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Tradução de

RODRIGO SALEM

1ª edição

2016
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

E94d
Ewalt, David M.
Dados e homens [recurso eletrônico] : a história de Dungeons & Dragons e de seus
jogadores / David M. Ewalt ; tradução Rodrigo Salem. - 1. ed. -
Rio de Janeiro : Record, 2016.
recurso digital
Tradução de: Of dice and men
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia e índice
sumário
ISBN 978-85-01-09049-2 (recurso eletrônico)
1. Jogos de fantasia. 2. Jogos de aventura. 3. Livros eletrônicos. I. Título.
16-33164
CDD: 793.93
CDU: 793.7
Copyright © David M. Ewalt, 2013
Título original em inglês: Of dice and men
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste
livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 – 20921-380 – Rio de Janeiro, RJ – Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a
propriedade literária desta tradução.
Produzido no Brasil
ISBN 978-85-01-09049-2
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Para Kara
SUMÁRIO

Prólogo

Capítulo 1
Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4
Capítulo 5

Capítulo 6
Capítulo 7

Capítulo 8
Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12
Capítulo 13

Capítulo 14
Capítulo 15

Capítulo 16

Bibliografia e Notas

Agradecimentos

Índice
EU NÃO SOU UM MAGO

A
ntes de começarmos, gostaria de um momento para me dirigir aos fãs
hardcore de role-playing games. Se você alguma vez já pintou uma
miniatura de chumbo, tentou usar a Cabeça de Vecna ou sabe o que acontece
quando se vira um flumph de costas, por favor, permaneça aqui. Senão, pule
diretamente para o primeiro capítulo.
Ok. Agora que nos livramos dos trouxas, há uns assuntos que eu gostaria
de esclarecer.
Primeiramente, em diversas partes deste tomo, cito elementos específicos
das regras de Dungeons & Dragons, incluindo a mecânica do jogo, efeitos de
encantamentos e descrições de monstros. Essas citações, a menos que eu
especifique, se referem à versão 3.5 das regras de D&D. Recorro a esses
livros porque são os que uso com meus amigos. E gosto deles. Leitores que
porventura desejem argumentar sobre a superioridade de sua edição
preferida são aconselhados a escrever uma carta detalhando suas razões,
colocá-la em um envelope e, então, enfiá-la onde a magia Explosão Solar1
não brilha.
Em segundo lugar, nas descrições de uma ação, você notará que quebro a
ordem das iniciativas ou pulo a vez de um jogador. É uma decisão consciente
feita para enfatizar o drama em um encontro e não ficar perdido nos detalhes
insuportáveis. Pode ficar tranquilo: tudo descrito na ação realmente
aconteceu em uma partida. Se deixei de fora a vez em que Bob, o Halfling,
atirou com sua besta e errou o alvo, é porque ninguém dá a mínima.
Finalmente, enquanto acredito que até o mais grisalho dos grognards2
possa aprender algo com este livro, é bom ter em mente que minha intenção é
explicar o fenômeno de D&D para um público mais amplo. Se sua busca é
por uma história detalhada ou feitiços obscuros, você acabou de falhar na
sua perícia Obter Informações. Felizmente, existe uma vasta gama de estudos
sobre o assunto disponível e você encontrará uma lista das melhores fontes
no fim do livro.
Em resumo: Leia como se você estivesse jogando em uma campanha
amistosa. Não seja o chato das regras e não discuta com o Mestre.

Notas:
1. “Explosão Solar cega todos que estejam a menos de 3 metros, causa 6d6 de dano.” Livro do
jogador, p. 184. Viram como sei fazer isso?
2. Gíria que se refere a pessoas que preferem jogos antigos de RPG ou de tabuleiro. (N. do T.)
1
VOCÊS ESTÃO EM UMA TAVERNA

N
o dia em que encontrei Abel, Jhaden e Ganubi, fomos presos por
brigar em um bar.
Em nossa defesa, devo dizer que brigávamos por uma causa
justa. Um dos frequentadores estava umas seis cervejas além do
nível da bebedeira quando abriu a matraca e começou a pronunciar
os piores tipos de tiradas políticas reacionárias. Eu e Abel achamos
aquilo ofensivo e mandamos o sujeito calar a boca. Como Jhaden
não é de falar muito, atacou o cara com o banquinho. Retórica virou
física e nós quatro entramos no mesmo lado da disputa.
Os policiais deviam estar por perto, porque, quando me dei
conta, fomos jogados dentro do camburão. Mofamos em uma cela
por uma noite até Jhaden conseguir um contato na sua família para
nos libertar. Não sei o que aconteceu com o bêbado.
Uma experiência dessa natureza rapidamente cria um laço de
amizade entre homens jovens, e logo estávamos passando a maior
parte do tempo juntos — dividindo quarto em uma república barata,
trabalhando juntos nos empregos que conseguíamos arrumar. Os
trabalhos nem sempre eram registrados, mas sentíamos que
estávamos fazendo bem as tarefas.
Jhaden era forte feito um touro, Ganubi possuía um charme
natural e Abel era educado e inteligente. Tivemos nossa parcela de
desentendimento, mas, como trabalhei em um hospital, quando
alguém se machucava eu fazia o melhor para remendá-lo.
Gostaria de pensar que também fiz minha parte nos combates —
lançando raios de luz incandescente, atordoando inimigos com
rajadas de energia sônica. Algumas vezes invoquei um texugo
gigante dos planos celestiais e o fiz obedecer às minhas ordens.
Poucas coisas terminam uma briga tão rapidamente quanto uma
doninha mágica mastigando as pernas de seu oponente.

Eu não sou um mago, mas interpreto um nas noites de terça-feira. Sendo


muito nerd — confie em mim, não existe outra maneira de dizer isso —, sou
um clérigo Leal e Neutro que conjura feitiços divinos de nível 12. No mundo
de Dungeons & Dragons isso me torna um sujeito bem durão.
Dungeons & Dragons — D&D para os iniciados — é um jogo armado em
uma mesa, geralmente com meia dúzia de participantes. É vendido em lojas e
tem regras específicas, como Banco Imobiliário ou Scrabble, mas é
radicalmente diferente. D&D é um role-playing game, um jogo onde os
participantes controlam personagens em um mundo que basicamente só existe
em sua imaginação coletiva.
Mesmo que nunca tenha jogado D&D, você provavelmente já ouviu falar
nele, e quando admiti que era um jogador, seu inconsciente provavelmente
me arquivou na pasta “Nerd, Perdido para Humanidade” — a menos que
você seja um de nós. Role-playing games não possuem uma boa reputação.
Nos filmes e nas séries de TV, D&D serve para exemplificar o status de um
renegado. É como você reconhece alguém como geek: um livro de regras e
um bocado de dados de formatos estranhos estão para os nerds assim como o
chapéu preto está para o bandido de um filme de bangue-bangue.
A maioria das pessoas conhece D&D apenas como uma coisa estranha
que os meninos do clube de matemática faziam no canto da lanchonete da
escola. Ou como o passatempo do menino gótico da rua. Pode ser ainda pior:
elas têm uma vaga ideia de que é algo depravado ou satânico — os
jogadores de D&D não correm pelas florestas e veneram demônios ou se
suicidam quando perdem uma partida?
Admitir que você joga Dungeons & Dragons é apenas um pouco menos
estigmatizado que confessar crueldade contra animais ou que ainda faz xixi
na cama. Não deve ser feito na companhia de qualquer pessoa.
Mas sou imune a todo esse desprezo. Eu conheço magia.

Jhaden, Abel, Ganubi e eu somos combatentes da liberdade. A


política em comum que nos juntou naquele bar é mais profunda que
a liberal ou a conservadora; somos todos “imediatos”, proponentes
de uma abordagem proativa aos problemas da humanidade.
Queremos organizar os trabalhadores do mundo e lutar contra
aqueles que nos manteriam em grilhões.
Em contraste, nossos oponentes temem a mudança. Eles não
querem perturbar suas vidas burguesas confortáveis ou arriscar
algo que possa revirar a ordem política. O tempo está do nosso lado,
dizem — o progresso real acontece vagarosamente, durante
gerações. Eles acham que deveríamos aguardar porque as coisas se
resolvem naturalmente.
Mas é algo covarde e estúpido. Você não pode aguardar por
vampiros.
Vamos começar com um breve resumo para os não iniciados: Dungeons &
Dragons se passa em um mundo de fantasia inventado por seus jogadores,
mas inspirado por séculos de narrativas e literatura. Livros como O senhor
dos anéis, de J. R. R. Tolkien, ajudaram a moldar o tom: cavaleiros heroicos
e velhos magos sábios combatendo as forças do mal. Uma sessão típica de
D&D seria composta por um grupo de aventureiros em busca de tesouros em
um complexo de cavernas ou lutando contra monstros gosmentos à espreita
nas trevas.
Mas D&D não é um jogo de tabuleiro com um mapa impresso e jogadas
aleatórias (jogue um dado, mova quatro quadrados para perto do tesouro,
pegue um cartão: “Você se assustou com um duende! Volte dois quadrados”).
Em vez disso, cada partida é concebida antecipadamente por um dos
participantes e, então, explorada de forma ativa pelos jogadores.
A pessoa que faz toda a preparação é chamada de Mestre. É tarefa dele
imaginar um cenário, algo como “Arqueólogos descobriram a tumba de um
faraó no deserto e os jogadores são ladrões de túmulos que precisam entrar
no local para roubar o tesouro escondido”. Ele também precisa organizar os
detalhes, como desenhar um mapa e decidir onde há armadilhas, qual a
localização do tesouro e que tipo de monstros o guarda.
Esse ato de criação entrega aos jogadores um mundo desconhecido para
explorar e mantém cada partida diferente da anterior. É como sentar para
jogar Banco Imobiliário sem saber os nomes ou os valores das propriedades
até cair nelas.
Um Mestre experiente leva o projeto do jogo mais além. Ele pode decidir
que os jogadores deveriam começar a partida em um acampamento beduíno
perto da tumba e negociar com o xeque a compra de um par de camelos.
Pode planejar uma emboscada de invasores do deserto no caminho para a
tumba. E, uma vez que encontrem o tesouro do faraó, ele pode lançar uma
escolha moral para os jogadores: o tesouro carrega uma maldição e, caso
seja removido, a região vai sofrer com uma década de fome. Os jogadores
terão de decidir entre ficar ricos e deixar milhares morrerem ou sair de mãos
vazias e proteger os inocentes.
Nesse ponto, criar um role-playing game passa a ser mais ou menos
parecido a escrever um roteiro ou um livro. Assim como uma ficção
fantasiosa pode incluir todos os tipos diferentes de tramas ou ambientes, um
role-playing game de fantasia não precisa necessariamente se passar em um
cenário medieval.

Vampiros sempre caçaram humanos, mas nem sempre estavam em


nosso encalço. Por milênios, esconderam-se nas sombras,
mantendo-se em número reduzido e alimentando-se apenas de quem
ninguém sentiria falta. As poucas histórias que ousaram revelar a
existência deles foram encaradas como lendas urbanas ou ficção
barata.
Mas, no início do século XXI, algo mudou. Os vampiros se
cansaram do anonimato e dos humanos fracos destruindo o planeta.
Então eles se uniram e se organizaram. E, em uma noite escura,
atacaram.
A maioria dos humanos morreu sem saber quem eram seus
inimigos. Os vampiros, por meio de uma dominação mágica, fizeram
nossos líderes obedecerem às suas ordens e, ao seu comando, os
exércitos de todo o mundo se viraram uns contra os outros. Aqueles
que sobreviveram ao primeiro ataque não tinham onde se esconder:
um retrovírus forjado magicamente transformou animais e plantas
comuns em monstros que tomaram as cidades arruinadas e os
campos envenenados.
Os poucos sinais de humanidade que restaram foram facilmente
cercados, levados para áreas urbanas controladas por vampiros e
trancafiados em currais como gado. Nossa espécie sobreviveu,
porém somente como fonte alimentícia para os novos mestres da
Terra.
A era em que os vampiros dominaram o mundo nós chamamos de
Anoitecer. A Alvorada foi quando os humanos reagiram.

A maior parte das pessoas que joga Dungeons & Dragons não participa
apenas de uma sessão única, como em um jogo de tabuleiro. Elas entram em
uma “campanha”, um grupo que se encontra regularmente e usa os mesmos
personagens em um mesmo mundo, evoluindo com base em ações passadas.
Em dada semana, os jogadores invadem a tumba do faraó. Na seguinte,
precisam começar de onde pararam, encarando as consequências de suas
decisões.
À medida que as campanhas se estendem por semanas, meses e até anos,
o sucesso e o fracasso das sessões anteriores providenciam tramas e
contexto, sugerindo novos desafios. Se os jogadores roubaram o tesouro do
faraó e amaldiçoaram a terra com escassez de alimentos, o Mestre pode
criar uma sessão futura na qual eles são caçados por fazendeiros em busca
de vingança.
Os jogadores são tanto espectadores quanto autores em D&D; eles
consomem a ficção do Mestre, mas reescrevem a história com suas ações.
Como autores, são livres para tomar as próprias resoluções. Se um troll está
tentando engolir você, é possível golpeá-lo com a espada, atirar uma flecha
ou implorar por misericórdia — a decisão é sua. Você pode até cantar uma
música para ele, recrutá-lo para a cientologia ou tirar um cochilo. Sua
escolha pode ser idiota, mas ela é unicamente sua.
Diferentemente dos jogos de tabuleiro, que limitam o participante a uma
pequena variedade de ações, ou dos videogames, que oferecem uma larga,
porém finita gama de possibilidades, os role-playing games dão ao jogador o
livre-arbítrio. Contanto que as regras do universo ficcional não sejam
quebradas — proclamando que a parte de cima é a de baixo ou
repentinamente transmogrificando-se em Abraham Lincoln —, você pode
fazer o que quiser.
O sistema das partidas é bem diferente de outros passatempos. Em uma
sessão de Detetive, você precisa resolver um assassinato misterioso, mas
deve fazer isso movendo seu peão por um tabuleiro e lendo cartões do jogo.
Se Detetive fosse jogado como D&D, você poderia pegar o cano de chumbo,
arrancar uma confissão do coronel Mostarda e fazer sexo com a senhorita
Rosa na mesa do conservatório.
Claro que há regras. Livros e livros de regras que informam as decisões
do jogador e determinam seu sucesso. Atacando alguém com um cano de
chumbo? Isso é combate armado com arma improvisada e a página 113 do
Livro do jogador explica se você conseguiu acertar o alvo e quanto você o
machucou. Seduzir outra personagem exige a perícia de Diplomacia (p. 74),
um teste de Iniciativa (p. 136) e talvez um Sentir Motivação contra sua
perícia de Blefar (p. 64). Não é romântico, mas funciona.
Toda essa liberdade pode causar um caos na história contínua do jogo.
Um Mestre pode passar semanas arquitetando uma cadeia complexa de
cavernas para a exploração, repleta de armadilhas e novos monstros. Mas se
os jogadores pararem na entrada da caverna e decidirem que preferem ir à
cidade encher a cara, eles têm toda liberdade para isso — e deixarão a
trama fora do eixo no processo.
Ao jogar um conflito primário na história, um bom Mestre deve prevenir
que a liberdade das ações possa transformar o jogo em uma bagunça
completa. Isso geralmente assume a forma de uma missão heroica
tradicional: um erro para corrigir, um inimigo para destruir ou um mundo
para salvar.

Um século depois de tomarem o poder, os vampiros aprisionaram e


se alimentaram do que restou da humanidade. Presos em cercados e
sem acesso à tecnologia moderna, os humanos viveram com medo,
sem saber quando seus mestres desceriam de suas cidades para se
alimentar.
Contudo, os mortos-vivos eram arrogantes e os humanos logo se
adaptaram. Observaram os vampiros lançarem feitiços e copiaram
suas ações, desenvolvendo um conhecimento próprio de magia. Tais
segredos foram compartilhados e usados como comunicação entre os
cercados. A humanidade, unida, planejou sua fuga.
E, certo dia, enquanto o amanhecer banhava o globo, as pessoas
dos currais se rebelaram e lutaram. Os vampiros foram pegos de
surpresa, mas ainda eram poderosos. Vários humanos foram
recapturados e outros tantos morreram. Mas alguns escaparam e
retornaram às suas cidades abandonadas, construindo defesas para
manter os vampiros longe.
Desde a ascensão da Alvorada, humanos e vampiros se
restabeleceram. Controlamos um punhado de cidades, mas eles
também. E milhares de nós ainda estão presos nos cercados. Além
das cidades muradas, há as terras selvagens, repletas de monstros.
Mas não estamos nos escondendo. E não descansamos.
Aprendemos, e preparamos, e planejamos o dia em que tomaremos
nosso planeta de volta.
Frodo Bolseiro precisou da ajuda de três hobbits, dois homens, um elfo, um
anão e um velho e sábio mago para salvar o mundo. Então ninguém espera
que um nerd vá jogar sozinho. Original entre os jogos de tabuleiro — e
especialmente único entre atividades praticadas por garotos adolescentes —,
Dungeons & Dragons é cooperativo, não competitivo. Os jogadores
precisam trabalhar em conjunto para avançar na trama e resolver problemas,
não bater uns nos outros até a linha de chegada.
Isso significa que nunca há um “vencedor” de verdade em um jogo de
D&D; nenhum jogador termina em primeiro. Na verdade, ganhar é um
conceito meio alienígena — a maioria das campanhas nunca dura o bastante
para alcançar uma conclusão dramática. O jogo tem mais a ver com a
jornada do que com o destino, para citar um velho clichê; é mais sobre
desenvolver seu papel na história.
Um jogador em uma partida de D&D não empurra por um tabuleiro uma
peça de plástico pré-moldada. Em vez disso, ele cria um Personagem ou PC
[Sigla em inglês que popularizou o termo], uma personalidade única para ser
habitada como um ator, imbuindo-a de motivação, desejos e ação. É como
Avatar, mas trocando as criaturas felinas azuis por cavaleiros.
Mas D&D não é um exercício de atuação. No nível mais fundamental, um
personagem é definido por um monte de números escritos em um pedaço de
papel — o DNA da pessoa imaginária. (Não surpreende que muitos
jogadores também são bons em matemática e ciência.)
No início de uma nova partida, os jogadores lançam um punhado de
dados para determinar os atributos básicos de seus PJs, seguindo as
orientações de um livro de regras. Alguns desses atributos definem o
personagem fisicamente: quão forte, habilidoso ou destemido ele será.
Outros medem os traços de personalidade — se são perspicazes ou
esquecidos, obstinados ou desistentes. Cada contagem é anotada pelo
jogador e mantida para futura referência.
Ao longo da sessão, o jogador irá continuamente se basear em tais
atributos para medir seu sucesso em determinadas ações. Deseja levantar
uma pedra pesada e jogá-la nos bárbaros que estão invadindo seu castelo?
Isso exigirá um número alto de força. Quer mergulhar por baixo do portão de
ferro antes que ele feche? Desculpe, mas sua destreza é muito baixa.
Em seguida, o jogador precisa selecionar uma entre doze classes de
personagens. É como escolher uma profissão, e tem um impacto profundo no
papel que o PC irá desempenhar na partida. Classes são mais bem
explicadas dentro do contexto de O senhor dos anéis — como é um exemplo
famoso de fantasia, referências à obra de Tolkien aparecem o tempo todo em
Dungeons & Dragons.
Aragorn, o herói relutante que vem a ser o herdeiro do reino dos homens,
seria um “ranger” em uma campanha de D&D — acostumado com a natureza,
um rastreador experiente e igualmente habilidoso com um arco ou uma
lâmina. Legolas, o elfo, também seria um ranger. Boromir e Gimli, o anão,
provavelmente seriam “guerreiros” — mestres da força bruta em combate,
priorizando mais o poder do que a agilidade de um ranger. Gandalf? Eles o
chamam de mago, mas os “magos” de D&D precisam estudar muito, escrever
seus encantamentos em um livro e usar ingredientes mágicos para fazer algo
legal acontecer. Gandalf é mais um “feiticeiro” — alguém que nasceu com
habilidades especiais e não precisa aprendê-las. Os diminutos hobbits são
provavelmente “ladinos” — furtivos, ágeis e astutos. Como são bons em
ficar se esgueirando pelos locais, de vez em quando os ladinos são vistos
como ladrões. Mas nossos bondosos hobbits não precisam bater carteiras
para fazer jus à classe.1
Há muitas outras classes no jogo que não estão representadas na Terra-
Média. “Clérigos” são padres guerreiros. Eles podem conjurar feitiços, mas
fazem isso frequentemente para ajudar outros jogadores que precisam ter os
ferimentos curados. “Paladinos” são cavaleiros puros que combatem o mal e
seguem um modo de conduta restrito. E “bárbaros” são lutadores mal-
educados, propensos a se deixar levar por uma fúria homicida. Eles são os
usuários de esteroides anabolizantes do mundo D&D.
Uma vez que se alinham a uma classe, os personagens recebem
habilidades específicas retiradas das listas do livro de regras. Eles só
podem aprender um número bem limitado de perícias, então elas devem ser
escolhidas sabiamente: se um jogador quer que seu ladino seja um ladrão
discreto, ele precisa se concentrar em perícias como “Abrir Fechaduras” e
“Prestidigitação”. Todas as vezes em que um PC tentar realizar uma ação no
jogo, seu sucesso dependerá dessas perícias.
Personagens geralmente também precisam de uma história pessoal, algo
que os coloque dentro do contexto de uma campanha maior de D&D. É
quando o processo se torna mais arte que ciência; cada PC é uma obra de
ficção original.
Um bom pano de fundo pode salvar ou estragar um jogo. Ele empresta
profundidade ao mundo ficcional, enche o jogador de motivações para
futuras decisões e dá vida a uma coleção de números e regras.

Eu sou Weslocke, um clérigo. Nasci em Kyoto, uma das poucas


cidades reocupadas depois da Alvorada e que nunca descansará até
a humanidade se libertar.
Gerações de minha família dedicaram suas vidas a essa causa.
Minha tataravó, uma médica, praticava sua arte em segredo depois
que os vampiros a jogaram no cercado. Seus filhos aprenderam e
fizeram o mesmo, esperando pelo dia em que os humanos se
tornariam fortes o suficiente para lutar. Quando esse dia veio, meus
pais ajudaram na batalha com sua mágica curandeira, feitiços que
fechavam ferimentos e consertavam ossos quebrados.
Depois de Kyoto se tranquilizar, meus pais pediram para
continuar a guerra e destruir os vampiros de vez. Poucas pessoas
teriam ouvido. Mas eles nunca desistiram e me criaram com a
esperança de que eu pudesse terminar o que iniciaram. Aprendi a
brigar e a curar — e aprendi a odiar vampiros. Não queria nada
além de sua aniquilação total.
Quando meus pais morreram, jurei manter seu legado. Fiz planos
para deixar a cidade, desenvolver habilidades necessárias para
combater os mortos-vivos e encontrar outras pessoas com esses
objetivos em comum. Então, certo dia, fui preso por brigar em um
bar.

O Mundo Vampírico é uma criação de Morgan Harris-Warrick, um executivo


de 33 anos que trabalha em uma agência de publicidade voltada para a
família. Durante o dia, ele organiza grupos de pesquisa, analisando como
crianças reagem a novas campanhas de marketing. Quando chega a noite, ele
é um Mestre, inventor do Anoitecer e da Alvorada.
Em qualquer partida de Dungeons & Dragons, o Mestre tem a função de
agir como autor, diretor e árbitro. Um bom Mestre deve ser criativo, criando
um mundo quase do zero para ser jogado dentro de uma narrativa. Mas ele
também precisa ter uma mente lógica e organizada, capaz de memorizar e
entender centenas de páginas de regras.
É um papel que cai bem em Morgan. Alto e esguio, com um cabelo preto
desarrumado, veste-se como um artista nerd: calças cáqui-escuras e uma
camisa de tecido Oxford, ambas embaladas por um sobretudo e, na cabeça,
um chapéu fedora de feltro. Ele é técnico (certa vez, criou e programou o
próprio gravador de vídeo, em vez de comprar um), mas não um ignorante
em termos criativos: escreveu dois roteiros nunca produzidos, inclusive uma
reimaginação alternativa de Peter Pan em que Sininho morre depois que
uma plateia cínica se recusa a aplaudir.
Morgan começou a jogar D&D quando estava na quinta série. “Eu era um
CDF socialmente inapto quando criança”, diz. “D&D foi uma maneira de
socializar e de me manter nerd.” Aos sábados, caminhava até a casa de um
amigo e passava a tarde jogando com um pequeno grupo de pessoas
parecidas com ele.
“Não era uma campanha recorrente como a que estou fazendo no
momento”, explica. “Tínhamos personagens fixos, e quem desejasse criar
uma aventura só precisava escrever uma história para jogá-la dentro da
narrativa. Não havia campanhas grandiosas. Não havia um mundo.”
Os garotos se revezavam no controle das partidas; Morgan só virou um
Mestre depois de alguns anos. “No ensino médio, havia um clube de D&D
nosso, onde nos encontrávamos uma vez por semana em alguma sala vazia”,
recorda-se. “Para a ocasião, separei uma campanha baseada na série de
livros Xanth, de Piers Anthony.”
Na universidade, com o surgimento de várias outras atividades, Morgan
parou de jogar. Quando se mudou para Nova York, dois anos depois da
formatura, ele começou a pensar em RPG novamente. “É uma boa maneira de
encontrar pessoas com gostos parecidos com os meus”, justifica. “Eu havia
descoberto as maravilhas do Craigslist2 e como achar pessoas com
interesses em comum, então pensei: ‘Por que não tento achar um grupo de
D&D?’”
Ele já sabia que estilo de campanha gostaria de jogar. “Tenho uma queda
por temas pós-apocalípticos... Algo que reconheço, mas com algumas
alterações”, conta. “Assisti a um anime chamado Vampire Hunter D. Era
sobre um mundo dominado por vampiros, mas que se passava depois de os
humanos terem reagido e vencido a guerra. Eu estava assistindo e pensando:
‘Sabe, o desenho é divertido, mas não mostra a parte mais interessante,
quando os humanos passam a se rebelar contra os vampiros. Vamos voltar no
tempo e preencher essa lacuna.’”

Hoje nossa jornada foi interrompida. Garantimos uma passagem a


bordo de um navio para São Francisco. Após dois dias de viagem, no
entanto, as velas pararam de se mover e nossa embarcação foi
envolta por uma névoa sombria. Antes de conseguirmos nos
preparar, fomos cercados por criaturas sobrenaturais — corpos
humanoides, mas com pele escamosa, mãos com membranas, olhos
grandes e bocas de peixe.
Pegos de surpresa, fomos capturados pelas criaturas — piratas
comuns, apesar de sua aparência — e aprisionados na ala interna
de nosso navio.
Eles deveriam ter matado todos nós. Dentro de uma hora, Ganubi
conseguiu livrar suas mãos das amarras e nos libertou.
Recuperamos nosso equipamento e corremos para o convés. Agora
estamos escondidos atrás da cabine do leme enquanto Ganubi está à
espreita e analisa o cenário.

“Você enxerga quatro dos homens-peixe de pé, próximos ao mastro, mais ou


menos a 9 metros de distância”, descreve Morgan em uma de suas sessões
semanais de jogatina. “Eles carregam lanças com pontas dentadas e parecem
conversar, apesar de você não entender a língua, que lembra um ralo
borbulhando e entupido.”

Ganubi para e sinaliza com a cabeça em nossa direção. Eu conheço


aquele olhar. E isso me preocupa.
“Fiquem aqui”, diz ele. “Tive uma ideia.”

Ganubi é um “bardo”, uma das classes de personagens mais obscuras em


Dungeons & Dragons. Bardos expressam poderes mágicos com o uso de
música ou dança, mais ou menos como o Flautista de Hamelin. Muitos
jogadores evitam essa classe — preferem interpretar algo mais tradicional,
como guerreiros ou ladrões. Mas não há nada tradicional em Phil.
Philip Gerba, 31, é um palhaço profissional. Ele é bacharel em
dramaturgia teatral pela Northern Arizona University e estudou por um ano
no Clown Conservatory, em São Francisco. Depois de se formar, trabalhou
em um cruzeiro da Royal Caribbean como malabarista e em uma grande loja
da Disney, em Manhattan. Ele usava um chapéu do Pateta e se jogava de
bunda no chão para divertir a meninada.
Neste momento Phil está desenvolvendo o próprio espetáculo,
Onomatopeia. É um conceito de vaudeville ambicioso: cada cena explora
uma ideia, mas as únicas palavras no roteiro são onomatopeias. É repleto de
Puf! Tóim! Pff!
Phil começou a jogar D&D quando criança. “Eu queria interpretar um
homem-lagarto porque gostava dos bichos”, diz ele. “E, ao crescer, desejava
ser herpetólogo.” Ele terminou se dedicando ao teatro — e agora o jogo é
mais um lugar para sua atuação.
Jogadores de D&D controlam seus personagens usando uma combinação
de narrativa em primeira pessoa e dramaturgia. Essa é a parte do jogo que
confunde aqueles que nunca participaram de uma partida de RPG. Na
prática, é bem simples.
Imagine que você é um personagem trancado em uma cela. O Mestre
descreve o local baseado nas anotações dele: “Você está no canto de uma
sala escura e fria, de mais ou menos 1 metro quadrado. As paredes, feitas de
pedra, são interrompidas por uma pequena porta de madeira. Ela está
fechada e a única fonte de luz do local é uma abertura, do tamanho de um
punho, quase no teto.”
Como um jogador, é preciso escolher uma ação e descrevê-la. Você
poderia falar: “Eu tento forçar a abertura da porta.”
Depois disso, o Mestre procura regras de arrombamento de porta,3
consulta a planilha de personagens para medir sua força e joga um par de
dados. Se você tiver sorte, ele dirá algo como: “Você usa toda sua força
contra a porta e uma dobradiça se quebra. A porta cai com um estrondo no
corredor.”
Essa técnica de narrativa é útil na maioria das situações. E se você não
fosse suficientemente forte para quebrar a porta? Poderia tentar convencer
um guarda a libertá-lo — e seu Mestre pediria para você interpretar o ato no
papel do personagem, enquanto ele assumiria os diálogos do guarda. Se a
sua atuação fosse convincente, ele abriria a porta.
Essa é a melhor parte do jogo para pessoas como Phil. Ele ganha vida
quando nossos personagens pechincham com mercadores, negociam com
patrões ou, com um bom papo, tentam evitar uma briga.

