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Cultural
Formação Inicial e
Continuada
+ IFMG
Pablo Menezes e Oliveira
Belo Horizonte
Instituto Federal de Minas Gerais
2021
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2021
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Sobre o material
Formulário de
Sugestões
Bons estudos!
O autor.
Bons estudos!
Nome do autor.
Apresentação do curso
Este curso está dividido em três semanas, cujos objetivos de cada uma são
apresentados, sucintamente, a seguir.
Objetivos
Nesta semana falaremos sobre os conceitos e histórico do
patrimônio histórico. Primeiramente sobre suas origens, que
estão ligadas a Europa, e depois como ele se desenvolve no
Brasil.
Para iniciar o curso, é preciso deixar claro o que é Patrimônio Histórico. O termo
“patrimônio” tem sua origem relacionada com estruturas familiares, econômicas e jurídicas.
Ainda persiste entre nós esta acepção, quando nos referidos a valores financeiros
acumulados por uma pessoa ou família ao longo de sua vida. Ao pensar no Patrimônio
Histórico, podemos pensar na “herança” histórica, artística e cultural acumulada pela
humanidade ao longo de sua presença na Terra. A autora Françoise Choay pode ajudar a
deixar ainda mais clara a leitura do conceito de Patrimônio Histórico:
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Figura 2: Cidade de Brasília, entre sua concepção e estruturação. Por sua monumentalidade e originalidade,
foi tornada patrimônio poucas décadas após a inauguração nova da Capital do Brasil.
Fonte: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/31 (Acesso em: 19 de março de 2021).
Se o patrimônio vem rompendo suas bordas temporais, ele ainda lida com algumas
questões que lhe são fundamentais. Uma delas diz respeito à adesão da sociedade a
estas políticas patrimoniais. Como bem observa Cecília Londres, a “prática da preservação
de bens culturais tem sido o grande desafio a ser enfrentado no século XXI”. Se a ideia de
uma identidade permeou no conjunto dos países à constituição de uma história que nos
une, em muitas oportunidades, esta narrativa foi construída por intelectuais, por pessoas
envolvidas com o serviço público, e não encontrar adesão no conjunto da sociedade. Se o
discurso já não encontra a sociedade, também a representatividade dos atores múltiplos
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Figura 3: Catálogo da Semana de Arte Moderna de 1922. O evento que marca o movimento modernista no
Brasil, lançando-se para o futuro, foi muito importante para a promoção do Patrimônio Histórico no Brasil
Fonte: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35342/capa-do-catalogo-da-exposicao-da-semana-de-arte-
moderna (Acesso em: 30 de agosto de 2021).
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Com definições mais ampliadas, ali começa a se entrever algumas mudanças dos
tempos, como por exemplo a questão do patrimônio cultural, no que chama a atenção a
preocupação com a preservação dos quilombos, símbolo da resistência ao cativeiro
escravo. Se ali os sinais em torno da preservação do patrimônio cultural ganhavam
melhores contornos, a questão do patrimônio cultural só ganharia uma legislação que lhe
fizesse atenção alguns anos mais tarde. Por meio do decreto nº 3551, de 4 de agosto de
2000, foi estabelecido o “Registro de bens culturais de natureza imaterial”. Quase na virada
do milênio, se cristalizava o esforço em prol da construção de um registro da diversidade
cultural brasileira em suas várias formas. O patrimônio cultural imaterial foi estabelecido
principalmente nos chamados países de terceiro mundo, como parte dos esforços de
registrar, e no limite, manter vivas, representações culturais consideradas importantes para
a nação. Elas estão muito alinhadas com as discussões sobre culturas das décadas de
1960 e 1970.
Segundo as linhas definidas pelo IPHAN em seu site, entende-se por Patrimônio
Cultural Imaterial:
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Figura 4: Exemplos do patrimônio cultural brasileiro tombados: Linguagem e Arte Gráfica Wajãpi.
