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FATO TÍPICO

3a EDIÇÃO/2023
1. CONCEITOS INICIAIS 4

2. TIPO PENAL 4
2.1. ELEMENTOS DO TIPO PENAL 5
2.1.1. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO PENAL 5
2.1.2. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO PENAL 5
2.2. ESPÉCIES DE TIPO PENAL 6
2.3. ESTRUTURA DO TIPO PENAL 6
2.4. CLASSIFICAÇÃO DO TIPO 6
2.4.1. TIPO FECHADO E TIPO ABERTO 6
2.4.2. TIPO SIMPLES E TIPO MISTO 7
2.4.3. TIPO-TOTAL DO INJUSTO 7
2.4.4. TIPO INDICIÁRIO 7
2.4.5. TIPO FORMAL E TIPO MATERIAL 7
2.4.6. TIPO CONGLOBANTE 8
2.4.7. TIPO CONGRUENTE E TIPO INCONGRUENTE 8
2.4.8. TIPO NORMAL E TIPO ANORMAL 8
2.5. FUNÇÕES DO TIPO 8
2.6. FORMAS DE ADEQUAÇÃO TÍPICA 9

3. REQUISITOS OU ELEMENTOS 9

4. CONDUTA 9
4.1. TEORIAS DA CONDUTA 9
4.1.1. TEORIA CAUSALISTA OU CAUSAL-NATURALISTA OU CLÁSSICA OU NATURALÍSTICA OU MECANICISTA
9
4.1.2. TEORIA NEOKANTISTA OU CAUSAL-VALORATIVA OU NEOCLÁSSICA OU NORMATIVISTA 11
4.1.3. TEORIA FINALISTA OU ÔNTICO- FENOMENOLÓGICA 11
4.1.4. TEORIA FINALISTA DISSIDENTE OU BIPARTITE 12
4.1.5. TEORIA SOCIAL DA AÇÃO 12
4.1.6. TEORIA JURÍDICO-PENAL 13
4.1.7. TEORIA DA AÇÃO SIGNIFICATIVA 14
4.1.8. FUNCIONALISMO (TEORIAS FUNCIONALISTAS) 14
4.1.8.1 FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO OU DUALISTA OU MODERADO OU DA POLÍTICA CRIMINAL OU
VALORATIVO 15
4.1.8.2. FUNCIONALISMO SISTÊMICO OU MONISTA OU RADICAL 15
4.2. CARACTERÍSTICAS DA CONDUTA 17
4.3. ELEMENTOS DA CONDUTA 17
4.4. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CONDUTA 18
4.4.1 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR 18
4.4.2. ATOS OU MOVIMENTOS REFLEXOS 18
4.4.3. COAÇÃO FÍSICA IRRESISTÍVEL 18
4.4.4. SONAMBULISMO E HIPNOSE 19
4.5. FORMAS DE CONDUTA 19
4.5.1. ESPÉCIES DE CRIMES OMISSIVOS 21
4.5.2. TEORIAS DA OMISSÃO 21
4.6. ESPÉCIES DE CONDUTA 22
4.6.1. CONDUTA DOLOSA (ART. 18, I, CP) 22
4.6.1.1. TEORIAS DO DOLO 22
4.6.1.2. ESPÉCIES DE DOLO 23

1
4.6.1.2.1. DOLO NORMATIVO OU HÍBRIDO OU COLORIDO OU CINZENTO OU CROMÁTICO 23
4.6.1.2.2. DOLO NATURAL OU NEUTRO OU ACROMÁTICO 23
4.6.1.2.3. DOLO DIRETO OU DETERMINADO OU IMEDIATO OU INCONDICIONADO 24
4.6.1.2.4. DOLO INDETERMINADO OU INDIRETO 24
4.6.1.2.5. DOLO CUMULATIVO 25
4.6.1.2.6. DOLO DE DANO 25
4.6.1.2.7. DOLO DE PERIGO 25
4.6.1.2.8. DOLO GENÉRICO 25
4.6.1.2.9. DOLO GERAL OU ERRO SUCESSIVO OU DOLUS GENERALIS 25
4.6.1.2.10. DOLO DE 1° GRAU 26
4.6.1.2.11.DOLO DE 2º GRAU OU DE CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS 26
4.6.1.2.12. DOLO DE 3° GRAU 27
4.6.1.2.13. DOLO CONCOMITANTE 27
4.6.1.2.14. DOLO ANTECEDENTE 28
4.6.1.2.15. DOLO SUBSEQUENTE 28
4.6.1.2.16. DOLO DE PROPÓSITO 28
4.6.1.2.17. DOLO DE ÍMPETO 28
4.6.1.2.18. DOLO ABANDONADO 28
4.6.1.2.19. DOLO GLOBAL OU UNITÁRIO 29
4.6.2. CONDUTA CULPOSA (ART. 18, II, CP) 30
4.6.2.1. ESPÉCIES DE CULPA 34
4.6.2.2. EXCLUSÃO DA CULPA 35
4.6.2.3. GRAUS DE CULPA 37
4.6.2.4. COMPENSAÇÃO DE CULPAS 37
4.6.2.5. CONCORRÊNCIA DE CULPAS 38
4.7. ERRO DE TIPO 38
4.7.1. ERRO X IGNORÂNCIA 38
4.7.2. ESPÉCIES DE ERRO DE TIPO 39
4.7.2.1. ERRO DE TIPO ESSENCIAL 39
4.7.2.1.1. ERRO DE TIPO ESSENCIAL INEVITÁVEL OU ESCUSÁVEL 40
4.7.2.1.2. ERRO DE TIPO ESSENCIAL EVITÁVEL OU INESCUSÁVEL 40
4.7.2.2. ERRO DE TIPO ACIDENTAL 41
4.7.2.2.1. ERRO SOBRE O OBJETO 41
4.7.2.2.2. ERRO SOBRE A PESSOA 41
4.7.2.2.3. ERRO NA EXECUÇÃO (ABERRATIO ICTUS) 42
4.7.2.2.4. RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO (ABERRATIO CRIMINIS) 43
4.7.2.2.5. ERRO SOBRE O NEXO CAUSAL (ABERRATIO CAUSAE) 44
4.7.2.2.6. ERRO DE SUBSUNÇÃO 45
4.7.2.2.7. ERRO PROVOCADO POR TERCEIRO 45

5. RESULTADO 47
5.1. ESPÉCIES DE RESULTADOS 47

6. NEXO DE CAUSAL OU RELAÇÃO DE CAUSALIDADE 48


6.1. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA 49
6.1.2. HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DA IMPUTAÇÃO 51
6.2. TEORIA INUS OU TEORIA DA CONDIÇÃO MÍNIMA OU TEORIA DA CONDIÇÃO NÔMICA 52
6.3. CONCAUSAS 53
6.3.1. CLASSIFICAÇÃO 54
6.3.1.1. CONCAUSA ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE 54
6.3.1.2. CONCAUSA RELATIVAMENTE INDEPENDENTE 55
6.4. CAUSALIDADE NOS CRIMES OMISSIVOS 57
2
7. TIPICIDADE 57
7.1. PRINCIPAIS FASES DA TIPICIDADE 58
7.2. TIPICIDADE CONGLOBANTE (ZAFFARONI) 58
7.3. TIPICIDADE FORMAL E AS NORMAS DE EXTENSÃO 59

3
1. CONCEITOS INICIAIS

Para uma adequada compreensão do tema, é necessário abordarmos alguns conceitos iniciais, visando
que não haja confusão entre os mesmos. Nesse viés, inicialmente vamos diferenciar os conceitos de “fato típico”,
“tipicidade” e “tipo penal”.
O fato típico, segundo Rogério Sanches1, é o fato humano indesejado que, norteada pelo princípio da
intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta
proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal. Do seu conceito extraímos seus elementos:
conduta, nexo causal, resultado e tipicidade.
Já nas palavras de Nucci2, fato típico é a síntese da conduta ligada ao resultado pelo nexo causal,
amoldando-se ao modelo legal incriminador. De cara, já observamos que há uma série de elementos que
compõem esse fato típico (conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade).
Tipicidade, por sua vez, é a adequação do fato concreto ao modelo abstrato de conduta proibida pelo
tipo penal. Ou seja, o fato ocorrido no mundo real se amolda perfeitamente à conduta proibida no tipo penal.
Por fim, Tipo Penal é a descrição abstrata de uma conduta proibida, tratando-se de uma conceituação
puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal. Em outras palavras, é o modelo de
conduta proibida.

🚩 NÃO CONFUNDA
TIPICIDADE PENAL TIPO PENAL

Operação de ajuste fato/norma. Modelo de conduta proibida.

É a adequação do fato concreto praticado ao modelo É a descrição abstrata de uma conduta humana,
previsto na lei para o qual se estabelece uma sanção. proibida por lei (tipo formal incriminador);- Artigo de
Qualidade dada a uma conduta humana: Conduta lei.
Típica.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Auditor Conselheiro Substituto - TC/DF (Ano: 2021, CESPE/CEBRASPE)
foi considerada correta a assertiva que dizia:
O ordenamento jurídico brasileiro admite que fato típico capaz de caracterizar um crime pode decorrer de uma
conduta comissiva ou omissiva.

2. TIPO PENAL

Como explicado acima, é o modelo abstrato de conduta proibida.

1
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
2
NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. 18 ed. São Paulo: Ed. Forense, 2022.
4
2.1. ELEMENTOS DO TIPO PENAL
Ainda a respeito do Tipo Penal, ele é composto de elementos objetivos e, eventualmente, de
elementos subjetivos.

2.1.1. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO PENAL


1. DESCRITIVOS OU OBJETIVOS PROPRIAMENTE DITO
Relacionados com tempo, lugar, modo, meio de execução do crime, descrevendo seu objeto material

⚠️ ATENÇÃO
Elementos percebidos pelos sentidos. Ex.: art. 121, CP – matar alguém.

2. NORMATIVOS
Demandam juízo de valor
Expressam-se em termos jurídicos, extrajurídicos ou em expressões cultuais.

⚠️ ATENÇÃO
Não são percebidos pelos sentidos. Ex: art. 154, CP – revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que
tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.

3. CIENTÍFICOS
O conceito transcende o mero elemento normativo, extraindo o seu significado da ciência natural

⚠️ ATENÇÃO
Não demanda juízo de valor. Ex: art. 24, L. 11105/05 – utilizar embrião humano em desacordo com o
que dispõe o art. 5° desta lei.

2.1.2. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO PENAL


Relacionados com a finalidade específica que deve ou não animar o agente.

1. POSITIVOS
Elementos indicando a finalidade que deve animar o agente.
Ex: art. 33, §3°, L. 11343/06 – oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
relacionamento, para juntos a consumirem.
Elemento positivo: para juntos consumirem (finalidade que deve existir)

2. NEGATIVOS
Elementos indicando a finalidade que não deve animar o agente.
Ex: art. 33, §3°, L. 11343/06 – oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu

5
relacionamento, para juntos a consumirem.
Elemento negativo: sem objetivo de lucro (finalidade que não deve existir, sob pena de se transformar
em tráfico de drogas).

2.2. ESPÉCIES DE TIPO PENAL


O tipo penal se divide em duas espécies ou categorias: incriminador e permissivo.3
1. Incriminador: é a síntese legal da definição da conduta criminosa proibida.
2. Permissivo: é a descrição legal de uma conduta permitida. É o caso, por exemplo, das causas
excludentes de ilicitude.

2.3. ESTRUTURA DO TIPO PENAL


O tipo penal se estrutura da seguinte maneira:4
1. Nomen Juris: é a nomenclatura que o legislador confere ao delito. Dá-se um nome à conduta
incriminada.
Ex: “Furto” é o nomen juris que se confere à conduta de subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia
móvel.

2. Preceito Primário: trata-se da descrição da conduta proibida, no tipo penal incriminador, ou da


conduta permitida, nos tipos penais permissivos.
Ex: o preceito primário do crime de homicídio (art. 121) é “matar alguem”.

3. Preceito Secundário: é a parte do tipo penal que comina a pena, a sanção. Logo, essa parte só é
encontrada nos tipos penais incriminadores.
Ex: no crime de homicídio simples, o preceito secundário é “reclusão, de seis a vinte anos”.

2.4. CLASSIFICAÇÃO DO TIPO5


Muitas são as classificações trazidas pela doutrina pátria. Abordaremos aquelas mais cobradas em
provas de concursos públicos.

2.4.1. TIPO FECHADO E TIPO ABERTO


O tipo fechado é constituído somente de elementos descritivos, que não dependem do trabalho de
complementação do intérprete para que sejam compreendidos.
Tipo aberto, por sua vez, é aquele que contém elementos normativos ou subjetivos, de modo que
dependem da interpretação de quem os conhece, para que adquiram um sentido e tenham aplicação.

3
Disponível em:
http://estudosdedireitopenalpartegeral.blogspot.com/2018/11/teoria-do-tipo.html#:~:text=Fun%C3%A7%C3%B5es%20do%20Tipo%20Penal.,%2C%20difer
enciadora%20do%20erro%2C%20seletiva.
4
NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. 18 ed. São Paulo: Ed. Forense, 2022.
5
NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. 18 ed. São Paulo: Ed. Forense, 2022.
6
2.4.2. TIPO SIMPLES E TIPO MISTO
O tipo simples é composto de uma única conduta punível possuindo, em regra, um só verbo (núcleo)
no tipo.
Já o tipo misto há mais de uma conduta punível, possuindo, como regra, mais de um verbo (núcleo) no
tipo, dividindo-se em tipo misto alternativo, quando a prática de uma ou várias das condutas previstas no tipo,
em um mesmo contexto fático, levam à punição por um só delito, e em tipo misto cumulativo, no qual prática
de mais de uma conduta, prevista no tipo, indica a realização de mais de um crime, punidos em concurso
material.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Perito Legista - PC/RJ (Ano: 2022, FGV) foi considerado o gabarito da
questão a assertiva prevista na letra “d”:
A respeito do tema consumação e tentativa, é correto afirmar que:
a. O estupro de vulnerável se consuma com a prática de ato de libidinagem específico ofensivo à dignidade
sexual da vítima;
b. A tentativa incruenta é modalidade de crime tentado no qual a vítima sofre ferimentos;
c. Quanto mais perto da consumação, maior será a fração redutora, pois menor a reprovabilidade da
conduta;
d. Nos crimes de tipo misto alternativo, a prática de um dos verbos já é suficiente para a consumação da
infração;
e. A aferição da quantidade de pena a ser reduzida pela tentativa decorre da culpabilidade do agente.

2.4.3. TIPO-TOTAL DO INJUSTO


Trata-se da aplicação da Teoria dos Elementos Negativos do Tipo. Esse tipo penal é aquele que
congrega, na sua descrição, embora implicitamente, as causas de justificação (excludentes de ilicitude). Assim,
falar em tipicidade seria considerar, ao mesmo tempo, a antijuridicidade, como se o tipo penal fosse construído
da seguinte forma: furto seria “subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, desde que não fosse em
estado de necessidade”.
Colocar as causas de justificação, implicitamente, em conjunto com o tipo penal, é dizer que, por
exemplo, eventual legítima defesa tornaria o fato atípico.

2.4.4. TIPO INDICIÁRIO


É defendido por aqueles que sustentam que a tipicidade gera um indício de antijuridicidade (ou
ilicitude). Com a prática do tipo penal incriminador, está-se constituindo uma presunção (relativa) de que o fato
é ilícito penal, dependente, pois, da verificação concreta da existência, ou não, de causas de justificação
(excludentes de ilicitude).

2.4.5. TIPO FORMAL E TIPO MATERIAL


O Tipo formal é o tipo legal de crime, ou seja, a descrição feita pelo legislador ao construir os tipos

7
incriminadores.
Quanto ao Tipo Material, é o tipo legal adequado à lesividade, que possa causar a bens jurídicos
protegidos, bem como socialmente reprovável.

2.4.6. TIPO CONGLOBANTE


Para os que o defendem, o tipo conglobante seria o tipo legal, associado às demais normas que
compõem o sistema. Assim, algo pode preencher o tipo legal, mas, avaliando-se a conduta conglobantemente,
isto é, em conjunto com as demais regras do ordenamento jurídico, verifica-se que o bem jurídico protegido não
foi afetado. É corrente de pensamento defendida por Eugênio Raul Zaffaroni.

2.4.7. TIPO CONGRUENTE E TIPO INCONGRUENTE


Conforme ensina Guilherme Nucci 6“o primeiro é o tipo penal que espelha a coincidência entre a face
objetiva e o lado subjetivo (ex.: no caso do homicídio, quando o agente extermina a vida da vítima preenche o
tipo objetivo – matar alguém – ao mesmo tempo em que perfaz, plenamente, o tipo subjetivo – vontade de matar
alguém);” (...)
“O segundo é o tipo penal que permite a inadequação do lado objetivo, nele previsto, com o que
subjetivamente almeja o agente, embora se considere consumado o delito. Ex.: na extorsão mediante
sequestro – crime patrimonial – o tipo objetivo prevê o sequestro de pessoa, com o fim de obter vantagem, como
condição ou preço do resgate, demonstrando que a finalidade do agente é patrimonial. Entretanto, ainda que
somente o sequestro se realize, basta haver o intuito de obter resgate e está consumado o crime. Há
incongruência entre o desejado pelo agente e o efetivamente alcançado;”.

2.4.8. TIPO NORMAL E TIPO ANORMAL


O tipo normal, foi originalmente idealizado por Beling, composto apenas de elementos descritivos,
que não exigiriam valoração por parte do intérprete para a exata compreensão da figura típica.
Já o tipo anormal é aquele no qual se inseriram elementos normativos ou subjetivos, tornando-o
passível de interpretação e valoração, para que possa ser convenientemente aplicado ao caso concreto.