Os planos de Ganubi são sempre dramáticos, pena que nem sempre


bem-sucedidos — então tenho minhas dúvidas. Mas ele já saiu do
seu canto e revelou uma bugiganga que pegamos em Tóquio: um
chapéu de disfarce, um item mágico que permite ao usuário mudar
de aparência conforme desejar.
Ele coloca o chapéu na cabeça e seu corpo se deforma e se
retorce. Sua pele se torna escamosa e sua face fica achatada. Em
segundos, ele se transforma em um dos piratas.

— Ok, você parece um peixe — diz Morgan.


Phil deixa um largo sorriso escapar.
— Vou me aproximar dos piratas e ver o que fazem.
Morgan joga um dado sobre a capa de seu caderno.
— Eles se viram e notam sua presença, mas não fazem nada. Você ainda
está a uns 9 metros de distância.
— Certo. — Phil faz uma pausa. — Quando eu chegar a 5 metros, vou
fingir surpresa, apontar para trás deles e gritar para dar um alarme.
— Você não fala a língua deles.
— Eu sei — diz Phil. — Faço um barulho como um peixe em pânico.
Morgan sorri e, então, faz uma careta.
— Tudo bem — fala. — Lance os dados contra sua perícia de atuação.
Phil pega um d20 — um dado de 20 faces azul-brilhante — e joga em
cima da mesa. Quando para de rolar, o dado mostra o número 7.
Morgan checa suas anotações.
— Os piratas ficam confusos — diz ele. — Eles estão apenas encarando
você.
— Certo — prossegue Phil. — Qual deles parece ser o mais ingênuo?
Alex resmunga, revoltado.
— Que se dane tudo isso! — grita. — Eu desembainho minha espada.
Jhaden é o gorila de 300 quilos em nosso grupo de aventureiros, um ranger
que luta com uma espada em cada mão e sempre na linha de frente da
batalha. Ele causa a maior parte dos danos nos inimigos e é uma espécie de
“escudo de carne” para os personagens menos durões.
Quem o comanda é Alex Agius, 33 anos, um designer gráfico que trabalha
como freelancer desde que foi demitido de um emprego fixo na revista
Penthouse. Seu trabalho consistia em preparar fotos, retirar manchas de
modelos nuas e selecionar a fonte adequada para cada legenda obscena.
Agora ele dedica parte de seu tempo a uma revista sobre investimentos
financeiros.
Alex foi exposto pela primeira vez ao D&D quando tinha 6 anos — seu
primo apareceu com o jogo em uma festa de família. “Eu adorava os gibis do
Conan, então a primeira coisa que me atraiu no D&D era que poderia viver
um bárbaro”, recorda-se. “Mas então notei que poderia interpretar um
personagem totalmente novo e criado por mim, em vez de um pré-concebido
como Conan... Isso era muito legal.”
Depois que seu primo foi embora para casa, Alex desenhou a caverna que
seu personagem explorara. Quando sua mãe viu a arte, ela achou que aquilo
“era realmente muito bom” e comprou os manuais de D&D para ele.
Ao contrário de Phil, Alex tende a ficar meio inquieto quando tem muita
interpretação em um jogo. Ele se sente mais confortável quando a aventura
tende para o lado da ação.
O combate em D&D é organizado como uma sequência de ações
narrativas e muitos lançamentos de dados. Se um jogador decide atacar com
a espada, ele pode anunciar o movimento, mas é o Mestre quem calculará se
a investida será bem-sucedida. Na prática, isso leva a uma equação
matemática, algo como: (força do lutador + perícia do lutador) — (agilidade
do alvo + armadura usada pelo alvo) + um elemento aleatório determinado
pelo dado = o ataque funciona ou não.
Toda criatura no jogo — controlada pelo jogador ou pelo Mestre — tem
um número específico de “pontos de vida” representando sua saúde. Quando
um lutador atinge o alvo, ele joga os dados para ver quanto dano causa. O
Mestre subtrai esse número dos pontos da vida do monstro. Cada jogador
que ataca o monstro repete o processo até a criatura zerar seus pontos de
vida e morrer.
Essas regras para combates ficam incrivelmente complexas. Há regras
específicas para lutas às cegas, embaixo d’água ou em cima de um cavalo.
Há regras que descrevem como tirar uma espada da mão do oponente ou
esmagar alguém com um escudo. Existe até mesmo um livro inteiro, Weapons
of Legacy, que lista centenas de armamentos diferentes e descreve o efeito
que cada um tem no jogo.

A espada de Jhaden, Bloodlust, é uma arma inesquecível, encantada


para causar mais danos contra vampiros e outros mortos-vivos. Ele
a empunha com a mão direita, deixando a esquerda com um punhal
mais longo e sobrenaturalmente afiado. Se ele caminhar em sua
direção com ambas, você se machucará.

— Estou atacando — avisa Alex — aquele sujeito. — Ele aponta para uma
das figurinhas de plástico na mesa que representa um dos peixes. Morgan as
colocou em cima de uma matriz de combate, um pedaço de vinil do tamanho
de uma mesa impresso com uma grade de 20 por 20 quadrados de 2,5
centímetros. Cada quadrado corresponde a 1,5 metro no mundo do jogo e
cada participante na batalha é representado por uma miniatura ou “mini”.
Não a usamos o tempo todo nas partidas, mas elas são úteis na hora do
combate, porque nos permitem seguir a localização e o movimento de cada
um dos personagens.
— Os guardas o viram e agora é hora de um teste de Iniciativa — diz
Morgan. Todas as vezes que entram em combate, eles precisam jogar um
dado para determinar a ordem dos turnos na batalha. Desta vez, Alex vem
primeiro.
— Certo, eu ataco em investida com a Bloodlust — diz. Ele move sua
mini (uma figura curvada em um manto marrom, que segura duas espadas)
pela matriz, pega um d20 e lança para determinar o sucesso do ataque. Sai o
número 12. — Eu recebo +2 pela investida e +8 pelo meu bônus de ataque
com armas brancas, então meu ataque soma 22.

Jhaden corre para a frente e a Bloodlust rasga as escamas do pirata,


penetrando profundamente em seu peito. Enquanto retira a espada
da vítima, Jhaden olha para nós e grita: “Hoje à noite comeremos
sushi!”

Uma campanha de Dungeons & Dragons quase sempre inclui um mago. Abel
foi nosso primeiro. Era um “conjurador”, uma especialização em encantos
que criam algo do nada — como bolas de fogo e raios. Mas ele foi morto há
algumas semanas, quando sua consciência foi fundida à de um antigo
dragão.4 Como magos são fundamentais para o sucesso de um grupo, nós
rapidamente recrutamos um novo, Babeal.
Os dois personagens são responsabilidade de Brandon Bryant. Seria fácil
estereotipar Brandon como um jogador de D&D — ele é um sujeito grande
com um cabelo bagunçado que trabalha como gerente de Tecnologia da
Informação. Mas os clichês param por aqui. Aos 34 anos, está em seu
segundo casamento, agora com uma aluna de Artes. Faz caratê desde
pequeno e participava regularmente de competições no nordeste dos Estados
Unidos. Também é um especialista na “dança do fogo” — em noites de calor
no Brooklyn, você de vez em quando consegue encontrá-lo, na cobertura do
seu prédio, jogando e pegando bastões em chamas.
Brandon fica feliz em traçar uma linha entre sua dança flamejante e suas
invocações. “Gosto da ideia de ter controle sobre uma força elemental”,
confessa. “Aqui está essa coisa primitiva e eu consigo moldá-la ao meu
desejo... É mágico, mas mundano, como tomar um chá com um deus.”

— O pirata foi severamente ferido pelo ataque de Jhaden, mas ainda está de
pé — relata Morgan. — É a vez de Babeal.
A mini representando Babeal está no fim da matriz de combate, onde
Morgan desenhou uma caixa usando uma caneta marca-texto com tinta
marrom, simulando as paredes da cabine do leme. É a figura de um homem
em um robe verde-musgo, segurando um longo cajado e um elmo em forma
de balde, com dois chifres de cada lado. Essa miniatura sempre me lembra o
líder de “Os Cavaleiros que Dizem ‘Ni’”, do filme Monty Python e o cálice
sagrado, mas nunca falei isso em voz alta. Fazer uma referência a Python em
uma sala repleta de fanáticos por D&D é como levar brownies para um
encontro de Vigilantes do Peso. Levaria horas para a ordem ser restaurada.
Jhaden está do outro lado da matriz, em um quadrado próximo ao pirata
ferido. Os outros três homens-peixe estão a poucos quadrados de distância.
— Chupem isso, sardinhas! — grita Brandon. — Bola de Fogo!
Morgan balança a cabeça afirmativamente. Bola de Fogo é uma magia de
alcance médio, então Babeal pode evocá-la a distância. E como ela tem um
efeito único — um círculo com 12 metros de diâmetro, ou 8 quadrados na
matriz —, Babeal pode mirar para atingir os piratas, mas não seus aliados.
Morgan desenha um círculo vermelho no mapa. “Você evoca e o convés
explode em chamas, cobrindo os piratas. Lance o dado para os danos.”
Uma magia de fogo desse tipo faz um verdadeiro estrago, então Babeal
precisa jogar 10 dados de 6 faces (na linguagem nerd: “10d6”) para saber
quantos pontos de vida cada pirata perde.
Ele não tem muitos dados, então pega 5d6 da mesa — três seus e dois de
Alex — e os joga no tabuleiro, reagrupando-os e lançando novamente. Cada
inimigo recebe 32 pontos de dano.

As esferas de fogo de Brandon causam 10d6 de danos agora, mas, quando


começamos a jogar, ele sequer podia evocar a magia. Isso mudou por causa
de um elemento-chave das regras de D&D: os personagens não apenas
passam de sessão em sessão, eles também aprendem com suas experiências.
Quem jogou um pouco de videogame nos últimos vinte anos não vai achar
isso uma surpresa. Mas D&D foi o pioneiro na ideia de personagens que
ficam mais poderosos com o passar do tempo; antes de seu surgimento, os
jogos eram quase todos estáticos. As regras do Banco Imobiliário nunca
mudam, não importa quantas vezes você dê voltas no tabuleiro.
Como os personagens de D&D evoluem como pessoas de verdade,
participar do jogo torna-se uma experiência visceral única. Os participantes
têm mais vontade de ganhar, pois as vitórias são cumulativas. Eles
experimentam uma alegria maior com o sucesso de cada missão, pois há um
investimento emocional na campanha. E sentem a emoção do perigo real, já
que ninguém quer perder um personagem que demandou anos de construção.
Em resumo, os jogadores de D&D projetam suas vidas por meio de seus
personagens, da mesma maneira que há pais que desejam recriar seus sonhos
nas vidas dos filhos — não que um jogador minimamente sensato leve o
relacionamento tão a sério. Mas falaremos sobre isso mais tarde.
Naturalmente, a evolução é medida usando progressão matemática. Em
vários momentos da aventura, geralmente durante intervalos da narrativa, um
Mestre revisa as conquistas dos jogadores e os recompensa com “pontos de
experiência”. Eles ganham pontos para cada monstro derrotado, com base no
grau de ameaça; matar um rato pode render 100 pontos de experiência,
enquanto eliminar um dragão ancião pode valer 100 mil. Os participantes
também recebem por conquistas abstratas, como a solução de uma charada
ou quando interpretam algo tão bem que conseguem sair de uma confusão
sem precisar lutar. Quando um personagem acumula experiência suficiente,
ele avança um nível, ganha acesso a novas habilidades e fica mais poderoso.
Os personagens não são os únicos que mudam com o passar do tempo.
Como as campanhas de D&D podem durar meses, anos ou até mesmo
décadas, os jogadores vêm e vão de acordo com a quantidade de tempo livre
em suas vidas.
O Mundo Vampírico testemunhou sua parcela de mudanças. Nick,
companheiro de apartamento de Brandon, interpretou o bárbaro Taluug até se
mudar. Um outro Alex (o chamávamos de “Segundo”) teve vários
personagens, inclusive um druida, um praticante de magia que extrai seus
poderes da natureza. Segundo estava na universidade e precisou sair do
grupo por causa das obrigações estudantis.
Ryan Robbins entrou na turma bem depois de Abel, Jhaden, Ganubi e
Weslocke se encontrarem em Kyoto. Ele interpreta Graeme, um ladino. Esses
personagens são parte essencial de qualquer irmandade aventureira; perícias
como Sentir Armadilhas e Abrir Fechaduras são frequentemente utilizadas
em jogos de fantasia. Mas como Ryan não conseguiu vir hoje à noite,
consideramos Graeme “café com leite” — ele não morreu nem deixou o
grupo, mas vai ficar na surdina até a próxima partida. É uma pena, porque
poderíamos ter uma ajuda contra os piratas: a Bola de Fogo de Babeal
queimou os inimigos, mas não os derrotou.

Agora é minha vez. Weslocke é um clérigo. Como Babeal, ele é capaz de


conjurar feitiços poderosos. A maior parte deles é focada na cura — em
qualquer grupo de aventureiros, o clérigo costuma fazer o papel de médico.
Mas eu também tenho alguns golpes.
Eu pego minha mini (um homem em uma armadura segurando uma maça
pesada) e movo cinco quadrados em direção aos piratas. Ainda posso
completar minha ação depois de andar, então checo minha planilha de
personagem e pego um d20.
— Eu evoco a Luz Cegante neste pirata — digo para Morgan, enquanto
aponto para uma ilustração e lanço o dado: 17, mais que suficiente para
confirmar o ataque. O dano do feitiço equivale a um dado de oito faces (ou
1d8) para cada dois níveis. Como sou um clérigo de nível 12, procuro por 6
dados no tabuleiro. Eu jogo e somo os números: 41 pontos de dano.
— Uma explosão de luz sai de suas mãos, como um raio de sol — diz
Morgan. — Atinge o pirata, que se contorce e morre.
Alex gargalha. Eu sorrio educadamente.

Batizei Weslocke em homenagem ao primeiro personagem que interpretei no


D&D. Eu tinha 10 anos, estava na quarta série e era muito, muito nerd: usava
calça social, meias pretas e óculos de armação grossa.
Naquela idade, já tinha sido abduzido para dentro de vários interesses
nerds dos anos 1980, incluindo Star Wars, programação de computador e
músicas de Weird Al Yankovic. Mas não tinha ido muito além de As crônicas
de Nárnia na literatura fantástica e só ouvira falar de leve sobre role-playing
games. Quando meu amigo Scott Johnson produziu uma cópia fajuta dos
manuais básicos de Dungeons & Dragons, foi como uma revelação: neste
mundo eu não era um “mané de óculos fundo de garrafa” em calças
JCPenney. Era um herói clássico durão, matador de goblins e investigador de
masmorras.
Eu não estava sozinho. Na década seguinte ao seu lançamento, em 1974,
D&D deixou de ser um passatempo obscuro para se tornar um fenômeno
mundial — um dos jogos mais ardorosamente amados, vendidos e polêmicos
já fabricados. Ele dominou minha pré-adolescência e virou o centro das
minhas interações sociais mais importantes; meus melhores amigos eram
meus companheiros de jogo. Nas noites de sábado, quando nos
encontrávamos para uma partida na casa de alguém, assistíamos a um filme,
às vezes íamos nadar, jogávamos bombinhas uns nos outros ou colocávamos
fogo em poças de fluído de isqueiro na entrada da garagem de Scott — mas
sempre jogávamos D&D.

É a vez dos piratas agora, então Morgan toma a iniciativa. Depois do meu
feitiço fritar um dos seus camaradas, os escamosos decidem que represento a
maior ameaça ao grupo. Morgan coloca suas miniaturas ao meu redor — uma
na frente, duas em cada lado. Eles me atacam com suas lanças e dois têm
sucesso. De repente meus pontos de vida caem de 82 para 55.
Todo mundo no combate já teve sua ação, então o turno recomeça
novamente. Jhaden gira e golpeia um dos piratas, mas não o derruba. Ganubi
se desequilibra, saca seu arco e atira uma flecha, que não atinge o alvo.
Babeal conjura um Míssil Mágico, mas só causa 16 pontos de dano.
Eu decido ser mais sagaz. Anuncio para a mesa que estou lançando a
magia Barreira de Lâminas, a qual produz uma cortina de lâminas
rodopiantes do nada. Explico que evoco essa barreira imediatamente ao
redor do meu personagem, Weslocke. Ou seja: nos oito quadrados na matriz
que me circulam, três deles ocupados por piratas.
Morgan precisará obter um número alto nos dados para que os piratas
consigam desviar das lâminas. Se não tiverem sucesso, serão feitos em
picadinho.
Ele joga os dados. Um pirata morre instantaneamente, retalhado pelas
lâminas. O outro consegue se esquivar e pula para trás, escapando ileso. O
terceiro também escapa com sucesso, porém, em vez de se distanciar da
minha miniatura, Morgan o coloca dentro do meu quadrado.
— O pirata pula para a frente para escapar e tromba com você — ele
explica. — Os dois caem no chão.
Eu basicamente me enfiei dentro de uma jaula de facas rodopiantes com
um peixe monstruoso e raivoso.

Jogar D&D pode ser recompensador, mas nem sempre é fácil. RPGs
carregam uma bagagem grande de preconceito e seus devotos correm o risco
de serem rotulados de nerds e esquisitos — ou até mesmo de criminosos.
Sendo justo, esse preconceito tem certa razão de existir. O jogo tende a
atrair fãs de literatura fantástica, mitologia, matemática e quebra-cabeças —
traduzindo, nerds. Eles valorizam o sentimento de comunidade que
encontram entre jogadores de D&D e são ariscos ao dar boas-vindas a
novatos; as sessões viram um lugar onde os perseguidos sentem-se
confortáveis. É admirável, mas não ajuda nem um pouco na divulgação do
hobby.
Eu não sei se jogava D&D porque os outros garotos da minha idade
achavam que eu era um nerd ou se eles achavam que eu era nerd por causa
do D&D. Causalidade e correlação tendem a ficar confusas quando um
valentão de 13 anos exalando hormônios está ameaçando costurar sua bunda
ao cotovelo. O que sei é que minha vida foi mais fácil. Jogava D&D o
quanto queria e só lidava com provocações ocasionais, ao contrário de
certos garotos, que eram proibidos de jogar e execrados quando o faziam.
Na década de 1980 o D&D se viu no centro de uma histeria em massa. O
jogo foi vinculado a assassinatos, rituais satânicos e suicídios de
adolescentes. Escolas baniram o jogo; igrejas o demonizaram; tribunais o
criminalizaram. Oficiais da lei costumavam relatar que um suspeito “era
conhecido por jogar D&D” da mesma maneira que poderiam revelar que era
um torturador de animais ou viciado em drogas.
Embora gostasse de outros jogos, nunca relutei no meu amor por D&D.
Ao entrarmos nos anos rebeldes da adolescência, eu e meus amigos
passávamos cada vez mais tempo jogando D&D com garotos menores. Eram
jogos que saíam da fantasia para emular filmes de espionagem (Top Secret),
ficção científica (Star Trek: The Role Playing Game) e de que diabos
chamavam Teenage Mutant Ninja Turtles & Other Strangeness.5
Éramos particularmente fãs de jogos pós-apocalípticos, como Cyberpunk
2020, que pertencia a um gênero inspirado pelos livros dos autores do
quilate de William Gibson e Bruce Sterling. No ensino médio, passávamos
centenas de horas jogando Shadowrun, um jogo futurista que combinava de
forma brilhante ficção científica com elementos de D&D. Em vez de guerras
nucleares ou vírus mortais, o jogo criava um cenário apocalíptico causado
pelo retorno da magia ao mundo: tinha trolls em motocicletas, hackers de
computadores élficos e um antigo dragão azul chamado Dunkelzahn, que foi
eleito presidente.
Na prática, Shadowrun era mais ou menos um encontro de Blade Runner
com Conan, o Bárbaro. Meu personagem favorito era um mago que usava
uma das mãos para atirar com uma espingarda e a outra para lançar bolas de
fogo. Eu sentava no porão de um amigo e interpretava aquele sujeito em
quase todas as noites de sábado dos meus últimos anos no colégio.

Um praticante da magia controla energias arcanas por meio de um ato de


puro desejo, então posso extinguir a Barreira de Lâminas de Weslocke
facilmente. Mas preciso esperar minha vez. Agora é a hora de o pirata
atacar.
Ele tasca 11 pontos de dano e Morgan lança um olhar engraçado.
— Jogue para seu teste de resistência de Vontade — ele me instrui. — O
pirata tem um ataque especial.
Eu seguro meu d20 favorito e jogo na mesa. Quatro.
— Desculpe — diz Morgan, embora, no fundo, não queira exatamente
dizer isso. — Weslocke está paralisado de medo pelas próximas cinco
rodadas. Você não pode realizar nenhuma ação, incluindo conjurar e desfazer
magias.

Eu repouso dentro de minha jaula mágica, acovardando-me


enquanto o monstro me dilacera com suas garras. Ele cava através
de minha armadura e rasga minhas roupas, cortando minha pele em
dezenas de lugares. Do lado de fora, Babeal, Ganubi e Jhaden
despacham os outros piratas, mas reforços chegam dos
compartimentos de carga. E mesmo que eles não estivessem
ocupados, não poderiam me ajudar sem serem atingidos pela
barreira.
Posso sentir minha força vital sangrando para fora de meu
corpo. Estou prestes a morrer.
Comecei a questionar minha identidade como fanático de RPG quando
cheguei à universidade. Sim, os jogos são incríveis, mas eu estava
preocupado em me trancar voluntariamente em um mundo de dados e
fantasia.
Na minha primeira semana, como não conhecia ninguém no campus, fui
em dois encontros de clubes, na esperança de fazer amigos. O primeiro era o
fórum de ficção científica, uma espécie de fraternidade nerd na qual seus
membros assistiam a episódios de Arquivo X, jogavam D&D e discutiam se
a Enterprise poderia derrotar um cruzador imperial em uma batalha. O outro
clube era o Press, o jornal alternativo da faculdade. Era repleto de
revolucionários estilosos que fumavam cigarros mentolados, bebiam cerveja
belga e se achavam Hunter S. Thompson.
Depois de algumas semanas, abandonei o fórum e me dediquei ao Press.
As garotas eram mais bonitas.
Daquele momento em diante, comecei a me distanciar da herança nerd.
Passava boa parte do meu tempo livre na redação escrevendo artigos e
discutindo política. Joguei apenas uma partida de D&D durante meu ano
como calouro, no apartamento de um amigo. Fiquei tão envergonhado que
nunca mais voltei.
Na verdade, eu apenas substituí um hábito de CDF por outro: só um
jogador de D&D acharia que trabalhar no jornalzinho da faculdade o
tornaria mais cool. Ainda assim, consegui cultivar um ar de superioridade
hipster. Não éramos nerds, claro que não; nós não desperdiçávamos nossos
fins de semana jogando RPG no porão, mas sim discutindo política no porão
do diretório estudantil.
Na primavera daquele ano, o campus recebeu uma convenção anual de
ficção científica e jogos. Eu participei usando o disfarce de repórter e fingi
sair do meu pedestal para observar aqueles esquisitos. Quando descobri que
alguns dos comerciantes na convenção pagavam uma bela grana por velhos
manuais de D&D, pedi para meus pais mandarem os meus livros da noite
para o dia e os vendi para comprar cerveja.
Eu não jogaria D&D novamente por mais de uma década.

Só falta uma rodada para o efeito do medo se dissipar e só tenho 8 pontos de


vida. As coisas não estão nada boas para Weslocke, o clérigo.
Há três piratas no convés, incluindo o furioso em cima de mim. Na minha
vez, apenas me protejo. O pirata, então, me ataca. Eu mal consigo olhar
Morgan jogar o dado.
— Ele atinge — anuncia Morgan, que pega dois dados de seis faces para
saber o nível do dano. Eles deslizam pela mesa e, quando param, mostram os
números 3 e 3.
Todos os cinco caras gemem em uníssono, uma mistura de alívio e
descrença.
— Tudo bem — diz Morgan. — Você ainda tem 2 pontos de vida e o
medo se foi. Na próxima rodada, pode executar uma ação.

Jhaden mata um dos piratas com a Bloodlust. Ganubi elimina o


segundo com uma saraivada de flechas. Finalmente sinto minha
coragem retornando. Eu desconjuro a Barreira de Lâminas e me
afasto do meu atacante. Ele me persegue, mas move-se
vagarosamente, sem conseguir diminuir a distância.

É a vez de Jhaden. Alex me olha feio.


— Estou me preparando — diz ele — para um Ataque Poderoso de 5
pontos.
O Ataque Poderoso é uma das habilidades especiais de Jhaden, dando-
lhe a capacidade de subtrair 5 pontos de sua jogada de ataque para atingir
um oponente. Fica mais difícil atingir o alvo, mas, se o ataque for bem-
sucedido, ele adiciona 5 pontos ao dano. É um movimento de desespero.
Alex lança o dado.

As lâminas de Jhaden saem cortando. O golpe entra. O último pirata


desaba no convés.

Morgan fecha seu caderno.


— E chega por esta semana — conclui.

Eu cresci, arrumei um emprego de repórter, vesti jaqueta e gravata e passei a


não pensar muito em D&D, assim como fizeram milhares de outros
jogadores. Dungeons & Dragons desapareceu da lista de obsessões nerds,
substituído por videogames e internet.
Mas algo aconteceu. Os jogadores começaram a redescobrir D&D — e
dessa vez eles não estavam se escondendo no porão da casa dos pais. Em
agosto de 2012 mais de 41 mil homens, mulheres e crianças invadiram
Indianápolis para uma convenção de jogos com forte presença de D&D — a
maior multidão na história do evento. Em São Francisco, jogadores surgiram
na Market Street, a mais famosa da cidade, e trocaram os tabuleiros públicos
de xadrez por sessões abertas de Dungeons & Dragons. Em Nova York,
bares moderninhos e cafés organizavam noites de jogatina. Em Londres, as
partidas aconteciam em pubs seculares.
O que aconteceu? As pessoas que cresceram jogando D&D recordaram
como se divertiam no passado. O sistema oferece uma forma original de
entretenimento, uma narrativa coletiva mais interativa que os videogames,
mais satisfatória que TV ou cinema e mais sociável que livros. É difícil se
afastar por muito tempo uma vez que você experimenta o jogo.
Os jogadores de D&D dos anos 1980 amadureceram até reconhecer — e
valorizar — como o RPG moldou suas vidas. Acima de qualquer coisa,
Dungeons & Dragons é um jogo social e, para muitos, a ferramenta que
permitiu o surgimento de amizades para a vida inteira. É um jogo definido
pelas performances, no qual os jogadores vivem religiosamente por meio de
seus personagens. Por isso, é responsável por um saudosismo emergente.
Lutamos, vencemos ou morremos com os membros de nosso grupo de jogos.
Jogadores de D&D são nosso clã.
Essa é a razão de eu ter resgatado minha bolsinha de dados após um hiato
de dez anos e respondido a um anúncio no Craigslist procurando jogadores
para uma nova campanha. Vai dar uma boa matéria, pensei. Eu esperava
justificar minhas horas de jogatina gastas na juventude ao retornar agora
como jornalista e informar sobre o fenômeno com a vantagem da minha
experiência pessoal. E não me preocupei em ser levado de volta ao mundo
de espadas e feiticeiros, mesmo que meus amigos e minha namorada
pensassem o contrário: sou um editor da Forbes, bradei, um jornalista
premiado, e não um garoto impressionável com uma camiseta de Conan, o
Bárbaro.
Eu estava errado. Claro, testemunhei a ressurreição do jogo e encontrei
várias pessoas que jogavam D&D da mesma maneira que poderiam entrar
em uma rodada de pôquer semanal. Mas não esperava que o jogo mudasse
minha vida. Não antecipei conhecer novos — e ótimos — amigos e fazer as
pazes com a maneira de enxergar outras pessoas. Retornar ao D&D me
forçou a redefinir minha imagem, reexaminar minha infância e mudar a
maneira de encarar o mundo. Depois de um tempo, eu não era um repórter
escrevendo sobre jogadores de Dungeons & Dragons. Era um deles.
Agora, conheço a magia.