Fonte: Livro Formas de Expressão (2002); Círio de Nossa Senhora de Nazaré (Livro das Celebrações –
2005); Samba de Roda do Recôncavo Baiano (Livro Formas de Expressão – 2004); Ofício das paneleiras de
goiabeiras (Livro dos Saberes – 2002); Ofício das paneleiras de goiabeiras (Livro dos Saberes - 2002).
A busca por signos culturais que pudessem conferir identidade cultura ao Brasil
estaria encravada nas montanhas das Minas Gerais. Território ocupado pelos portugueses
entre o final do século XVII e os primeiros anos do século XVIII, seria novamente
descoberto no século XX, como forma de significar o Brasil. Motivo pelo qual tentaremos,
nas linhas que seguem, falar um pouco da história de Minas Gerais, procurando evidenciar
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alguns aspectos de sua materialidade que acabaram por marcar a história do patrimônio
histórico brasileiro.
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Semana 2 – História de Minas Gerais Plataforma +IFMG
Objetivos
Nesta semana falaremos sobre História de Minas Gerais,
com especial atenção para o período colonial. Como grande
parte do patrimônio histórico mineiro se refere a este período
histórico, é interessante analisar este capítulo da nossa
história.
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conflitos. Segundo Dom Lourenço de Almeida, em carta enviada à Coroa do ano de 1722,
estes distúrbios relacionavam-se ao modo de vida dos povos. Para ele,
[...] por ser o seu cabedal pouco volumoso, por constituir todo em oiro, nem mulher
nem filhos que deixar, não só se atrevem à obediência e às justiças de Vossa
Magestade, se não também em cometerem continuamente os mais atrozes
delictos, como estão sucedendo nestas Minas (BOXER, 2000, p. 190).
Tais distúrbios prejudicariam muito os interesses da coroa com as Minas, no que diz
respeito a ficar com o quinhão que lhe cabia da mineração. Nesse sentido, da submissão e
obediência dos povos dependia o sucesso no trabalho nas lavras e o aumento nas rendas
da Coroa. Era necessário, portanto, estabelecer mecanismos que pudessem ordenar os
povos das Minas, colocando-os debaixo das leis régias.
Assim, em conformidade com o processo de ocupação do território, foi se
construindo uma estrutura política, econômica e social na região. Sem um “projeto” de
ocupação do território, sua vida política foi se organizando em conformidade com as
demandas que se apresentavam à sociedade. Quando do anúncio da descoberta de ouro
no Sertão dos Cataguases, no último decênio do século XVII, este estava subordinado
administrativamente à Capitania do Rio de Janeiro. Aos poucos foi sendo estruturando o
governo dos povos, bem como uma máquina tributária, especialmente das atividades
minerais.
O estabelecimento de povoados nas regiões mineradoras teve como consequência
um convívio entre os povos, muito maior que em outros lugares da América portuguesa.
Disso resultou uma série de conflitos, que fazia com que fosse necessária a normatização
da população, fazendo com que "os acampamentos de faiscadores da véspera [fossem]
subitamente assaltados por uma legião de burocratas portugueses". Da submissão e
obediência dos povos dependia o sucesso no trabalho nas lavras e o aumento nas rendas
da Coroa (SOUZA, 1986. p.105). A preocupação da coroa se justificava pelo grande
número de motins e rebeliões que aconteceram na região ao longo do século XVIII.
Podemos rapidamente nos lembrar de eventos como a Revolta dos Emboabas, ocorrida
em 1709, tendo como pano de fundo as disputas pelo poder na região, e as tensões entre
grupos de paulistas e reinóis. E, a partir dele, podemos encontrar várias outras tensões
como a Sedição de Vila Rica, de 1720. Não por acaso, o Conde de Assumar, governador
da região na altura da revolta, assim descreveria a região, procurando atestar a natureza
tensa da região: “a terra parece que evapora tumultos; a água exalta motins; o ouro troca
desaforos; destilam liberdade os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordem
os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião”.
