minha distraída no seu perfil profissional sem que eu
sequer saiba que ela foi tirada. Eu te escolho quando dividimos refeições e
conversamos sobre o quão simbólico isso é. Eu te escolhi num terraço
iluminado por estrelas e em um quarto de hospital. E eu te escolhi antes
mesmo de saber que era uma opção e antes mesmo de entender o tamanho
do amor que eu sentia por você. — Ela fez uma pausa para passar o dorso
da mão no nariz. Eu ri com o gesto, sentindo toda a hidratação do meu
corpo se esvair em formato de lágrimas. — Eu te escolhi todas as vezes que
precisava ligar para alguém e todas as vezes em que você apareceu sem
sequer questionar. Eu te escolhi no primeiro beijo e no trigésimo sexto
também. Eu te escolhi na primeira briga, sem saber. E te escolhi na última
briga também, semana passada quando eu queria dormir e você fazia
questão de assistir a final da copa feminina afirmando que o Brasil
ganharia. — Ela comentou, arrancando gargalhadas minhas e dos
convidados.
— E ganhou — complementei.
— A questão é, Thaila Fontana, que eu te escolheria mais milhões
de vezes. Em milhões de vidas. Em qualquer outro momento. Eu te
escolheria sempre. E sempre. E sempre. Porque você é a mulher para mim.
Porque o amor que eu sinto por você é incomparável, inconcebível,
inigualável. Nosso amor é no infinitivo, no particípio, é regular e irregular.
— Ela fungou mais uma vez, e eu a acompanhei. — Ele é para sempre. Para
o nosso sempre. E é nosso. E eu amo ressignificar o felizes para sempre
todos os dias com você. É com você que eu quero estar para sempre. Todos
os dias. É com você o meu futuro. O nosso. As crianças correndo no quintal
e um vira-lata latindo até eu perder a cabeça, simplesmente porque você
ama. É com você que eu quero a minha primeira casa, a nossa casa. É com
você que eu quero dormir e acordar. Viver e lembrar. Contar as histórias
mais lindas e as mais idiotas também. É você, meu amor. Sempre foi. Desde
o incidente da pipoca até o momento de agora. E eu sou a mulher mais feliz
do mundo por isso. Não há nada mais bonito do que o amor sentido entre
duas mulheres, mas não há nada mais poético do que o nosso amor.
Houve um consenso naquele momento. Um consenso de minutos
em silêncio, digerindo todas aquelas palavras ditas pela boca daquela
mulher. Um consenso entre mim, os convidados, as madrinhas e a
cerimonialista. Meu coração batia tão rápido no peito que quebrava o
silêncio. E eu podia jurar que todos ouviam.
Laís olhava para mim sorrindo. Eu olhava para ela sorrindo. As
lágrimas nos olhos e as mãos dadas. O nervosismo tomando conta do corpo.
Merda, eu deveria ter escrito um discurso. No improviso vai ser
simplesmente impossível de superar isso.
Saí do momento de êxtase quando Lorena voltou e parou logo atrás
de mim. Fitei-a rapidamente, e ela fez um joinha com as mãos. Não sei o
que tinha acontecido e como ela tinha resolvido, mas de alguma maneira,
confiei que estaria tudo certo. Nossos convidados esperavam.
— Droga, perdi o discurso da Laís — Lorena cochichou.
Eu apenas ri, antes de acenar com a cabeça para a celebrante, que
nos acompanhava no sorriso largo.
— Thaila Fontana, pode declarar o amor por sua noiva.
Respirei fundo e fechei os olhos. Respirei fundo pensando em tudo
o que vivemos. Respirei fundo pensando em como aquela mulher, bem ali
na minha frente, era a melhor coisa que havia me acontecido. Respirei
fundo lembrando da entrada dela naquele tapete vermelho e respirei fundo
pensando na primeira vez em que acordei ao seu lado. Respirei fundo
lembrando o quanto foi horrível ficar longe. E respirei fundo pensando no
reencontro. No coração acelerado no peito a ponto de doer. Num amor que
tomava conta de mim a todo momento.
Era sobre isso que eu precisava falar.
Laís arqueou as sobrancelhas quando eu pigarreei, se dando conta de
que eu tiraria tudo da cabeça. O olhar que ela me lançou foi desafiador —
como o árduo espírito de competição que sempre carregamos, apesar de eu