Notas:
1. Esse som que você está ouvindo agora é o de milhares de amantes de fantasia gritando de revolta. O
debate sobre qual seria a classe de D&D de personagens ficcionais ou de pessoas reais é um
esporte polêmico na sociedade nerd. Certa vez, passei horas no trabalho discutindo com um colega
sobre a fauna de nosso escritório. No fim do dia, concordamos que o chefão era um anão ladino.
2. Rede de comunidades on-line com classificados. (N. do T.)
3. Tabela 3-17: Tipos aleatórios de Portas, Livro do mestre, p. 78.
4. É uma longa história. Basta dizer que se um dia conseguirmos livrar a Terra dos vampiros, a próxima
ameaça global que precisaremos enfrentar será uma serpente voadora furiosa com um terrível caso
de múltipla personalidade.
5. O jogo de RPG das Tartarugas Ninja, inédito no Brasil. (N. do T.)
2
PEQUENAS GUERRAS

A
Wizards of the Coast, atual editora americana de Dungeons & Dragons
em Renton, Washington, estima que mais de 30 milhões de pessoas
jogaram o RPG desde 1974. Aposto que 29 milhões delas começaram suas
aventuras em uma taverna.
É fácil imaginar a razão. Bares são lugares dramaticamente convenientes
para reunir uma variedade de personagens — onde mais estranhos se
encontrariam e decidiriam fazer algo perigoso? Como resultado, “Vocês
estão todos em uma taverna...” tornou-se o “Era uma vez...” de Dungeons &
Dragons. Na seção dedicada à montagem da campanha, o Livro do mestre
cita o cenário como “O Clichê”. Mas não podemos ir contra a tradição. Até
Geoffrey Chaucer1 aglomerou seus peregrinos em uma taverna antes de partir
para Canterbury.
Minha aventura nas origens de Dungeons & Dragons começou no
Bemelmans Bar, na 76th Street, em Manhattan. É um salão luxuoso em art
déco: bancos de couro marrom, balcão de granito preto, folhas em ouro 24
quilates no teto e um mural pintado por Ludwig Bemelmans, autor da
clássica série infantil Madeline. Em outras palavras, não tem nada a ver com
a Tabard Inn, de Chaucer, ou o Pônei Saltitante, de Tolkien. Mas fica a
poucos quarteirões do Metropolitan Museum of Art e é um lugar perfeito
para um drinque antes de encontrar alguns dos progenitores do Dungeons &
Dragons.
Os role-playing games de fantasia nasceram nos anos 1970, mas podemos
rastrear sua árvore genealógica até meio bilhão de anos atrás. Em algum
momento da era Paleozoica, um invertebrado brincalhão pegou uma concha e
passou de tentáculo em tentáculo, tornando-se, portanto, a primeira criatura
viva a se envolver em uma atividade voluntária de recreação — ou jogo.
(Para ser justo, a definição de “jogo” varia assustadoramente, mas estou
creditando sua invenção aos cefalópodes porque polvos são bacanas. Além
disso, cientistas os documentaram jogando beisebol.)
Muitos anos depois, o Homo sapiens apareceu na árvore genealógica.
Nesse momento, algum geek pré-histórico decidiu que, apesar de a
brincadeira ser legal e divertida, regras eram necessárias. Ele, então,
formalizou essa brincadeira, misturando recreação com rituais e simbolismo;
o resultado foi o primeiro jogo da história.
É impossível saber as regras daquele jogo. Pode ter envolvido
pantomimas ou interpretação, algo como charadas do tempo das cavernas.
Sendo assim, não deixou registros físicos, nada para um arqueólogo
desenterrar e estudar. O mesmo vale para os jogos com as mãos — talvez
pedra-papel-e-tesoura, mas sem o papel e a tesoura.
O que sabemos é que eventualmente as pessoas começaram a criar jogos
de tabuleiro. Em 1989, o arqueólogo Gary O. Rollefson encontrou uma
curiosa laje de calcário nos resquícios de 'Ain Ghazal, um sítio arqueológico
pré-histórico na Jordânia.1 Ela foi esculpida, por volta de 5870 a.C., no
tamanho de um caderno, com duas fileiras de seis depressões circulares na
superfície. Rollefson supôs que poderia ser um exemplo de mancala, um
jogo de tabuleiro no qual os jogadores moviam pedras ou sementes pelas
cavidades; outros cientistas discordam da tese.
Mesmo assim, há evidências concretas de jogos de tabuleiros datados de
3000 a.C. Arqueólogos encontraram dados esculpidos em pedra e um
tabuleiro de ébano em Shahr-e Sukhteh, a “cidade queimada” de 500 mil
anos, no sudeste do Irã;2 a descoberta remete a uma espécie de ancestral do
gamão. As provas mostram que os jogos eram comuns na Antiguidade e não
um luxo raro. O sítio da Era de Bronze de Mohenjo-daro ostentava uma
cultura rica em jogos.3 Fundada em torno de 2500 a.C. no que agora é o sul
do Paquistão, ela foi uma das primeiras cidades do mundo com uma
população de mais de 35 mil habitantes. Quando os arqueólogos encontraram
o sítio, na década de 1920, recuperaram pequenos objetos que aparentavam
ser peças de jogos, incluindo dados de seis e quatro faces e uma variedade
de “jogadorezinhos” esculpidos na pedra — peças similares aos peões que
encontramos em uma caixa de Detetive ou Ludo.
De acordo com o arqueólogo Elke Rogersdotter, aproximadamente um em
cada dez artefatos recuperados do sítio é relativo a jogos, provando que
eram parte importante da vida cotidiana das pessoas há mais de 4 mil anos.2
Minha ida ao Metropolitan era para ver um dos mais famosos jogos da
Antiguidade. Em uma extensa galeria na ala egípcia, a alguns passos do
salão principal, há uma reprodução de uma pintura descoberta na tumba de
Nefertari, a esposa de Ramsés, o Grande. Ela retrata a rainha sentada em
frente a uma mesa, sobre a qual repousa uma série de peças de jogos
esculpidas. A tradução dos hieróglifos identifica seu adversário como o
Destino.
Nefertari está jogando senet, um popular jogo de tabuleiro egípcio que
coloca dois jogadores — representados por peças — em uma corrida de
trinta quadrados por uma matriz retangular. Senet era conhecido como o
“jogo da passagem” e passou a simbolizar a jornada dos mortos para o pós-
vida. Era geralmente colocado em cima dos túmulos dos faraós e das suas
famílias. Howard Carter encontrou um tabuleiro esculpido de forma
elaborada na tumba de Tutancâmon, datado de 1323 a.C.
Parado em frente à pintura, me imaginei sentado diante de Nefertari, com
uma miniatura de um homem em uma armadura de prata segurando uma maça
pesada. Embora estivéssemos separados por 3.200 anos de história, eu sabia
o que ela estava sentindo. O jogo lhe permitia considerar a própria
mortalidade e experimentar religiosamente a emoção de enganar a morte.

Há uma razão vital para que os jogos de tabuleiro tenham se espalhado pelo
globo: eles representam mais que uma simples diversão — ensinam e contam
histórias.
Considere o conto folclórico sobre a rainha que tinha somente um filho,4
seu único herdeiro. Quando ele morreu na batalha, os conselheiros reais não
conseguiam decidir como contar a notícia para sua majestade, então
procuraram o conselho de Qaflan, um grande filósofo. Ele ponderou sobre o
problema e convocou um artesão.
— Pegue dois tipos de madeira, um claro e outro escuro — ordenou o
sábio. — De cada um, esculpa coleções idênticas de dezesseis pequenas
figuras.
Quando o trabalho foi feito, o filósofo posicionou as figuras sobre o
couro.
— Isso é uma guerra sem derramamento de sangue — falou a um
discípulo, explicando as regras de um jogo, desenvolvido em cima de um
tabuleiro e com dois exércitos de dezesseis peças.
A notícia de um novo jogo se espalhou e um dia a rainha visitou Qaflan
em busca de uma demonstração. Ela estudou o tabuleiro atentamente
enquanto o sábio e seus estudantes trocavam de peças.
Quando o jogo terminou, a rainha entendeu seu significado e virou-se
para o homem.
— Meu filho está morto — disse para ele.

O jogo, claro, era o xadrez ou algo parecido. A mãe de todos os jogos de


tabuleiro foi provavelmente inventada na Índia, embora possa ter sido
baseada em jogos mais velhos que vieram da China pela Rota da Seda.
A origem do jogo pode estar perdida, mas os mitos que a cercam deixa
algo claro. “Foi dito que o xadrez foi inventado para explicar o inexplicável,
para fazer o abstrato ficar visível”, escreve David Shenk em The Immortal
Game: A History of Chess. “O guerreiro grego Palamedes, comandante das
forças no cerco à Troia, supostamente inventou o xadrez como demonstração
das posições na batalha. Moisés, no seu papel de sábio judeu, teria
inventado o jogo como parte de um pacote educacional, junto com a
astronomia, a astrologia e o alfabeto.”
O ancestral mais antigo que conhecemos do xadrez é um jogo chamado
chaturanga, que vem do sânscrito “exército”. Jogado na Índia durante o
século VI, o jogo replicava uma batalha importante da Guerra de
Kurukshetra usando peças esculpidas — um rajá, seu conselheiro, dois
elefantes, dois cavalos, duas carruagens e oito soldados. Ele deu à luz o
xadrez; D&D seria algo como seu tataraneto-sobrinho.
Chaturanga é o Gêngis Khan do mundo dos jogos. O imperador mongol
gerou tantas crianças que 17 milhões de homens vivos hoje em dia são seus
descendentes diretos; em comparação, o chaturanga moldou pelo menos 2
mil jogos, da variante japonesa shogi ao xadrez tridimensional, um jogo real
baseado em um objeto cenográfico que apareceu em diversos episódios de
Star Trek.
Infelizmente, sou péssimo em todos eles. Aprendi a jogar xadrez quando
era criança, mas nunca entendi o jogo de verdade. Eu conseguia mover as
peças e ocasionalmente derrotava algum de meus amigos igualmente
troglodita,3 no entanto nunca tive algum senso de estratégia além dos
costumeiros “não perca nenhuma peça” ou “mate todas as peças do outro
cara.”
Como resultado, idolatrei todos que sabiam jogar. Xadrez me parecia
drasticamente erudito, o ápice da intelectualidade: as pessoas que o
dominavam eram mais espertas e melhores que todos nós. Imaginei Albert
Einstein jogando com Glenn Gould, enquanto Arthur Miller observava sobre
os ombros deles. Até os títulos dos jogadores pareciam confirmar minha
teoria: chame alguém de “Grande Mestre” e eu visualizo um velho mago com
barba branca e não um adolescente com transtorno obsessivo-compulsivo.
Meu amigo e editor da Forbes, Michael Noer, é um fanático por xadrez e,
pelo que sei, um grande jogador. Ele não é ranqueado, mas é conhecido por
dominar a mesa no Johnny’s Bar, no Greenwich Village, derrotando todos os
desafiantes ao mesmo tempo que se embebeda. Pedi que ele me ensinasse os
truques.
No dia seguinte, Michael apareceu no meu escritório com um velho
relógio de xadrez de madeira, um saco de peças de plástico e um tabuleiro
enrolado.
— Só posers usam tabuleiros chiques — disse, jogando a quinquilharia
na minha mesa. — Você conhece todos os movimentos?
Eu zombei, indignado.
— Sim, conheço, Michael.
— Então me mostre.
Acontece que eu não conhecia. Entendia o básico — um rei anda uma
casa em qualquer direção, um bispo anda na diagonal por quantas casas
quiser e assim por diante —, mas eu não fazia ideia do que eram os
movimentos condicionais, que permitem às peças se comportarem de
maneiras diferentes em circunstâncias especiais. O peão, por exemplo: eu
sabia que ele podia avançar uma ou duas casas no primeiro movimento,
apenas uma casa nos movimentos subsequentes e que só podia atacar os dois
espaços mais próximos na diagonal. Mas eu não conhecia a captura en
passant. Se o movimento inicial do peão passa por um peão adversário, o
jogador pode capturar o peão “de passagem” por trás. Aprendi isso da
maneira mais difícil, quando Michael pegou minha rainha no sexto
movimento do jogo. Fui derrotado em dois minutos.
Arrumamos o tabuleiro e tentamos de novo. Michael começou movendo
seu rei duas casas. Eu escolhi um peão aleatoriamente, o que ficava na frente
do bispo da minha rainha, e o movi duas casas.
— Você quer brincar de Siciliana? — Michel brincou. — Quer se
comportar como uma menininha birrenta? Eu ia te ensinar uma coisa, mas se
você quer realmente jogar...
— Eu não sei o que diabos é Siciliana.
— A Defesa Siciliana. É uma grande abertura de jogo, mas você não
conhece.
Eu já ouvi falar de aberturas, mas as imaginei como complexos cenários
de batalha nos quais precisaria memorizar dúzias de movimentos. É por
causa das aberturas que tenho tanto medo de xadrez. Quando ouço “Defesa
Siciliana”, penso logo em uma cena do filme Jogos de guerra, quando um
supercomputador militar simula centenas de variações de uma guerra
mundial termonuclear. Os nomes piscavam nas telas gigantes dos
computadores do Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte
(NORAD): OPÇÃO TCHECA. IMPULSO MONGOL. DINAMARCA
SÓLIDA. SURPRESA SUDANESA.
Mas vem a calhar que a Defesa Siciliana é mais simples do que pensei:
dois peões, dois movimentos, dois espaços. Não é um plano de guerra
extremamente coreografado, apenas uma maneira inteligente de começar uma
partida — o equivalente a escolher o espaço central no jogo da velha.
Claro, há muitas aberturas, algumas bem mais complexas. Mas nenhuma
delas exigia uma execução rotineira.
— A razão de aprendê-las é para não jogar da mesma maneira todas as
vezes — disse Michael. — Elas ensinam como o jogo se desenvolve, mas
você não precisa memorizar todas as respostas possíveis. O ideal é que seja
eu e você em uma batalha de raciocínio, e não há nada para memorizar.
Ele pegou um dos seus cavalos e o carregou para a frente até chegar a um
peão.
— Vê essas quatro casas? — perguntou, apontando para o centro da
mesa. — O tabuleiro é uma montanha. Elas são o pico. Você precisa sempre
ir atrás dessas casas.
Segurou um dos meus cavalos e espelhou seu movimento. Então, pegou o
próprio bispo e cortou o tabuleiro.
— Essa é a Abertura Espanhola. Pelos próximos 100 anos ou até você
ficar bom no xadrez, o que vier primeiro, use essa abertura. Com ela, posso
te ensinar a derrotar 95% dos jogadores por aí.
Em quatro dias, Michael me deu uma dúzia de aulas curtas de dez
minutos, aparecendo no meu escritório sempre que sentia vontade de enrolar
no trabalho. Eu passava meu tempo livre navegando no YouTube atrás de
vídeos de aberturas comuns — a Giuoco Piano, Gambito do Rei, a Variante
do Dragão. E antes disso eu cheguei à seguinte conclusão: apesar de suas
origens, o xadrez não é um jogo de guerra, e o objetivo não é eliminar as
peças do oponente. É um jogo espacial cujo objetivo é controlar o tabuleiro.
Guerra sem derramamento de sangue.
Fiquei pretensioso e decidi testar meus novos conhecimentos. Desafiei
Michael para uma partida de verdade: sem dicas ou segundas chances. Eu
sabia que perderia, mas achava que poderia travar um belo combate.
Depois, pedi um elogio para Michael. Ele foi frio.
— Seu jogo melhorou significativamente. Mas você ainda é ruim pra
cacete!

Os jogadores de xadrez atuais essencialmente obedecem às mesmas regras


que seus antepassados do século XV. Mas o xadrez não parou de evoluir na
Idade Média. Nos séculos seguintes, centenas de variações foram criadas na
tentativa de modernizar o jogo e levá-lo de volta às suas raízes na forma de
simulador de campos de batalha. Em 1664, Christopher Weikhmann, de Ulm,
Alemanha, criou o Köenigsspiel, o “jogo do rei”, propagando que ele
“forneceria o mais valioso compêndio dos princípios militares e políticos a
todos que o estudassem de forma apropriada”. Weikhmann aumentou o
número de peças de cada lado para trinta, substituindo os antiquados cavalos
e bispos por unidades militares modernas, como alabardeiros, marechais e
mensageiros. Ele também criou variações na regra para comportar até oito
jogadores, expandindo o tabuleiro para mais de quinhentas casas.
Em 1780, Johann Christian Ludwig Hellwig, “mestre das páginas” na
corte do duque de Brunswick, foi ainda mais longe. Seu “xadrez de guerra”
consistia em mais de 1.600 casas, cada uma colorida para indicar terrenos:
branco para nível do chão, verde para pântanos, azul para água e vermelho
para montanhas. Havia centenas de peças, cada uma representando uma
unidade militar completa, incluindo bateria de morteiros, embarcações e
regimentos de cavaleiros corsários. As regras tornaram-se tão complicadas
que Hellwig exigiu a participação de uma terceira pessoa, neutra, para
dirigir o jogo e julgar disputas — uma versão de Dungeons & Dragons do
Império Romano.
Nos primeiros dias das Guerras Napoleônicas, Georg Leopold von
Reiswitz, um servidor público prussiano, queria jogar o xadrez de Hellwig,
mas não tinha dinheiro para comprar o equipamento. Ele, então, desenvolveu
um próprio. Publicou, em 1812, Instruções para a representação das
manobras táticas sob a forma de um jogo de estratégia, usando dados para
simular a importância da sorte na batalha e uma mesa coberta por areia para
modelar a topografia. Naquele mesmo ano, ele construiu um tabuleiro
luxuoso usando módulos de madeira em vez de areia. Deu de presente para o
rei Frederick Wilhelm III. Kriegsspiel, literalmente “jogo de guerra”,
começou a ganhar adeptos. Em 1820, o filho de Von Reiswitz, Georg
Heinrich Rudolf, refinou as regras e produziu em massa o jogo no formato de
uma caixa do tamanho de um livro de capa dura — pequeno o suficiente para
um soldado carregar em sua mochila.
Na década de 1860, sob o comando de Otto von Bismarck, o jogo virou
um exercício regular de treinamento de oficiais da Prússia. Quando vinte
anos de sucesso militar se sucederam, o Kriegsspiel desfrutou sua glória:
após a Guerra Franco-Prussiana, generais britânicos citaram o jogo como um
fator na vitória decisiva de Bismarck. Exércitos ao redor do mundo
copiaram o jogo e começaram a usá-lo para treinar os próprios oficiais.
No século XX, os jogos de guerra já eram comuns entre militares e
começaram a se espalhar entre as pessoas. Em 1911, o escritor britânico H.
G. Wells se arriscou no gênero ao publicar Pequenas guerras: Um jogo
para garotos de 12 até 150 anos de idade e para aquele tipo mais
inteligente de garotas que gostam de jogos de meninos e livros. O texto era
o equivalente a um Kriegsspiel para crianças: uma curta e acessível série
de regras. Wells livrou-se dos tabuleiros complexos, incentivando o jogo na
mesa da cozinha ou no chão do quarto. Ele deixou totalmente de lado as
fichas e contadores representando unidades militares: Pequenas guerras
exigia da criança apenas sua coleção de soldadinhos de chumbo.
Foi um momento seminal. Wells despiu o jogo de convenções rígidas
moldadas em mais de um milênio e enxergou o coração do soldado jogador:
é um jogo e deve ser divertido.
Wells, como pacifista, rapidamente manteve sua “diversão” distante de
instrumentos de guerra como o Kriegsspiel. “O quão melhor é essa simpática
miniatura em comparação à versão real?”, questionou. “Aqui está a
premeditação, a emoção, o esforço para acumular vitórias ou desastres — e
sem corpos esmagados ou ensanguentados, sem belos prédios destruídos ou
campos devastados.”
Há três anos do início da Primeira Guerra Mundial, Wells esperava que
simular a violência pudesse evitar o derramamento de sangue de verdade.
“No presente momento, a Grande Guerra, estou convencido, não apenas é o
jogo mais caro do universo, mas um jogo fora de todas as proporções”,
escreveu. “A quantidade de homens, material, sofrimento e inconveniência
não é apenas monstruosamente grande para ser sentida, mas as cabeças
disponíveis que temos são muito pequenas. Essa, acredito, é a compreensão
mais pacífica concebível e Pequenas guerras leva a isso como nenhuma
Grande Guerra o fará.”

Notas:
1. Um dos pais da literatura britânica, autor de Contos da Cantuária. (N. do T.)
2. Jogos são tema frequente em escrituras arcaicas: em uma história indiana, o deus Shiva e sua
consorte, Pavarti, estão jogando dados e pedem a arbitragem para Nandi, o touro divino. Shiva perde,
mas Nandi o declara vencedor de qualquer maneira. Talvez seja o primeiro exemplo de péssimo
Mestre na história.
3. “Troglodita: Esta criatura reptílica é quase humanoide. Ele é um pouco menor que um ser humano.
Seus braços são finos, mas musculosos, ele anda ereto sobre duas patas achatadas e arrasta uma
cauda longa e segmentada. Sua cabeça é semelhante à de um lagarto, mas tem uma crista que
começa na testa e continua até a base do pescoço. Seus olhos são negros e fundos... Dados de vida:
2d8+4 (13 PV)... Classe de armadura: 15... Ataques especiais: Mau-cheiro.” Livro dos monstros, p.
244
3
GROGNARDS

E
u sabia que se quisesse entender como funciona Dungeons & Dragons
teria de estudar primeiro os jogos que lhe deram origem. Mas eu não
podia simplesmente entrar em uma loja e pedir jogos de guerra feitos há
mais de cem anos. Hoje em dia, jogos como Pequenas Guerras e
Kriegsspiel1 estão decididamente fora de moda.1 Foram substituídos como
diversão por videogames de temática de guerra e suplantados na educação
por simuladores eletrônicos complexos. Os militares ainda usam jogos de
estratégia para treinamentos, mas esses exercícios são geralmente
computadorizados ou encenados. O Exército americano emprega projetistas
de jogos na Divisão de Simuladores da Escola de Comando e Estado-Maior;
seus eventos parecem role-playing games altamente arbitrados, um
cruzamento entre D&D, jogos de estratégia e uma versão escolar da ONU.
Mas soldados dedicados nunca desistem. A Sociedade de Miniaturas
Históricas para Jogos, uma fundação sem fins lucrativos criada para
promover o hobby, tem mais de 2 mil membros ao redor do mundo e
organiza uma convenção anual — quatro dias de seminários, encontros e
muitos, muitos jogos. Como eu nunca participei de um jogo de estratégia,
decidi conhecer a convenção — esses jogos são importantes ancestrais do
D&D. (Traduzindo: Não tema, ranger. Voltaremos para D&D em duas
balançadas de rabo de um lamia.2)
A Historicon foi organizada no segundo fim de semana de julho na Praça
de Convenções Forge, na comunidade de King of Prussia, Filadélfia. A
cidade é mais conhecida por seu shopping center gigantesco, o maior dos
Estados Unidos. É também casa do Parque Histórico Nacional de Valley
Forge, onde George Washington e o Exército Continental notoriamente
acamparam durante a Revolução Americana. Mas o shopping center atrai
muito mais visitantes.
É fácil encontrar o centro de convenções, um bunker de concreto dos anos
1970 conectado a hotéis velhos e ultrapassados nas duas extremidades; o
complexo inteiro se destaca como uma espaçonave alienígena em meio a um
oceano de estacionamentos. Três mil inscritos passaram por suas portas
naquele fim de semana para pegar um lugar nas mais de seiscentas mesas de
jogos. Cheguei cedo na sexta-feira para procurar um dos doze ingressos para
o “Campo de Treinamento das Batalhas Napoleônicas”, um conflito
hipotético — e para iniciantes — entre os exércitos franceses e prussianos.
Com tempo de sobra, decidi andar pelos corredores.
Há certas características comuns entre as convenções de jogos dedicadas
a miniaturas históricas, RPGs, videogames ou jogos de tabuleiro, como
xadrez e Scrabble. A primeira é o desequilíbrio entre os sexos. Talvez os
homens sejam mais atraídos para jogos competitivos a ponto de ficarem
obcecados por eles; de qualquer maneira, correspondem à grande maioria
dos participantes. A segunda é o desequilíbrio na idade. Os frequentadores
exibem mais cabelos grisalhos que tatuagens e fones de ouvido,
provavelmente por causa do alto custo das convenções. Por fim, há o
desequilíbrio racial. Credite isso a diferenças sociais ou econômicas, mas as
multidões dentro de uma convenção de jogos sempre parecem mais brancas
do que a população no lado de fora, até mesmo em cidades como Nova York
e São Francisco.
Em outras palavras: o típico frequentador de convenções de jogos é um
sujeito branco de meia-idade. Isso só é uma surpresa para alguns poucos,
mas é bom mencionar. Apropriadamente, os jogadores se autointitulam
“grognards” — um termo francês para “velhos soldados”. A tradução literal,
“grumbler”,3 foi utilizada pela Guarda de Elite Imperial de Napoleão,
veteranos tão respeitados que podiam reclamar de ordens e até mesmo
resmungar ao próprio imperador.
No salão principal, algumas centenas de participantes estavam arrumando
jogos em mesas dobráveis lado a lado; sessenta ou setenta dessas superfícies
foram organizadas ao redor do local. Uma batalha de miniaturas históricas
exige uma preparação significativa comparada ao xadrez; não há um
tabuleiro ou marcação de peças. Em vez disso, os jogadores constroem
maquetes, geralmente representando o cenário de uma batalha real. A mais
simples delas consiste no tampo da mesa coberto por pedaços de tecidos e
um punhado de soldados de plástico. Mas vários usuários — principalmente
os grognards mais radicais que frequentam convenções — se esforçam para
criar detalhes e elementos artísticos como se mexessem com peças de museu.
Suas mesas possuem pequenas árvores de plástico, colinas e vales realistas,
além de prédios meticulosamente pintados. Todas seguem uma proporção de
modo que os soldadinhos de brinquedo historicamente precisos meçam entre
10 e 28 milímetros de altura.
Em um jogo que simula a invasão inglesa de um castelo francês durante a
Guerra dos Cem Anos, os organizadores recriaram uma vila medieval e um
calabouço; o castelo de resina plástica na extremidade facilmente media
1,20 m × 1 m. A maior maquete, com 15 metros de extensão, enfiada no
canto distante do salão, replicava a rua principal de uma cidade do Velho
Oeste: completa, com moradores, cavalos, currais e dúzias de prédios,
incluindo um bar, a prisão, o mercado e um açougue.
Na ala de comércio, localizada no andar de baixo do centro de
convenções, fileiras e fileiras de mercadores vendiam o equipamento
necessário para a criação dessas maquetes. Para começar um jogo, você
precisa de um campo de batalha. Jogadores muquiranas podem ficar
satisfeitos com um tampo de mesa, mas você não preferiria cobrir a
superfície com um Tapete de Terreno da Wargames? É um pedaço de tecido
vagabundo que mede 1,80 m × 1,20 m disponível nas cores “Verde-floresta”
ou “Marrom-Grama Destroçada”, custando 29 dólares. Claro, uma vez que
você está simulando grama, precisa decorar o campo de batalha com
detalhes como árvores de plástico (7 dólares por peça), rios (8 dólares por
25 centímetros de extensão) e cercas (12 dólares por um pacote com quatro).
Já que os detalhes importam, você certamente vai querer adicionar
construções, como cabanas de um quarto (17 dólares) ou um estábulo (23
dólares). Quem sabe um celeiro (65 dólares), uma casa bombardeada (80
dólares) ou até mesmo uma igreja (120 dólares)?
Também há os soldados. Você poderia comprar kits — um conjunto de 42
integrantes de 28 cm da infantaria napoleônica custa 29 dólares —, mas teria
de colar e pintar todas as peças. Miniaturas pintadas de fábrica são
convenientes, mas não são baratas — oito membros da tropa romana saem
por 16 dólares ou 2,25 dólares se comprados separadamente. E há a grande
atração do mercado: miniaturas de metal pintadas à mão. Elas são lindas,
mas insanamente caras: doze “Rebeldes Boxers”4 custam 96 dólares; vinte
soldados da infantaria romana, 175 dólares; e doze lanceiros franceses, 220
dólares.
A necessidade de todo esse equipamento cria uma barreira para novos
adeptos e torna extremamente difícil a presença constante de um jogador
casual. No total, um jogador fanático por miniaturas históricas pode
facilmente gastar milhares de dólares no seu passatempo.
Depois de conhecer a área de comércio, vaguei pelos corredores dos
hotéis adjacentes, onde alguns jogos tomavam forma em uma dúzia de salas
de reuniões lotadas e quentes. Quanto mais eu caminhava nas profundezas do
local, mais me sentia como o garoto de O iluminado, de Stanley Kubrick.
Meus passos batendo ritmicamente no carpete enquanto quadros estranhos
me observavam. Em uma porta semiaberta, vi um sujeito que parecia Papai
Noel agitando uma régua, bradando sobre o papel das casualidades na
artilharia; em outra, uma batalha naval do tamanho da sala com modelos de
barcos de 30 cm; em seguida, um castelo japonês cercado por milhares de
samurais pintados com tinta brilhante; a Normandia no Dia D; William
Wallace na batalha de Falkirk; a Batalha da Bretanha. Chegou a hora de
jogar.

Poucos de nós dormiram na noite anterior à batalha. Ao entardecer,


a artilharia execrável de Napoleão começou a fazer chover morte no
meio da linha de fogo da Coalizão. Nossa posição, ao norte, estava
incólume, mas permanecemos acordados ouvindo o trovejar dos
canhões, uma constante lembrança do que teríamos pela frente.
O sol brilhava sobre a Saxônia quando a mensagem finalmente
chegou: as linhas de frente francesas estavam se movendo. Nossas
ordens eram ocupar várias vilas nas colinas da Boêmia, manter
posição e parar o avanço francês.
Os riscos não poderiam ser maiores. Depois que La Grande
Armée de Napoleão foi expulsa de Moscou, a Prússia finalmente
desembainhou sua espada contra o invasor; agora lutamos na
Befreiungskriege, a campanha germânica, as guerras da liberação.
Vamos retirar os franceses de nossas terras e derrotar Napoleão de
uma vez por todas.
Verificamos duas vezes nossos mosquetes, afiamos nossas
baionetas e nos preparamos para lutar.