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Figura 5: Imagem alusiva a Sedição de Vila Rica, ou Sedição de Felipe dos Santos. Rebeliões que tiveram
como pano de fundo nas questões fiscais marcaram o cotidiano de Minas Gerais. O Julgamento de Filipe dos
Santos, líder do Levante de Vila Rica. Obra de Antônio Parreiras, c. 1923.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Antonio_Parreiras_Julgamento_de_Filipe_dos_Santos.jpg.
(Acesso em 07/07/2021)
Esta é uma questão muito interessante a ser observada na história de Minas Gerais.
A forte presença das atividades minerais da região – que além das atividades de extração
do ouro também experimentaria a extração de diamantes na região mais ao norte – fez
com que o espaço urbano ganhasse grande destaque. As atividades minerais, que
demandaram um grande aparato tributário, somado ao intenso convívio entre os povos,
que não raro resultaram em tensões, levou a Coroa a fundar várias vilas e arraiais em
várias regiões de Minas Gerais, se comparadas com outras regiões da América
portuguesa.
As vilas eram uma instância administrativa que, em muitos graus, se assemelha às
nossas municipalidades. As casas de câmara geralmente compunham-se de dois a seis
vereadores, Juiz ordinário, procurador, e demais oficiais, como o alcaide, e o almotacé.
Tinham, entre suas principais atribuições, supervisionar a distribuição e arrendamento das
terras municipais e comunais, lançar e cobrar taxas municipais, fixar os preços de produtos
e provisões, passar licença aos vendedores ambulantes, construir e fazer a manutenção
de estradas, pontes, cadeias e demais bens públicos. Deviam também regular os feriados
e organizar os festejos e procissões. Eram responsáveis pelo policiamento das localidades
sob sua jurisdição, pelo lançamento de posturas e editais. Atuavam, ainda, como uma
espécie de tribunal de primeira instância, subjugados ao ouvidor mais próximo ou mesmo
ao Tribunal da Relação (BOXER, 1981. p. 265-266). As casas de câmara, açambarcavam
assim uma série de atribuições, que gravitavam nas áreas fazendárias, judiciárias e
administrativas. Importante lembrar que o acesso a estas câmaras se dava através do um
sistema eletivo, do qual participavam apenas as pessoas mais bem-postas das vilas, os
chamados homens bons.
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Figura 6: Chafariz construído pela câmara da então Vila Rica no século XVIII. Em seu topo, lia-se a seguinte
inscrição: Curia curat, amat, fabricat, propinat, abhorret, nos ubertatem, staqua, flu(…)ta sitim, que se pode
traduzir da seguinte maneira: “o senado cuida de nós, ama a abundância, fabrica os tanques, dá a beber as
águas correntes, aborrece a sede”. Na atualidade o chafariz ainda faz parte do acervo patrimonial da cidade
de Ouro Preto.
Fonte: Oliveira (2013).
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quantidade de arraiais, que sem contar com autonomia administrativa, eram subordinados
às Vilas.
O espaço urbano (e mesmo o rural) que se constrói em Minas Gerais ao longo dos
séculos XVIII, e mesmo no século XIX, além de ser espaço do poder, é espaço da
representação social, das sociabilidades. Os edifícios civis, públicos e religiosos
representavam as múltiplas facetas da sociedade mineira. A arquitetura colonial mineira é
uma adaptação das técnicas construtivas portuguesas, transplantadas para o coração da
América, em meio aos morros e regato dos rios. Para muitos estudiosos do tema, a
distância dos distritos minerais, e sua dificuldade de contato com as regiões litorâneas, e,
por conseguinte, à Europa, acabou por forjar uma forma arquitetônica peculiar. Mesmo
apartada de Europa, não deixou de ter seus referenciais, trazendo ainda referências da
arquitetura da África, da China, entre outras (ROMEIRO; BOTELHO, 2004, p. 29).
Figura 7: Detalhe de decoração da Capela de Nossa Senhora do Ó, em Sabará, Minas Gerais, evidenciando
as influências orientais.
