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TRANSTORNO DO ESPECTRO

AUTISTA- TEA
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 4

2 O DIREITO À INCLUSÃO............................................................................. 5

2.1 Os direitos da pessoa com deficiência ................................................. 5

2.2 Atendimento educacional especializado............................................... 8

3 DO TGD PARA O TEA NO DSM-5 ............................................................. 12

3.1 Breve histórico do DSM ...................................................................... 12

3.2 Histórico dos Transtornos globais do desenvolvimento (TGD) ........... 13

4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) ..................................... 16

4.1 O autismo se estende ao longo de um espectro ................................ 18

4.2 Por que existe um espectro? .............................................................. 21

4.3 Severidade e nível de prejuízo ........................................................... 22

5 O QUE CAUSA O AUTISMO?.................................................................... 24

5.1 Uma rápida retrospectiva do século passado ..................................... 25

5.2 Genética e autismo ............................................................................ 27

5.3 O cérebro da pessoa autista .............................................................. 28

5.4 O cérebro no autismo ......................................................................... 29

5.5 Diferenças na estrutura do cérebro .................................................... 29

6 OUTRAS CONDIÇÕES AFETAM CRIANÇAS COM TEA .......................... 31

6.1 Deficiência intelectual ......................................................................... 31

6.2 Transtornos da linguagem e da comunicação .................................... 32

6.3 TDAH.................................................................................................. 32

6.4 Problemas emocionais ....................................................................... 33

6.5 Questões médicas .............................................................................. 34

7 INTERVENÇÕES COMPORTAMENTAIS E EDUCACIONAIS .................. 36

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7.1 Método ABA e TEACCH..................................................................... 37

8 TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA ALUNOS COM TEA ............................. 39

8.1 A utilização de tecnologias assistivas para alunos com TEA ............. 42

8.1.1 Aprendizagem baseada em vídeo ................................................ 42

8.1.2 Instrução assistida por computador .............................................. 43

8.2 SCALA – Surgimento ......................................................................... 43

8.3 SCALA - Sistema de Comunicação Alternativa para letramento de


pessoas com Autismo. ........................................................................................... 45

9 BIBLIOGRAFIA........................................................................................... 47

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AUTISTA- TEA
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
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2 O DIREITO À INCLUSÃO

Fonte: https://diariodainclusaosocial.com/

A publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Federal nº.


13.146/2015 (BRASIL, 2015), trouxe avanços importantes. Além disso, vários
pesquisadores, familiares e segmentos da população têm lutado para que a sociedade
seja inclusiva não apenas na lei, mas na prática.
É necessário que as necessidades das pessoas com deficiência sejam
percebidas para que a inclusão ocorra de fato na educação, na saúde, na locomoção,
no esporte, na cultura, no lazer, na religião e em tantos outros contextos. Contudo, o
que se observa é que as pessoas, em vez de incluir os diferentes, acabam excluindo-
os ao não propiciar a acessibilidade arquitetônica, curricular, instrumental e
comunicacional.

2.1 Os direitos da pessoa com deficiência

A inclusão ocorre não apenas nas placas indicativas em filas preferenciais, mas
por meio de ações que contribuem de fato para o reconhecimento das pessoas com
deficiência. Entre essas ações, você pode considerar:
1. o ensino de Libras para todos, independentemente do curso ou da vivência,
para que essa língua seja disseminada no Brasil, tendo em vista que é a segunda
língua oficial do País (BRASIL, 2002);

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2. o uso de piso tátil e de placas indicativas, de semáforo sonoro, materiais e
móveis em Braille para os cegos;
3. o uso da comunicação alternativa para todas as pessoas com deficiência
intelectual e TEA;
4. a adaptação da arquitetura dos imóveis, dos carros, dos transportes públicos
e das calçadas para os deficientes físicos.
Assim, com respeito a todos e prezando pela igualdade, a sociedade, de fato,
caminhará para a inclusão. Na Figura 1, a seguir, você pode ver a evolução do
emprego formal das pessoas com deficiência no Brasil, conforme relatório do
Ministério do Trabalho (BRASIL, 2017).

A Constituição Federativa do Brasil, promulgada em 1988 (BRASIL, 1988),


garante o direito de todos à educação, à saúde, à segurança e à vida. Contudo, para
que exista a equalização de direitos e deveres, bem como o cumprimento das leis de

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acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, são necessárias mudanças nos
hábitos e costumes da população.
Em relação ao transporte, é necessário que exista gratuidade ou desconto em
passagens no transporte público, intermunicipal e interestadual. Com isso, a
adequação e a acessibilidade devem ser garantidas pelas empresas para que a
mobilidade seja atendida. Há também a necessidade de reserva de vagas para as
pessoas com deficiência, que têm prioridade para ocupar os assentos. Além disso,
devem ser reservadas vagas em estacionamentos públicos e privados (desde que o
automóvel esteja cadastrado para o transporte de pessoas com deficiência, seguindo
a legislação de trânsito). Já no campo trabalhista, os concursos devem garantir a
reserva de no mínimo 5% das vagas para as pessoas com deficiência. Muitas pessoas
não sabem, mas a Lei de Cotas garante horário de serviço reduzido a essa população,
dependendo de suas limitações, sem prejuízo salarial, desde que a deficiência seja
comprovada com laudo médico.
A recusa de empregar pessoas com deficiência sem uma justificativa plausível
ou aceitável pelo Ministério do Trabalho é motivo para que a empresa seja denunciada
e processada com multa. No que se refere à educação, as pessoas com deficiência
têm o direto de ocupar 5% do total de vagas nas universidades públicas; em
instituições privadas, devem existir programas para atender a esses estudantes. Na
educação básica, é fundamental que a lei seja cumprida, ou seja, todos devem ter a
escolarização garantida. Todavia, para que os direitos das pessoas com deficiência
sejam garantidos, é necessário que o preconceito e a discriminação sejam
continuadamente descontruídos e combatidos.
As pessoas com deficiência também estão isentas de tributos previstos na
Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), tais como: IPVA e IPI em
automóveis utilitários. Para que isso ocorra, o Código Nacional de Trânsito Brasileiro
regulamentou que não há necessidade de o carro ser adaptado, mas o comprador
deve apresentar os documentos necessários para a aquisição do veículo. No caso de
pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida, os carros devem ser adaptados.
Vale destacar que os automóveis das pessoas com deficiência devem manter o selo
de identificação no vidro dianteiro.

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Além disso, a Lei nº. 9.394/1996 (BRASIL, 1996) se refere à importância do uso
do cão-guia, o que se relaciona ao direito dos deficientes visuais de transitar e se
locomover em todo o território brasileiro, inclusive em viagens nacionais e
internacionais.
De acordo com o art. 8º da Lei nº. 7.853/1989 (BRASIL, 1989), será punido com
pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa:
a) quem recusar, suspender, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a
matrícula de aluno com deficiência;
b) impedir o acesso de pessoa com deficiência a qualquer cargo público;
c) negar trabalho ou emprego ao deficiente;
d) recusar, retardar, diminuir ou dificultar a internação hospitalar ou deixar de
prestar assistência médico-hospitalar ou ambulatorial, quando possível à pessoa com
deficiência.
Ao longo dos séculos, os deficientes foram adquirindo seus direitos e também
deveres para a convivência em uma sociedade justa e igualitária. Em resumo, a
Constituição Federal regulamenta o direito à igualdade de todos, bem como o direito
ao acesso e à permanência das pessoas com e sem deficiência em espaços públicos
e privados, além do direito à vida e à segurança. Para tanto, é importante a
colaboração, a participação e o envolvimento do Estado e dos cidadãos. Assim, de
fato, é possível construir uma sociedade justa, igualitária e sem discriminação.

2.2 Atendimento educacional especializado

Na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva (BRASIL, 2008), a educação especial é compreendida como uma
modalidade de ensino transversal, ou seja, perpassa todos os níveis de ensino. Nesse
sentido, ela atua desde a educação infantil até o ensino superior e realiza o
atendimento educacional especializado. Esse atendimento é definido da seguinte
forma: O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar
e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para
a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado
diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas
à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos
alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008,
p. 10). Com base nessa definição, a caracterização desse serviço e do público a que
se destina precisa ser compreendida. Afinal, quem é o grupo de alunos que poderá
frequentar e ser matriculado no atendimento educacional especializado? Somente os
alunos com alguma deficiência? Será que os alunos com dificuldades na leitura e na
escrita, aqueles que não conseguem se alfabetizar, os alunos agitados ou com déficit
de atenção e os hiperativos também podem frequentar o AEE?
O mesmo questionamento vale para os alunos com dificuldades de conduta, os
agressivos e aqueles que têm dificuldades em acompanhar o currículo escolar.
Historicamente, a educação especial organizou os seus serviços de forma que todos
os alunos com necessidades educacionais especiais eram atendidos por essa
modalidade de ensino. Porém, a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) — e todas as normativas que se
seguiram ao seu lançamento, como a Resolução CNE/ CEB nº. 4/2009, que institui as
Diretrizes Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação
Básica, na modalidade Educação Especial — define, em seu Artigo 4º, quem são os
alunos a quem se destina o atendimento educacional especializado:

I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de


natureza física, intelectual, mental ou sensorial.
II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que
apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor,
comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias
motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome
de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância
(psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.
III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um
potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento
humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e
criatividade (BRASIL, 2009, documento on-line).

