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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3
1 O BEM IMÓVEL E SEUS REGISTROS ......................................................... 4
1.1 A matrícula do imóvel ..................................................................................... 4
1.2 O cartório onde o imóvel deve estar registrado .............................................. 7
1.3 Como e quando o comprador passa a ser o dono do imóvel ......................... 7
2 DO CONDOMÍNIO GERAL AO CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU EM
EDIFICAÇÕES ............................................................................................. 19
3 CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO, CONDOMÍNIO NECESSÁRIO E
CONDOMÍNIO EDILÍCIO .............................................................................. 22
4 CONCEITO E CONSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO ..................................... 24
4.1 Documentos necessários para a constituição .............................................. 27
5 “CONDOMÍNIO IRREGULAR” ...................................................................... 28
6 O IMÓVEL QUE SE ENCONTRA DIVIDIDO EM PARTES IDEAIS.............. 35
7 IMÓVEIS SEM REGISTRO .......................................................................... 36
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 43
INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!
1 O BEM IMÓVEL E SEUS REGISTROS

Todos os bens imóveis devem ou pelo menos deveriam possuir registro em


cartório. No momento atual, o registro se efetua na matrícula. Alguns imóveis não
possuem matrícula ainda, porém possuem registro em livro próprio, inclusive nos
termos de leis já revogadas. Outros imóveis apresentam tipos diferentes de registros
ou até mesmo nenhum registro. É costumeiro na linguagem popular manifestar que
imóveis regulares, com registro em cartório, são imóveis “escriturados”.
Foi gerado pela Lei nº 6.015, de 31-12-73, sistema de registro de imóveis
diferente do que existia até então, que era o das inscrições e transcrições em livros
diversos.
O art. 228, dessa lei estabelece a abertura de matrícula para todo imóvel que
sofrer algum tipo de ato jurídico a ser registrado em cartório. (SILVA, 2021).
Portanto, na atualidade somente não possui matrícula, o imóvel regular que,
desde o início da Lei nº 6.015/73, não passaram por registros de venda, de doação,
de hipoteca, de penhora ou outros permitidos pela lei ou determinada por ela que seja
registrado.
Conforme a maioria dos imóveis regulares (“escriturados”) já passou por pelo
menos um registro de algum desses atos, de 1-1-76 (data em que a Lei nº 6.015/73
entrou em vigor, a teor do seu art. 298) até os dias atuais, se conclui que a maior parte
dos imóveis regulares já possui matrícula. Todavia, não será difícil encontrar imóveis
cuja matrícula ainda não foi aberta.
Ademais, é possível até os dias contemporâneos localizar imóveis muito
antigos que não possuam qualquer tipo de registro, além de existirem imóveis em
situação irregular que não possuem registro adequado. (SILVA, 2021).

1.1 A matrícula do imóvel

O registro de imóveis ainda é na forma física (papel). A matrícula se dá em um


pedaço de papel, em um livro ou ficha, que carrega um número e apenas se refere a
uma propriedade específica. De forma semelhante, há apenas uma matrícula para
cada imóvel.

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ATENÇÃO:
Serão abertas distintas matrículas para cada fração de multipropriedade. Isso cria
uma estridente exceção para o princípio de que há uma (e apenas uma) matrícula
para cada imóvel. Essa exceção é constitucional e está devidamente prevista em lei.
Assim, para o imóvel objeto de multipropriedade, além da “matrículamãe” (matrícula
original do imóvel objeto da multipropriedade), “haverá uma matrícula para cada
fração de tempo, na qual se registrarão e averbarão os atos referentes à respectiva
fração de tempo” (§ 10 do art. 176 da LRP).
Por essa razão, a matrícula representa o “assento de nascimento do imóvel” ou
a “carteira de identidade do imóvel”, tendo em vista que ela identifica o imóvel.
Nessa folha, toda a história do imóvel é contada através de sucessivos registros
e anotações. Dessa forma será possível saber a quem pertence o imóvel, quantas
vezes o imóvel foi hipotecado, etc.
Essa é, indubitavelmente, a maior conveniência do sistema atual em relação
ao sistema anterior: na folha de matrícula consta todos os registros relativos ao imóvel.
A consulta se torna mais prática e o registro mais seguro.
Toda matrícula possuirá um número e iniciará com a caracterização do imóvel.
Exemplo: “UM TERRENO, sem benfeitorias, situado na Rua das Palmeiras nº 225,
antigamente chamada de Rua do Cemitério, medindo 25 metros de frente. (...)”.
Deve consistir na matrícula, o nome de quem era o proprietário, no momento
que a matrícula foi aberta.
Caso haja uma construção no terreno, essa construção poderá estar descrita
na parte inicial da matrícula ou pode haver uma averbação dessa construção em
algum registro posterior dessa mesma matrícula.
As informações que constam na matrícula podem ser acessadas por meio da
obtenção e leitura do certificado de registro (referido como “certificado de título” ou
“certificado de taxa”). Para isso, basta solicitar uma certidão no Cartório de Registro
de Imóveis. Qualquer pessoa pode solicitar a certidão referente a qualquer imóvel.
(SILVA, 2021).
Foi regulamentado o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) pelo
Provimento CNJ nº 89, de 18-12-2019, com o objetivo de proporcionar o acesso a
todas as matrículas de imóveis registradas nos vários cartórios do Brasil por meio
eletrônico. Esse sistema eletrônico de obtenção de certidões se encontra

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disponibilizado para imóveis constantes em diversos Estados e o acesso se dá através
do site <https://www.registrodeimoveis.org.br/>.
Ao ler os registros com a descrição do imóvel, você poderá ver se o
proprietário, que apareceu na descrição ou no início da matrícula, continua
aparecendo como proprietário do imóvel ou não.
Se tiver acontecido uma venda e o registro tiver sido efetuado pelo comprador
no Cartório de Registro de Imóveis, o registo dessa venda constará na matrícula, por
baixo da descrição do imóvel. Irão constar “R1”, “R2”, na sequência cronológica dos
registros efetuados.
No entanto, a partir desse simples postulado (venda de imóvel e registro de
venda em cartório), podem surgir diversas problemáticas.
Idealmente, para cada imóvel só pode haver umka matrícula. Porém em
determinadas hipóteses em que o que as pessoas identificam como um imóvel,
porém, sob a perspectiva jurídica se trata de dois (ou mais) imóveis. Exemplo disso:
um sítio, devidamente murado ou cercado na totalidade de sua extensão. É comum
imaginar que conste apenas uma matrícula para este sítio. Mas pode haver mais de
uma matrícula, cada uma abrangendo certa parte do sítio. Embora não evidente para
todos, a existência de uma matrícula para cada parte de um sítio significa que,
legalmente, há mais de uma propriedade. (SILVA, 2021).
Em contraste, é legalmente possível ter um único imóvel registrado, mas ser
dividido ou disperso entre muitas pessoas. Como no caso da propriedade dividida em
partes ideais e o denominado a chamada “condomínio irregular”.
Ademais, podem haver erros na realizados pelos cartórios de registro de
registro de imóveis ou outros profissionais envolvidos com imóveis de técnica registral.
(SILVA, 2021).
Exemplos:

 Matrícula aberta para parte ideal de imóvel;


 Registros de imóveis com áreas sobrepostas;
 Registro efetuado em matrícula que deveria ter sido encerrada em razão de
unificação com outra matrícula;
 Terreno da União registrado como propriedade particular; etc.

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Silva (2021) complementa: A matrícula é o cerne do registro imobiliário e,
portanto, da propriedade imóvel e da sua segurança jurídica.

1.2 O cartório onde o imóvel deve estar registrado

Os imóveis devem ser registrados (com matrícula ou transcrição) em um


específico cartório de registro de imóveis. O cartório imobiliário não deve em hipótese
alguma ser confundido com outros tipos cartório ou com certos locais que possam
ocorrer um registro diferente ou outro tipo de direito incidente sobre o imóvel.
O cartório imobiliário pode até não estar situado próximo do imóvel, mas deve,
necessariamente, ser o único cartório imobiliário competente para o registro em
determinada área (circunscrição).
Assim, o imóvel “A”, situado na circunscrição “B”, só poderá estar registrado no
cartório imobiliário referente à circunscrição “B”. Nesse Cartório, deverá constar a
matrícula do imóvel no livro próprio (note-se que talvez o Cartório não esteja na
circunscrição “B”, mas no centro da cidade ou em outro bairro).
Por meio da consulta à matrícula, qualquer pessoa poderá verificar a situação
do imóvel, quem é seu proprietário, se está penhorado etc. Os registros imobiliários
são públicos, o que significa que todos podem ter acesso a eles.
É fundamental que, na matrícula, as confrontações e características do imóvel
estejam claramente descritas. Em geral, nas grandes cidades isso não constitui
problema, estando o imóvel bem identificado na matrícula. Existem, porém, casos,
principalmente na zona rural deste imenso Brasil e em transcrições antigas, em que
são feitas referências a cercas, árvores, pequenos montes, construções e toda a sorte
de coisas que podem ser mudadas de lugar, ou de referências a indicações vagas e
imprecisas. Essas descrições não são boas, pois não demonstram de forma clara qual
é o imóvel e quais são seus limites. Conforme o caso, será possível corrigir isso
mediante processo de retificação. (SILVA, 2021).

1.3 Como e quando o comprador passa a ser o dono do imóvel

A forma de adquirir um imóvel, através da compra e venda, é feita através do


registo do título de aquisição no cartório de registo de imóveis. Portanto, a pessoa que
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não registrou o título ao registrar o imóvel não é o proprietário. O Código Civil, em seu
art. 1.245, versa acerca do tema:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do


título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser


havido como dono do imóvel.

§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de


invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a
ser havido como dono do imóvel.