Fonte: Ricardo André Frantz - Obra do próprio, CC BY 3.0,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=39732277
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construídos na chamada “taipa de pilão”, assim descrita por Adriana Romeiro e Angela
Botelho: “sistema em que as paredes são maciças, erguidas sobre vigas de madeira,
dentro dos quais o barro é socado, e muitas vezes é misturado a ele estrume, fibras
vegetais, cascalho, areia, etc. (ROMEIRO; BOTELHO, 2004, p. 30)
Com o passar dos anos as casas sofreram alterações quanto aos materiais
empregados nas construções, como a utilização de pedra, assim como os edifícios
ganham mais beleza. Além disso, começam a surgir edificações de dois andares: em geral
o primeiro andar se destina às atividades econômicas, ao passo que o segundo andar se
destina ao convívio íntimo.
Figura 8: Conjunto de casarões na praça Tiradentes, Ouro Preto, em fotografia tirada em 1948, quando a
cidade já era considerada patrimônio histórico.
Fonte: Acervo digital do autor.
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Figura 9: Projeto para a fachada da Igreja de São Francisco em São João del-Rei, Minas Gerais.
Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aleijadinho,_Igreja_da_Ordem_Terceira_de_S%C3%A3o_Francisco
_de_Assis,_S%C3%A3o_Jo%C3%A3o_del_Rei.jpg (Acesso em: 07 de julho de 2021).
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Figura 10: Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, Minas Gerais. Contou com os trabalhos de
Antônio Francisco Lisboa e Manoel da Costa Ataíde, dois mestres das artes do período colonial.
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_S%C3%A3o_Francisco_de_Assis_(Ouro_Preto)#/media/Ficheiro:
SFrancisOuroPreto-CCBY.jpg (Acesso em: 30 de agosto de 2021).
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Além dos edifícios civis e religiosos, cabe registrar as iniciativas do poder público na
construção de edifícios. Como forma de representar o poder, e a ordem social. Assim, o
poder das municipalidades se traduziu nos edifícios das casas de câmara de cadeia. Na
antiga Vila Rica, sede da administração da Capitania, se fez edificar o palácio dos
governadores.
Figura 11: Palácio dos Governadores, Ouro Preto, Minas Gerais, em registro das primeiras décadas do
século XX.
Fonte: Acervo digital do autor.
Figura 12: Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto, Minas Gerais nas primeiras décadas do século XX.
Fonte: Oliveira (2013).
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É nesse espaço que terá lugar uma manifestação artística que marcará a história de
Minas Gerais e do Brasil: O Barroco.
Expresso em muitas situações como um movimento estético, ele significou também
uma visão de mundo. Sua origem é europeia, podendo ser identificado a partir do século
XVII, estendendo-se até o século seguinte. Assim, embora o Barroco se perceba
especialmente no espaço religioso, ele também foi um instrumento muito importante de
sustentação do poder régio.
Como observa Adriana Romeiro, ele tem como epicentro a Roma dos papas, “cujo
programa contra-reformista exigia o apelo de uma arte exuberante e de caráter
propagandístico” (ROMEIRO; BOTELHO, 2004, p. 50). Embora de fundo europeu, a
chegada do Barroco nas várias paragens foi ganhando variações, e em Minas Gerais não
foi diferente. Nas Minas, além de pontuar o cenário estético da região, também influencia a
construção de uma cultura mineira, como bem observa Adriana Romeiro, “a um só tempo
religiosa e profana, na qual a morte e as preocupações com a salvação da alma ocupam
um lugar central e convivem lado a lado com as festas – espaço privilegiado da
sociabilidade setecentista” (ROMEIRO; BOTELHO, 2004, p. 50).
A estética barroca vai se marcar pela noção de movimento, característica da época,
“sugerindo a sensação de dinamismo e vertigem”. Exemplo dessa sensação os tetos das
igrejas estarão repletos de nuvens e anjos, “a arrastar o espectador em direção aos céus”
(ROMEIRO; BOTELHO, 2004, p. 50). Uma sensação que se fará perceber em um sem
número de edifícios religiosos de Minas.