Conforme a atualização de nomenclatura publicada no DSM -5 (2013), onde se


lê Transtorno Globais do Desenvolvimento (TGD), precisa-se ler Transtorno do
Espectro Autista (TEA). Assim, os textos legais que normatizam o AEE sublinham

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AUTISTA- TEA
claramente um grupo específico de alunos, e não mais todos os alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais. Dessa forma, é importante que
você compreenda que sujeitos com dificuldades de aprendizagem, distúrbios
emocionais e de comportamento, déficit de atenção, hiperatividade, atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor, dislexia, entre outros, não fazem parte do público-
alvo da educação especial.
É importante destacar que a partir da Nota Técnica nº 04/2014 - MEC/
SECADI/DPEE cai a obrigatoriedade da exigência de um laudo médico para incluir os
alunos com deficiência ou dificuldades no Atendimento Educacional Especializado -
AEE. Nesse sentido, muitos alunos com diversas dificuldades de aprendizagem têm
a garantia de ingresso no AEE, mesmo não tendo nenhuma deficiência diagnosticada.
A partir da compreensão do grupo de alunos que poderá frequentar o AEE,
esse serviço é organizado de forma complementar e/ou suplementar ao ensino regular
— ou seja, não substitui a escolarização. Portanto, o atendimento educacional
especializado caracteriza-se como um serviço pedagógico que opera na oferta de
recursos de acessibilidade que visam à participação e aprendizagem dos alunos
público-alvo da educação especial no ensino regular.
O Decreto nº. 7.611/2011, no Art. 30, dispõe sobre os objetivos do atendimento
educacional especializado:

I ‒ prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino


regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as
necessidades individuais dos estudantes;
II ‒ garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino
regular;
III ‒ fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que
eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem;
IV ‒ assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis,
etapas e modalidades de ensino (BRASIL, 2011, documento on-line).

Uma questão importante a ser pontuada se refere ao local onde é oferecido o


atendimento educacional especializado. Para responder esse questionamento,
novamente se faz necessário olhar para os documentos normativos que orientam a
educação inclusiva no nosso país.
Conforme o Artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº. 4/2009:

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
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O AEE é realizado prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da
própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da
escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser
realizado, também em centro de atendimento educacional especializado da
rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas
sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão
equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios (BRASIL, 2009,
documento on-line).

A orientação desse fragmento sublinha que o AEE deve ser realizado,


prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da escola em que o aluno com
deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/ superdotação
está matriculado. Isso se justifica pela interlocução necessária entre o professor do
AEE e os professores do ensino comum, considerando que essa articulação beneficia
o processo de aprendizagem do aluno, uma vez que possibilita que o professor do
AEE acompanhe ativamente esse processo. Desse modo, ele pode identificar os
recursos pedagógicos e de acessibilidade necessários para a promoção da
aprendizagem e apoiar o professor do ensino comum no gerenciamento das
estratégias necessárias para apoiar a aprendizagem do aluno.
Ideais que caminham ao encontro das perspectivas inclusivas desenvolvem as
suas práticas no sentido de colocar-se à disposição do aluno que por muito tempo foi
considerado como um fracasso escolar.

Fonte: ttps://www.saobentodouna.pe.gov.br/
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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
3 DO TGD PARA O TEA NO DSM-5

Fonte: educarepedagogia.com.br

Em 1840, os Estados Unidos iniciaram um censo que incluía a categoria de


"idiota / louco" com o objetivo de registrar a frequência de doenças mentais. No censo
de 1880, a doença mental foi dividida em sete categorias diferentes (mania,
melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia). Portanto,
podemos observar que a primeira aplicação em larga escala da classificação de
transtornos mentais na América do Norte é principalmente para fins estatísticos
(ARAÚJO; NETO, 2013).

3.1 Breve histórico do DSM

A American Psychiatric Association (APA) publicou a primeira edição do Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) em 1953, que foi o primeiro
manual de transtornos mentais voltado para aplicações clínicas. O DSM-I consiste
basicamente em uma lista de diagnósticos classificados com um glossário que contém
uma descrição clínica de cada categoria de diagnóstico. Embora muito rudimentar, o

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
manual ajuda a estimular uma série de revisões de questões relacionadas à doença
mental. O DSM-II, que foi desenvolvido em paralelo com o CID-8, foi publicado em
1968 e é muito semelhante ao DSM-I, com uma ligeira mudança na terminologia
(ARAÚJO; NETO, 2013).
Ainda segundo Araújo e Neto (2013), em 1980, a APA publicou a terceira
edição do seu manual, introduzindo importantes mudanças metodológicas e
estruturais, as quais foram parcialmente retidas para a edição mais recente. Além de
promover pesquisas empíricas, sua publicação representa um importante avanço no
diagnóstico dos transtornos mentais. O DSM-III propõe um método mais descritivo
que organiza critérios diagnósticos claros em um sistema multieixo, com o objetivo de
fornecer ferramentas aos médicos e pesquisadores, ao mesmo tempo que facilita a
coleta de dados estatísticos. O manual foi revisado e corrigido, levando à publicação
do DSM-III-R em 1986.
Em 1994, uma onda de pesquisas, revisões de literatura e testes de campo
levaram a APA a apresentar o DSM-IV. A evolução do manual representa um aumento
significativo de dados, incluindo diversos novos diagnósticos descritos com padrões
mais claros e precisos. A versão revisada desta versão foi lançada como DSM-IV-TR,
em 2000, e foi usada oficialmente até o início de 2013 (ARAÚJO; NETO, 2013).
O DSM-5 foi lançado oficialmente em 18 de maio de 2013. É a versão mais
recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American
Psychiatric Association. A publicação é resultado de doze anos de pesquisas,
resenhas e pesquisas de campo realizadas por centenas de profissionais divididos em
diferentes grupos de trabalho. O objetivo final é garantir que a nova classificação que
inclui, reformula e exclui diagnósticos forneça uma fonte segura e científica para
aplicações em pesquisa e prática clínica, (ARAÚJO; NETO, 2013).

3.2 Histórico dos Transtornos globais do desenvolvimento (TGD)

Os TGDs eram definidos no DSM- IV, publicado em 1994 e revisado no ano


2000, como aqueles distúrbios nas interações sociais recíprocas que costumam
manifestar-se nos primeiros cinco anos de vida. Caracterizam-se pelos padrões de
comunicação estereotipados e repetitivos, assim como pelo estreitamento nos
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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
interesses e nas atividades. Dentro desse conjunto de transtornos estavam incluídos
o Autismo infantil, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett, o Transtorno
Desintegrativo da Infância (psicose) e a Transtorno Invasivo de Desenvolvimento -
sem outra especificação.
É importante esclarecer que a síndrome se refere a um conjunto de sintomas,
não se limitando a uma única doença, que ocorre em um indivíduo; já em relação ao
transtorno é utilizado para indicar a existência de uma série de sintomas ou
comportamentos ao longo da infância, acompanhados pelo desenvolvimento e
maturação do sistema nervoso central que pode ter danos ou atrasos. Os transtornos
não são causados por trauma ou doença cerebral adquirida, mas desenvolve através
de doenças neurológicas e tem origem em processos cognitivos anormais causados
por disfunção biológica (FRANZIN, 2014).
Depois do DSM – 5 manuais de diagnóstico e estatístico dos transtornos
mentais desde de 2013, os transtornos globais do desenvolvimento foram integrados
aos Transtornos do Espectro Autista. Portanto, os antigos TGDs são hoje voltados e
caracterizados como autismo em grau leve, moderado e grave.
Vale a pena considerar que mesmo que a nomenclatura TGD tenha sido
retirada do DSM, no manual utiliza-se o termo Atraso Global do Desenvolvimento e
está definido como:

Este diagnóstico está reservado a indivíduos com menos de 5 anos de idade,


quando o nível de gravidade clínica não pode ser avaliado de modo confiável
durante a primeira infância. Esta categoria é diagnosticada quando um
indivíduo fracassa em alcançar os marcos do desenvolvimento esperados em
várias áreas da função intelectual, sendo aplicada a pessoas que não são
capazes de passar por avaliações sistemáticas do funcionamento intelectual,
incluindo crianças jovens demais para participar de testes padronizados. É
uma categoria que requer reavaliações após um período de tempo (APA,
2014, p. 41).

Antigamente as pessoas entendiam o autismo como patologia ou como


sintomas muito grave ou severo, dessa forma as pessoas julgavam as crianças com
autismo como as crianças que ficavam somente no canto da sala de aula, sem
interagir com ninguém e fazendo movimentos repetitivos estereotipados, porém, hoje
ampliou-se muito o leque de diagnóstico e consequentemente ampliou também as
possibilidades dos sintomas dentro do transtorno do espectro autista.
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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
O diagnóstico do TEA é realizado considerando uma lista de critérios
comportamentais. Em vários países do mundo, especialistas na área recomendam
que o diagnóstico seja feito com base nos critérios estabelecidos no DSM-5 (APA,
2014), que será o foco desta seção. DSM-V (APA, 2014, p. 42) determina a:

Fusão de transtorno autista, transtorno de Asperger e transtorno global do


desenvolvimento no transtorno do espectro autista. Os sintomas desses
transtornos representam um continuum único de prejuízos com intensidades
que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de
comportamentos restritivos e repetitivos em vez de constituir transtornos
distintos. Essa mudança foi implementada para melhorar a sensibilidade e a
especificidade dos critérios para o diagnóstico de transtorno do espectro
autista e para identificar alvos mais focados de tratamento para os prejuízos
específicos observados.

O TEA é diagnosticado, segundo o DSM-V, quando “os déficits característicos


de comunicação social são acompanhados por comportamentos excessivamente
repetitivos, interesses restritos e insistência nas mesmas coisas” (APA, 2014, p. 31) e
se caracteriza por:

déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos


contextos, incluindo déficits na reciprocidade social, em comportamentos não
verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para
desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits na
comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista requer a
presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou
atividades. Considerando que os sintomas mudam com o desenvolvimento,
podendo ser mascarados por mecanismos compensatórios, os critérios
diagnósticos podem ser preenchidos com base em informações
retrospectivas, embora a apresentação atual deva causar prejuízo
significativo (DSM-V, 2014, p. 31-32).

Além disso, deve especificar-se o TEA (APA, 2014):

 com ou sem comprometimento intelectual concomitante;


 com ou sem comprometimento da linguagem concomitante;
 está associado a alguma condição médica ou genética
conhecida ou a fator ambiental;
 está associado a outro transtorno do neurodesenvolvimento,
mental ou comportamental;
 está associado a catatonia.
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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA

Para fechar o diagnóstico do TEA, a criança deve apresentar pelo menos três
sintomas dos três critérios A e dois sintomas dos quatro critérios B, bem como o
critério C + D. Além disso, as características clínicas são registradas pelo uso dos
especificadores supracitados (sem comprometimento intelectual, por exemplo).