O Campo de Treinamento das Batalhas Napoleônicas foi encenado próximo


ao salão principal do centro de convenções em uma mesa de 3,6 m × 3,6 m.
Para se encaixar no espírito de um jogo para iniciantes, o campo de batalha
era simples: uma superfície coberta com feltro verde com duas longas
“estradas” de madeira cortando o centro. As cinco pequenas casas de
plástico eram o único sinal de ornamentação, cada uma representando um
vilarejo — uma na encruzilhada e outra no centro de cada segmento da
estrada.
Nosso Mestre voluntário explicou o cenário: doze jogadores (seis de
cada lado) lutariam em um hipotético embate entre os exércitos francês e
prussiano. O objetivo era forçar as tropas inimigas a abandonar o mapa. Se o
jogo chegasse ao limite predeterminado de quatro horas antes de o objetivo
ser alcançado, venceria quem tivesse dominado mais cidades.
Os exércitos consistiam de longas formações de soldados de brinquedo,
alinhados nas extremidades opostas da mesa. Em uma escala de 15 mm, cada
miniatura só media 1,3 cm. Como cada mini representava uma unidade
inteira de 120 soldados, havia algo como 30 mil homens na mesa preparados
para a guerra.
Cada jogador estava ligado a um exército — eu peguei a Prússia
aleatoriamente — e recebia algumas “prateleiras” de miniaturas
representando um regimento específico. Eu ganhei duas da infantaria, cada
qual com dezesseis homenzinhos de plástico em uniformes azuis, com rifles
levantados e baionetas fixadas. Como os soldados eram muito pequenos,
eles eram colocados em grupos, quatro miniaturas para uma única base.
Também recebi uma prateleira de dezesseis minis da infantaria Landwehr, as
tropas voluntárias que se provaram essenciais quando a Prússia e seus
aliados lutaram para libertar a Europa do poder de Napoleão, em 1813. Meu
regimento Landwehr viajava com um canhão de 5 kg: um pedaço de
artilharia sobre uma base de 2 cm. Quando os soldados se movessem, eles
precisariam ter certeza de que o canhão iria junto. Por último, eu tinha um
único comandante, um sujeito em um garanhão cinza, empoleirado na própria
base. Como comandante da Primeira Brigada, ele representava meu líder de
divisão — em todos os momentos, meus regimentos precisavam ficar a pelo
menos 7 cm dele na mesa para poder receber instruções.

O major Von Lehndorff ordenou que o regimento marchasse em


colunas e assim fomos rumo a um vale entre duas vilas, a cerca de 2
km. À nossa esquerda, uma divisão da cavalaria tomaria uma
cidade; o general Von Zastrow pessoalmente liderou a brigada para
dominar a outra. Nossa missão era garantir a ligação entre as duas,
manter a posição e segurar os franceses na baía.
Ao marcharmos para nosso dever, compusemos uma linda
imagem. Como uma formação de soldados de brinquedo reluzindo ao
sol.

Na escala da maquete, cada centímetro representava 18 metros de distância


no campo de batalha. Para levar minhas tropas ao ponto entre a vila central e
a setentrional, eu precisava marchar por metade da mesa e mudar a formação
para uma linha defensiva. Isso é mais difícil do que parece.
De acordo com as regras das Batalhas Napoleônicas, cada unidade
militar tem diferentes taxas de movimento; elas variam, dependendo da
formação da unidade. Na sua formação inicial de quatro por quatro colunas
de homens, minha infantaria poderia mover-se 25 cm por turno. Mas
transforme em uma coluna para longas marchas — dois homens de frente e
oito de extensão — e mova os soldados por 40 cm. A infantaria Landwehr
anda 20 cm em coluna, um canhão chega a 22 cm, e assim por diante.
Desse modo, as primeiras ações em nossa batalha napoleônica — a
primeira hora inteira, basicamente — consistiram em pequenas
movimentações de peças ao redor da mesa. Na minha vez, eu me inclinava
por cima do cenário com uma régua, marcava 25 cm de distância da minha
fila inicial de soldados e cuidadosamente movia cada miniatura para
atravessar o espaço. Ao mesmo tempo, precisava medir a distância de meu
comandante para cada regimento, certificando-me de que nada ficasse muito
longe.

Quando finalmente conseguimos avistar os franceses, estávamos a


800 metros de distância. Eles pararam o avanço e entraram em
formação; na nossa frente, os chasseurs da infantaria faziam um
muro de 90 metros de largura com casacos verdes. Em ambos os
flancos, eles eram protegidos pela cavalaria — quatrocentos
cavalos escarvando a terra e balançando seus rabos, enquanto seus
montadores se inclinavam para trás, com os mosquetes descansados.
Daquela distância, tínhamos pouco a temer da infantaria, cujos
mosquetes mal tinham o poder de atingir o alvo a 90 metros. Mas
aqueles cavaleiros podiam encurtar o espaço entre nós em meio
minuto e atravessar nossas colunas antes mesmo de termos tempo de
nos defender. Então o major ordenou que parássemos e entrássemos
em formação defensiva quadrada, doze homens lado a lado e doze
formando colunas, mosquetes apontando para todos os lados.
Encarando um quadrado, uma cavalaria é inútil — tudo que pode
fazer é cavalgar ao nosso redor. Se os cavaleiros ousarem se
aproximar, levarão meia dúzia de baionetas em seus traseiros.
A desvantagem de formar um quadrado, pelo menos da minha
posição, é que você não consegue ver o que diabos está
acontecendo. Deixando dois homens no flanco esquerdo, eu tinha
uma boa visão de nossa artilharia leve, que desengatou o canhão e
estava pronta para atirar. Mas eu não conseguia ver os franceses e
precisaria adivinhar como responderiam.
Mantivemos posição por longos minutos até que não aguentei
mais a tensão e me virei para meu amigo Leopold. “O que está
acontecendo? Por que não estão atacando?” Ele abriu a boca para
responder e, então, ficou paralisado. Nós dois ouvimos a resposta no
ar, enfraquecida, porém se aproximando como uma tempestade
vindoura: centenas de botas batendo em ritmo pela terra seca. Um
ataque de infantaria.
Atrás de nós, a corneta do major tocou três vezes e voltamos à
formação. Enquanto eu retornava à posição original, pude observar
o exército francês vindo em nossa direção — l’ordre mixte, uma
combinação de fileiras e colunas feita para romper a infantaria
inimiga. Através de meu regimento. Levantei meu mosquete e esperei
pelas ordens.
Não disparamos até que pudéssemos enxergar as franjas de suas
ombreiras de lã. Duas saraivadas em rápida sucessão: primeiro,
nossa linha de frente, que se agachou para a segunda fileira atirar
em seguida. Nossos mosquetes cuspiram fumaça e as fileiras
francesas se contorceram e cambalearam. Uma dúzia de chasseurs
caíram na grama, mas o regimento manteve a formação. Eles
pararam, armaram seus mosquetes e devolveram fogo.
Levo vinte segundos para recarregar meu mosquete, mas quando
alguém atira em sua direção esse tempo parece uma eternidade.
Tentei me concentrar na rotina e não ouvir o som das armas
francesas. Desencaixe a coronha do ombro, abra a caçoleta e a
caixa de cartuchos. À minha direita, ouvi um baque e senti meu
amigo Johann cair. Pegue um cartucho, tire o papel de proteção com
os dentes, preencha o cano com pólvora. Algo passou zunindo por
minha orelha como uma abelha gorda e furiosa. Feche o cano, vire a
arma, esvazie o cartucho na recâmara, tampe-a.
Engatilhe a arma, posicione-a no ombro. Atire de volta.

O combate nas Batalhas Napoleônicas usa um sistema de rolagens


modificadas de dados: para atacar, ambos os jogadores lançam 1d10 e,
então, somam ou subtraem baseados em fatores como tipo de soldado,
localização e formação. Se o atacante atinge um número maior, ele matou
alguns inimigos.
Uma batalha é ainda mais complicada por causa das regras para o estado
de espírito: se um número suficiente de soldados se machuca em um
regimento, ele fica “desordenado” e não pode retrucar o fogo inimigo ou
entrar em combates corpo a corpo. Se você não se recupera da desordem,
pode terminar “debandado”, forçando suas tropas a fugir do combate. Se
eles correrem na direção de outro regimento na fuga, os soldados daquela
unidade podem também entrar em pânico.
Não é um sistema fácil. Cada jogador recebeu uma cópia da “ficha de
informação do enredo de treinamento” descrevendo todos os modificadores,
mas era tão complexo quanto inútil: quando algo precisa de dezenove notas
de rodapé para explicar uma única página de informação é porque você
acaba de entrar em uma encrenca.
Toda essa complexidade desorienta até os especialistas. Tom e Paco,
nossos dois voluntários no papel de Mestres, passam boa parte da partida
debatendo regras entre si e dando instruções conflitantes — e não acho que
eles estavam fazendo um trabalho ruim. É apenas a natureza do jogo,
complexa e confusa. Jogos de estratégia são feitos para provocar discussões,
não estimular a imaginação como D&D.
O fato é que, em qualquer batalha de miniaturas históricas, apenas 10%
da partida são realmente jogados. Metade do tempo é gasta em discussões
sobre história; o restante do tempo é de debate das regras do jogo. A guerra
realmente é um inferno.

Ao nosso redor, eu podia sentir o pânico e a dor. À nossa esquerda, a


cavalaria estava debandando, recuando e expondo nosso flanco.
Mas meu regimento manteve a posição. Disparamos três saraivadas
contra o regimento francês. Eles continuaram a avançar. Estavam a
apenas quarenta passos quando nosso canhão finalmente abriu fogo.
A explosão me pegou de surpresa e quase derrubei minha bucha
de estopa. No reflexo, me virei para olhar, mas só captei um instante
do movimento — o canhão indo para trás e afundando na terra —
antes de me afogar em uma nuvem cinza e pesada de fumaça.
Então ouvi os gritos. Os canhoneiros carregaram a arma com
entulho, uma mistura de ferro-velho e balas de mosquete —
ineficazes a distância, mas devastadoras de perto. O tiro divide a
formação francesa e retalha sua linha de frente. Os soldados em
choque permaneceram em pânico e debandaram, recuando e lutando
contra os próprios companheiros — tudo para fugir do canhão.
Nesse momento, eu estava preparado para declarar a vitória prussiana. Mas
uma das peculiaridades de As Batalhas Napoleônicas é que soldados
debandam o tempo todo. Assim como o jogador gerencia formações, ele
deve também gerenciar o moral das tropas, agrupando soldados e impondo
ordem para manter seu exército no combate o máximo de tempo possível. A
ideia é que todo mundo tem seu traseiro chutado, mas apenas bons jogadores
sabem como suportar o espancamento. Um general avança como a maré,
aumentando e diminuindo, perdendo terreno numa hora, mas ganhando em
outra.
Os franceses aprenderam essa lição rapidamente. Quando a infantaria
ligeira deles debandou e recuou, marchei com meu regimento Landwehr para
cima, na esperança de perseguir e destruir. Mas, na sua vez, o general
francês foi capaz de reagrupar sua unidade e impedir sua retirada.
Ele então moveu duas unidades de infantaria em minha direção. Eu
precisava de um turno somente para mudar minha formação de coluna em
marcha para uma fileira. Então, assim que estava pronto para a luta, me
expus como alvo para três unidades francesas diferentes. Quando elas
atacaram, o comandante deveria jogar 3d10 e somar o resultado; a única
maneira que eu tinha para evitar uma carnificina seria obtendo um número
maior, mas jogando apenas um simples 1d10.
Ele pegou os dados e os lançou na mesa. 1, 1 e 4.
Eu tirei um 10. De alguma maneira, minhas tropas não apenas evitaram a
destruição, mas também não sofreram baixas. Minha infantaria era imune a
balas.
Tom, o Mestre, inclinou-se por cima da mesa e sorriu. “Qual a diferença
entre um conto de fadas e um drama de guerra?”, perguntou. “Um conto de
fadas começa com ‘era uma vez...’ e um drama de guerra tem início com
‘Não acredito que isso realmente aconteceu’.”
A vitória durou pouco. Quando nosso jogo alcançou o limite de quatro
horas, o exército francês dominava três das cinco cidades no mapa.
Napoleão ganhou o dia.
Agradeci aos mestres e deixei a mesa, o salão e o centro de convenções.
Marchei pelo estacionamento, dei partida no carro e enviei 200 cavalos pelo
flanco esquerdo rumo à rodovia. Quatro horas de guerra em miniatura eram o
bastante para o fim de semana — ou para o resto da vida, acho.
Miniaturas históricas não são feitas para mim. E não é por causa das
centenas de regras — posso aguentar isso, adoro regras. É que, além de
serem muito complicadas, são o foco do jogo; não se trata de contar histórias
ou viver uma aventura, mas de realizar simulações precisas. Para mim, jogos
de estratégia com miniaturas históricas têm muita arregimentação e pouca
imaginação.
São interessantes, mas não são Dungeons & Dragons.

Notas:
1. Mas não extintos: Steve Jobs, fundador da Apple, era um fã de Kriegsspiel; nos primeiros dias da
empresa, ele jogava com o engenheiro Daniel Kottke, algumas vezes no meio de uma viagem de
LSD.
2. “Essa criatura parece um cruzamento entre um ser humano extremamente atraente e um leão
imponente. Ela é humana da cintura para cima e o restante do corpo pertence a um leão.” Livro dos
monstros, p. 171.
3. Resmungão. (N. do T.)
4. Grupo nacionalista chinês que lutava contra a presença estrangeira no país no fim do século XIX. (N.
do T.)
4
DRUIDAS COM PHASERS

R
egras ridiculamente complicadas e miniaturas pintadas à mão não são
uma receita para o sucesso. Apesar dos esforços de H. G. Wells para
transformar os jogos de estratégia em algo popular, o passatempo
permaneceu obscuro até meados do século XX. O público geral gostava de
jogos de tabuleiro mais simples e curtos, como Banco Imobiliário, lançado
em 1930, e Scrabble, de 1948. Kriegsspiel e sua irmandade continuavam a
ter seus fãs, mas em menor número — quase exclusivamente homens mais
velhos, veteranos que gostariam de relembrar a emoção das guerras.
Em 1952, alguém finalmente descobriu como transformar um jogo de
estratégia em um passatempo familiar. Aos 22 anos, Charles Roberts, que já
tinha trabalhado em dois jornais, completou quatro anos no Exército e se
alistou na Guarda Nacional de Maryland. Com esperança de ser convocado
para lutar na Coreia, decidiu estudar estratégia militar. “Estar familiarizado
com os Princípios da Guerra é, para um soldado, o mesmo que a Bíblia
significa para um clérigo”,1 escreveu Roberts em um artigo de 1983. “A
Bíblia, contudo, pode ser facilmente lida. [...] Guerras são mais difíceis de
encontrar. Portanto, decidi que treinaria para a guerra em um tabuleiro assim
como no campo de treinamento. [...] Como não há jogos de estratégia assim
disponíveis, precisei criar o meu.”
O jogo de Roberts, Tactics, usava as ferramentas de atração em massa
dos jogos de tabuleiro para simular a guerra. Tinha um tabuleiro simples
com um mapa desenhado à mão; usava peças de papelão para representar
unidades, em vez de miniaturas de guerra; e livrou-se da bagagem histórica,
valendo-se de um conflito hipotético entre dois países imaginários.
Roberts decidiu manufaturar e vender o jogo “quase como uma
brincadeira”, em 1954. Vendeu apenas 2 mil cópias em cinco anos, mas
enxergou um mercado não explorado para jogos de tabuleiro para adultos e
persistiu na ideia. Em 1958, criou e lançou Gettysburg, que simulava a
batalha homônima da Guerra Civil Americana; em 1962, a Avalon Hill,
empresa de Roberts, tornou-se a quarta maior fabricante de jogos de
tabuleiro dos Estados Unidos.
Ao redor do país, pequenos grupos começaram a se reunir em centros
comunitários, nas lojas ou mesmo em casa para sessões semanais de
Gettysburg e de outros jogos de guerra. Esses encontros eram
inevitavelmente formados por homens — apesar de a base de jogadores ter
aumentado a ponto de os adolescentes rivalizarem com os veteranos de
guerra, as mulheres ainda não eram vistas. Isso tinha a ver tanto com o
assunto do passatempo quanto com o tom das reuniões bélicas: os jogadores
passavam horas discutindo regras e os resultados. (Isso provavelmente tinha
relação com a presença de sujeitos de pouco tato social — existe uma boa
razão para que um grupo de jogadores tenha ficado conhecido como
“fedorentos”.)

Um dos maiores grupos de jogos de guerra nos Estados Unidos era a


Associação de Simulação Militar do Centro-Oeste, localizada em
Minneapolis-Saint Paul. Fundada em 1964 por um pequeno grupo de
historiadores, modeladores de miniaturas e jogadores, ela cresceu
rapidamente quando os jogos ficaram mais populares. Em pouco tempo, os
encontros estavam lotados e polêmicos, já que o velho problema das brigas
sobre regras subia à cabeça.
Uma solução foi encontrada na forma de um manual militar de 80 anos
chamado Strategos: A Series of American Games of War, publicado em
1880 por Charles A. L. Totten, um tenente da 4ª Infantaria dos Estados
Unidos. Dave Wesely, um estudante de Física da Universidade de Hamline,
em Saint Paul, desenterrou o livro da biblioteca da Universidade de
Minnesota e redescobriu a ideia secular de um juiz todo-poderoso. Logo foi
adotado como prática-padrão.
Em 1967, a associação tinha cerca de sessenta membros e se fragmentou
de tão grande. Wesely e o restante do pessoal mais jovem passaram a se
encontrar perto da casa de David Arneson, um estudante da Universidade de
Minnesota. Eles se reuniriam várias vezes por semana para jogar
tradicionais batalhas napoleônicas, no melhor estilo Kriegsspiel; jogos de
guerra como Gettysburg, da Avalon Hill; Conflict, um simulador da Guerra
Fria fabricado pela Milton Bradley; e um jogo francês chamado La Conquête
du Monde [A Conquista do Mundo], que logo ficaria conhecido nos Estados
Unidos como Risk.1
No outono, Wesely deixou as Cidades Gêmeas para estudar no Kansas.
Longe de seus amigos de jogo, teve meses para preparar algo memorável
para seu retorno triunfal nas férias de inverno. O que ele criou foi o primeiro
role-playing game da era moderna.
A trama se passava durante as Guerras Napoleônicas, na cidade fictícia
de Braunstein, na Alemanha, que se encontrava cercada pelos exércitos
inimigos. Mas Wesely não colocou as tropas no tabuleiro. Em vez disso, deu
um personagem para cada jogador controlar dentro do cenário. Alguns eram
oficiais em visita à cidade; outros, civis, como o prefeito, o conselheiro
escolar ou o banqueiro. Wesely passou, então, um objetivo para cada
jogador, forçando os participantes a levar em conta suas motivações e pensar
fora da estratégia de batalha.
O jogo rapidamente saiu do controle. Os jogadores queriam fazer coisas
que Wesely não havia planejado, como duelar entre si, forçando-o a criar
regras de supetão. Eles também começaram a se afastar da mesa em
pequenos grupos para formar negociações secretas — o pesadelo para
qualquer árbitro todo-poderoso. Wesely voltou às aulas achando que o jogo
tinha sido um fiasco.
Mas os jogadores não acharam. Rapidamente, passaram a implorar a
Wesely por “outro Braunstein”. Ele obedeceu, criando novas histórias, como
uma ambientada na Guerra Civil Russa, em 1919. Outra explorava uma
ditadura latino-americana sob o ponto de vista de estudantes
revolucionários, policiais disfarçados e funcionários corruptos do governo.
David Megarry, amigo de Wesely, foi um dos jogadores da segunda
partida de “Braunstein”, ambientada no país fictício de Piedras Morenas.
“Era meio uma república das bananas”, diz Megarry. “Eu era um rebelde e
tentava explodir algo.” Os participantes ficaram intrigados com a liberdade
do jogo e empolgados por brincar mais um pouco. “Era uma nova
dimensão”, conta ele. “Era realmente muito eletrizante.”

As inovações de David Wesely — o uso de um árbitro, jogadores


designados para personagens fixos e com objetivos próprios e a liberdade
de fazer o que bem quisessem — acendeu uma chama na comunidade de
jogadores das Cidades Gêmeas. Suas aventuras de interpretação de papéis
chamaram atenção de jogadores cansados de longas e complicadas
reconstituições de guerras e os fizeram pensar qual seria o próximo passo
para os jogos. Não demorou muito para outros seguirem seus exemplos.
Dave Arneson2 nasceu em 1947 e cresceu em Saint-Paul, Minnesota.
Quando era adolescente, seus pais compraram uma cópia de Gettysburg e ele
se viciou; depois, passou para os jogos mais radicais, incluindo simulações
da Guerra Civil e das batalhas navais de Napoleão. Ao se matricular na
Universidade de Minnesota para estudar história, integrou-se à Associação
de Simulação Militar do Centro-Oeste para saciar o hábito. Seu porão — um
pequeno espaço dominado por uma mesa de pingue-pongue com apenas
poucos metros de folga de cada lado — tornou-se a base para o pessoal do
RPG.
Sentado em um sofá-trono confortável na ponta da mesa de pingue-
pongue, Arneson começou a fazer os próprios refinamentos paras as regras
tradicionais dos jogos de guerra — basicamente quebrando todas elas.
Durante uma partida cuja ambientação era a conquista romana da Bretanha,
ele ficou entediado e decidiu apimentar as coisas.
“Coloquei um druida nas brigadas de defesa”,2 explicou Arneson em uma
entrevista de 1983. “No meio da batalha, quando o elefante de guerra
romano atacou os bretões e pareceu que arrasaria metade do exército, o alto
sacerdote druida movimentou as mãos, mostrou uma caixa de aspecto
curioso e transformou o animal em carne de churrasco.” Arneson removeu o
elefante do jogo, explicando que o druida o matou com um phaser no estilo
Star Trek. “Foi a única coisa fora do comum em todo o jogo, mas ninguém
estava esperando por isso”, disse ele.
Os jogadores ficaram confusos — menos o comandante do druida
britânico, em êxtase. Mas Arneson não se privou de enfiar elementos de
fantasia em seus jogos de guerra. Em dezembro de 1970, após uma maratona
de dois dias vendo filmes de monstros e lendo livros de Conan, o Bárbaro,
de Robert E. Howard, ele convidou os amigos com a desculpa de jogar uma
tradicional partida de Guerras Napoleônicas. Em vez disso, apresentou aos
jogadores a cidade de Blackmoor.
“Descemos para o porão e havia um castelo medieval no centro da
mesa”, conta Megarry. “Então ele disse: ‘Nós vamos brincar disso hoje’.”
Os jogadores, explicou Arneson, foram enviados através do tempo e espaço
para uma cidade medieval e precisavam controlar personagens heroicos
únicos, cada um com os próprios atributos, poderes e objetivos.
“Meu primeiro personagem era um ladrão”, lembra-se Megarry. “E meu
inimigo era Dan Nicholson, o mercador. O papel dele era contrabandear
produtos para dentro da cidade e vendê-los. E meu objetivo era tentar roubar
suas coisas e ganhar uma grana. Isso nos deu uma ideia de como operar
naquele mundo.”
Com os personagens no lugar, Arneson mandou os jogadores explorarem
os calabouços entre o castelo e a cidade. Lá dentro, ele os surpreendeu com
outra reviravolta: as passagens subterrâneas não eram defendidas por
soldados humanos, mas eram habitadas por monstros fantásticos — como um
dragão, o qual Arneson representou na mesa ao utilizar um brontossauro de
plástico com uma cabeça de barro repleta de presas. Nascia o role-playing
game de fantasia.
“Sinceramente, os rapazes do meu clube estavam de saco cheio”,3 disse
Arneson. “Eles queriam tentar algo novo. Para mim, seguir no rumo da
fantasia foi uma extensão lógica. Era menos restritivo do que História.”
Boa parte do apelo do jogo veio da empolgação de explorar os
corredores sinuosos sob Blackmoor. “Havia o entusiasmo da descoberta”,
contou Megarry. “Você precisa tomar uma decisão... Direita ou esquerda, ou
a escada desabando na sua frente?” O jogo era tão popular que as pessoas
queriam jogar mesmo quando não conseguiam ir para a casa de Arneson —
elas telefonavam para que ele pudesse guiá-las a distância em aventuras solo
pelas masmorras.
Durante o período de várias semanas, Arneson e seus colegas ficaram
obcecados pelo novo jogo — embora houvesse alguns críticos. Um fã de
miniaturas históricas da região entrou em uma campanha aberta contra
Blackmoor depois de observar seus parceiros de partidas abandonarem os
jogos tradicionais de estratégia em busca de missões em calabouços; ele
insultou o jogo e seus participantes e até armou uma pegadinha para
Arneson. Mas o Mestre teve sua vingança. Pouco tempo depois, Arneson
apresentou um novo vilão: o “Ovo de Fulica”, uma brincadeira com o nome
e o temperamento do jogador descontente, descrito como tendo “uma
personalidade parasita [que] vive dos egos dos outros para fortalecer o
próprio. [...] Uma gigantesca massa de células operando em conjunto, uma
imensa gelatina. [...] O físico dessa criatura é muito horrendo para qualquer
mortal observar”.
No início, o combate no mundo de Blackmoor era resolvido usando um
sistema desajeitado de rodadas de pedra-papel-e-tesoura. Mas Arneson
rapidamente procurou as regras de um jogo de guerra de miniaturas
medievais chamado Chainmail, prestando atenção especialmente em dois
capítulos de seu manual de 62 páginas — “Corpo a corpo”, o qual explica
como controlar heróis únicos contra seu exército, e “Suplemento de
fantasia”, que incluía regras para conjuração de feitiços e combates contra
monstros horrendos.
O Chainmail forneceu uma estrutura que ajudou Blackmoor a passar de
uma novidade para um jogo constante e duradouro. Mas o sistema logo se
mostrou limitado para o mundo em crescimento de Arneson. Ele começou a
adicionar as próprias inovações — regras de combate para diferentes tipos
de armadura, listas de artefatos mágicos e provisões para melhorar os
personagens ao longo do tempo.
Como qualquer apaixonado por hobbies, Arneson estava feliz por dividir
seu trabalho com outros. Ele decidiu, então, mostrar Blackmoor para o
criador do Chainmail.

Ernest Gary Gygax cresceu jogando. Nascido em Chicago, em 1938, ele já


jogava Pinochle aos 5 anos e xadrez aos 6. Seu avô o desafiava para
partidas, o derrotava e recomeçava o jogo no ponto onde Gary cometera o
maior erro, então repetia o processo até a jogada do garoto ficar perfeita.
Quando completou 8 anos, sua família mudou-se da cidade — em parte
porque o garoto arteiro havia se envolvido numa briga com outras quarenta
crianças — para a tranquila Lake Geneva, no Wisconsin. Gary passava boa
parte do tempo brincando com jogos de tabuleiro e cartas. Aos 10 anos,
descobriu Gettysburg. “Isso definiu meu destino”,4 escreveria mais tarde. “A
partir daquele momento, eu virei um adorador dos jogos de estratégia.”
Quando entrou na adolescência, foi conquistado pelas batalhas de miniaturas
militares e construiu a própria mesa de cenário.
Ele também amava fantasia. Quando era menor, seu pai, um imigrante
suíço, o colocava para dormir contando histórias de magos e guerreiros.
Gary conheceu os Irmãos Grimm assim que começou a ler, dominou Poe
antes dos 10 anos e devorou histórias fantásticas de revistas de antologia
como Weird Tales, Argosy e Blue Book. Gygax encontrou um favorito nos
textos de Robert E. Howard: “Até hoje recordo com perfeição minha
primeira leitura de Conan, o Conquistador”,5 escreveu em 1985. “Depois
de terminar a leitura daquelas histórias sobre capas e espadas pela primeira
vez, meus conceitos sobre aventuras nunca mais foram os mesmos.” Talvez o
gosto pela aventura já estivesse em seu sangue: tradições da família de
Gygax afirmam que ela é descende do gigante Golias, cuja prole deixou a
Terra Sagrada depois que o futuro rei de Israel aprontou um truque com sua
funda.3
Brilhante e culto, Gygax tinha pouco interesse pela educação formal e
largou a universidade no primeiro ano. Depois participou de algumas aulas e
brincou com a ideia de virar antropólogo. Mas seus interesses de infância
incutiram nele uma ambição inegável de escrever e criar jogos. Arrumou
emprego em uma companhia de seguros para sustentar seus hábitos como
jogador e a família: em 1958, casou com uma ruiva atraente, Mary Jo
Powell, e juntos tiveram cinco filhos.
Em 1966, Gygax virou membro fundador do Comando do Exército
Continental dos Estados Unidos, um clube cujo nome pomposo escondia o
fato de seus membros terem envolvimento em campanhas via correio (play-
by-mail) do jogo Diplomacia. Um ano depois, o grupo passou a se chamar
Federação Internacional de Jogos de Estratégia e mudou o foco para a
promoção do passatempo.
Por causa disso, Gygax decidiu organizar uma convenção de jogos de
estratégia. Alugou o Horticultural Hall, em Lake Geneva, por 50 dólares e,
em 24 de agosto de 1968, convidou amigos e membros da federação para a
“Gen Con” — um trocadilho referindo-se a regras da guerra e à localização
do evento. A entrada custava apenas 1 dólar e a renda só deu para cobrir o
aluguel do espaço.
No ano seguinte, Gygax organizou o evento novamente. Desta vez, Dave
Arneson, membro da federação, percorreu de carro um longo caminho desde
Saint Paul para conferir a ação. E os dois jogadores passaram muito tempo
conversando. “Já que estamos falando de duzentas pessoas no evento
naquela época, nos encontrávamos o tempo todo”,6 disse Arneson. “Nós dois
estávamos interessados em jogos de batalhas navais.” Arneson havia
desenvolvido novas regras para simulações de guerras navais e mostrou seu
sistema para Gygax; depois do fim da convenção, os dois mantiveram
contato por telefone e cartas, dividindo ideias sobre o aprimoramento do
jogo.
Em 1970, determinado a fazer carreira na área, Gygax largou seu
emprego na seguradora e pegou um trabalho de meio período escrevendo e
editando manuais de regras para a Guidon Games, uma pequena editora em
Evansville, Indiana. Para incrementar a renda magra, ele aprendeu a
consertar calçados e usava seu porão para trabalhar como sapateiro.
A Guidon Games durou tanto quanto um novo par de sapatos de couro.
Mas antes do suspiro final produziu mais dois jogos de importância:
Chainmail, de 1971, escrito por Gygax e seu amigo Jeff Perren, que serviu
de ponto de partida para as regras de campanha de Blackmoor, de Dave
Arneson; e Don’t Give Up the Ship!, de 1972, assinado por Gygax, Arneson
e seu colega de jogos de estratégia, Mike Carr, resultado de suas discussões
recorrentes sobre guerras navais.
Baseado no uso de Chainmail e na colaboração bem-sucedida em Don’t
Give Up the Ship!, Dave Arneson sabia o que faria depois de criar o role-
playing game Blackmoor: ele o compartilharia com Gary Gygax.

