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Educação Pré-Escolar 2* Ano 2021/2022

Introdução à Fonética

Na nossa vivência quotidiana, não nos apercebemos da complexidade de


operações e processos que o corpo humano executa e gere a cada segundo da
nossa existência. Falar, tal como respirar ou ver, envolve o correcto
funcionamento de um conjunto alargado de recursos fisiológicos, cuja
visibilidade nem sempre é óbvia.

Antes de mais, para comunicar o falante tem que ter intenção, ou seja, tem que
identificar a informação que quer transmitir. Em seguida, tem que selecionar de
entre os recursos linguísticos disponíveis na sua língua, aqueles que lhe
permitem veicular adequadamente essa intenção.

O cérebro, parte envolvida em todos os momentos do processo da fala, activa


então o programa motor, dando ordens para execução dos movimentos
musculares necessários para a produção de fala e colocando em acção os
principais órgãos do aparelho fonador (pulmões, cordas vocais, língua e lábios).

Os órgãos vocais, comandados pelo cérebro, controlam o modo como o fluxo de


ar proveniente dos pulmões, atravessa o aparelho fonador até ao exterior,
gerando diferentes sons.

Estas ondas sonoras propagam-se em meio aéreo até ao interlocutor, colocando


os seu mecanismo de audição. As pequenas variações de pressão do ar que
atingem o tímpano produzem impulsos nervosos que viajam até o cérebro, onde
a mensagem será finalmente descodificada, dando lugar à sua compreensão. E
todo este conjunto de operações e de processos decorre num curtíssimo espaço
de tempo.

Para sua complexidade, a cadeia de fala é objecto de estudo de várias áreas de


investigação, entre as quais se encontra a Fonética, que se ocupa do estudo de
sons da fala, da sua produção à sua percepção.

Para Duarte (2000), define-a como a disciplina que estuda as propriedades


físicas dos sons da fala, através das quais é possível a sua identificação,
descrição e classificação.

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Pinto e Lopes (2014) define-a como disciplina científica que se ocupa dos sons
da fala humana, do modo como esses sons são produzidos pelos locutores e
como são percebidos pelos ouvintes.

E Cunha e Cintra (2008, p.21) define-a como “a disciplina que etude o


comportment dos sons da fala, as multiples realizações dos fonemas”

Tradicionalmente, o estudo da Fonética subdivide-se em três áreas:

a) Fonética articulatória – que estuda a produção dos sons pelos órgãos


da fala (aparelho fonador);
b) Fonética acústica – que estuda as propriedades físicas dos sons da fala;
c) Fonética perceptiva – que estuda o modo como os sons da fala são
ouvidos e interpretados.

Cabe à Fonética, em termos gerais, propor modelos de descrição da capacidade


da fala humana; identificar os sons que somos capazes de produzir e, de entre
estes, distinguir os que são utilizados na fala; estudar o modo como as unidades
fónicas se combinam na cadeia falada, bem como as relações que estabelecem
com outras componentes da gramática, nomeadamente a componente
fonológica; descrever o tipo de operações que se desencadeiam desde o nível
da sua caracterização como fenómeno físico; descrever, definir e classificar as
unidades fónicas; representar por um símbolo gráfico cada um dos sons
descritos.

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O Alfabeto Fonético Internacional - AFI

Para estudarmos os sons da fala é necessário, antes de mais, encontrar uma


forma de os referenciar e de os representar de modo objectivo.

A primeira forma de representação da oralidade, que nos é disponibilizada nos


primeiros contactos com a escola, é a ortografia. Esta não é mais do que um
conjunto de símbolos e de convenções que, todos nós, sujeitos alfabetizados,
recorremos e utilizamos.

Todavia, rapidamente nos apercebemos de que o sistema ortográfico não


representa fielmente o contínuo sonoro, não se tratando, por conseguinte, de um
mero sistema de transcrição da oralidade. Na verdade, o sistema ortográfico um
instrumento de registo da oralidade que se rege por normas específicas de
funcionamento e de boa-formação, sendo, muitas delas, completamente alheias
à relação com a oralidade.

Não é, portanto, difícil aceitar que o sistema ortográfico não apresenta as


características necessárias que permitem uma eficiente descrição dos sons da
fala, nomeadamente pelo facto de não existir uma relação de um-para-um
(biunívoca) entre símbolo gráfico (grafema) e o som. Exemplos:

1) <o> Bola [ɔ]

Sopa [o]

Gato [u]

2) [s] Sapo <s>


Passo <ss>
Ácido <c>
Caça <ç>
Próximo <x>

Os alfabetos fonéticos surgiram como resposta à necessidade de solucionar as


ambiguidades causadas pela utilização de sistemas ortográficos. Estes
instrumentos permitem, assim, registar, de forma sistemática e coerente, o
contínuo sonoro de fala.

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O sistema de transcrição fonético mais utilizado e divulgado na comunidade


científica internacional é o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), cuja a
primeira versão foi publicada em 1888 pela Associação Internacional de
Fonética, tendo sido alvo de um conjunto de ajustes e de alterações que
culminaram na última versão disponível, datada de 1996. O princípio básico que
subjaz à organização deste alfabeto é a relação biunívoca entre som e
símbolo, ou seja, um som é representado por símbolo e cada símbolo
representa apenas um som.

O AFI tem como propósito possibilitar a representação dos sons de todas as


línguas do mundo, fazendo corresponder ao mesmo símbolo um mesmo som
que ocorra em diferentes línguas. Exemplo:

3) [f] farinha
phonation
farm

Este alfabelo é constituído por símbolos simples, que representam os sons


básicos mais frequentes nas línguas do mundo, e por diácriticos, que
acrescentam aos símbolos informação sobre modificações menores.