4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

Fonte: https://secad.artmed.com.br/

O transtorno do espectro autista (TEA) foi inicialmente descrito na década de


1940 como um transtorno único da infância. Os sintomas característicos descritos na
época provavelmente são familiares para você: as crianças observadas então, assim
como as crianças de hoje com autismo, tinham dificuldades substanciais com as
interações sociais e a comunicação e uma gama restrita de interesses e
comportamentos. Essas características clássicas fixas são vistas em comportamentos

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
como contato visual reduzido, expressões faciais limitadas e formas incomuns de
interação com as outras pessoas. Você pode ter observado que, juntamente com
interesses em geral limitados e muitas vezes intensos, muitas crianças com TEA
também são altamente sensíveis a certos toques, texturas, sons ou visões – e
preferem a mesma rotina todos os dias.
Embora essas características ainda sejam essencialmente as mesmas que
usamos para descrever o autismo nos dias atuais, temos, agora, uma compreensão
mais complexa sobre o caminho de vida para aqueles com TEA. Os sintomas
raramente são perceptíveis durante os primeiros 6 meses de vida e costumam surgir
em torno dos 8 a 12 meses. Contudo, para cerca de um terço das crianças que irão
ter autismo, o desenvolvimento é aparentemente normal até o fim da primeira infância,
seguido por perda de habilidades no mesmo período.
Independentemente da época do desenvolvimento, a severidade do transtorno
varia de modo considerável – alguns indivíduos vivem e trabalham de forma
independente; outros não conseguem. Alguns desenvolvem habilidades de linguagem
adequadas; outros nunca a desenvolvem. Para a maioria, os desafios são contínuos
ao longo de toda a vida, mas toda criança faz progressos e adquire habilidades,
embora com ritmos muito variados. Em outras palavras, é certo que nem tudo o que
dissermos sobre autismo vai se aplicar ao seu filho.
Na verdade, embora por décadas os cientistas tenham tratado esse transtorno
como uma condição única, isso já não faz mais sentido. As crianças com autismo
diferem tanto umas das outras que é vital tomarmos os princípios gerais que iremos
abordar e, então, adaptá-los ao seu filho individualmente. Sem dúvida nenhuma você
já iniciou esse processo; faremos mais sugestões à medida que avançarmos. Por
enquanto, é importante entender que a ciência concorda com a intuição de muitos pais
de que existem vários tipos diferentes de autismo.
Essas diferenças podem ser enormes. Os pais cujo filho não sabe falar ou fazer
operações matemáticas irão questionar como ele pode ter a mesma condição que
uma criança que resolve um problema de álgebra ou consegue explicar a tabela
periódica dos elementos.
Da mesma forma, embora as causas sejam apenas parcialmente conhecidas,
estamos seguros agora de que há mais de uma causa para esse transtorno. De fato,
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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
a visão científica mais recente é a de que o TEA é um conjunto de várias condições
relacionadas, com características identificáveis e parcialmente compartilhadas. Essa
nova compreensão abriu caminho para ganhos importantes no entendimento das
causas – e nova esperança para tratamentos efetivos para crianças com TEA.
Embora este livro explique muitos avanços recentes em nossa compreensão
do TEA, alguns dos mais significativos para os resultados que podemos esperar para
crianças com o transtorno – e os mais importantes para os pais estarem cientes – são
apresentados a seguir.
4.1 O autismo se estende ao longo de um espectro

Vamos começar com a ideia de que o autismo ocorre ao longo de um espectro,


um conceito que, em geral, é atualmente aceito por pesquisadores e clínicos. Antes
de nos aprofundarmos no que pretendemos dizer quando usamos a palavra
“espectro”, como foi que partimos da ideia de autismo como um transtorno único para
chegarmos à noção de um espectro?
Os clínicos usam um sistema comum para diagnosticar saúde mental e
transtornos do desenvolvimento. O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais (DSM) é um guia para diagnosticar uma ampla gama de condições que
afetam a saúde mental e o desenvolvimento.
Elaborado logo após a Segunda Guerra Mundial para padronizar a terminologia
psiquiátrica, e atualmente publicado pela American Psychiatric Association (APA), o
manual tem sido revisado de modo significativo com o passar dos anos e, agora, inclui
condições que afetam o desenvolvimento do cérebro e o comportamento em crianças.
Ele está atualmente em sua quinta edição (DSM-5), que foi publicada em 2013.
Destinado a guiar os clínicos, o DSM lista os critérios que devem ser satisfeitos
para tornar-se um diagnóstico válido; outros fatores que devem ser levados em conta,
tais como outros diagnósticos a serem considerados; e informações atuais sobre os
transtornos, como sua prevalência, causas conhecidas e seus aspectos fisiológicos.
Os critérios listados geralmente incluem parâmetros para quais sintomas ou
comportamentos devem estar presentes, por quanto tempo e quando tiveram início.
Porém, o padrão de comportamentos também deve causar prejuízos significativos no
funcionamento social, vocacional ou educacional. Em outras palavras, por definição,

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
os comportamentos devem estar causando prejuízos na vida da criança. Se eles não
resultarem em desafios nesses domínios, não serão definidos como um transtorno no
DSM.
O autismo como uma entidade independente foi incluído pela primeira vez
como uma entrada em 1980, na terceira edição do DSM (DSM-III), com a
denominação “autismo infantil”.
Em 1987, a APA publicou uma edição revisada (DSM-III-R), na qual o termo
“transtorno autista” foi apresentado com alguns critérios mais formalizados com base
em novas análises estatísticas. Em 1994, foi publicado o DSM-IV. O transtorno autista
permaneceu, mas uniu-se a condições associadas sob o termo abrangente de
“transtornos invasivos do desenvolvimento” (TID).
A designação incluía transtorno autista, síndrome de Asperger e TID não
especificado (esses três subgrupos se transformaram no futuro “espectro”), além da
síndrome de Rett e do transtorno desintegrativo da infância.
Outros termos associados, como transtorno de aprendizagem não verbal,
(TANV), foram excluídos por não serem considerados cientificamente rigorosos.
Assim, por quase duas décadas, de 1994 a 2013, tentamos estudar e tratar o autismo
dentro de três subcategorias oficiais: transtorno autista, síndrome de Asperger e TID.
Entretanto, como detalharemos em seguida, esse esforço para criar subtipos
fracassou. Em 2013, o novo DSM-5 eliminou as subcategorias, tais como síndrome
de Asperger versus transtorno autista, e criou um único transtorno do espectro autista
– desse modo, ampliando os critérios para autismo e simplificando a tarefa diagnóstica
do clínico.
Os critérios atuais abrangem essencialmente o que já mencionamos – desafios
de comunicação e interação social e comportamentos restritos e/ou repetitivos que
aparecem no início da vida e causam prejuízos significativos.
Embora os primeiros anos seguintes à identificação do TEA pelo psiquiatra Leo
Kanner na década de 1940 tenham focado na descrição das semelhanças no TEA,
com o passar do tempo, a ampla gama de desafios, pontos fortes e variabilidade
tornou-se aparente – culminando na tentativa malfadada no DSM-IV de criar
subcategorias formais. Várias descobertas convenceram o campo da psiquiatria a
abandonar os diagnósticos separados para síndrome de Asperger e TID.
19
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
Um fator importante foi que não havia tratamentos específicos para os
diferentes subgrupos. Ou seja, não havia diferenças padronizadas em como uma
criança diagnosticada com síndrome de Asperger e outra diagnosticada com
transtorno autista seriam tratadas. Mais importante ainda, descobriu-se que, na
verdade, os clínicos especializados não eram muito fidedignos na determinação de
quais crianças deveriam ser designadas a qual subclassificação diagnóstica.
Um achado decisivo em 2012 que ajudou a solidificar a importância de
conceituar o autismo como um transtorno de espectro, e não como três subgrupos
distintos, ilustra isso. O achado envolvia a avaliação de práticas diagnósticas para 2
mil crianças em 12 centros universitários na América do Norte, onde as pesquisas
clínicas estavam realizando avaliações diagnósticas para autismo exatamente da
mesma maneira.
Em cada localidade, os clínicos especializados nessas instituições de destaque
usaram ferramentas diagnósticas com padrão de excelência para avaliar o autismo e
administraram uma bateria de testes padronizada para qualificar outras
características, como cognição e linguagem. Para assegurar que todos estivessem de
fato conduzindo avaliações da mesma maneira e seguindo as diretrizes apropriadas
do DSM-IV, todas elas foram gravadas em vídeo.
A análise final mostrou que não havia diferenças nos tipos de crianças no
estudo – nenhum dos locais viu mais crianças com deficiência intelectual, ou mais
crianças com déficit na linguagem, irritabilidade, problemas motores, ou alguma das
outras centenas de variáveis –, embora os clínicos tenham chegado a índices
radicalmente diferentes das subclassificações.
Um dos locais apenas diagnosticou crianças com transtorno autista. Outro local
diagnosticou mais da metade das crianças com síndrome de Asperger. Outro, ainda,
não diagnosticou nenhuma criança com TID. Em outras palavras, os clínicos
concordaram que todas essas crianças satisfaziam os critérios diagnósticos para o
termo abrangente “autismo”, mas não conseguiram entrar em um acordo quanto à
subclassificação.
A mensagem final foi a de que mesmo os principais diagnosticadores na
América do Norte falharam no uso consistente e efetivo das subclassificações

20
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
baseadas no comportamento. Por fim, também não foram encontradas diferenças
biológicas convincentes entre os subtipos.

