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DA CONTEMPORANEIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA: UMA ANÁLISE

JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA

ANDRADE, Guilherme Pereira.1


Matrícula nº 120090015, gpandrade@id.uff.br, + 55 (14) 99176-1171.

BRAZ, João Gabriel Viana Abbud.2


Matrícula nº 120090026, joaobraz@id.uff.br, +55 (24) 98147-6472.

DOS SANTOS, Mariana Fernandes Oliveira.3


Matrícula nº 220090054, fernandes_mariana@id.uff.br, +55 (24) 99998-2051.

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Bacharelando no curso de graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, do Polo Universitário de
Volta Redonda - RJ. Estagiário da Defensoria Pública de Barra Mansa/RJ. Monitor de História do Direito na
Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta Redonda/RJ. Orador da Equipe de Direito e
Processo Penal da Universidade Federal Fluminense - Polo Universitário de Volta Redonda/RJ. Membro do
Grupo de Pesquisa Vulnerabilidades na Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta
Redonda/RJ.
2
Bacharelando no curso de graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, do Polo Universitário de
Volta Redonda - RJ. Estagiário da Defensoria Pública de Barra Mansa/RJ.
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Bacharelanda no curso de graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, do Polo Universitário de
Volta Redonda - RJ. Estagiária da 2ª Vara Federal Criminal de Volta Redonda/RJ. Membro do Grupo de
Pesquisa Vulnerabilidades na Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta Redonda/RJ.
DA CONTEMPORANEIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA: UMA ANÁLISE
JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA

RESUMO
A prisão preventiva é uma modalidade de medida cautelar e, como tal, precisa ser norteada
pelo postulado constitucional da presunção de inocência. Nesse sentido, a decisão que a
estabelece, conforme o § 2º do art. 312 do Código de Processo Penal brasileiro, deve contar
com fatos novos e contemporâneos capazes de comprovar que, por conta do perigo evidente,
não há outra alternativa a não ser privar o indivíduo da liberdade. Por meio de uma pesquisa
exploratória, volta-se a análise de como a jurisprudência e a doutrina dialogam acerca dessa
temática. Com o intuito de se demonstrar a realidade das decisões judiciais que determinam
esta medida, qual seja, a desconsideração da essencialidade da contemporaneidade dos fatos
e, por conseguinte, a deturpação dos preceitos constitucionais, analisar-se-á o termos do
julgamento do HC 318.702 – MG como ponto de partida deste trabalho acadêmico.

Palavras-chave: Processo Penal. Prisão Preventiva. Contemporaneidade.

INTRODUÇÃO

Objetiva-se, neste ensaio, refletir acerca da aplicação da prisão preventiva, no âmbito


do processo penal, colocando em foco a sua árdua coexistência com o postulado
constitucional da presunção de inocência - consagrado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição
da República Federativa do Brasil – CRFB/88 - e, pari passu, pensar em como deve ser
tratada a contemporaneidade do perigo enquanto elemento justificador do cabimento da
restrição de liberdade do acusado. Ademais, busca-se demonstrar claro vilipêndio na
decretação desta medida coercitiva pessoal, ressaltando-se sua deturpação que enseja
constrição de direitos fundamentais, como o de ser tratado como inocente até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória. Ainda, pretende-se analisar o julgamento do Habeas
Corpus 318.702 – MG para fins exemplificativos dos teores das decisões que determinam esta
medida. Sob a perspectiva metodológica, adotar-se-á o tipo de pesquisa exploratória,
amparada em literatura do tema.

ABORDAGEM TEÓRICA

Ao consultar a redação do art. 5º, inc. LVII da CRFB/88, percebe-se o intento do


legislador constituinte em consagrar o princípio da presunção de inocência e em delimitar um
marco processual, isto é, o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. De plano,
infere-se que se resume em princípio norteador do sistema processual penal brasileiro – pois