A qual título a norma se refere? Título se trata do documento que a lei considera
hábil para, ao se proceder com o registro no cartório imobiliário, concretizar a
transferência do bem imóvel. Como regra geral, a compra e venda desse bem se dá
por meio de uma escritura pública.
Qualquer cartório de notas (tabelionato) pode produzir a Escritura pública,
através de um agente público, que é a pessoa que possui as devidas autorizações
concedidas pelo Poder Público para exercer essa função, ou em um consulado
brasileiro no exterior (art. 221, I, da Lei nº 6.015/73). Porém o instrumento particular,
é elaborado por qualquer pessoa que não possua essa função pública. (SILVA, 2021).
Há ainda algumas hipóteses que aquisição da propriedade do imóvel pode
ocorrer através do registro de um instrumento particular permitidas pela legislação.
Vejamos, algumas dessas hipóteses de forma sucinta:

 Compra de imóvel com valor igual ou inferior a 30 vezes o maior salário


mínimo vigente no país, a teor do art. 108 do Código Civil;

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 Contrato celebrado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, a teor
do art. 61, § 5º, da Lei nº 4.380, de 21-8-1964, incluído pela Lei nº 5.049,
de 29-6-1966;

 Contrato de alienação fiduciária, a teor do art. 38 da Lei nº 9.514, de 20-11-


1997;

 Contrato de alienação de imóveis funcionais da União situados no Distrito


Federal, nos termos do art. 2º, V, da Lei nº 8.025, de 12-4- 1990;

 Contrato celebrado no âmbito de loteamentos populares, previstos na Lei


nº 9.785, de 29-1-1999;

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 Aquisição de imóvel por meio de consórcio regido pela Lei nº 11.795, de 8-
10-2008 (art. 45, parágrafo único). A Lei não diz, mas é razoável entender
que essa possibilidade de utilização do instrumento particular somente se
aplica na hipótese em que há aquisição de imóvel previamente especificado
(art. 12) feita pela administradora de consórcios (art. 5º), e não na hipótese
em que o consorciado obtém uma carta de crédito e adquire imóvel de sua
escolha (arts. 14, 22 e 24).

Os habituais compromissos ou promessas de compra e venda também podem


ser celebrados por instrumento particular e, ainda que possam ser registrados (em
certas hipóteses) e concedam importantes direitos ao comprador, não transferem a
propriedade do imóvel.
A certidão expedida pela Junta Comercial pode também ser registrada nos
momentos que ocorrerem a incorporação do imóvel para formação de capital social
em sociedade empresária, em conformidade com o art. 64 da Lei nº 8.934, de 18-11-
1994. Popularmente essa situação é conhecida como a pessoa que “entra com bens
em uma empresa”. Observe que o que será registrado no cartório imobiliário não é o
contrato social ou mesmo um instrumento particular de transferência do imóvel: está
previsto na Lei que deverá registrar o contrato social na Junta Comercial e, efetuado
esse registro, será expedido pela Junta Comercial uma certidão do registro do contrato
social, que será registrada no cartório imobiliário para efetivar a transferência da
propriedade do imóvel para a sociedade.
No título (seja ele qual for) deve estar presente:

 A causa do negócio jurídico (se é uma compra e venda, uma doação, uma
permuta etc.).

 Descrever o imóvel, pois é com base nesse título que será feito o registro,
razão pela qual ele deve ser perfeito, sob pena de o Oficial recusar o
registro. Para que se registre o título, sua descrição deverá ser coincidente
com a existente no registro de imóveis, a teor do art. 225 da Lei nº 6.015/73.

No que se refere a imóveis urbanos, o art. 2º da Lei nº 7.433, de 18-12-85


dispensa a descrição e a caracterização do imóvel na escritura pública, mas desde
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que esses elementos estejam presentes na certidão do imóvel (também denominada
“certidão de ônus reais”) que deve ser apresentada ao tabelião. Nesse caso, conforme
o § 1º do art. 2º da Lei nº 7.433/85, a escritura consignará exclusivamente o número
do registro ou matrícula no Registro de Imóveis, sua completa localização, logradouro,
número, bairro, cidade, Estado e a apresentação de alguns documentos. (SILVA,
2021).
Quais são eles?
Para lavraturas de escrituras relativas a imóveis urbanos ou rurais, é necessária
a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de
Transmissão inter vivos ‒ ITBI (popularmente conhecido como “Sisa”), as certidões
fiscais, e a certidão de ônus reais. A obrigatoriedade da apresentação das certidões
de feitos ajuizados (certidão do distribuidor) não mais consta do rol dos documentos
exigíveis do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/85, em razão do advento da Lei nº 13.097,
de 19-1-2015.
Mesmo antes do advento da Lei nº 13.097/2015 havia divergência quanto à
existência de obrigação legal de obtenção e apresentação da certidão dos feitos
ajuizados contra o vendedor (certidões dos distribuidores cível, federal e da Justiça
do Trabalho). Contudo, muitos dos que sustentavam a inexistência da obrigação legal,
entendiam que o mais adequado, por cautela, seria a obtenção das certidões e não
faziam qualquer negócio jurídico sem elas. Além disso, quando não apresentadas,
muitos tabeliões faziam constar da escritura que o comprador teria “dispensado” a
apresentação das certidões, algo que não parecia correto: ou as certidões eram
legalmente obrigatórias ‒ e não haveria possibilidade de “dispensa”; ou as certidões
não eram obrigatórias ‒ caso em que não haveria qualquer necessidade de
“dispensa”. Há normas estaduais já modificadas em virtude da alteração promovida
pela Lei nº 13.097/2015. (SILVA, 2021).
Se a escritura revelar que há fatos ou atos que não estejam registrados ou
averbados na matrícula, o cartório de registo de imóveis irá negar o seu registo. Por
exemplo, se na escritura houver uma venda e compra de uma casa, mas no cartório
consta apenas a matrícula do terreno e não o registo de construção do imóvel, o oficial
do cartório imobiliário tem o direito de recusar o registo.
Só pode ocorrer o registro do título se o imóvel estiver matriculado ou registrado
no nome do outorgante, o artigo 195 da Lei nº 6.015/73 estabelece o princípio da

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continuidade dos registros de imóveis. Portanto, a propriedade do vendedor deve
estar devidamente registrada para que o comprador possa registrar a sua. A aplicação
do princípio da continuidade destina-se a impedir que qualquer pessoa, antes do
registo do terreno, que não seja o proprietário, venda o imóvel. No entanto, existem
exceções ao princípio da continuidade (por exemplo, usucapião). (SILVA, 2021).
De toda forma, não é inédito casos no qual o cartório de registro de imóveis,
por erro, efetua o registro de um título sem o cumprimento do art. 195 da Lei nº
6.015/73. Esse registro, ainda que não esteja de acordo com o art. 195, possuirá plena
eficácia devido o que se encontra expresso no art. 252 da Lei nº 6.015/73, até que
seja formalmente cancelado por meio de averbação (arts. 248, 249 e 250 da Lei nº
6.015/73). Esse cancelamento deverá ocorrer:

 Por ofensa ao princípio da continuidade;


 Por ato de ofício do Oficial imobiliário que constatar o erro; ou
 A pedido da parte interessada.

Além do nome completo do comprador, é necessário que a escritura pública


contenha o nome completo do vendedor e dos respectivos cônjuges, suas
qualificações (endereço, nacionalidade, estado civil e regime de bens, profissão,
número do registro geral da cédula de identidade, número de inscrição como
contribuinte no Ministério da Fazenda e filiação), para que possa ser efetuado o
registro. (SILVA, 2021).
Silva (2021), explica que para que se efetue a lavratura da escritura pública, é
preciso que sejam apresentados ao tabelião cópias dos seguintes documentos:

 Cédulas de identidade;
 CPF;
 Certidões de casamento dos contraentes;
 Certidão de propriedade do imóvel, expedida pelo Cartório competente,
com menos de 30 (trinta) dias entre o dia da expedição e o da lavratura.

A base para calcular as taxas e emolumentos devidos ao tabelião como


pagamento por suas atividades, é o valor venal do imóvel. Portanto, poderá ocorrer,
dependendo da disposição da lei municipal, a necessidade de apresentar o

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documento enviado pela prefeitura referente ao IPTU ou ITR para efeito de apuração
da base de cálculo desses tributos.
Silva (2021), na escritura pública deve ser inserido o valor verdadeiro do
negócio. Em hipótese alguma o comprador (nem o vendedor) deve se atrair pela ilícita
possibilidade de apresentar na escritura pública um preço inferior ao verdadeiro com
a finalidade de pagar menos ITBI ou emolumentos, por várias razões, entre as quais
destaca-se:

1. constitui crime tipificado pelo art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90;

2. um vendedor de má-fé poderá alegar que o negócio foi viciado por lesão e
pedir sua anulação ou a “complementação” do preço que constou na escritura
e o valor de mercado do imóvel, de acordo com o art. 157 do Código Civil;

3. na hipótese de imóvel locado, preenchidos os requisitos do art. 33 da Lei nº


8.245/91, o locatário poderá tomar o imóvel para si, pagando menos do que
ele realmente vale, ficando a aquisição por parte do comprador invalidada;

4. poderá ensejar pagamento de Imposto de Renda por ocasião da revenda do


imóvel, incidente sobre a diferença entre o valor de compra e de revenda,
conforme dispuser a legislação nesse momento;

5. poderá o baixo valor ser usado como elemento para demonstrar que houve
conluio entre o vendedor e comprador nos casos de fraude contra credores e
fraude à execução; e

6. no caso de o vendedor ser uma pessoa jurídica incorretamente representada,


poderá o verdadeiro representante alegar que a venda não foi válida a teor do
art. 47 do Código Civil e devolver apenas o valor constante da escritura.

O art. 490 do Código Civil aduz que as despesas da escritura ficarão a cargo
do comprador, no caso de não haver um acordo entre as partes sobre quem ficará
responsável por essas despesas.

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Conforme o art. 47, I, da Lei nº 8.212/91 expressa, na hipótese do vendedor ser
uma pessoa jurídica, deverá ser apresentada a CND (Certidão Negativa de Débito).
Também será necessário a apresentação da CND no caso do vendedor ser uma
pessoa física que possua empregados, conforme disposto no art. 15, parágrafo único,
da Lei nº 8.212/91. (SILVA, 2021).
Silva (2021) ressalta que na escritura pública deverão constar além da
assinatura do tabelião que a tiver lavrado, também serão necessárias as assinaturas
das partes, do (s) vendedor (es), comprador (es) e respectivos cônjuges, bem.
Contudo, especialmente a partir do primeiro semestre de 2020, em razão da
pandemia decorrente do novo coronavírus (Covid-19), as possibilidades de utilização
de meios eletrônicos ou virtuais para atos notariais e registrais se intensificaram.
Portanto, é necessário fazer uma rápida digressão a respeito da lavratura de
escritura sem as assinaturas e presenças físicas dos compradores e vendedores
perante o tabelião. Vamos tratar de normas permanentes e de normas transitórias.
A lei pode estabelecer requisitos formais para que certos atos sejam válidos ou
eficazes. Vimos que o contrato de compra e venda de imóvel depende, em regra geral,
de instrumento público (escritura pública). Vimos também exceções a essa regra
geral, de modo que instrumentos particulares serão hábeis para formalizar a compra
de venda de um imóvel. Nessas duas situações (escritura pública e instrumento
particular), a forma verbal não é válida. (SILVA, 2021).
Se a lei não impuser determinada forma (ex., contrato por escrito), a forma será
livre. Assim, pode existir um contrato verbal (ex., transporte urbano por meio de ônibus
ou táxi). Isso não se confunde com a prova do contrato: por isso, muitas vezes,
contratos que poderiam ser feitos verbalmente (“no fio do bigode”) são efetuados por
escrito. Os contratantes desejam ter uma prova da existência e das cláusulas do
contrato, razão pela qual ele é feito por escrito.
Veremos ao longo deste livro alguns atos que precisam ser feitos por escritos
para serem válidos ou eficazes.
A lei também pode exigir que o contrato seja feito por escrito e assinado pelos
contratantes para ser válido ou eficaz. A despeito do art. 3º da Lei nº 13.726, de 8-10-
2018, o reconhecimento da assinatura pode ser legalmente exigível para a prática de
determinados atos. Pode a lei exigir que o reconhecimento da firma (assinatura) seja
feito por autenticidade e não apenas por semelhança.

