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ENTREVISTA DIAGNÓSTICA

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SUMÁRIO

NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2

Introdução ................................................................................................ 3

Transtornos em vez de Enfermidades ou Doenças ............................. 6


A Definição do DSM-5 para um Transtorno Mental ............................ 10
As Perguntas Produzidas por uma Entrevista Diagnóstica ................ 13
Aspectos importantes para o levantamento de hipóteses diagnósticas
...................................................................................................................... 14
Princípios gerais do diagnóstico psicopatológico ............................... 17
Entrevista inicial: conceito, objetivos e técnicas ................................. 22
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 27

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Introdução

Para que uma entrevista psiquiátrica atinja seus objetivos, é


imprescindível que o entrevistador bem aplique sua capacidade de observar,
investigar, e, por fim, descrever o que foi observado e investigado. O olhar mais
apurado e educado pode descobrir uma infinidade de dados em referências ou
observações que não seriam valorizadas por um observador descuidado. A
incapacidade de bem descrever aquilo que foi observado e colhido depois de
uma investigação ativa, leva, inevitavelmente, à sua perda ou à diminuição do
seu interesse. Além disso, as demais especialidades médicas dispõem de uma
infinidade de recursos outros que podem suprir as deficiências de uma entrevista
mal feita. O psiquiatra, e o psicólogo, ao contrário, dispõem quase que somente
da sua boa capacidade de entrevistar.

Se a entrevista propriamente dita se inicia apenas quando nos


identificamos e fazemos a identificação do paciente, a observação de um
paciente, porém, pode se iniciar muito antes disso. Assim, quando vemos um
paciente caminhando em nossa direção, ou quando ouvimos ruídos, gritos, etc.
provenientes de alguma situação que envolva aquele que logo estaremos
entrevistando, a observação já se terá iniciado e os dados relevantes dessa
observação deverão constar do Exame Psíquico que deveremos escrever,
durante ou ao final da entrevista. Evitando cair no lugar comum de dizer que o

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entrevistador deve ser acolhedor, atento, cuidadoso, etc., gostaríamos de
assinalar que os pacientes psiquiátricos, mas também dos consultórios de
psicologia, tendem a estar passando por uma situação de perda de confiança na
humanidade e neles mesmos. Isso, por si só, deve ser motivo para que
procuremos ser sinceros e francos, inclusive em relação às nossas próprias
limitações.

O produto redigido a partir de uma entrevista denomina-se anamnese. A


anamnese psiquiátrica tem muitas peculiaridades em relação à das demais
especialidades. Os dados de identificação de um paciente funcionam como uma
espécie de “moldura” em relação a tudo o que vai ser investigado e já nos
fornecem diversos indícios em relação aos caminhos que a entrevista poderá
seguir. Pensamos ser imprescindível que o entrevistador proceda a uma
identificação formal da pessoa que está examinando, mas que não se esqueça
de também se identificar. Frequentemente, o paciente não sabe como foi parar
naquele lugar e nem o que pretendemos “fazer com ele”. Quando nos
identificamos de maneira clara, eliminamos boa parte do mal estar que costuma
acompanhar uma entrevista não solicitada.

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Existe ainda, uma série de correlações que se costumam estabelecer
entre os dados da identificação e um risco aumentado para certas condições
psiquiátricas:

1- Idade - Há faixas etárias preferenciais para a ocorrência de certas


condições. O início das esquizofrenias, por exemplo, tipicamente se dá entre
adultos jovens, enquanto as demências nas idades avançadas.

2- Profissão – Cada vez menos freqüente tem sido a observação da


ocorrência de transtornos psiquiátricos especificamente causados por uma certa
atividade profissional, como, por exemplo, intoxicações por metais pesados em
pintores (artistas ou de paredes), frentistas de postos de gasolina e outros. Por
outro lado, cada vez mais se estudam efeitos sutis sobre a saúde mental,
exercidos por determinadas situações no trabalho, como o recentemente
descrito “Burnout”: estado de grande abatimento, desalento extremo e cinismo
(tendência à indiferença em relação a tudo, especialmente o que mais
apreciava), que costuma se desenvolver em pessoas que viveram em função do
trabalho e sofreram grande decepção, por vezes assédio moral por patrões e
colegas de trabalho. Ademais, a profissão costuma ser uma das marcas
principais de uma individualidade. Como disse um filósofo, costumamos dizer
que “fazemos” uma profissão, mas, em verdade, é ela que nos “faz”. Por isso,
não aceitamos quando alguém escreve nesse item simplesmente: “Aposentado”.
Esse é um termo genérico e tudo o que se deve buscar em uma identificação é
a individualização.

3- Escolaridade – Do ponto de vista semiológico, costumamos utilizar


o desempenho escolar de uma pessoa como fator importante na avaliação do
seu desenvolvimento intelectual na infância e juventude. Esse dado é, com muita
frequência, fator de diferenciação entre uma oligofrenia leve e uma esquizofrenia
residual, uma vez que, os oligofrênicos tenderam a apresentar suas dificuldades
desde a primeira infância.

4- Estado civil – É em relação ao risco de suicídio, que esse dado tem


mais importância. É fato comprovado a partir de diversas fontes, pelo menos
entre os ocidentais, a elevação do seu risco para aqueles que vivem sozinhos:
solteiros, divorciados e, especialmente, viúvos.

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5- Naturalidade e Nacionalidade – As doenças mentais são das que
melhor se distribuem do ponto de vista social, pois atingem todas as classes,
raças, povos, indiscriminadamente. Uma coisa, porém, comprovadamente,
aumenta o risco de uma pessoa desenvolver uma delas, a ruptura de laços
culturais e sociais. Essa é a razão pela qual, os emigrantes (ou imigrantes,
dependendo do referencial) em geral, apresentam um risco aumentado para
adoecer, do ponto de vista psiquiátrico.