4.2 Por que existe um espectro?

O espectro autista inclui essas antigas subcategorias, além de variação na


severidade e no perfil dos sintomas. Os cientistas acreditam que o autismo ocorre ao
longo de um espectro porque as características centrais assumem diversas formas, e
temos agora evidências de que os déficits principais no transtorno se desenvolvem
por muitos caminhos causais distintos, envolvendo diferentes sistemas biológicos e
diferentes contribuições genéticas e ambientais. Portanto, para aumentar nossa
compreensão da ciência por trás do autismo, estudamos, atualmente, o espectro
inteiro, e, conforme iremos discutir, essa abordagem já valeu a pena por seus achados
biológicos mais claros (BERNIER; DAWSON, 2016).
Reconhecendo que existe um amplo espectro, os cientistas podem usar
imagem cerebral, genética e outras abordagens científicas inovadoras para entender
sua variabilidade. Por sua vez, as informações que obtemos nos ajudam a elaborar
planos de tratamento que irão beneficiar uma população diversificada no espectro e
planejar intervenções inovadoras e que, por fim, serão mais individua-lizadas para
determinada criança.
Um modo de entender as diferentes faces, ou subtipos, do autismo envolve a
genética. As informações genéticas têm sido úteis para fazer o mesmo para outras
condições, como deficiência intelectual e déficit de aprendizagem. Pouco mais de um
século atrás, considerava-se que todas as crianças com deficiência intelectual
tivessem a mesma condição. No entanto, sabemos, agora, que deficiência intelectual,
assim como TEA, é um transtorno comportamentalmente definido com muitas causas.
Gradualmente, foi ficando mais claro, por exemplo, que algumas deficiências
intelectuais ocorriam em famílias e algumas não, sugerindo que havia causas
diferentes. Com o tempo, foram descobertas muitas causas de deficiência intelectual
devido a um único gene, a ponto de hoje serem conhecidas mais de mil dessas
condições raras. Entretanto, outros tipos de deficiência intelectual não têm causas por
único gene. Um exemplo bem conhecido de uma causa por único gene é o transtorno

21
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
genético denominado fenilcetonúria, ou PKU. Antes da identificação dessa mutação
genética, as crianças com PKU eram simplesmente diagnosticadas com deficiência
intelectual com base em seus sintomas (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
No entanto, a descoberta de que o gene associado à PKU é responsável pelo
processamento da fenilalanina no corpo acabou conduzindo a um caminho simples
para prevenir a PKU. Os bebês podem fazer um teste do pezinho no nascimento, e,
quando este for positivo, a prevenção desse subtipo de deficiência intelectual é uma
simples questão de retirar da dieta do bebê muitos alimentos que contêm fenilalanina.
Embora seja improvável que a história termine assim para o TEA, a lógica é similar –
os subgrupos biológicos e causais não serão óbvios na superfície, porém ainda há
muito a ser aprendido para ajudar as crianças em vários pontos ao longo do espectro.
Para nos debruçarmos sobre a genética por um momento, desde os primeiros
estudos de gêmeos, na década de 1970, já sabíamos que a genética desempenha um
papel no autismo. A partir de então, já foram identificadas muitas contribuições
genéticas para o transtorno e cerca de mil genes diferentes e regiões genômicas
implicados no autismo. Embora eles não determinem quem terá TEA da mesma forma
que o fazem para alguns dos mil tipos de deficiência intelectual, os achados sugerem
que o autismo é provavelmente mais bem entendido como um conjunto de muitas
condições relacionadas e que existem diferentes caminhos para o desenvolvimento
dos sintomas do que chamamos de autismo. Descobrir quais efeitos esses genes têm
em comum, se houver algum, será um importante objetivo para pesquisas futuras. Nos
próximos capítulos, nos aprofundaremos no que se sabe sobre as influências
genéticas e ambientais no TEA (BERNIER; DAWSON, 2016).

4.3 Severidade e nível de prejuízo

Até que os cientistas consigam identificar com precisão certos subtipos com
base na biologia, nos genes e nas causas ambientais, pais e clínicos podem obter
informações sobre como ajudar cada criança em particular entendendo em que ponto
a criança se localiza ao longo do espectro.
O ponto no qual uma criança específica se localiza no espectro depende em
grande parte da gravidade da condição, bem como do nível de desenvolvimento da

22
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
criança e da sua idade cronológica. De modo muito geral, se as características
definidoras de autismo forem consideravelmente severas e restritivas em uma criança,
e ela tiver um nível de desenvolvimento muito inferior ao padrão para sua idade
cronológica (digamos, um nível de desenvolvimento de 3 anos em uma criança de 12
anos), a criança se localiza no extremo do espectro e necessitará de muito suporte e
intervenção. Mas, como demonstraram pesquisas recentes, esse próprio suporte e
intervenção podem acabar melhorando a condição da criança e reduzir a quantidade
de suporte que ela precisa na vida diária para seguir em frente (GEORGIADES;
KASARI, 2018).
Gostamos da ideia de um espectro, pois ela pode nos ajudar a focar no perfil
individual, nos pontos fortes específicos e nos desafios da criança. Essa atenção
individualizada permite que sejam feitos planos para incorporar os pontos fortes que
uma criança tem, tais como processamento visual ou memorização mecânica, a fim
de compensar os desafios no processamento social ou as dificuldades com
transições.
Além desses sintomas específicos para autismo, pesquisas feitas nos últimos
20 anos nos mostram que existe uma gama de outras condições frequentemente
associadas ao transtorno, e estas também irão afetar o tipo de tratamento e suporte
que a criança precisa. É por isso que é tão importante que pais e clínicos identifiquem
tais fatores em cada criança que está sendo diagnosticada. Não são apenas os
sintomas nucleares que precisam ser considerados para produzir um bom resultado
para a criança, mas também essas outras condições (GEORGIADES; KASARI, 2018).
Nesse sentido, apresentamos a classificação do TEA de acordo com o DSM-V
da Associação Americana de Psiquiatria classifica (APA, 2014):

Nível 3 – “Requerendo suporte muito substancial”. Os déficits severos nas


habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam graves
prejuízos no funcionamento, iniciação muito limitada das interações sociais e
resposta mínima às aberturas sociais de outros. Por exemplo, uma pessoa
com poucas palavras de fala inteligível que raramente inicia interação e,
quando o faz, faz abordagens incomuns para atender apenas às
necessidades e responde apenas à abordagens sociais muito diretas. A
inflexibilidade do comportamento, a extrema dificuldade em lidar com a
mudança ou outros comportamentos restritos/ repetitivos interferem de
maneira marcante no funcionamento de todas as esferas. Grande aflição/
dificuldade mudando o foco ou a ação.

23
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
Nível 2 – “Requerendo suporte substancial”. Déficits acentuados nas
habilidades de comunicação social verbal e não verbal; deficiências sociais
aparentes mesmo com suportes no local; iniciação limitada de interações
sociais; e respostas reduzidas ou anormais à aberturas sociais de outros. Por
exemplo, uma pessoa que fala frases simples, cuja interação é limitada a
interesses especiais restritos e que tem uma comunicação não verbal
marcadamente estranha. A inflexibilidade do comportamento, a dificuldade
em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/ repetitivos
aparecem com frequência suficiente para serem óbvios para o observador
casual e interferir no funcionamento em uma variedade de contextos. Aflição
e/ ou dificuldade em mudar o foco ou a ação.
Nível 1 – “Requerendo suporte”. Sem suportes, os déficits na comunicação
social causam deficiências visíveis. Dificuldade em iniciar interações sociais
e exemplos claros de resposta atípica ou malsucedida à aberturas sociais de
outros. Pode parecer ter diminuído o interesse em interações sociais. Por
exemplo, uma pessoa que é capaz de falar em frases completas e se engajar
em comunicação. Mas cuja conversa para frente e para trás com os outros
falha, e cujas tentativas de fazer amigos são estranhas e normalmente
malsucedidas. A inflexibilidade do comportamento causa interferência
significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Dificuldade de
alternar entre atividades. Problemas de organização e planejamento
dificultam a independência (APA, 2014, p. 52).

5 O QUE CAUSA O AUTISMO?

Fonte: ttps://www.unama.br/

Uma das perguntas mais comuns – e compreensíveis – que os pais fazem


quando seu filho recebe o diagnóstico de TEA é O que causa o autismo? Algumas
afirmações; lamentavelmente, muitas são mera especulação, e algumas são
explicadas de uma forma que acaba aumentando a confusão. Para que sejamos

24
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
justos, a complexidade do que causa o autismo pode tornar um desafio explicá-lo ou
entendê-lo (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
De fato, nos últimos anos, os cientistas descobriram que o autismo é ainda mais
complexo do que pensávamos. Sobretudo, o reconhecimento, agora, é o de que o
TEA é um termo abrangente que provavelmente inclui diferentes condições com
diferentes causas. Na maioria dos casos, não podemos determinar a causa de
autismo para uma criança em particular (exceto em uma minoria dos casos, nos quais
pode ser identificada uma mutação genética) (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
O que realmente sabemos, com base na ciência mais recente, é que o
transtorno é causado por uma mescla de mutações genéticas raras em um subgrupo
de casos e por uma combinação de suscetibilidade genética comum e
desencadeantes ambientais em outros casos (provavelmente na maioria) (BERNIER;
DAWSON; NIGG, 2021).
Você provavelmente já ouviu argumentos sobre “natureza versus ambiente”.
Na verdade, a história das teorias sobre autismo está repleta de argumentos que
favorecem uma causa em relação a outra. Com nossos novos conhecimentos,
reconhecemos que essas teorias do tipo “ou... ou...” são falsas. Uma interação entre
genes e ambiente está quase sempre envolvida (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).