Nas quatro décadas que se passaram desde que Dave Arneson e Gary Gygax
começaram sua colaboração mais importante, vários especialistas nerds
tentaram descrever, usando analogias, a natureza daquela decisiva e séria
parceria. Ouvi comparações com Paul McCartney e John Lennon, James
Watson e Francis Crick, até mesmo João Batista e Jesus. Eu gosto de
sacrilégios inconsequentes como qualquer um, mas essas comparações me
levaram a fazer o sinal da cruz.
Aqui está minha tentativa: dois jovens se encontraram no fim dos anos
1960 e se conectaram por causa de uma paixão em comum por um
passatempo de nerd. Ambos pertenciam ao mesmo clube de jogos e
começaram a fazer projetos para dividir com os outros membros. Em pouco
tempo estavam trabalhando juntos em algo novo e empolgante. Um deles é
engenheiro, inventa novas maneiras de fazer coisas. O outro é um visionário,
prevê o potencial. O produto que criaram não existiria sem um deles.
Quando foi lançado, deu início a uma nova indústria e mudou o mundo.
A história é a mesma, seja ela originada na Federação Internacional de
Jogos de Guerra ou no clube de computação Homebrew, onde Steve Wozniak
e Steve Jobs começaram a indústria de computadores pessoais fundando a
Apple. Wozniak, o engenheiro, desenhou o hardware e criou as funções do
computador; Jobs, o visionário, o tornou acessível e atraente para o público
em geral.
Arneson visitou Lake Geneva no outono de 1972 para mostrar seu
Blackmoor, mas o que ele entregou foram algumas inovações: os jogadores
na mesa só controlam um único personagem. Esses personagens caçam
aventuras em um cenário de fantasia. Fazendo isso, ganham experiência e
ficam mais poderosos.
Gary Gygax pegou essas ideias e as transformou em um produto. “Pedi
para Dave me mandar suas regras adicionais, pois eu tinha pensado que um
novo sistema deveria ser desenvolvido”,7 escreveu ele. “Algumas semanas
depois de sua visita, recebi cerca de vinte páginas escritas à mão com regras
e notas pertencentes à sua campanha, então imediatamente comecei a
trabalhar em um manuscrito novinho em folha.”
Durante dois meses, Gygax trabalhou em uma máquina datilográfica
portátil aprimorando as regras para um novo tipo de jogo, no qual os
participantes jogariam dados para criar um herói, lutar contra monstros e
encontrar tesouros. No fim de 1972, terminou um rascunho de cinquenta
páginas. Ele o batizou de Fantasy Game.
As primeiras pessoas a jogar foram os filhos de Gygax, Ernie, de 11
anos, e Elise, de 9. Gygax criou uma duplicata de Blackmoor, o qual
chamava de Castelo Greyhawk, e projetou um nível único com suas
masmorras; uma noite, após o jantar, chamou as crianças para criar
personagens e começar a exploração. Ernie apareceu com um mago chamado
Tenser — um anagrama para seu nome, Ernest.4 Elise jogou com um clérigo
do sexo feminino, Ahlissa. Eles escreveram os detalhes em cartões de
anotações e entraram nas masmorras. Na primeira sala, acharam e
derrotaram um ninho de escorpiões; na segunda, lutaram contra um bando de
kobolds — pequenos homens-lagarto do subterrâneo. Também encontraram o
primeiro tesouro, um baú cheio de moedas de cobre, mas ele era muito
pesado para ser carregado. Os dois aventureiros continuaram até 21 horas,
quando o Mestre os colocou na cama. Dever de pai cumprido, Gygax
retornou para seu escritório e projetou outro nível de masmorras.
No dia seguinte, Ernie e Elise receberam a companhia de três jogadores
aleatórios do grupo de jogos de guerra do pai: seu amigo de infância, Don
Kaye (Murlynd) e os adolescentes Rob Kuntz (Robilar) e o irmão, Terry
(Terik). Ele também enviou o manuscrito para uma dúzia de amigos país
afora, pedindo retorno. “A reação [...] foi de entusiasmo instantâneo”,9
escreveu Gygax. “Eles exigiram a publicação daquelas regras o mais rápido
possível.”
Os jogadores locais também clamaram por mais. À medida que se
aprofundavam no subterrâneo do Castelo Greyhawk, eles encontravam
desafios maiores e começavam a se sentir parte de uma saga: graças à
inovação de Dave Arneson em relação aos personagens duradouros, os
calabouços viraram uma lenda viva. Se Tenser matou um grupo de kobolds
na terça, Robilar poderia encontrar os corpos na quinta. Era um novo método
de criar uma história.
Gygax começou a organizar sessões regulares de Fantasy Game para um
número crescente de jogadores; simultaneamente, Dave Arneson testou as
regras com seus jogadores de Blackmoor, em Saint Paul. Os dois passaram
um ano testando Fantasy Game com seus respectivos clubes e discutindo os
erros e acertos do sistema.
“Eu não sei se algum outro jogo foi tão testado na história”, conta
Michael Mornard, uma das poucas pessoas a jogar nas sessões originais de
Greyhawk e Blackmoor. Ele cresceu em Lake Geneva e tinha 15 anos quando
encontrou Gygax por intermédio de um colega de classe e de jogos de
estratégia, Rob Kuntz. No fim de 1972, Mornard estava jogando batalhas de
miniaturas com Kuntz e Don Kaye, que cedeu sua casa, em Lake Geneva,
quando ouviu falar a respeito do Fantasy Game.
“Depois ou entre os turnos da batalha”, recorda-se Mornard, “Rob nos
falava: ‘Gary está trabalhando em um novo jogo. Vocês são um grupo de
pessoas explorando um velho castelo abandonado repleto de monstros e
tesouros.’ E Don dizia: ‘Isso não parece muito interessante.’” Mornard
achou o contrário. “Eu fiquei meio que pensando: ‘O que preciso fazer para
entrar nisso?’”
Alguns dias depois Mornard apareceu na casa de Gygax para sua
primeira experiência nos subterrâneos do Castelo Greyhawk. Ele criou um
personagem com 15 de força e 15 de inteligência e decidiu que seria um
guerreiro (ou como a classe era conhecida na época, um “combatente”)
chamado Gronan da Siméria, uma “paródia óbvia” do herói de Robert E.
Howard.5 As lembranças que Mornard tem da partida são vagas, mas Gronan
sobreviveu para lutar em outro dia. “No fim, eu estava pensando: ‘Não sei o
que é esse jogo, mas foi muito legal’”, diz ele. “Era como um jogo de guerra,
mas não... era realmente diferente.”

As primeiras sessões de Greyhawk eram compreensivelmente


surpreendentes para jogadores como Mike Mornard, que nunca tinha visto
um role-playing game de fantasia. Mas elas também pareceriam diferentes
para os experientes jogadores de D&D de hoje em dia.
Não havia uma mesa; os jogadores sentavam-se juntos e Gygax ficava na
mesa, sozinho. “Da maneira que o escritório de Gary estava arrumado, ele
tinha uma mesa com um armário bem próximo. Puxava todas as gavetas para
que não pudéssemos enxergá-lo”, descreve Mornard. “Você só conseguia
ouvir a voz dele. Toda a ação se passava inteiramente em nossas mentes. [...]
Se você queria um mapa, era preciso desenhá-lo.”
Não havia muita conversa. Cada grupo tinha um “porta-voz” que falava
em nome dos participantes. Os jogadores discutiam diligentemente suas
ações e repassavam para o porta-voz, que, então, falava para Gygax. Se
alguém falasse muito, corria o risco de perder uma instrução importante
vinda de trás do armário. “A tensão no local era palpável”, diz Mornard.
Não havia facções aventureiras, nada como a “Sociedade do Anel” de
Frodo. Durante os testes primários, Gygax mantinha o jogo entre três e cinco
participantes por sessão, todos provenientes de um grupo de vinte pessoas.
“Éramos aventureiros que ocasionalmente se juntavam”, diz Mornard. “Ele
organizava diversas partidas durante a semana, mas você só era convidado
para algumas. Eu geralmente ia nas noites de quinta-feira, mas não era uma
certeza.”
E não havia pilhas de manuais de regras — e não apenas porque não
tinham sido escritas ainda. Gygax queria que os jogadores aprendessem com
a experiência. “Durante o primeiro ano do jogo, nós não vimos regra
alguma”, continua Mornard. “É uma maneira interessante de jogar. Requer
uma grande quantidade de bom senso.” Alguns jogadores, contudo, não
possuíam isso. Mornard recorda-se de uma aventura em que um jovem
participante abriu uma porta nas profundezas de uma masmorra e encontrou
uma sala com o chão completamente coberto por joias.
“Ele fala para Gary: ‘Corro para a sala e começo a pegá-las.’ Gary
responde: ‘Ok, você está em pé entre as gemas, com joias até o tornozelo.’ E
o garoto diz: ‘Jogo as joias para o alto e começo a dançar.’ ‘Ok, agora você
está com as joias na altura da panturrilha.’ E o garoto continua a se
vangloriar sobre como está dançando e jogando dinheiro para cima,
enquanto Gary fala ‘Você está com as joias nos joelhos’ e, então, ‘Você está
com as joias na altura do peito’. Havia 8 centímetros de joias no topo da
areia movediça. E o menino não entendeu isso. Não era uma armadilha na
qual você dá um passo e fica preso. Na hora que você a tem nos joelhos,
deveria notar que algo estava errado. Você precisava prestar atenção.”
Como o jogo era muito novo, os jogadores nunca sabiam o que esperar do
Mestre ou dos seus companheiros. Gygax estava aprendendo junto com seus
jogadores e mudando as regras de acordo com as ações deles. Noite após
noite, pequenos grupos de jogadores testavam os limites do que era possível.
Suas ações moldaram o trabalho de Gygax e Arneson, bem como décadas de
jogos no futuro.
Mornard lembra de uma pequena ação que teve um grande efeito: quando
um jogador decidiu que queria ser um vampiro na partida, outro falou que
gostaria de fazer um caçador de vampiros. “Eles precisaram inventar como
seria um caçador de vampiros no jogo”, diz Mornard. “Então, para equipará-
lo ao vampiro, deram poderes regenerativos ao caçador. Isso meio que virou
a base para a criação dos clérigos. Um contraponto aos vampiros.” Hoje em
dia os clérigos não são apenas uma das classes do núcleo de D&D, mas
viraram arquétipos completos de fantasia, comuns em livros, filmes e
videogames. Um sujeito qualquer de uma pequena cidade do Wisconsin
decidiu sacanear seu amigo e, quarenta anos mais tarde, 200 milhões de
jogadores brincam com o resultado.6
Depois de passar boa parte do ano jogando nos testes de Fantasy Game,
Mornard se mudou para Minneapolis para começar a estudar na
Universidade de Minnesota. Naturalmente, ele ficou amigo de jogadores
locais — e logo estava visitando o porão de Dave Arneson.
Os jogos de Arneson eram menos divertidos que os de Gygax, talvez por
ter participantes universitários, mais velhos, e cada vez menos garotos da
vizinhança. “Blackmoor era um lugar bem mais cruel e desagradável que
Greyhawk”, diz Mornard. “Em Greyhawk, se você fosse morto, os outros
jogadores carregariam seu corpo para casa. Mas em Blackmoor não existe
honra entre ladrões. Você seria saqueado antes mesmo de o corpo chegar ao
chão.”
As mecânicas de jogo também tinham suas particularidades. “Era um
estilo de interação diferente”, conta Mornard. Arneson gostava de utilizar
miniaturas, enquanto Gygax raramente recorria a isso. Arneson costumava
desenhar mapas para seus jogadores em vez de pedir para cada um deles. E
no lugar de gritarias e conversas paralelas ele fazia as pessoas escreverem
suas ações.
Com base nas impressões acumuladas dos testes de Blackmoor e
Greyhawk e dos amigos jogadores de outros estados, Gygax completou, na
primavera de 1973, uma nova edição revisada de Fantasy Game com 150
páginas e a enviou para testar com mais amigos. “A reação foi tão intensa
que estava certo de que tínhamos um jogo vencedor nas mãos”,10 escreveu
ele. “Pensei que poderíamos vender pelo menos 5 mil cópias para jogadores
e fãs de fantasia. Mas subestimei um pouco esse público.”
A demanda estava lá, o jogo funcionava... A única coisa que faltava era
um nome. “Fantasy Game” era um bom título de trabalho, mas muito ineficaz
para um produto final. Gygax decidiu criar uma lista de palavras
relacionadas ao jogo, transcrevendo-as em duas colunas em uma folha de
papel — palavras como “castelos”, “mágica”, “monstros”, “tesouro”,
“trolls”, “labirintos”, “feitiços” e “espadas”.
Ele as leu em voz alta para seus jogadores, inclusive para seus filhos,
Ernie e Elise, para calcular as reações. A menina gostou de duas das
palavras, um par aliterativo, e confirmou a escolha: o jogo se chamaria
“Dungeons & Dragons”.
Agora eles só precisavam publicá-lo. No verão de 1973, Gygax ligou
para a Avalon Hill e perguntou se a editora tinha interesse no jogo. “Eles
riram da ideia e recusaram”,11 escreveu Gygax.7 A maioria da indústria de
jogos não queria nenhum contato com a estranha ideiazinha de Gygax e
Arneson. “Um sujeito chegou ao cúmulo de falar que jogos de fantasia eram
um beco sem saída”,12 continuou Gygax. “E que se eu tivesse o mínimo de
inteligência dirigiria meu interesse para algo fascinante e original, como as
Guerras do Bálcãs, por exemplo.”
Não importa, o Mestre queria escolher sua aventura. Gygax tinha ambição
de comandar a própria empresa — só não tinha dinheiro para começar. Na
época em que o jogo estava pronto para ser publicado, o salário de Gygax
vinha dos consertos de sapatos no seu porão, enquanto Arneson era “um
segurança que não tinha condições nem de comprar sapatos”.13
A solução foi encontrada no mesmo lugar onde o projeto começou. Em
agosto, a convenção anual Gen Con — agora no quinto ano, maior que nunca
— tomou forma em vários prédios do campus do George Williams College,
perto de Lake Geneva, em uma cidade chamada Williams Bay. Membros do
crescente grupo de D&D de Gygax viajaram em bando para o evento e
chamaram atenção de um velho amigo dele. “Don Kaye viu a comoção, notou
o interesse dos fãs”,14 escreveu Gygax. “Quando a convenção acabou, ele
perguntou: ‘Você realmente acredita que pode transformar uma editora de
jogos em um sucesso comercial?’”
Kaye também não tinha dinheiro para investir, mas depois de ver a
multidão na Gen Con estava convencido de que D&D era um produto
vendável. Então resgatou mil dólares do seguro de vida e, em outubro
daquele ano, tornou-se sócio igualitário com Gygax de uma nova companhia,
chamada Tactical Studies Rules (TSR). O escritório ficava na sala de jantar
de Kaye.
Ainda havia problemas. Mil dólares não bastariam para imprimir cópias
suficientes de D&D para suprir a demanda. Então, Kaye e Gygax decidiram
lançar um jogo diferente antes: Cavaliers & Roundheads, um conjunto de
regras para a Guerra Civil Inglesa — jogos de miniatura, coescritos por
Gygax e por seu parceiro de Chainmail, Jeff Perrin.
“Publicamos Cavaliers & Roundheads esperando que as vendas do livro
gerassem lucro suficiente para permitir a impressão de um jogo de D&D em
breve”, escreveu Gygax. “Sabíamos que [D&D] seria o cavalo que
carregaria a empresa.”15 O jogo, no entanto, só gerou 700 dólares nas
vendas.
Então a última peça do quebra-cabeça se encaixou. Outro jogador local,
Brian Blume, também tinha visitado a Gen Con, visto a multidão e
“atormentado Gary para deixá-lo entrar na área”.16 Blume tinha 23 anos, era
divorciado e trabalhava como operário em uma fábrica de ferramentas
comandada pelo pai, Melvin Blume. Em dezembro, ele pediu 2 mil dólares
emprestado ao pai e se tornou sócio da companhia de Gygax e Kaye.
Algumas semanas depois, Gygax enviou seus manuscritos — agora
divididos em três pequenos manuais chamados Magic & Man, Monsters &
Treasures e Underworld & Wilderness Adventures — para a Graphic
Printing, em Lake Geneva. Ele pagou 2.300 dólares para imprimir uma
tiragem de mil cópias.
Em janeiro de 1974, a Tactical Studies Rules levou sua criação ao
público. Ela custava 10 dólares e vinha em uma caixa de papelão artesanal
coberta por papel Kraft. Um folheto colado na tampa trazia o desenho de um
guerreiro viking em um cavalo empinado — arte copiada de um gibi do
Doutor Estranho. Os nomes de Gygax e Arneson também estavam na capa e,
acima deles, eis o título:

DUNGEONS & DRAGONS


Regras 8 para Jogos de Estratégia Medievais e Fantásticos
Campanhas Jogáveis com Papel e Lápis
e Miniaturas

Notas:
1. No Brasil, o jogo é conhecido como War. (N. do T.)
2. Há muitas pessoas com o nome David envolvidas com esse jogo, não?
3. Posteriormente, eles foram para o norte; Gygax é um nome suíço, pronunciado “Ji-Gáquis”. Depois
que o pai de Gary imigrou para os Estados Unidos, a família americanizou o nome para “Gái-
Géquis”.
4. Assim como outros personagens da campanha Greyhawk original, Tenser virou uma espécie de
celebridade do D&D. Gygax pegou emprestado o nome para vários feitiços no decorrer do jogo,
incluindo “Disco Flutuante de Tenser”, uma evocação que cria “um plano de energia levemente
côncavo e circular que o segue e carrega pesos”. O personagem também apareceu em diversos
manuais de campanha de Greyhawk.
5. Vários nomes de personagens desse período eram trocadilhos ou piadas bobas; mais tarde, quando
Mornard criou um mágico, Gygax o batizou de “Lessnard”. [Um trocadilho com o início de Mornard,
que lembra “More”, “Mais” em inglês, enquanto “Less” significa “Menos”. (N. do T.)]
6. Outras classes de personagens possuem origens ainda mais estranhas: Mornard diz que a classe dos
monges, especialistas em artes marciais, foi criada “porque Jim Ward gostava da música ‘Kung Fu
Fighting’”.
7. A Avalon Hill se arrependeria da decisão: em 1975, notando o sucesso de D&D, a companhia tentou
comprar o jogo. “Foi minha vez de gargalhar”, escreveu Gygax.
5
FIRMEZA DE CARÁTER

Q
uando decidi encerrar meu afastamento de uma década do mundo de
Dungeons & Dragons, o fiz com bastante hesitação. Não estava
preocupado em voltar a ficar obcecado com RPGs como na época da escola
— eu me achava muito sofisticado para cair nessa armadilha novamente.
Estava mesmo era envergonhado.
Todas as terças-feiras, deixava meu pequeno apartamento no Brooklyn e
escapulia para o prédio sem elevador de Brandon como se estivesse fazendo
algo ilícito. Pela vergonha estampada na minha cara, um observador poderia
achar que eu estava saindo para comprar drogas ou que desenvolvi o hábito
de frequentar casas de striptease. Meu medo era que preferissem que eu
fosse um viciado ou um tarado em comparação ao que realmente me tornei:
um homem adulto que gostava de jogar dados e conversar sobre magos.
Não falei nada para nenhum dos meus amigos. Não estava a fim de
explicar meus motivos ou defender meu passatempo. Como cresci jogando
D&D, sabia muito bem que o jogo tinha uma péssima reputação. Como
várias atividades nerds, Dungeons & Dragons exalava um sentimento de
indesejabilidade. Se você é um garoto que joga D&D, as pessoas presumem
que é um CDF sem habilidades sociais. Se é um adulto que joga, o
estereótipo é ainda pior: você é um fracassado, uma aberração e mora no
porão da casa dos pais.
É estranho, porque sou inquestionavelmente um nerd de carteirinha e isso
não é segredo. Meus amigos ficariam tão chocados em saber que jogo
Dungeons & Dragons quanto se a notícia fosse que eu como frango no jantar.
Mas o desejo de manter o hobby em segredo estava incrustado no meu
subconsciente — um mecanismo de defesa acionado por anos de
provocações, bullying e vivendo à margem da sociedade escolar. Garotos
nerds aprendem rápido a esconder suas paixões e a jogar suas cartas perto
do peito, pois menos exposição significa mais proteção contra zombarias.
A única pessoa para quem contei o segredo, por pura necessidade, foi
minha namorada, Kara.1 Ela nunca experimentou jogar D&D e não sabia
nada sobre ele; Kara praticava esportes e ia para festas durante o ensino
médio, em vez de combater trolls e se esconder da realidade. Ela foi
solidária, mas ficou um pouco assustada: “Você vai usar uma fantasia?”
Tomei o cuidado de explicar o jogo em detalhes e assegurei-lhe que não
me vestiria como um elfo ou faria algo depravado — apenas estaria sentado
ao redor de uma mesa com um grupo de caras normais. “Não é diferente de
uma noite de carteado”, expliquei. “Apenas imagine que estou indo para uma
partida semanal de pôquer.”
Ela estava satisfeita com a descrição. Mas ficou claro, com o passar das
semanas, que eu não estava em uma fantasia temporária, o que a deixou mais
preocupada. “Por que ainda está fazendo isso?”, perguntou-me certa noite.
“Tudo bem para você se eu contar para as pessoas que você está saindo e
jogando Dungeons & Dragons?”
Eu não tinha uma resposta.
Meus novos parceiros de D&D tinham os próprios problemas. Alex
Agius, que interpreta Jhaden, estava morando com uma garota que tinha
sentimentos bem negativos em relação ao jogo, graças a um irmão que
jogava. “Ele era um maconheiro que largou os estudos, um completo
destrambelhado”, me contou Alex. “Ela associou o D&D ao fato. Quando
comecei a jogar com vocês, isso ficou entalado na garganta dela. Foi um
assunto incômodo até o dia em que terminamos o namoro.”
Mais tarde, quando Alex encontrou Jennifer, a garota que se tornaria sua
esposa, ele escondeu seus hábitos de jogador até o relacionamento ficar um
pouco mais sério. “Eu estava hesitante em contar isso para ela”, disse Alex.
“Não lembro como finalmente revelei, mas falei que estava jogando D&D e
ela meio que respondeu: ‘Ah, que legal.’”

Apesar de quaisquer restrições enfrentadas pelos jogadores e suas


namoradas, o nosso grupo de D&D continuou com os encontros e nosso
bando aventureiro prosperou. Depois de Weslocke, Jhaden, Babeal e Ganubi
lutarem contra os piratas em forma de peixe, conseguimos libertar nosso
barco e partimos para São Francisco, a única cidade humana que sobrou na
costa do Pacífico dos Estados Unidos (Los Angeles, claro, está cheia de
vampiros). Passamos várias sessões lutando na Bay Area e matando
monstros a esmo. Ganhamos pontos de experiência para nossos quatro
personagens avançarem um nível.
Subir de nível em Dungeons & Dragons é um negócio sério. Não é apenas
uma medalha de honra indicando o quão longe o personagem se aventurou
sem morrer; é uma maneira de quantificar a jornada heroica e permitir que os
personagens fiquem mais poderosos com o passar do tempo. O processo é
detalhado no Livro do jogador, com tabelas que cruzam estatísticas de
referência, como o bônus-base de ataque com nível, e instruções que contam
quando os jogadores podem adicionar um ponto para seus valores de
habilidade ou talentos. Desta vez, como Weslocke subiu um número para
virar um clérigo de nível 13, a transição foi simples. Mas avanços podem
ficar bem complicados se você permitir — particularmente se começar a
retirar habilidades, feitiços e poderes de um dos inúmeros suplementos dos
manuais de D&D.
No encontro seguinte, Morgan nos perguntou se já havíamos finalizado o
processo de subida de nível.
— Eu terminei — disse Phil. — Agora sou um ladino, bardo e
shadowdancer (algo como “dançarino das sombras”) de nível 4.
Personagens de D&D não estão limitados a uma única classe, apesar de a
maioria preferir isso. Phil levou essa característica ao extremo, acumulando
vários níveis: primeiro como bardo, depois como ladino e, finalmente,
adotando o superfurtivo shadowdancer, uma “classe de prestígio” avançada,
disponível apenas para personagens em níveis superiores.
— E eu vou pegar outra classe de prestígio no próximo nível —
continuou. — O evangelista do manual O livro completo do divino.2
Começarei uma nova religião.
— A Igreja de Ganubi — Morgan gargalhou.

Após um longo dia de viagem pelas encostas das montanhas ao sul


de São Francisco, montamos acampamento no topo de uma serra a
algumas centenas de metros de uma floresta de carvalho. Jhaden
matou um coelho, acendeu uma fogueira e preparou a comida.
Quando terminou de cozinhar, Ganubi contou uma de suas histórias
enquanto nos banqueteávamos.
“Escutem o conto de Ganubi e seus andarilhos”, começou ele.
“Bravos heróis em uma caçada justa. Uma noite, enquanto
singravam pelo grande oceano, a embarcação foi tomada por uma
névoa sobrenatural...”
Eu geralmente gosto dos causos de Ganubi sobre nossas
aventuras, mesmo que ele se coloque como o herói e os outros
membros do grupo virem meros lacaios e escudeiros. Naquela noite,
contudo, exausto da viagem, pulei as histórias e me deitei. Caí no
sono com o som da voz de Ganubi trazida pelo vento.
Algumas horas mais tarde, acordei com seus gritos.
Por um momento, perdido na escuridão e em pânico, agarrei meu
saco de dormir. Mas o instinto de um guerreiro é forte e logo me
recompus. Ganubi estava de vigia e algo atacava o acampamento.
Sentei e, perscrutando no escuro, tentei identificar a ameaça.
Não parecia haver nada por ali. Jhaden já estava em pé e
explorando o terreno com a espada em punho. Do outro lado do
acampamento, eu podia ver Ganubi, de costas para mim,
rapidamente desaparecendo na noite. Ele estava fugindo do nosso
acampamento e de algum inimigo invisível, enquanto gritava:
“Corram! Corram! Corram!”

Ganubi é um personagem interessante. Como Phil é performático, ele


interpreta os papéis com entusiasmo e prazer, em geral tomando decisões
baseadas “no que Ganubi faria”, mesmo que não seja o melhor para a ação.
Essa devoção à atuação algumas vezes deixa as partidas mais difíceis —
Ganubi confia nas pessoas e não é muito inteligente —, mas sempre deixa a
trama mais emocionante.
Os personagens são o coração de qualquer jogo de D&D. Como um
jogador, o personagem é seu avatar; você enxerga por seus olhos e o faz
seguir seus desejos. Mas o ato de habitar um avatar pode seguir dois
caminhos. Quanto mais interpreta um personagem em particular, mais você
se identifica com ele — e ele passa a controlar suas ações.
Como jogador, eu sabia o que havia acontecido antes de Weslocke
acordar. O grupo foi atacado por uma matilha de cães-demônio invisíveis e
Ganubi virou presa de suas habilidades mágicas: um medo que o força a
fugir por 1d6 rodadas. Entendi que, do ponto de vista tático, a coisa mais
esperta que eu poderia fazer na minha vez seria me levantar, correr atrás de
Ganubi e lançar o feitiço Remover Medo, permitindo seu retorno para o
combate. Mas eu também entendia Weslocke e sabia que ele havia acabado
de acordar, estava assustado e seu instinto seria se proteger. Então conjurei
uma Barreira de Lâminas, evocando uma cortina rodopiante de facas
mágicas entre mim e os cães.