não me importar nem um pouco de perder para ela.
Eu sorri, decidida a começar.
— Sabe, Laís Monteiro, eu não preparei nada. Não preparei um
discurso de cinco páginas ou vim o caminho todo pensando sobre o que
falaria. Tudo isso porque eu sei que não preciso. Tudo isso porque o amor
que eu sinto por você é tão grande, tão forte, que paira aqui na garganta.
Que faz vontade de gritar para todo mundo, em qualquer lugar, o quanto eu
te amo. E o quanto eu sou a mulher mais feliz do mundo ao seu lado. —
Respirei fundo, deixando as lágrimas descerem. Ela me fitava, tentando
segurar mais um choro. Provavelmente falharia assim como eu. Àquela
altura, eu já ouvia Lorena fungar atrás de mim. — E, de certa forma, eu
venho gritando isso há anos. Não literalmente, óbvio, apesar de já ter feito
de forma literal algumas vezes também. — Demos uma risada e, naquele
momento, eu parei de prestar atenção nas reações dos convidados. Tudo o
que me importava era ela. Aqueles olhos, aquela boca que eu conhecia
também, aquela covinha que se abria ao sorrir. O vestido que a deixava
ainda mais deslumbrante do que o normal. — Eu gritei que te amo todas as
vezes em que apareci cinco minutos depois de uma ligação. Gritei que te
amo insistindo em quebrar o muro entre a gente pra fazer o “nós” dar certo.
Gritei que te amo em praias desertas e dançando músicas desritmadas. Eu
grito que te amo e gritarei todas as vezes que você tiver dúvidas ou
esquecer ao longo desses anos. Eu te amo, Laís Monteiro. E eu gritaria isso
aqui mesmo, agora, se não fosse assustar nossos convidados. — Dei uma
pausa, acompanhando sua risada. — Eu vou ser eternamente grata por você
ser você. Por você ter me mudado. Por você ter quebrado meu muro com
apenas um flerte duvidoso sem querer e um olhar profundo. Por você ter me
ajudado a me ver de outra maneira, a me tratar com tanto carinho quanto
você trata. Eu vou ser eternamente grata pela chance de ter te conquistado e
de te conquistar todos os dias. Eu sou melhor com você. Nós somos
melhores uma com a outra. E o nosso futuro sempre será melhor enquanto
estivermos juntas. — Respirei fundo. — Eu quero te acompanhar na
gravidez, eu quero adotar nossos molequinhos, eu quero correr no quintal
com eles e um vira-lata enquanto você perde a paciência com o latido dele,
mas observa a cena com amor. Eu quero guardar todos esses momentos em
fotografias e vídeos, para que eles se tornem eternos. Eu quero tirar fotos de
você distraída com cabelos brancos depois que nossos filhos saírem de casa
e o que nos restar for uma à outra novamente. E eu quero ser feliz com
você. Em todos esses momentos. Sozinhas, acompanhadas e sozinhas de
novo. Eu quero que todos os nossos momentos sejam eternos. Eu quero ser
eterna com você. Enquanto o nosso amor durar, ele será eterno. Nós
seremos. E eu posso gritar isso quantas vezes você quiser. Porque eu te
amo, Laís Monteiro. Mais do que tudo.
Quando olhei ao redor, a maioria dos convidados estavam se
acabando de chorar. Principalmente nossa celebrante. Parece que eu tinha
arrasado nos votos!
Agora só faltavam as alianças.
— Nossa, acho que posso dizer por todes que essa é uma das
cerimônias mais emocionantes que eu já participei — Daniele comentou,
soltando um riso fraco e secando as lágrimas. — Mas precisamos continuar,
pombinhas!
Eu esperava, genuinamente, que Lorena tivesse resolvido esse
problema. De verdade. Esperava mesmo.
— Agora vamos para as alianças, então — Daniele disse ao
microfone.
Percebi Lorena se movimentando e pegando o microfone da mão da
celebrante, o que me desesperou um pouco e me fez olhar para ela de olhos
arregalados. Ela pigarreou.
— Boa tarde, gente! — Lorena abriu um sorriso amarelo. Eu iria
matá-la. — Então, antes das alianças entrarem, a madrinha aqui gostaria de
dar uma palavrinha. — Suspirou. — Houve um incidente com as alianças
oficiais. — Laís me olhou com os olhos arregalados, apertando minhas
mãos. Dei de ombros, fingindo não saber muito bem. — Mas nosso