2.5. FUNÇÕES DO TIPO


​A doutrina diverge acerca das funções do tipo, mas aquelas mais aceitas são as seguintes:
a. Função indiciária: com a prática de um fato típico, presume-se a antijuridicidade (ilicitude), que poderá
ser excluída diante de uma das justificativas.

b. Função garantista: o sujeito só pode ser punido pela prática de fato incriminado pela lei penal.

c. Função diferenciadora do erro: somente poderá ser punido pela prática de um fato doloso quando
conhecer os elementos que o constituem. O desconhecimento de um ou outro elemento do tipo objetivo
afasta o dolo, constituindo-se em erro de tipo.

6
NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. 18 ed. São Paulo: Ed. Forense, 2022.
8
2.6. FORMAS DE ADEQUAÇÃO TÍPICA
1. Adequação típica por subordinação imediata/direta: o fato se amolda ao tipo de forma imediata,
independente de outra norma.

2. Adequação típica por subordinação mediata/indireta: o fato não se amolda ao tipo de forma
imediata, sendo necessária a aplicação de outra norma, chama de norma de extensão. Ex.: no caso de
tentativa.

3. REQUISITOS OU ELEMENTOS

O fato típico possui os seguintes elementos ou requisitos de:


■ Conduta;
■ Resultado;
■ Nexo causal; e
■ Tipicidade.
Levando em consideração a profundidade do tema e a necessidade de uma análise cuidadosa, os
elementos serão estudados um a um a seguir.

4. CONDUTA

Um dos 10 axiomas do garantismo penal é o de que não há crime sem conduta (nullum crimen sine
conducta). De fato, a conduta é fundamental para que o fato venha a ser crime, mas, antes disso, é imprescindível
para que o fato seja típico.
Nesse viés, o direito penal não aceita os chamados crimes de mera suspeita, isto é, aqueles em que o
agente não é punido por sua conduta, mas sim pela suspeita despertada pelo seu modo de agir.7
Para conceituar o que é conduta, faz-se necessário o estudo das teorias que foram desenvolvidas ao
longo dos anos, buscando traçar suas características.

4.1. TEORIAS DA CONDUTA


4.1.1. TEORIA CAUSALISTA OU CAUSAL-NATURALISTA OU CLÁSSICA OU
NATURALÍSTICA OU MECANICISTA
▸ Idealizada por Von Liszt, Beling, Radbruch.
▸ Início do século XIX.
▸ Marcadas pelos ideais positivistas.
▸ Segue o método empregado pelas ciências naturais, orientada pelas leis de causalidade.
▸ De acordo com os adeptos dessa teoria, o mundo deveria ser explicado através da experimentação dos

7
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
9
fenômenos, sem espaço para abstrações.
▸ Segundo Cleber Masson8:

“A caracterização da conduta criminosa depende somente da circunstância de o agente produzir fisicamente um


resultado previsto em lei como infração penal, independentemente de dolo ou culpa. Em outras palavras,
para a configuração da conduta basta apenas uma fotografia do resultado”. (grifo nosso)

▸ Em outros termos, não há vontade quanto à produção do resultado, mas somente quanto ao
movimento corporal causador do resultado. Ou seja, o agente quer (vontade) produzir determinado movimento
corporal e, através deste, produz um resultado (não querido).
▸ Sintetizando a teoria, conduta é uma mera relação de causa (movimento corporal voluntário) e
efeito (resultado provocado).
▸ Essa teoria faz uma classificação do tipo penal da seguinte forma:
■ Tipo normal: São os tipos penais compostos unicamente de elementos descritivos e que podem ser
observados e percebidos pelos sentidos.
■ Tipo anormal: São os tipos penais compostos por elementos não descritivos e que não podem ser
meramente observados, mas demandam, por exemplo, juízo de valor.
▸ Adota o conceito tripartite de crime, ou seja, fato típico, ilícito e culpável. Todavia, afirma que a
culpabilidade contém os elementos do DOLO (culpabilidade dolosa) e da CULPA (culpabilidade culposa), bem
como a imputabilidade.
▸ O dolo é puramente psicológico (consciência e vontade).
▸ Conduta: Movimento corporal voluntário que produz uma modificação no mundo exterior,
perceptível pelos sentidos.9

⚠️ ATENÇÃO
O Código Penal Militar ainda é CAUSALISTA.

▸ Rogério Sanches nos apresenta algumas críticas feitas pela doutrina em geral10:
■ Se conduta é movimento humano, como explicar os crimes omissivos? A teoria falha completamente
nesse sentido.
■ Não há como negar elementos subjetivos e normativos do tipo.
■ É inadmissível imaginar a ação humana como um ato de vontade sem FINALIDADE. Tal teoria diz que
dolo e culpa estão na culpabilidade e não na conduta. Com isso, teríamos um conceito de conduta
completamente isento de qualquer finalidade no comportamento humano.

8
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020. p. 196.
9
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
10
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
10
4.1.2. TEORIA NEOKANTISTA OU CAUSAL-VALORATIVA OU NEOCLÁSSICA OU
NORMATIVISTA
▸ Idealizada por Edmund Mezger.
▸ Desenvolvida nas primeiras décadas do século XX.
▸ Tem base causalista
▸ Fundamenta-se em uma visão neoclássica, marcada pela superação do positivismo, introduzindo a
racionalização do método.
▸ Adota o conceito tripartite de crime, ou seja, fato típico, ilícito e culpável. Dolo e Culpa continuam
presente na culpabilidade, não como espécies de culpabilidade (como na teoria causalista), mas como
elementos autônomos, ao lado da imputabilidade e da exigibilidade de conduta diversa.
▸ Consciência atual da ilicitude passa a fazer parte do dolo, com isso, a culpabilidade consubstancia-se
em um vínculo entre o agente e o resultado, e, também, como um juízo de reprovação / censurabilidade.
▸ Conduta: Comportamento humano voluntário causador de um resultado.
▸ O professor Rogério Sanches apresenta as seguintes críticas:
■ Continua analisando dolo/culpa na culpabilidade;
■ Por consequência, não poderia admitir elementos subjetivos ou valorativos no tipo já que dolo e culpa
estão na causalidade. Portanto, parece apresentar uma real contradição.

4.1.3. TEORIA FINALISTA OU ÔNTICO- FENOMENOLÓGICA


▸ Criada por Hans Welzel.
▸ Meados do século XX (1930 – 1960).
▸ Percebe que o dolo e a culpa estavam inseridos no substrato errado (não devem integrar a
culpabilidade). portanto, desloca-se tais elementos para o FATO TÍPICO.
▸ Também adota a teoria tripartite do crime, mas dolo e culpa não estão mais na culpabilidade, que
passa a ser formada apenas por elementos normativos (potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de
conduta diversa, imputabilidade).

📌 OBSERVAÇÕES
■ Retira do dolo seu elemento normativo (consciência da ilicitude).
■ Para Welzel, toda consciência é intencional.
■ Dolo normativo (consciência da ilicitude) passa a ser dolo natural / valorativamente neutro (dolo
sem consciência da ilicitude).

▸ Segundo Rogério Sanches11, o fato típico passa a ter duas dimensões:
■ Dimensão Objetiva: conduta, resultado, nexo e tipicidade;
■ Dimensão Subjetiva: Dolo, culpa (dimensão psicológica).

11
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
11
📌 OBSERVAÇÕES
■ A culpabilidade assume uma dimensão normativa (teoria normativa pura), uma vez que passa a
representar meramente um juízo de reprovação, uma valoração que se faz sobre a conduta típica e ilícita do
agente, cujos elementos serão a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. A
culpabilidade, na teoria finalista, é desprovida de dolo e culpa, é o que se chama de culpabilidade vazia.

▸ Conduta: Comportamento humano, consciente e voluntário, psiquicamente dirigido a um fim


(toda conduta é orientada por um querer).

▸ Cleber Masson12 pontua que:

“A teoria finalista foi bastante criticada no tocante aos crimes culposos, pois não se sustentava a finalidade da
ação concernente ao resultado naturalístico involuntário. Alega-se, todavia, que no crime culposo também há
vontade dirigida a um fim. Mas esse fim será conforme ou não ao Direito, de maneira que a reprovação nos
crimes culposos não incide na finalidade do agente, mas nos meios por ele escolhidos para atingir a finalidade
desejada, indicativos da imprudência, da negligência ou da imperícia. (...)

Entretanto, parece que nem mesmo Welzel conseguiu adequar com precisão a teoria finalista aos crimes
culposos. Na última etapa de seus estudos, vislumbrou, ainda que superficialmente, substituir a teoria finalista
por uma outra teoria, denominada cibernética”.

▸ Por fim, devemos lembrar que segundo a doutrina dominante, essa foi a CORRENTE ADOTADA PELO
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Defensor Público/DPE-RS (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi
considerada certa a assertiva que dizia: Segundo a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro, a conduta
humana, comissiva ou omissiva, é sempre projetada a um fim e iluminada pelo acolhimento ou desprezo
a um valor reconhecido pelo direito.

4.1.4. TEORIA FINALISTA DISSIDENTE OU BIPARTITE


▸ Adota-se a ideia de que crime é fato típico e ilícito (por isso “BI”partite).
▸ A culpabilidade não integra o crime, devendo ser tratada como juízo de censura, reprovação,
pressuposto de aplicação da pena.

4.1.5. TEORIA SOCIAL DA AÇÃO


▸ Desenvolvida por Wessels, tendo como principal adepto Jescheck.
▸ A pretensão da teoria não é substituir as teorias clássica e finalista, mas acrescentar-lhes uma nova
dimensão, qual seja, a relevância social do comportamento.
▸ O dolo e a culpa integram o fato típico (finalismo), mas são novamente analisados no juízo da

12
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
12
culpabilidade (causalismo).
▸ Conduta: Comportamento humano voluntário, socialmente relevante, psiquicamente dirigido a um
fim.
▸ Acrescenta-se, aqui, um elemento muito importante na análise da conduta, qual seja a reprovabilidade
social da conduta. Para os adeptos da teoria em análise, só é considerada conduta, para fins penais, aquelas que
a sociedade reprova.
▸ Nessa linha de pensamento, um fato não pode ser tipificado pela lei penal como crime e, ao mesmo
tempo, ser tolerado pela sociedade, pois estaria ausente a repercussão social da conduta reprovável.
▸ Ideia que se aproxima muito da Teoria Social da Ação é aquela proposta pelo Princípio da Adequação
Social, segundo o qual uma conduta não pode ser considerada típica caso seja socialmente adequada ou
reconhecida. Assim, por exemplo, aqueles que vendem CD e DVD piratas não cometeriam crime algum, diante da
aceitabilidade de suas condutas pelo meio social.
▸ Cleber Masson13 pontua que:

“A principal crítica que se faz a essa teoria repousa na extensão do conceito de transcendência ou relevância
social, que se presta a tudo, inclusive a fenômenos acidentais e da natureza. A morte de uma pessoa provocada
por uma enchente, por exemplo, possui relevância social, na medida em que enseja o nascimento, modificação
e extinção de direitos e obrigações.

Com efeito, ao mesmo tempo em que não se pode negar relevância social ao delito, também se deve
recordar que tal qualidade é inerente a todos os fatos jurídicos, e não apenas aos pertencentes ao
Direito Penal”.

4.1.6. TEORIA JURÍDICO-PENAL


▸ Sustentada por Francisco de Assis Toledo.
▸ Essa teoria tem por objeto superar os entraves entre as vertentes clássica, finalista e social. Ou seja,
deseja compatibilizar os pontos de vista expostos por cada uma das teorias.
▸ Conforme o próprio Francisco Toledo:

“Ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para a
exposição a perigo de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma previsível lesão a um bem jurídico”.14

▸ Conforme explica Masson, tal teoria visa colocar em destaque pelo menos cinco pontos:15
■ o comportamento humano é considerado em sentido amplo, englobando a ação e a omissão;
■ a vontade, exclusiva do ser humano;
■ o “poder de outro-modo” (poder agir de outro modo), que permite ao homem o domínio da vontade;
■ o aspecto causal-teleológico do comportamento; e
■ a lesão ou perigo a um bem jurídico.

13
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
14
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 109.
15
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
13
4.1.7. TEORIA DA AÇÃO SIGNIFICATIVA
▸Desenvolvida por Vives Antón.
▸Tem suas bases firmadas na filosofia da linguagem de Wittgensein e na teoria da ação comunicativa de
Habermas. Propõe uma nova análise conceitual da conduta penalmente relevante, com fundamento em
princípios de liberalismo político, unindo ação e norma para a fundação da liberdade de ação.16
▸A Teoria busca analisar os conceitos e a relação entre ação e norma, partindo da ideia central de
liberdade de ação, no sentido que ação é aquela que se pode identificar como fruto de obra do agente, e não do
acaso.
▸A ação possui não é mera produtora de um resultado, mas também possui por trás um significado. Por
essa razão, é necessário entender e interpretar as ações de acordo com as regras ou normas.
▸Assim, não existe um conceito universal e ontológico de ação, pois cada ação humana é entendida e
interpretada a partir da norma que lhe estabelece. Isto é, a ação só existe em razão da norma. Nesse sentido,
existem tantos conceitos de ação quanto normas que as estabelecem.
▸Trazendo essa linha de pensamento à prática do Direito Penal, cada conduta relevante descrita como
infração penal corresponde a uma espécie de ação. Podemos afirmar, pois, que a origem da ação é a norma, pois
sem ela aquela não existiria.
▸Nas palavras de Cleber Masson:17

“O conceito de ação resume-se à ideia de conduta típica. Logo, não há um conceito geral de ação, mas tantos
conceitos de ação como espécies de condutas relevantes para o Direito Penal, segundo as diversas
características com as que são descritas normativamente. (...) Destarte, a teoria significativa da ação sustenta
que os fatos humanos somente podem ser compreendidos por meio das normas, ou seja, o seu significado
existe somente em virtude das normas, as quais lhes são preexistentes. O tipo incriminador passa a ser
entendido como tipo de ação, um dos grandes marcos dessa proposta doutrinária”. (grifo nosso).

4.1.8. FUNCIONALISMO (TEORIAS FUNCIONALISTAS)


▸Ganham força e espaço na década de 1970, discutidas com ênfase na Alemanha.
▸Buscam adequar a dogmática penal aos fins do Direito Penal.
▸Percebem que o Direito Penal tem necessariamente uma missão e que seus institutos devem ser
compreendidos de acordo com essa missão – (edificam o Direito Penal a partir da função que lhe é conferida).
▸As teorias funcionais (funcionalismo) propõem que os elementos estruturais do crime devam ser
interpretados à luz da função do direito penal, consistente em incentivar comportamentos adequados, de
modo que a sociedade funcione corretamente. A dogmática deve, portanto, ser analisada com vistas à política
criminal; em outras palavras: o aplicador do direito deve orientar a interpretação da teoria do crime e a solução
de problemas penais concretos de modo a atender aos objetivos do direito penal.18

▸Conclusão: a conduta deve ser compreendida de acordo com a missão conferida ao direito penal.
▸O funcionalismo se divide em correntes, sendo as principais as seguintes:

16
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
17
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
18
ESTEFAM, André Araújo L. Direito Penal - Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2022.
14
4.1.8.1 FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO OU DUALISTA OU MODERADO OU DA
POLÍTICA CRIMINAL OU VALORATIVO
▸Corrente defendida por Claus ROXIN (ESCOLA DE MUNIQUE). Para essa vertente, o direito penal tem
por missão fundamental a proteção de bens jurídicos. Assim, o conceito de conduta tomará como base a
proteção de bens jurídicos.
▸O Estado não cria delitos, apenas os reconhece, de modo que não dispõe de um poder absoluto na
tarefa de decidir o que é ou não crime; cabe-lhe, na verdade, verificar aquilo que deve ser tratado como delito
segundo os anseios sociais.

📌 OBSERVAÇÃO
Roxin busca a reconstrução do Direito Penal com base em critérios político-criminais.

▸O crime também é tripartite, porém, seus elementos são: fato típico, ilícito e REPROVÁVEL
(imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e necessidade da pena). A
culpabilidade deixa de integrar diretamente o crime, figurando, soba a ótica do autor, como limite funcional da
pena, ou seja, uma culpabilidade funcional.
▸Portanto, para o Funcionalismo Teleológico, a missão do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos.
Ou seja, tem como finalidade proteger os valores essenciais à convivência social harmônica.
▸Conduta: Comportamento humano voluntário causador de relevante e intolerável lesão ou perigo
de lesão ao bem jurídico tutelado.
▸Como afirma Rogério Sanches:19

“Se a missão do Direito Penal é proteger os valores essenciais à convivência social harmônica, a intervenção
mínima deve nortear a sua aplicação, consagrando como típicos apenas os fatos materialmente relevantes. A
teoria do delito deve ser reconstruída com lastro em critérios políticos criminais. Deste modo, o funcionalismo
teleológico ou moderado propõe que se entenda a conduta como comportamento humano voluntário, causador
de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal.”

4.1.8.2. FUNCIONALISMO SISTÊMICO OU MONISTA OU RADICAL


▸Desenvolvido por Gunther JAKOBS (ESCOLA DE BONN). Para essa corrente, o direito penal tem como
missão fundamental a proteção do sistema jurídico, proteção da vigência da norma. Assim, o conceito de
conduta tomará como base a proteção do sistema (incorpora-se a ideia desenvolvida por Niklas Luhmann).
▸Diferente do funcionalismo teleológico, aqui, a missão do direito penal é assegurar a vigência do sistema
normativo. A pena surge como fator que ratifica a importância do respeito à norma violada, enfatizando a
necessidade de sua obediência.
▸Em termos mais simples, o direito penal serviria para demonstrar que a norma não poderia ter sido
violada, e que aqueles que assim fizerem serão punidos.
▸O crime é dividido em três elementos (tripartite), quais sejam: fato típico, ilícito e culpável

19
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
15
(imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).
▸Conduta: Comportamento humano voluntário causador de um resultado violador do sistema,
frustrando as expectativas normativas.