6- Religião – Esse dado, além de ser um marco de identidade de uma


pessoa, também pode nos ajudar a avaliar melhor certas crenças aparentemente
estranhas compartilhadas por certos grupos e, com isso, poupar-nos de cometer
certos erros.

Um bom registro mnêmico inicial, dos dados de identificação colhidos, é


muito importante, mas não há problema algum no retorno à sua indagação no
curso da entrevista, uma vez que alguns certamente nos escaparão. De qualquer
maneira, pensamos ser inaceitável que, a qualquer pretexto, especialmente em
uma instituição, e em relação a pacientes internados, não se proceda à
identificação formal de um paciente. Pensamos ser muito importante, pelo
menos no início de sua prática profissional, que o interno ou médico tente se
disciplinar na aplicação estrita de um roteiro de entrevista, até mesmo para que,
no futuro, o possa aplicar de forma mais livre.

O paciente psiquiátrico, freqüentemente, não tem queixa alguma, além


daquela referente a algum possível arbítrio sofrido. Por isso, o item
habitualmente denominado “Queixa principal” pode ser substituído (ou coexistir)
por “Motivo da consulta e/ou internação”.

Existem como que certas “linhas” de investigação para cada um dos


transtornos psiquiátricos. Assim, quando algum dado colhido faz surgir uma
suspeita qualquer, o entrevistador deverá seguir aquela “pista” até o seu
esgotamento, ou seja, até a sua confirmação ou afastamento.

Transtornos em vez de Enfermidades ou Doenças

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Ao conduzir uma entrevista diagnóstica, você gera um diagnóstico. Os
diagnósticos gerados por uma entrevista baseada no DSM-5 são chamados de
transtornos, em vez de doenças ou enfermidades. Os três termos descrevem
prejuízos do funcionamento normal, mas o sistema DSM usa transtornos para
reconhecer a complexa interação entre os fatores biológicos, sociais, culturais e
psicológicos envolvidos na perturbação mental.

Os médicos comumente pensam em termos de doenças, que podem ser


descritas como anormalidades patológicas na estrutura e na função de órgãos e
sistemas corporais. Os pacientes comumente se apresentam como portadores
de uma enfermidade, o que decorre de sua experiência com anormalidades
patológicas ou de se sentirem doentes. Olhando de longe, as doenças e as
enfermidades podem parecer a mesma experiência vista a partir das diferentes
perspectivas do paciente e do médico. Contudo, considere uma condição como
a hipertensão, que é frequentemente identificada de modo incidental, sem
quaisquer achados clínicos associados. Para o médico que faz o diagnóstico, a
hipertensão é uma doença crônica do sistema vascular, que aumenta o risco de
acidente vascular cerebral ou de um ataque cardíaco, mas os pacientes muitas
vezes não se reconhecem como doentes ou portadores de uma enfermidade.

Por sua vez, uma paciente pode dizer que se sente bastante enferma e
que está sofrendo por estar longe de casa, mas os médicos não reconhecem
isso como uma doença. Doenças e enfermidades são, com frequência,

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experiências divergentes, e não meras perspectivas diferentes, conforme os
antropólogos têm documentado repetidamente.

Um antropólogo também pode dizer a você que essas experiências são


culturalmente construídas: condições diferentes serão reconhecidas como
doenças ou enfermidades em diferentes locais e épocas. Contudo, para que o
seu sofrimento seja reconhecido como uma doença ou enfermidade, um
indivíduo precisa de algum tipo de diagnóstico, com frequência um diagnóstico
feito por um médico.

Quando uma cultura particular reconhece que uma pessoa sofre de uma
condição que altera sua posição na comunidade, a pessoa entra naquilo que o
sociólogo Talcott Parsons reconhecidamente chamou de “papel de doente”.
Parsons observou que uma pessoa reconhecida como doente está isenta de
papéis sociais normais, não precisando desempenhar seus papéis costumeiros;
no entanto, o grau de isenção de seus papéis sociais está relacionado à natureza
e à gravidade de sua enfermidade, bem como à sua idade e aos seus papéis
culturais. Para usar exemplos atuais, a criança não vai para a escola por conta
de febre moderada e diarreia, mas o adulto que sofre de dores nas costas só
será declarado como inválido após experimentar anos de dores refratárias.

Como parte do papel de doente, a pessoa doente geralmente não é


considerada responsável por sua enfermidade porque se acredita que a doença
esteja fora do controle humano. A enfermidade necessita de auxílio para efetuar
uma mudança. Por isso, quando diagnostica uma pessoa como acometida por
uma doença, o médico legitima a sua enfermidade e a admite em seu papel de
doente. Admitir uma pessoa no papel de doente, em uma cultura particular, é
parte do que ocorre quando você diagnostica a perturbação de uma pessoa
como uma condição específica, e é preciso lembrar que qualquer diagnóstico
que atribuir à perturbação de uma pessoa tem essa função cultural.

Apesar de todos os diagnósticos terem uma função cultural, os


diagnósticos psiquiátricos são especialmente complicados. Os transtornos
mentais resultam de eventos biológicos, genéticos, ambientais, sociais e
psicológicos, e esses fatores etiológicos estão envolvidos em variados graus em
diagnósticos psiquiátricos diferentes. Ademais, visto que tais diagnósticos

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descrevem uma disfunção nas faculdades que, acredita-se, definem a qualidade
de pessoa de um indivíduo, eles frequentemente constituem uma ameaça para
o sentimento de identidade de uma pessoa.

