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AVALIAÇÃO PSCOLÓGICA I

Aula 8 – Anamnese e EEM


INTRODUÇÃO
A história e o exame do estado mental do avaliado constituem elementos básicos
das primeiras entrevistas de AP. A recolha de informação da história de vida e da história
clínica do cliente (= anamnese) deve ser transversal a qualquer avaliação psicológica
clínica, forense, escolar. Por outro lado, o exame do estado mental justifica-se em
circunstâncias específicas (e.g., neuropsicologia);

A utilização de um ou de ambos os recursos podem ser suficientes para recolher


dados que sustentem a AP compreensiva.
À medida que o psicólogo questiona sobre a história pessoal ou anamnese e a
história clínica, vai também recolhendo informações sobre o estado mental do paciente.
Se essas informações forem ambíguas, poderá justificar-se a aplicação de um instrumento
de avaliação para o efeito. MacKinnon e Yudofsky (cit. in Cunha, 2000) referem que
tanto a história pessoal como o exame do estado mental têm áreas de sobreposição;

O primeiro contacto com o cliente permite descrever a sua aparência e


observar detalhes do comportamento (atenção, concentração, memória);
A profundidade que se dá à informação e a cada um destes recursos depende
dos objetivos da AP.

HISTÓRIA CLÍNICA
Pretende caracterizar a emergência de sintomas ou de mudanças comportamentais
do passado até ao presente.
Quando é difícil para o cliente identificar o início do problema, esta
informação pode ser registada na entrevista da história pessoal ou anamnese.
Embora o psicólogo possa já ter informações sobre o pedido de AP, é muito importante
recolher a perspetiva do próprio sobre o problema (mesmo que o cliente negue ter
qualquer problema pois pode ser reflexo de uma postura defensiva);
É necessário descrever os sintomas:
 Localizá-los no tempo o seu aparecimento;
 Identificar o seu impacto nas diversas dimensões da sua vida;
 Em que momentos os sintomas se tornam +/- evidentes.
Outras variáveis relevantes que devem ser exploradas:
 Progressão/evolução dos sintomas ao longo do tempo;
 Rede social de apoio;
 Relação com o contexto de trabalho/académico;

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Esta exploração deve ser mais ou menos diretiva?

Depende das características do paciente e das preferências do psicólogo. O importante é


que o psicólogo conclua esta fase com a convicção de que foram abordados todos os
pontos essenciais sobre surgimento, curso e efeitos do problema.
Pressupõe uma reconstituição global da vida do paciente. Através deste recurso é possível
obter uma grande variedade de informações sobre a vida pessoal do avaliado. Assim, é
fundamental que o psicólogo as sistematize no sentido de valorizar apenas os dados que
possam ter uma possível conexão com o problema que conduziu à AP;
Deve, assim, contemplar dois aspetos:
 O tipo e objetivos da AP;
 Idade do avaliado (implicará a recolha de diferentes níveis de dados);
 P.ex.: se o nosso cliente é uma criança, temos de estar mais atentos às questões
do desenvolvimento normativo do que se o nosso cliente for alguém já idoso.
É frequente o psicólogo recorrer a um roteiro de entrevista para a exploração da história
pessoal.
Alguns pontos de referência para elaborar um guião de entrevista (> ou < ênfase
deve ser dado a cada tópico em função do objetivo da AP e do próprio cliente):

Contexto familiar: construção do genograma; informações intra e intergeracionais;


descrição do contexto familiar desde a sua formação (condições socioculturais,
expetativas, qualidade das relações, ...);
História peri e pré-natal: descrição do processo de gestação do ponto de vista físico e
psicológico (estado emocional); reações à chegada do bebé, experiências iniciais;
transição da família para a parentalidade;
1ª infância (até aos 3 anos): qualidade da relação pais-bebé; averiguar presença de
eventuais problemas físicos/médicos; emergência dos padrões comportamentais; relação
fraternal.
Infância intermédia (3-11 anos): entrada na escola e socialização; separação dos pais;
relação pais-filho; desempenho escolar;
Pré-puberdade, puberdade e adolescência: relação com os pares; desempenho escolar;
expectativas quanto ao futuro profissional; sexualidade; problemas de ordem emocional,
física e/ou social; ocorrência de doenças, acidentes;
Idade adulta: situação ocupacional; relações sociais; dimensão sexual; história conjugal;
constituição de famílias, ...