📌 OBSERVAÇÕES
■ Para Jakobs, o Direito Penal deve visar primordialmente à reafirmação da norma violada e ao
fortalecimento das expectativas de seus destinatários.
■ Ação é produção de resultado evitável pelo indivíduo (teoria da evitabilidade individual).
■ As premissas do funcionalismo de Jakobs deram ensejo ao chamado Direito Penal do Inimigo, teoria
que defende que determinados delinquentes, autores de crimes mais graves, não deve ser considerado como
cidadão, mas como um verdadeiro cancro a ser extirpado (inimigo).
■ O Direito Penal do Inimigo apresenta as seguintes características:20

▸ Antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios, ou seja, não espera o início da
execução para punir determinados crimes;
▸ Condutas descritas em tipos de mera conduta e de perigo abstrato flexibilizando o princípio da
lesividade;
▸ Descrição vaga dos crimes e das penas, flexibilizando o princípio da legalidade;
▸ Preponderância do direito penal do autor, flexibilizando o princípio da materialização do fato;
▸ Surgimento das chamas “leis de luta e de combate” (leis de ocasião), caracterizando o Direito Penal
de Emergência;
▸ Endurecimento da execução penal;
▸ Restrição de garantias penais e processuais em prol de uma punição mais célere e severa, característica
do Direito Penal de 3ª Velocidade.

Em resumo, as teorias acerca das condutas a consideram da seguinte maneira:

Conduta: Movimento corporal voluntário que produz uma modificação no


TEORIA CAUSALISTA
mundo exterior, perceptível pelos sentidos.

Conduta: Comportamento humano voluntário causador de um


TEORIA NEOKANTISTA
resultado.

Conduta: Comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a


TEORIA FINALISTA
um fim (toda conduta é orientada por um querer).

Conduta: Comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um


TEORIA SOCIAL DA AÇÃO
fim, socialmente relevante e reprovável.

Conduta: Comportamento humano voluntário causador de relevante e


FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO
intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

20
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
16
Conduta: Comportamento humano voluntário causador de um resultado
FUNCIONALISMO SISTÊMICO
violador do sistema, frustrando as expectativas normativas.

⚠️ IMPORTANTE
Como já salientado, prevalece que a Teoria Finalista foi a adotada pelo direito brasileiro. Logo, conduta
é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim.

4.2. CARACTERÍSTICAS DA CONDUTA


a. Comportamento voluntário (dirigido a um fim).
✔ Conduta dolosa: O seu fim é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico;
✔ Conduta culposa: O fim é a prática um ato capaz de causar lesão ou perigo de lesão.

b. Exteriorização da vontade: aparece por uma ação ou omissão.

Conforme esclarece Cleber Masson21, temos que:


✔ o ser humano, e apenas ele, pode praticar condutas penalmente relevantes: ou seja, um animal não
pode praticar crimes, embora possa ser considerado como meio utilizado pelo autor (humano) para o
cometimento do delito.
✔ somente a conduta voluntária interessa ao Direito Penal: deve-se analisar, obrigatoriamente, se a
conduta é dolosa ou culposa. Sem dolo ou culpa não há conduta.
✔ apenas os atos lançados ao mundo exterior ingressam no conceito de conduta: não se pune,
portanto, os pensamento que ficam somente na esfera psíquica do agente, devendo externá-los, por ação ou
omissão, para que sejam considerados condutas. Assim, o direito penal não pune o pensamento, por mais
imoral, pecaminoso ou criminoso que seja.
✔ a conduta é composta de dois elementos: um ato de vontade, dirigido a um fim (elemento interno) e
a manifestação da vontade no mundo exterior (elemento externo), por meio de uma ação ou omissão dominada
ou dominável pela vontade.

​4.3. ELEMENTOS DA CONDUTA


A conduta é composta dos seguintes elementos ou aspectos:
■ Aspecto interno (consciência + vontade com finalidade): proposição de um fim ou objetivo
pretendido pelo agente. Seleção dos meios para obtenção do objetivo. Representação dos resultados
concomitantes.
■ Aspecto externo (manifestação da vontade): consiste na exteriorização da conduta, com o
desencadeamento da causalidade em direção à produção do resultado pretendido.

21
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
17
4.4. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CONDUTA

4.4.1 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR


Ambos são eventos imprevisíveis e inevitáveis, que fogem da esfera de domínio da vontade do ser
humano. Ou seja, nessas situações não há vontade.
Na doutrina prevalece o entendimento de que caso fortuito é o evento imprevisível e inevitável
provocado pelo homem. Por sua vez, força maior também é evento imprevisível e inevitável, mas sua origem é
decorrente de fato da natureza (ex. queimada provocada pela queda de um raio).

4.4.2. ATOS OU MOVIMENTOS REFLEXOS


Consistem em reação motora ou secretora em consequência de uma excitação dos sentidos. O
movimento corpóreo não se deve ao elemento volitivo, mas sim fisiológico.22Em suma, não há vontade do
agente na produção daquele movimento ou ato.

📌 OBSERVAÇÃO
A doutrina nos lembra que movimentos reflexos não são a mesma coisa que ações em curto
circuito. Rogério Sanches nos apresenta a seguinte diferenciação:23

MOVIMENTOS REFLEXOS AÇÕES EM CURTO CIRCUITO

Impulso completamente fisiológico, desprovido de Movimento relâmpago, provocado pela excitação de


vontade. diversos órgãos, acompanhado de vontade.

Ex: por conta de um susto causado pelo bater Ex: durante uma partida de futebol, tomada pela
inesperado de uma porta, FULANO, por mero excitação do jogo e da torcida, uma multidão invade
impulso, movimentou os braços atingindo o rosto de o campo para protestar com violência contra a
pessoa que estava ao seu lado injusta marcação de pênalti.

4.4.3. COAÇÃO FÍSICA IRRESISTÍVEL


Também é denominada de vis absoluta. Nessa situação, o coagido não possui liberdade para agir, não
restando opção anão ser agir conforme a vontade do coator. Assim, o coagido é impossibilitado de determinar
seus movimentos de acordo com sua vontade.
Nessas situações, o coagido funciona como mero instrumento do crime, pois não há voluntariedade em
sua conduta. Do mesmo modo, não há concurso de agentes, pois falta ao coagido o elemento subjetivo
(convergência de vontades).24

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Analista Ambiental - IBAMA (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi

22
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
23
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
24
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
18
considerada certa a assertiva que dizia:
Considerando que um cidadão penalmente imputável tenha praticado um crime sob coação irresistível de
terceiro, julgue o item subsequente, à luz do entendimento doutrinário quanto ao fato típico e seus elementos, à
culpabilidade e suas respectivas causas excludentes.
Caso se trate de coação física absoluta, estará excluída a responsabilidade do cidadão coagido, assim como o
correspondente fato típico.

⚠️ ATENÇÃO
A coação MORAL irresistível, chamada de vis cumpulsiva, exclui a culpabilidade em decorrência da
inexigibilidade de conduta diversa, mas temos conduta. Nesse sentido, aquele que foi coagido moralmente
pratica um fato típico, ilícito, mas não culpável.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Analista Ambiental - IBAMA (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi
considerada errada a assertiva que dizia:
Considerando que um cidadão penalmente imputável tenha praticado um crime sob coação irresistível de
terceiro, julgue o item subsequente, à luz do entendimento doutrinário quanto ao fato típico e seus elementos, à
culpabilidade e suas respectivas causas excludentes.
Caso se trate de coação moral resistível, o cidadão coagido responderá pelo crime praticado, em sua forma
culposa.

4.4.4. SONAMBULISMO E HIPNOSE


Em razão do estado completo de inconsciência, não há vontade e, por consequência, conduta.

⚠️ ATENÇÃO
A embriaguez completa, voluntária ou ainda que culposa, não afasta a conduta e nem a culpabilidade,
pois o agente age livremente na causa de sua embriaguez. Aplica-se a Teoria da Actio Libera in Causa.

4.5. FORMAS DE CONDUTA


A conduta pode ser exteriorizada de duas maneiras: ação ou omissão.
A ação é a conduta positiva, um fazer, na qual o agente realiza um movimento corporal exterior.
Já a omissão consiste na conduta negativa, em não fazer aquilo que podia e devia ser feito. Não
podemos confundir, portanto, omissão com um mero comportamento estático, pois é possível que o agente
tenha algum movimento corporal e mesmo assim tenha sido omisso, desde que, apesar do movimento corporal,
não tenha realizado, quando podia e devia, aquilo que a norma obrigava.
O direito penal também protege bens jurídicos proibindo a inação de condutas valiosas. Assim, a
conduta omissiva é a não realização de conduta valiosa a que o agente estava juridicamente obrigado e que lhe
era possível realizar. Portanto, a omissão viola um tipo MANDAMENTAL.

19
Segundo Rogério Sanches, a norma mandamental que determina a ação valiosa pode decorrer:
■ Do próprio tipo penal: o tipo incriminador descreve a omissão. Temos o crime omissivo próprio ou
puro, a exemplo da omissão de socorro.
■ De cláusula geral: O dever de agir está descrito numa norma geral. Temos aqui o crime omissivo
impróprio ou impuro. Previsto no art. 13, §2º do CP.

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever
de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei (dever jurídico, não abrange dever moral ou religioso) obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado (dever de garante pode surgir tanto de
relações contratuais, quanto de relações da vida cotidiana);

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (para Sanches25, “nos crimes
dolosos omissivos impróprios, deve o agente não observar o dever de agir -com a consciência de que age assim-
e com o objetivo de alcançar ou assumindo o risco de produzir o resultado criminoso que poderia ter sido
impedido com a sua intervenção. Se, no entanto, o agente tem a consciência de que não observa o dever de
agir, mas o resultado não era querido ou aceito -apenas previsível-, deverá responder pelo crime culposo, se
previsto em lei.”)

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Promotor de Justiça e Promotor de Justiça Substituto - MPE-PE (Ano:
2022, FCC) foram consideradas corretas as seguintes assertivas:
O Código Penal estabelece que a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para
evitar o resultado. Sobre a relevância da omissão, o dever de agir incumbe a quem:
I. tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.
II. tenha assumido a responsabilidade de impedir o resultado.
III. criou, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do resultado.

Para prova para o cargo de Delegado de Polícia Civil - PC-PB (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi considerado o
gabarito da questão a seguinte assertiva: Considerando-se a teoria do tipo penal, é correto afirmar que dever de
agir, no crime omissivo, também incumbe a quem não tem obrigação legal, mas, por outro motivo, assumiu a
responsabilidade de evitar o resultado.

Para Rogério Sanches, se o agente desconhece que tem o dever de agir, incorrerá no chamado “erro
mandamental”. Mas, há divergência na doutrina:
■ Para Luiz Flávio Gomes, trata-se de um erro de tipo;
■ Para a doutrina majoritária, deve ser tratado como erro de proibição.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
25

20
4.5.1. ESPÉCIES DE CRIMES OMISSIVOS

Não há previsão legal do dever jurídico de agir, de forma que o crime


pode ser praticado por qualquer pessoa que se encontre na posição
CRIME OMISSIVO PRÓPRIO OU
indicada pelo tipo penal. Nesses casos, o omitente não responde pelo
PURO
resultado naturalístico eventualmente produzido, mas somente pela sua
omissão26. O exemplo clássico é o crime omissão de socorro.

O tipo penal aloja em sua descrição uma ação, uma conduta positiva,
mas a omissão do agente, que descumpre seu dever jurídico de agir,
CRIME OMISSIVO IMPRÓPRIO OU acarreta a produção do resultado naturalístico e a sua consequente
COMISSIVO POR OMISSÃO OU responsabilização penal (MASSON, 2020, p. 179).
ESPÚRIO São espécies de crimes próprios, pois só podem ser praticados por
aqueles que possuem o dever de agir. São crimes que admitem a
tentativa.

Segundo Cleber Masson, nestes crimes há uma ação provocadora da


omissão. Masson coloca o seguinte exemplo: funcionário superior que
CRIME OMISSIVO POR COMISSÃO
impede que uma funcionária subalterna, com problemas de saúde, seja
socorrida, e ela vem a falecer.

CRIME OMISSIVO QUASE A omissão não produz uma lesão ao bem jurídico, mas apenas um
IMPRÓPRIO perigo. O direito brasileiro ignora essa classificação.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Defensor Público/DPE-RS (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi
considerada certa a assertiva que dizia: Nos crimes omissivos próprios, a conduta omissiva se esgota em si
mesma, independentemente do resultado decorrente do não fazer do agente.

4.5.2. TEORIAS DA OMISSÃO27


Para Teoria Naturalística a omissão é um fenômeno que pode ser constatado no mundo físico,
através da produção de um resultado que lhe pode ser relacionado (nexo causal), por tal razão deve ser
considerada uma verdadeira espécie de ação, pois quem se omite, em última análise, faz alguma coisa e esse
comportamento gera um resultado.
Uma segunda Teoria, chamada de Normativa, entende que a omissão é um indiferente penal, pois não
há como relacionar, diretamente, um resultado a ela. Assim, aquele que se omite não responderia pelo resultado,
pois o seu nada (não fazer) não geraria efeitos jurídicos, logo, não provocou o resultado.
Entretanto, a Teoria Normativa aceita que haja responsabilização do omitente pela produção do
resultado, desde que a ele seja atribuído, por uma norma, o dever jurídico de agir. Nesse sentido, têm-se duas
situações dentro da mesma teoria.

26
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
27
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
21
■ Se não houver previsão normativa do dever jurídico de agir: a omissão é um indiferente penal;
■ Se há previsão normativa do dever jurídico de agir: a omissão gera efeitos jurídicos e sujeito o
omitente à responsabilidade pela produção do resultado.
Seguindo a linha de raciocínio da T. Normativa, nos crimes omissivos próprios/puros a norma impõe o
dever de agir no próprio tipo penal (Ex. omissão de socorro - Art. 135). Já nos crimes omissivos impróprios /
comissivos por omissão o dever jurídico de agir deriva do disposto no art .13, §2º, do Código Penal.
A Teoria Normativa foi a adotada pelo Código Penal brasileiro.

4.6. ESPÉCIES DE CONDUTA28

4.6.1. CONDUTA DOLOSA (ART. 18, I, CP)

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime doloso

I - doloso, quando o agente quis o resultado (TEORIA DA VONTADE) ou assumiu o risco de produzi-lo (TEORIA
DO CONSENTIMENTO);

Dolo é a vontade consciente dirigida a realizar (ou aceitar realizar) a conduta descrita no tipo penal. No
sistema finalista, o dolo funciona como elemento psicológico do tipo penal, implícito e inerente a todo crime
doloso.29

⚠️ ATENÇÃO
A noção de dolo não se esgota na realização da conduta, abrangendo o resultado e demais circunstâncias
do crime.

O dolo possui dois elementos constitutivos, são eles:


■ Elemento volitivo: vontade de praticar a conduta proibida pela norma;
■ Elemento intelectivo: consciência da conduta e do resultado.

⚠️ ATENÇÃO
A liberdade da vontade não é elemento do dolo, mas circunstância a ser analisada na culpabilidade.

4.6.1.1. TEORIAS DO DOLO30

Dolo é a vontade consciente de querer praticar a infração penal.


TEORIA DA VONTADE Dolo = previsão (consciência) + querer
Adotada pelo CP em relação ao dolo DIRETO.

TEORIA DO CONSENTIMENTO Fala-se em dolo sempre que o agente tiver a previsão do resultado como

28
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
29
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
30
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
22
ou ASSENTIMENTO possível e, ainda assim, decide prosseguir com a conduta, assumindo o
risco de produzir o evento.
Dolo = previsão (consciência) + prosseguir com a conduta assumindo o risco
do evento.
Adotada pelo CP em relação ao dolo EVENTUAL.

Fala-se em dolo sempre que o agente tiver a previsão do resultado como


possível e, ainda assim, decidir prosseguir com a conduta.
TEORIA DA REPRESENTAÇÃO Aqui, não se exige que o agente tenha querido ou assumido o risco da
produção do resultado.
Dolo = previsão (consciência) + prosseguir com a conduta.

Considera-se o crime doloso Dolo Teoria

Quando o agente quis o resultado Direto Teoria da Vontade

Quando o agente assumiu o risco de produzi-lo Eventual Teoria do Consentimento

4.6.1.2. ESPÉCIES DE DOLO31


4.6.1.2.1. DOLO NORMATIVO OU HÍBRIDO OU COLORIDO OU CINZENTO OU
CROMÁTICO
Adotado pela TEORIA NEOKANTISTA - o dolo integra a culpabilidade, trazendo a par dos elementos
consciência e vontade, a consciência atual da ilicitude, elemento normativo que o diferencia do dolo natural.
Conforme os ensinamentos do professor Cleber Masson32 o dolo normativo está umbilicalmente ligado
ao sistema clássico. No sistema clássico imperava a teoria causalista ou mecanicista da conduta, o dolo (e a culpa)
estava alojado no interior da culpabilidade, a qual era composta por três elementos: imputabilidade, dolo (ou
culpa) e exigibilidade de conduta diversa. O dolo ainda abrigava em seu bojo a consciência da ilicitude do fato.