Para reconhecer essa complexidade, os autores do DSM escolheram o


termo transtorno para descrever o diagnóstico psiquiátrico. O transtorno pode
ser amplamente definido como um distúrbio no funcionamento físico ou
psicológico. O termo é usado em outras áreas da medicina para descrever
transtornos genéticos e metabólicos. Contudo, a maioria dos diagnósticos na
medicina é chamada de doenças em vez de transtornos, e chamar os
diagnósticos psiquiátricos de transtornos reforça a distinção entre problemas
mentais, transtornos, e problemas físicos, doenças. Podemos ver isso quando
consideramos que, enquanto um psiquiatra diagnostica uma pessoa com um
“transtorno mental”, um internista não diagnostica uma pessoa com uma doença
“física”. Em vez disso, um internista diagnostica, de maneira muito sucinta, uma
pessoa como portadora de uma “doença”, o que ilustra como nosso uso do
adjetivo “mental” depois de “transtorno” endossa, implicitamente, uma divisão
entre o corpo e a mente.

Os autores do DSM-5 abordaram esse problema ao eliminarem o sistema


multiaxial, isso dirime a dificuldade, encontrada nas versões anteriores do DSM,
de documentar algo como a demência em duas porções separadas da
formulação do diagnóstico de uma pessoa. Embora essa mudança elimine uma
redundância que reforçou as divisões entre a mente e o corpo, a definição e os
limites de um transtorno permanecem amplos. Eles vão do comportamento ilícito
a um processo patológico particular com etiologia, genética e prevalência bem
caracterizadas. Portanto, a ambiguidade sobre o que um transtorno
precisamente é permanece.

Ainda, todos os diagnósticos são uma abstração das experiências de uma


pessoa e carregam as marcas da era em que elas foram construídas e
empregadas. (Voltando ao exemplo anterior, a hipertensão não era diagnóstica
no século XVI.) Nesse sentido, usar transtorno para descrever a perturbação
mental chama a atenção para como ela prejudica a capacidade de uma pessoa,
sugere a complexa interação dos eventos que resultam na perturbação mental
e, implicitamente, reconhece os limites de nosso conhecimento sobre as causas

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da perturbação mental. Mais precisamente, nós simplesmente não sabemos o
suficiente. Em vez disso, podemos considerar o uso corrente de transtorno em
nossos sistemas diagnósticos como uma oportunidade para sermos mais
humildes e também como um incentivo para estudos mais aprofundados.

A Definição do DSM-5 para um Transtorno Mental

As pessoas com as quais você entra em contato e que apresentam uma


perturbação mental não podem simplesmente esperar pela precisão que elas e
você desejam: elas merecem as melhores respostas possíveis que você possa
oferecer no momento presente. Richard Shweder, antropólogo cultural, fez a
notável observação de que qualquer coisa observada é incompleta a partir de
um único ponto de vista, incoerente quando observada de todos os pontos de
vista e vazia quando não é observada de ponto de vista algum. Você tem de
adotar um ponto de vista particular, mas com a compreensão de que, apesar de
isso ser necessário, ele é incompleto. É muito mais fácil criticar definições de um
transtorno mental do que construir uma definição precisa, acurada e útil.

De acordo com os autores do DSM-5, um transtorno mental é “uma


síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição,
na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma
disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento
subjacentes ao funcionamento mental”. Eles distinguem um transtorno mental de
“uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda
comum, como a morte de um ente querido”. Os autores alertam: “desvios sociais
de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos
que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos
mentais a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção do
indivíduo”. Essa definição de transtorno mental, juntamente com a insistência
dos autores de que um diagnóstico deve “ter utilidade clínica” e “ajudar os
clínicos a determinar o prognóstico, os planos de tratamento e os possíveis
resultados do tratamento para seus pacientes” (American Psychiatric

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Association, 2013), tem diversas implicações importantes para a entrevista
diagnóstica.

Primeiro, a definição caracteriza um transtorno mental como causa de um


distúrbio clinicamente significativo em um número de domínios possíveis. Isso
significa que, ao entrevistar pessoas com perturbação mental, você precisa
explorar o grau em que a perturbação prejudica significativamente sua cognição,
suas emoções e seus comportamentos. Entretanto, a definição não caracteriza
o que constitui um prejuízo “significativo”. Sem essa precisão, você precisa
definir o prejuízo com seu paciente, baseando-se em como ele funcionava antes
do início dos sinais e sintomas que apresenta para a avaliação. Você pode fazer
isso pedindo para a pessoa recordar de uma época anterior ao começo recente
de sua perturbação e para descrever as diferenças entre sua funcionalidade
naquele ponto e no presente. Idealmente, também obterá informações
secundárias de gente que conhece a pessoa em múltiplas situações, a fim de
avaliar sua capacidade e seu funcionamento pré-mórbidos. Você também pode
querer usar a Escala de Avaliação de Incapacidades da Organização Mundial da
Saúde 2.0 (WHODAS 2.0), a ferramenta de avaliação de incapacidades
endossada pelos autores do DSM-5 (World Health Organization, 2010),
“Instrumentos de Avaliação Selecionados do DSM-5”. Várias outras avaliações
de incapacidade validadas estão disponíveis, mas, independentemente de qual
for utilizada, você tem de definir disfunção e prejuízo, junto com o seu grau, para
cada pessoa que avalia.

Segundo, visto que a definição identifica a disfunção como algo que


ocorre por causa dos distúrbios subjacentes “nos processos psicológicos,
biológicos ou do desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental”, você
precisa avaliar todos esses processos. Os critérios do DSM-5 oferecem uma
orientação clara sobre como deduzir e organizar os sintomas de processos
psicológicos, mas fornecem menos orientação para a avaliação de processos
biológicos e do desenvolvimento. Como é sua responsabilidade considerar a
pessoa como um todo, precisará, pelo menos, buscar uma compreensão da
história médica e do estágio de desenvolvimento dela.