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Tabeliães e notários são dotados de fé pública. Teoricamente, a assinatura
(física) de uma pessoa em um instrumento por ele lavrado poderia ser dispensada.
Paralelamente, o art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24-8- 2001, já havia
estabelecido a validade das declarações constantes dos documentos em forma
eletrônica produzidos na forma que especifica.
Assim, com o advento do Provimento CNJ nº 95, de 1º-4-2020, foi permitido,
inicialmente em caráter temporário, a lavratura de escrituras públicas sem a presença
física das partes perante o tabelião, de acordo com seu “prudente critério, e sob sua
responsabilidade”. Essa norma não afirmou explicitamente se seria possível a
lavratura de escritura pública por videoconferência ou meio similar. Houve
regulamentação da questão por algumas normas estaduais.
A questão foi solucionada pelo Provimento CNJ nº 100, de 26-5-2020, que
permitiu e regulamentou como poderia a videoconferência ser utilizada.
Um instrumento utilizado pelos tabeliães é o e-notariado, <https://www.e-
notariado.org.br/ >. Houve regulamentação desse instrumento por normas estaduais,
inclusive restringindo o direito de livre escolha do tabelião pelas partes previsto no art.
8º da Lei nº 8.935, de 18 -11-1994. Em seguida, o Provimento CNJ nº 100/2020 tornou
o uso do e-notariado, com as regras trazidas por esse Provimento, obrigatório para a
prática de atos sem presença física das partes perante o tabelião. (SILVA, 2021).
Um mecanismo interessante para identificação das partes, por meio da Carteira
Nacional de Habilitação (CNH), foi o datavalid
<https://www.loja.serpro.gov.br/datavalid/>. Problemas com falsificação de
documentos sempre existiram e com as novas tecnologias tendem a aumentar. Por
isso, os tabeliães devem tomar todos os cuidados necessários.
Em tese, é até possível ao tabelião aceitar certificação eletrônica fora do âmbito
da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), a teor do art. 1º, § 5º, do
Provimento CNJ nº 95/2020, que alude ao § 2º da art. 10 da MP nº 2.200-2/2001-2,
desde que realizada por meios “operados e regulados pelo Colégio Notarial do Brasil
– Conselho Federal”, a teor do art. 9º, § 5º, do Provimento CNJ nº 100/2020. Na
prática, é mais seguro para o tabelião apenas aceitar assinatura digital no âmbito da
ICP-Brasil (§ 1º do art. 10 da MP nº 2.200-2/2001-2), não em razão do art. 38 da Lei
nº 11.977, de 7-7-2009, mas por simples cautela. Além disso, o art. 36 do Provimento

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CNJ nº 100/2020 veda a “prática de atos notariais eletrônicos ou remotos com
recepção de assinaturas eletrônicas a distância sem a utilização do e-Notariado”.
Há diferenças entre assinatura eletrônica e assinatura digital, conceitos de
token, geolocalização, senha etc. Toda essa matéria é importante, mas extravasa o
objeto deste livro. Pode ser interessante consultar a literatura especializada e
profissionais da área de tecnologia da informação (TI), lembrando que nem sempre a
linguagem leiga corresponde à linguagem utilizada por profissionais de TI, que, por
sua vez, pode não corresponder à linguagem utilizada em textos legais.
Em linhas gerais, essa era a situação existente em 2020 durante a pandemia
da Covid-19, com regras permanentes e transitórias. (SILVA, 2021).
Voltemos, então, ao assunto desta seção: lavratura da escritura pública de
compra e venda e seu devido registro no cartório de registro de imóveis.
O registro da escritura pública (ou do instrumento particular, nas hipóteses
permitidas pela lei) deve ocorrer no cartório imobiliário em que o imóvel estiver
vinculado. Portanto, Deve ser apresentada a escritura pública original, não podendo
ser utilizada a fotocópia autenticada para registro. De acordo com os termos dos
Provimentos CNJ nº 94, de 28-3-2020, e nº 95, de 1º-4-2020, pode ser efetuado o
registro da escritura por meio eletrônico.
Uma vez que esta escritura seja registrada no registro de imóveis, os
emolumentos e taxas serão cobrados de acordo com o valor venal do imóvel, além do
ITBI - Imposto sobre Transmissão de Imóveis (também denominado como "SISA"),
se não pago no momento da lavratura da escritura.
Somente após o registro, a propriedade do imóvel é transferida do vendedor
para o comprador. Conforme o 1.245 do Código Civil expressa, apenas a assinatura
de um contrato ou acordo verbal com o vendedor não é suficiente para que o
comprador se torne proprietário. (SILVA, 2021).
Nesse sentido, caso o comprador deixe de registrar a escritura pública,
justamente porque o vendedor continua sendo o proprietário, seus credores podem
exigir que o imóvel seja penhorado e leiloado para quitar a dívida. Alternativamente, o
vendedor que permanece proprietário pode revender o imóvel a outra pessoa,
concedendo-lhe outra escritura de compra e venda.
Para que possa ocorrer o registro da escritura referente ao imóvel que estiver
situado na zona rural, deverá ser apresentada certidão negativa do ITR – Imposto

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Territorial Rural – dos últimos cinco anos (art. 21 da Lei nº 9.393/96), bem como do
Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (art. 22 da Lei nº4.947/66), referente ao
Cadastro de Imóveis Rurais (Lei nº 5.868/72).
O registro do título no cartório imobiliário é ato constitutivo do direito de
propriedade.
Ainda nos casops de sucessão, usucapião, acessão, bem como
desapropriação, onde a propriedade é obtida por ato diverso do registro (condenação,
morte, posse prolongada), o registro é necessário, pois representa proteção contra
atos de alienação por terceiros que estão de má-fé. Sempre será o registro que
fornecerá a segurança.
É muito corriqueiro as pessoas acreditarem serem “donas” de um imóvel pelo
simples fato de terem pagado determinada quantia ao proprietário e receberam algum
tipo de recibo ou contrato deles. Com efeito, essas pessoas possuem um direito
(obrigacional) contra o proprietário, uma vez que pagaram o preço, podem até ser os
donos, mas não são os donos do imóvel. (SILVA, 2021).
Daí o famoso brocardo: quem não registra não é dono.
A propriedade é um direito absoluto, no sentido de que alguém “é” ou “não é”
proprietário. Isso não significa que não possa existir copropriedade nem que o direito
à propriedade seja ilimitado: ao revés, além da função social da propriedade (art. 5º,
XXIII, da Constituição Federal), há uma série de restrições à utilização do imóvel e até
mesmo quanto à não utilização.
Proprietário do imóvel é aquele que registra seu título. Se o comprador pagar o
preço, mas não registrar seu título, não será proprietário até que o faça.
Por essa razão, uma vez que o comprador esteja de posse de título apto a ser
registrado, aconselha-se a fazê-lo imediatamente.
No que se refere ao registro de escrituras (ou instrumento particular
equiparado) por meio eletrônico, vide o Provimento CNJ nº 94, em especial o art. 4º,
e o Decreto nº 10.278, de 18-3-2020. Há centrais estaduais criadas por associações
de registradores em todos os Estados do Brasil, algumas já em funcionamento (ex.: <
https://www.crimg.com.br/ >), outras em desenvolvimento.
Muitos tabeliães efetuam o registro do título para o comprador, deve ser
conferido por você se esse serviço é feito pelo cartório em que você lavrar a escritura.
Nesses casos, o tabelião encaminha esse título registrado com uma certidão do

17
imóvel ao comprador. Se o comprador não receber a certidão, deve verificar se o
registo foi efetuado, caso contrário não obterá o título do imóvel.
Finalmente, a compra de imóveis pode ser ad corpus ou ad mensuram:

O comprador terá direito de receber um imóvel determinado,


com área (metragem) apenas enunciativa. caso se verifique
AD CORPUS: que o imóvel tem área inferior à mencionada no título, na
aquisição ad corpus o comprador não terá direito à rescisão,
complemento de área, abatimento do preço ou indenização.

O comprador também terá direito a um imóvel determinado,


com a diferença que a área especificada é essencial ao
negócio jurídico. Caso se verifique que o imóvel tem área
AD MENSURAM:
inferior à mencionada no título, na aquisição ad mensuram o
comprador terá direito à rescisão, complemento de área,
abatimento do preço ou indenização.

O quadro é uma esquematização do que se extrai do art. 500 do Código Civil.


(SILVA, 2021).
Nem sempre fica evidente quando se trata de uma compra ad corpus ou uma
compra ad mensuram. É presumido que as compras são feitas ad corpus, a menos
que haja menção contratual ou explicação ou diretiva em contrário (por exemplo,
compra de vários hectares de terra a preço fixo, especialmente se decorrente de
desmembramento), não apenas devido a redação do § 3º do art. 500 do Código Civil
e de nossa legislação contemplar a especificação de quaisquer imóveis a serem
adquiridos (Lei nº 7.433/75), mas também porque é presumido que o comprador que
o comprador procedeu a verificação fisica do imóvel que adquiriu. Ademais, o ônus da
prova recai sobre quem alega, neste caso, o comprador reivindica algum dos direitos
já abordados. Mas a posição oposta também pode ser defendida, inclusive com base
em precedentes legais, que existem em diversos sentidos. No caso de uma aquisição
de coisa futura (ex.: aquisição de imóvel na planta), pode-se facilmente argumentar
que a verificação física do imóvel não é possível, sendo sua sua área privativa,
descrita no contrato ou no memorial de incorporação, essencial para a realização dos
negócios, e por esse motivo só pode ser ad mensuram. Como forma de impedir

18
possíveis discussões, é importante que o comprador faça a medição do imóvel a ser
adquirido. Em qualquer caso, será benéfico para o comprador constar no título que o
negócio foi realizado ad mensuram. (SILVA, 2021).