5.1 Uma rápida retrospectiva do século passado

As teorias iniciais do autismo, nas décadas de 1940 e 1950, basicamente


afirmavam que os problemas das crianças podiam ser rastreados até a relação inicial
entre pais e filho. Sabemos, hoje, que essa relação é muito importante – de fato,
exploramos essa força para ajudar a tratar crianças com TEA. Mas esta não é a causa
de autismo. Por exemplo, uma ideia inicial era a de que crianças com o transtorno
estavam “se voltando para dentro de si” por não receberem dos seus pais o amor e a
atenção de que precisavam – especialmente de suas mães.
Você pode imaginar o quanto isso era perturbador para pais que já estavam
muito assustados. Este era um caso de confusão entre uma correlação e uma causa.
Afinal, às vezes realmente acontece de um genitor se afastar de um filho com TEA
para se proteger da sua própria dor emocional. O pai responde dessa forma porque o

25
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
filho é irresponsivo ou difícil de compreender. Em outras palavras, a causa e o efeito
são o oposto do que aqueles primeiros clínicos supunham (BERNIER; DAWSON;
NIGG, 2021).
Felizmente, a área avançou. Na década de 1960, uma teoria biológica e
genética do autismo já estava conquistando espaço. Um momento decisivo foi a
publicação de um estudo de gêmeos em 1977. Naquele estudo pioneiro, os cientistas
viajaram pela Inglaterra identificando todos os pares de gêmeos em que pelo menos
um deles tinha o transtorno – encontraram 21 pares ao todo. Então, examinaram com
que frequência gêmeos idênticos, que compartilham quase 100% do seu DNA, tinham
autismo, comparados com gêmeos fraternos, que compartilham cerca de 50% do seu
DNA.
Os cientistas relataram que ambos os gêmeos idênticos tinham TEA muito mais
frequentemente do que os gêmeos fraternos. De fato, nesse estudo em particular,
nenhum dos gêmeos dos pares fraternos tinham, ambos, autismo, mas, em 36% dos
pares de gêmeos idênticos, os dois tinham. Mesmo com o pequeno tamanho da
amostra (pelos padrões atuais), foi impossível conciliar o resultado com a hipótese da
“mãe geladeira”, o que enfatizou o papel desempenhado pela genética no
desenvolvimento do autismo.
Estudos posteriores de gêmeos que usaram definições diagnósticas mais
recentes de TEA e superaram algumas das limitações metodológicas daquele primeiro
estudo confirmaram esse quadro, identificando que em quase todos os pares de
gêmeos idênticos ambos tinham autismo, ressaltando ainda a forte influência genética
no transtorno.
Desde aquele estudo inicial pioneiro, a história genética assumiu a posição
central – algumas vezes, talvez, tendo sido excessivamente enfatizada, já que agora
também temos conhecimento das muitas influências ambientais no autismo (embora
a paternidade não pareça estar entre elas).
É importante entender que os pais não causam TEA, que a genética tem uma
participação importante e que os primeiros insultos ambientais também
desempenham um papel. Vamos separar os elementos genéticos e os ambientais
para maior clareza e, depois, voltaremos a reuni-los no final (BERNIER; DAWSON;
NIGG, 2021).
26
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
5.2 Genética e autismo

Já mencionamos estudos de gêmeos; estudos de famílias também apoiam um


elemento genético (embora as famílias compartilhem tanto os genes quanto o
ambiente). Com base em nossas estimativas atuais, o autismo ocorre em
aproximadamente 1 em 59 crianças nos Estados Unidos, ou cerca de 1,5%. Mas, se
uma família tiver um filho com o transtorno, as chances de que o próximo filho o tenha
aumentam para aproximadamente 1 em 5 – ou cerca de 20%. Este é um aumento
muito grande – mais de 10 vezes. E, se uma família tiver dois filhos com TEA, as
chances de que o terceiro filho o tenha aumenta para cerca de 1 em 3 (HANSON et
al, 2014).
Mas o campo não se baseia mais em estudos de gêmeos ou famílias. A
revolução na pesquisa genética na última década nos possibilitou focar diretamente
nos genes em estudos moleculares e laboratoriais. Aproximadamente 1,5% das
crianças norte-americanas desenvolve autismo – um número que aumenta para 20%
quando a família já tem um filho com autismo e para 33% quando a família já tem dois
filhos com autismo.
No entanto, esse é um esforço complicado precisamente porque o autismo é
conhecido como uma doença “complexa”. Diferentemente de condições “simples”
como a doença de Huntington, na qual uma única mutação genética é a causa como
a maioria de outros traços e condições, o TEA costuma ser causado por uma
combinação de fatores, que pode ser distinta para diferentes indivíduos.
Sabemos que o autismo, assim como muitos outros transtornos complexos,
está associado à mutação em genes específicos, embora estes sejam raros, a
alterações estruturais nos cromossomos que influenciam o funcionamento genético e
a uma combinação de variações em múltiplos genes, bem como a contribuições de
vários fatores ambientais específicos (HANSON et al, 2014).
Centenas de genes com risco para autismo já foram identificados até o
momento, e uma hipótese racional é a de que 1.000 diferentes genes e eventos
genéticos possam desempenhar um papel importante no transtorno na população
inteira. Alguns desses genes são muito raros, mas, quando presentes, é altamente

27
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
provável que resultem em TEA – nesses casos raros, estamos muito confiantes a
respeito do que causou o autismo da criança.
Outros genes são comuns, porém desempenham apenas um papel pequeno
no peso da balança. Além disso, certas mutações raras estão associadas a índices
mais altos de determinadas condições médicas, como convulsões ou problemas GI.
Pode ser importante ter essa informação para que você esteja atento a essas
condições e garanta que elas sejam tratadas rapidamente. É por isso que a testagem
genética é atualmente recomendada quando uma criança tem o transtorno, embora
ainda seja raro ter um teste genético positivo mesmo que uma criança tenha autismo
(HANSON et al, 2014).

5.3 O cérebro da pessoa autista

O autismo é um transtorno do desenvolvimento. Isso significa que alguma coisa


é diferente no cérebro e em como ele evolui. Identificou-se que diversas regiões e
circuitos cerebrais se desenvolvem de forma distinta nos indivíduos com autismo.
Como há uma ampla variação individual, esses aspectos do cérebro ainda não podem
nos auxiliar a fazer diagnósticos, mas nos ajudam a entender os desafios e os pontos
fortes que são característicos do autismo (HANSON et al, 2014).
Uma descoberta importante dos últimos anos é que o desenvolvimento do
cérebro é muito dinâmico, mudando rapidamente com o tempo em resposta a
diferentes tipos de experiências.
Os cientistas usam o termo “neuroplasticidade” para se referir a como o cérebro
se altera de forma drástica para se adaptar ao desenvolvimento e às suas
experiências. Ele faz isso com muito mais frequência do que se acreditava
anteriormente. Podemos usar esse conhecimento para nos auxiliar a proporcionar
experiências, como intervenções, que irão ajudar a moldar o curso do
desenvolvimento cerebral e comportamental das crianças com TEA, agora e ao longo
de suas vidas. Vamos começar com o que já sabemos sobre o cérebro no autismo
(HANSON et al, 2014).

28
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
5.4 O cérebro no autismo

Durante as três últimas décadas, os cientistas conduziram milhares de estudos


que pintam um quadro complexo das diferenças estruturais e funcionais do cérebro
em indivíduos com o transtorno.
Revisões sistemáticas cuidadosas desses estudos revelam a emergência
precoce de diferenças no tamanho, na forma e na organização do cérebro; diferenças
nas conexões entre as regiões cerebrais; e diferenças no funcionamento das regiões
cerebrais associadas a comunicação social, processamento da informação social,
funcionamento executivo e comportamentos repetitivos – tais como a amígdala e o
córtex pré-frontal (HANSON et al, 2014).

5.5 Diferenças na estrutura do cérebro

Uma revisão sistemática publicada em 2017 de 52 estudos de imagem cerebral


conduzidos desde os anos 2000 nos fornece um bom resumo. Todos foram estudos
que usaram MRI, uma abordagem por imagem poderosa, relativamente não invasiva,
que oferece uma boa representação da anatomia interna e das conexões entre partes
do cérebro e no seu interior, tanto no tamanho quanto na atividade aparente (HANSON
et al, 2014). Apresentamos, aqui, os principais achados sobre o desenvolvimento da
estrutura cerebral que emergiram da revisão:
 Associação entre autismo e um maior volume de células no córtex,
especialmente nas regiões frontal e temporal. Conforme introduzido no Capítulo 2, o
córtex é a parte do cérebro associada a como pensamos, tomamos decisões e
coordenamos nossas ações.
 Os lobos frontais, especificamente, estão envolvidos na nossa memória de
trabalho, na habilidade para inibir nossas ações e no planejamento motor, enquanto
os lobos temporais estão envolvidos no processamento das emoções, linguagem,
aprendizagem e memória, incluindo a interpretação dos sinais sociais (como as
expressões faciais).
 O volume maior pode parecer um contrassenso – isso não deveria significar
que as crianças têm melhores habilidades nessas áreas? No entanto, aparentemente,
esse volume maior contribui para o funcionamento ineficiente nessas áreas. Durante
29
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
o desenvolvimento, o cérebro expande de forma excessiva seu crescimento para
permitir uma nova aprendizagem, depois, aos poucos, poda as conexões
desnecessárias ou ineficazes. O fracasso dessa poda pode levar a um cérebro maior,
porém menos eficiente e adaptável (HANSON et al, 2014).
 Variação incomum na espessura do córtex. Ou seja, quando medimos de
dentro para fora, a espessura do cérebro é atípica no TEA. Esta é uma medida
cerebral estrutural diferente, mas é semelhante à ideia de volume celular e consistente
com a ideia de poda insuficiente que resulta no cérebro menos eficiente.
 Alterações no cerebelo, uma estrutura do cérebro associada ao equilíbrio e
à coordenação motora, assim como ao funcionamento cognitivo. Alterações nessa
estrutura podem impactar o desenvolvimento de habilidades motoras, aprendizagem
e habilidades cognitivas. Tamanho geral reduzido, mas volume aumentado dentro de
regiões particulares do corpo caloso, uma estrutura que liga os dois lados do cérebro.
 As ligações entre as regiões do cérebro permitem a comunicação eficiente
entre os circuitos cerebrais, portanto, as ligações atípicas podem resultar em
comunicação cerebral demorada e problemática. Alterações no desenvolvimento da
amígdala, uma estrutura associada à aprendizagem emocional. Alterações no
desenvolvimento do hipocampo, que está envolvido na aprendizagem e na memória
(HANSON et al, 2014).
 Alterações no desenvolvimento dos gânglios da base, que estão envolvidos
no controle dos movimentos físicos. Alterações no desenvolvimento de todas essas
três estruturas sugerem que a aprendizagem emocional, a memória e as habilidades
motoras podem estar perturbadas.
Uma recente revisão de pesquisas nos mostrou quais regiões do cérebro são
alteradas no autismo e, portanto, onde devemos concentrar pesquisas futuras. O que
todas essas diferenças significam? Estamos trabalhando nisso, mas as diferenças
estruturais vistas entre os estudos nos dão alguma direção sobre quais regiões vale a
pena investigar. Além disso, essas regiões cerebrais estão todas conectadas em
circuitos. É possível que apenas um pequeno número de circuitos-chave esteja ligado
ao transtorno, mas que eles envolvam várias regiões, portanto, saber quais regiões
estão afetadas pode nos ajudar a identificar os circuitos relevantes (HANSON et al,
2014).
30
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
6 OUTRAS CONDIÇÕES AFETAM CRIANÇAS COM TEA