4.6.1.2.2. DOLO NATURAL OU NEUTRO OU ACROMÁTICO


Componente da conduta, adotado pela TEORIA FINALISTA. Pressupõe apenas a consciência e vontade,
sendo despido de elemento normativo.
Segundo Sanches5, a consciência atual da ilicitude é questão afeta à culpabilidade.
Ao contrário do dolo normativo que está ligado ao sistema penal clássico, o dolo natural está vinculado
ao sistema finalista. O sistema finalista é aquele “no qual vigora a teoria finalista da conduta, o dolo foi
transferido da culpabilidade para a conduta. Passou, portanto, a integrar o fato típico.33”

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
31

32
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
33
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
23
4.6.1.2.3. DOLO DIRETO OU DETERMINADO OU IMEDIATO OU INCONDICIONADO
Configura-se quando o agente prevê um resultado, dirigindo sua conduta na busca de realizá-lo.
Exemplo doutrinário34: o caso do assassino profissional que, desejando a morte da vítima, dispara
contra ela um único tiro, certeiro e fatal.

4.6.1.2.4. DOLO INDETERMINADO OU INDIRETO


O agente não busca resultado certo e determinado. Subdivide-se em dolo alternativo e em dolo
eventual.

ESPÉCIES:
■ DOLO ALTERNATIVO: O agente prevê pluralidade de resultados, dirigindo a sua conduta para
realizar qualquer deles. Tem a mesma intensidade de vontade de realizar os resultados previstos.
Subdivide-se em:
▸ DOLO ALTERNATIVO OBJETIVO: Quando a vontade indeterminada estiver relacionada com o
resultado em face da mesma vítima.
▸ DOLO ALTERNATIVO SUBJETIVO: A vontade indeterminada envolve vítimas diferentes de um
mesmo resultado.

■ DOLO EVENTUAL: O agente prevê pluralidade de resultados, dirigindo a sua conduta para realizar
um deles, ASSUMINDO O RISCO de realizar o outro. A intensidade da vontade em relação aos resultados
previstos é diferente.
Exemplo de dolo eventual admitido pela jurisprudência é daquele que dirige alcoolizado e na
contramão em via pública, vejamos:

“Verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de
fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e
o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente,
causar lesões ou mesmo a morte de outrem.” (STF. 1ª Turma. HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o
ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/5/2018) (Info 904).

Situação diversa é daquela na qual o agente dirige alcoolizado mas com cautela, sem circunstâncias
especiais (como na contramão) que evidenciem a assunção da produção do resultado. Veja:35

“A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a
afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte.

A embriaguez do agente condutor do automóvel, sem o acréscimo de outras peculiaridades, não pode servir
como presunção de que houve dolo eventual.” (STJ. 6ª Turma. REsp 1689173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz,
julgado em 21/11/2017 (Info 623).

34
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
35
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventuala.
Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/9873eaad153c6c960616c89e54fe155a>. Acesso em: 06/06/2022.
24
🚩 NÃO CONFUNDA: DOLO ALTERNATIVO ≠ DOLO EVENTUAL
DOLO ALTERNATIVO DOLO EVENTUAL

Pretende realizar qualquer dos resultados. Pretende realizar apenas um dos resultados possíveis,
assumindo o risco de realizar o outro.

4.6.1.2.5. DOLO CUMULATIVO


O agente pretende alcançar 2 resultados em sequência. Trata-se, na verdade, de hipótese de
progressão criminosa, ou seja, quando o agente deseja inicialmente produzir um resultado e, após atingi-lo,
decide prosseguir e reiniciar sua agressão, produzindo lesão mais grave sob o mesmo bem jurídico.
Exemplo: o agente que inicialmente tem o dolo de produzir lesão corporal na vítima, e posteriormente
resolve matá-la.

4.6.1.2.6. DOLO DE DANO


A vontade é causar efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal. O clássico exemplo é o
homicídio, cujo dolo é o de ceifar a vida (bem jurídico tutelado).

4.6.1.2.7. DOLO DE PERIGO


A vontade aqui se manifesta para expor a risco o bem jurídico.
Exemplo doutrinário36: No crime tipificado pelo art. 130 do Código Penal, o dolo do agente se
circunscreve à exposição de alguém, por meio de relações sexuais ou de ato libidinoso, a contágio de moléstia
venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado.

4.6.1.2.8. DOLO GENÉRICO


Conforme Rogério Sanches, o agente atua com vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal
sem um fim específico.
Conceito adotado pela teoria causalista, para a qual o tipo penal “não indicava finalidade nenhuma por
parte do agente”37.

4.6.1.2.9. DOLO GERAL OU ERRO SUCESSIVO OU DOLUS GENERALIS


O agente, supondo já ter alcançado um resultado por ele visado, pratica nova ação que efetivamente o
provoca.
Exemplo doutrinário38: “‘A’ encontra seu desafeto ‘B’ em uma ponte. Após conversa enganosa, oferece-lhe
uma bebida, misturada com veneno. ‘B’, inocente, ingere o líquido. Em seguida, cai ao solo, e o autor acredita
estar ele morto. Com o propósito de ocultar o cadáver, ‘A’ coloca o corpo de ‘B’ em um saco plástico e o lança ao
mar. Dias depois, o cadáver é encontrado em uma praia, e submetido a exame necroscópico, conclui-se ter a
morte ocorrido por força de asfixia provocada por afogamento. Nesse caso, o autor deve responder por

36
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
37

38
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
25
homicídio consumado. Queria a morte de ‘B’ e a ela deu causa.”

4.6.1.2.10. DOLO DE 1° GRAU


Trata-se, na verdade, do dolo direto. “O dolo de primeiro grau consiste na vontade do agente,
direcionada a determinado resultado, efetivamente perseguido, englobando os meios necessários para tanto. Há
a intenção de atingir um único bem jurídico. Exemplo: o matador de aluguel que persegue e mata, com golpes de
faca a vítima indicada pelo mandante.39”

🚨JÁ CAIU
Para prova para o cargo de Promotor de Justiça Substituto - MPE/PR (Ano: 2022, MPE/PR) foram consideradas
corretas as seguintes assertivas:
a. Segundo a teoria da equivalência das condições, compatível com o Código Penal brasileiro e utilizada
como método para determinar relações causais, causa é a condição sem a qual o resultado não poderia
ter ocorrido
b. O tipo subjetivo dos crimes dolosos pode ser composto somente pelo dolo, direto ou eventual, mas
também pode apresentar, ao lado do dolo, elementos subjetivos especiais, como ocorre por exemplo,
nesta última hipótese, com os crimes de importunação sexual (CP, art. 215-A), assédio sexual (CP, art.
216-A) e fraude processual (CP, art. 347).
c. O erro de tipo, evitável ou inevitável, pode recair sobre elementos descritivos ou normativos do tipo
objetivo, mas não pode recair sobre elementos subjetivos especiais, diversos do dolo, integrantes do tipo
subjetivo
d. Com consciência e vontade dirigidas especificamente a produzir lesões corporais em B, A arremessa
pedras contra este, mas por erro na execução acaba também atingindo C, situado próximo a B,
produzindo lesões corporais em ambos: A responde por lesão corporal dolosa em B, em concurso formal
com lesão corporal culposa em C.

A conduta praticada contra C, conforme a questão exposta, trata-se de dolo de segundo grau, que
veremos a seguir.

4.6.1.2.11.DOLO DE 2º GRAU OU DE CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS


Trata-se de uma espécie de dolo direto, mas, conforme explica Sanches40 “a vontade do agente se
dirige aos MEIOS utilizados para alcançar determinado resultado. Abrange os efeitos colaterais do crime, de
verificação praticamente certa, para gerar o evento desejado. O agente não persegue imediatamente os efeitos
colaterais, mas tem por certa a sua superveniência, caso se concretize o resultado pretendido”

39
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
40
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
26
🚩 NÃO CONFUNDA: DOLO DE 2º GRAU ≠ DOLO EVENTUAL
DOLO DE 2º GRAU DOLO EVENTUAL

O resultado paralelo é certo e necessário (as O resultado paralelo é incerto, eventual, possível,
consequências secundárias são inerentes aos meios desnecessário (não é inerente ao meio escolhido).
escolhidos). Exemplo: Quero matar um motorista com um tiro. A
Exemplo: quero matar um piloto de avião. Para tanto, morte dos demais passageiros do carro é um resultado
colo uma bomba na aeronave. Sei que a explosão no ar eventual, que aceito como possível (a morte dos
causará a morte dos demais tripulantes (a morte dos demais passageiros é desnecessária ao fim almejado).
tripulantes é consequência certa e imprescindível).

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Analista de Apoio à Assistência Judiciária - Direito - DPE/DF (Ano: 2022,
CESPE/CEBRASPE) foi considerada errada a assertiva que dizia: O dolo de segundo grau consiste na incerteza de
que o resultado alcance terceiros não atingidos pelo dolo direto, havendo, entretanto, a possibilidade de que ele
ocorra com a prática do ato.

4.6.1.2.12. DOLO DE 3° GRAU


É a consequência da consequência necessária. No caso do avião, imaginemos que uma tripulante esteja
grávida. Ocorrerá um aborto (dolo de 3º grau).

📌 OBSERVAÇÃO
Rogério Sanches41 critica dizendo que ou o agente sabia que a passageira estava grávida, sendo, portanto,
dolo de segundo grau, ou ele não sabia e não é responsabilizado para evitar responsabilidade penal objetiva.

4.6.1.2.13. DOLO CONCOMITANTE


Dolo concomitante ou atual é aquele que existe durante todo o desenvolvimento dos atos executórios.

📌 OBSERVAÇÃO
Defende Guilherme Nucci42 que no direito penal só tem relevância o dolo concomitante.

EXCEÇÃO: Actio libera in causa43 - O dolo antecedente ou subsequente ao momento da conduta, em


regra, são irrelevantes, mas em se tratando da actio libera in causa, o agente responde pelo ato ainda que no
momento da conduta não tenha condições de “desejá-la”. Isso porque na actio libera in causa o agente já
representa o resultado ou cria o risco proibido na ação precedente. É o sujeito que se embriaga com a intenção
inequívoca de matar seu desafeto. Ainda que inimputável na ação posterior, responde pelo homicídio porque

41
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
42
NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. 18 ed. São Paulo: Ed. Forense, 2022.
43
https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121924722/o-que-se-entende-por-dolo-antecedens-e-dolo-subsequens
27
agiu com dolo na ação precedente – dolo antecedente.

4.6.1.2.14. DOLO ANTECEDENTE


O dolo antecedente, inicial ou preordenado é aquele anterior à conduta.
Exemplo doutrinário44: “B” vai a uma locadora a qual não é filiado, apresenta documentos falsos e cria
uma ficha para locação. Pega um DVD, leva-o embora e não mais retorna para devolvê-lo.

4.6.1.2.15. DOLO SUBSEQUENTE


O dolo subsequente, também denominado de dolo sucessivo, é aquele que surge posteriormente à
conduta.
Exemplo doutrinário45: “A” vai a uma locadora da qual é filiado e toma emprestado um DVD, de forma
correta. Após assistir ao filme, do qual gosta muito, e aproveitando-se que está se mudando de país, decide ficar
com o bem para si, e não mais o devolve, dolosamente.

📌 OBSERVAÇÃO
A diferença entre o dolo antecedente e o dolo subsequente é relevante para a distinção dos crimes de
apropriação indébita e estelionato, como apresentado nos exemplos acima.

4.6.1.2.16. DOLO DE PROPÓSITO


A vontade é refletida, ou seja, é pensada. Trata-se da premeditação do crime.
Exemplo: O agente planeja a prática de um crime de homicídio, analisando previamente o local onde
cometerá o crime, adquirindo a arma, e no dia fatídico, executa a vítima previamente determinada.

4.6.1.2.17. DOLO DE ÍMPETO


É aquele caracterizado por ser repentino, sem intervalo entre a fase da cogitação e da execução.
Nas palavras do professor Cleber Masson: “dolo de ímpeto, ou repentino, é o que se caracteriza quando o autor
pratica o crime motivado por paixão violenta ou excessiva perturbação de ânimo. Não há intervalo entre a
cogitação do crime e a execução da conduta penalmente ilícita Ocorre, geralmente, nos crimes passionais.”

📌 OBSERVAÇÃO
Está presente nas ações de curto circuito, a exemplo dos crimes de multidão. Nesse caso, trata-se de uma
atenuante de pena.

4.6.1.2.18. DOLO ABANDONADO


Verifica-se o dolo abandonado nas situações de desistência voluntária e arrependimento eficaz, em
que o agente, afastando-se de seu propósito inicial, desiste de prosseguir na execução de determinado delito ou

44
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
45
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Ed. MÉTODO. 2020.
28
atua para impedir que o resultado se concretize.46
Neste caso, desaparece a tentativa e o agente só responde pelos atos até então praticados.

4.6.1.2.19. DOLO GLOBAL OU UNITÁRIO


É o dolo existente na continuidade delitiva, na qual, segundo a melhor doutrina e posicionamento
majoritário dos Tribunais Superiores, o agente deve atuar baseado num plano previamente elaborado que
envolva toda a cadeia de crimes. Caso esse elemento subjetivo não esteja presente, descaracteriza-se a
continuidade, que cede lugar à habitualidade delitiva.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Defensor Público Substituto - DPE-MS (Ano: 2022, FGV) foi considerado
o gabarito da questão a assertiva prevista na letra “D”:
Cleiton exercia, há três meses, a função de vigilante junto à Caixa Econômica Federal, agência localizada na Rua
Barão do Rio Branco, nº 1.119, Centro, Campo Grande/MS, sendo responsável também por realizar o fechamento
da agência, não tendo qualquer tipo de acesso ao cofre. Em determinado dia, ao retornar para sua residência,
por volta das 19h, foi abordado por Jack, na Gaudêncio Ajala, Tiradentes, Campo Grande/MS, que, mediante grave
ameaça exercida com emprego de arma de fogo, rendeu o vigilante e ordenou que ficasse próximo de uma
árvore e entregasse seu celular. Na sequência, um Fiat Uno, cor prata, parou ao lado da vítima, tendo Jack
ordenado que Cleiton entrasse no veículo. Ao ingressar no veículo, constatou a presença de outros três agentes,
permanecendo, a partir de então, com a cabeça para baixo e trafegando por cerca de vinte minutos, parando em
local aparentando ser uma favela, com chão de terra e matagal, passando por uma viela. Durante esse período
no veículo, os indivíduos continuaram a ameaçar o declarante, dizendo para o declarante cooperar, que o
dinheiro não era dele, era da agência, e que no máximo ele seria transferido. A vítima foi conduzida até um
barraco, local em que os agentes passaram a dizer que a vítima seria o gerente do banco e que sequestrariam
sua genitora. Durante o período que permaneceu no cativeiro, diversas pessoas entravam no cômodo e diziam
para cooperar, caso contrário, sua família seria morta. Esclarece que conseguiu distinguir cerca de seis a oito
pessoas, inclusive uma voz feminina, que, de início, acreditou ser sua genitora, pois os indivíduos afirmavam que
já estavam em poder da família da vítima. Como a vítima acreditou que sua família já estava refém dos
criminosos, informou aos indivíduos onde estava sua carteira de trabalho, visando comprovar que não era
gerente do estabelecimento bancário, mas sim vigilante. Por volta das 23h50, dois indivíduos entraram no
cômodo e afirmaram que tinham confirmado a veracidade da profissão da vítima e que ela seria libertada,
porém, exigiram ainda sua cooperação para não avisar a polícia, principalmente a Polícia Civil, pois seus
integrantes estariam em conluio com os criminosos. O vigilante, então, foi levado, por esses dois indivíduos, pelo
mesmo caminho que chegaram ao local e, ao chegarem numa via pública sem saída, exigiram que a vítima
esperasse cerca de vinte minutos e fosse embora, pois teria pessoal deles defronte, na cobertura.
Ainda sobre a hipótese delineada, no texto, é correto afirmar que:
a. é possível invocar a tese do crime impossível, já que o meio utilizado era absolutamente ineficaz;
b. é possível invocar a tese do crime impossível, já que o objeto era absolutamente inapropriado;
c. o crime narrado é material, consumando-se com a obtenção da vantagem indevida;
d. não há continuidade delitiva entre os delitos de roubo e extorsão, pois não pertencem à mesma espécie

46
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
29
delitiva.

4.6.2. CONDUTA CULPOSA (ART. 18, II, CP)

Art. 18 - Diz-se o crime: (...)

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei (crime culposo só se previsto em lei), ninguém pode ser
punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

A conduta culposa consiste em uma conduta voluntária que realiza um evento ilícito não querido ou
aceito pelo agente, mas que lhe era previsível (culpa inconsciente) ou excepcionalmente previsto (culpa
consciente) e que podia ser evitado se empregada a cautela esperada.47
Na teoria finalista, a culpa se apresenta como um elemento normativo da conduta, tendo em vista que
sua aferição se dará a partir de uma valoração do caso concreto.48
Via de regra, os crimes culposos estão previstos em tipos penais abertos, pois a lei não especifica no
que consiste o comportamento culposo, cabendo ao juiz realizar uma interpretação à luz das circunstâncias do
caso concreto.

⚠️ CUIDADO
O crime de receptação culposa (Art. 180, §3º, do CP) é uma exceção e não está previsto em um tipo
penal aberto, pois, nesse caso, o legislador resolveu especificar expressamente as formas de culpa que são
consideradas para configuração daquele delito.

Outro ponto de destaque é que os crimes culposos são a exceção do sistema. Ou seja, em regra, os
crimes são somente dolosos, devendo o legislador informar expressamente todas as vezes em que couber a
modalidade culposa. Em suma, no silêncio da lei, o crime somente admite a modalidade dolosa. Trata-se da
aplicação do PRINCÍPIO DA EXCEPCIONALIDADE DOS CRIMES CULPOSOS.