2 DO CONDOMÍNIO GERAL AO CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU EM EDIFICAÇÕES

Rizzardo (2021) aduz que o termo “condomínio” evidencia a comunhão


existente de direitos entre uma pluralidade de pessoas em relação a um bem ou um
conjunto de bens. José Fernando Lutz Coelho compreende:

Pertencendo o direito de propriedade a vários sujeitos ao mesmo tempo,


teremos na hipótese um condomínio, que poderá ser em razão da comunhão,
pró-indiviso, que perdura por circunstâncias de fato e de direito,
permanecendo em estado de indivisão entre os condôminos, sem localização
das partes sobre a coisa. A propriedade é exercida em comum em quotas ou
frações ideais.

Nesse ponto possuímos um condomínio geral, que se manifesta quando uma


pluralidade de pessoas possuem em conjunto a titularidade do bem, mas não sobre
uma parte dele, que se dá no especial, é comumente conhecida como condomínio
edilício.
Os condôminos possuem participação na totalidade do imóvel e, conforme sua
participação no total, exercem o domínio, mas não há localização estabelecida.
Portanto, Não há separação da propriedade comum, pois a fruição da posse de um
condômino da fruição da posse dos outros não é divisível, sendo assim, torna-se
comum a todos os condôminos. O artigo 1.314 do Código Civil aduz: “Cada condômino
pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos
compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear
a respectiva parte ideal, ou gravá-la.”
Os direitos e benefícios trazidos pelo bem possuem um benefício comum. Cada
sujeito exerce o poder jurídico sobre o todo, não restringindo o poder jurídico dos
demais sujeitos. (RIZZARDO, 2021).
Unicamente para a cobertura das despesas e para o proveito dos resultados a
dimensão tem em conta a quota, em função do artigo 1.315 do mesmo Código: “O
condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de
conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.”

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Rizzardo (2021) aduz que alguns princípios dominam o condomínio.
Em primeiro lugar, na modificação ou transferência de prosse, do uso ou gozo
é estritamente proibida sem o consentimento de outros co-proprietários. Não é uma
questão de alienação, que pressupõe o oferecimento do direito de preferência. É o
que o parágrafo único do artigo 1.314 afirma: “Nenhum dos condôminos pode alterar
a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o
consenso dos outros.”
Em segundo lugar, surge com a obrigação de prioridade para outros cotitulares,
no caso de alienação do quinhão, e sendo indivisível a coisa comum. É o que se
encontra expresso no artigo 504 do Código Civil:

Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos,


se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der
conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte
vendida a estranhos, se o requerer no prazo de 180 (cento e oitenta) dias,
sob pena de decadência.

O parágrafo único traça diretrizes para o exercício do direito de preferência:


“Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor
e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a
parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o
preço.”
Insta salientar, en passant, que no condomínio edilício não há o direito de
preferência, devido a norma expressa no § 1º artigo 1.331 do Código Civil, em redação
da Lei n. 12.607, de 04.04.2012, que reforça a propriedade particular das partes e de
utilização independente, como por exemplo:

 Apartamentos;
 Escritórios;
 Salas;
 Lojas; e
 Sobrelojas,

Com as específicas frações ideais no solo e nas partes em comum, com a


anuência da livre alienação e oneração. Relativamente aos abrigos de veículos, com
a Lei n. 12.607/2012, é cabível a possibilidade de transferência a pessoas diferentes

20
ao condomínio desde que haja expressa autorização na convenção de condomínio.
(RIZZARDO, 2021).
É de relevante destaque, em terceiro lugar, o caráter de transitoriedade do
condomínio, tendo em vista que o artigo 1.320 assegura o direito de sua extinção: “A
todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o
quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão. ” Diversas regras acerca
do assunto, estão previstas do artigo acima ao artigo 1.322, havendo destaque sobre:

A preferência para a aquisição das partes dos demais condôminos, no caso


de venda judicial por não existir algum modo de divisão, o condômino que
tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não havendo, o de quinhão maior.
No caso de inexistirem benfeitorias, ou se todas tiverem valor igual, a
preferência assenta-se no condômino cujo quinhão for maior. Se iguais os
quinhões, preferirá aquele que oferecer maior lanço. (RIZZARDO, 2021).

Em paralelo ao condomínio comum e tradicional acima descrito, no qual a


posse de cada consorte é indeterminada e comum, há uma forma diferente e
específica de, que é gerado e estabelecido em um terreno, formando-se a partir da
copropriedade em um terreno, todavia, por concordância, é estabelecida a cada um
dos condôminos as partes de uso e proveito comum, e também de uso e proveito
exclusivo e separado.

Cuida-se de um instituto jurídico distinto, que recebeu uma disciplina própria,


se conjuga a indivisão e comunhão em certas áreas, e a exclusividade da
propriedade de outras, mas dentro do mesmo imóvel. Tem-se, pois, um
instituto em que se combinam regras da propriedade individual e do
condomínio. Cada unidade pertence exclusivamente a um proprietário que
tem o exercício do seu direito limitado pelas obrigações especiais que
decorrem de possuí-lo num edifício com outras unidades autônomas.
(RIZZARDO, 2021, p. 27).

Segundo Rizzardo, (2021), é caracterizado através da justaposição de


diferentes propriedades, individualizadas de forma perfeita, em paralelo ao
condomínio de partes do edifício, forçadamente comuns.
Daí gerar-se um direito de natureza complexa, no qual os titulares, a um tempo
único, exercem a copropriedade sobre as partes que se decidem serem comuns e a
propriedade delimitada de outras partes, reservadas para cada cotitular. Esse instituto,
que se implantou e foi se difundindo nos meados a partir da primeira metade do século
passado, encontra-se atualmente regido pelos artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil,
constando bem conceituado no artigo 1.331: “Pode haver, em edificações, partes que
são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.”
21
Esse é o tipo de condomínio denominado como condomínio horizontal, ou
propriedade horizontal, e o Código Civil brasileiro o regulamenta com a denominação
de condomínio edilício. (RIZZARDO, 2021).

3 CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO, CONDOMÍNIO NECESSÁRIO E CONDOMÍNIO


EDILÍCIO

Costuma-se distinguir o condomínio comum, que é o ordinário, ou clássico e


tradicional, em voluntário e necessário.
O primeiro é formado pela vontade das partes. Constitui-se a propriedade
conjunta simultaneamente em favor de mais de uma pessoa. Cada proprietário torna-
se titular de uma quota-parte ou fração ideal, mas cabendo o uso em conjunto com os
demais coproprietários, nos termos do artigo 1.314 do Código Civil, acima transcrito.
Destacam-se os direitos de usar livremente a coisa, conforme a sua destinação
e sem alterá-la; de exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, desde que
não se impeçam iguais direitos aos demais consortes e não se altere a coisa sem
autorização da unanimidade dos mesmos; de reivindicar os bens junto a terceiros; de
defender a posse contra atos de esbulho ou turbação; de vender a sua parte,
conquanto que oferecida a preferência aos demais condôminos; e de dá-la em
garantia hipotecária. (RIZZARDO, 2021).
O direito é exercido sobre integralidade dos direitos, mas na proporção da
quota-parte ou fração ideal, sendo ela abstrata, e não se estabelecendo em uma
porção definida, mas sem impedir os direitos de outros condôminos. Contrata-se a
indivisão por um determinado prazo, que não excederá cinco anos, por imposição do
§ 1º do artigo 1.320: “Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum
por prazo não maior de 5 (cinco) anos, suscetível de prorrogação ulterior.”
Na venda da quota-parte, é obrigatória a preferência aos demais condôminos,
mediante expressa notificação, concedendo-se um prazo de trinta dias para
manifestar o interesse na aquisição. Se omitida essa concessão de preferência,
assegura-se ao condômino preterido o depósito do preço da venda e das despesas
do negócio, com a finalidade de adjudicar a parte vendida a estranhos, tendo para
tanto o prazo de cento e oitenta dias, a partir do ato da alienação, de conformidade
com o artigo 504 do Código Civil. (RIZZARDO, 2021).

22
Não mais desejando o condômino manter a indivisibilidade, e não revelando os
demais consortes interesses na aquisição de sua quota-parte, o artigo 1.322 do
Código Civil autoriza o caminho da alienação de coisa comum, que se fará por meio
de procedimento judicial ditado pelo artigo 730 do CPC/2015 (Lei n. 13.105, de
16.03.2015), que manda aplicar o procedimento dos artigos 879 a 903.
Na comunhão de coisa divisível, cada consorte ocupará a porção de sua
titularidade, mas com a concordância de todos para a localização. Não alcançado o
consenso no uso e fruição da quota, a solução será a divisão, mediante ação própria,
prevista nos artigos 588 e seguintes do CPC, ou a venda de coisa comum.
(RIZZARDO, 2021).
Sem dúvida, neste tipo de condomínio inclui-se o edilício, ou o formado em
imóveis através de frações ideais sobre o terreno conjugadas com as unidades
construídas, ao lado de partes comuns, do uso e fruição de todos os condôminos, mas
que recebe tratamento legal específico. Esse condomínio é objeto do presente estudo.
Já o condomínio necessário, também conhecido como forçado ou obrigatório,
decorre de disposições legais, sendo insuscetível de divisão. São exemplos desta
espécie as paredes, as cercas, os muros e as valas, cabendo a cada proprietário a
metade da coisa comum, e aplicando-se a disciplina estabelecida para o condomínio
em geral, e mais particularmente as regras sobre os limites entre prédios, sobre o
direito de tapagem e sobre o direito de construir, segundo o artigo 1.327 do Código
Civil: “O condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regula-se pelo
disposto neste Código (arts. 1.297 e 1.298; arts. 1.304 a 1.307).”
Decorrendo de lei, tem o proprietário o direito a constituir o condomínio em tais
bens, se proprietário, conforme deflui do artigo 1.328 do mesmo diploma: “O
proprietário que tiver direito a estremar um imóvel com paredes, cercas, muros, valas
ou valados, tê-lo-á igualmente a adquirir meação na parede, muro, valado, ou cerca
do vizinho, embolsando-lhe metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela
ocupado (art. 1.297). ” (RIZZARDO, 2021).
O direito a estremar, na dicção do referido artigo 1.297 do código civil, se dá
em favor do proprietário que faz divisa com o vizinho, com a divisão dos custos:

O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o


seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder
com ele a demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e
a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente
entre os interessados as respectivas despesas.
23
4 CONCEITO E CONSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO

A descrição delineada no último parágrafo do item acima é que identifica o


condomínio que se convencionou denominar condomínio edilício, isto é, condomínio
de edifício de apartamentos, havendo a convivência de uma propriedade exclusiva
sobre as unidades autônomas, ou as partes ideais de cada titular, e uma propriedade
comum sobre o conjunto de partes destinadas ao proveito de todos os condôminos. A
palavra “edilício”, conforme já explicado, origina-se do termo latino aedilitium, do qual
adveio o edil, aquele encarregado de fiscalizar as construções públicas e particulares.
Portanto, a palavra “edilício” representa ação relativa a construções. (RIZZARDO,
2021).
Trata-se de um condomínio voluntário, formado pela vontade dos titulares,
tendo como uma das causas mais diretas o melhor aproveitamento econômico do
solo, abrangendo determinadas coisas destacadas e contratadas, e que forma a
chamada propriedade horizontal, ou propriedade em planos horizontais, ou
condomínio em planos horizontais superpostos, tudo porque se tem uma propriedade
horizontalmente dividida. Mais claramente, há o edifício dividido em pavimentos
superpostos em planos horizontais, que abriga apartamentos residenciais, salas e
lojas. Há os andares, cuja área do mesmo andar se divide entre dois ou mais
interessados. Por isso a palavra “horizontal”; não tem ela o significado de expressar
aquele condomínio formado de casas construídas no mesmo plano, ou seja, uma ao
lado da outra ou com pouca distância entre elas, mas dentro de um mesmo terreno,
enquanto o condomínio de edifícios ou prédios de apartamentos ou salas comerciais,
em que as unidades estão construídas uma sobre as outras, formaria o condomínio
vertical. (RIZZARDO, 2021).
Conforme exposto, a disciplina da propriedade edilícia no Brasil não veio
contemplada no Código Civil de 1916, que se limitou a tratar, dentro do direito de
vizinhança, da “casa de parede-meia”. Iniciou a regulamentação com o Decreto n.
5.481/1928, e se aprofundou através da Lei n. 4.591/1964, passando, nos dias de
hoje, para o Código Civil de 2002, introduzido pela Lei n. 10.406/2002, e constando
prevista nos seus artigos 1.331 a 1.358 (Livro III, Título III, Capítulo VII). Todavia, em
aspectos não regulados pelo Código Civil, cujas normas têm mais caráter
complementar, ainda se mantém a vigência as disposições da Lei n. 4.591/1964.

24
Fornece o artigo 1.332 do Código Civil os modos admitidos de constituição de
condomínio edilício:

Institui-se o condomínio por ato entre vivos ou testamento, registrado no


Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do
disposto em lei especial:

I – A discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,


extremadas umas das outras e das partes comuns;

II – A determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente


ao terreno e partes comuns;

III – O fim a que as unidades se destinam.

A instituição abrange mais de uma modalidade: pode ocorrer por escritura


pública ou instrumento particular, em geral por meio de ata de assembleia geral dos
condôminos, quando é dada uma destinação a um prédio (se existente ou depois de
construído) ou a um terreno, dividindo-o em frações ideais e em unidades autônomas.
No artigo 1.332 do Código Civil, assim como no artigo 7º da Lei n. 4.591/1964,
não veio estabelecido, de maneira expressa, se para a instituição do condomínio
edilício seria necessária a utilização de instrumento público.
A opinião dominante na doutrina e na jurisprudência admite a utilização do
instrumento particular para a finalidade antes mencionada.
Este, por exemplo, o posicionamento do Conselho da Magistratura do Estado
de São Paulo, em diversos julgados, cristalizado, inclusive, nas Normas de Serviço
dos Cartórios Extrajudiciais da Corregedoria de Justiça daquele Estado, Tomo II
(Provimento 58/1989, atualizado até 03.02.2020) no seu Capítulo XX, item 219, cujo
teor é o seguinte: “A instituição e especificação de condomínio serão registradas
mediante a apresentação do respectivo instrumento público ou particular, que
caracterize e identifique as unidades autônomas, ainda que implique atribuição de
unidades aos condôminos, acompanhado do projeto aprovado e do ‘habite-se’, ou do
termo de verificação de obras em condomínio de lotes”. (RIZZARDO, 2021).
A instituição equivale a expressar uma realidade nova que surge na
propriedade, e que consiste na sua subdivisão em várias porções, à semelhança com
o que se dá com o loteamento. Não resulta a criação de direitos reais, eis que nada
se transmite, nem se onera, e muito menos se altera a titularidade. Permanecem os
direitos reais existentes, que emigram para as novas matrículas que serão abertas
25
para cada unidade que surge. Há, sim, modificação no regime jurídico, pois a
propriedade assentar-se-á sobre cada unidade, e não sobre o todo. Nada se
transferindo, o instrumento escrito distribuirá as frações para o mesmo ou os mesmos
proprietários. Essa distribuição de partes se manifestará através da convenção ou
mesmo outro documento equivalente.
Em verdade, um proprietário que constrói o edifício, e faz a individualização das
diversas unidades, inclusive abrindo as matrículas de cada uma, não está criando o
condomínio. Ele é o proprietário de todas as unidades. O condomínio aparece na
medida em que são vendidas as unidades, surgindo dois ou mais proprietários de um
mesmo prédio. E o fator determinante do condomínio, em edifícios, está na
propriedade conjunta das partes comuns, e não na titularidade das unidades, eis que
são de propriedade exclusiva. Na medida em que se dá a alienação das unidades vai
se instituindo e ampliando o condomínio, que se formaliza documentalmente com a
aprovação da convenção. (RIZZARDO, 2021).
Tem-se, aí, o surgimento do condomínio a partir da venda de unidades de um
prédio.
No entanto, é possível que duas ou mais pessoas decidam construir um prédio
em conjunto, sendo elas titulares do terreno. Individuam as unidades autônomas,
indicam as áreas de uso comum, definem as frações ideais. Ou seja, dividem o prédio
em unidades e reservam espaços ou partes comuns. Repartem, entre elas, as
unidades e tornam-se titulares também das áreas comuns, em uma equivalência à
área das unidades. Já se forma, então, o condomínio, pois há copropriedade do
terreno e do prédio.
Sempre, em sequência à matrícula, se faz a averbação da construção e se
lança o registro da constituição do condomínio, com a individualização.
Se decorrer de ato escrito, a instituição e especificação do condomínio levam-
se a registro, mediante a apresentação do respectivo instrumento (público ou
particular), que caracterize e identifique as unidades autônomas, acompanhado do
projeto aprovado e do “habite-se”. Basta o requerimento que enumere as unidades,
com remissão à documentação de divisão das unidades. (RIZZARDO, 2021).
Revela-se comum a formação através da incorporação, em que o chamado
incorporador promove a alienação das unidades existentes ainda na planta ou em
construção.

26
Dá-se a criação também por testamento, quando os herdeiros são
contemplados com apartamentos, cuja partilha se faz com o inventário ou
arrolamento.
Finalmente, não se pode desconhecer a formação decorrente de sentença, em
ação de divisão. (RIZZARDO, 2021).

4.1 Documentos necessários para a constituição

Não basta a mera escritura pública ou o documento particular para constituir e


registrar o condomínio. Considerando-se constituído o condomínio com o seu registro
imobiliário, por imposição do artigo 1.332 do Código Civil, importa indicar os
documentos necessários para esse ato. Não que exista alguma norma que faça a
discriminação. Todavia, é natural a sua exigência, pois assim acontece com os
registros de outras construções.
Eis os documentos que se anexam ao pedido, juntamente com a especificação
e individualização:
O primeiro documento que se deve anexar ao pedido é o “habite-se”, que
consiste no alvará ou certidão onde consta a licença ou permissão para o uso do
prédio, dentro da finalidade que lhe foi dada. (RIZZARDO, 2021).
Um segundo documento consiste na Certidão Negativa de Débitos (CND)
perante o INSS, exigido pelo artigo 47, inciso II, da Lei n. 8.212/1991.
O terceiro documento corresponde ao projeto arquitetônico com a devida
aprovação, que se revelará coerente com o memorial.
Já o quarto documento será o memorial descritivo, que deverá estar em
conformidade com o projeto arquitetônico e as planilhas de áreas, acompanhado da
previsão de custos e da planilha de áreas e frações ideais. (RIZZARDO, 2021).
O artigo 788 da Consolidação Normativa Notarial e Registral do Tribunal de
Justiça do Estado do RS, de 2020, publicada por meio do Provimento 01/2020, em
vigor a partir de 2 de março de 2020, aponta para os referidos documentos exigidos:

Quando a instituição de condomínio não for precedida da incorporação


registrada, todos os proprietários deverão requerê-la, exigindo-se:

Código Civil, art. 1.332; Lei n. 4.591/1964, arts. 1º ao 8º; Lei n. 6.015/1973,
art. 167, I, n. 17.

27
I – memorial descritivo com as especificações da obra e individualização das
unidades autônomas;

II – carta de habitação fornecida pelo Município;

III – Certidão Negativa de Débito – CND do Instituto Nacional do Seguro


Social – INSS;

IV – projeto arquitetônico aprovado pelo Município;

V – quadro de custos das unidades autônomas e a planilha de áreas e frações


ideais, subscrita pelo engenheiro responsável pelo cálculo;

VI – Anotação de Responsabilidade Técnica – ART do Conselho Regional de


Engenharia Arquitetura e Agronomia – CREA relativa à execução da obra.

§ 1º Quando a obra tiver sido executada por empresa, deverá ser também
exigida a respectiva certidão negativa de débitos para com a Receita Federal.

§ 2º O quadro de custos e a planilha de áreas podem ser substituídos pela


assinatura do profissional nos requerimentos, desde que neles constem
esses dados

Interessa, além da perfeita caracterização do condomínio, representado em


plantas elucidativas, e mais a regularização do condomínio perante o Fisco, e,
sobretudo, junto ao INSS, de modo a terem os adquirentes ciência da realidade e
segurança quanto à inexigibilidade de encargos pendentes. (RIZZARDO, 2021).