Terceiro, a definição exclui a disfunção que seja, de alguma forma,


esperada. Isso pode incluir respostas a eventos como a morte de uma pessoa

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próxima ou a perda do emprego – ou seja, a eventos que induzem perturbações
mentais em muitas pessoas. A definição do DSM-5 menciona respostas
“aprovadas culturalmente”, mas não define o que constitui uma cultura ou sua
aprovação, o que indica ainda mais a necessidade de se avaliar a relação entre
os sintomas que você deduz em uma entrevista diagnóstica e seu contexto na
vida de uma pessoa. Portanto, você pode perguntar para a pessoa, ou para sua
família, amigos, companheiros e colegas, se sua resposta é consistente com as
respostas de sua cultura, porque precisa explorar o contexto cultural da pessoa
com perturbação mental.

Quarto, a definição exclui simultaneamente disfunções causadas por um


desentendimento entre uma pessoa e sua cultura mais ampla. Os pensamentos
e os comportamentos de uma pessoa podem estar claramente em conflito com
as pessoas mais próximas ou com sua cultura. O conflito por si só não é
evidência de transtorno mental. Alguém pode discordar dos líderes do seu país,
afastar-se de sua comunidade religiosa ou ter aversão aos seus irmãos sem ter
um transtorno mental. Para uma entrevista diagnóstica, estabelecer as
expectativas culturais de uma pessoa e os comportamentos de referência é
importante, especialmente quando se está entrevistando alguém cuja idade,
gênero, cultura, experiência, fé, idioma ou estilo de vida são diferentes dos seus
– em suma, quase todas as pessoas com quem você se encontra. É preciso
perguntar para a pessoa o que a perturbação dela significa, em vez de fazer
suposições sobre o seu significado.

Quinto, a definição inclui uma advertência importante: um diagnóstico


precisa ser clinicamente útil. Essa advertência ajuda a distinguir ainda mais o
DSM-5 de um guia ornitológico, visto que, mesmo se uma pessoa endossa todos
os sintomas de um transtorno em particular, caso o transtorno não informe de
modo útil o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico dessa pessoa, então o
diagnóstico é considerado inapropriado. Essa necessidade da utilidade clínica
explicita a natureza pragmática do DSM-5, que é um sistema diagnóstico
projetado para permitir a comunicação precisa e confiável dos achados
psiquiátricos, em vez de simplesmente diagnosticar os transtornos.

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As Perguntas Produzidas por uma Entrevista Diagnóstica

Ao se fazer uma análise da definição de um transtorno mental do DSM-5,


fica claro que seus autores deixaram muitas coisas indefinidas. Essa falta de
definição torna necessário, como muitas vezes acontece em psiquiatria, o
exercício da sabedoria prática. Na entrevista diagnóstica, isso significa aplicar
categorias diagnósticas à pessoa irredutivelmente singular que está diante de
você. Para definir um transtorno mental para a pessoa à sua frente, é preciso
buscar uma compreensão completa dela. Embora uma boa entrevista
diagnóstica produza um diagnóstico, ela também gera perguntas que terão de
ser feitas ao buscar a compreensão. Essas perguntas podem estar relaciona-
das ao diagnóstico, ao tratamento e ao prognóstico.

Ao final de qualquer entrevista diagnóstica, você deve ser capaz de gerar


uma lista de informações adicionais de que necessita para um diagnóstico mais
concreto. As informações adicionais podem ser tão simples e diretas quanto as
informações secundárias fornecidas pelas pessoas que conhecem seu paciente
em outros contextos, incluindo relatos de psiquiatras anteriores, psicólogos,
terapeutas, conselheiros, médicos de atenção primária, pastores,
empregadores, colegas de trabalho, professores, colegas de aula, amigos,
familiares, companheiros e cônjuges. Às vezes, você pode querer abordar
questões problemáticas individuais por meio da administração de testes
diagnósticos adicionais, como exames físicos ou neurológicos, ou testes de
personalidade ou neuropsicológicos. Antes de administrar testes adicionais,
deve-se entender as forças e as limitações de cada teste e considerar como um
resultado positivo ou negativo mudará seu relacionamento terapêutico. Por fim,
é sempre útil procurar um entendimento mais aprofundado das estratégias de
enfrentamento de uma pessoa, bem como de sua compreensão da etiologia e
do tratamento da perturbação mental.

Embora o DSM-5 não seja um manual de tratamento, a entrevista


diagnóstica é um momento para se considerar se um tratamento é indicado e
qual tratamento seria esse. Na verdade, ao adquirir experiência, você pode
começar o tratamento nesse momento, por meio da incorporação de algumas

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técnicas terapêuticas básicas em sua entrevista diagnóstica. Muitos professores
recomendam um texto clássico, A entrevista psiquiátrica na prática clínica, para
que se aprenda como organizar uma entrevista psiquiátrica para a estrutura de
personalidade de seu paciente. Se você ainda não se sente capaz de introduzir
técnicas terapêuticas em sua entrevista diagnóstica, deve, pelo menos, começar
a formular mentalmente o caso e a identificar os recursos apropriados aos
problemas particulares e aos pontos fortes da pessoa enquanto a entrevista. As
maneiras de fazer isso são discutidas nos próximos capítulos.

Finalmente, o DSM-5 não oferece nada, em termos de prognóstico, para


ajudar um paciente a saber o que ele pode esperar como sequelas do tratamento
que você recomenda. Deve-se oferecer um nível razoável de esperança para a
pessoa que entrevista. Essa esperança deve ser in- formada por um exame da
literatura científica baseada em evidências, por sua sabedoria clínica e por sua
compreensão do funcionamento pré--mórbido da pessoa e dos recursos que lhe
estão disponíveis.