Por fim, devemos conhecer os ELEMENTOS que compõem o crime culposo. 49


1. CONDUTA HUMANA VOLUNTÁRIA
É a ação ou omissão dirigida ou orientada pelo querer, causando um resultado involuntário.

🚩 NÃO CONFUNDA
DOLO CULPA

Conduta voluntária Conduta voluntária


+ +

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
47

MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
48

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
49

30
Resultado VOLUNTÁRIO Resultado INVOLUNTÁRIO.

2. VIOLAÇÃO DE UM DEVER DE CUIDADO OBJETIVO


O agente viola seu dever de diligência. O comportamento do agente não atende o que é esperado pela lei
e pela sociedade. Atente-se ao fato de que o dever cuidado é OBJETIVO, e não subjetivo (isso costuma ser
cobrado em provas).

Como apurar se houve ou não infração ao dever de diligência? Sanches50 explica que “Para apurar se
houve (ou não) infração do dever de diligência, deve o operador, considerando as circunstâncias do caso
concreto, pesquisar se uma pessoa de inteligência média, prudente e responsável, teria condições de conhecer e,
portanto, evitar o perigo decorrente da conduta (previsibilidade objetiva)”.
Como visto, o cumprimento ou não do dever de diligência deve ser aferido a partir de um critério do
homem médio.
Dito isso, a lei nos apresenta as formas de violação ao dever de cuidado e diligência, quais sejam: a
imprudência, a negligência e a imperícia.

⚠️ ATENÇÃO
Imprudência, Negligência e Imperícia são modalidades de culpa, e não espécies51 (que serão estudadas
posteriormente).

É a forma positiva da culpa (in agendo), consistente na atuação do agente sem


observância das cautelas necessárias. É uma ação intempestiva e irrefletida. Tem forma
ativa. Trata-se, da precipitação do agente, da afoiteza.
Ex: agente que dirige carro em alta velocidade em dia de chuva, provocando um
IMPRUDÊNCIA
acidente.
📌 OBSERVAÇÃO
■ Manifesta-se concomitantemente à ação, ou seja, está presente no DECORRER
DA CONDUTA que culmina no resultado involuntário.52

Trata-se da ausência de precaução, ou seja, é uma forma negativa de conduta (omissão).


Negligenciar significa omitir a ação cuidadosa que as circunstâncias exigiam.
Ex: agente que percebe que os pneus do carro estão “carecas” e mesmo assim não os
NEGLIGÊNCIA
troca, o que em momento posterior foi decisivo para a ocorrência de um acidente.
📌 OBSERVAÇÃO
■ Ao contrário da imprudência, revela-se ANTES DE SE INICIAR A CONDUTA.

Também denominada de culpa profissional, nada mais é do que a falta de aptidão


IMPERÍCIA técnica para o exercício de arte ou de profissão. Sempre ocorre no âmbito de uma
função na qual o agente, em que pese esteja autorizado a desempenhá-la, não possui

50
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
51
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
52
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
31
conhecimentos práticos ou teóricos para fazê-la a contento.53
Em outras palavras, o agente deveria saber a técnica necessária para o exercício
daquela arte, ofício ou profissão, mas não sabe.
Ex: Motorista profissional que troca o pedal do freio com o acelerador e provoca um
acidente.
OBSERVAÇÃO
■ A imperícia não é o mesmo que erro profissional. Este resulta da falibilidade
das regras científicas, isto é, o agente conhece e emprega todas as regras e técnicas de
sua atividade, as quais, entretanto, mostram-se imperfeitas e defasadas para a solução
da situação. Nesse caso, não há culpa do agente, pois ele empregou todo o
conhecimento e técnicas corretamente.54

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Policial Rodoviário Federal - Curso de Formação (Ano: 2021,
CESPE/CEBRASPE) foi considerada errada a assertiva que dizia: O crime culposo pode ocorrer por imprudência,
negligência ou imperícia, sendo esta última caracterizada pelo comportamento positivo em um ato sem o
cuidado necessário, ou seja, uma ação descuidada.

⚠️ ATENÇÃO
O professor Rogério Sanches55 alerta para o fato de que o Ministério Público deve, na denúncia, apontar a
forma de violação do dever de diligência, descrevendo no que consiste a culpa.
O mencionado autor chama atenção ainda para o seguinte problema:
Caso o MP denuncie um sujeito por crime culposo, indicando ter havido imprudência. Durante a
instrução, comprova-se a culpa, porém decorrente de negligência. O juiz pode condenar o sujeito ou deve enviar
os autos para o MP aditar a inicial acusatória?
Sanches entende que para não violar o princípio da ampla defesa, o MP deve aditar a inicial, nos termos
do art. 384 do CPP.

Art. 384. [MUTATIO LIBELLI] Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica
do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não
contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 dias, se em
virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento,
quando feito oralmente

3. RESULTADO NATURALÍSTICO INVOLUNTÁRIO


Em regra, o crime culposo é material, exige modificação no mundo exterior. Porém, essa modificação
não é querida ou aceita pelo agente (involuntário).

53
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
54
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
55
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
32
📌 OBSERVAÇÃO
Temos crime culposo sem resultado naturalístico como é o exemplo do art. 38 da Lei de Drogas:

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses
excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

4. NEXO CAUSAL ENTRE CONDUTA E RESULTADO

5. PREVISIBILIDADE OBJETIVA
O agente tem a possibilidade de prever o perigo advindo da conduta. Não se confunde com previsão (o
perigo é conhecido).
No crime culposo, em regra, não há previsão/representação/consciência do resultado, mas sim
previsibilidade. Apesar da ausência de previsão do resultado (na culpa inconsciente), é exigível que o resultado
seja previsível.
Caso haja previsão do resultado, duas possibilidades podem surgir: culpa consciente ou dolo eventual. A
diferenciação entre os institutos repousa na análise subjetiva que o agente faz acerca do resultado possível. Na
culpa consciente, apesar do agente prever o resultado, ele acredita que pode evitá-lo ou que ele não ocorrerá. Já
no dolo eventual, o agente prever o resultado e assume o risco de produzi-lo.

🚩 NÃO CONFUNDA 56

CONSCIÊNCIA VONTADE

DOLO DIRETO Prevê o resultado Quer o resultado

DOLO EVENTUAL Prevê o resultado Não quer, mas assume o risco

Prevê o resultado Não quer, não assume risco e pensa


CULPA CONSCIENTE
poder evitar

Não prevê o resultado (que era Não quer e não aceita o resultado
CULPA INCONSCIENTE
previsível)

⚠️ ATENÇÃO
A previsibilidade objetiva é diferente de previsibilidade subjetiva. Esta (subjetiva) se refere à
possibilidade de conhecimento do perigo analisado sob o prisma subjetivo do autor, levando em consideração
seus dotes intelectuais, sociais e culturais. Não é elemento da culpa. Será analisada na culpabilidade, no juízo
da exigibilidade de conduta diversa. Interessante ensino é extraído do que afirma o professor Cleber Masson57:

56

https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2626425/qual-e-a-distincao-entre-dolo-direto-dolo-eventual-culpa-consciente-e-culpa-inconsciente-denise-cristina-man
tovani-cera
57
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
33
“Embora existam valiosos entendimentos nesse sentido, deve ser refutada a proposta de apreciar a
previsibilidade de forma subjetiva, isto é, sob o prisma subjetivo do autor do fato, a qual leva em consideração
os dotes intelectuais, sociais, econômicos e culturais do agente.

O Direito Penal não pode ficar submisso aos interesses de pessoas incautas e despreparadas para o convívio
social. Ademais, a previsibilidade subjetiva fomentaria a impunidade, pois, por se cuidar de questão que habita o
aspecto interno do homem, jamais poderia ser fielmente provada a compreensão do agente acerca do resultado
que a sua conduta era capaz de produzir.”

✎ DICA
Visando facilitar a compreensão, lembre-se de que quando estivermos estudando assuntos relacionados
aos dois primeiros substratos do crime, isto é, fato típico e ilícito, a análise se refere ao FATO. Logo, serão
levados em consideração a figura do homem médio para análise do caso concreto. Por sua vez, a Culpabilidade
(terceiro substrato do crime) se refere ao agente, por essa razão sua análise é realizada sob o prisma do perfil
subjetivo do agente. Em resumo, a tipicidade e a ilicitude pertencem ao fato, e a culpabilidade, ao agente.

6. TIPICIDADE
Se o tipo penal quer punir a forma culposa, deve ser expresso, pois no silêncio o tipo penal só é punido
a título de dolo. É o princípio da excepcionalidade do crime culposo. Art., Parágrafo único

4.6.2.1. ESPÉCIES DE CULPA58

O agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo
CULPA CONSCIENTE OU COM poder evitá-lo com suas habilidades ou com a sorte.
PREVISÃO OU EX LASCÍVIA O agente, mais do que previsibilidade tem aqui verdadeira previsão,
porém, o resultado continua involuntário.

O agente não prevê o resultado que, no entanto, era previsível.


CULPA INCONSCIENTE OU SEM
Qualquer pessoa de diligência mediana (homem médio) tinha
PREVISÃO OU EX IGNORANTIA
condições de prever o risco.

O agente não quer e não assume o risco de produzir o resultado,


CULPA PRÓPRIA OU mas acaba lhe dando causa por imprudência, negligência ou
PROPRIAMENTE DITA imperícia.
Conduta VOLUNTÁRIA + resultado INVOLUNTÁRIO.

É aquela em que o agente, por ERRO EVITÁVEL, imagina certa


situação de fato que, se presente, excluiria a ilicitude (descriminante
CULPA IMPRÓPRIA OU
putativa). Provoca intencionalmente determinado resultado típico,
IMPROPRIAMENTE DITA OU POR
mas responde por culpa, por razões de política criminal. Perceba,
EQUIPARAÇÃO OU EXTENSÃO OU
portanto, que a estrutura do crime é dolosa, mas o agente
ASSIMILAÇÃO
responde por culpa, por razões de política criminal.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
58

34
⚠️ ATENÇÃO
A culpa imprópria admite a tentativa, pois a estrutura é dolosa.
Trata-se da única modalidade culposa que admite tentativa.

Trata-se da simples inobservância de uma disposição regulamentar.


Já foi admitida na legislação anterior ao CP de 1940. Nos dias atuais,
CULPA PRESUMIDA OU IN RE IPSA
não mais se admite a culpa presumida no Direito Penal, devendo ser
comprovada.

É espécie da culpa excessivamente intensa, ou seja, corresponde à


graduação do delito culposo e se dá quando o desvio de dever
CULPA TEMERÁRIA
objetivo de cuidado é verdadeiramente imenso, assumindo grandes
proporções significativas.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Analista Judiciário - Área Judiciária - TJDFT (Ano: 2022, FGV) foi
considerada correta a seguinte assertiva:
Majoritariamente a doutrina salienta que são duas as espécies de culpa: inconsciente e consciente.
Sobre o tema, é correto afirmar que na culpa: consciente, o agente sabe do risco de seu comportamento, mas
acredita que não acontecerá o resultado.

Para prova para o cargo de Promotor de Justiça Substituto - MPE/SC (Ano: 2021, CESPE/CEBRASPE) foi
considerada certa a assertiva que dizia: Culpa imprópria é aquela em que o agente, por erro evitável, cria certa
situação de fato, acreditando estar sob a proteção de uma excludente da ilicitude, e, por isso, provoca
intencionalmente o resultado ilícito; nesse caso, portanto, a ação é dolosa, mas o agente responde por culpa, em
razão de política criminal.

4.6.2.2. EXCLUSÃO DA CULPA


Existem situações que, caso presentes, excluem a culpa do agente e, por consequência, o fato deixa de
ser típico. São elas:
1. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR: inserem-se entre os fatos imprevisíveis e inevitáveis, que não se
submetem à vontade de ninguém. O resultado daí advindo não pode fundamentar a punição por culpa
(as demais considerações acerca de caso fortuito e força maior tecidas nas causas de exclusão da
conduta também se aplicam aqui).

2. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA: O dever objetivo de cuidado se estabelece sobre todos os indivíduos e, por
isso, pode-se confiar que todos procedam de forma a permitir a pacífica convivência em sociedade.
Dessa forma, se alguém age nos limites do dever de cuidado, confiando que os demais procedam da
mesma forma, não responde por eventual resultado lesivo involuntário em que se veja envolvido.59 Ex:

59
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
35
sujeito que dirigindo veículo em via pública, dentro da velocidade permitida e seguindo as normas de
segurança, é surpreendido por pedestre que se atira na frente de seu veículo, causando um acidente que
ceifa a vida do pedestre. Nessa situação, o condutor do veículo não responderá pela morte do pedestre,
aplicando-se o princípio da confiança como causa de exclusão da culpa.

3. RISCO TOLERADO: Nas palavras de Rogério Sanches:60 “O comportamento humano, no geral, atrai certa
carga de risco que, se não tolerada, impossibilitaria a prática de atividades cotidianas básicas e tornaria
proibitivo o desenvolvimento pessoal e o progresso científico e tecnológico. Quanto mais essenciais
forem determinados comportamentos, maior deverá ser a tolerância em relação aos riscos que trazem
às relações humanas, afastando-se, consequentemente, qualquer reprovação que pudesse limitar a sua
adoção”.

4. ERRO PROFISSIONAL: Como já pontuado, não se confunde com a culpa, nessa situação a culpa pelo
resultado naturalístico não é do agente, mas da ciência, que se mostra inapta para enfrentar
determinadas situações. Não se confunde com a imperícia, uma vez que nesta a falha é do próprio
agente, que deixa de observar as regras recomendadas pela profissão, arte ou ofício.61

5. CRIME PRETERDOLOSO OU PRETERINTENCIONAL: O agente quer produzir um resultado (age com


dolo), mas, além deste, causa um resultado mais grave que não havia pretendido (age com culpa). Ex: o
agente quer lesionar fisicamente seu desafeto (dolo), mas, por imprudência na execução, acaba por
causar a morte da vítima (culpa). Nesse caso, responde por lesão corporal seguida de morte (art. 129, §3º,
do CP) (crime preterdoloso).
Trata-se do crime doloso qualificado / agravado pela culpa. O agente pratica delito distinto e que havia
projetado cometer, advindo da conduta dolosa resultado culposo mais grave do que o projetado.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para a prova para o cargo de Defensor Público (Ano: 2021, FCC) foi considerada correta a seguinte
assertiva: A tipicidade preterdolosa enseja um crime qualificado pelo resultado em que o tipo-base é
doloso e o resultado qualificador é culposo.

📌 OBSERVAÇÃO
Cuida-se de figura híbrida, havendo concurso de dolo no antecedente e culpa no consequente.62

Os elementos do crime preterdoloso são:


✓ Conduta dolosa visando determinado resultado;
✓ Provocação de resultado culposo mais grave;
✓ Nexo causal entre conduta e resultado;
✓ Tipicidade: Não se pune crime preterdoloso sem previsão legal.

60
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
61
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
62
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
36
Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao
menos culposamente.

O reincidente em crime preterdoloso deve ser tratado como reincidente em crime doloso ou culposo?63
Dependendo da resposta podemos estar excluindo do condenado reincidente determinados benefícios,
como, por exemplo, o "sursis" (art. 77 do CP), não permitido para reincidentes em crimes dolosos. O professor
Rogério Sanches, citando Flávio Monteiro de Barros e o STJ, afirma que deve ser considerado em crime doloso.

4.6.2.3. GRAUS DE CULPA


O Direito Penal brasileiro não divide a culpa em graus. Isto é, não há mais ou menos culpa, a culpa
não pode ser leve, média ou grave. Em verdade, ou há culpa, e está configurada a responsabilidade do agente, ou
não existe culpa, e o fato é um indiferente penal.64

🚨JÁ CAIU
Na prova para o cargo de Promotor de Justiça Substituto - MPE/PR (Ano: 2021, MPE/PR) foram consideradas
corretas as seguintes assertivas:
a. A qualidade do autor, de motorista profissional de competições esportivas, como exemplo de capacidade
individual que serve de orientação ao juízo sobre o risco permitido ou o dever de cuidado em acidentes de
trânsito, deve ser avaliada somente na culpabilidade segundo o critério da generalização, e deve ser avaliada no
tipo de injusto segundo o critério da individualização.
b. O modelo de homem prudente e o princípio da confiança são exemplos de conceitos utilizados para
aferição da lesão do dever de cuidado ou do risco permitido, nos limites de análise do desvalor da ação.
c. Figuras típicas culposas estão previstas de forma diversificada no ordenamento jurídico-penal brasileiro,
tanto no Código Penal quanto na legislação penal especial, como por exemplo, na Lei 9.503/97 (Código de
Trânsito Brasileiro), na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90).
d. A estaciona em shopping para realizar compras e esquece completamente o filho B dormindo em
cadeirinha no interior do veículo, o que produz lesões corporais no infante em razão do forte calor durante o
período de esquecimento: trata-se de modalidade de culpa inconsciente, respondendo A pelo resultado de lesão
do bem jurídico (lesões corporais culposas em B).

4.6.2.4. COMPENSAÇÃO DE CULPAS


No Direito Penal não se admite compensação de culpas. Assim, a culpa do agente não é afastada em
caso de eventual culpa da vítima. O caráter público da sanção penal faz com que não seja possível a incidência
dessa compensação.65
Porém, embora a culpa da vítima não funcione para compensar a culpa do agente, será utilizada como
circunstância judicial favorável ao acusado quando da ocasião da dosimetria da pena.