Fonte: https://blog.matheustriliconeurologia.com.br/

Um dos aspectos mais óbvios no qual as crianças com autismo diferem entre
si são as outras condições que frequentemente ocorrem paralelas ao transtorno. Elas
podem ser físicas e comportamentais.
A razão para essas frequentes sobreposições, embora elas representem uma
pista potencial importante para as causas, de modo geral, não é bem conhecida. No
entanto, a forte sobreposição destas tem feito parte da motivação para a crescente
visão científica contemporânea de que o TEA e várias das condições listadas aqui
constituem uma família de comorbidades relacionadas e associadas a alterações
específicas, ainda a serem identificadas, no desenvolvimento inicial do cérebro e no
crescimento (Lord et al, 2018).

6.1 Deficiência intelectual

A primeira a ser entendida é a deficiência intelectual – um termo que substitui


outros mais antigos e estigmatizantes, como “retardo mental”. Basicamente, significa
que as habilidades intelectuais do indivíduo não são tão desenvolvidas quanto às da
maioria das pessoas com a mesma idade e que, além disso, as habilidades do
indivíduo para a vida prática (o que o clínico do seu filho chamaria de habilidades
“adaptativas”) também são menos desenvolvidas.
Estas incluem habilidades como tomar banho e manusear dinheiro sem ajuda.
Cerca de um terço das pessoas com TEA também tem deficiência intelectual. Tal
31
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
deficiência pode variar de leve (talvez não óbvia para um leigo) a severa. Se o seu
filho se enquadra nesse último grupo, então suportes especiais adicionais estarão
envolvidos para ajudá-lo.

6.2 Transtornos da linguagem e da comunicação

Outra condição que comumente está associada ao autismo é o


desenvolvimento da linguagem com atraso ou reduzido. Os déficits de linguagem
variam desde uma linguagem mínima ou linguagem falada inexistente, que ocorre em
cerca de 15% das crianças com TEA, passando por crianças que têm fala incomum,
como a repetição de palavras ou frases automatizadas, ou a repetição do que alguém
acabou de dizer (denominada “ecolalia”), até aquelas crianças cuja fala não é
significativamente prejudicada.
Outros tipos de uso de linguagem atípica incluem a utilização de palavras
inventadas (denominadas “neologismos”), ou o emprego de inversões de pronomes,
como referir-se a si mesmo na terceira pessoa ou trocando “você” por “eu” ao fazer
uma pergunta. Por exemplo, uma criança que pergunta “Você quer um copo de leite?
” Pode, na verdade, querer dizer “Eu quero um copo de leite”. Outras crianças podem
ter dificuldades somente ao se expressarem em palavras (denominada “linguagem
expressiva”), mas podem conseguir entender melhor a linguagem (denominada
“linguagem receptiva”).
Crianças que têm pouca linguagem falada podem se beneficiar do uso da
tecnologia, como um tablet ou outros aparelhos, para se comunicar e aprender.
Felizmente, com terapia, todas as crianças são capazes de aprender a se comunicar,
seja por meio de palavras, seja por outros meios (Lord et al, 2018)

6.3 TDAH

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma síndrome


comum, também com um espectro de severidade, que descreve indivíduos que são
extremamente desatentos, incapazes de se manterem focados ou organizados, ou
então que são extremamente hiperativos (como se sempre estivessem ligados em um
motor) ou impulsivos. Cerca de metade das crianças com TEA tem problemas
32
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
substanciais com desatenção ou hiperatividade e satisfariam os critérios para um
diagnóstico de TDAH (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
A partir do DSM-5, em 2013, os clínicos podem diagnosticar e tratar os dois
transtornos. Para algumas crianças, os problemas com hiperatividade e dificuldade na
regulação do comportamento podem exacerbar as dificuldades sociais existentes,
porque, com o tempo, os pares podem ficar frustrados e se afastarem de uma criança
que é impulsiva e hiperativa. Isso restringe ainda mais as oportunidades da criança
com TEA de praticar e aprender habilidades sociais (BERNIER; DAWSON; NIGG,
2021).
Se o seu filho se encontra nesse grupo, seus clínicos assistentes podem
recomendar medicações para TDAH (além da conhecida Ritalina [metilfenidato],
encontra-se disponível uma dúzia de outras formulações que podem ser úteis).
Sabemos agora, a partir de estudos recentes, que crianças com TEA que também
satisfazem os critérios para TDAH podem, de fato, se beneficiar com tais
medicamentos.
Se o problema principal aqui não for hiperatividade, mas atenção, o clínico
também pode recomendar o treinamento de habilidades especiais relacionadas a
esta, para ajudar, por exemplo, com o trabalho escolar. O estilo de vida potencial e as
propostas de tratamento alternativas para TDAH e TEA se sobrepõem fortemente,
embora os dados coletados sobre o que funciona revelem alguma diferenciação entre
essas condições também (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).

6.4 Problemas emocionais

Crianças com TEA podem também experimentar complicações emocionais.


Vivemos em um mundo social, e, se você tem dificuldades de passar por situa-ções
sociais, não é difícil imaginar que estaria suscetível a se sentir ansioso e triste. Como
poderíamos prever, com frequência vemos índices mais altos de ansiedade e
transtornos do humor, como depressão, naqueles com TEA – particularmente em
adolescentes e adultos que têm maior percepção das suas diferenças.
Indivíduos com linguagem limitada ou dificuldades de compreensão das
próprias experiências emocionais terão problemas em contar às pessoas sobre seus

33
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
sentimentos de ansiedade ou tristeza. Mas você pode ser capaz de identificar isso no
comportamento do seu filho, por exemplo, se ele é excessivamente receoso ou perde
o interesse em atividades de que as crianças costumam gostar.
Se o seu filho se encontra nesse grupo, um plano comportamental que leve em
conta a ansiedade ou as questões de humor pode ser útil, assim como métodos para
reduzir o estresse e melhorar o enfrentamento relacionado ao estresse, habilidades
que seu clínico pode recomendar como parte do tratamento do seu filho.

6.5 Questões médicas

As preocupações médicas que ocorrem com mais frequência do que


esperaríamos com TEA, mais uma vez por razões pouco conhecidas, incluem
convulsões, dificuldades com o sono e distúrbios gastrintestinais (GI). Essas
condições médicas recentemente forneceram novas pistas para as causas de
autismo. Por exemplo, a epilepsia é diagnosticada em surpreendentes 20% das
crianças com TEA – muitas vezes, sua incidência na população em geral. Isso levou
ao achado interessante de que muitos dos mesmos genes implicados no TEA estão
implicados na epilepsia. Por exemplo, o gene SCN2A é o manual de instruções para
a produção de uma proteína incluída nas paredes de nossas células cerebrais que
controla a passagem de íons pela parede das células. Essa passagem de íons é o
que determina como uma célula funciona e se comunica (BERNIER; DAWSON; NIGG,
2021).
Uma disrupção do gene SCN2A pode facilitar em excesso ou muito pouco a
passagem dos íons. Ocorre que a passagem excessiva dos íons origina epilepsia no
início do desenvolvimento, enquanto muita pouca passagem leva a convulsões
posteriormente no desenvolvimento – e ao TEA.
Problemas para dormir são comuns no autismo. Mais da metade dos pais de
crianças com TEA relata que seu filho tem algum tipo de problema de sono, e um
quarto dos pais relata que seu filho não dorme o suficiente. Não é nenhuma novidade
para os pais que esses problemas de sono ocorrem comumente no transtorno, pois
há muitos anos eles relatam aos seus médicos essas dificuldades. No entanto,
avanços científicos recentes mostraram que intervenções comportamentais para

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
melhorar a higiene do sono têm efeitos significativos na aprendizagem e na redução
de comportamentos problemáticos. A melhora no sono do seu filho também tem um
impacto positivo na sua capacidade para dormir (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
A filha de Silvia, em idade escolar, tinha dificuldades para dormir, e sua família
estava recebendo apoio de um especialista em sono. Ela tinha autismo e deficiência
intelectual e havia experimentado problemas de sono significativos por toda a sua
vida. Além disso, dormia apenas duas horas por noite e, algumas vezes, passava um
dia ou dois sem dormir, o que também interferia no sono de todos os outros na família.
Nas semanas seguintes à intervenção no sono, que incluía uma combinação de
treinamento comportamental e prescrição de melatonina, Silvia foi ficando menos
pálida, a vibração em seus olhos castanhos emergiu de suas grandes pálpebras, e
até mesmo sua postura estava muito mais ereta. Ela disse que havia esquecido depois
de 9 anos como era dormir uma noite inteira. Silvia sentiu-se revitalizada e se envolveu
no mundo como não fazia havia quase duas décadas. As intervenções no sono que
foram adaptadas para indivíduos com autismo podem ser muito eficazes, e os efeitos
positivos se estendem além de simplesmente uma boa noite de sono para o seu filho
(BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
De modo similar ao que ocorre com o sono, os problemas GI são comuns no
TEA. E isso não é uma coincidência, e sim um forte indício das causas do transtorno.
Apenas para dar uma ideia, nos dias atuais, estamos fazendo progresso na
compreensão da relação entre problemas GI e autismo. Isso ocasionou uma rápida
mudança na prática clínica. Até recentemente, os clínicos costumavam desvalorizar
as queixas GI, considerando-as apenas de interesse secundário ou incidental. Você
pode estar entre os pais aos quais foi dito “Precisamos focar no autismo” ou “Não
tenho certeza do que podemos fazer quanto a isso”. Entretanto, tornou-se evidente
que as queixas GI impactam significativamente o comportamento – crianças com tais
queixas têm comportamentos mais problemáticos e desafiadores do que aquelas sem
queixas. E isso faz sentido. Se você se sente desconfortável, ou com dor, estresses
ou frustrações superáveis podem rapidamente se tornar insuperáveis. Com o tempo,
a comunidade médica começou a levar a sério os comentários dos pais, e, atualmente,
as intervenções GI para crianças com esses problemas são incorporadas aos planos
de tratamento (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021).
35
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
Em suma, deficiência intelectual e de linguagem, TDAH, sono, problemas GI e
outras condições associadas complicam o planejamento para seu filho, mas também
fornecem pistas científicas úteis que transformaremos em dicas práticas ao longo
deste livro. O objetivo é capacitá-lo a criar mais facilmente o plano individual “mais
adequado” para o seu filho.