Aspectos importantes para o levantamento de hipóteses


diagnósticas

A História Pessoal de um paciente, não deve ser burocrática e precisa


corresponder a um esforço de bem caracterizar a trajetória de um indivíduo.
Cada vez mais, a medicina e a psicologia têm observado e demonstrado que as
pessoas adoecem frequentemente da vida que levaram ou levam. O paralelo

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entre certos tipos de temperamento, características comportamentais, hábitos
desenvolvidos, etc... e o risco aumentado para certas doenças, vem
progressivamente ganhando importância no exercício da medicina e na pesquisa
médica.

Na História Familiar, além da procura pelas óbvias e possíveis correlações


genéticas, deve-se tentar desenvolver uma impressão acerca da dinâmica
familiar do núcleo do qual o paciente provém. Com isso, pode-se não só
identificar o papel nela desempenhado, como também fazer uma razoável ideia
acerca das demais pessoas da família, especialmente: com quais deles se
poderá contar; e de quais se deverá esperar maior resistência ao tratamento. Um
bom critério para discriminar os casos nos quais alguma intervenção junto à
família é imprescindível, dispensável ou mesmo prejudicial, é o grau de
dependência do paciente em relação a ela. Esse é, aliás, o mesmo princípio que
implica a necessidade quase absoluta da participação da família nos tratamentos
de crianças em geral. Ou seja: se o paciente é muito dependente, a participação
muito ativa da família é indispensável (pelo menos de início e enquanto durar),
enquanto para aqueles que são razoavelmente independentes, a intervenção
familiar pode ser até mesmo prejudicial.

É no Exame Psíquico de um paciente que o psiquiatra ou psicólogo mais


é obrigado a exercitar uma boa semiologia. Por isso, esse tão importante item
do exame psiquiátrico será tomado como fio condutor de todo o trabalho que se
seguirá. Por ora, é bom que enfatizemos a necessidade de que, nesse ponto, se
evitem os termos técnicos e se priorize a descrição.

Terminado o Exame Psíquico, aí sim, passaremos a atribuir as


denominações técnicas das manifestações que nele foram descritas, e, para
isso, valemo-nos de um novo item, denominado Súmula Psicopatológica. A boa
descrição sempre pode permitir que um eventual erro seja corrigido a tempo e
até por outras pessoas que sequer tenham assistido à entrevista.

A sequência das funções psíquicas examinadas, e caracterizadas através


da escrita, não é arbitrária. Ela tem como critério a avaliação, em primeiro lugar,
daquelas que mais chamam a atenção inicialmente e influenciam de maneira
determinante as demais.

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Tendo sido bem caracterizados e denominados os sinais e sintomas,
estamos capacitados, ou mesmo obrigados a atribuir um Diagnóstico
Sindrômico, que consiga reunir os principais sinais e sintomas caracterizados em
um paciente. Um diagnóstico sindrômico é completamente referenciado a um
exame psíquico efetivamente realizado. Para usar uma linguagem histológica ou
anatômica, ele representa um “corte transversal” na observação, ou seja, a
caracterização daquelas algumas dezenas de minutos de observação, ao
contrário das observações longitudinais. Um paciente pode apresentar mais de
uma síndrome, mas há que ser muito criterioso nessa atribuição, fazendo valer
sempre aquele princípio denominado da “parcimônia” (aplicando o que ficou
conhecido por “Navalha de OCKAM”): o esforço da procura por um único
diagnóstico que possa enfeixar todas as manifestações observadas.

Se existissem sinais e sintomas específicos para cada uma das doenças


psiquiátricas, não se perderia tempo raciocinando em torno de síndromes. Como
não é assim que as coisas se dão, o diagnóstico sindrômico é absolutamente
imprescindível, até porque, também do ponto de vista do tratamento, as terapias
psiquiátricas são, quase todas elas, mais propriamente sindrômicas do que
dirigidas especificamente às diversas doenças, ou seja, um diagnóstico
sindrômico autoriza o início de uma terapêutica.

Uma síndrome é um conjunto de sinais e sintomas e pode decorrer de


mais de um transtorno, distúrbio, entidade nosológica. É bom que não nos
esqueçamos de que, do ponto de vista semiológico, um sinal tem muito mais
valor do que um sintoma, até porque, é observado diretamente, sem precisar da
intermediação da informação verbal e, por isso, é de mais difícil simulação (tentar
convencer alguém de que se está sofrendo de algum mal que não está presente)
ou dissimulação (tentar esconder de alguém alguma manifestação efetivamente
presente, respectivamente). Um bom recurso, aliás, para a confirmação de uma
suspeita da existência de simulação ou dissimulação, é a observação do
paciente fora da situação artificial da entrevista. Ninguém simula ou dissimula
por muito tempo e em todas as situações da vida. Uma grande discordância entre
as condutas na entrevista e no convívio com outros pacientes deve ser motivo
para que suspeitemos da sua presença.

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Se a combinação de sinais e sintomas se desse ao acaso, haveria infinitas
síndromes, ou, em verdade, não haveria síndrome alguma, pois elas não teriam
qualquer utilidade. Felizmente, essa combinação se dá de forma a que se
consiga caracterizar pouco mais de dez síndromes psiquiátricas, variando esse
número de autor para autor e dependendo da inclusão na lista de uma variedade
de síndromes orgânico-cerebrais descritas nas últimas décadas.

O diagnóstico sindrômico ajuda a organizar o raciocínio e a selecionar


aquelas entidades que mais provavelmente estão determinando as
manifestações observadas. Ele é também extremamente útil na identificação das
simulações e também dos episódios dissociativos e/ou conversivos nos quais a
sugestionabilidade é fator importante. Como os pacientes não conhecem as
síndromes tendem a simular ou a fazer a conversão/dissociação associando
sinais e sintomas que habitualmente não ocorrem juntos, da mesma forma que
as conversões que cursam com paralisias ou parestesias (sensação de
“formigamento”) não respeitando os trajetos neuronais.