queridíssimo e bondoso senhor Tadeu — ela apontou para o senhorzinho
dono do local sentado em uma das fileiras, que levantou, abriu um largo
sorriso e acenou — nos cedeu momentaneamente as alianças de seu
casamento com dona Clarice, afirmando que era a coisa certa a se fazer e
que ele, assim como sua falecida esposa, ficariam honrados em fazê-lo.
Lorena terminou o discurso e olhou para Laís que estava com os
olhos marejados em direção ao homem. Ela havia criado um apego de outro
mundo com ele desde que começamos a visitar a Parada da Batata e, na
verdade, existia uma história muito forte por trás de tudo que unia os dois.
Então não poderia ser mais emocionante do que isso.
Errado.
Porque quando Melzinha, de cabelos loiros encaracolados com
babyliss, bochechas enormes e vestido de daminha entrou com as alianças
em uma almofadinha, andando devagar ao som instrumental de “Sparks”,
Coldplay, Laís Monteiro se debulhou em lágrimas.
Sua meia-irmã se aproximou de nós com um sorriso largo no rosto,
enquanto a madrasta de Laís observava da primeira fileira de olhos
marejados, e nos entregou as alianças. Cada uma pegou uma e, quando já
estavam em mãos, a Daniele seguiu:
— Laís, repita comigo: — ela começou — “Receba esta aliança como
símbolo do meu amor.”
— Receba esta aliança como símbolo do meu amor. — Laís segurava
minha mão esquerda com o dedo anelar sugestivamente levantado. Com a
outra mão, ela segurava a aliança já posicionada para colocar.
— “Te prometo ser fiel, te amar e te respeitar” — Daniele seguiu.
— Te prometo ser fiel, te ama e te respeitar — Laís disse com
lágrimas caindo. Eu também não me aguentava mais de chorar.
— “Por toda a eternidade.”
— Por toda a eternidade. — A mulher da minha vida colocou a
aliança dourada em meu dedo e eu senti um arrepio carregado de sensações
boas subir minha espinha. Agora era minha vez.
— Receba esta aliança como símbolo do meu amor. Te prometo ser
fiel, te amar e te respeitar, por todos os dias da minha vida. — Repeti,
devagar, também acompanhando as ordens de Daniele, ansiosa pelo
momento em que diria sim e beijaria aquela mulher na frente de todos.
Coloquei a aliança no dedo de Laís e, assim como em mim, coube
perfeitamente. Como um acaso do destino. Como uma obra do universo
para que tudo desse certo naquele dia.
Nos olhávamos com um sorriso de orelha a orelha, sem conseguir
conter a felicidade daquele dia. Sem conseguir conter a euforia que era ter
encontrado o amor uma na outra. Sem conseguir conter todos os
sentimentos e o significado que era celebrar o casamento de duas mulheres
que se amavam mais do que tudo.
— Laís Monteiro, por livre e espontânea vontade, você aceita
Thaila Fontana como sua legítima esposa? — Daniele fez a pergunta tão
esperada.
— Aceito — Laís abriu ainda mais o sorriso, assentindo.
— Thaila Fontana, por livre e espontânea vontade, você aceita Laís
Monteiro como sua legítima esposa?
— Claro que aceito. — Apertei sua mão ainda mais forte, agora,
com uma aliança que, apesar de não ser a nossa, celebrava perfeitamente
nosso amor.
— Noivas, podem se beijar!
E foi naquele momento em que eu me dei conta do quão para sempre
nosso amor seria. Quando a puxei pela cintura e seus braços enroscaram
meu pescoço, fazendo carinho em minha nuca recém-raspada, quando
nossas bocas se encostaram em um beijo carregado de sentimento, quando
meus pés se levantaram um pouco porque Laís Monteiro de salto ficava
ainda mais alta do que eu. Foi naquele momento, com a sensação eletrizante
e as borboletas no estômago que eu me dei conta. Seria realmente para
sempre.
Ato III- A Dança
Naquele momento, todos os olhos estavam vidrados em nós. Acho que por
ser um dia tão especial, de tanta felicidade, nós estávamos ainda mais
radiantes do que o normal.
O espaço reservado para ser o salão de festas, dentro do restaurante,
estava perfeitamente decorado. Era um restaurante estilo anos 70 — visto
que foi criado naquela época mesmo — com mesas fixas compostas por