63
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
64
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
65
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
37
4.6.2.5. CONCORRÊNCIA DE CULPAS
A concorrência de culpas ocorre quando duas ou mais pessoas contribuem culposamente para a
produção do resultado naturalístico. Nessa situação, todos responderão pelo resultado produzido.

🚨JÁ CAIU
Na prova para o cargo de Juiz Substituto - TJ/SP (Ano: 2021, VUNESP) foi considerada correta: A respeito do delito
culposo, é correto afirmar que é possível a concorrência de culpas.

4.7. ERRO DE TIPO


Consiste na falsa percepção da realidade, ou seja, ignorância ou erro que recai sobre as elementares,
circunstâncias ou qualquer dado agregado ao tipo penal. Em outras palavras, a falsa percepção do agente recai
sobre a realidade que o circunda; vale dizer, ele não capta corretamente os eventos que ocorrem ao seu redor.66
Exemplo: “A” se apodera de material na rua, imaginando tratar-se de coisa abandonada. Na verdade,
era de “B”. Perceba que “A” não sabia que estava subtraindo coisa alheia, pois acreditava se tratar de coisa
abandonada.
O instituto possui previsão no art. 20 do Código Penal, vejamos:

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo (SEMPRE), mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Defensor Público/DPE-RS (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi
considerada errada a assertiva que dizia: O erro de tipo tem como consequência jurídica a exclusão do dolo
enquanto elemento subjetivo, sendo vedada, nesse caso, a responsabilização penal do agente por crime culposo.

4.7.1. ERRO X IGNORÂNCIA


Também devemos nos atentar ao fato de que o erro difere da ignorância.
Erro é a falsa percepção da realidade ou o falso conhecimento de determinado objeto. Ex: A pessoa erra
ao confundir um cachorro com um gato, embora conhecesse tais animais de experiências anteriores.
Ignorância é o total/completo desconhecimento da realidade ou de algum objeto. Ex: A pessoa passou a
vida toda presa dentro de um quarto de uma casa e só foi liberada ao 18 anos, não tendo conhecimento do que é
um gato ou cachorro, pois nunca os tinha visto na vida.67

66
ESTEFAM, André Araújo L. Direito Penal - Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2022.
67
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
38
🚩 NÃO CONFUNDA 68

ERRO DE TIPO ERRO DE PROIBIÇÃO

Há uma falsa percepção da realidade do agente quanto O agente percebe a realidade, equivocando-se sobre
aos elementos constitutivos do tipo penal. regra de conduta.

O agente não sabe o que faz. O agente sabe o que faz, mas ignora (desconhece) ser
proibido.

A" sai de festa com guarda-chuva pensando ser seu, "A" encontra um guarda-chuva na rua e acredita que
mas logo percebe que errou, pois o objeto é de terceiro não tem obrigação de devolver, porque "achado não é
roubado", mas na verdade é crime de apropriação de
coisa achada.

🚨JÁ CAIU
Na prova para o cargo de Delegado de Polícia - PC/MS (Ano: 2021, FAPEC) foram consideradas corretas as
seguintes assertivas:
Sobre a teoria do erro, analise as afirmações a seguir.
I - Para a teoria extremada do dolo, tanto o erro de tipo quanto o erro de proibição, quando inevitáveis, sempre
excluirá o dolo.
II - A teoria extremada da culpabilidade, empreendida pela doutrina finalista, com a qual surgiu e cujos maiores
representantes foram Welzel, Maurach e Kaufmann, separa o dolo da consciência da ilicitude. Assim, o dolo, em
seu aspecto puramente psicológico (dolo natural), é transferido para o injusto, enquanto a consciência da ilicitude
passa a fazer parte da culpabilidade, num puro juízo de valor. Dolo e consciência da ilicitude são, portanto, para a
teoria extremada da culpabilidade, conceitos completamente distintos e com diferentes funções dogmáticas.
IV - No erro de tipo, o erro recai sobre o elemento intelectual do dolo – a consciência –, impedindo que a conduta
do autor atinja corretamente todos os elementos essenciais do tipo. É essa a razão pela qual essa forma de erro
sempre exclui o dolo, que, no finalismo, encontra-se no fato típico e não na culpabilidade.
V - A teoria limitada da culpabilidade situa o dolo como elemento do fato típico e a potencial consciência da
ilicitude como elemento da culpabilidade; adota o erro de tipo como excludente do dolo e admite, quando for o
caso, a responsabilização por crime culposo.

4.7.2. ESPÉCIES DE ERRO DE TIPO


4.7.2.1. ERRO DE TIPO ESSENCIAL
É o erro que recai sobre os dados principais do tipo. Se avisado do erro, o agente para de agir
criminosamente.
Conforme o art. 20, caput, do CP:

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo (SEMPRE), mas permite a

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
68

39
punição por crime culposo, se previsto em lei.

4.7.2.1.1. ERRO DE TIPO ESSENCIAL INEVITÁVEL OU ESCUSÁVEL


É a modalidade de erro que não deriva de culpa do agente, ou seja, mesmo que ele tivesse agido com a
cautela e a prudência de um homem médio, ainda assim não poderia evitar a falsa percepção da realidade sobre
os elementos constitutivos do tipo penal.69

🚨JÁ CAIU
Na prova para o cargo de Promotor de Justiça Substituto - MPE/PR (Ano: 2021, MPE/PR) foram consideradas
corretas as seguintes assertivas:
Sobre o tipo dos crimes de omissão de ação, assinale a alternativa incorreta:
a. O erro inevitável sobre a posição de garantidor do bem jurídico, que fundamenta o dever jurídico
especial de agir na omissão de ação imprópria, pode permitir a imputação do fato fundada no dever jurídico geral
de agir, peculiar à omissão de ação própria.
b. O pedestre A percebe criança caminhando sozinha por via de circulação de veículos, e, ciente do perigo
iminente e da real possibilidade de atropelamento do infante, deixa de lhe prestar assistência, podendo fazê-lo
concretamente sem risco pessoal: se mais tarde a criança, em desvio ocasional do trânsito viário, acaba atingindo
área reservada de segurança, não sofrendo quaisquer lesões, subsiste a responsabilidade penal de A por
omissão de socorro (CP, art. 135).
c. A estrutura do tipo subjetivo na omissão de ação imprópria é composta por dolo ou culpa, e a estrutura
do tipo subjetivo na omissão de ação própria é composta apenas pelo dolo.
d. O professor A, responsável por conduzir alunos de escola infantil a visita programada em usina
hidrelétrica, omite ação mandada para proteção dos estudantes no local, por lesão do dever de cuidado ou do
risco permitido, com resultado de dispersão e afogamento fatal de uma das crianças em represa interna: A
responde por prática de homicídio, por omissão de ação culposa.

4.7.2.1.2. ERRO DE TIPO ESSENCIAL EVITÁVEL OU INESCUSÁVEL


É a espécie de erro que provém da culpa do agente, é dizer, se ele empregasse a cautela e a prudência do
homem médio poderia evitá-lo, uma vez que seria capaz de compreender o caráter criminoso do fato.70

🚩 NÃO CONFUNDA
ERRO INEVITÁVEL OU ESCUSÁVEL ERRO EVITÁVEL OU INESCUSÁVEL

EXCLUI O DOLO. EXCLUI O DOLO.


O simples fato de se tratar de erro essencial já é Não há consciência.
suficiente para excluir o dolo, pois não há
consciência.

69
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
70
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
40
EXCLUI A CULPA. PUNE-SE A CULPA se prevista em lei.
Sendo inevitável, cuida-se de erro imprevisível. Sendo evitável, cuida-se de erro previsível.

Como podemos aferir a evitabilidade ou não do erro? Nas palavras de Rogério Sanches:71

A corrente tradicional invoca a figura do "homem médio" por entender que a previsibilidade deve ser avaliada
tão-somente sob o enfoque objetivo, levando em consideração estritamente o fato e não o autor. (...)

Uma corrente mais moderna, não sem razão, trabalha com as circunstâncias do caso concreto, pois percebe que
o grau de instrução, idade do agente, momento e local do crime podem interferir na previsibilidade do agente
(circunstâncias desconsideradas na primeira orientação)

4.7.2.2. ERRO DE TIPO ACIDENTAL


Recai sobre dados secundários, ou seja, periféricos do tipo. Quando avisado do erro, o agente corrige os
caminhos ou sentido da conduta para continuar a agora de forma ilícita.
No Erro de Tipo Acidental a infração penal subsiste íntegra, não sendo afastada a responsabilidade penal
do agente.

4.7.2.2.1. ERRO SOBRE O OBJETO


Aquele em que o agente se confunde quanto ao objeto material (COISA) por ele visado, atingindo objeto
diverso. Não tem previsão legal.
Não exclui o dolo, não exclui a culpa e não isenta o agente de pena, considera-se na sua
punição o objeto diverso do pretendido, ou seja, o efetivamente atacado.
Exemplo: “A”, querendo subtrair um relógio de ouro, acaba por erro subtraindo relógio dourado.
Adota-se aqui a TEORIA DA CONCRETIZAÇÃO (objeto concretamente atacado).

⚠️ ATENÇÃO
Somente haverá esta espécie de erro se a confusão de objetos materiais não interferir na essência do
crime. Caso contrário, deve ser tratado como erro de tipo essencial.

4.7.2.2.2. ERRO SOBRE A PESSOA


Trata-se da equivocada representação do objeto material (PESSOA VISADA) pelo agente. Em decorrência
do erro, o agente acaba atingindo pessoa diversa.

Art. 20, § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado NÃO ISENTA de pena. Não se
consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente
queria praticar o crime.

No art. 20, §3º não existe erro na execução, mas erro de representação, ou seja, o agente confunde as

71
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
41
vítimas. Temos a vítima virtual (desejada pelo autor) e a vítima real (que efetivamente sofreu a lesão – indesejada
pelo autor).
As consequências são:
▸ Não exclui dolo nem culpa;
▸ Não isenta de pena;
▸ Responde pelo crime, mas considerando as qualidades da vítima virtual (de fato, desejada).
Portanto, aplica-se a Teoria da Equivalência.

4.7.2.2.3. ERRO NA EXECUÇÃO (ABERRATIO ICTUS)

Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa
que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o
agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código (concurso formal)

Por acidente ou por erro no uso dos meios, o agente acaba atingindo pessoa diversa da pretendida.
Tem as seguintes consequências:
▸ Aberratio ictus com resultado único (o agente atingir apenas a pessoa diversa da pretendida):
Aplica-se a Teoria da Equivalência, ou seja, considera-se a vítima almejada (virtual);
▸ Aberratio ictus com resultado duplo (ou unidade complexa): Aplicaremos a regra do CONCURSO
FORMAL de crimes, nos termos do art. 70, CP.

1. Ocorre aberratio ictus com resultado duplo, ou unidade complexa, de que dispõe o art. 73, segunda parte,
do CP, quando, na execução do crime de homicídio doloso, além do resultado intencional, sobrevém outro não
pretendido, decorrente de erro de pontaria, em que, além da vítima originalmente visada, outra é atingida por
erro na execução. (STJ, REsp n. 1.853.219/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/6/2020,
DJe de 8/6/2020.)

📌 OBSERVAÇÕES
■ Erro na execução envolve a relação Pessoa X Pessoa.
■ Erro sobre o objeto envolve a relação Coisa X Coisa.

🚩 NÃO CONFUNDA
“ABERRAIO ICTUS” POR ERRO NO USO DOS MEIOS
“ABERRAIO ICTUS” POR ACIDENTE
DE EXECUÇÃO

Não há erro no golpe, mas desvio na execução. Existe erro no golpe.


Desvio na execução em razão da inabilidade do agente
no uso do instrumento.

42
A vítima visada pode ou não estar no local. A vítima está no local.

Ex: A coloca uma bomba no carro de B, para explodir Ex: A atira para matar B, mas por inabilidade acaba
quando acionado. Naquele dia quem ligou o carro foi a atingindo a esposa de B.
esposa de B.

ERRO SOBRE A PESSOA ERRO NA EXECUÇÃO

Erro na representação da vítima pretendida. Representa-se corretamente a vítima pretendida.

A execução do crime é correta – não há falha A execução do crime é errada- existe falha
operacional. operacional.

A pessoa visada não corre perigo (porque foi A pessoa visada corre perigo.
confundida com outra).

⚠️ ATENÇÃO: O agente responde pelo crime considerando as qualidades da vítima virtual - pretendida (teoria
da equivalência).

🚨JÁ CAIU
Na prova para o cargo de Defensor Público - DPE-PI (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi considerada correta:
Fernando estava sentado no banco de uma praça, jogando dominó quando visualizou uma pessoa com capacete
e viseira escura fechada e que gesticulava, dando mostras de irritação. De repente, essa pessoa correu em sua
direção e Fernando, acreditando que seria atacado, precipitadamente, pegou uma pedra e arremessou contra o
desconhecido. Devido a sua má pontaria, Fernando errou o homem e acertou uma criança, que passava pelo
local. A criança faleceu em decorrência da pedrada. Nesse momento, o homem tirou o capacete e Fernando o
reconheceu. Era Roberto, seu primo. Como não se viam há muito tempo, Roberto queria apenas lhe dar um
abraço acalorado quando correu em sua direção.
Considerando o disposto no Código Penal, assinale a opção correta, acerca da situação hipotética apresentada.
Fernando, em aberratio ictus, poderá ser responsabilizado pelo homicídio culposo, diante do erro de tipo
permissivo vencível, que exclui o dolo, mas não a culpa, em atenção à teoria limitada da culpabilidade.

4.7.2.2.4. RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO (ABERRATIO CRIMINIS)


O agente, por ACIDENTE OU ERRO no uso dos meios de execução, atinge BEM JURÍDICO DISTINTO
daquele que pretendia atingir. Em verdade, o agente desejava cometer um crime, mas por erro ou acidente na
execução acaba por cometer outro.
Diferentemente do que ocorre no erro na execução (aberratio ictus), aqui, a relação é de Crime X Crime.
Por isso a nomenclatura “resultado (crime) diverso do pretendido”.72

Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém

72
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
43
resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se
ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código (concurso formal)

O dispositivo trabalha erro na execução, mas NÃO numa relação envolvendo PESSOA X PESSOA. Por isso,
podemos dizer que o dispositivo é subsidiário em relação ao erro na execução que envolva pessoa x pessoa.
Como ocorre no aberratio ictus, se o agente atingir também o resultado pretendido, responderá pelos
dois crimes, em concurso formal de delitos.73
Perceba, então, que o agente responde pelo resultado produzido, isto é, diverso do pretendido na forma
CULPOSA, se prevista em lei. Em caso de resultado duplo, haverá concurso formal.

⚠️ ATENÇÃO
A regra do art. 74, CP deve ser afastada quando o resultado pretendido é mais grave que o resultado
produzido, hipótese em que o agente responde pelo resultado pretendido na forma TENTADA.

🚩 NÃO CONFUNDA 74

“ABERRAIO ICTUS” “ABERRAIO CIMINIS”


Art. 73, CP Art. 74, CP

São espécies de erro na execução.

O agente, apesar do erro, atinge o mesmo bem jurídico O agente, em razão do erro, atinge bem jurídico
(vida), mas de pessoa diversa. diverso.

O resultado pretendido (ceifar a vida) coincide com o O resultado produzido (ceifar a vida) é diverso do
resultado produzidor (ceifar a vida). pretendido (danificar patrimônio).

Relação pessoa x pessoa Relação Coisa x pessoa

4.7.2.2.5. ERRO SOBRE O NEXO CAUSAL (ABERRATIO CAUSAE)


O agente produz o resultado desejado, mas com nexo causal diverso do pretendido. Trata-se de criação
doutrinária, sem previsão legal.
Modalidades:75
■ ERRO SOBRE O NEXO CAUSAL EM SENTIDO ESTRITO: Ocorre quando o agente, mediante um só ato,
provoca o resultado visado, porém com outro nexo de causalidade. Exemplo: "A" empurra "B" de um penhasco
para que ele morra afogado, porém, durante a queda, "B" bate a cabeça contra uma rocha e morre em razão de
um traumatismo craniano.

■ DOLO GERAL OU ERRO SUCESSIVO OU ABERRATIO CAUSAE: o agente, mediante conduta


desenvolvida em pluralidade de atos, provoca o resultado pretendido, porém com outro nexo. Exemplo: "A" atira

73
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
74
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
75
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
44
em "B" (primeiro ato) e, imaginando que "B" está morto, joga seu corpo no mar, vindo "B" a morrer por
afogamento.
Nesses casos, a consequência é que o agente responde pelo crime, considerando o NEXO REAL e não o
pretendido.

4.7.2.2.6. ERRO DE SUBSUNÇÃO


Trata-se de equivocada compreensão do sentido jurídico do comportamento. Exemplo: agente não tem
conhecimento de sua condição de funcionário público para fins penais. Não possui previsão legal.
A consequência advinda dessa modalidade de erro será, no máximo, uma atenuante de pena (art. 65).

4.7.2.2.7. ERRO PROVOCADO POR TERCEIRO


Trata-se de situação na qual quem pratica a conduta tem uma falsa percepção da realidade quanto aos
elementos constitutivos do tipo penal em decorrência da atuação de um terceiro, chamado de agente
provocador. Portanto, é o erro não espontâneo que leva o provocado à prática do delito.76

Art. 20, §2º do CP - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

Exemplo: Médico com a intenção de matar paciente, induz a erro a enfermeira a ministrar veneno no
lugar de medicamentos.
Como consequência, responderá pelo crime o terceiro que determina o erro. O agente provocado
depende se agiu culposamente ou dolosamente.
Como bem explica Cleber Masson:77

“Quando o provocador atua dolosamente, a ele deve ser imputado, na forma dolosa, o crime cometido pelo
provocado. Exemplo: “A”, apressado para não perder o ônibus, pede na saída da aula para “B” lhe arremessar
seu aparelho de telefone celular que esquecera na mesa. “B”, dolosamente, entrega o telefone pertencente a
“C”, seu desafeto.