O que devemos fazer  Criança


quando o cliente não  Adulto com transtornos mentais severos
possui todos os dados?  Problemas neuropsicológicos.

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A anamnese pode ser completada com entrevistas a familiares ou pessoas próximas


(particularmente útil com crianças e adolescentes);
Poderá também realizar-se uma entrevista com mais elementos, para além daquele que é
alvo da AP, com o intuito de recolher e integrar mais informação;
A consulta de outros registos também pode ajudar a completar a informação (e.g., registos
médicos, escolares, álbum de fotografias, desenhos, ...).
EXAME DO ESTADO MENTAL
O EEA permite avaliar os principais sistemas do funcionamento psicológico (e.g., função
cognitiva, memória). Foi introduzido por um psiquiatra (Adolf Meyer, 1902) e
rapidamente se popularizou no âmbito da psiquiatria;

O que nos poderá levar a incluir um EEA no processo de AP?

Diversas razões poderão motivar esta opção:


 Decidir pela seleção de testes psicológicos mais formais;
 Decidir pelo encaminhamento mais rápido e adequado (e.g., hospitalização);
 Fazer o screening/triagem de disfunções cognitivas.
Apesar da popularidade no contexto psiquiátrico, o exame do estado mental não é muito
comum da psicologia.
Em parte porque esta análise vai sendo realizada através da entrevista e dos
testes psicológicos: avaliação da aparência, de funções cognitivas como atenção,
memória, ...
No entanto, a grande vantagem do exame do estado mental é realizar esta avaliação num
curto espaço de tempo. Além disso, em muitas ocasiões, a avaliação pela entrevista e
pelos testes não é suficiente. A literatura demonstra alguma variabilidade nos
procedimentos das avaliações do exame do estado mental.
Alguns psicólogos utilizam versões Outros recorrem a instrumentos mais
não estruturadas ou guidelines estruturados*

É mais frequente realizar o exame do estado mental centrado nos danos cognitivos do que
numa avaliação cognitiva geral e compreensiva;
Um dos testes estruturados mais utilizados é o *Mini-Mental State Examination:
composto por 11 itens que avaliam a orientação, atenção, cálculo e linguagem;
Apresenta boas qualidades psicométricas ao nível dos interavaliadores e da estabilidade
teste-reteste, sendo sensível à identificação de danos no hemisfério esquerdo.

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Que dimensões devem ser avaliadas?

Aparência e comportamento:
 Roupas, postura, gestos, discurso, expressão facial, contacto ocular ... De que forma
é que o comportamento é socialmente ajustado/esperado; algum comportamento
bizarro durante a entrevista?
Sentimentos (afetividade e humor):
 Qual a expressão de humor dominante durante a entrevista? Qual a afetividade
expressa na entrevista? (intensidade, profundidade, duração, ...); o avaliado apresenta
uma postura de proximidade ou afastamento?
Perceção:
 Presença de alucinações; Qual a perceção que o indivíduo tem de si e do mundo?
Pensamento:
 Funcionamento intelectual: necessidades intelectuais; despiste de causa orgânica para
resultados baixos;
 Orientação: pessoa (quem é), espaço (onde estão) e tempo (quando); A desorientação
mais comum é a temporal; avaliação da dimensão sensorial (de que forma é que os
sentidos estão a receber e integrar os estímulos?)
 Memória, Atenção e Concentração: habitualmente consideradas em conjunto; p.ex.:
a memória a curto prazo pode ser evocada solicitando a descrição de um evento
recente;
 Insight e Julgamento: avaliação da tomada de decisões e planificação dos indivíduos;
 Pensamento: coerência do discurso, raciocínio lógico, presença de obsessões ou
compulsões ...

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MINI-MENTAL STATE EXAMINATION (MMSE)


MMSE - Rastreio Cognitivo Breve

Trata-se de um dos instrumentos de Rastreio Cognitivo Breve mais utilizado a nível


internacional:
 Mais utilizado em contexto clínico e de investigação;
 Mais amplamente validado para diversas populações;
 Mais referenciado na literatura;
 Utilizado em ensaios clínicos como fator de inclusão/exclusão;
 Usado para equiparação do nível de severidade de demência;
 Meio de comunicação entre profissionais;

Características gerais:
 Pontuação total: 30 pontos
 Administração fácil e rápida (10 minutos)
 Formato: papel e lápis
 Avaliação global das funções cognitivas do indivíduo.
Domínios cognitivos avaliados:
 Orientação (temporal e espacial);
 Retenção;
 Atenção e Cálculo;
 Evocação Diferida;
 Linguagem (nomeação; repetição verbal; compreensão oral; compreensão escrita;
expressão escrita);
 Capacidade Visuo-Construtiva.