Os jogadores de D&D investem muito tempo e emoção em seus personagens,


então não é uma surpresa que eles queiram protegê-los. Esse impulso até
mesmo escapa para o mundo real; posso ter vendido meus livros de regras
na universidade, mas ainda preservo as fichas de personagens dos meus
RPGs da infância. Da quarta série até a formatura do ensino médio,
mantenho todas em uma pasta vermelha organizada, uma versão sem marca
das pastas de guardar cadernos, populares nos anos 1970 e 1980. Ela foi
minha companhia constante por boa parte de uma década e, até mesmo
quando evitava jogar, eu a mantinha protegida — raramente de forma
consciente, mas sempre cuidadoso.
Nos últimos anos, a pasta dos personagens repousava, esquecida, no
fundo do armário da sala de estar. Mas assim que voltei a jogar D&D ela
acordou e ligou para mim. Como o Um Anel tentando retornar a seu mestre,
ela queria ser encontrada. Então, em uma manhã calma de primavera, fui em
sua busca, desenterrando pilhas de papéis de imposto de renda e recibos
para, enfim, tê-la em minhas mãos pela primeira vez em anos.
Parecia velha e sua capa em vinil estava descascando nas bordas,
revelando um forro de papelão ultrapassado. Mas parecia tomar vida nas
minhas mãos, sólida e tranquilizante. A aba de abertura estava presa por um
fecho de velcro e quando puxei para abri-la aquele barulho de que rasga
algo me fez arrepiar — um som, como o de uma corneta antes da batalha, que
antecipa ação e aventura. Dentro da pasta, havia três compartimentos, todos
estufados, e um bolso meio vazio, na parte interior da aba. Abri o bolso e
tirei uma pequena pilha de papéis.
Era uma resma de possibilidades... ou algumas dúzias de planilhas de
personagens em branco, se você quer ser literal. A maioria dos livros de
role-playing game fornece uma dessas fichas em branco para os jogadores
fazerem cópias e usá-las na criação de novos personagens. Para os mais
devotos, cada ficha representa a oportunidade de ser uma pessoa diferente,
uma fuga nova e empolgante. Quando criança, eu costumava tratá-las como
um fetiche e constantemente pesquisava em revistas e livros atrás de fichas
mais legais. Eu até mesmo fiz uma para mim com a máquina de datilografar
elétrica LW-20 do meu irmão, a qual me acompanhava antes de nossa casa
ter um computador e uma impressora. Eu me lembro das horas de trabalho
meticuloso — contando os toques na barra de espaço para assegurar que os
atributos se alinhassem perfeitamente com as linhas de baixo e segurando o
“shift” e a tecla de hífen para produzir longas linhas nas quais mais tarde eu
detalharia meus personagens com o lápis. Após dezenas de rascunhos
imperfeitos, eu tinha uma pilha de papéis amassados do lado da mesa, como
um escritor frustrado em um filme preto e branco antigo... e uma ficha
perfeita, tabula rasa, a qual protegia entre as abas pardas de uma pasta e
cuidadosamente colocava na bolsa do meu pai. No dia seguinte, ele usaria a
xerox do trabalho para me fazer algumas dúzias de cópias e, quando voltava
do emprego, eu descia correndo pelas escadas, dava um abraço agradecido,
pegava o prêmio e zarpava de volta para o quarto. Eu tirava a ficha original
da pasta, arquivava entre as páginas de um velho dicionário infantil de
tamanho exagerado e colocava as cópias nos compartimentos. Elas ficariam
lá, seguras e protegidas, até que eu precisasse de um novo herói.
Eu amava tanto o processo de criação que passava horas planejando
personagens mesmo sem a intenção de usá-los. Quando você está fazendo um
novo personagem, é preciso criar do nada uma dezena ou até uma centena de
detalhes pessoais, dependendo do jogo. Algumas partes do processo são
simples, como quando você joga quatro dados de seis lados para determinar
os valores iniciais de um herói de D&D.3 Mas você também precisa ir mais
longe, imaginando um pano de fundo e motivações para seu personagem. Eu
aproveitava isso como um exercício analítico (Como eu posso explorar as
regras em minha vantagem?) e como ato de criatividade (Quem é essa
pessoa? E o que a motiva?).
Os três compartimentos que se expandem na minha pasta continham
centenas de personagens e cada um deles explicava um pouco sobre quem eu
era na época de suas criações. O primeiro era repleto de fichas de D&D, a
maioria criada quando eu estava no primário. Elas são bobas, fofas e
inocentes.
No topo delas estava Wizzrobe, um mago élfico inspirado em um inimigo
do meu jogo preferido, The Legend of Zelda. Meus pais me deram um
Nintendo de presente de Natal, em 1986, então eu tinha 10 ou 11 anos
quando fiz o personagem. Olhando aquela ficha anos depois, não pude evitar
de me impressionar em como reproduzi os poderes que vi no videogame:
Wizzrobe usa um anel de teleporte e carrega uma varinha mágica que evoca a
magia Telecinésia.4 Indo mais a fundo na pilha, encontrei Áries, um clérigo
humano de nível 11. No canto superior esquerdo da ficha, em um espaço
intitulado “Nome do Jogador”, eu escrevi “Dr. Dave” e, embaixo, a data:
19/2/88. Eu tinha 11 anos. Áries possui uma Bolsa de Truques, um dos meus
itens mágicos favoritos: era cheia de pequenos e indistintos objetos e,
quando um personagem retirava um deles e jogava, virava um animal vivo
em tamanho real. Ao lançar o 1d8 para determinar a espécie, você poderia
pegar de uma doninha a um leão, dependendo da sorte.
À medida que folheava as fichas, cada personagem me lembrava quem
eles eram e quem eu queria que eles fossem. Leaf, um ladino, era inspirado
no papel de Matthew Broderick no filme O feitiço de Áquila, de 1985.
Robin, um guerreiro fanfarrão, foi minha tentativa de simular o príncipe
Caspian, de C. S. Lewis. Outro personagem, rabiscado a lápis em um papel,
não era meu, mas lembrei-me da mesma maneira: Nightwind, um ninja
humano de nível 15, que empunhava uma wakizashi +3.5 Ele pertencia ao
meu amigo Michael Bagnulo e era usado em uma campanha que jogamos
durante o verão inteiro antes do início da sexta série. Quando não havia aula,
as campanhas de RPG poderiam virar verdadeiros épicos, lentos e
complexos; essa, em específico, chegou perto de uma maratona de 30 horas
de jogo na casa de praia (pouco supervisionada) dos pais de nosso amigo
Scott Johnson.
Não muito depois disso, Michael deixou o papel de jogador para assumir
o de Mestre, eventualmente comandando as partidas que me cativaram por
todo o ensino médio. O personagem seguinte na pilha era um humano
praticante de magia de nível 10 e de nome engraçado: Alka, o Gasoso,
sugerido no começo daquele talento de narrativa; na área de descrição do
personagem, em “Medos/aversões”, escrevi “Tubarões e tudo mais que Mike
inventar”.
Em seguida, encontrei Sir Howland, o Cavaleiro-Lobo, um ranger
humano de nível 15. Esse personagem é o exemplo perfeito de um jogo que
deu errado — um Mestre inexperiente que deu liberdade para seus jogadores
construírem personagens ridiculamente poderosos e os abarrotou de dinheiro
e tesouros.6 Sir Howland carrega uma espada vorpal +6, uma adaga +4 e
uma lança +5; na parte da planilha de personagem rotulada “Atributos
especiais”, minha versão jovem escreveu: “Sentidos incríveis, grande
velocidade, imune a doenças, detecta o mal, faixa preta em caratê e ninjútsu,
usa tecnologia, viaja pelo tempo/dimensões.”
Indo além na minha pasta, encontrei planilhas de outros jogos, como Star
Trek: The Role-Playing Game. Em vez de controlar magos e guerreiros em
um cenário de fantasia medieval, os participantes desse jogo de 1982
assumiam os papéis de tripulantes a bordo de uma espaçonave da Federação.
Quase morri de tédio, mas eu gostava de imaginar novos heróis para Star
Trek como aqueles do “Banco de Dados da Frota Estelar”. Havia Charles
Adams, capitão da USS Achilles; T’Pec, seu imediato vulcano; o tenente
comandante John Martin, primeiro oficial da USS Lexington; e até mesmo o
tenente David Ewalt, chefe de segurança da USS Enterprise.
O compartimento final continha personagens que criei quando estava no
ensino médio e me dedicava a jogos distópicos como Cyberpunk e
Shadowrun. O estilo Blade Runner era o lugar perfeito para adolescentes
niilistas, enquanto as armas e os equipamentos futuristas refletiam meu
crescente interesse por computadores. Meus personagens daquela época
tendiam a serem sábios da alta tecnologia ou espertalhões briguentos das
ruas. Havia Leonard Collins, um cientista que atendia pelo apelido de Doc; a
maioria de seus pontos de talentos foi alocada em genética, engenharia e
estudos de parazoologia. Então veio Columbo, o detetive; na sua lista de
geringonças há um microgravador e “charutos”. Lurch, um guarda-costas,
pertence a uma das raças mais originais de Shadowrun; ele é um pé-grande,
de quase 3 metros de altura e forte o bastante para arrancar os braços de um
homem. King Sun, um caçador de recompensas, foi batizado em homenagem
a um rapper obscuro que fazia parte da Universal Zulu Nation, comandado
por Afrika Bambaataa; eu mereceria crédito nas ruas por essa referência, se
não tivesse usado o nome no contexto mais chato possível. E havia também o
hacker Keystroke e outro chamado Technomancer; David Walters, um
policial que age com duas pistolas, no melhor estilo John Woo; um soldado
chamado Blackjack; um mercenário chamado Elvis.

A Barreira de Lâminas me protegeu de ser mordido de novo pelos


atacantes invisíveis, mas meus companheiros ainda eram alvos
fáceis. Observei Graeme se pendurar em uma árvore para escapar
do perigo; Jhaden, com as espadas na mão, procurava algo para
combater.

O problema é que Alex, mesmo sabendo que havia um inimigo próximo, não
conseguia enxergá-lo. Ele precisava atacar aleatoriamente e esperar atingir
algo sólido.
— Jhaden vai brandir sua espada aqui — disse ele, apontando para um
quadrado vazio na matriz de combate, próximo à miniatura que representava
o ranger. — Esse é um ataque de +12 para atingir — continuou, agora
jogando um dado. — Para um total de 20.
— Tudo bem, basta para atingir — disse Morgan. — Agora lance os
dados da porcentagem.
Alex pegou dois dados de dez faces.
— O vermelho representa as dezenas — bradou ao jogar os dados na
mesa. Os números foram 7 e 5. — Setenta e cinco!
— Você não acertou nada.
— O quê?
— Você teria acertado se houvesse algo ali.
— Pelo amor de Deus!
Brandon acena com as mãos.
— Ei, gente! Não consigo ouvir. — Sua voz trazia um estranho eco. Ele
também estava menor que de costume. — Você pode mover o microfone um
pouco para perto?
Brandon se mudou para Los Angeles duas semanas atrás, mas queríamos
mantê-lo no grupo, então ele está aparecendo no computador de Alex por
meio de um programa de videoconferência. Nós o víamos em uma pequena
janela no monitor e o ouvíamos pelos alto-falantes; ele nos observava
utilizando uma webcam apontada para a mesa de jogos.
Alex se aproximou do computador, pegou o mouse e ajustou alguns
controles.
— Está ouvindo melhor agora?
Brandon moveu os lábios, mas nenhum som saiu deles.
Alex clicou novamente nos controles.
— Ops, foi mal, cara. Eu desliguei seu áudio.
— Você pode deixar Brandon mudo — Morgan riu. — Pena que não
podemos fazer o mesmo com Phil.

Era uma novidade ter Brandon virtualmente presente na mesa, mas não uma
solução a longo prazo. Ele não conseguia seguir a ação ou participar
inteiramente, então não era uma experiência satisfatória. Como magos são
uma parte vital de qualquer grupo de D&D, precisávamos arranjar um para a
mesa; isso significava que precisávamos encontrar um novo jogador para
entrar em nossas partidas semanais.
As tentativas passadas foram diferentes entre si. Por exemplo: Ryan
Robbins, que interpreta nosso ladino, Graeme, juntou-se à campanha já em
curso e terminou sendo uma ótima aquisição. Ryan tem 36 anos, é casado há
dez e trabalha como gerente de rede para uma grande corporação de
Manhattan. Ele é o tipo de sujeito que sempre aparece com alguma história
maluca, seja sobre uma discussão no metrô, seja sobre uma festa de arromba
que frequentou há uma década. Tiramos um sarro da cara dele por causa
disso, mas ele é gente boa e querido por todos.
Outros casos, no entanto, não foram tão bem. Antes de Ryan, tentamos
recrutar Jonathan, um estudante local, usando um post em um site onde
jogadores marcam encontros para campanhas semanais. Jonathan foi bem-
vindo, mas logo começou a irritar todo mundo. Ele era obcecado pelas
regras e parecia ver cada sessão como uma oportunidade para demonstrar
seu conhecimento de detalhes obscuros em vez de, como Brandon descreveu,
“aproveitar a chance de se reunir com os amigos e se divertir... Uma folga do
‘mundo real’ onde coisas como regras me dão dor de cabeça”.
Mas o problema mesmo era sua personalidade. Jonathan era difícil de
aturar. Falava alto, interrompia as outras pessoas, dava lições
desnecessárias, insultava quem não concordasse com ele e, mesmo assim, se
ofendia facilmente. Mesmo fora do jogo, ele era insuportável,
frequentemente entupindo nossas caixas de e-mail com ensaios de mil
palavras sobre assuntos como o mérito de usar uma arma secundária na
defesa contra ataques em vez de carregar um escudo pesado.
Sinceramente, ele era meio assustador e tinha um estranho e misógino
senso de humor. Certa vez, ele mandou um e-mail para todo mundo do grupo
para perguntar se um mago podia assumir o sexo de outra pessoa usando a
magia Metamorfose:7 “Estava pensando se eu poderia conjurar um feitiço
criando um negócio paralelo no tempo livre entre as aventuras. Aposto que
ricaços pagariam alta grana para experimentar orgasmos múltiplos.”
Jonathan não era má pessoa e queríamos integrá-lo ao grupo. Mas seu
comportamento nos jogos semanais era perturbador e nenhum de nós estava
interessado em passar o pouco tempo livre que tínhamos sendo
incomodados. Quando tentativas de diálogos amigáveis foram inúteis, o resto
do grupo começou a discutir se contaria para Jonathan que ele não era mais
bem-vindo.
Vislumbrar essa decisão é sempre difícil. Dungeons & Dragons deveria
ser um refúgio para pessoas como Jonathan. Muitos de nós gravitávamos em
torno do jogo exatamente porque tínhamos dificuldade de integração em
grupos sociais tradicionais. Éramos os CDFs, os renegados, e o jogo nos
recebia de braços abertos. No mínimo, expulsar alguém de um grupo de
D&D por causa de sua estranheza social parecia hipocrisia, a rejeição de
tudo pelo que lutávamos. Alto sacrilégio.
Além disso, entendíamos Jonathan muito bem. A falta de tato social e
comportamento argumentativo não são características incomuns entre nosso
pessoal. Jonathan parecia sofrer de um mal terminal algumas vezes
conhecido por Síndrome de Arrogância Nerd, uma desordem em que pessoas
inteligentes escondem suas inseguranças e medos por meio de bullying
intelectual e procuram antecipar a condenação ao julgar outras pessoas
primeiro e considerá-las seres inferiores.
Por sorte, Jonathan desistiu de aparecer para jogar por conta própria
quando seus estudos exigiram mais atenção, então nunca precisamos tomar
uma decisão sobre expulsá-lo. Mas agora estamos mais preparados para o
que pode dar errado com a inclusão de um novo jogador e ficamos um pouco
cautelosos com o recrutamento.
Não ajuda o fato de que até pessoas de que você gosta podem se tornar
jogadores problemáticos. Um dos meus amigos de faculdade, Jamie
Polichak, é um sujeito terrivelmente esperto que se especializou em destruir
campanhas de RPG. “Nos jogos, muitas pessoas interpretam versões
idealizadas de quem elas gostariam de ser na vida real”, conta ele. “Eu era o
albatroz em seus pescoços. Excessivamente perverso, completamente inútil
ou totalmente insano.”
Em uma partida, ele interpretou um clérigo de Cthulhu, um deus
alienígena malevolente criado pelo escritor de horror H. P. Lovecraft. Jamie
decidiu que o personagem sofria de distúrbio de personalidade múltipla e
que uma das personalidades acreditava ser o próprio Cthulhu. Ele tentava
conjurar a si mesmo e comer a cara dos outros jogadores.
Em outra sessão, ele fez um guerreiro que se recusava a revelar a classe
para os outros jogadores ou a entrar nas batalhas diretamente. “Ele insistia
que era um chef e estava na aventura para levantar grana para construir o
próprio restaurante”, conta Jamie.
Certa vez os amigos de Jamie o baniram de jogar o RPG de Star Wars
porque ele queria jogar com dois personagens particularmente irritantes: um
wookie de um braço só, que não entendia ou falava nada além de sua língua
nativa, e um robô inteligente, que servia de tradutor, construído no braço
protético do wookie. “Eles não se davam bem”, lembra Jamie. “O que nos
traz a seguinte questão: um wookie raivoso arrancará o braço de uma pessoa,
mas ele faria isso com o próprio braço?”
Jamie também foi banido do jogo de horror gótico Vampiro: A Máscara.
“Não permitem chimpanzés vampiros.”

Algumas pessoas encaram conflitos como uma chance para causar


estragos. Eu os vejo como um quebra-cabeça esperando para ser
resolvido. Por exemplo: como você luta contra criaturas que você
não consegue ver?
Como um clérigo, meu grande trunfo é a habilidade mágica. Tão
logo notei que estávamos sob ataque, fiz uma lista mental de feitiços
que eu estava preparado para conjurar, procurando algo que nos
desse vantagem. Dissipar Magia cancela feitiços lançados por outro
mago ou clérigo, então deixaria nossos atacantes visíveis caso
estivessem ocultos por um encantamento de Invisibilidade. Mas
notei que eles eram uma espécie de animais mágicos selvagens e a
invisibilidade era uma habilidade natural, como a pele mutante do
camaleão. O feitiço Visão da Verdade funcionaria, já que permite
que o praticante veja através de qualquer tipo de invisibilidade.
Mas eu só poderia lançar em apenas uma criatura e ainda teria de
tocá-la para fazer funcionar. Com nosso bando tão disperso, eu
terminaria lançando o feitiço em mim mesmo e veria, impotente,
meus amigos sendo mastigados pelos animais. A magia Escuridão
Profunda deixaria todo mundo em pé de igualdade, já que nossos
inimigos não conseguiriam nos enxergar mais. Claro, sendo animais,
eles poderiam sentir nosso cheiro ou nos ouvir, então seríamos
devorados em meio às trevas.
Então esse era o segredo. Nosso inimigo não poderia ser visto,
mas poderia ser cheirado ou ouvido. Os sentidos humanos não são
fortes o suficiente para o truque funcionar, mas se eu lançar o
feitiço Invocar Criaturas, seria capaz de criar um animal mágico do
nada e comandá-lo para encontrar nossos atacantes para mim.

Deixei a planilha de personagens de lado, peguei uma cópia do Livro do


jogador que estava em cima da mesa e folheei até o capítulo que descrevia
todas as magias de D&D em detalhes. Há nove diferentes tipos de magias
Invocar Criaturas, cada uma disponível progressivamente de acordo com o
nível do personagem e com uma lista de criaturas convocáveis. No primeiro
nível, você pode convocar coisas pequenas, como um rato ou um corvo; no
nível 2, uma víbora venenosa ou uma águia. A versão mais poderosa da
magia que Weslocke conseguiria lançar é Invocar Criaturas VI, então corri
para aquela lista. Um rinoceronte seria bem casca-grossa, mas precisava de
algo que enxergasse monstros invisíveis. Ursos-polares também eram uma
opção. Eles têm um olfato apurado?

Larguei o Livro do jogador e peguei uma cópia do Livro dos monstros em


meio às anotações de Morgan e passei as páginas. Capítulo 2: “Animais”...
Urso Polar... 68 pontos de vida... Ataque com garras com 1d8+8 de dano...
Qualidades incluem visão na penumbra e faro. Corri para o fim do livro e
consultei o glossário. “Faro” significa que a criatura pode farejar inimigos
escondidos, mas o urso levaria algumas rodadas para localizar um único
alvo. Se havia uma matilha inteira de cães invisíveis, seríamos estraçalhados
enquanto o Zé Colmeia cheirava sujeira.
Voltei para o Livro do jogador e reli a longa descrição de Invocar
Criaturas VI. “Essa magia funciona como Invocar Criaturas I”, dizia o texto.
“Exceto por invocar uma criatura da lista de 6º nível, 1d3 criaturas do
mesmo tipo da lista de 5º nível ou 1d4+1 criaturas do mesmo tipo da lista de
qualquer nível inferior.”1 Cinco criaturas relativamente fracas poderiam não
matar os cães invisíveis, mas, se elas os achassem, eu e os meus
companheiros terminaríamos o serviço. Então lá fui eu retornando para as
tabelas de criaturas no Livro dos monstros antes de finalmente resolver o
quebra-cabeça.
— Vou conjurar o feitiço Invocar Criaturas VI — anunciei. — Mas em
vez de conjurar um dos monstros da lista de Criaturas de nível 6, convocarei
uma matilha inteira de Cães Yeth.8 Eles irão se espalhar e usar suas
habilidades de faro para achar as criaturas invisíveis.
— Isso é inteligente — disse Morgan.
Tentei não ficar com as bochechas ruborizadas.
O plano funcionou perfeitamente. Os Cães Yeth rapidamente
encontraram os inimigos invisíveis e miramos nossos ataques onde
eles estavam mordendo e arranhando.
Um pouco depois, Ganubi finalmente parou de correr em pânico.
Ele voltou correndo para o acampamento, mas quando chegou já
tínhamos derrotado o inimigo invisível.
Imagino como será sua versão da história.

Os jogadores de D&D admiram o sucesso de seus personagens e contam


histórias sobre eles como pais se gabando das fotos dos filhos. Pergunte para
Alex e ele poderá contar sobre quando ele lutou e matou Si, um vampiro que
era nosso principal antagonista nos primeiros dias da campanha de Morgan.
Foi nossa primeira grande vitória e nos deu esperança de que, um dia,
pudéssemos libertar os outros humanos dos cercados. Por outro lado, minha
história preferida de Jhaden é um pouco menos heroica. Estávamos tentando
atravessar um complexo subterrâneo cheio de formigas do tamanho de
homens, quando Jhaden apareceu com um plano: ele matou um dos insetos,
colou as pernas e as antenas do defunto, se melou com suas entranhas e
tentou enganar as criaturas na esperança de passar no meio delas fingindo ser
uma formiga. Não funcionou.
Phil poderia lembrar-se da época em que estávamos nos escondendo no
porão de um vampiro, planejando uma emboscada; quando o vilão começou
a descer as escadas, Ganubi nos surpreendeu saindo das sombras e cantando
“Parabéns pra Você”. O vampiro comprou o truque e caminhou, sorrindo,
rumo à nossa armadilha.
Mike Mornard me falou sobre um personagem que ele interpretava na
campanha de Greyhawk, nada menos que um balrog — um tipo de demônio
mais conhecido no mundo não nerd como a criatura que Gandalf enfrenta em
uma ponte em O senhor dos anéis: A sociedade do anel.9 “Nós
precisávamos distrair um mago em sua torre”, diz Mornard. “Perguntei para
Rob [Kuntz] se era possível um balrog soltar um jato de chamas da ponta dos
dedos. Ele olhou para mim. ‘Aham, com certeza.’ Então, arranjei um chapéu
com um papel nele escrito “IMPRENSA”, peguei uma caixa de madeira,
colei um pedaço de vidro nela e bati na porta do mago. Quando ele atendeu,
falei para ele que estava fazendo uma matéria para a revista Balrog Times,
levantei a caixa e falei: ‘Olha o passarinho!’ Enfiei meu dedo nela e fiz um
clarão com as chamas.” O mago, lisonjeado, passou a noite mostrando seu
laboratório, respondendo a várias perguntas e posando para fotos.
Quando jogadores dividem histórias de guerra, estamos mesmo falando
sobre nós mesmos. “Não importa o quão diferente o personagem é de você”,
diz Rodney Thompson, um projetista que trabalha na linha Dungeons &
Dragons na Wizards of the Coast. “Ainda há um investimento pessoal com
um véu da própria personalidade. Isso é algo que nenhum outro jogo, exceto
D&D, faz.”

Notas:
1. Ela agora é minha mulher. Alerta de spoiler: essa história tem um final feliz.
2. “Os evangelistas viajam pelo mundo proclamando sua devoção a uma determinada divindade,
panteão ou doutrina religiosa. Embora clérigos, e até mesmo os druidas, possam se tornar
evangelistas poderosos, poucos abrem mão de sua capacidade de conjuração em favor das
habilidades que essa classe oferece. Os bardos, naturalmente carismáticos, podem descobrir a
religião e se tornarem evangelistas.” O livro completo do divino, p. 34-35.
3. “Jogue quatro dados de seis faces (4d6). Descarte o menor resultado e some os outros três. Isso
resultará em um valor entre 3 (horrível) e 18 (estupendo). Os valores médios das habilidades de um
camponês-padrão variam entre 10 e 11, mas seu personagem não é um indivíduo qualquer. Os
valores mais comuns para os personagens dos jogadores (PC) são 12 e 13.” Livro do jogador, p. 7.
4. Essa magia dá ao mago o poder de mover objetos com a força da mente. Ele pode mover um peso
de até 10 quilos a uma distância de até 5 metros por rodada. A magia dura duas rodadas, mais uma
rodada por nível do mago. O peso pode ser movido verticalmente ou horizontalmente. Um objeto
movido além do alcance da magia cai ou para.” Livro do jogador de Advanced Dungeons &
Dragons, p. 218.
5. Uma espada curta (obra-prima), que concede +1 de bônus nas jogadas de ataque. A wakizashi de
um samurai é par da sua katana e — como a própria katana — é parte importante de sua honra.
Advanced Dungeons & Dragons Oriental Adventures, p. 74.
6. Essa campanha é famosa nos círculos de jogadores como a “Monty Haul”. [Um trocadilho com o
nome Monty Hall, apresentador do programa Let’s Make a Deal. Serve para batizar partidas de
RPG muito chatas. (N. do T.)]
7. “Essa magia funciona como alterar-se, exceto por transformar um alvo voluntário em outra criatura
viva. A nova forma pode ser do mesmo tipo do alvo ou de algum dos seguintes tipos: aberração,
animal, dragão, fada, gigante, humanoide monstruoso, limo, planta ou inseto.” Livro do jogador, p.
259.
8. “Estes temíveis cães voadores pairam rentes ao solo durante a noite, sempre em busca de uma
presa. Os Yeth atingem 1,5 m na altura dos ombros e pesam quase 200 quilos.” Livro dos monstros,
p. 41.
9. “Sou um servidor do Fogo Secreto, que controla a chama de Anor. Você não pode passar. O fogo
negro não vai lhe ajudar em nada, chama de Udún. Volte para a Sombra! Você não pode passar!” A
frase me dá um nerdgasmo todas as vezes.
6
O TEMPLO DO SAPO

C
omo um dragão adormecido, D&D demorou para caminhar com as
próprias pernas. A Tactical Studies Rules vendeu pelo correio a
primeira “caixa marrom” com o pacote de manuais no fim de janeiro de
1974; o restante ficou perto da fornalha do porão de Gary Gygax, ao lado do
seu banco de sapateiro. Quando Michael Mornard retornou para Lake
Geneva nas férias de inverno, ele viu as pilhas de caixas durante uma sessão
de Greyhawk e perguntou o que era aquilo. “Gary falou que tinha impresso
mil cópias”, conta Mornard. “Todos achamos que ele estava maluco.”
D&D era o primeiro e único role-playing game de fantasia no mercado e
os jogadores da cidade de Gygax amavam o sistema. Mas imprimir mil
cópias era um risco, já que não estava claro se haveria tantas pessoas na
base de compradores. “Jogos de estratégia eram um passatempo pouco
conhecido”, diz Mornard. “A Gen Con poderia atrair 300 a 350 pessoas...
Você podia literalmente conhecer todos os jogadores do mundo.”
A qualidade do produto também não ajudou nas vendas. O texto era
irregular e difícil de ler e, quando você chegava às regras, elas eram
confusas e contraditórias. “Com todo o respeito a Gary e Dave, as regras
originais eram incompreensíveis”, diz Mornard. “Se você nunca viu um jogo
na vida, era impossível ter alguma ideia de como jogá-lo.”
Mesmo assim, no verão de 1974, a TSR havia vendido quatrocentas
cópias de Dungeons & Dragons e Gygax estava otimista com as
perspectivas. “As vendas estão indo muito bem e esperamos melhor
desempenho assim que veicularmos alguns anúncios”,1 escreveu em uma
carta de junho para o amigo Dave Megarry. “Neste momento, a TSR possui
três sócios e a companhia vale algo em torno de 6 mil dólares. Deveremos
triplicar o valor nos próximos dois anos.”
As vendas iniciais eram quase todas por correio e por meio de um
punhado de lojas especializadas em jogos e passatempos. Mas Gygax estava
convencido de que essa receita não representava o mercado de verdade.
“Contando com todas as cópias piratas que estavam espalhadas e os
jogadores que não possuíam o estojo próprio, é seguro dizer que não menos
de 10 mil pessoas conheciam ou se encantaram pelo jogo de D&D”,2 disse
ele. Por volta de novembro, a TSR vendeu toda a sua primeira tiragem de
mil cópias e fez o pedido de mais 2 mil.
D&D não era o único produto da empresa, mas era o mais promissor.
Tricolor, um livro de regras para miniaturas de batalhas napoleônicas,
provou ser tão popular quanto um homem-bomba em um churrasco de
domingo. Warriors of Mars, um jogo de guerra ambientado no mundo
fantasioso de Barsoom, foi um pouco melhor — mas o livro de regras de 66
páginas, escrito por Gygax e Brian Blume, foi impresso sem a permissão dos
administradores do acervo de Edgar Rice Burroughs, escritor das aventuras
de John Carter, inspiração para o cenário do jogo. A publicação ficou
disponível por menos de um ano até a TSR receber uma notificação
extrajudicial e parar de vendê-la.
No fim de 1974, a companhia gerou um lucro de 12 mil dólares em
vendas, a maior parte graças a Dungeons & Dragons e Warriors of Mars.
“Embora não tenha sido uma recepção ‘calorosa’, estávamos satisfeitos,
porque era um começo”,3 contou Gygax. “Quem participava de jogos de
estratégia não estava exatamente migrando para os RPGs de fantasia, mas
alguns vieram para nosso lado e estávamos conseguindo jogadores
iniciantes.” A estimativa de lucro era três vezes maior para 1975. A Tactical
Studies Rules estava pronta para explodir.