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Figura 13: Teto da Igreja São Francisco de Assis em Ouro Preto, MG, executado por Mestre Ataíde (1762-
1830).
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mestre_Ata%C3%ADde_-
_Glorifica%C3%A7%C3%A3o_de_Nossa_Senhora_-_Igreja_de_S%C3%A3o_Francisco_2.jpg (Acesso em
07/07/2021)
Muitos fatores contribuíram para criar um estilo autônomo: o contato com técnicas
artísticas, tanto de origem culta quanto popular, como o modus operandi de
escravos e forros de origem africana, o recurso a material e a instrumentos
disponíveis na região, a atuação decisiva das irmandades e confrarias, a
constituição de uma sociedade diversificada. (ROMEIRO; BOTELHO, 2004, p. 52)
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Por conta de todas estas características, vai acabar por se forjar o que hoje se
denomina “barroco mineiro”. Na singularidade da arte mineira colonial, representada por
mestre Ataíde e Antônio Francisco Lisboa, de alcunha Aleijadinho, se construirá, nas
primeiras décadas do século XX, um discurso forte em torno do patrimônio histórico e
cultural brasileiro.
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Após a visita, no ano de 1928, Mário de Andrade produziu um texto sobre Antônio
Francisco Lisboa, na obra Aspectos das Artes Plásticas no Brasil, procurando atestar suas
múltiplas habilidades, que deixava patente a singularidade da arte produzida nas Minas
Gerais. A singularidade artística de Minas Gerais se encontraria na encruzilhada da história
do Brasil no início das discussões para a criação de um serviço de proteção ao patrimônio
histórico cultural brasileiro, que viria a luz anos mais tarde a partir de um anteprojeto
redigido por Mário de Andrade, que se tornaria realidade pelas mãos do mineiro Rodrigo
de Mello Franco de Andrade (1898-1969), primeiro diretor do Serviço de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Neste contexto, Minas se tornaria patrimônio do
Brasil, como pode-se observar o lugar do estado na política de preservação do IPHAN
desde seus primórdios. Como bem observa Dênis Tavares,
[...] seus bens artísticos e sua arquitetura tradicional do século XVIII foram
consagrados como manifestação expressiva do “ser nacional”. Nesse prisma, o
passado mineiro seria “exemplar”, pois fornecia um cenário ideal, repleto de
tradições, heróis, monumentos e objetos fundadores da própria identidade nacional
(TAVARES, 2016, p. 42).
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nos anos iniciais do órgão federal. A cidade de Ouro Preto é tombada como patrimônio
histórico no ano de 1938. Ainda conservando muito de suas feições coloniais, atestada
especialmente pelo traçado de parte da urbes e pelos edifícios religiosos, mesmo as
mudanças realizadas no espaço urbano ao longo do século XIX, quando ainda era a
capital de Minas Gerais, não retiraram delas as características que a definiriam como um
símbolo da arte nacional.
Uma das maiores cidades das Américas no período colonial, tinha um vasto acervo
de edifícios religiosos, chafarizes, pontes que persistiram em sua paisagem urbana. A
cidade ainda preservaria parte de seus acervos prediais em decorrência da mudança da
capital do estado para Belo Horizonte, construída especialmente para abrigar o aparato
estatal, no ano de 1897. Este movimento no apagar do oitocentos acabaria por “ajudar” na
preservação daquele lugar histórico, pois o esvaziamento da cidade acabaria por reduzir a
dinâmica da transformação urbana. Importante observar, Ouro Preto ainda contribuiria para
a construção da identidade nacional por meio da Inconfidência Mineira, traduzida na
república como um movimento em prol da independência nacional, tendo em Tiradentes
seu herói maior, e na antiga Vila Rica o palco das manifestações de libertação nacional.
Assim, a cultura material se casava com os anseios de um nacionalismo que se ancorava
nos heróis nacionais.
Figura 15: Registros da Cidade de Ouro Preto nas décadas seguintes ao seu tombamento, ocorrido em 1938.