sofás vermelhos acolchoados, banquetas em volta do balcão, chão
quadriculado em preto e branco e referências à época. Lá também, havia
uma jukebox, que fizemos questão de manter como decoração da festa.
No balcão, estavam o bolo, os doces e as comidas que seriam servidas
mas que também estavam à mostra para os convidados sentirem-se à
vontade para se servir. Por termos convidados poucas pessoas, as mesas
distribuídas pelo restaurante eram suficientes, assim como as banquetas
para pedir drinks e afins no espaço reservado do balcão.
Ao mesmo tempo que tinha sua própria decoração, o lugar carreava
em cheio a decoração do casamento. Rosas brancas e azuis, borboletas por
toda parte, alguns brilhos e decorações padrão em festas de casamento. Laís
tinha se esforçado para que tudo saísse perfeito. E ela havia conseguido.
Quando saímos pelo tapete vermelho, entrando naquele ambiente, os
convidados se juntaram a nós, porque aquele era o momento da dança entre
as noivas para abrir a pista e liberar todo mundo para se esbaldar. Optamos
por deixar a pista de dança aberta durante toda a festa, conhecendo nossas
amigas e familiares.
Então eu e Laís nos aproximamos, mais uma vez. Ela entregou
novamente o buquê à Maria Luiza e se aproximou de mim, com um sorriso
no rosto. Segurei sua mão, respirando fundo. Decidimos não ensaiar para a
dança e deixar que as coisas fluíssem com naturalidade, assim como na
primeira vez que dançamos música lenta juntas.
E com a primeira música que dançamos juntas.
A banda começou a tocar a versão instrumental de “Só sei dançar
com você”, de Tulipa Ruiz, com todos os arranjos necessários para uma boa
dança de salão.
Então respiramos fundo e eu a puxei pela cintura. Enquanto sua mão
direita estava entrelaçada na minha, erguida ao lado de nossos corpos, sua
mão esquerda se apoiou em meu pescoço. E começamos a dançar.
Com o ritmar da música, fomos nos aproximando, e quando eu me dei
conta — dentre alguns pisões no pé e gargalhadas altas — estávamos
abraçadas. Minha cabeça apoiada em seu ombro me trazia a paz necessária
para fechar os olhos. Tudo naquele momento me trazia isso, na verdade;
paz.
— Acho que esse é o dia mais feliz da minha — Laís sussurrou no
meu ouvido. — Eu não faria nada diferente. Não queria que nada tivesse
acontecido de outra maneira.
— Nem as alianças? — brinquei.
— Nem as alianças. — Notei o sorriso no seu tom de voz. — Foi
muito mais… simbólico. E as nossas a gente troca assim que chegar na lua
de mel. — Suspirou. — Aliás, o que você tá tramando que ainda não me
deu nenhuma dica?
— Você sabe que eu sou ótima em fazer surpresas. — Dei de ombros,
escondendo um sorriso sacana nos lábios.
— Na mesma intensidade em que eu sou péssima.
— Você é ótima em tudo o que precisa ser, meu amor. — Levantei a
cabeça, olhando em seus olhos. — E a gente se complementa justamente
nisso. Você é ótima em tudo que eu sou péssima, e vice-versa — brinquei,
arrancando uma gargalhada de jogar a cabeça para trás dela.
— Eu sei uma coisa em que nós duas somos ótimas — Laís sussurrou
em meu ouvido, enquanto ainda nos encontrávamos em terminar aquela
dança, com todos os convidados nos observando, mas não nos ouvindo.
— Hum? — grunhi, já sabendo qual seria a resposta e me preparando
para o potencial que Laís Monteiro sussurrando sacanagem no meu ouvido
no meio da nossa valsa de casamento teria para me destruir ali mesmo.
— Isso mais tarde eu te mostro — Ela sussurrou, sorrindo, ao pé do
meu ouvido, fazendo meu corpo inteiro se arrepiar.
Para a minha sorte — ou azar — a música foi parando exatamente
naquele momento, então, quando desfizemos o abraço, eu estava
extremamente desconcertada, com o rosto vermelho e queimando de
vergonha.
De mãos dadas, cumprimentos os convidados, que batiam palmas
incessantemente.
— Podem entrar para a pista, pessoal! — a cerimonialista avisou,
usando o microfone da banda.
Então, as músicas começaram a tocar. E nós começamos a receber
uma enxurrada de cumprimentos e felicitações.