A TSR sofreu seu primeiro grande revés em 31 de janeiro de 1975, quando o


cofundador Dan Kaye morreu de um infarto fulminante. Ele tinha 37 anos. A
mulher de Kaye, Donna, herdou suas ações na empresa e assumiu algumas
das suas funções, então o negócio não parou; no primeiro trimestre de 1975,
a TSR lançou vários novos produtos, incluindo Star Probe, um jogo de
exploração espacial, e dois sistemas cujo cenário era a Segunda Guerra
Mundial, Panzer Warfare e o “trocadilhado” Tractics. Mas a perda de Kaye
foi duramente sentida dentro da pequena companhia, especialmente por
Gygax, que não apenas perdeu um parceiro de negócios, mas um amigo de
infância.
Em carta para Dave Megarry, Gygax prometeu honrar o legado de Kaye
mantendo a TSR com a filosofia de ser uma empresa de jogadores para
jogadores. “Nunca permitiremos que a TSR se transforme em uma
companhia controlada por um grupo de fora”,4 escreveu ele. “Talvez
possamos aceitar novos sócios, mas nunca vamos procurar capital em
investidores que não são jogadores. Não vamos crescer em uma velocidade
vertiginosa, mas ficaremos bem mesmo assim.”
Tudo levava a crer que Gygax estava certo: em março, os lucros foram de
2 mil dólares por mês e a TSR desenvolveu relações comerciais com
vendedores por todo o país. Mas, enquanto as vendas de Dungeons &
Dragons estavam acelerando, o jogo não estava cumprindo a promessa dos
bem-sucedidos testes iniciais. Quando os novos jogadores entravam nos
porões de Gary Gygax ou Dave Arneson, eles saíam viciados: em
determinado momento, Gygax organizou sessões de D&D em várias noites
da semana e para mais de vinte jogadores, colocando Rob Kuntz como
assistente de Mestre para atender a demanda. Por que os jogadores do resto
do país não estavam adotando D&D como os de Lake Geneva?
O problema era que a compra do conjunto de D&D pelo correio não
incluía no pacote Gary Gygax ou Dave Arneson. As regras ensinavam o
mecanismo do jogo, mas fazia um péssimo trabalho em transportar a
experiência de interpretação de papéis. Sem ver o sistema funcionando, os
participantes de jogos de guerra tinham dificuldades em fazer a transição
mental das precisas simulações de batalhas históricas para aventuras de
fantasia criativas — mesmo se conseguissem, eles sofriam pela falta de
acesso a mundos atraentes como Greyhawk e Blackmoor.
O primeiro passo para a solução do problema veio com a estreia de The
Strategic Review, uma newsletter editada por Gygax e Blume e publicada
pela TSR. Disponível para assinantes pelo preço de 1,5 dólar por ano ou 50
centavos por cópia, o panfleto inicialmente servia como um veículo de
marketing, listando jogos à venda e anunciando futuros lançamentos. Mas
cada edição incluía alguns artigos que dissecavam jogos existentes e
ensinavam novos jogadores a usar os sistemas. A Review esclarecia as
regras confusas de D&D (“Um praticante de magia pode usar dado feitiço
apenas uma vez ao dia, mesmo que ele esteja carregando seus livros...”),5
adicionava novas armas e classes de personagens (Jhaden pôde pesquisar
sua linhagem até um artigo chamado “Rangers, Uma Nova e Empolgante
Classe de Dungeons & Dragons”) e revelava mais das cores que tornavam os
mundos de Arneson e Gygax tão atraentes. O primeiro número apresentou um
dos monstros mais populares do D&D, o Devorador de Mentes, em um
capítulo chamado “Descrição de Criaturas”: “Esta é uma criatura humanoide
superinteligente com quatro tentáculos saindo da boca e usados para capturar
a presa. Se um tentáculo atinge o alvo, ele penetrará até o cérebro, o drenará
e a criatura, por fim, irá devorá-lo. Leva de uma a quatro rodadas para o
tentáculo alcançar o cérebro, quando a vítima finalmente morre.”6
Mesmo assim, Dungeons & Dragons estava incompleto até a publicação
de seu primeiro mundo de fantasia. Na primavera de 1975, a TSR lançou
D&D Supplement I: Greyhawk, um livro de 56 páginas cheio de regras e
detalhes da campanha caseira de Gygax. A expansão incluiu regras
melhoradas de gerenciamento das batalhas, substituindo o sistema instável
derivado de Chainmail; adicionou uma variedade de magias, criaturas e itens
mágicos; e apresentou duas novas classes de personagens: os paladinos e os
ladrões.
O suplemento também ensinava, por exemplo, a como criar as próprias
aventuras. Você poderia, de acordo com o livro, incluir um nascedouro de
monstros (“Greyhawk tinha uma fonte no segundo nível de onde cobras
saíam incessantemente”, explicava Gygax no texto)7 ou um aposento-
armadilha onde todos os móveis estavam encantados para atacar os
jogadores — cadeiras que chutam, bancos que dão rasteiras e tapetes que
sufocam (nós o denominamos “Sala de Estar”).8 Esses detalhes ajudaram a
preencher o vácuo entre jogadores que aprenderam as regras na mesa de
Gygax e aqueles que compraram D&D em uma loja. Em vez de apenas
explicar como jogar, Greyhawk mostrava aos leitores como inventar seus
mundos.
O impacto de Greyhawk não parou aí: a inovação mais importante talvez
tenha sido o fato de ter sido publicado em primeiro lugar. Ao lançar uma
expansão opcional para Dungeons & Dragons, Gygax apresentou a ideia de
que um jogo deveria evoluir e crescer. Sugeria que os jogadores
adicionassem, removessem e personalizassem o sistema, além de liberá-los
para usar regras diferentes. Você não pode abrir uma caixa de Banco
Imobiliário, jogar fora todo o dinheiro, inventar regras para apropriação
militar das propriedades e ainda chamar isso de Banco Imobiliário. Mas os
jogadores de D&D são encorajados a mudar o sistema e expandi-lo,
moldando-o à sua imagem.
Como resultado, o jogo oferece uma jogabilidade infinita. Se ficar
cansado de combater vampiros no mundo pós-apocalíptico de Morgan,
posso encontrar outro grupo organizando uma aventura tradicional no mundo
de Greyhawk. Se esse jogo possui muita luta e pouca interpretação de papéis
para meu gosto, posso mudar novamente. O sistema encoraja o compromisso
a longo prazo e é uma das razões para os fãs de D&D serem tão fiéis ao
passatempo.
Ele também sugere uma solução ao problema que amaldiçoava o mercado
de jogos há séculos: você só pode vender o jogo uma vez. Comprei um
Banco Imobiliário há 14 anos e ainda devo usá-lo por mais 14 — a não ser
que seja queimado em um incêndio, roubado ou, sendo mais realista,
destruído em um acesso de fúria gerado pelo meu péssimo espírito
esportivo. A Parker Brothers levou meus 20 mangos e é isso. Mas D&D é
diferente. Com a publicação de Greyhawk, ficou claro que os jogos
poderiam ser vendidos o tempo todo com novos acréscimos às regras. A
chave do sucesso da TSR não seria encontrada em um único manual, mas em
um universo inteiro de histórias, cenários e cores.

No verão de 1975, as vendas de Dungeons & Dragons estavam acelerando


rapidamente. As primeiras mil cópias do estojo de D&D levaram onze
meses para serem vendidas, mas o segundo milhar se esgotou em quatro
meses e o terceiro em dois. Em junho, a TSR fez um pedido de 3.300
conjuntos na terceira impressão; como a empresa estava com pouco dinheiro,
a gráfica foi paga com trezentas cópias do jogo, todas vendidas diretamente
às lojas.
No primeiro ano, D&D era vendido basicamente pelo correio ou em lojas
especializadas. A TSR fazia poucos negócios no atacado e só tinha parceria
com três distribuidoras — pequenas empresas que fabricavam miniaturas de
soldados de chumbo usados em jogos de estratégia, mas que possuíam
contatos com lojas de hobbies. Mas agora que D&D estava começando a
crescer, Gygax e Blume foram capazes de negociar contratos com várias
grandes distribuidoras.
Eles também começaram a pensar em vender os produtos em outros
países. Jogos de batalhas históricas tinham raízes profundas na Europa e
existiam pequenos grupos de jogadores e newsletters por lá. Então, Gygax
enviou cópias de D&D para diversos jogadores influentes que ele conhecia
na Europa.
Uma delas chegou a um pequeno apartamento na Bolingbroke Road, em
Londres, sede (e lar dos fundadores) de uma pequena empresa chamada
Games Workshop. Os colegas de partida Ian Livingstone, Steve Jackson e
John Peake começaram a companhia no começo de 1975, vendendo
tabuleiros caseiros de madeira para jogos como Go e gamão. Eles
produziam a newsletter Owl & Weasel para promover o negócio e enviavam
para todos que conheciam na indústria de jogos — inclusive Gary Gygax,
que, em troca, mandou uma cópia de Dungeons & Dragons na esperança de
obter uma boa crítica.
“John achou terrível”, recorda-se Livingstone. “Tinha regras
ininteligíveis... Você precisava interpretá-las e improvisar um bocado. Mas
eu e Steve fomos fisgados na hora, desde o primeiro dia. [...] Era um produto
da imaginação.”
Livingstone e Jackson gostaram tanto do jogo que decidiram mudar o foco
da Games Workshop, distanciando-se dos tabuleiros e focando nos role-
playing games e jogos de estratégia. Peake largou a empresa e Livingstone
ligou para Gary Gygax. Ele encomendou seis conjuntos do jogo e assinou um
contrato de três anos para distribuir D&D exclusivamente na Europa.
“Esses marcos não aparecem com frequência no mundo do jogos”, diz
Livingstone. “Havia o Banco Imobiliário, o Scrabble e então um grande
vácuo — até aparecer o D&D. Causou uma grande mudança em como você
vê os jogos [...] deixando-os mais teatrais e menos dependentes dos
tabuleiros. Era fantástico.”

Quanto mais a TSR crescia, mais os fundadores se preocupavam em


permanecer fieis às suas raízes de jogadores. A edição de verão de The
Strategic Review incluiu um editorial explicando o objetivo da empresa para
os consumidores, mas o texto provavelmente serviu mais como uma
autoafirmação para Gygax e Blume: “A Tactical Studies Rules não é uma
empresa gigante; não é nem ao menos grande. Mas estamos crescendo e, no
futuro, poderemos assumir um tamanho considerável. Apesar de precisar
lucrar para manter o negócio, a TSR não existe apenas para fazer dinheiro.
[...] Seus membros são jogadores de longa data que encontraram satisfação
em criar e/ou publicar um bom conjunto de regras de jogos.”9
Parte da tensão em “manter-se verdadeiros” se devia ao contínuo
envolvimento da viúva de Don Kaye, Donna. Don cresceu jogando ao lado
de Gary e dividia sua paixão, mas Donna não era parte dessa turma de
aficionados. Em determinado momento, Gygax decidiu que era “impossível
de se trabalhar” com ela.10 Então, em julho de 1975, ele e Blume usaram o
pouco dinheiro que tinham para comprar a parte de Kaye, dissolvendo a
Tactical Studies Rules Inc. e criando uma nova empresa, sem Donna,
chamada TSR Hobbies Inc.
A nova companhia virou o bebê de Gary Gygax. As operações saíram da
casa de Kaye e foram para o porão de Gygax, que virou sócio majoritário
com o controle de 60% das ações, assumindo o cargo de presidente e
tornando-se o único funcionário pago da empresa, com um salário de 85
dólares por semana.
No entanto, em vez de a empresa se solidificar sob as regras gygaxianas e
assegurar seu futuro com o lema “feito por jogadores, para jogadores”, a
mudança fez o oposto. Como ele gastou muito para comprar a parte de Kaye,
as finanças da TSR sofreram um desequilíbrio em um momento delicado do
seu crescimento. Em poucos meses, a companhia ficou sem dinheiro. A fim
de levantar o capital necessário para imprimir, enviar e desenvolver novos
produtos, a TSR colocou mais ações à venda. Brian Blume comprou
algumas, assim como seu pai, Melvin (mais tarde, ele as transferiu para o
outro filho, Kevin). No outono, os Blume passaram a controlar a empresa e
Gygax só ficou com 35% das ações.
Mesmo algumas décadas depois, Gygax claramente ainda estava
arrependido de ter perdido o controle acionário. Em 2005, ele disse a um
entrevistador que o destino da TSR foi selado naquele primeiro ano de
operação: “Não há dúvidas na minha cabeça. Se Don Kaye não tivesse
morrido, o curso dos eventos na TSR teria sido drasticamente diferente. Don
não era apenas um sujeito inteligente, um jogador, ele também era aquele que
não deixava a ideia de grandes lucros encobrir seu julgamento.”11

De volta a 1975, o futuro parecia promissor. A TSR publicou vários jogos


de estratégia, incluindo Classic Warfare, um conjunto de regras escritas por
Gygax para reconstituições de batalhas que iam “dos Faraós a Carlos
Magno”. Gygax e Blume criaram o segundo RPG da empresa, Boot Hill,
ambientado no Velho Oeste e focado basicamente em tiroteios. Dave
Megarry estreou como projetista de jogos no lançamento de Dungeon!, um
jogo de tabuleiro inspirado em Blackmoor que representava o produto mais
ambicioso da TSR: um mapa colorido, cartas customizadas, fichas, dados e
um manual — tudo isso dentro de uma linda caixa.
M. A. R. Barker, professor da Universidade de Minnesota, também
estreou na TSR. Estudioso de línguas arcaicas1 Barker passou décadas
elaborando um mundo de fantasia chamado Tékumel, escrevendo milhares de
páginas de histórias, descrevendo sua cultura e até criando seus idiomas.2
Ele era conselheiro do clube de jogos de estratégia da universidade e, após
Michael Mornard lhe mostrar uma cópia de Dungeons & Dragons, Barker
escreveu dois jogos baseados em Tékumel: um RPG intitulado Empire of the
Petal Throne e um de tabuleiro focado em combates chamado War of
Wizards. Barker morreu em março de 2012, deixando um vasto número de
trabalhos descrevendo Tékumel.3
Mesmo com vários produtos novos, Dungeons & Dragons continuava a
pagar as contas da TSR. A terceira tiragem se esgotou em novembro e,
encarando uma crescente demanda, a empresa encomendou uma nova tiragem
de 25 mil cópias, quatro vezes mais que todas as outras tiragens somadas. A
TSR também publicou uma segunda expansão de seu jogo lançada apenas
dois anos depois: Blackmoor, de Dave Arneson.
Assim como Greyhawk, o suplemento Blackmoor acrescentava novas
regras ao jogo, incluindo instruções para jogadores que desejassem se
mover, lutar e lançar feitiços embaixo d’água e duas classes de personagens,
os monges e os assassinos. Mas o manual de sessenta páginas quase não
descrevia a campanha de Arneson — não havia detalhes do interior do
castelo Blackmoor ou piadas sobre suas armadilhas inteligentes que
matavam jogadores. Em vez disso, mais da metade do volume foi dedicado a
uma inovação igualmente importante: o primeiro cenário preconcebido de
D&D, uma aventura chamada The Temple of the Frog [O Templo do Sapo].
Os cenários de D&D são o jantar de micro-ondas do mundo dos RPGs.4
Toda vez que os jogadores se sentam ao redor da mesa para a partida, eles
consomem uma aventura preparada pelo Mestre. Se você tiver sorte, um
talentoso contador de histórias como Morgan pode ser o cozinheiro e
certamente terá preparado uma narrativa do nada — não apenas o velho
“derrote esses monstros”, mas roteiros de verdade, personagens, cenários e
tema. Mestres menos experientes frequentemente ficam mais confortáveis
esquentando uma história que foi preparada e empacotada por um
especialista de fora. Uma trama como The Temple of the Frog entrega de
bandeja o que um Mestre necessita para contar uma história; tudo que ele
precisa fazer é seguir as instruções.
Aventuras preconcebidas podem ser vistas como um dos guias de viagem
da Lonely Planet, mas compilado por um maluco. Tipicamente, começam da
mesma maneira que The Temple of the Frog, fornecendo informação gerais
sobre a região visitada pelos jogadores e armando o conflito central do
roteiro:

Nas profundezas dos pântanos premitivos [sic] de Lake Gloomey,


onde paira uma névoa perpétua, há a cidade da Irmandade do Pântano.
No passado, essa ordem “religiosa” mergulhou em estudos proibidos
e determinou que os animais possuem mais potencial para povoar o
mundo que a humanidade, que, no fim das contas, é uma abominação
biológica que ameaçaria a existência de toda a vida. Portanto, a
bondosa Irmandade passou a desenvolver uma raça anfíbia que
combinaria os instintos assassinos e a fúria dos grandes mamíferos
com a habilidade de se mover pelos pântanos com rapidez para atacar
e evitar retaliação.12
A partir daí, a trama se assemelha a típicos guias de viagem, fornecendo
mapas da área e descrevendo pontos de interesse:

O Charco do Sapo: uma área em descida espiral, escorregadia,


levando ao próximo nível inferior. A entrada na área marcada com
PARA BAIXO permitirá ao bando descer escorregando pela rampa
para o próximo nível. Apenas pessoas com 18 de destreza têm 50% de
chances de não cair, sendo capazes de aplacar a descida.13
Algumas tramas, como The Temple of the Frog, simplesmente descrevem
uma área e seus habitantes, deixando para o Mestre e os jogadores a decisão
do que fazer — roubar o templo, unir-se a ele ou incendiá-lo. Outras são
textos mais rígidos e forçam os jogadores a seguir uma narrativa específica.
Algumas vezes, as tramas até trazem personagens pré-moldados, então tudo
que você precisa fazer é sentar e jogar; eu peguei o nome Weslocke de um
guerreiro élfico/praticante de magia usado em The Lost Caverns of
Tsojcanth,5 um módulo de D&D escrito por Gygax e lançado em 1982. Tudo
isso serve para dar um refresco ao trabalho do Mestre e facilitar a entrada
no mundo dos role-playing games de fantasia. Sem Blackmoor e The Temple
of the Frog, Dungeons & Dragons teria permanecido um hobby defeituoso
para aficionados e não um fenômeno mundial.
Blackmoor também marcou a estreia de Tim Kask, um jogador e amigo de
Gygax contratado para trabalhar na TSR. A primeira tarefa dele na empresa
foi editar o suplemento de Blackmoor; depois, assumiu como editor de The
Strategic Review. Rob Kuntz, co-Mestre de Gygax, entrou para a equipe em
1975 com seu irmão, servindo de escritor e editor de materiais de jogos.
Quando o inverno alcançou Lake Geneva, Dave Arneson se mudou para
Saint Paul para começar a trabalhar como diretor de pesquisas da TSR,
sendo responsável pela coordenação dos projetistas freelancers e pela
produção de materiais, “como uma padaria”.14
Pela primeira vez, os dois criadores de Dungeons & Dragons estavam em
um mesmo lugar, trabalhando o tempo todo nos jogos. Mas o potencial dessa
parceria nunca foi totalmente alcançado. “Começou divertida”, disse
Arneson mais tarde. “Mas, enquanto o dinheiro aumentava, a diversão
diminuía.”15

Notas:
1. Como Tolkien.
2. Como Tolkien.
3. Seus admiradores às vezes o chamam de “O Tolkien esquecido”.
4. Isso não significa que elas não possuam qualidade. São geralmente boas, mas enquanto posso
saborear uma boa pizza congelada, sei que não é aquela feita no forno de tijolos do Grimaldi’s, no
bairro de Brooklyn Heights, em Nova York.
5. Gygax tinha o dom de inventar nomes de personagens. Em Against the Giants, de 1981, você
poderia jogar como Gleep Wurp, o devorador de olhos; Beek Gwenders, Redmond Dumple ou Faffle
Dwe’o-mercraeft. Descent to the Depths of the Earth trazia Fnast Dringle, Fage o Kexy, Keak
Breedbate e Philotomy Jurament.
7
O ROMPIMENTO DA SOCIEDADE

U
m mago élfico, um guerreiro anão e um ladrão humano entram em um
bar. O atendente olha e diz: “O que é isso, uma piada?”
É uma sacada piegas, mas ilustra a verdade sobre a maioria das
campanhas de D&D: bandos bem-sucedidos tendem a exibir uma vasta gama
de classes de personagens, raças e biografias que beiram o absurdo. A
diversidade pode ser admirável, mas não faz sentido algum que um mago
sábio (um programador de computadores seria o equivalente em nosso
mundo) se junte a um guerreiro experiente (um sargento da reserva) e a um
ladino interesseiro (ladrão furtivo).1
Como várias coisas no universo nerd atual, as origens dessa tradição vão
até a um rabugento filólogo britânico. Quando J. R. R. Tolkien publicou O
senhor dos anéis, em 1954, ele não formou sua Sociedade do Anel apenas
com seres iguais, como os Cavaleiros da Távola Redonda; ele construiu um
grupo diversificado com forças e fraquezas individuais. Não há nenhuma
regra no D&D dizendo que os aventureiros precisam ser balanceados, mas
os jogadores tendem a evitar os arquétipos. Você não encontrará um grupo
formado inteiramente por bardos — e não só porque seria o grupo mais
chato da história.
Há também razões táticas para a mistura. No combate, um grande leque
de habilidades funciona como vantagem para o grupo: um guerreiro que
ataca mano a mano e absorve danos, um ladrão que se esconde atrás das
árvores e atira flechas, e um clérigo feiticeiro que ajuda seus companheiros.
Formar um bem-sucedido bando de aventureiros requer ótimo gerenciamento
de recursos humanos, como se fosse a contratação de funcionários para um
negócio próspero. Paladinos seriam ótimos CEOs, mas você se sairia melhor
com um mago no departamento financeiro, um par de ladinos na equipe de
vendas e um bardo no marketing.
Essa verdade pode ajudar a explicar um dos grandes mistérios da história
de Dungeons & Dragons: por que Dave Arneson deixou a TSR com apenas
dez meses na empresa?

Em janeiro de 1976, o D&D estava prestes a dar uma virada. A TSR havia
vendido 10 mil cópias dos manuais básicos, mas o jogo tinha facilmente dez
vezes mais jogadores, graças a empréstimos e cópias não autorizadas. D&D
possuía dois suplementos, distribuidores por todos os Estados Unidos e em
três continentes, e uma empresa em ascensão que finalmente abrigava seus
dois criadores. Quando Arneson estabeleceu-se para trabalhar em novos
materiais, a companhia estava bombando.
Várias pistas apareceram na edição de abril de Strategic Review. “Este é
o último número”,1 avisou Tim Kask em seu editorial. “Mas ouçam bem,
coisas boas estão vindo por aí!” Uma nova divisão de periódicos na TSR
Hobbies estava preparada para lançar duas revistas diferentes: The Dragon,
dedicada à “fantasia, ficção científica e role-playing game”, e Little Wars,
que “lida com os diferentes tipos e períodos dos jogos de estratégia”. A
divisão de hobbies também estava crescendo: o projetista Mike Carr entrou
na equipe como editor e Dave Megarry (um acionista minoritário da TSR,
graças ao acordo que fez pelos direitos de seu jogo de tabuleiros Dungeon!)
assumiu como tesoureiro.
Para abrigar os novos funcionários (e a crescente quantidade de estoque),
a TSR saiu do porão de Gygax para um espaço próprio em Lake Geneva, a 1
quilômetro. A casa acinzentada na rua Williams, 723 já foi uma residência
familiar; agora relocada para negócios, seus quartos no primeiro andar se
tornaram a primeira loja da TSR, chamada The Dungeon.
Skip Williams, um estudante local que jogava na campanha de D&D de
Gygax, trabalhava como balconista da loja em meio período. “The Dungeon
tinha tudo que a TSR lançava, que eram D&D e todos os manuais de
miniatura, e uns dois jogos de tabuleiro”, conta ele. “Também vendia
maquetes de tanques e navios, miniaturas... Todas as coisas com que Gary
gostava de brincar.” Algumas mesas foram colocadas para sessões de
batalhas de miniaturas e os jogadores podiam alugar o espaço por algumas
horas mediante o pagamento de uma pequena taxa. Em pouco tempo a loja
virou ponto de encontro de jogadores. “Havia gente vindo de todas as partes
do país”, conta Williams. “Era bem bacana.”
Enquanto a TSR estava certamente feliz em vender mais produtos, a
proliferação dos manuais de D&D tinha seus inconvenientes. Tim Kask
descreveu o problema no prefácio de Eldritch Wizardry, um novo
suplemento de regras publicado em maio daquele ano: “Em algum ponto do
caminho, D&D perdeu seu charme e começou a ficar previsível. [...] Uma
vez que todos os jogadores possuem as regras à sua frente, ficou quase
impossível iludi-los no caminho do perigo ou do estrago.”2 Eldritch
Wizardry tentou consertar as coisas ao adicionar mais regras ao jogo —
novos poderes, monstros, magias e tesouros — na esperança de que os
jogadores não conseguissem seguir todas elas. “Estas páginas percorreram
um longo caminho para colocar de volta alguns dos mistérios, incertezas e
perigos que fazem de D&D o desafio sem paralelos que deveria ser”,
escreveu Kask. “Nunca mais um aventureiro imprudente entrará em uma
masmorra, encontrará algo e saberá exatamente o que vai acontecer.”
Não funcionou, claro, como gerações de jogadores com conhecimento
enciclopédico das regras de D&D podem atestar. Mas o suplemento ao
menos apresentou um número de importantes conceitos ao jogo, incluindo a
classe dos druidas, uma espécie de clérigo que venera a natureza em vez de
uma divindade. Entre os novos monstros, havia habitantes do submundo,
como a súcubo e os príncipes demônios Orcus e Demogorgon — uma
decisão editorial que anos mais tarde levaria a certa confusão. E um
conjunto de regras organizando poderes psíquicos (conhecidos no livro
como “psiônicos”) tentou arrumar uma das críticas mais frequentes ao
sistema de mágica do D&D: que magos e clérigos devem memorizar uma
lista fixa de feitiços de um livro em vez de possuir a habilidade inata de
conjurar o feitiço que quisessem.2
Em junho, mais uma nova leva de regras chegou encartada na primeira
edição de The Dragon. A “Revista de Jogos de Fantasia, Capa & Espada e
Ficção Científica” tinha 32 páginas e custava 1,5 dólar (9 dólares por uma
assinatura semestral). A arte da capa era uma ilustração bem conhecida de
um dragão de pele esmeraldina sentado em uma pilha de pedras na frente de
um fundo bagunçado e pintado com rosa-shocking, carmesim e amarelo — os
temas da revista não eram menos caóticos. Havia estatísticas para novas
criaturas de D&D, descrições de feitiços inéditos, dicas para Mestres,
regras adicionais para jogos de estratégia e propagandas de futuros produtos
da TSR. As matérias iam de nerdices (“Magia e Ciência: Seriam Elas
Compatíveis em D&D?”) a nerdices extremas (“Como Usar Pré-Requisitos
Secundários nos Talentos dos Personagens”). Havia até um pouco de ficção,
o primeiro capítulo de uma saga de fantasia chamada The Gnome Cache,
dividida ao longo das edições. Era escrita por Garrison Ernst — um
pseudônimo de Gary Gygax.
Gary e a equipe da TSR não escreviam a revista inteira. O escritor de
fantasia Fritz Leiber contribuiu com um artigo e vários jogadores escreviam
matérias inspiradas em suas campanhas de D&D. No seu editorial, Tim Kask
solicitou mais ajuda da comunidade: “Jogos, variações, discussões, histórias
de autores conhecidos e desconhecidos, resenhas de interesse dos leitores e
tudo mais.”3 Com a The Dragon, a TSR esperava agrupar os fãs, consolidar
a lealdade e explorar a energia deles — para que não seguissem o exemplo
de Gygax e começassem a fazer os próprios jogos. A ameaça era óbvia:
Dungeons & Dragons nasceu das regras do Chainmail, da Guidon Games, e
rapidamente o superou em vendas e popularidade. Ninguém na TSR queria
ver o mesmo acontecer à empresa.
Umas poucas companhias já haviam lançado produtos concorrentes. No
início de 1975, a Game Designers’ Workshop, de Illinois, publicou En
Garde!, um RPG de Frank Chadwick ambientado na França do século XVII e
que enfatizava as lutas de espada. Os jogadores gostaram do cenário
inspirado em Os três mosqueteiros, mas não simpatizaram com as regras. A
Fantasy Games Unlimited foi mais a fundo na trama com seu Bunnies &
Burrows (1976), um role-playing game baseado no livro A longa jornada,
de Richard Adams, lançado em 1972: os personagens eram coelhos
inteligentes que precisavam competir pela comida, evitar predadores e lidar
com a política interna do viveiro.
Outros projetistas ficaram mais próximos do cenário capa e espada do
D&D. Ken St. Andre, um bibliotecário de Phoenix, no Arizona, se apaixonou
pela ideia de um RPG de fantasia depois de ler os manuais de D&D, mas
achou as regras confusas — então decidiu escrever as próprias. Tunnels &
Trolls, publicado independentemente em 1975, simplificou o D&D a ponto
de valorizar a diversão em detrimento da simulação: abandonou diversas
regras para combate e movimentos derivados dos jogos de estratégia; só
exigia um dado de seis faces em vez dos poliédricos difíceis-de-achar; criou
magos com pontos designados de feitiços, não baseados em livros; e
implementou dúzias de pequenas mudanças que tornaram o jogo mais fluido.
Em junho de 1975, a Flying Buffalo Inc. lançou uma segunda edição do
sistema e Tunnels & Trolls rapidamente virou um dos maiores competidores
do D&D.
Gygax não estava satisfeito. Quando anúncios e resenhas de Tunnels &
Trolls começaram a pipocar em revistas especializadas, a TSR fez seus
advogados mandarem notificações extrajudiciais para o dono da Flying
Buffalo, Rick Loomis, e para a editora de revistas Metagaming Concepts. Os
advogados alegaram que até mesmo o uso das palavras “Dungeons &
Dragons” para ajudar a explicar Tunnels & Trolls infringia os direitos
autorais da TSR. A Flying Buffalo apagou qualquer comparação em seus
anúncios seguintes.
Não foi a primeira vez que a TSR tomou ações legais contra potencial
competidores. No início daquele ano, a empresa mandou uma carta
semelhante a um dos próprios fãs, um jogador de Boston chamado Robert
Ruppert, que cometeu o erro de datilografar em um formulário em branco o
cabeçalho “Planilha de Personagem de Dungeons & Dragons” e vendê-lo por
dois centavos a cópia.4 A repressão era especialmente irônica considerando
como a TSR tinha o péssimo hábito de não ligar para os direitos autorais das
outras pessoas; a empresa já tinha sido repreendida pelos responsáveis pelo
patrimônio do escritor Edgar Rice Burroughs por terem copiado os livros de
John Carter no jogo Warriors of Mars.
Mas a TSR continuou prestando atenção aos direitos de suas publicações.
Na primavera e no verão, a empresa fechou seu primeiro contrato de
licenciamento com outras companhias. Primeiro foi com a Miniature
Figurines Ltd., uma fabricante de miniaturas de metal, para fazer modelos de
criaturas de D&D. Depois, com a editora Judges Guild, com o objetivo de
imprimir acessórios oficiais do jogo, como mapas e suplementos.
A Judges Guild lançou seu primeiro produto licenciado, uma história
chamada City-State of the Invincible Overlord, em agosto, durante a Gen
Con IX. No curso de três dias do evento, mais de 1.300 pessoas de todo o
país visitaram três salões em Lake Geneva para jogar, comprar e falar sobre
jogos. A TSR tinha um interesse especial em mostrar novos produtos na
convenção, já que ela tomou o controle das mãos da Associação de Estudos
Táticos de Lake Geneva. Então, na tentativa de dominar a atenção dos
jogadores, a TSR apresentou dois novos manuais de D&D, suplementos IV e
V, e anunciou que seriam as duas últimas adições ao sistema.
Swords and Spells, escrito por Gygax, é o estranho no mundo de regras
do D&D original. Em vez de acrescentar novos detalhes ao jogo de
interpretações de papéis, o livro deu um passo para trás e introduziu regras
para jogos de miniaturas em larga escala que eram meramente baseadas em
Dungeons & Dragons. No prefácio, o editor Tim Kask o descreve como “o
neto do Chainmail”.
Embora Swords and Spells esteja numerado como “Suplemento V” na
capa, o livro que realmente dá os retoques finais a Dungeons & Dragons é o
suplemento IV. Gods, Demi-Gods & Heroes (coescrito por Rob Kuntz e
James M. Ward, um jogador e um professor de Prairie du Chien, Wisconsin,3
ambos da TSR) introduz a mitologia ao jogo e descreve divindades da
mesma maneira que outros suplementos descreviam homens e monstros.
Thor, o deus nórdico do trovão, tem 275 pontos de vida, uma classe de
armadura de nível 2 e as habilidades de um guerreiro do 20º nível. Hades, o
deus do mundo subterrâneo e da morte, é descrito como “um homem moreno,
bastante musculoso” que pode “transmutar, lutar invisivelmente, possui o
poder divino do medo e seu toque ou olhar funciona como um feitiço da
morte”.5 As figuras sagradas do cristianismo, judaísmo e islamismo não
entraram na edição, embora os “Deuses da Índia” sim: a divindade hindu
Vishnu carrega “uma flor-de-lótus capaz de restaurar todos os pontos de vida
com um toque”,6 assim como “um arco de maldições chamado Sarnge e uma
espada +3 matadora de demônios chamada Mandaka”.
Por baixo disso tudo, Gods, Demi-Gods & Heroes representava outra
tentativa de exercer controle sobre os jogadores de D&D. O prefácio de
Kask exala desprezo pelos Mestres que permitem que seus jogadores
avancem para níveis mais altos e explica que o suplemento visa a corrigir
essas ações rebeldes: “Talvez agora algumas dessas campanhas ‘generosas’
pareçam tão bobas quanto elas são de verdade”,7 escreve ele. “Quando
Odin, o Todo-Poderoso, possui apenas [...] 300 pontos de vida, como
alguém pode levar a sério um Lorde de nível 44?”
Com isso determinado, a TSR considerou as regras de Dungeons &
Dragons completas. “Revelamos tudo para vocês”, escreve Kask. “A partir
de agora, quando as circunstâncias não estiverem cobertas em algum canto
dos livros, improvisem da melhor maneira possível.”8
Claro, a empresa não tinha planos de parar de lucrar com o jogo. Kask
aconselha os jogadores a comprar publicações da TSR regularmente para
novas regras e conteúdo. “Apenas não espere com a respiração
emprisionada [sic] por outro suplemento depois deste.”