A Hipótese Diagnóstica Nosológica deverá ser feita a partir do


entrechoque da HDA com o Diagnóstico Sindrômico atribuído a um paciente.
Como o diagnóstico nosológico em psiquiatria tem um caráter evolutivo* (ou seja,
necessita da observação do paciente por períodos determinados), ao final de
uma entrevista estaremos apenas autorizados a fazer uma hipótese diagnóstica.

Feita a hipótese diagnóstica nosológica, é um bom exercício refletir


ativamente sobre outras possibilidades, algumas já anteriormente aventadas.
Isso se chama Diagnóstico Diferencial e é esperado que aquele que examinou,
depois de haver assinalado nesse item algumas poucas condições, pense nos
porquês que o levaram a não as eleger como sua hipótese principal.

Princípios gerais do diagnóstico psicopatológico

Há, no processo diagnóstico, uma relação dialética permanente entre o


particular, individual (aquele paciente específico, aquela pessoa em especial), e
o geral, universal (categoria diagnóstica à qual essa pessoa pertence). Portanto,

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não se deve esquecer: os diagnósticos são ideias (constructos), fundamentais
para o trabalho científico, para o conhecimento do mundo, mas não objetos reais
e concretos.

Tanto na natureza como na esfera humana, podem-se distinguir três


grupos de fenômenos em relação à possibilidade de classificação:

1. Aspectos e fenômenos encontrados em todos os seres humanos.


Tais fenômenos fazem parte de uma categoria ampla demais para a
classificação, sendo pouco útil o seu estudo taxonômico. De modo geral, em
todos os indivíduos a privação das horas de sono causa sonolência, e a restrição
alimentar, fome; ou seja, são fenômenos triviais que não despertam grande
interesse à psicopatologia.

2. Aspectos e fenômenos encontrados em algumas pessoas, mas não


em todas.

Estes são os fenômenos de maior interesse para a classificação


diagnóstica em psicopatologia. Aqui, situam-se a maioria dos sinais, sintomas e
transtornos mentais.

3. Aspectos e fenômenos encontrados em apenas um ser humano em


particular.

Tais fenômenos, embora de interesse para a compreensão do ser


humano, são restritos demais, e de difícil classificação e agrupamento, tendo
maior interesse os seus aspectos antropológicos, existenciais e estéticos que
propriamente taxonômicos.

De modo geral, pode-se afirmar que o diagnóstico só é útil e válido se for


visto como algo mais que simplesmente rotular o paciente. Esse tipo de utilização
do diagnóstico psiquiátrico seria uma forma precária, questionável e não
propriamente científica. Funcionaria apenas como estímulo a preconceitos que
devem ser combatidos. A legitimidade do diagnóstico psiquiátrico sustenta-se na
perspectiva de aprofundar o conhecimento, tanto do indivíduo em particular
como das entidades nosológicas utilizadas.

Isso permite o avanço da ciência, a antevisão de um prognóstico e o


estabelecimento de ações terapêuticas e preventivas mais eficazes. Além disso,

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o diagnóstico possibilita a comunicação mais precisa entre profissionais e
pesquisadores. Sem o diagnóstico, haveria apenas a descrição de aspectos
unicamente individuais, que, embora de interesse humano, são ainda
insuficientes para o desenvolvimento científico da psicopatologia.

Do ponto de vista clínico e específico da psicopatologia, embora o


processo diagnóstico em psiquiatria siga os princípios gerais das ciências
médicas, há certamente alguns aspectos particulares que devem ser aqui
apresentados:

1. O diagnóstico de um transtorno psiquiátrico é quase sempre


baseado preponderantemente nos dados clínicos. Dosagens laboratoriais,
exames de neuroimagem estrutural (tomografia, ressonância magnética, etc.) e
funcional (SPECT, PET, mapeamento por EEG, etc.), testes psicológicos ou
neuropsicológicos auxiliam de forma muito importante, principalmente para o
diagnóstico diferencial entre um transtorno psiquiátrico primário (esquizofrenia,
depressão primária, etc.) e uma doença neurológica (encefalites, tumores,
doenças vasculares, etc.) ou sistêmica. É importante ressaltar, entretanto, que
os exames complementares (semiotécnica armada) não substituem o essencial
do diagnóstico psicopatológico: uma história bem-colhida e um exame psíquico
minucioso, ambos interpretados com habilidade.

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2. O diagnóstico psicopatológico, com exceção dos quadros psico-
orgânicos (delirium, demências, síndromes focais, etc.), não é, de modo geral,
baseado em possíveis mecanismos etiológicos supostos pelo entrevistador.
Baseia-se principalmente no perfil de sinais e sintomas apresentados pelo
paciente na história da doença e no momento da entrevista. Por exemplo, ao
ouvir do paciente ou familiar uma história de vida repleta de sofrimentos, fatos
emocionalmente dolorosos ocorridos pouco antes do eclodir dos sintomas, a
tendência natural é estabelecer o diagnóstico de um transtorno psicogênico,
como “psicose psicogênica”, “histeria”, “depressão reativa”, etc. Mas isso pode
ser um equívoco.

A maioria dos quadros psiquiátricos, sejam eles de etiologia “psicogênica”,


“endogenética” ou mesmo “orgânica”, surge após eventos estressantes da vida.
Além disso, é frequente que o próprio eclodir dos sintomas psicopatológicos
contribua para o desencadeamento de eventos da vida (como perda do cônjuge,
separações, perda de emprego, brigas familiares, etc.). Muitas vezes o raciocínio
diagnóstico baseado em pressupostos etiológicos mais confunde que esclarece.
Deve-se, portanto, manter duas linhas paralelas de raciocínio clínico; uma linha
diagnóstica, baseada fundamentalmente na cuidadosa descrição evolutiva e
atual dos sintomas que de fato o paciente apresenta, e uma linha etiológica, que
busca, na totalidade de dados biológicos, psicológicos e sociais, uma formulação
hipotética plausível sobre os possíveis fatores etiológicos envolvidos no caso.