As vantagens de utilização do AFI são inequívocas, uma vez que, tratando-se de


sistema reconhecido internacionamente, facilita a identificação de unidades e de
contínuos sonoros de línguas não maternas, abrindo o espaço fundamental quer
para a sua investigação quer para o seu ensino.

O AFI integra, então, um conjunto de símbolos que possibilita a representação


de sons de todas as línguas conhecidas. Isto não significa, porém, que todas as
línguas utilizem o mesmo conjunto de sons, isto é, que todos os sons
representados no AFI se encontrem em cada língua do mundo. Pelo contrário,
cada língua utiliza apenas um subconjunto dos sons do AFI, por inerência de
cada língua utilizar somente um subconjunto de todos os sons que podem ser
reproduzidos pelo aparelho fonador.

O subconjunto dos sons do dialecto padrão do português europeu (PE) e as suas


respectivas representações, de acordo com o AFI, são apresentados em
seguida. O grafema ou dígrafo sublinhados referem-se ao som transcrito.
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[p] pirata, sopa [b] bola, abade [m] pirata, sopa

[ t] telhado, ponte [d] data, pomada [n] navio, cana

[k] cantor, roca [g] gato, mago [ᶮ] nanheira

[ f] figo,sinfonia [v] Vassoura, pavio

[s] sol, braço [z ] zaragata, casa

[∫] chama, caixa [ʒ] janota, hoje

[l ] limão, mala [r ] cara, carta, solar

[ʎ ] malha [R] rato, carro

[ɫ] malta, papel

[i ] amigo, [ ɨ] deda, [u] unha

[e] caneta [ɐ] cano [o] avô

[ɛ] janela [a] pato [ɔ] avó

[w] pau [w] pão

[j] pai [j ] mãe

[i ] pinta, [u] fundo

[e] pente [õ] conto

[~ɐ] santo

Tipos de representações fonéticas

Para a realização de uma transcrição fonética, isto é, de uma representação


simbólica de um contínuo sonoro, não é suficiente reconhecer a relação símbolo-
som, é também necessário conhecer as restantes convenções. Uma das

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convenções mais importante é a delimitação da representação fonética por


parênteses rectos, por exemplo [a]. No fundo os parênteses rectos fornecem
ao leitor informação sobre o nível de análise gramatical representado na
transcrição (neste caso, fonético). Exemplo:
Palavra Tipo de representação

<sapato> Ortográfica

/sapato/ Fonológica

[sapátu] Fonética

O lugar do acento de palavra tem em português um carácter distintivo, o que


significa que podemos distinguir duas palavras nesta língua mudando apenas
apenas a localização do acento principal. Deste modo, a representação do
acento numa transcrição fonética assume uma importância relevante. Para
indicar qual a vogal acentuada (isto é, a vogal tónica), utiliza-se o diacrítico [ ´ ],
que é colocado sobre a vogal acentuada. Exemplo: [bɐnɐnɐ], [pátu].

Uma transcrição fonética tem, apesar da universalidade tentadas pelo AFI, um


grau não negligenciável de interferência subjectiva que lhe é conferido pelo facto
de resultar de um processo de representação baseado simplesmente na
audição, estando, por isso, dependente da qualidade e da experiência do
transcritor.

O grau de detalhe da transcrição pode, também ele, ser variável, distinguindo-


se, pelo menos, dois tipos de transcrição:

 transcrição fonética larga;


 transcrição fonética estreita ou fina.

Transcrição fonética larga – refere-se a uma representação mais distante do


contínuo sonoro, ou seja, com menor detalhe de transcrição fonética.
Transcrição fonética estreita ou fina – refere-se a uma transcrição mais
próxima do contínuo sonoro, ou seja, mais rigorosa e fiel aos detalhes fonéticos.

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Tipo de Representação Frase

Ortografia As alunas de ginástica apanharam as bolas


[ a∫ ɐlúnɐ∫ dɨ ʒiná∫tikɐ ɐpɐᶮárɐw ɐ∫ bɔlɐ∫ ]
Trans. fonética larga
[ azɐlúnɐʒdʒiná∫tikɐpɐᶮárɐwɐʒbɔlɐ∫ ]
Trans. fonética estreita

Ao analisarmos e compararmos as duas transcrições fonéticas, verificamos que


a representação de alguns sons se mantém nas duas transcrições, enquanto
outros desaparecem ou se transformam, principalmente na transcrição fonética
estreita. Ora, quando reproduzimos oralmente uma frase, não soletramos ou
pronunciamos palavra a palavra (cf. transc. Fonética larga). O nosso discurso é
contínuo, provocando alterações das características básicas dos sons que
constituem as palavras. Estas alterações, causadas pelos movimentos
articulatórios rápidos inerentes à produção de discurso contínuo, podem ser, por
exemplo, sobreposições ou omissões. Naturalmente, as quantidades das
alterações depende, entre outros factores, da velocidade de fala: quando maior
é a velocidade de fala, maior é a compressão dos sons do enunciado oral, dando
lugar a um maior número de interacções articulatórias.

Qualquer um dos tipos de transcrição anteriormente apresentados é legítimo.


Muito embora a transcrição fonética estreita seja uma representação mais
fidedigna do contínuo sonoro, isso não significa que seja mais adequada ou mais
correcta do que a transcrição fonética larga. A adequação de cada um dos tipos
de transcrição é definida em função dos objectivos que presidem à utilização da
representação.

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