Fonte: Acervo digital do autor.
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São João del Rei também foi objeto de tombamento no mesmo ano de Ouro Preto,
em 1938, entretanto, o IPHAN atesta que a delimitação do conjunto histórico tombado só
aconteceria em 1947. Situada nas cercanias de São João del Rei, a Cidade de Tiradentes
também seria objeto de tombamento no ano de 1938. Mais ao norte do estado, Diamantina
se tornaria patrimônio nacional no ano de 1938. Próxima a Diamantina, a cidade do Serro
foi tornada patrimônio também no ano de 1938.
Anos mais tarde, o conjunto do Santuário do Bom Jesus do Matozinhos, localizado
em Congonhas, seria tornado patrimônio no ano de 1939, reunindo o maior acervo reunido
de autoria de Antônio Francisco Lisboa. Dois anos mais tarde o conjunto urbano seria
tombado. A cidade de Mariana, denominada a primeira cidade de Minas Gerais, bem como
sua primeira capital, vizinha a Ouro Preto, se tornaria também patrimônio nacional no ano
de 1945. A cidade que fora a sede do primeiro bispado de Minas Gerais, ostentando um
desenho urbano planejado ainda no período colonial.
Figura 16: Santuário do Bom Jesus do Matozinhos, Congonhas, Minas Gerais, cerca de 1950.
Fonte: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/370/ (Acesso em: 18 de maio de 2021).
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Figura 18: Chegada dos restos mortais dos inconfidentes a Ouro Preto, em 1942. Os restos mortais dos
inconfidentes seriam conservados no Museu da Inconfidência, que ocupou o edifício da Casa de Câmara e
Cadeia da antiga Vila Rica. Ao lado, celebração do feriado de 21 de abril em Ouro Preto. Neste dia a Capital
de Minas Gerais é simbolicamente transferida para a antiga Capital dos mineiros.
Fonte: Acervo digital do autor.
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Neste capítulo, procuramos falar em linhas gerais sobre a história de Minas Gerais,
pano de fundo para entender o lugar do estado na história do patrimônio histórico. Grande
parte de suas cidades coloniais se tornaram espaço preservado, fosse o conjunto urbano,
fosse ao menos alguns de seus edifícios. Se Minas Gerais marca o universo do patrimônio
edificado brasileiro, também terá muitas de suas práticas culturais registradas no IPHAN,
na conjuntura do decreto lei nº 3.551 de 04 de agosto de 2000. Entre as práticas culturais
tombadas podemos mencionar o “Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas, nas regiões
do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre”, registrado no Registro dos Saberes, em junho
de 2008. Além deste registro, há também o Ofício de Sineiro, registrado no Livro de
Registro dos Saberes, em 2009.
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Semana 3 – Políticas de preservação do patrimônio histórico
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Objetivos
Nesta semana falaremos das Políticas de preservação do
Patrimônio Cultural brasileiro, procurando observar sua
situação em Minas Gerais. Na sequência, falaremos de
alternativas para a economia local e o patrimônio histórico e
cultural.
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Como observa o documento acima citado, assim que acolhido o pedido de processo
de tombamento, ele passa por uma “avaliação técnica preliminar”. Em caso de aprovação
do processo de preservação de algum bem, o proprietário é notificado da intenção de
preservação. A partir deste ato, “o bem já se encontra sob proteção legal, e interditado
para venda, por exemplo, até que a instância máxima da área do Patrimônio adote uma
decisão final”. Para o caso do patrimônio cultural imaterial, também foram estabelecidos
Livros de Tombo, estabelecidos como abaixo segue:
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III - realizar, por si ou através de convênio com pessoa jurídica de direito público ou
privado, bem como em decorrência de contrato com pessoa física ou jurídica, obra
de conservação, reparação e recuperação, ou obra complementar necessária à
preservação dos bens indicados no inciso I;
IV - estimular os estudos e pesquisas relacionados com o patrimônio histórico e
artístico de Minas Gerais, inclusive através de concessão de bolsa especial, ou de
intercâmbio com entidade nacional ou estrangeira;
V - promover a realização de curso intensivo de formação de pessoal especializado,
ou curso de extensão sobre problemas ou aspectos do patrimônio histórico e
artístico e sobre normas técnicas a ele aplicáveis;
VI - promover a publicação de trabalho, estudo ou pesquisa relacionados com o
patrimônio histórico e artístico;
VII - estimular a criação, pelos municípios, de mecanismos de proteção aos bens a
que se refere esta Lei, em ação supletiva à da União e à do Estado;
VIII - estimular, em conjunto com os órgãos competentes, e incentivar, em
articulação com os municípios, o planejamento do desenvolvimento urbano como
meio para que se atinja o equilíbrio entre as aspirações conflitantes de preservação
e desenvolvimento.