7 INTERVENÇÕES COMPORTAMENTAIS E EDUCACIONAIS

Fonte: ttps://www.autismoemdia.com.br/

O tratamento do autismo envolve intervenções de caráter multidisciplinar e


focaliza a orientação familiar, a terapia cognitivo-comportamental e os programas
voltados ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação. As intervenções
comportamentais e educacionais são básicas no acompanhamento de pessoas com
transtornos do espectro autista. Os métodos de intervenção e tratamento podem ser
subdivididos em três grandes grupos: aqueles que usam modelos de análise aplicada
do comportamento; os que são fundamentados em teorias de desenvolvimento; e
aqueles que são fundamentados em teorias de ensino estruturado (ROTTA;
OHLWEILER; RIESGO, 2016).

36
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
7.1 Método ABA e TEACCH

A maioria das práticas identificadas pelo National Professional Development


Center on Autism Spectrum Disorders vem do campo da análise aplicada do
comportamento. Essa terapia, conhecida pela sigla ABA (do inglês Applied Behavior
Analysis), utiliza princípios fundamentais de teoria da aprendizagem para melhorar
comportamentos em pessoas sem capacidades socialmente significativas.
Trata-se de um programa utilizado por psicólogos, voltado para crianças com
faixa etária entre um e 12 anos, para avaliar e intervir sobre áreas como: coordenação
motora e visomotora, percepção, imitação, desempenho cognitivo e cognição verbal.
É um programa estruturado em escalas de tarefas a serem realizadas em cada uma
dessas áreas, combinando diferentes materiais visuais para organizar o ambiente
físico por meio de rotinas e sistemas de trabalho. O objetivo do TEACCH é
desenvolver ao máximo a autonomia e a independência do autista para atuar no
ambiente (CAMARGOS JR., 2005).
Elementos essenciais de análise experimental do comportamento foram
descritos por Skinner (1938), baseando-se em grande quantidade de dados de
observação, manipulação e análise de comportamento animal e humano. Esses
estudos levaram à hipótese de que o comportamento é uma função de suas
consequências. É dada ênfase à relação funcional entre comportamento e meio
ambiente, observação direta, documentação mensurável de comportamentos e
respostas, bem como a princípios de reforço (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).
A hipótese primária da ABA é de que, se alguns dos elementos essenciais
descritos anteriormente são alterados, uma mudança comportamental pode ser
obtida. Tais mudanças podem determinar alterações comportamentais tanto positivas
quanto negativas. Alterações comportamentais permitem entender mais
cuidadosamente as funções de comportamento.
A aplicação de princípios de análise de comportamento nos permite
estabelecer condições que sejam propícias a produzir mudanças comportamentais
socialmente relevantes em humanos. Para alguns, a hipótese de que o
comportamento humano possa ser controlado ou alterado da mesma maneira que o
comportamento animal pode parecer extremamente simplista. No entanto, existem

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
dados de pesquisa e clínicos mais do que suficientes para recomendar a utilização de
práticas de análise aplicada de comportamento no tratamento de crianças autistas
(ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).
Nesse tipo de terapia comportamental, o foco principal é a conduta observada
na criança, que nos permite compreender como o indivíduo aprende um padrão de
comportamento que lhe proporciona reforços e que leva a alguma forma de resposta.
Crianças com autismo frequentemente conseguem algum tipo de “resposta” ou
“reforço” por meio de comportamentos inadequados (como comportamentos
autoestimulantes, automutilantes, entre outros). Comportamentos socialmente mais
apropriados podem ser “aprendidos” por meio de princípios de reforço. Esses,
inicialmente, devem ser oferecidos rápida e frequentemente, de tal maneira que
aumentem o “valor” de comportamentos mais novos e mais adaptados socialmente
(ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).
Entre os modelos que utilizam princípios de ensino estruturado, o mais
conhecido talvez seja o TEACCH (do inglês Treatment and Education of Autistic and
Related Comunication-handicapped children), criado por Schopler e colaboradores na
Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Tal programa é responsável pelo serviço de
avaliação, intervenção e coordenação de suporte em nível estadual na Carolina do
Norte. Combina estratégias cognitivas e comportamentais, com ênfase em
procedimentos com base em reforço para modificação de comportamento e em
intervenções para déficit de habilidades que possam estar subjacentes a
comportamentos inapropriados.
Esse programa parte do princípio de que crianças com autismo têm uma
interação diferente de crianças típicas e que o entendimento dessas diferenças
proporciona a criação de programas para melhorar o seu potencial de aprendizagem.
O programa tenta enfocar as capacidades visuoperceptivas de crianças com autismo
e tem um papel importante no desenvolvimento de medidas diagnósticas que usam
métodos de integração, bem como na proliferação dos sistemas visuais para essa
população especial (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
8 TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA ALUNOS COM TEA

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/

A Tecnologia Assistiva (TA) mostra-se uma poderosa ferramenta no que diz


respeito ao desenvolvimento da capacidade de comunicação e de promoção à
autonomia dos alunos, mas ainda temos que ver as formas abordadas para utilizá-la
em sala de aula. Certamente, uma das grandes vantagens é que a TA proporciona a
possibilidade de interação e comunicação entre os indivíduos envolvidos no
processamento de informações.
É essencial que todas as pessoas envolvidas, no processo (professor, equipe
escolar, terapeutas e família), tenham acesso as ferramentas de integração para as
pessoas com deficiência. Parece assim, óbvio, que a família possa contribuir para
aumentar e melhorar para o professor e equipe escolar, as habilidades no uso da TA,
já que os recursos disponibilizados geram a aprendizagem cooperativa.
A aprendizagem cooperativa se caracteriza como uma estrutura que envolve a
todos. Há, portanto, necessariamente a criação de uma reciprocidade das interações
entre aluno-professor-família e consequentemente convida ao uso de habilidades
interpessoais para ações práticas. Entretanto, a chave desta cooperação está na

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
comunicação. Dessa forma, segundo o dicionário on-line de português, comunicar
significa “transmitir informação, dar conhecimento de; fazer saber, participar”, ou seja,
colocar o mesmo assunto em questão num diálogo entre um grupo de pessoas. Se o
assunto é recebido e compreendido da mesma forma, então podemos dizer que a
comunicação e o diálogo estão acontecendo.
Segundo Nunes (2003), a comunicação é uma necessidade básica entre os
homens. A comunicação é um dos aspectos fundamentais da sobrevivência humana,
logo de todos nós. Ao nascermos nos comunicamos através choro para que
compreendam nossas vontades. Nosso contato vai aos poucos sendo refinado na
medida em que aprendemos a falar mantendo assim contato com os demais e,
simbolicamente nos formando humano como os demais. Dessa forma, não é incorreto
afirmamos que a comunicação refere-se a comportamentos sinalizadores que
ocorrem na interação de duas ou mais pessoas e que proporcionam uma forma de
criar significados entre elas.
A linguagem assim é entendida como um sistema composto por símbolos e
códigos arbitrários, construídos e convencionados socialmente e governado por
regras, que representam ideias sobre o mundo e serve primariamente ao propósito da
comunicação (NUNES, 2003).
Vygotsky estabelece uma relação da linguagem em seus aspectos sociais
como a origem das interações que compõem a consciência humana. A linguagem
assume um papel importante na formação da consciência, uma vez que, atravessados
por constructos sociais, são ressignificados em sentidos e servem de elementos para
construção de mundo dos sujeitos, de maneira contínua. Através da linguagem, por
meio da palavra, surgem significados, que se transformam em sentidos pessoais a
partir das emoções ou necessidades que estabeleceram o seu uso.
A linguagem transforma os sujeitos, e quando estes não desenvolvem, estes
sujeitos ficam afetados, sem poder se expressar o que reduz suas manifestações e o
circunscreve num universo restrito e individualizado, o que o afasta de algumas
condições básicas para socializar-se e buscar novas experiências. Nesta
circunstância, se faz primordial que se estabeleça uma comunicação funcional,
desenvolvida a partir da capacidade de transmitir e receber mensagens, com base no