3. De modo geral, não existem sinais ou sintomas psicopatológicos


totalmente específicos de determinado transtorno mental. Além disso, não há
sintomas patognomônicos em psiquiatria. Portanto, o diagnóstico
psicopatológico repousa sobre a totalidade dos dados clínicos, momentâneos
(exame psíquico) e evolutivos (anamnese, história dos sintomas e evolução do
transtorno). É essa totalidade clínica que, detectada, avaliada e interpretada com
conhecimento (teórico e científico) e habilidade (clínica e intuitiva), conduz ao
diagnóstico psicopatológico.

4. O diagnóstico psicopatológico é, em inúmeros casos, apenas


possível com a observação do curso da doença. Dessa forma, o padrão evolutivo
de determinado quadro clínico obriga o psicopatólogo a repensar e refazer
continuamente o seu diagnóstico. Uma das funções do diagnóstico em medicina

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é prever e prognosticar a evolução e o desfecho da doença (o diagnóstico deve
indicar o prognóstico). Porém, às vezes, isso se inverte no contexto da
psiquiatria. Não é incomum que o prognóstico, a evolução do caso, obrigue o
clínico a reformular o seu diagnóstico inicial.

5. Como salientou o psiquiatra brasileiro José Leme Lopes, em 1954,


o diagnóstico psiquiátrico deve ser sempre pluridimensional. Várias dimensões
clínicas e psicossociais devem ser incluídas para uma formulação diagnóstica
completa: identifica-se um transtorno psiquiátrico como a esquizofrenia, a
depressão, a histeria, a dependência ao álcool, etc., diagnosticam-se condições
ou doenças físicas associadas (hipertensão, cirrose hepática, cardiopatias, etc.)
e avaliam-se a personalidade e o nível intelectual desse doente, a sua rede de
apoio social, além de fatores ambientais protetores ou desencadeantes. O
sistema norte-americano DSM, desde o início dos anos 1980, tem enfatizado a
importância da formulação diagnóstica em vários eixos. Também é sumamente
importante o esforço para a formulação dinâmica do caso (conflitos conscientes
e inconscientes implicados no caso específico, mecanismos de defesa, ganho
secundário, aspectos transferenciais, etc.) e a formulação diagnóstica cultural
(símbolos e linguagem cultural específica para aquele paciente, representações
sociais, valores, rituais, religiosidade, etc.).

6. Confiabilidade e validade do diagnóstico em psiquiatria. A


confiabilidade (reliability) de um procedimento diagnóstico (técnica de entrevista
padronizada, escala, teste, diferentes entrevistadores, etc.) diz respeito à
capacidade desse procedimento produzir, em relação a um mesmo indivíduo ou
para pacientes de um mesmo grupo diagnóstico, em circunstâncias diversas, o
mesmo diagnóstico. Ao mudar diferentes aspectos do processo de avaliação
(avaliador ou momento de avaliação), o resultado final permanece o mesmo.
Assim, quando a avaliação é feita por examinadores distintos (interrater
reliability) ou em diferentes momentos (test-retest reliability), obtém-se o mesmo
diagnóstico. Tem-se um indicador de reprodutibilidade do diagnóstico. A validade
(validity) diz respeito à capacidade de um procedimento diagnóstico conseguir
captar, identificar ou medir aquilo que realmente se propõe a reconhecer. Para
saber se um novo procedimento diagnóstico é válido, é preciso compará-lo com

21
outro procedimento diagnóstico prévio (“padrão ouro”), que seja bem-aceito e
reconhecido como mais acurado, capaz de identificar.

Entrevista inicial: conceito, objetivos e técnicas

Segundo Macedo e Carrasco (2005), a entrevista é um recurso importante


e fundamental que o psicólogo utiliza em seu trabalho. A entrevista, quando
estabelecida como uma situação de diálogo, pode ser um meio privilegiado de
acesso ao outro, pois a partir da palavra criam-se as condições necessárias para
que uma relação de ajuda seja constituída.

Entretanto, a entrevista não é um instrumento exclusivo deste profissional,


assim como não é limitada a uma área de atuação do psicólogo. Para essas
autoras, a entrevista refere-se a uma técnica de conversação que tem como
objetivo fundamental possibilitar que o psicólogo busque informações ou dados
sobre seu cliente. É possível perceber a presença da entrevista em diferentes
áreas da psicologia.

Por exemplo, de acordo com Wainer e Piccoloto (2005), na Terapia


Cognitiva as sessões iniciais implicam em uma avaliação diagnóstica descritiva,
que embasará o entendimento cognitivo e a construção do modelo teórico-

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explicativo referente ao caso, servindo, assim, de base para a escolha das
estratégias terapêuticas que serão utilizadas ao longo da terapia.

Os autores mencionam, ainda, que nas entrevistas iniciais é preciso


estabelecer uma aliança terapêutica satisfatória, na qual a postura do terapeuta,
sua expressão corporal, seu tom de voz e suas intervenções claras e não-
impositivas poderão contribuir para proporcionar ao cliente um ambiente seguro,
compreensivo e colaborativo para o processo psicoterápico. A partir das
informações colhidas nas entrevistas iniciais, o profissional irá elaborar metas
terapêuticas, baseadas em dados claros e abrangentes, referenciais teóricos
precisos e expectativas realistas, dentro das possibilidades.