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3 https://www.mpmg.mp.br/areas-de-atuacao/defesa-do-cidadao/patrimonio-historico-e-cultural/perguntas-
frequentes/quais-sao-as-principais-funcoes-do-conselho-municipal-do-patrimonio-cultural-1.htm (Acesso em:
23 de junho de 2021).
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pelo SPHAN começam a alterar sua configuração espacial, preocupando os gestores deste
órgão.
Ainda podendo citar o caso de Ouro Preto, esta cidade conviveu com atividades
minerais e siderúrgicas nos limites da cidade, além de ter instituições de ensino técnico e
superior que motivaram a migração de muitos estudantes para ali. Segundo Maria Cristina
Rocha Simão, o período é marcado, "ao mesmo tempo, pela tentativa de elaboração de
planos urbanísticos e pelo crescimento desordenado dos núcleos urbanos tombados"
(SIMÃO, 2001, p.35).
Figura 21: Ouro Preto e o processo de ocupação dos seus morros. Sinal da expansão urbana.
Fonte: https://saci2.ufop.br/servico_clipping?id=746 (Acesso em: 30 de agosto de 2021).
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[...] as transformações promovidas pela era industrial (do início do século XIX a
meados do século XX) contribuíram para uma inversão de valores, de forma que o
estético assumiu a primazia na seleção dos patrimônios oficialmente reconhecidos,
alimentando o ideário dos turistas sobre o patrimônio (CARVALHO;
MENEGUELLO, 2020, p. 97)
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Figura 22: Semana Santa em Ouro Preto. A aliança entre a história e cultura.
Fonte: http://www.aceop.com.br/noticia/802/beleza-e-emocao-marcam-as-celebracoes-da-fe-na-semana-
santa-em-ouro-preto (Acesso em: 27 de maio de 2021).
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Referências
AZEVEDO NETTO, Carlos Xavier de; SILVA, Hallana suellen Albuquerque da.
Documentos e procedimentos necessários par a preservação do patrimônio material pelo
processo de tombamento. Biblionline, João Pessoa, v. 6, n. 2, p. 16-28, 2010.
BOXER, Charles R. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma
sociedade colonial. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 2000.
BOXER, Charles R. O império colonial português (1415-1825). Lisboa: Ed: 70, 1981.
CARVALHO, Aline; MENEGUELLO Cristina. Dicionário temático de patrimônio: debates
contemporâneos. Campinas: Editora da Unicamp, 2020.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade; Editora
Unesp, 2001.
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política
federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.
LONDRES, Cecília. O patrimônio histórico na sociedade contemporânea. Revista Escrito,
nº1, 2007, p. 159-171.
OLIVEIRA, Pablo M. Cartas, pedras, tintas e coração: As casas de câmara e a prática
política em Minas Gerais (1711-1798). 2013. Tese (doutorado em História) – Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2013.
SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do patrimônio cultural em cidades. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
TAVARES, Dênis Pereira. A invenção do patrimônio nacional: aspectos da política de
preservação de conjuntos urbanos tombados em Minas Gerais. Revista Memória em
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SOUZA, Laura de Melo e. Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século
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