O provocado (que no caso seria “A”), nesse caso, ficará impune, sendo escusável seu erro. Mas, se o seu erro for
inescusável, responderá por crime culposo, se previsto em lei. No exemplo acima, escusável ou inescusável o
erro, nenhum crime seria imputado a “A”, em face da inexistência do crime de furto culposo.

Pode ainda o provocador agir culposamente, por imprudência, negligência ou imperícia, situação na qual a ele
será imputado o crime culposo praticado pelo provocado, se previsto em lei. Exemplo: Sem tomar maiores
cautelas, o vendedor entrega para teste um veículo sem freios que ainda estava na oficina mecânica da
concessionária. O pretenso comprador, ao dirigir o automóvel, atropela e mata um transeunte. Nessa situação,
o provocado também poderá responder pelo crime culposo, desde que o seu erro seja inescusável. Ao contrário,
tratando-se de erro escusável, permanecerá impune.”

📌 OBSERVAÇÕES
Fulano quer matar um agente federal em serviço. Por acidente, acaba matando outra pessoa que
passava pelo local. O crime de homicídio será processado e julgado por qual justiça, federal ou estadual?

76
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
77
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
45
CP CPP

Art. 73: vítima virtual, para fins penais Competência: considera-se a vítima real. Justiça
Estadual, portanto
O CPP não trabalha com erro de tipo.

■ ERRO DE PUNIBILIDADE: o agente conhece a ilicitude do fato ou, nas circunstâncias, podia conhecê-la,
porém, por erro, supõe a existência de alguma causa de exclusão de pena. Não isenta o agente de pena.
■ ERRO DE VIGÊNCIA: o agente desconhece a existência do preceito legal. Não isenta de pena.
■ ERRO DE EFICÁCIA: o agente conhece a lei penal, mas supõe que ela contraria uma norma superior.
Não isenta o agente de pena.
■ ERRO DE MANDAMENTO: o agente possui o dever jurídico de agir e não age por não ter consciência
desse dever. Se inevitável, será isento de pena.

🚩 NÃO CONFUNDA
ERRO DE TIPO DELITO PUTATIVO

O agente não possui vontade de cometer o delito O agente possui vontade de cometer o delito, mas,
(realiza a tipicidade objetiva sem ter a vontade de em face do erro, pratica conduta atípica. Pode ser:
realizá-la – não há tipicidade subjetiva).
Delito putativo por erro de tipo: ocorre erro sobre o
elemento do tipo. O agente possui consciência e
vontade de cometer o delito, mas, em face de erro
acerca dos elementos da figura típica, pratica uma
conduta atípica.

Delito putativo por erro de proibição (erro de


proibição invertido/ delito de alucinação): o agente
pratica um fato que entende ser criminoso, mas,
como não existe norma de proibição (incriminadora),
pratica uma conduta atípica.

Delito putativo por obra do agente provocador:


delito de ensaio/delito de experiência – Súmula 145,
STF: preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a consumação do delito.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Promotor de Justiça Substituto - MPE/PR (Ano: 2021, MPE/PR) foi
considerada correta: O delito de alucinação e a tentativa inidônea constituem indiferentes penais; a
desistência voluntária e o arrependimento eficaz, modalidades de desistência da tentativa, excluem a

46
punibilidade do delito tentado, só respondendo o autor pelos atos já praticados.

5. RESULTADO

O resultado nada mais é do que a consequência jurídica provocada pela conduta do agente. Da conduta
podem advir 2 resultados, chamados pela doutrina de espécies.

5.1. ESPÉCIES DE RESULTADOS

Trata-se da modificação no mundo exterior provocada pela conduta do agente.


O resultado naturalístico é o material.
⚠️ ATENÇÃO: Não são todos os crimes que apresentam resultado naturalístico, como
no caso dos crimes de mera conduta.
Como ensina Cleber Masson78, “O resultado naturalístico estará presente somente nos
crimes materiais consumados. Se tentado o crime, ainda que material, não haverá
RESULTADO resultado naturalístico. Nos crimes formais, ainda que possível sua ocorrência, é
NATURALÍSTICO dispensável o resultado naturalístico. E, finalmente, nos crimes de mera conduta ou de
simples atividade jamais se produzirá tal espécie de resultado”..
Quanto ao resultado, lembre-se que os crimes podem ser classificados em materiais
(aqueles que exigem a produção de resultado naturalístico para sua consumação),
formais (aqueles que dispensam o resultado naturalístico para sua consumação,
embora seja possível sua ocorrência) e de mera conduta (crimes nos quais não é
possível a ocorrência de resultado naturalístico).

Trata-se da efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico que é tutelado pela
norma penal.
Diferentemente do resultado naturalístico, não existe crime sem resultado jurídico.
⚠️ ATENÇÃO: Aqui os crimes podem ser classificados como sendo de dano (a
RESULTADO consumação exige a efetiva lesão ao bem) ou de perigo (a consumação se contenta
JURÍDICO OU com a exposição do bem jurídico a uma situação de perigo). O crime de perigo ainda se
NORMATIVO divide em:79
■ Perigo abstrato ou presumido: consuma-se automaticamente com a prática da
conduta, pois há uma presunção absoluta de perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
■ Perigo concreto: consuma-se com a efetiva comprovação, no caso concreto, de
que houve perigo de lesão ao bem jurídico.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Perito Médico Legista - PC/MS (Ano: 2022, FABEC) foram consideradas

78
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
79
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
47
corretas:
O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal,
de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

6. NEXO DE CAUSAL OU RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

É o vínculo entre conduta e resultado, ou seja, é a relação de produção entre a causa eficiente e o
efeito ocasionado. Busca aferir se o resultado pode ser atribuído objetivamente ao sujeito ativo como obra do
seu comportamento típico.
O código Penal nos apresenta um conceito simples de causa no art. 13, caput:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. TEORIA DA
EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES/ CONDITIO SINE QUA NON/ CONDIÇÃO SIMPLES/ CONDIÇÃO
GENERALIZADA

O Brasil adotou, como regra, a chamada Teoria da equivalência dos antecedentes causais ou
equivalência das condições ou condição ou causalidade simples ou condição generalizada ou conditio sine
qua non, para a qual causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido.

Como saber se o fato foi determinante para o resultado?


Rogério Sanches80 explica que se deve utilizar a teoria da eliminação hipotética dos antecedentes
causais, método “empregado no campo mental da suposição ou da cogitação: causa é todo fato que, suprimido
mentalmente, faria com que o resultado não ocorresse como ocorreu ou no momento em que ocorreu.
Cleber Masson, em complemento, salienta que essa teoria é objeto de muitas críticas pela doutrina, a
principal delas consistiria na circunstância de ser uma teoria cega, porque possibilitaria a regressão ao infinito,
em que tudo poderia ser considerado causa. Essa crítica, contudo, é despropositada. Para que um acontecimento
ingresse na relação de causalidade, não basta a mera dependência física, exige-se ainda a causalidade psíquica
(imputatio delicti), é dizer, reclama-se a presença do dolo ou da culpa por parte do agente em relação ao
resultado. De fato, a falta do dolo ou da culpa afasta a conduta, a qual, por seu turno, obsta a configuração do
nexo causal.81
Portanto, dolo e culpa ingressam como verdadeiros instrumentos de modicidade da teoria da eliminação
hipotética dos antecedentes causais, fazendo com que o regresso fique limitado ao elemento psíquico do agente.
Excepcionalmente, o Direito brasileiro, por meio do art. 13, §1º, do CP, adotou a Teoria da Causalidade
Adequada ou Condição Qualificada, para a qual causa é o antecedente, não só necessário, mas adequado à
produção do resultado.82 Conduta adequada é aquela idônea a gerar o efeito, dentro de uma linha de

80
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
81
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
82
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
48
desdobramento causal normal esperado pela conduta, excluindo, pois, os acontecimentos extraordinários,
anormais, excepcionais.

Como aferir se a causa é adequada?


Causa adequada é aquela que, de acordo com o juízo do homem médio, contribui eficazmente, dentro
de uma linha de desdobramento causal normal da conduta (dentro daquilo que se espera como causa) para a
produção do resultado.
Logo, não basta contribuir de qualquer modo para o resultado, a contribuição deve ser eficaz.

6.1. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA


A teoria em questão foi desenvolvida modernamente por Claus Roxin, em 1970, e busca delimitar a
imputação, sob o aspecto objetivo, evitando regresso ao infinito gerado pela teoria da causalidade. A solução
para evitar o regresso ao infinito da causalidade simples foi acrescentar ao estudo da causalidade o nexo
normativo.

🚨JÁ CAIU
Nesse sentido, para prova para o cargo de Defensor Público/DPE-RS (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) foi
considerada certa a assertiva que dizia:A teoria da imputação objetiva é estruturada na criação de um
perigo não permitido, que se realiza no resultado típico, dentro do alcance final de proteção da norma.

⚠️ ATENÇÃO
Diferentemente do que seu nome parece indicar, a teoria não se confunde com a responsabilidade
penal objetiva, é justamente o contrário: busca limitar a responsabilidade penal, sob o pressuposto de que a
atribuição de um resultado a alguém não é determinada pela relação de causalidade, mas é necessário outro
nexo, de forma que esteja presente a realização de um risco proibido pela norma.

CAUSALIDADE SIMPLES TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Existe causalidade objetiva quando presente o nexo A causalidade objetiva precisa analisar:
físico (mera relação de causa e efeito) ■ Nexo físico
■ Nexo normativo:
▸ criação ou incremento de um risco proibido;
▸ realização do risco no resultado; e
▸ risco criado proibido pelo Direito.

Presente a causalidade objetiva, deve-se analisar dolo Presentes os nexos físicos e normativos, deve-se
e culpa (evitando a responsabilidade penal objetiva). analisar dolo e culpa.

Agora, vamos partir para a análise de cada um dos pressupostos do nexo normativo, vejamos:

49
1. CRIAÇÃO OU INCREMENTO DE UM RISCO PROIBIDO
Risco proibido é a ação que, por meio de uma prognose póstuma objetiva, gera uma possibilidade de
lesão ou aumento da lesão já estabelecida ao bem jurídico tutelado pela lei penal.
Ex.: Fulano, percebendo que seu amigo Beltrano vai ser atropelado por um veículo desgovernado,
empurra Beltrano ao chão para evitar o atropelamento, fraturando o braço do amigo. Posso imputar a Fulano a
fratura do braço?

TEORIA DA CAUSALIDADE TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Fulano é causa da fratura do braço de beltrano (nexo Fulano não é causa do resultado (diminuiu risco já
físico). existente).

Fulano agiu com dolo

Fulano praticou fato típico

Fulano não praticou crime, pois agiu em estado de


necessidade de terceiro

2. REALIZAÇÃO DO RISCO NO RESULTADO


O resultado deve estar na linha de desdobramento causal normal da conduta.
Ex.: Fulano dispara contra Beltrano visando matá-lo. Beltrano, gravemente ferido, é levado até o hospital.
Beltrano morre em razão de erro médico.

TEORIA DA CAUSALIDADE TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Fulano é causa adequada da morte (o erro médico é Analisa se o resultado é produto exclusivo do erro
concausa relativamente independente superveniente médico ou combinação do erro médico e disparo.
que não por si só causou o resultado).

Fulano responde por homicídio doloso

O médico responde por homicídio culposo Se o resultado é produto exclusivo do erro médico,
só pode ser atribuído ao autor desse risco.
Ex.: Paciente, depois da cirurgia, durante sua
recuperação no hospital, por negligência do médico,
recebe remédio em dose excessiva, causando a sua
morte.
Conclusão: o médico responde por homicídio
culposo e o atirador por tentativa de homicídio.

Quando o resultado é produto combinado de

50
ambos os riscos (lesões em razão do disparo e falha
médica), então pode ser atribuído aos dois autores.
Ex.: A falha médica ocorre durante a cirurgia para
estancar hemorragia na vítima.
Conclusão: o médico responde por homicídio
culposo e o atirador por homicídio doloso.

3. RISCO CRIADO PROIBIDO PELO DIREITO


Nem toda ação perigosa é proibida pelo Direito, pois há uma necessidade de ponderação entre a
necessidade de proteção de bens jurídicos relevantes e o interesse geral de liberdade. Assim, as atividades de
boxe e automobilismo são permitidas pelo Direito, embora possam causar lesões aos seus praticantes.
Ex: Boxeador acerta golpe no rosto de seu oponente que acaba sofrendo lesões cerebrais.

TEORIA DA CAUSALIDADE TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Boxeador é causa adequada da lesão cerebral O Boxeador não é causa da lesão, sendo o fato típico,
causada no oponente.. pois se trata de um risco permitido pelo Direito.

O boxeador responde por lesão corporal gravíssima.


O Boxeador não responde por nenhum crime, pois o
fato é atípico.

🚨JÁ CAIU
Na prova para o cargo de Defensor Público - DPE-PI (Ano: 2022, CESPE/CEBRASPE) tivemos o seguinte enunciado.
Michel, após embriagar-se, dirigiu seu veículo na via pública de uma zona rural, por cerca de 300 metros, no
percurso entre o bar e sua casa. No meio do caminho, a Polícia Militar o parou e constatou que ele dirigia o
veículo sob o efeito de álcool. Michel apresentou a CNH aos policiais e foi preso em flagrante delito de
embriaguez ao volante. O trecho percorrido era esmo e, por isso, não houve perigo a nenhum bem jurídico.
A resposta correta era: É correto afirmar que, segundo a teoria da imputação objetiva do resultado, na
acepção funcional-sistêmica, Michael deve ser penalmente responsabilizado, pois sua conduta violou as
expectativas sociais para a causação do resultado jurídico, sendo desnecessário o resultado naturalístico.

6.1.2. HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DA IMPUTAÇÃO


1. RISCO PERMITIDO E RISCO TOLERADO
Determinadas condutas criam riscos que são socialmente aceitos, tais como dirigir veículos
automotores. No entanto, estas condutas, apesar dos riscos que criam, são permitidas ou toleradas, de sorte que
se tornam atípicas. Colocação de ofendículos é um exemplo.

51
📌 OBSERVAÇÃO
Pelo critério da prognose póstuma-objetiva, somente haverá risco quando a ação gera a possibilidade
de dano, aferida pelo juízo do homem prudente colocado no momento da sua prática.

2. DIMINUIÇÃO DO RISCO
Não haverá imputação quando o agente, embora tenha causado um resultado lesivo, diminui o risco de
outro resultado mais grave.

3. NÃO REALIZAÇÃO DO RISCO (RELAÇÃO RISCO-RESULTADO)


Para haver imputação é necessário que o risco proibido criado tenha se materializado no resultado
lesivo.

4. RESULTADO JURÍDICO SE ENCONTRA FORA DO ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA DE CUIDADO


Acarretará a impossibilidade de imputação quando o resultado causado pela conduta estiver fora do
âmbito de proteção da norma. O tipo penal não abrange o risco criado pela conduta e o resultado ocorrido.

5. RESULTADO SE ENCONTRA FORA DO ALCANCE DO TIPO


Mesmo havendo a criação do risco não permitido e sua materialização no resultado, ainda assim esses
pressupostos não serão suficientes para a imputação objetiva, porque o tipo não possui o fim de evitar certos
acontecimentos.

6.2. TEORIA INUS OU TEORIA DA CONDIÇÃO MÍNIMA OU TEORIA DA CONDIÇÃO


NÔMICA
No que consiste a teoria INUS?
A teoria INUS - do acrônimo em inglês - Insufficient but Necessary part of a condition which is itself
Unnecessary but Sufficient (Uma parte não suficiente, mas necessária, de uma condição que não é necessária, mas é
suficiente), também denominada Teoria da Condição Mínima ou Teoria da Condição Nômica, foi criada pelo
filósofo australiano John Leslie Mackie para abranger os conceitos de causa suficiente e necessária, onde “causa
suficiente é aquela que garante que o efeito ocorrerá, ao passo que causa necessária é aquela indispensável para
que o efeito ocorra, isto é, sem ela o efeito não teria ocorrido.”83

📌 OBSERVAÇÃO
Não se trata de um conceito inicialmente jurídico ou concebido com a finalidade de resolver os
problemas de causalidade do Direito Penal, mas que teve repercussão jurídica e adesão de autores no emprego
de seu raciocínio no estudo da relação de causalidade.