Vale destacar que na terapia cognitiva, as entrevistas iniciais também


seguem uma estruturação básica (WAINER; PICCOLOTO, 2005). No que diz
respeito à terapia familiar sistêmica, também é possível perceber a presença e
o papel da entrevista inicial.

Nesse tipo de terapia, Souza (2005) afirma que as entrevistas iniciais têm
como objetivo iniciar o diagnóstico do cliente, através de um processo dinâmico
e longitudinal, sendo preciso considerar aspectos socioculturais, étnicos, estágio
do ciclo vital em que a família se encontra, adequação ou não-adequação ao
mapeamento da estrutura familiar, avaliação dos subsistemas, alianças e
fronteiras. Além disso, é importante perceber o estilo de funcionamento da
família e analisar tanto o papel, quanto a relevância do sintoma para ela.

Portanto, segundo a autora, nas entrevistas iniciais o terapeuta deve


estabelecer empatia e confiança para que a família possa se expressar
emocionalmente. De tal modo, através da observação da família em interação,
o terapeuta poderá colher dados e organizá-los para basear suas intervenções
e técnicas a serem utilizadas.

No contexto psicanalítico, segundo Gilliéron (1996), a entrevista inicial


pode fornecer informações fundamentais sobre a personalidade do cliente, visto
que é nesse contexto que ele se manifestará melhor. Assim sendo, o
psicoterapeuta deverá ser capaz de localizar a problemática do cliente, bem
como os pontos de referência que poderão ser utilizados pelo profissional para
fundamentar a forma pela qual o cliente se comporta em relação ao contexto da

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entrevista. Esta permite ao profissional conhecer o modo de chegada do cliente
ao tratamento, por exemplo, se foi ele quem decidiu, se foi encaminhado por
outro profissional ou pelo conselho de alguém.

Gilliéron (1996) afirma, ainda, que a entrevista inicial permite conhecer o


tipo de relação que o cliente procura estabelecer com seu terapeuta e como suas
queixas iniciais são verbalizadas, principalmente a forma pela qual o pedido de
ajuda é direcionado ou não a este profissional. No campo da saúde mental
também é possível destacar o papel da entrevista inicial.

Morrison (2010) aponta que neste contexto de entrevista, o propósito


inicial é obter informações necessárias para planejar o tratamento. Para o autor,
esta primeira etapa é conduzida de forma livre e o entrevistador interrompe o
mínimo possível, apenas o necessário para nortear a entrevista, caso esta tome
um rumo “errado” – no sentido de fugir daquilo que se pretende conhecer.

Após a etapa de entrevista livre, o profissional procura conhecer sobre a


história do sintoma atual do cliente, explorando os problemas que o levaram ao
atendimento, buscando, também, esclarecer sobre os sintomas e como eles têm
afetado seu funcionamento e relacionamentos sociais, profissionais, familiares,
entre outros. Também se procura saber quando o cliente percebeu o início do
sintoma e como foi sua evolução.

Em seguida, o entrevistador deve buscar conhecer os episódios


anteriores que poderão auxiliar no diagnóstico e no prognóstico do cliente, bem
como procurar conhecer sua história pessoal e social, utilizando,
preferencialmente, perguntas abertas, para que possam ser respondidas de
forma mais livre e ampla, usando perguntas fechadas apenas para esclarecer
detalhes específicos.

Além disso, o entrevistador deve utilizar uma linguagem que o cliente


conheça, evitando utilizar termos técnicos. Portanto, é possível perceber que a
entrevista inicial refere-se a uma etapa que inicia diferentes tipos e abordagens
psicoterápicas, assim como ocorre no processo de diagnóstico. É possível
perceber, ainda, que estas entrevistas, nas diferentes abordagens e áreas
citadas, permitem conhecer o motivo da busca pelo atendimento, a história atual
deste sujeito, eventos passados considerados importantes para a compreensão

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do caso, história pessoal e social, dados que, em conjunto, permitirão formular
hipóteses, bem como planejar técnicas e estratégias a serem utilizadas.

Além disso, considerar o contexto do cliente e utilizar uma linguagem


acessível a ele é fundamental. Especificamente sobre a coleta de dados da
história de vida do paciente (anamnese), Cunha (2000) destaca que ela
pressupõe uma reconstrução global de sua vida, visando conhecer como o
problema atual se enquadra e ganha significação. Assim, a anamnese deve ser
realizada de acordo com os objetivos do diagnóstico e dependendo do cliente,
bem como de sua idade.

Segundo Carrasco e Potter (2005), as entrevistas de anamnese podem


ser realizadas com o próprio cliente ou com pessoas que puderem trazer mais
informações sobre sua história de vida. Essas autoras ressaltam que no
diagnóstico todas as entrevistas podem ser consideradas de anamnese, pois os
dados referentes à história de vida do cliente são coletados desde a entrevista
inicial até a entrevista de devolução.

Além disso, destacam que as informações não devem restringir-se


apenas ao processo evolutivo do cliente, é preciso contextualizá-lo em seu

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sistema familiar, bem como investigar para além deste sistema, por exemplo,
considerando o contexto social, cultural e econômico em que ele está inserido.
Considerando, então, estes apontamentos sobre as características e os
objetivos das entrevistas iniciais, tanto em processos de avaliação clínica quanto
em psicoterapias de diferentes orientações teóricas, reforça-se a relevância do
presente estudo, uma vez que tais entrevistas possibilitam ao psicólogo obter
informações sobre o cliente e sobre sua história de vida, bem como sobre os
contextos nos quais está inserido.

Estes elementos são centrais para a condução de um diagnóstico, pois


auxiliam o profissional no levantamento de hipóteses sobre a queixa
apresentada, orientando-o na construção de uma bateria de técnicas e/ou testes,
proporcionando uma avaliação precisa e, consequentemente, uma devolução
condizente com as necessidades do solicitante e do cliente.

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