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
contexto sociocultural. Ao se transmitir uma comunicação, existe uma finalidade, que
no caso da educação inclusiva é contribuir para o êxito do processo inclusivo.
Dessa forma, parte deste processo cabe aos profissionais responsáveis, que
devem em parceria com a família do aluno com deficiência identificar quais fatores
influenciam na dificuldade da comunicação dos alunos. Quando o professor se
disponibiliza a ajudar e identificar algum fator que impeça a inclusão, e, ao conversar
e interagir busque utilizar uma linguagem compreensível para a família este diálogo
será entendido gerando melhor qualidade deste processo.
Estabelecer com a família um espaço de comunicação e cooperação
possibilitará ao professor, um espaço de compreensão maior quando este necessitar
auxiliar a família na capacitação do recurso que se concordou utilizar. No caso da
Comunicação Aumentativa Alternativa, a família precisa estar ciente de que mais do
que a função comunicativa o processo auxilia no desenvolvimento das habilidades
motoras, cognitivas e afetivas.
A família poderá participar ativamente do processo de escolha do melhor
recurso para desenvolver a comunicação se compreender que ao trabalhar com o
sistema de comunicação, o professor também dará ênfase às habilidades motoras e
as habilidades cognitivas, nos aspectos referentes a percepção, atenção, memória,
raciocínio, conceituação, linguagem e alfabetização. Ainda que seja de conhecimento
comum que as famílias de alunos com deficiência buscam orientações, sobretudo com
TEA que gera dificuldade de relacionamento interpessoal e compreensão da
linguagem (quando desenvolvem), cabe ao professor e equipe capacitar esta família
para o processo. Faz-se crucial assim, que seja compreendido o que é a Comunicação
Alternativa e Ampliada (C.A.A.), e quais motivos para a adoção de um dos recursos
que ela proporciona (NUNES, 2003).
A família precisa estar informada de que a CAA refere outras formas de
comunicação além da modalidade oral, como o uso de gestos, língua de sinais,
expressões faciais, o uso de pranchas de alfabeto, símbolos pictográficos, uso de
sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada, dentre outros. Também
importa consideravelmente que tenham conhecimento de que o uso da comunicação
alternativa é direcionado para sujeitos com grande defasagem na comunicação, como
autistas, pessoas com deficiência mental severa, surdos.
41
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
Nesses casos se faz necessária a comunicação alternativa para subsidiar essa
dificuldade, mas podem optar por recursos de baixa tecnologia ou recursos de alta
tecnologia, sendo Baixa Tecnologia, recursos mais acessíveis que possibilitam a
comunicação quando inexiste a linguagem oral, podendo ser representados através
de gestos manuais, expressões faciais, código Morse e signos gráficos como a escrita,
desenhos, gravuras, fotografias. Os recursos de Alta Tecnologia oferecem sistemas
de comunicação mais sofisticados, com utilização do computador como, por exemplo,
o software SCALA (NUNES, 2003).

8.1 A utilização de tecnologias assistivas para alunos com TEA

Historicamente, o uso das tecnologias assistivas para os indivíduos com TEA


foi mais frequentemente implementado nas áreas de sistemas de representação
visual, suportes para comunicação e instrução assistida por computador. Tecnologias
assistidas oferecem uma forma de ensino e engajamento que capitaliza os pontos
fortes e as preferências dos alunos com TEA. Estudos recentes têm demonstrado que
esses alunos parecem preferir o uso de computadores em comparação com métodos
de instrução tradicionais (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).

8.1.1 Aprendizagem baseada em vídeo

Em geral, aprendizagem por vídeo inclui várias técnicas: videomodelagem


(VM), videoautomodelagem e videomodelagem por ponto de vista próprio. O primeiro
é uma técnica que envolve a demonstração de comportamentos desejados por meio
da representação do comportamento por vídeo; o segundo é uma aplicação de VM
em que o indivíduo aprende imitando clipes de vídeo que mostram o próprio
desempenho bem-sucedido de comportamentos orientados; e terceiro é o processo
de filmagem de elementos do contexto, do ambiente ou de uma atividade a partir da
perspectiva ou do ponto de vista visual do indivíduo que precisa adquirir as respostas-
alvo (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).
Diversos estudos sugerem que a instrução baseada em vídeo é eficaz para o
ensino de habilidades funcionais de uma forma consistente, sem a necessidade de
aulas repetitivas. Professores podem criar modelos permanentes de intervenção,
42
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
economizando tempo e recursos. Os estudantes que usam tecnologia portátil podem
operar de uma forma mais produtiva e independente; a necessidade da presença
física e da atenção do professor a todo o momento pode ser substituída por um
método socialmente válido de aprendizagem e que permite uma maior participação
em todos os locais da escola (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).

8.1.2 Instrução assistida por computador

Indivíduos com TEA têm uma afinidade natural com computadores. Instrução
assistida por computador é uma intervenção eficaz para alunos com TEA em uma
variedade de situações, tais como aquisição de vocabulário e identificação de
palavras; melhoria das competências comportamentais, das habilidades sociais e do
reconhecimento de expressões faciais. Essa categoria de intervenção mostrou
respostas no ambiente escolar na faixa etária dos quatro anos até a idade adulta. É
extremamente importante que professores, terapeutas e outros profissionais de saúde
sejam treinados para utilizar essas tecnologias (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO,
2016).

8.2 SCALA – Surgimento

Fonte: https://www.editorarealize.com.br/

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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
O projeto SCALA – Sistema de Comunicação Alternativa para Letramento de
Pessoas com Autismo configura-se como um plano articulado de investigação,
desenvolvimento tecnológico e formação. O desenvolvimento do Sistema SCALA visa
apoiar o processo do desenvolvimento da linguagem em sujeitos com autismo e com
déficits de comunicação, embasado epistemologicamente na teoria sócio histórica. O
software é desenvolvido de forma livre e gratuita com aproximadamente na atualidade
uma base pictográfica de 4000 símbolos de Arasaac e alguns desenvolvidos pela
equipe para atender a nossa diversidade cultural. (PASSERINO, 2015).
Na atualidade o SCALA conta com duas versões: Web e Android. A primeira
para utilização na Internet a partir de qualquer tipo de dispositivo e a segunda para
dispositivos móveis, do tipo tablet. O software atualmente encontra-se armazenado
num servidor, com um banco de dados contendo as imagens disponíveis para
utilização na construção das pranchas e das histórias, diretamente em
http://scala.ufrgs.br/ScalaWeb (PASSERINO, 2015).
Na prática o uso do software possui um módulo para a construção de pranchas
de comunicação e um de narrativas visuais para construção de histórias.
O módulo prancha possui as seguintes funcionalidades:

 Abrir: abre uma prancha salva anteriormente.


 Salvar: salva a prancha ou história atual, para ser posteriormente
utilizada.
 Desfazer: desfaz a última operação realizada.
 Importar: importa uma imagem da galeria de imagens para a Categoria
“Minhas Imagens”.
 Exportar: salva a prancha ou história como arquivo de imagem.
 Layout: dá cinco opções de layout para criação de pranchas ou histórias
simples ou mais complexas, conforme a necessidade de uso.
 Limpar: limpa todo o conteúdo da prancha ou história aberta.
 Imprimir: dá a opção da impressão da prancha.
 Visualizar: mostra a prancha de forma mais ampla, e possibilita a
reprodução sonora.
 Ajuda: apresenta um tutorial objetivo de todas as funcionalidades do
44
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
módulo. (PASSERINO, 2015).

A composição das imagens no SCALA tem as seguintes categorias: Pessoas,


Objetos, Natureza, Ações, Alimentos, Sentimentos, Qualidades e Minhas Imagens O
módulo de narrativas visuais possui funcionalidades comuns ao módulo prancha
como: abrir, salvar, imprimir, importar, layouts, visualizar, deletar e ajuda.
A complexidade vai aumentando ou diminuindo de acordo com as
potencialidades e necessidades do usuário. Há ainda uma categoria que possibilita a
inclusão de balões de conversação, onde é possível a escrita de pequenos diálogos.
A história pode ser gravada e pode ser reproduzida por um sintetizador de voz. Os
recursos disponibilizados no texto podem ser utilizados diretamente com o aluno. O
módulo, história, por exemplo, usa requisitos comuns ao módulo, prancha e outros
como: carregar cenário; rotacionar imagem; animar (PASSERINO, 2015).

8.3 SCALA - Sistema de Comunicação Alternativa para letramento de pessoas


com Autismo.

A relevância da CAA como um recurso da Tecnologia Assistiva, capaz de


promover espaços identitário para alunos com deficiência, oportunizando que os
mesmos tenham uma possibilidade de comunicar-se e assim fazer parte do contexto
é inegável. Entretanto, cada aluno, cada sujeito que faz uso da CAA apresenta seu
próprio nível de linguagem, diferentemente dos demais. Dessa forma, cabe ao
professor, em parceria com a equipe, conhecer as necessidades do aluno que fará
uso deste recurso antes de embrenhar-se num sistema de CAA, avaliando alguns
aspectos, tais como sugere Nunes (2003):

 Competências linguísticas: para que o professor possa investigar a


capacidade de comunicação em diferentes contextos com diferentes
pessoas;
 Formas de expressão: para investigar como o aluno se expressa e se
compreende o que os outros expressam.
 Habilidades:

45
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
1.Físicas: Avaliar a acuidade auditiva e visual, habilidades motoras
(preensão manual, flexão e extensão dos membros superiores),
habilidades perceptivas, dentre outras;
2. Emocionais: Com quem o sistema será utilizado o sistema? pais,
professores, amigos;
3. Cognitivas – local onde o sistema será utilizado, verificar nível de
escolaridade, compreensão, por parte dos alunos dos acontecimentos
cotidianos;
 Competências de autonomia pessoal – o que ele já desenvolve com
autonomia;
 Nível geral de conhecimento - que conhecimentos prévios este aluno
apresenta sobre o que é questionado;
 Problemas de comportamento - que tipos de desajustes
comportamentais este aluno apresenta.

De posse desta avaliação, caberá a equipe pedagógica e ao professor em


parceria com a família definir que recurso da CAA será utilizado, já que são muitos
recursos, técnicas e estratégias, além de um suporte parcial ou total à comunicação
de sujeitos que apresentem déficits de comunicação dos mais variados. Podendo
assumir diversas formas: pranchas de comunicação, pranchas alfabéticas e de
palavras, vocalizadores ou o próprio computador. O uso de um sistema de
comunicação alternativa deve ser baseado nas necessidades do sujeito que
apresenta déficit de comunicação, de maneira personalizada, conforme Sartoretto e
Berch (2013).
Baseados nas necessidades dos sujeitos com TEA, alguns softwares são
criados, visando a promoção da autonomia em tarefas que necessitam de
comunicação, um destes softwares utilizados é o SCALA.

46
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
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TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA- TEA
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