5 “CONDOMÍNIO IRREGULAR”

Têm sido chamados de condomínios irregulares os fracionamentos de terras


que não atendem aos requisitos legais. Praticamente todas as cidades brasileiras têm
condomínios irregulares. Trata-se de um grave problema social, que prejudica
especialmente as pessoas mais pobres.
Os malefícios dos condomínios irregulares para a sociedade decorrem de uma
ocupação não planejada e desordenada do solo urbano ou em vias de urbanização.
Possivelmente, o problema principal do excesso de condomínios irregulares em
determinada região seja o ambiental. Apenas a título de exemplo, a ocupação irregular
do solo urbano, em razão do grande número de construções de casas, de pátio de
cimento em quintais, de asfaltamento das vias públicas etc. em áreas relativamente
pequenas, dificulta o escoamento e a infiltração das águas da chuva, o que, além de
28
provocar erosão precoce nos locais em que há escoamento e infiltração, aumenta o
risco de inundações e enchentes. Além disso, a capacidade do meio ambiente em
prover a cidade de água potável é limitada: a excessiva urbanização e o bombeamento
de água por meio de poços artesianos tende a secar os lençóis freáticos existentes,
especialmente se há dificuldade para a infiltração da água da chuva, inclusive
decorrente do excesso de construções. (SILVA, 2021).
É princípio constitucional que a propriedade deve atender a sua função social.
Nesse sentido, é intuitivo imaginar que a propriedade que não esteja sendo utilizada
de acordo com a legislação ambiental ou urbanística não está atendendo a sua função
social.
A necessidade de se prover a cidade de boa qualidade de vida é a motivação
das leis que restringem a livre utilização e ocupação do solo urbano e rural. É
necessário, assim, planificar e ordenar o uso e o parcelamento de terras na cidade e
no campo. Se necessário para o bem comum, a propriedade privada pode ter sua
utilização limitada e restringida ou até mesmo desapropriada.

Por outro lado, existe uma crescente demanda por habitação. A população
aumenta (“crescei e multiplicai-vos”), o que importa em maior procura por
casas para novas famílias. O povo precisa de habitação.

Sob o aspecto jurídico, há várias hipóteses de condomínios irregulares, com


variadas conotações. Há loteamentos com falhas no processo de registro,
com registro inválido ou mesmo sem qualquer registro. Há até mesmo casos
em que áreas da União foram equivocadamente registradas como
particulares que, posteriormente, parcelaram e venderam lotes para terceiros
de boa-fé. (SILVA, 2021, p. 446).

Algumas pessoas distinguem os condomínios ou loteamentos irregulares em


três grupos:
seria aquele em que o loteador é o proprietário do
O condomínio irregular
imóvel registrado, mas o loteamento viola alguma
propriamente dito:
norma legal e não tem registro;
seria o loteamento cuja propriedade do imóvel não
O condomínio clandestino:
está registrada em nome do loteador;
seria o loteamento no qual o loteador não é o
O condomínio grilado:
verdadeiro proprietário.

Na prática, porém, Silva (2021, p. 446) explica:


29
Nem sempre é possível identificar com clareza qual a situação do condomínio
ou loteamento em questão, inclusive em razão de disputas judiciais. Além
disso, a situação jurídica dos condomínios ou loteamento pode mudar
(exemplos: o loteador obtém o registro do imóvel, o loteador obtém o registro
do loteamento, o Poder Público promove a regularização etc.), Assim, nesta
seção tratamos do tema de forma genérica, abrangendo todas as
modalidades de condomínio ou loteamento que não preenche os requisitos
da lei e utilizamos a expressão condomínio irregular no sentido amplo.

O “condomínio irregular” não é, tecnicamente, o condomínio especial ou edilício


previsto no art. 8º da Lei nº 4.591, de 16-12-64 ou nos arts. 1.331 a 1.358 do Código
Civil. É comum a constituição de uma associação para realização das atividades de
interesse comum dos moradores do “condomínio irregular”. O ingresso e permanência
do morador nessa associação não é obrigatório (art. 5º, XX, da Constituição Federal).
Contudo, todos se beneficiam com as atividades dessa associação. (SILVA, 2021).
Surgiu então uma questão: os que não são associados são obrigados a efetuar
contribuições para a associação dos moradores?
Após precedentes no sentido de que mesmo os que não são associados devem
pagar pelas despesas decorrentes dos serviços de interesse de todos os moradores,
prestados pela associação, prevaleceu no STJ orientação no sentido de que não se
pode cobrar qualquer valor de quem não é associado. Mas a questão continuou
controvertida, com decisões de tribunais estaduais insistindo no sentido de que todos
que se beneficiam dos serviços devem pagar os valores pertinentes, associados ou
não. Continua prevalecendo no STJ a tese de que “As taxas de manutenção criadas
por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não
anuíram”. O art. 36-A da Lei nº 6.776, de 19-12-1979, acrescentado pela Lei nº 13.465,
de 11-7-2017, embora com redação truncada, objetiva estabelecer que a cobrança
mesmo dos não associados é possível. É preciso, porém, aguardar algum tempo para
que se possa saber qual será a interpretação dada pelo STJ a esse dispositivo.
É de conhecimento notório ser arriscada a aquisição dos lotes nos chamados
“loteamentos irregulares”. Por essa razão, os lotes nos condomínios irregulares são
mais baratos. Em termos meramente econômicos, não há qualquer problema em
efetuar um negócio arriscado. O que se deve ponderar é se o risco compensa a
possibilidade de lucro. Em geral, pessoas que fazem negócios mais arriscados com
possibilidades de lucros não tão altos não estão cientes dos riscos das operações.
Portanto, é fundamental fazer uma análise jurídica do risco para se ter uma perfeita
noção da vantagem econômica do negócio. Se o risco é alto, o preço do imóvel deve

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ser muito baixo, caso contrário o negócio é ruim para o comprador sob o aspecto
econômico. (SILVA, 2021).
Caso se esteja avaliando a aquisição de lote em condomínio irregular, é
fundamental saber o que está sendo, juridicamente, adquirido.

 O vendedor é o proprietário?
 A venda é de parte ideal do terreno, por meio de escritura pública, ou
mediante simples cessão de direitos por instrumento particular?
 Esse instrumento particular poderá ser registrado?
 Há litígio no tocante a essa propriedade?
 O vendedor é apenas posseiro?
 Existe lei local vedando a transferência da posse do imóvel?
 Quem é o proprietário?
 O vendedor nem mesmo é posseiro (colocou uma faixa e diz que está
vendendo lotes)?
 A área pertence ao poder público (note-se que, em tese, não existe
possibilidade de usucapião de terras públicas)?
 O loteamento está em Área de Proteção Ambiental?
 Há ações na justiça para impedir as construções?
 Já existem muitas casas no loteamento?

Dependendo das respostas a essas perguntas, o grau de risco da aquisição


será pequeno, grande, astronômico ou mesmo será inviável a aquisição da posse,
caracterizando-se a venda como um verdadeiro estelionato.
Em regra, os vendedores de lotes desses condomínios acenam com a
possibilidade de regularização a curto ou médio prazo.
Na hipótese de aquisição de lote irregular em terras públicas (ou mesmo
particulares) é preciso tomar cuidado, especialmente em anos eleitorais, com
promessas de regularização do Governo, que “podem” não ser cumpridas e até
mesmo com incríveis “certificados de regularização”, que podem não ser válidos!
A existência de cobrança de IPTU e a prestação de serviços públicos (água,
luz, coleta de lixo, transporte público, correio) são elementos positivos para a
estabilidade do condomínio irregular (inclusive as contas no nome do comprador

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podem servir como prova de posse, conforme o caso), mas não garantem que, no
futuro, o Poder Público não irá optar pela desocupação da área. (SILVA, 2021).
Um dado interessante que, embora seja fático, tende a influir no jurídico. As
pessoas têm, comumente, afirmado que apenas “casas de pobre” são demolidas
quando construídas em lotes irregulares. Sem pretender discutir a veracidade dessa
informação, seria muita hipocrisia negar que o poder econômico pode ter influência
na regularização de loteamentos irregulares. Disso não se conclua, porém, que há
plena garantia de que casas de classe média e alta possam ser livremente construídas
à margem da lei: há precedentes de derrubadas de construções irregulares de classe
média alta.
A organização e mobilização popular nas ocupações podem, em certos casos,
impedir ou retardar a desocupação forçada da área, porém a situação é insegura e
varia muito em cada caso: são notórios os casos de dramáticas desocupações
violentas, com forte aparato policial, realizadas por ordem judicial. (SILVA, 2021).
Embora nos termos da lei possa o comprador que adquiriu lote em condomínio
irregular pedir seu dinheiro de volta (o negócio é nulo, em razão da ilicitude, art. 166,
II, do Código Civil, combinado com o art. 37, da Lei nº6.766/79), em certos casos, na
prática, isso poderá ser demorado ou mesmo inviável. Sabemos da morosidade da
Justiça, que ocorre em razão de uma desproporcional quantidade de processos em
relação a um número pequeno de juízes, funcionários, instalações etc. Além disso, o
vendedor “pode” simplesmente desaparecer, sem deixar bens que respondam por sua
obrigação.
É preciso, assim, muita ponderação. Por razões óbvias, não é aconselhável a
aquisição de lote em condomínio irregular. (SILVA, 2021).
Caso se decida pela aquisição de lote em condomínio irregular, deve-se ter a
plena consciência de que não irá adquirir a propriedade do imóvel. Na melhor das
hipóteses, o comprador irá adquirir uma posse. Vide seções 1.14 e 2.36 para maiores
informações a respeito do que seja posse.
Portanto, o comprador deve saber que poderá até obter a propriedade do
imóvel no futuro, mas também poderá vir a ser retirado do local (com ou sem
indenização, conforme o caso).
Caso se opte, assim mesmo, pela aquisição de lote ou casa em “condomínio
irregular”, o primeiro passo é verificar se a pessoa que o oferece à venda é realmente

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possuidor do imóvel. Isso pode ser verificado por meio de contas de água, luz e
telefone em nome do vendedor e com o endereço do imóvel. Outros documentos, tais
como certidões e registros em cartórios de títulos e documentos, não constituem,
evidentemente, prova de propriedade, mas podem ser hábeis para a prova da posse,
conforme o caso. É preciso verificar qual a natureza dessa posse, se haverá
possibilidade de aquisição da propriedade por usucapião, se o proprietário está
movendo alguma ação contra o possuidor etc. Deve o comprador celebrar contrato
com o posseiro-vendedor com firma reconhecida (preferencialmente por autenticidade
e não por simples semelhança). É fundamental guardar todos esses documentos, para
que o comprador possa provar que adquiriu a posse de alguém que tinha a posse.
Evidentemente, deverá tomar todas as demais cautelas, como se estivesse adquirindo
a propriedade do imóvel. Essas cautelas não garantem a permanência do adquirente
no imóvel, mas melhoram a sua situação jurídica.
Teoricamente, não há possibilidade de usucapião em imóveis de propriedade
do Poder Público, assim como a jurisprudência tem entendido que, nesse caso, não
há nem mesmo direito de posse, mas a simples detenção física. Conforme o caso,
poderá o ocupante até mesmo ser retirado do local sem direito a indenização.
Aspecto fundamental é quanto ao período de tempo em que o vendedor está
na posse do imóvel: quanto maior, melhor. Deve-se também verificar o grau de
organização e estabilidade do condomínio e da documentação de posse do vendedor,
para que se possa prever se o Judiciário irá conceder proteção possessória, caso o
comprador necessite. Pode ser difícil, às vezes, a prova dos limites territoriais da
posse, especialmente em zonas rurais. (SILVA, 2021).
Também é interessante observar o que dispõem as normas locais a respeito
da prestação de serviços públicos, bem como o que vem ocorrendo na prática.
Quando não há fornecimento de água, a solução que tem sido encontrada nesses
casos é a construção de poços artesianos. Normalmente, há serviços de transporte
público atendendo os condomínios irregulares, até porque, especialmente no tocante
aos loteamentos de renda mais baixa, a existência de serviço público de ônibus é
requisito para a viabilidade econômica da venda de lotes. Silva (2021, p. 450-451)
ressalta:

A situação é, no mínimo, curiosa: o Estado não reconhece a situação jurídica


de proprietários dos moradores de condomínios irregulares, em razão de
alguma ilegalidade ou irregularidade do loteamento (ausência do registro de
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loteamento, violação à legislação ambiental, violação à lei de zoneamento
etc.), aliás, nem mesmo reconhece a existência jurídica dos lotes! Contudo,
esse mesmo Estado fornece os serviços públicos (água, luz, telefone, correio,
transporte público etc.) a esses condomínios e, corretamente, cobra as taxas
e impostos pertinentes. É uma situação dúbia: ou o Poder Público entende
que o condomínio, por violar a ordem jurídica de forma gravíssima (ex.
violação à legislação ambiental), não pode subsistir e determina a
desocupação da área (e, por uma questão de coerência, impede o
fornecimento de serviços públicos) ou promove a regularização desses
condomínios (nos casos em que isso é possível), determinando prazos para
que sejam sanadas as irregularidades e atendidos os requisitos necessários
para a regularização.

Deveria o Poder Público coibir de forma imediata e radical a criação de novos


condomínios irregulares, antes que eles passem a ser habitados, inclusive
por razões pedagógicas. O que causa perplexidade é a existência dessa
situação dúbia, insegura, não se sabendo qual será a postura a ser adotada
pelo Poder Público no dia de amanhã. Em um país com grande déficit
habitacional como o Brasil, a omissão do Poder Público em coibir os
condomínios irregulares permitiu que centenas ou milhares de condomínios
irregulares surgissem no país, agravando ainda mais o delicado quadro
social.

É claro que a solução para esse problema não é simples: se fosse fácil, alguém
já teria feito. Mas a situação deveria ter algum tipo de solução, seja pelo abrandamento
das exigências legais (até mesmo ambientais, conforme o caso), seja pela
desocupação forçada de áreas habitadas nos locais em que não puder ocorrer a
regularização: dubiedade é que não poderia existir.
Há quem já tenha sustentado, inclusive, que deveria ser criada lei para tornar
crime a aquisição de lote em condomínio irregular. Caso isso ocorresse,
provavelmente a oferta e o valor dos lotes em condomínios irregulares iria se reduzir
sensivelmente. Por outro lado, em um país com graves problemas habitacionais, punir
criminalmente uma pessoa que não teve dinheiro para comprar um lote em um
condomínio regular parece ser algo nem um pouco razoável. Talvez a melhor solução
política seja uma opção intermediária, para se punir criminalmente adquirentes de
lotes apenas em situações específicas, sem criminalizar a pessoa de parcos recursos
que adquire um lote para ela mesma morar.
O grande problema dos condomínios irregulares para os compradores,
portanto, é a insegurança jurídica de construir e viver em um terreno do qual não se é
proprietário, pois não se sabe o que poderá acontecer no dia seguinte. (SILVA, 2021).

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6 O IMÓVEL QUE SE ENCONTRA DIVIDIDO EM PARTES IDEAIS

Na hipótese de aquisição de imóvel com vários proprietários em condomínio


(partes ideais), deverá o comprador tomar todas as cautelas descritas no Capítulo 3
em face de todos eles, bem como dos respectivos cônjuges, posto que são
vendedores do imóvel e deverão assinar a escritura de compra e venda nessa
condição. Na falta de algum, não estará o comprador adquirindo a totalidade do
imóvel, por óbvio.
É possível, outrossim, a aquisição de apenas uma parte ideal de um imóvel. A
toda evidência, em certos casos, sua efetiva utilização somente será possível
mediante a sua divisão, amigável ou judicial (vide arts. 569 a 573 e 588 a 598, todos
do Código de Processo Civil ‒ CPC/2015).
O cuidado específico referente à aquisição de uma parte ideal de um imóvel
consiste na necessidade de obter a anuência dos demais condôminos do imóvel, que
deverão assinar a escritura pública de compra e venda na qualidade de intervenientes,
abrindo mão expressamente do direito de preferência.
Com efeito, o art. 504 do Código Civil é claro ao tratar dessa questão:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem
não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para
si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver


benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se
as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a
quiserem, depositando previamente o preço.

É possível sustentar que a aquisição de imóvel que pode ser física e


juridicamente parcelado não estaria sujeita a esse dispositivo, que se refere apenas
às coisas indivisíveis. É recomendável, porém, em qualquer hipótese, que seja obtida
a anuência dos demais condôminos, por cautela. (SILVA, 2021).

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7 IMÓVEIS SEM REGISTRO

Os imóveis sem registro podem ser objeto de posse. Curiosamente, há casos


em que imóveis sem registro podem ser objeto de propriedade por parte do Estado
(exemplo: terras devolutas) ou mesmo de um particular. (SILVA, 2021).
Não tratamos nesta seção da categoria “imóveis sem registro” as seguintes
situações:

1. Empreendimentos imobiliários efetuados de acordo com a lei, como


loteamentos ou incorporações, para os quais há registro do empreendimento.
Embora possa não existir ainda matrícula aberta para cada um dos lotes ou
unidades, existe registro, que é a chamada de “matrículamãe”;

2. Certos casos de condomínio ou loteamento irregular: caso exista registro da


terra onde se situa o condomínio ou loteamento, não estarão na categoria de
imóveis sem registro;

3. Parte menor abrangida por um imóvel maior registrado: nesse caso,


exatamente porque há registro da área maior, o imóvel menor ‒ que
juridicamente faz parte do imóvel maior ‒ não é imóvel sem registro, mas sim
imóvel sem matrícula própria (que poderá ser aberta mediante o procedimento
adequado, administrativo ou judicial ‒ ex.: usucapião), exatamente porque
está englobado por um imóvel registrado.

Outras situações, como o chamado “loteamento grilado”, poderão se encontrar


exatamente na situação ora tratada – imóvel sem registro – pois a terra onde se situa
o condomínio ou loteamento poderá não ter qualquer registro em cartório. Nos casos
de “loteamento grilado”, a terra não pertence ao loteador, podendo haver incerteza
jurídica a respeito de quem é o verdadeiro proprietário. (SILVA, 2021).
Como regra geral, somente é possível registro de título de aquisição de
propriedade referente a imóvel registrado. Caso o registro do imóvel não exista, é
necessário efetuar o registro do título anterior, referente à aquisição da pessoa que

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transmite a propriedade do imóvel. É o que dispõe a Lei de Registros Públicos (Lei nº
6.015/73):
“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do
outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer
que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. ”
O problema surge quando o título anterior não pode ser registrado, exatamente
porque ele depende da existência do registro do título a ele anterior, que também não
tem registro e não pode ser registrado, nos termos da lei anterior, porque dependia de
registro prévio e assim por diante.
Para entender o problema, bem como encontrar a melhor solução, é preciso
analisar como surgiu o sistema de registro imobiliário no Brasil. Afinal de contas, a
propriedade imobiliária existe em decorrência de um reconhecimento por parte da
ordem jurídica, que variou ao longo dos séculos de existência deste território hoje
chamado de Brasil: é preciso entender como esse processo funcionou, inclusive para
efeito de verificação, nos dias de hoje, da legitimidade da propriedade eventualmente
pleiteada. (SILVA, 2021).
A questão não é impertinente: muitas vezes será preciso voltar muito no tempo
para se verificar a validade dos títulos de posse ou propriedade. Isso ganha maior
relevo quando se tem em mente que até o advento do Código Civil de 1916 era
possível, em certos casos, usucapião de bens públicos (Súmula nº 340 do STF).
O processo de apropriação de terras no Brasil, baseado na usurpação de terras
indígenas, começou antes de existir um sistema moderno de registro de propriedade.
Durante largo período, a Coroa Portuguesa concedia terras pelo sistema de sesmarias
(até 1822) ou por outro tipo de concessão, impondo alguns deveres ao sesmeiro ou
concessionário, bem como ocorria a simples ocupação de terras por particulares, fato
que continua existindo até nos dias de hoje (muitas vezes por meio de invasões ou
usurpações). Os registros eram precários ou inexistentes, mesmo nos casos de
sesmarias ou concessões oficiais, com incertezas e inseguranças jurídicas.
Com o advento da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), o
Império tentou regular a posse de imóveis, até então baseada na ocupação, concedida
ou não. O art. 4º da Lei de Terras revalidou, desde que houvesse efetiva ocupação
com ao menos um início de atividade econômica, as sesmarias ou concessões que,
teoricamente, teriam sido perdidas em razão do descumprimento das condições

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inicialmente exigidas. O art. 5º legitimava as posses decorrentes de simples ocupação
que, sob determinadas condições, estivessem sendo cultivadas. Os arts. 7º e 8º
estabeleciam que as terras adquiridas por posses, sesmarias ou outras concessões
deveriam ser demarcadas, sob pena de perda de tudo aquilo que não estivesse sendo
economicamente utilizado, que passariam a constituir terras devolutas. A Lei de
Terras pretendia regularizar a ocupação irregular – objetivo que não foi cumprido,
como se percebe até nos dias de hoje – mediante processo de legitimação das
posses, além de viabilizar a venda de terras devolutas. (SILVA, 2021).
O regulamento da Lei de Terras (Decreto nº 1.318, de 30-1-1854) previa o modo
pelo qual seria feito o registro das terras demarcadas: mediante declaração
apresentada ao vigário da paróquia onde o imóvel estivesse situado, sem que isso
gerasse, por si só, qualquer direito. Contudo, ainda que não concedesse a
propriedade, a declaração, caso admitida, iria compor o arquivo geral das terras objeto
de posse reconhecida pelo Império. Os objetivos almejados não foram atingidos: os
registros, quando feitos, eram por demais imprecisos e precários, sem definir na maior
parte dos casos quais os limites de cada ocupação territorial.
A Lei nº 1.237, de 24-7-1864, estabeleceu que os contratos de compra e venda
ou doação de imóveis passíveis de hipoteca somente surtiriam efeitos contra terceiros
depois de efetuada a transcrição no Registro Geral, por parte de tabeliães criados ou
designados pelo Decreto nº 482, de 14-11-1846. Tratava-se de uma tentativa de
regularizar e dar um mínimo de segurança jurídica à propriedade imobiliária, de modo
que ela poderia servir de garantia a operações creditícias. Embora com limitações,
essa Lei deu início ao registro imobiliário. (SILVA, 2021).
O sistema foi aperfeiçoado com o advento do Decreto nº 18.542, de 24-12-
1928, que regulamentou o registro imobiliário previsto no Código Civil de 1916. O
referido Decreto assim dispunha:

Art. 228. Em todas as escripturas e actos relativos aimmoveis, os tabelliães e


escrivães farão referencia ao registro anterior, seu numero e cartorio, bem
como nas declarações de bens prestados em inventarios e nos autos de
partilha (...).