Na teoria da condição INUS há uma tentativa de compreender a causalidade com mais exatidão,
aprofundando a compreensão ao entendimento do que torna um antecedente causa de um resultado, em
especial nas hipóteses de causalidade múltipla ou complexas. Dessa forma, Mackie conclui que não há causa

83
ROCHA, Renan de Oliveira. A relação de causalidade no direito penal. Dissertação de mestrado, Belo Horizonte: UFMG, 2013, p. 119
52
verdadeiramente suficiente ou necessária para a produção de um resultado, mas sim condições insuficientes e
não necessárias que, juntas, tornam-se suficientes para a produção de um resultado. E, do mesmo modo, todo
esse conjunto de condições é desnecessário para a produção do mesmo resultado, pois outros conjuntos de
causas poderiam ser igualmente suficientes para dar causa.
1) Exemplo 1 de aplicação da teoria:
Especialistas concordam que um incêndio que destruiu parcialmente uma casa foi causado por um
curto-circuito. Este não era isoladamente suficiente nem necessário para o incêndio. Não foi necessário porque o fogo
poderia ter se iniciado de uma forma diferente, como em um curto-circuito em outro lugar ou através de um incêndio
doloso etc. Não foi suficiente posto que na ausência de oxigênio ou na presença de um “sprinkler” (borrifador
automático anti-incêndio) eficiente não aconteceria o incêndio. Portanto o curto-circuito (que chamaremos aqui de A)
foi uma condição necessária para o conjunto ABc, onde B representa fatores positivos como adequada presença de
oxigênio e c representa fatores negativos como a presença de um “sprinkler”, por exemplo. Assim, quando a condição A
for uma condição necessária para o conjunto minimamente suficiente (ABc) então A é uma condição INUS. (Mackie,
1980, 1999)

2) Exemplo 2 de aplicação da teoria84:


A deposita 6mg de veneno na bebida do senhor X (condição 1), B outros 3mg (condição 2) e C 6mg
(condição 3). Sabe-se que a dose mínima necessária do veneno para matar alguém é de 10mg (evento 1). Logo,
conclui-se:
a) As doses individualmente consideradas não seriam capazes de produzir o resultado;
b) Somente a somatória das quantidades depositadas por C e A seriam capazes de produzir o resultado,
vez que a somatória, 12mg, supera o mínimo necessário, 10mg.
c) A contribuição de B, independentemente do cenário, é incapaz de contribuir para o resultado morte.
Assim, as condições 1 e 3 são partes insuficientes, mas necessárias para formar um conjunto de condições que se
torna causa suficiente para matar o senhor X; todavia desnecessárias pois a morte de X poderia ocorrer por
outras circunstâncias. Por sua vez, a conduta de B é condição redundante, vez que no conjunto de condições sua
contribuição é irrelevante.

Principais críticas:
■ Dificuldade de aplicação no caso concreto
■ Alta complexidade que, ao fim, aproxima-se muito da fórmula clássica da teoria dos equivalentes
(conditio sine qua non)

6.3. CONCAUSAS
Segundo Rogério Sanches, o resultado, não raras vezes, é feito de pluralidade de comportamento,
associação de fatores, entre os quais a conduta do agente aparece como seu principal (mas não único) elemento
desencadeante.85

84
ABREU, Fernando de Abreu. Direito Penal para concursos – Parte Geral. Ed. Juspodivm, 2021. p. 380
85
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
53
6.3.1. CLASSIFICAÇÃO
6.3.1.1. CONCAUSA ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE
A causa efetiva do resultado não se origina do comportamento concorrente.

■ PREEXISTENTE
Trata-se daquela que existe anteriormente à prática da conduta. O resultado naturalístico teria
ocorrido da mesma forma, mesmo sem o comportamento ilícito do agente. Exemplo: “A” efetua disparos de arma
de fogo contra “B”, atingindo-o em regiões vitais. O exame necroscópico, todavia, conclui ter sido a morte
provocada pelo envenenamento anterior efetuado por “C”.86
Rogério Sanches87 apresenta o seguinte exemplo:
“Fulano, às 20 horas, insidiosamente serve veneno para Beltrano. Uma hora depois, quando o veneno
começava a fazer efeito, Sicrano, inimigo de Beltrano, aparece e dá um tiro no desafeto. Beltrano morre no dia
seguinte em razão do veneno. Percebemos que a causa efetiva foi o veneno (Fulano) e a causa concorrente o
disparo (Sicrano).”
Assim, perceba:
▸ O veneno não se origina do disparo (absoluta independência);
▸ O veneno preexiste ao disparo (preexistente);
▸ Fulano responde por homicídio consumado e Sicrano, de acordo com a causalidade simples, como a
morte não pode ser atribuída a ele, responde por tentativa.

■ CONCOMITANTE
É a que incide simultaneamente à prática da conduta. Surge no mesmo instante em que o agente
realiza seu comportamento criminoso.88
Exemplo: MARIA, por volta das 20h, serve, insidiosamente, veneno para seu marido. Na mesma hora,
coincidentemente, a vítima é alvo de um disparo efetuado por ANTÔNIO, seu desafeto, vindo a morrer.89
Perceba que a causa efetiva foi o disparo (Antônio) e que a causa concorrente foi o veneno (Maria).
Temos o seguinte cenário:
▸ O disparo não se origina do veneno (absolutamente independente);
▸ O disparo e o veneno são comportamentos concomitantes;
▸ Antônio responde por homicídio consumado e Maria por tentativa.

■ SUPERVENIENTE
Se concretiza posteriormente à conduta praticada pelo agente.
Exemplo: MARIA, por volta das 20h, serve, insidiosamente, veneno para seu marido. Antes mesmo de o
veneno fazer efeito, cai um lustre na cabeça de JOÃO que descansava na sala, causando sua morte por
traumatismo craniano.90

86
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
87
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
88
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
89
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
90
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
54
A causa efetiva foi a queda do lustre, a causa concorrente foi o veneno. Assim, temos:
▸ A queda do lustre não se origina do veneno (absolutamente independente);
▸ A queda é POSTERIOR ao veneno (superveniente);
▸ O resultado foi provocado pela queda do lustre. Maria responde por tentativa.

CONCLUSÃO
Na concausa absolutamente independente a causa concorrente deve ser punida na forma TENTADA.

6.3.1.2. CONCAUSA RELATIVAMENTE INDEPENDENTE


A causa efetiva do resultado se origina (ainda que indiretamente) do comportamento concorrente. Em
outras palavras, são as que, agregadas (somadas) à conduta, conduzem à produção do resultado.

■ PREEXISTENTE
Existe previamente à prática da conduta pelo agente.
Exemplo: JOÃO, portador de hemofilia, é vítima de um golpe de faca executado por ANTÔNIO. O ataque
para matar, isoladamente, em razão da sede e natureza da lesão, não geraria a morte da vítima que, entretanto,
tendo dificuldade de estancar o sangue dos ferimentos, acaba morrendo. ANTÔNIO, responsável pelo ataque
(com intenção de matar), responderá por homicídio consumado. Eliminando seu comportamento do
processo causal, JOÃO não morreria.91
Veja, portanto, que o golpe é causa e houve dolo, por isso respondendo por homicídio consumado.

⚠️ ATENÇÃO
Para evitar responsabilidade penal objetiva, o direito penal moderno, em casos como a morte de
hemofílico, corrige essa conclusão, de maneira que somente seria possível imputar homicídio consumado ao
agente caso ele SOUBESSE da condição de saúde da vítima. Do contrário, haveria tentativa de homicídio.

■ CONCOMITANTE
Ocorre no mesmo instante / simultaneamente à prática da conduta.
Exemplo: João desfere facadas em Bruno, no exato instante em que este está sofrendo um ataque
cardíaco. Prova-se que os ferimentos causados por João contribuíram para a morte. A conduta do agente, aliada à
causa concomitante (ataque cardíaco), contribuiu para o resultado, de sorte que há nexo causal. O agente
responderá por homicídio consumado.
Mais uma vez aqui se aplica a causalidade simples para firmar a responsabilidade do agente de acordo
com o seu DOLO.

■ SUPERVENIENTE
Nesta concausa, iremos aplicar não a teoria da causalidade simples, mas sim a causalidade adequada,
conforme dispõe o art. 13, §1º do CP.

91
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
55
Essa teoria considera causa a pessoa, fato ou circunstância que, além de praticar um antecedente
indispensável à produção do resultado, realize uma atividade adequada à sua concretização. Na determinação da
causalidade adequada, o que importa é se há um nexo normal prendendo o atuar do agente como causa ao
resultado como efeito.92
A grande problemática que envolve a causalidade superveniente se resume em assentar, conforme
demonstra a experiência de vida, se o fato conduz normalmente a um resultado dessa índole (resultados como
consequência normal, provável, previsível do comportamento humano).93
Conforme dispõe o art. 13, §1º do Código Penal:

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, POR SI SÓ, produziu o
resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

O dispositivo reconhece 2 situações:


■ As concausas que POR SI SÓ produzem o resultado: Nesse dispositivo foi acolhida a teoria da
causalidade adequada. Logo, causa não é mais o acontecimento que de qualquer modo concorre para o
resultado. Muito pelo contrário, passa a ser causa apenas a conduta idônea - com base em um juízo estatístico e
nas regras de experiência (id quod plerumque accidit) a provocar a produção do resultado naturalístico. Não basta
qualquer contribuição. Exige-se uma contribuição adequada.
Os exemplos famosos são: (1) pessoa atingida por disparos de arma de fogo que, internada em um
hospital, falece não em razão dos ferimentos, e sim queimada por um incêndio que destrói toda a área dos
enfermos; e (2) ferido que morre durante o trajeto para o hospital, em face de acidente de tráfego que atinge a
ambulância que o transportava.94

■ As concausas que NÃO POR SI SÓ produzem o resultado: Incide a teoria da equivalência dos
antecedentes ou da conditio sine qua non, adotada como regra geral no tocante à relação de causalidade (CP,
art. 13, caput, in fine). O agente responde pelo resultado naturalístico, pois, suprimindo-se mentalmente a sua
conduta, o resultado não teria ocorrido como e quando ocorreu.95

QUE POR SI SÓ PRODUZ O RESULTADO QUE NÃO POR SI SÓ PRODUZ O RESULTADO

A causa efetiva superveniente não está na linha de A causa efetiva superveniente ESTÁ na linha de
desdobramento causal normal da conduta desdobramento causal.
concorrente.

A causa efetiva é um evento IMPREVISÍVEL (sai da Causa é evento previsível (ainda que não previsto).
linha da normalidade). Exemplo: Fulano atira para matar Beltrano. Beltrano
morre na cirurgia por erro médico. Fulano responde
por homicídio.

92
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
93
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
94
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
95
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
56
6.4. CAUSALIDADE NOS CRIMES OMISSIVOS
■ CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS: a lei prevê e pune a inação. Assim, basta o agente não agir, podendo
fazê-lo sem risco pessoal. Não se questiona o nexo de causalidade.

⚠️ ATENÇÃO
Determinados crimes omissivos próprios podem estar ligados a resultados naturalísticos,
majorantes/qualificadoras do delito, como acontece com a omissão de socorro, punida mais rigorosamente
quando da não ação ocorre lesão grave ou morte da vítima.96
Como exemplo, podemos citar o art. 135, parágrafo único, do CP:

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade (1/2), se da omissão resulta lesão corporal de natureza
grave, e triplicada, se resulta a morte.

■ CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS: pune-se o omitente como se tivesse praticado ativamente o


resultado (comissivo por omissão). Aqui, faz necessária a presença do resultado naturalístico.
Nesses casos, temos o chamado NEXO DE NÃO IMPEDIMENTO OU EVITAÇÃO.

7. TIPICIDADE

A doutrina moderna afirma que tipicidade é formada pela tipicidade formal e a tipicidade material,
consistente na relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Assim, não se contenta com o
mero ajuste fato-tipo, exigindo relevância da lesão ou perigo de lesão.
■ Tipicidade formal: é a mera adequação do fato praticado à conduta descrita no preceito primário do
tipo penal.
■ Tipicidade material: é a efetiva lesão (nos crimes de dano) ou perigo de lesão (nos crimes de perigo)
ao bem jurídico tutelado.
Com os apontamentos já realizados, podemos concluir que não basta a mera adequação formal do fato
à norma, sendo necessária a verificação da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

⚠️ ATENÇÃO
É com base nesse raciocínio que incide o princípio da insignificância, uma vez que o mesmo é causa de
atipicidade material da conduta, isto é, falta a efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

A tipicidade é o cumprimento do próprio princípio da legalidade, porque tem uma função de garantia.
Somente será possível imputar uma pena como consequência jurídica de uma conduta criminosa caso a mesma
esteja prevista em Lei. A necessidade de adequação da conduta à lei garante a não-incriminação de todas as
outras condutas que não sejam tipificadas.

96
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
57
🚩 NÃO CONFUNDA
TIPO PENAL TIPICIDADE

De acordo com Rogério Sanches, é o modelo abstrato Trata-se da adequação da conduta a um tipo.
de conduta, formulado através de expressões
linguísticas. Seu fim é individualizar as condutas que
são relevantes no âmbito do Direito Penal.

7.1. PRINCIPAIS FASES DA TIPICIDADE


■ INDEPENDÊNCIA (Beling)
Nessa fase, defende-se um modelo de tipicidade autônomo, livre do aspecto antijuridicidade, com
independência do tipo. A tipicidade é vista como mero processo de adequação do fato concreto ao tipo penal.
Não há ligação do fato típico com a ilicitude e com a culpabilidade.

■ CARÁTER INDICIÁRIO (“RATIO COGNOSCENDI”) DA ILICITUDE (Mayer)


Ocorrendo o fato típico há um indício de ilicitude (há uma presunção relativa), que poderá ser afastada
se ocorrer alguma de suas excludentes. Adotada pelo CP.

■ ESSÊNCIA (“RATIO ESSENDI”) DA ILICITUDE (Mezger)


Todas as condutas típicas são ilícitas. Tipicidade e ilicitude não são institutos distintos. Ou seja, tipo e a
ilicitude se fundem de modo indissociável, mesmo apresentando conceitos teóricos diversos.

■ TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO (ILICITUDE SEM AUTONOMIA)


Todas as condutas típicas são ilícitas. No entanto, para essa teoria, as causas de exclusão da ilicitude
integram a tipicidade.

7.2. TIPICIDADE CONGLOBANTE (ZAFFARONI)


Para que uma conduta seja crime é necessário que seja proibida pelo ordenamento jurídico
globalmente considerado97.
Segundo Cleber Masson98, o nome “conglobante” deriva da necessidade de que a conduta seja contrária
ao ordenamento jurídico em geral, conglobado, e não apenas ao Direito Penal. Não basta a violação da lei
penal. Exige-se a ofensa a todo o ordenamento jurídico.
Em suma, para a aferição da tipicidade reclama-se a presença da antinormatividade. (...) Não basta,
pois, a mera tipicidade legal, isto é, a contrariedade do fato à lei penal. É necessário mais. A conduta do agente,
contrária à lei penal, deve violar todo o sistema normativo, não podendo ser uma conduta penalmente relevante
ser, ao mesmo tempo, autorizada por outro ramo do Direito.
Uma conclusão é inevitável diante da teoria de Zaffaroni: a tipicidade conglobante transfere o estrito

97
Biffe Junior, João Concursos públicos : terminologias e teorias inusitadas / João Biffe Junior, Joaquim Leitão Junior. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2017, pag. 109
98
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). 14 ed. São Paulo: Ed. Método. 2020.
58
cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito (incentivado por lei) da ILICITUDE para a
TIPICIDADE, servindo como suas causas de exclusão.

3. "A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente
é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como
ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material). Na lição de Zaffaroni e Pierangeli, não é
possível que no ordenamento jurídico, que se entende como perfeito, uma norma proíba aquilo que outra
imponha ou fomente. [...]. Portanto, a antinomia existente deverá ser solucionada pelo próprio ordenamento
jurídico" (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 20. ed. Niterói/RJ: Impetus, 2018, p. 261/262). (STJ,
EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.421.747/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma,
julgado em 10/3/2020, DJe de 19/5/2020.)

TEORIAS MODERNAS99 TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE

Tipicidade penal = tipicidade formal + tipicidade A tipicidade penal = tipicidade formal +tipicidade
material (relevância da lesão ou perigo de lesão ao conglobante (tipicidade material + atos
bem jurídico tutelado). antinormativos).

7.3. TIPICIDADE FORMAL E AS NORMAS DE EXTENSÃO


Conforme a doutrina dominante, são duas as espécies de tipicidade formal:
■ Adequação típica imediata ou direta: Opera-se o ajuste entre o fato e a norma penal sem depender
de dispositivo complementar. Através de um único dispositivo se alcança a subsunção entre a conduta e o tipo
penal.
■ Mediata ou indireta: Há situações em que a subsunção entre o fato e a lei penal incriminadora
dependerá de uma norma auxiliar. Aqui o ajuste entre o fato e a norma somente se realiza através da conjugação
do tipo penal com uma norma de extensão (que é uma norma auxiliar).

Vejamos as normas de extensão:


1. NORMA DE EXTENSÃO TEMPORAL

Art. 14 - Diz-se o crime:

Tentativa

II - Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

O ato de tentar matar alguém só é punível graças a essa norma de extensão, que faz uma extensão da
aplicação da reprimenda penal para o momento (por isso temporal) da execução, a punindo mesmo que não
consumada a infração.

2. NORMA DE EXTENSÃO PESSOAL E ESPACIAL


Como bem lembra Rogério Sanches, o art. 29 do CP, que dispõe sobre o concurso de pessoas, reflete

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
99

59
uma norma auxiliar, cuja existência permite a subsunção indireta da conduta do partícipe (que não realiza o
núcleo do tipo, mas, de qualquer modo, concorre para o delito). Note-se que aquele que praticar a conduta de
"vigiar o local enquanto alguém realiza o crime de homicídio" comete um fato, a priori, atípico, porque não se
encontra previsto em qualquer norma penal. Contudo, conjugando o artigo 29 com o artigo 121, ambos do
Código Penal, é possível realizar a adequação típica, punindo aquele que se limitou a vigiar, como partícipe,
permitindo a execução de um homicídio.100

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.

3. EXTENSÃO CAUSAL
Insculpida no artigo 13, §2º, do Código Penal, a regra estabelece a “relevância da omissão”.

§ 2º – [Norma de extensão causal] A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir
para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Se não fosse o dispositivo mencionado, a mãe que deixa sua filha morrer de inanição não seria
responsabilizada penalmente por homicídio, porque a causa da morte não é sua omissão, mas sim a inanição.
Graças à disposição legal, por não ter evitado o resultado, a mãe é tratada como se o houvesse causado.101

100
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
101
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 10 ed. Salvador: Ed. Juspodivm. 2021.
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