Eu estava na mesa com nossas meninas quando Laís, já pra lá de Bagdá de


tanto beber no open bar que havia tido um investimento considerável, subiu
no palco e puxou o microfone da banda, fazendo uma microfonia
horripilante. Ela estava lutando um pouco para se equilibrar.
— Licença — pediu. — Desculpa, amigo! Desculpa atrapalhar. Eu
sou a noiva! — Ela levantou o dedo, mostrando a aliança para ele, como se
o coitado já não soubesse.
Então ela pigarreou e balançou a cabeça, e eu considerei ir para
perto ajudá-la, mas sabia que ela não precisava. Eu conhecia o suficiente
Laís Monteiro bêbada para saber que ela sabia como se virar. E saber
também que ela não se lembraria de boa parte do casamento na manhã
seguinte. Pelo menos todos os acontecimentos estariam registrados pela
equipe de fotografia e filmagem que eu fiz questão de escolher à dedo.
— Bom, eu vou jogar o buquê! — Maria Luiza correu, para
entregar o buquê para ela, afinal, ela não poderia jogar o buquê sem o
buquê. — Então quem quiser e se sentir à vontade pode se colocar aqui na
frente do palco! — Sua voz era estridente e ela claramente estava muito
animada com aquilo.
Laís tinha passado semanas falando comigo sobre o quanto ela
sempre quis ser a pessoa que joga o buquê.
Todas as nossas amigas, incluindo as que estavam solteiras,
correram para frente do palco, se preparando para o momento.
— Bota uma música legal aí! — Laís pediu aos carinhas da banda,
que começaram a fazer um som qualquer para o momento.
— Você não vai, amor? — Lorena perguntou à Carolina, que
arqueou as sobrancelhas.
Eu, por minha vez, fiquei calada e dei um gole no Martini que
havia pego no bar há pouco tempo atrás. Eu estava um pouco bêbada, mas
precisava me manter consciente para evitar qualquer incidente envolvendo a
outra noiva.
— Você vai? — Carolina perguntou, com ironia na voz.
— Não — Lorena deu de ombros, fingindo indiferença, mas não
conseguiu esconder as bochechas coradas.
— Foi o que eu pensei. — Ela deu um gole em sua taça de vinho
rosé. — Aliás, a gente ainda nem fez um ano oficialmente, muito cedo pra
pensar em casamento, não é?
— Claro! — Lorena deu de ombros de novo, como se não ligasse.
Eu prendi o riso, porque sabia o quanto ela ligava. E sabia que Carolina
também, mas elas ainda estavam no momento do namoro em casamento era
uma zona perigosa para adentrar.
— Um, dois, três e… — Laís gritou, no microfone, jogando o
buquê com mais força do que deveria.
Eu poderia dizer que fiquei chocada com o destino, mas eu não
fiquei chocada de verdade. Porque o buquê com força que Laís havia
jogado caiu, justamente, no colo de Lorena Carvalho. E ninguém acreditaria
nessa sucessão de acontecimentos se eu não estivesse lá como testemunha.
Ato IV- A Lua de Mel
— Fecha os olhos — pedi antes sair do carro que nos levou até o endereço
da lua de mel, que seria em nossa nova casa. Laís, até onde eu sei, não fazia
ideia desse presente. Não sabia que eu já havia comprado uma casa para
que nossa vida pudesse começar. Uma casa com tudo do bom e do melhor;
passei os últimos anos juntando ao máximo minhas economias para que
pudesse oferecer isso a ela.
Passamos os últimos meses procurando um apartamento para alugar,
mas eu sempre inventava algum novo problema no processo de locação.
Laís já tinha visto esse apartamento, sem as alterações que mandei fazer, e
ela estava apaixonada — mas ele não estava disponível para aluguel, então
ela já tinha perdido as esperanças.
— Ai, meu Deus — ela fechou, mas eu coloquei as mãos em cima por
precaução. — Que nervoso!
Fui andando atrás dela, parando bem na frente da porta. Ainda
estávamos usando as roupas do casamento. Antes que Laís pudesse prever,
peguei ela no colo, como fazem nos filmes.
— Meu Deus! — ela gritou, dessa vez, com a surpresa. E abriu os
olhos. — Por que exatamente a gente tá entrando em uma casa, Thaila
Fontana?
Sorri. Um sorriso largo. Sincero. Então coloquei a mão no bolso e
puxei o molho de chaves, chacoalhando na frente dela.
— A gente vai passar a lua de mel aqui? Aliás, que casa é essa? —
Ela estava confusa, enquanto segurava meu pescoço e suas pernas estavam
em meus braços.
— É a nossa casa.
A boca de Laís instantaneamente se abriu e seus olhos encheram de
lágrimas.
— Quer fazer as honras? — perguntei, entregando as chaves para ela,
que pegou com uma das mãos enquanto a outra seguiu me segurando para
que ela não caísse de meu colo.
— Claro! Óbvio! Puta merda, com certeza!
Abaixei um pouco para que ela conseguisse colocar a chave na
fechadura e, assim que isso foi feito, Laís empurrou a porta com a mão. Eu
ainda segurava minha mulher em meus braços, e, assim, dei o primeiro
passo juntas para dentro da nossa casa. Com o pé direito, óbvio.
Então deixei Laís descer de meu colo e, em meio a surtos, gritos e
pulos, ela me abraçou forte. Me abraçou forte como se não fosse mais
soltar. E eu senti meu ombro molhado e sua respiração descompassada. E a
apertei com força de volta, enquanto ela chorava.
— Tá tudo bem, meu amor? — questionei.
— U-hum — ela respondeu. — Mais do que bem.
Sua voz estava abafada e eu segurei sua cintura, a afastando um
pouco para me certificar de que tudo estava bem. Ela secou o rosto com o
dorso da mão e depois com as pontas dos dedos. E sorriu para mim.
— Thaila Fontana, você é a mulher da minha vida.
Suspirei aliviada.
— Laís Monteiro, você é a mulher da minha vida. — Puxei sua
cintura e iniciei um beijo. Um beijo que tinha a sensação do primeiro e a
urgência do último. Um beijo com a mão forte e as línguas em uma dança
constante. Um beijo com a sorte de ter encontrado alguém que eu amasse
tanto. Um beijo repleto dos sentimentos mais bonitos que guardávamos
especialmente uma para a outra.
Eu era a mulher mais sortuda do mundo por tê-la.
E eu queria tê-la só para mim naquele exato momento.
Puxei Laís pelas coxas e ela as encaixou em volta do meu quadril,
pausando o beijo e abrindo um sorriso descarado em minha direção.
— Não vai me mostrar a casa? — questionou irônica.
— Vou sim — assenti, com o mesmo tom de ironia. — Mas a gente
vai começar pelo quarto.
Livros da Autora:

Borboletas Pra lá e Pra cá

Algumas pessoas recebem o amor de braços abertos quando ele bate à


porta, outras se escondem atrás do sofá com uma frigideira em mãos,
achando que é um estranho pronto para bagunçar tudo. E às vezes,
realmente é.

Laís Monteiro, uma adolescente de 17 anos, encara diversos bloqueios


quando se trata desse assunto. Lidando com um turbilhão de
responsabilidades da vida adulta antes do tempo, ela não se permite sentir
nada muito intenso após aprender, ainda muito nova, a viver por conta
própria devido a ausência de seus pais. Agora, sua única família são as
melhores amigas e os motoristas de ônibus, pelos quais ela nutre um
carinho imenso.

Assim que uma parte de sua vida muda, todo o resto resolve ficar de pernas
pro ar. O amor vem até Laís quando uma menina se muda para a cidade,
entrando em sua vida sem nem pedir licença e enchendo sua mente de
confusões. Junto com a gatinha Nina, pijamas de patinhos e muitas fornadas
de bolo de chocolate, Laís tenta lidar com esses novos sentimentos.
Principalmente, com as borboletas em seu estômago. Pra lá e pra cá.
Mosquitinhos Pra lá e Pra cá

Laís Monteiro e Thaila Fontana se conheceram no ensino médio e


cultivaram um lindo relacionamento desde então. Cinco anos depois, elas
viajam com um grupo de amigas para o Edifício Rios, no intuito de passar
as festas de final de ano juntas, como já é tradição.

Laís pretende protagonizar um ato romântico para a namorada, que ao


contrário dela, é profissional no assunto romance. Porém, Laís não está
contando com a série de imprevistos que irão aparecer enquanto ela ainda
tenta pensar em como irá executar seus planos.

Será que a magia natalina do edifício vai ser o suficiente para resolver seus
problemas?
Oitavo Andar

Lorena Carvalho mora no oitavo andar junto com sua melhor amiga e seu
gatinho frajola, o Bento. E mesmo cercada de carinho, Lorena não sabe
lidar com o amor. Não com o amor romântico, na verdade.

Desde que se apaixonou pela primeira vez, seus relacionamentos nunca dão
certo e ela parece ser a principal responsável por isso. Pelo menos, é a
conclusão que recebe após o término de um pseudo-relacionamento de um
ano com Yasmin Alencar, quando decidi que está disposta a fazer de tudo
para reconquistar a ex-ficante-barra-namorada.

Dentre todas as condições e dificuldades para se entender, Lorena se perde


um pouco em quem sempre foi, e é quando uma garota nova se muda para o
apartamento ao lado, que a vida de Lorena se torna ainda mais confusa.

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