Art. 234. Em qualquer caso não se poderá fazer transcripção ou inscripção


sem prévio registro do titulo anterior, salvo se este não estivesse obrigado a
registro, segundo o direito então vigente de modo a assegurar a continuidade
do registro de cada predio, entendendo-se por disponibilidade a faculdade de
registrar alienações ou onerações dependentes assim, da transcripção
anterior.

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A partir de então, foi adotado o princípio da continuidade: somente poderiam
ser registradas aquisições de imóveis que já estivessem registrados. Mas havia uma
exceção: o registro não dependia de prévio registro do título anterior que não estivesse
obrigado a registro segundo o direito vigente à época do ato, “visando a ressalva
atender precisamente a que, no direito precodificado, não estavam sujeitos ao registro
as transmissões causa mortis e os atos judiciais”.
O princípio da continuidade foi repetido por diversos diplomas legais nesses
termos até o advento da Lei de Registros Públicos atualmente em vigor (Lei nº
6.015/73), quando o princípio da continuidade foi positivado de forma absoluta:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do


outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior,
qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que
dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a
continuidade do registro.”

Surge, então, o aspecto essencial da questão: como adquirir a propriedade de


um imóvel que não foi registrado nos termos das várias leis que estabeleceram o
registro obrigatório como forma de transmissão da propriedade?
Há uma hipótese em que isso seria teoricamente impossível: com o advento da
Constituição Federal de 1988 restou estabelecida a invalidade de qualquer título
incidente sobre imóveis situados em terras tradicionalmente ocupadas pelos índios,
que são bens da União (art. 20, XI, da Constituição Federal). Para esses casos, não
haveria possibilidade de aquisição de propriedade, de acordo com o art. 231 da
Constituição Federal. Vide, outrossim, o Provimento CNJ nº 70, de 12-6-2018.
Vejamos, nesta seção, alguns casos em que se pode tentar a abertura de
matrícula para imóvel sem registro, seja o imóvel rural ou urbano. Nas seções
seguintes iremos tratar de outros procedimentos de regularização fundiária, nos
termos da Lei nº 13.465/2017, conforme o imóvel seja rural ou urbano.

1. Inventários referentes a imóveis não registrados: caso o juiz


reconheça a propriedade dos herdeiros, pode-se tentar registrar o
formal de partilha no cartório imobiliário, com a abertura de matrícula
para o imóvel, sustentando que a morte do proprietário é o ato que
transfere a propriedade para os herdeiros, razão pela qual não se
submeteria a transferência da propriedade às regras ora vigentes,
mas sim às regras da época em que não havia a necessidade de
prévio registro. É uma situação possível de ocorrência mesmo nos
dias de hoje, dado que nem sempre são abertos processos de
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inventários na época correta, bem como eles podem tramitar por
vários anos ou décadas. A questão essencial é a desnecessidade de
registro para efeito de aquisição da propriedade por transferência
causa mortis. Contudo, poderá o registrador de imóveis – que não
adotar a melhor técnica, data venia – simplesmente afirmar, mesmo
nessa situação, a necessidade de prévio registro do imóvel, por força
das regras da Lei nº 6.015/73 que estabelecem o princípio da
continuidade de forma absoluta. Nesse caso, caberá ao juiz dirimir a
questão em procedimento administrativo (dúvida suscitada pelo
registrador) e, caso mantida a negativa de registro, a saída poderá
ser a proposição de ação de usucapião.

2. Casos de legitimação de posse: nos termos da Lei nº 6.383, de 7-12-


76 (imóveis rurais) e da Lei nº 13.465, de 11-7-2017 (imóveis
urbanos), a conversão em propriedade pode ensejar abertura de
matrícula, caso os procedimentos previstos sejam corretamente
executados. Vide, a esse respeito, a seção 2.30.

3. Ato do Poder Público, por meio de uma ação de desapropriação de


área não registrada, ou por meio de uma ação discriminatória (Lei nº
6.383, de 7-12-76): poderá ser solicitada a abertura de matrícula para
imóvel até então sem registro. É necessária a prévia abertura de
matrícula para que se possa alienar terras devolutas.

4. Propositura de ação de usucapião. Se não houver uma medida


específica para o caso concreto, a solução pode ser a propositura da
ação de usucapião. Desse modo, a decisão judicial que decretar a
usucapião poderá ensejar a abertura de matrícula para imóvel que
até então não havia sido registrado.( (SILVA, 2021, p. 551-552).

Mas há dois problemas, que ensejam controvérsias. O primeiro problema diz


respeito à necessidade de constar, na petição inicial da ação de usucapião, o nome
do réu. A questão era assim tratada pelo o art. 942 do Código de Processo Civil de
1973:

Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e


juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver
registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos
réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao
prazo o disposto no inciso IV do art. 232

O Código de Processo Civil atual (Lei nº 13.105, de 16-3-2015) não


regulamenta a usucapião como ação de rito especial. Assim, valem as normas do rito
ordinário. Deve constar o nome do réu na petição inicial para ser citado, caso contrário
o juiz poderá simplesmente indeferir a petição inicial. Na vigência do CPC/73, havia
controvérsia no sentido de ser a existência do registro um requisito para a ação de
usucapião. De acordo com esse entendimento, era impossível ação de usucapião de
imóveis não registrados. Mas mesmo naquela época, porém, já se afirmava que “o

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imóvel usucapiendo pode, ou não, estar registrado anteriormente”, pois, para imóveis
não registrados, não é logicamente possível apresentação de certidão de registro
imobiliário, que deveria ser dispensada.
Há precedentes no sentido de que lote em condomínio irregular não pode ser
objeto de usucapião, inclusive por força da área maior não estar devidamente
registrada. Contudo, ainda não há decisão definitiva do STJ a respeito dessa questão,
pendente de julgamento em sede de recurso repetitivo (Tema nº 1.025).
Há emblemático precedente no sentido de que pode existir usucapião de
parcela de terreno em violação à legislação de ordenamento territorial urbano
(legislação municipal), caso o imóvel maior esteja registrado. Para imóveis rurais,
existe entendimento no sentido de que “É possível adquirir a propriedade de área
menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião
especial rural”.
Com o CPC/2015, ficou mais forte a posição que defende a desnecessidade do
prévio registro. É possível sustentar que nesse caso deve ser citado por edital a
pessoa desconhecida, que seria um eventual proprietário anterior do imóvel. Diz o
CPC/2015: “Art. 256. A citação por edital será feita: I ‒ quando desconhecido ou
incerto o citando; (...).”
Assim, uma possível saída para o problema é ajuizar uma ação de usucapião
contra pessoa desconhecida, que deverá ser citada por edital.
É recomendável pedir a citação do Estado (ou da União). Há entendimento no
sentido de que a inexistência de registro imobiliário não cria presunção de que o
imóvel constitui terra devoluta. Esse entendimento nos leva a uma situação curiosa:
em tese, bens públicos não são passíveis de usucapião. Na prática, se o Judiciário
afirmar que o bem não é público, a usucapião é possível. Para fins de concurso
público, deve-se afirmar que não é possível usucapir bens públicos (art. 183, § 3º, da
Constituição Federal). Na prática, isso dependerá do que for decidido judicialmente
quanto à natureza do bem, se público ou privado. Obviamente, afirmar que é privado
um imóvel que é público nada mais é que uma burla à norma constitucional que proíbe
a usucapião de bens públicos. (SILVA, 2021).
É interessante tentar obter uma certidão do cartório imobiliário, afirmando que
o imóvel não está registrado. Obviamente, a certidão expedida pelo cartório será

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baseada na descrição que o requerente fornecer e possivelmente haverá uma
ressalva de que o imóvel pode existir em algum registro com outra descrição.
A jurisprudência deverá dirimir a questão do cabimento da ação judicial de
usucapião de imóveis sem registro, de modo a cessar as dúvidas que existiam na
época do CPC/1973.
Outro problema é o art. 226 da Lei nº 6.015/73, que assim dispõe: “Art. 226.
Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado
judicial. ”
Qual o alcance desse dispositivo? Uma interpretação, que considero
equivocada, seria no sentido de que o dispositivo se refere aos dados, inclusive
número, da matrícula já aberta. Isso inviabilizaria por completo a possibilidade de
registro de imóvel sem prévia matrícula ou transcrição e criaria uma situação absurda:
a pessoa teria direito à propriedade do imóvel, mas não ao registro. A outra
possibilidade de interpretação, que considero a adequada, é no sentido de que o
mandado expedido pelo juiz deve conter todos os dados necessários para que o
registrador de imóveis possa, se for necessário, abrir matrícula para o imóvel sem
registro. (SILVA, 2021).
Todas essas situações, porém, podem ser extremamente complexas e
demoradas, com resultados imprevisíveis. Por isso, recomenda-se com a maior
ênfase que o comprador condicione o negócio à prévia regularização do imóvel por
parte do vendedor. Caso contrário, o comprador poderá pagar o preço do imóvel e
não obter ou passar anos sem obter a propriedade do imóvel, ficando apenas com a
posse do imóvel (situação que poderá ser mais ou menos segura, dependendo do
caso concreto).
Pode haver abertura de matrícula nas hipóteses dos arts. 195-A e 195-B da Lei
nº 6.015/73, em redação dada pela Lei nº 13.465/2017. Nos casos de constituição ou
regularização de aforamento em terreno de marinha, caso já não exista matrícula
aberta, poderá ser aberta matrícula para o novo aforamento. (SILVA, 2021).

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>

Compra de imóveis: aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos /


Bruno de Mattos e Silva. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2021.

Rizzardo, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária / Arnaldo


Rizzardo. – 8. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2021.

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