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princípio fundamental de civilidade - e que enseja na escolha política de proteção pelos
direitos e garantias individuais frente a extensão do poder punitivo a cenário carente de
requisitos e fundamentos autorizadores. Dito isso, menciona-se que o princípio em tela se
desenvolve em três esferas, isto é, enquanto norma de tratamento, norma probatória e norma
de julgamento. Para o desenvolvimento deste estudo, explorou-se a primeira perspectiva,
levando em consideração o limite constitucional destacado e a natureza instrumental das
medidas cautelares previstas na legislação pertinente.
No tocante a este princípio, pode-se resumi-lo no dever de tratar como inocente a
pessoa do acusado até o esgotamento das vias recursais e, consequentemente, no
reconhecimento da excepcionalidade da decretação de mandamentos coercitivos (patrimoniais
ou pessoais) até este momento. Já quanto o carácter instrumental das cautelares, mostra-se
inelutável os dizeres de LOPES JR 4 de que “as medidas cautelares de natureza processual
penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e, como consequência, a eficaz
aplicação do poder de penar”, ou seja, a decretação de medidas cautelares e, essencialmente, a
aplicação da prisão preventiva devem se ater a elementos justificadores com fulcro no
sopesamento entre a consagração de tal postulado constitucional e na excepcional
relativização de seus efeitos. Nesses moldes, prevalece-se que a sua aplicação, na verdade,
deve prostrar-se como ultima ratio, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da
impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes,
sem exceção, estejam protegidos.
Quanto a aplicação da prisão preventiva (medida cautelar pessoal), afirma-se a
necessidade de que tal determinação ocorra tão somente perante a constatação, in casu, dos
elementos fumus commissi delicti e periculum libertatis, ambos previstos e somados aos
demais requisitos do artigo 312, caput, do Código de Processo Penal - CPP/41, ou seja:
garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, garantia da aplicação da lei e
conveniência da instrução criminal. Enquanto o brocardo fumus commissi delicti trata da
averiguação de materialidade de conduta delitiva e da presença de indícios suficientes para
atribuição de autoria, este último atrela-se ao risco oriundo da situação de liberdade do
acusado ao curso normal do processo. Estes componentes são imprescindíveis para a
aplicação de tais mandamentos coercitivos, pois, ao contrário do que ocorre na esfera
processual cível, no âmbito penal o exercício do poder punitivo encontra-se atrelado aos
limites constitucionais e à forma processual para consumar-se (nulla poena sine prévio

4
LOPES JR., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 20. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2023, p.
906.
2
iudicio). Frente ao exposto, edifica-se o arcabouço conceitual necessário para discorrer acerca
do modo pelo qual o CPP/41, em seu Título IX, Capítulo III, artigos 311 a 316, retrata um dos
elementos justificadores da prisão preventiva, qual seja: a contemporaneidade do perigo.
Ante a reforma processual trazida pela Lei nº 13.964/19, o art. 312 do CPP/41 foi
acrescido dos §§ 1º e 2º. Nesse viés, o primeiro destaca o caráter subsidiário da prisão
preventiva, enquanto o segundo consagra o entendimento de que a fundamentação da decisão
que determina a prisão preventiva deve basear-se no receio de perigo e na existência concreta
de fatos novos ou contemporâneos que a justifiquem. Logo, o referido dispositivo traz consigo
a ideia de que, para que seja decretada a prisão preventiva, o periculum libertatis deve ser
atual.
Pairou a dúvida quanto a que contemporaneidade estes fatos faziam menção: se da
data dos fatos, ou se da data da decisão que determina esta cautelar. Nessa linha,
AVENA5teoriza que esta refere-se a uma condição que tem sentido de atualidade entre o
momento da decisão judicial que decreta a prisão preventiva e a situação atual caracterizadora
de perigo concreto à ordem pública, isto é, a constatação de contemporaneidade não está
vinculada à proximidade temporal do fato imputado ao agente, mas sim à ideia de que, no
momento de expedição do decreto prisional, há riscos notórios. Com o intuito de mitigar esta
discussão, o STF, ao julgar o AG.REG. NO HABEAS CORPUS 192.519/BA 6, consolidou o
entendimento de que a hodiernidade referenciada pelo § 2º do art. 312 do CPP/41 abrange os
motivos que ocasionaram a prisão preventiva e não o momento da prática criminosa em si,
sendo desimportante que o fato ilícito tenha sido praticado há lapso temporal longínquo, mas
central comprovar que, mesmo com o decurso do tempo, perpetuam-se os requisitos
ensejadores desta medida.
Nota-se, pois, que o legislador, ao acrescentar aos referidos parágrafos, visou evitar
que as decisões que versam sobre prisões preventivas fossem justificadas por fatos pretéritos,
ainda que estes tenham natureza grave. Dessa forma, o juiz decide pela prisão preventiva
quando houver a real necessidade desta medida - se comprovada a agressão ao bem jurídico
tutelado e se preenchidos os requisitos legais - de maneira fundamentada, conforme preconiza
o art. 315, § 1º do CPP/41. Outrossim, é válido destacar que, por conta do princípio da
provisoriedade, exige-se o reexame periódico dos fatos que fundamentaram a decisão da

5
AVENA, Norberto. Processo Penal. Ed. Método, 12ª edição. Rio de Janeiro: Método, 2020. p. 1.085.
6
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Segundo Agravo Regimental no Habeas Corpus 192.519/BA.
Agravante: Dourival P. Martins e outros. Agravado: Relator Do HC Nº 585.548 do Superior Tribunal de Justiça.
Relatora: Ministra Rosa Weber. Primeira Turma. Bahia, 15.dez.2020. Disponível em: < https://l1nq.com/KeoXK
>. Acesso em 04.out.2023.
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prisão preventiva, reiterando-se, pois, o seu caráter excepcional. Assim, caso percebida a
ausência do fummus comissi delitcti e do periculum libertatis, urge sua revogação.
Por último, é mister compreender a finalidade prática desse estudo ao demonstrar que
é essencial a contemporaneidade, além de uma justificativa plausível para cercear o Direito a
Liberdade do acusado antes do trânsito em julgado. Assim, examina-se o caso do HC 318.702
- MG, que chegou ao plenário do Superior Tribunal de Justiça em 2015. O Habeas Corpus
impetrado para acusar o abuso da decisão do tribunal ad quem, que não acolheu o recurso que
pedia a impugnação da prisão cautelar decretada pelo juízo de primeira instância.
Em primeira vista, a decisão do juízo a quo alegou que o réu apresentava perigo
significativo a ordem pública, e, por esta razão e pelo texto do art. 312 do CPP/41, deve-se
inibir suas ações na comunidade, necessitando, por conseguinte, da decretação da prisão
preventiva do acusado, visão que foi acompanhada pelo desembargador, posteriormente.
Ademais, argumenta o juiz singular:

Portanto, não há que se falar em ausência de fundamentação da referida decisão


como justificativa para concessão da ordem. Depreende-se, ainda, da sentença penal
condenatória que "[...] Certidão de antecedentes dos réus, dando conta da existência
de outros processos que se encontram em instrução, inclusive por tráfico de drogas.
(HC 318.702/MG, Rel., Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta
turma, julgado em 06/10/2015, DJe 13.10.2015)

Os trechos foram destacados no voto do Ministro Reynaldo Soares, o qual argumentou


que a sentença apresentou fundamentos genéricos e sem amparo de dados concretos do caso.
Explica o Ministro:

Também não serve a justificar o cárcere provisório o desarrazoado temor de que,


soltos, poderão os ora pacientes "continuar na sua saga criminosa, sendo um perigo
para a sociedade" sem apontar alguma característica própria do caso em comento
que justifique o cárcere provisório.

Dado cenário denota o ponto central do estudo. As razões para o cerceamento de


liberdades antes do trânsito em julgado – princípio consagrado pela CRFB/88 – devem ser
bem fundamentadas e apresentar indícios concretos de ameaça ao curso do processo. Há,
portanto, um claro ataque ao princípio de presunção de liberdade do réu, pois não conseguem
apontar características do caso para justificar tal prisão, uma vez que se utilizou de
conjecturas e presunções genéricas para decretar a prisão mostrando a ausência do elemento
fumus commissi delitcti. Destarte, a falta desse elemento impõe ao juiz a soltura imediata do
imputado.
Não obstante, a decisão atacou outro elemento, o de periculum libertatis. Esse outro
aspecto, diz a respeito sobre o quanto o estado de liberdade do indivíduo é ameaçador ao
4
processo. Sendo assim, a contemporaneidade do periculum libertatis deve ser evidente, pois é
elemento fundamental para a decretação de uma prisão com natureza cautelar. Afinal, Prisão
Preventiva é inerente a situação, repousando suas justificativas em ações no estado presente.
Ao voltar ao fulcro da decisão proferida pelo STJ no HC 318.702-MG, é perceptível que o
juiz não leva em consideração nenhum fato novo que possa apresentar qualquer risco ao curso
do então processo, baseando-se – meramente – em transgressões pretéritas dispostas na folha
de antecedentes criminais do réu. Foi acertada a decisão do Relator do HC e dos ministros que
votaram pela soltura do réu, uma vez que, nem em primeira, tampouco em segunda instância,
as sentenças conseguiram demonstrar a contemporaneidade dos fatos. Validar tais decisões
seria um ataque ao estado de inocência do réu, e, portanto, a própria Constituição.

CONCLUSÃO

Longe de exaurir estas questões, percebe-se que é preciso debater de forma mais
profunda sobre a coexistência entre o princípio da presunção de inocência como norma de
tratamento e a decretação de prisão preventiva do acusado, de maneira a se reconhecer a
imprescindibilidade da averiguação, no momento da decretação destas medidas, da real
situação de perigo que a liberdade do réu impõe ao curso processual. Esta que, por sua vez,
não seria outra senão a consagração do exercício do poder punitivo à luz das limitações
provenientes da CRFB/88. As razões que levaram o HC 318.702 - MG a ser impetrado
mostram que decisões que ferem princípios basilares de nossa República continuam sendo
proferidas e, por esse motivo, faz-se necessária esta abordagem.

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo Penal. Ed. Método, 12ª edição. Rio de Janeiro: Método, 2020.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Segundo Agravo Regimental no Habeas


Corpus 192.519/BA. Agravante: Dourival P. Martins e outros. Agravado: Relator Do HC Nº
585.548 do Superior Tribunal de Justiça. Relatora: Ministra Rosa Weber. Primeira Turma.
Bahia, 15.dez.2020. Disponível em: < https://l1nq.com/KeoXK >. Acesso em 04.out.2023.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus nº 318.702-MG


substitutivo do recurso próprio (não conhecimento). Impetrante: Hugo Carlos Rodrigues.
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Relator: Ministro Reynaldo Soares
da Fonseca. Quinta Turma. Minas Gerais, 06.out.2015. Disponível em:<
https://abre.ai/gUgH>. Acesso em 04.out.2023.

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DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de
Lima – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 20. ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2023.

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