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Em Portugal, o primeiro estudo sistemático com o MMSE foi realizado por Guerreiro:
Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas & Garcia, 1994;
Guerreiro, M. (1998). Contributo da neuropsicologia para o estudo das
Demências. (Dissertação de Doutoramento não publicada). Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa, Lisboa.
 Estudo de adaptação transcultural;
 Análise psicométrica;
 Estudos de validação num grupo clínico heterogéneo de 151 pacientes;
 Estudo normativo.
Dado que neste estudo (Guerreiro, 1998), se verificou uma forte influência da
escolaridade no desempenho da prova, foram definidos dados normativos e pontos de
corte com base neste critério:
Analfabetos: 15/16 pontos (sensibilidade = 63.6%; especificidade = 91.4%)
1 a 11 anos de escolaridade: 22/23 pontos (sensibilidade = 77.4%; especificidade = 96.8%)
Mais de 11 anos de escolaridade: 27/28 pontos (sensibilidade = 66.7%; especificidade = 90%)

Em 2009 foi realizado um novo estudo normativo para a população portuguesa (Morgado,
Rocha, Maruta, Guerreiro & Martins, 2009);

Amostra de 411 participantes;


Escolaridade constitui a variável com maior capacidade preditiva do desempenho no
teste (correlação positiva);
Efeito reduzido, mas significativo da Idade (correlação negativa);

3 grupos de Literacia:
0 a 2 anos (M = 25.16; DP = 2.16; ponto de corte: 22);
3 a 6 anos (M = 27.82; DP = 1.78; ponto de corte: 24);
7 ou mais anos (M = 29.05; DP = 1.11; ponto de corte: 27).

Limitações:
 As amostras utilizadas não estratificadas nem representativas da população
portuguesa (amostra por conveniência);
 A literatura indica que o MMSE tem baixa sensibilidade a estádios de declínio
cognitivo mais ligeiros (elevada taxa de falsos negativos; reduzida sensibilidade a
quadros clínicos de declínio cognitivo ligeiro);
 Reduzida complexidade de muitas das tarefas (principalmente ao nível da memória e
da linguagem) – pouco adequado a indivíduos com escolaridade mais elevada;
 Incapacidade para diferenciar distintas condições clínicas;
 Ausência de tarefas para avaliação da função executiva.

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MONTREAL COGNITIVE ASSESSMENT (MoCa)


Instrumento breve de rastreio cognitivo para avaliar o Défice Cognitivo Ligeiro.

Entidade clínica intermédia entre as alterações clínicas do


envelhecimento e as primeiras manifestações clínicas de demência.

Construído ao longo de 5 anos, foi publicado pela 1ª vez em 2005 (Nasreddine e cols.);
Características gerais:
 1 página;
 Tempo de aplicação: 10 min;
 Manual com instruções de aplicação e cotação;
 Pontuação máx. de 30 pontos.
Avalia 8 domínios cognitivos:

Vantagens do MoCa comparativamente ao MMSE:


 Avalia mais funções cognitivas;
 Apresenta itens com > complexidade (tarefa de memória implica mais palavras e
> intervalo de tempo precedente à evocação);
 Existem tarefas de avaliação das funções executivas;
 Maior exigência ao nível das aptidões linguísticas, do processamento
visuoespacial complexo, e da atenção, concentração e memória de trabalho (áreas
de potencial deterioração nos pacientes com DCL);

MoCa = instrumento mais sensível aos estádios de défice mais ligeiros e mais adequado
ao rastreio cognitivo da população com escolaridade mais elevada.

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Para informações mais detalhadas sobre o processo de adaptação e validação da versão


portuguesa do MoCa consultar:
Freitas, S., Simões, M. R., Martins, C., Vilar, M., & Santana, I. (2010). Estudos de
adaptação do Montreal Cognitive Assessment (MoCa) para a população portuguesa.
Avaliação Psicológica, 9(3), 345-357.

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