É possível que a resistência contra a publicação de futuros suplementos


tenha partido de Dave Arneson, que, apesar de seu gênio criativo, nunca foi
um escritor ótimo ou disciplinado. Ele produzia o material vagarosamente e,
quando finalmente terminava, o texto exigia muito trabalho antes de ser
publicado.
Isso era um problema nos primeiros dias da parceira de Gygax e
Arneson. Gygax precisava trabalhar durante meses para transformar as vinte
páginas de descrição da campanha de Blackmoor, escrita por Arneson, em
um texto de cinquenta páginas para Fantasy Game. “Por mais que eu ame
Dave [...] ele não era um bom escritor”, diz o amigo e jogador Mike
Mornard. “O que ele entregava para Gary eram anotações escritas à mão
para uma versão expandida de Chainmail — e elas eram uma bosta.”
Mas a situação ficou insustentável quando a TSR decidiu que Arneson
deveria escrever o segundo suplemento de Dungeons & Dragons. O livro
Blackmoor estava concebido e no plano de lançamentos da TSR para algum
momento de 1974; em março de 1975, Gygax disse a uma newsletter de
jogos de estratégia que Arneson estava trabalhando na versão final.9 A
empresa começou a aceitar compras antecipadas para o produto e o anunciou
nas páginas de The Strategic Review... Mas nada aconteceu. Meses se
passaram e Blackmoor não foi publicado. A edição de inverno de The
Strategic Review relatou o óbvio: o suplemento estava atrasado. A edição
seguinte trouxe um pedido de desculpas do editor Tim Kask: “Blackmoor
está pronto e nas mãos da gráfica”,10 escreveu. “Sabemos que está atrasado,
mas vocês não acreditariam em mim se eu listasse todos os problemas que
tivemos com o livro. Basta dizer que, como editor, fui ferido por
Blackmoor.”4 O texto de Arneson, Kask explicou depois, era “contraditório,
confuso, incompleto, parcialmente incompreensível, repleto de omissões e
uma grande enrolação.”12 O livro de sessenta páginas levou semanas para
ser editado e boa parte dele foi reescrita antes do lançamento.
Dave Arneson entrou para a equipe da TSR e se mudou para Lake
Geneva em janeiro de 1976, algumas semanas depois de Blackmoor11 ter
sido finalmente publicado. Em um editorial da Strategic Review anunciando
a contratação, Gygax parecia esperançoso e ansioso para que a mudança
aumentasse a produtividade de Arneson: “Sua função será nos ajudar a
coordenar o trabalho com projetistas freelancers, controlar projetos de
pesquisa e produzir ‘como uma padaria’”,13 escreveu Gygax. “Slap!
Trabalhe mais rápido, Dave!”
Mas, mesmo no escritório da TSR, onde Gygax podia manejar o chicote,
Arnerson pouco publicou. Durante todo o ano de 1976, seu nome apareceu
apenas em três produtos da empresa: um artigo escrito para a edição de julho
de Little Wars sobre combate naval na Segunda Guerra Mundial; uma
introdução em Valley Forge, jogo de estratégia escrito por seu amigo Dave
Wesely;14 e um crédito pelo “esforço especial” em Lankhmar, um jogo de
tabuleiro baseado nos livros de Fritz Leiber.15 Arneson não teve uma menção
relacionada a Dungeons & Dragons, o jogo que ele ajudou a criar e que foi
contratado para desenvolver.
Em contrapartida, Gygax publicou material em 1976 que valeu por dois
homens. Ele foi creditado como projetista de Little Big Horn, um jogo de
estratégia simulando a “última resistência” de George Armstrong Cluster;
como autor de Swords and Spells; e coautor de Eldritch Wizardry. Escreveu
dúzias de artigos em The Strategic Review e The Dragon, incluindo
editoriais, discussões sobre jogos, novas regras para D&D e seu livro
publicado em série. Só na edição de fevereiro da Strategic Review Gygax
teve seis menções, preenchendo sete das dezesseis páginas da publicação.
Ele até mesmo escreveu um punhado de newsletters fora da TSR para
promover os produtos da empresa.
Três décadas depois, não fica claro por que Arneson produziu tão pouco
durante seu período na TSR. Talvez ele tenha criado vários textos, mas que
exigiam tanto trabalho de edição que nunca chegaram a ser publicados.
Talvez Gygax — antecipando o dia em que os jogadores se perguntariam
quem realmente inventou Dungeons & Dragons — tenha matado os projetos
dele numa espécie de competição fratricida.
Ou talvez Dave Arneson só não estivesse interessado. Em sua obra sobre
jogos de estratégia, Playing at the World, o escritor Jon Peterson salienta
que a pouca experiência de Arneson como escritor e editor não o deixava
impossibilitado de terminar produtos de fora da empresa: ele publicou
várias edições da newsletter sobre seus jogos de miniatura das Batalhas
Napoleônicas e até mesmo imprimiu a edição de março de 1976 no
mimeógrafo da TSR. Mas demonstrava pouco interesse por Dungeons &
Dragons e “menos ainda em promover o jogo”, escreve Peterson. “Talvez
Arneson simplesmente preferisse suas campanhas do século XIX do que as
de fantasia.”16
Em novembro de 1976, depois de dez meses na equipe, Dave Arneson
deixou a TSR. As circunstâncias são novamente obscuras e variam de
acordo com o ponto de vista de quem está contando a história: Gygax o
demitiu por conta da pouca produtividade; Gygax o rebaixou, então Dave
pediu demissão; saiu porque achava que seus textos não precisavam de
edição; caiu fora porque não gostava de fazer jogos para lucrar em vez de
criá-los por diversão.
Qualquer que seja a razão, a saída de Arneson esteve, em um nível
fundamental, provavelmente relacionada ao problema da composição do
grupo de aventureiros. Em 1976, a TSR estava prestes a embarcar em uma
grande aventura; sua equipe era como um novo time de heróis reunidos em
uma taverna, levados basicamente por conveniência e circunstância. Mas
havia um problema com a dinâmica do grupo: Gygax, o Bárbaro, um lutador
competitivo, cego pelas vitórias e motivado pelo tesouro, nunca trabalharia
bem com o mago Arneson, um pensador brincalhão, mais interessado em
teoria do que nos desafios práticos e motivado pela diversão. As diferenças
entre eles sempre seriam maiores que as similaridades.
Então, quando o ano chegou ao fim, Dave Arneson deixou o grupo para
perseguir as próprias aventuras. Mas ele voltaria para exigir sua parcela do
tesouro.

Notas:
1. Imagino Michael Cera, Channing Tatum e Kristen Stewart como os protagonistas do filme baseado
neste parágrafo, com o título provisório de Dissonância cognitiva. De nada, Hollywood.
2. Sistemas de jogo nos quais o jogador memoriza uma lista fixa de feitiços são descritos como de
magia “vanciana”, porque é assim que a mágica funciona na série de livros do escritor Jack Vance.
Os psiônicos da Eldritch Wizardry (e inúmeros games modernos) usam um sistema baseado em
pontos, no qual os jogadores têm uma quantidade certa de magia disponível e cada feitiço possui o
próprio custo. A briga “vanciano vs. pontos” é um dos argumentos mais duradouros e irritantes da
cultura nerd moderna, juntamente com Kirk vs. Picard e Marvel vs. DC.
3. Em novembro de 1976, a TSR lançou um jogo original de James Ward chamado Metamorphosis
Alpha, reconhecido como o primeiro RPG com cenário de ficção científica. O jogo acontecia no
interior da Warden, uma imensa espaçonave construída pelos ancestrais dos personagens; em
consequência de algum desastre desconhecido, sua prole sobrevive na nave, mas não entende sua
tecnologia e deve combater criaturas mutantes para assegurar a sobrevivência do grupo.
4. Um ano e meio depois, no prefácio de Gods, Demi-Gods & Heroes, datado de 4 de julho de 1976,
Kask ainda soava magoado: “Meu primeiro trabalho depois da faculdade foi Blackmoor. Eu assumi
a missão com um misto de amor e medo, mas gradualmente vi o amor vencer. O medo veio da
viagem educacional que o trabalho significou. Eles não ensinam na faculdade o que fazer quando
máquinas de impressão quebram ou quando seu manuscrito é misteriosamente extraviado; você
apenas precisa improvisar.”
8
POR QUE JOGAMOS?

N o auge da fama, o artista Marcel Duchamp1 desenvolveu uma obsessão


por xadrez que tomou conta de sua vida. Ele jogava constantemente, a
ponto de parar de produzir suas obras, e até mesmo passou sua lua de mel
inteira estudando estratégias de jogo em vez de ficar com a esposa. “Tudo ao
meu redor toma a forma de um cavalo ou de uma rainha”, escreveu ele. “E o
mundo exterior não representa nenhum interesse para mim a não ser se suas
transformações me levam a perder ou ganhar posições.”2
Eu conheço o sentimento. Quando me joguei de cabeça nas pesquisas
sobre a origem de Dungeons & Dragons, comecei a sentir uma obsessão pelo
jogo reemergindo das profundezas do meu inconsciente. Cada manual ou
história que lia me levava para mais longe. No trabalho, lia fóruns on-line de
D&D; em casa, preenchia planilhas de personagens; nos fins de semana, eu
me enfurnava em uma biblioteca procurando por todos os artigos já
publicados com as palavras “Dungeons & Dragons”.
Alguns meses após o início do projeto, eu e minha namorada nos
casamos. Eu não joguei D&D na nossa lua de mel no Caribe, mas levei um
bocado de livros como The Creation of Narrative in Tabletop Role-Playing
Games e The Fantasy Role-Playing Game: A New Performing Art. “São só
para ler na praia”, disse para ela.1 Falei para mim mesmo que era uma
pesquisa essencial, mas isso foi além do empenho. Eu estava entusiasmado.
Eu também precisava jogar D&D — dependia disso, como um viciado
precisa de uma dose. Se minha jogatina da terça à noite fosse cancelada
porque alguém precisava trabalhar até tarde ou porque Morgan estava fora
da cidade, eu ficava agitado e inquieto pelo resto da semana. Quando eu
viajava e a campanha continuava, era bem pior. Uma vez precisei voar para
São Francisco na manhã de uma terça-feira para apurar uma matéria para a
Forbes e sabia que perderia uma partida, então postei uma mensagem em um
fórum de “procura-se jogadores”: “Alguém está organizando uma partida de
D&D (qualquer edição) na Bay Area, preferencialmente a uma hora de
viagem do Aeroporto Internacional de São Francisco?” Me senti mal, como
se eu fosse um marido infiel procurando sexo casual na Craigslist. Me sentia
ainda pior se não encontrasse nenhuma partida.
Então, naquela noite de terça, enquanto Jhaden, Ganubi e Graeme
negociavam um trabalho com um grupo de mercadores ricos de São
Francisco, Weslocke ficou em casa e eu deitei no meu quarto do Hotel
Marriott na São Francisco “de verdade”, reli Game of Thrones e tentei
ignorar a ironia. Imaginei o que eles estavam aprontando e o que eu estava
perdendo — e como tinha chegado àquele nível de obsessão.

Viajamos ao sul de São Francisco, por toda a baía, depois ao leste,


entre as colinas verdejantes e rumo a um grande vale. Em pouco
tempo alcançamos uma estrada e a seguimos rumo às montanhas.
Tudo o que sobrou da estrada era o asfalto, mas era suficiente para
indicar o caminho.
Os mercadores acharam essa rota quando estudaram antigos
documentos em papel do século XX, antes de os vampiros saírem de
seus esconderijos. Encontraram também riquezas “além dos seus
sonhos mais insanos” — um tesouro enterrado embaixo de uma
pirâmide em algum lugar do deserto. Eles nos contrataram para
servir de proteção e para encontrar a pirâmide.
Não era uma jornada fácil. Nas encostas ocidentais de Sierra
Nevada, fomos surpreendidos por uma tempestade de neve e
atacados por mortos-vivos com pele de gelo. Eles vieram com tudo e
tentaram se alimentar de nossos corpos, mas os expulsamos com
fogo e feitiços que desmontaram seus corpos gélidos. Talvez fossem
resquícios de algum grupo desonrado — viajantes que se perderam
na passagem da montanha e se viraram uns contra os outros,
cometendo atos demoníacos que condenaram seus espíritos à
eternidade dos mortos-vivos.
No deserto abaixo, lutamos contra um imenso verme da areia
com uma boca maior que um homem, cheia de centenas de pequenos
dentes. Jhaden atacou a besta, tentou pular nas costas dela e montá-
la — mas errou o cálculo e foi engolido por inteiro. Felizmente, não
largou a espada e, de algum modo, conseguiu encontrar um caminho
para fora das entranhas do verme, cortando-o e matando-o no
processo.
Alguns dias depois encontramos o objeto de nossa busca: uma
cidade, construída em uma depressão árida no solo desértico. Em
seu coração, erguia-se uma pirâmide negra gigante, brilhante como
vidro no sol do meio-dia.

Em abril de 1958, os antropólogos americanos Clifford Geertz e sua mulher,


Hildred, viajaram a Bali, na Indonésia, para promover um estudo
etnográfico. Eles acharam um lugar para morar na pequena vila de Tihingan,
o chefe local deu as boas-vindas e as perspectivas da pesquisa eram as
melhores possíveis.
Os aldeões, por outro lado, não faziam questão de participar. “Enquanto
andávamos pelo local, incertos, ansiosos e ávidos para agradar, as pessoas
nem pareciam nos enxergar com seus olhos focados fixamente em vários
metros atrás de nós”,3 escreveu Clifford. “A indiferença, claro, foi estudada;
os habitantes estavam observando cada movimento nosso [...] mas agiam
como se nós não existíssemos. Tal comportamento, na verdade, era
exatamente para nos informar que não existíamos, pelo menos não ainda.”
Não é fácil ganhar a confiança de um grupo de estranhos, particularmente
se sua aparência ou comportamento parece estranho. O que quebrou o gelo
para Clifford e Hildred Geertz foi a mesma coisa que funcionou para
milhares de nerds no curso de quarenta anos de história de Dungeons &
Dragons: juntar-se a estranhos em seu jogo favorito.
Dez dias ou quase isso depois da chegada dos antropólogos, uma grande
rinha de galo — um dos passatempos preferidos entre o povo de Bali2 —
tomou conta da praça pública. Clifford e Hildred foram ver e, no entusiasmo
do evento, se encontraram no meio da multidão, onde centenas de pessoas
“se fundiram em um corpo único ao redor da rinha, um superorganismo, no
sentido literal”. Quando a polícia chegou para dispersar a balbúrdia, os
Geertze fugiram aterrorizados junto aos aldeões, embora eles pudessem ter
ficado e facilmente mostrado seus documentos oficiais aos policiais.
Na manhã seguinte, a vila era um mundo completamente diferente. “Não
apenas deixamos de ser invisíveis, mas viramos o centro de todas as
atenções, o objeto da efusão de cordialidade, interesse e, mais
especificamente, entretenimento”, escreveu Clifford. “Foi a reviravolta da
nossa relação com a comunidade.”
Para o escritor e blogueiro Cory Doctorow, os jogos o ajudaram a fazer
amigos de diversas tribos. “Cresci em uma família de extrema esquerda”, ele
diz. “Normalmente quando encontro pessoas de extrema direita, elas acabam
gritando ‘Arrume um emprego!’ ou ’Voltem para a Rússia, seus hippies!’
quando tentamos expor nossos argumentos. Mas quando eu tinha 11 ou 12
anos, comecei a frequentar algumas lojas de jogos... e lá estavam milhares
de ex-militares jogando D&D.”
À medida que passou a visitar com mais regularidade os pontos de
jogatina, Doctorow conseguiu ver que seus oponentes políticos não eram
apenas vilões unidimensionais. “Essas pessoas que usavam bottons
estampados com ‘Extermine todos, deixe Deus escolher’ e ‘Melhor morto
que vermelho’. Uns megaliberais excêntricos. Não obstante, eles eram parte
da mesma coisa que eu. Todo um grupo social meio que apareceu do nada; e
isso era muito, muito interessante.”
Jogamos por várias razões, mas o fato de unir as pessoas deve estar no
topo da lista. A maioria de nós forma as relações mais íntimas por meio do
jogo; é irrelevante se esse jogo toma a forma de brincadeiras de faz de conta
no quintal, de um combate simulado no xadrez ou envolva duas galinhas se
bicando. Todos são jogos e todos nos transportam para mundos diferentes.
Quando as pessoas jogam juntas, elas entram em um tipo de realidade
alternativa na qual amizades se formam em uma velocidade espantosa. Em
parte isso se deve à estrutura do próprio jogo; os jogadores têm um tempo-
limite, então as coisas precisam se movimentar com rapidez. Como eles
possuem um objetivo específico, o foco está na vitória e não nas regras
normais da interação social. Então, quando o jogo esquenta, os jogadores
ficam absortos na experiência; param de ser cientistas ansiosos e tornam-se
aves de rapina. No jogo, as normas comportamentais são esquecidas e as
defesas emocionais ficam enfraquecidas. Os jogadores começam a sentir —
e agir sob — fortes impulsos incomuns.3 As emoções correm soltas e só
aumentam; alegria, raiva, empolgação, medo e até o pavor da morte
(simulada). Nesse ambiente social artificialmente acelerado e
emocionalmente elevado, elos são forjados sólida e rapidamente.
Mesmo quando um jogo acaba, as ligações criadas tendem a persistir.
“Uma comunidade de jogos tende a se tornar permanente mesmo após o
término da partida”,4 escreveu Johan Huizinga, um dos pais dos estudos
acadêmicos sobre jogos. “O sentimento de estar ‘separados, mas juntos’ em
uma situação excepcional, de dividir algo importante, de mutualmente se
afastar do resto do mundo e rejeitar as normas em vigor retém sua mágica
além da duração do jogo original.”
Seja você um jovem nerd, seja um adulto feliz, esse tipo de experiência
pode ser profunda. É a razão pela qual tantas pessoas constroem suas
conexões sociais mais fortes com pessoas do próprio time ou membros de
uma campanha de D&D. Seus parceiros de jogos viram seu clã.
Compartilham suas experiências, sabem suas forças e fraquezas, e o ajudam
a protegê-lo de um mundo perigoso.

Eu sabia que estávamos encrencados assim que vi a pirâmide.


Os documentos arcaicos descreviam um oásis deserto, uma
cidade de fabulosas riquezas. Mas os vampiros destruíram a maioria
das cidades humanas durante o Anoitecer, então eu esperava
encontrar o oásis em ruínas. Em vez disso, alguém — ou algo —
manteve a cidade de pé e até a protegeu atrás de novos muros de
pedra. Ao longe, a pirâmide negra parecia imaculada e intacta;
dezenas de prédios altos se espalham a seu redor por quilômetros.
Não conseguimos notar nenhum movimento ou criaturas vivas na
área, mas deveria haver algo ali. Decidimos acampar mais ou menos
a 2 quilômetros da cidade e esperamos pela noite. Como Graeme é
pequeno e sorrateiro, ele se voluntariou para se aproximar e
explorar a cidade.
“Não se preocupem”, disse ele ao desaparecer no escuro.
“Ficarei longe de encrencas.”
Algumas horas depois, Graeme retornou.
“Vocês não vão gostar disso.” Ele sentou em cima de uma pilha
de pedregulhos e esfregou sua careca. “Eu mantive distância no
início, pelo menos uns 500 metros, e comecei a procurar por
entradas junto ao muro de pedra. Só existe uma, do lado oposto de
onde estamos. Mas está fechada e há guardas na muralha. É
possível que sejam humanos, mas estavam usando mantas com
capuzes negros, então não posso afirmar.”
Graeme continuou seu relato:
“Decidi então me aproximar. Eu tinha certeza de que não me
viram, mas, quando cheguei a 20 metros do portão, ouvi uma voz —
bem, não ouvi exatamente, meio que senti —, uma voz em minha
mente. Ela dizia: ‘Quem vem aí?’ Eu não sabia o que fazer, então um
dos guardas deu um passo para fora da muralha, em pleno ar, e não
caiu... Ele flutuou em direção ao chão. Então eu corri. Ele não me
seguiu e eu não ia voltar para olhar novamente.”
Não concordamos sobre o que deveríamos fazer. Já enfrentamos
criaturas com poderes psíquicos antes e sabíamos que éramos
relativamente impotentes diante de seus ataques; Jhaden carrega um
amuleto mágico que esconde seus pensamentos, mas o objeto só
protege a pessoa que o usa, não todos nós. Ele queria achar uma
parte não vigiada dos muros e explorar a cidade sozinho. Sugeri
mais precaução — eu poderia invocar uma criatura mágica, talvez
um hipogrifo, e fazê-la voar por cima da cidade para ter uma visão
melhor. Os mercadores só queriam nos calar e conseguir seus
tesouros.
Finalmente, Ganubi encerrou a discussão. “Ouçam, é simples”,
disse. “Quando o sol nascer, eu vou andar até lá e bater na porta.”

Jogos ajudam a fazer amigos. Eles certamente funcionaram para mim quando
eu era garoto. Mas isso não explica por que fiquei viciado em D&D — não
apenas uma, mas duas vezes. Jogos, em geral, sempre foram meu passatempo
preferido, o mais satisfatório, só que normalmente não fico obcecado com
jogos de tabuleiro ou videogames. Então por que D&D é tão unicamente
poderoso?
Acho que é algo cultural, em parte: em seu livro The Evolution of
Fantasy Role-Playing Games, o escritor Michael J. Tresca argumenta que os
jogos apelam para o sentimento de individualismo do americano — você
cria o próprio mundo, com seus valores e regras. Há um pouco do Destino
Manifesto4 na mistura: “A cultura americana possui certas nuances que são
únicas, sendo elas a noção do crescimento ilimitado dos negócios, o poder
de compras do consumidor e a economia. Em Dungeons & Dragons, essa
ideologia é verdadeira com a exploração das masmorras. Sempre há um
monstro com um tesouro em algum lugar próximo, uma nova área a ser
explorada, uma nova fronteira a ser conquistada.”5
Mas os jogos de fantasia são populares no mundo inteiro, não apenas em
seu local de nascimento. O verdadeiro apelo de D&D vai além de fronteiras
internacionais, classes ou credos: ele se conecta diretamente à estrutura de
nossa psique.
Como eles possuem uma forma narrativa, os RPGs frequentemente
evocam o monomito de Joseph Campbell, a clássica jornada do herói.
Campbell notou que a mesma base de histórias se repetia ao longo do tempo
e das culturas: “Um herói parte do mundo, da vida cotidiana, em direção a
uma região de magia sobrenatural; forças fabulosas são encontradas ali e
uma vitória decisiva é conquistada; o herói retorna de sua misteriosa
aventura com o poder de conceder dádivas a seus companheiros.”6 Ele
acreditava que as variações dessa história reaparecem o tempo todo porque
são originárias do subconsciente coletivo, as profundas estruturas da mente
que estão presentes em todos os seres humanos. Os exemplos clássicos da
jornada do herói são os mitos de Prometeu, Osíris e Moisés; a plateia
moderna consegue reconhecê-la em Star Wars, Matrix e Harry Potter.
Histórias que seguem a forma do monomito ressoam porque elas atingem
alguma coisa enterrada no subconsciente. Então imagine o que acontece
quando você não está observando ou lendo essa aventura — mas a
experimentando. É isso que D&D faz: não apenas conta uma história, mas te
coloca dentro dela. Você se torna “o herói de mil faces”.5 A experiência
penetra no âmago de seu corpo.
E ele também é terapêutico. Como os jogadores são participantes ativos
numa história, os role-playing games produzem os mesmos benefícios do
psicodrama, um método de tratamento psicológico que utiliza reconstituições
dramáticas para fornecer uma visão na vida de seus atores. “Vejo os RPGs
como uma oportunidade para as pessoas aprenderem um pouco sobre si
mesmas”,7 escreveu o médico Leonard H. Kanterman6 em uma edição de
1979 da revista Different Worlds, especializada em jogos. “Ao explorarem
as possibilidades de vários cursos de ação, mesmo a ponto de sistemas
morais diferentes, por meio da moderação ‘segura’ da fantasia, as pessoas
podem aprender quem são e por que pensam e agem de determinada
maneira.”
Os role-playing games fornecem uma chance para as pessoas trabalharem
diferentes aspectos das suas personalidades e ninguém precisa mais disso
que um adolescente. Acho que essa é a razão por ter passado tanto tempo da
minha infância viciado em D&D e jogos similares.
Claro, eu também era um nerdão, o que certamente contribuiu para a
atração. Algumas pesquisas sugerem que garotos inteligentes são levados a
jogos como Dungeons & Dragons por pura necessidade: em um estudo de
2011 sobre estudantes de ensino fundamental e médio, os pesquisadores
educacionais Gregory Harrison e James van Haneghan relataram que
crianças superdotadas sofrem com níveis mais altos de ansiedade, insônia e
medo da morte em comparação a seus colegas.8 Os pesquisadores também
descobriram que encorajar essas crianças a “se ocuparem com um jogo de
fantasia como Dungeons & Dragons” poderia ser uma terapia eficaz,
permitindo que eles resolvam seus problemas “de uma maneira estimulante e
divertida”.

Quando a manhã chegou, nos escondemos e observamos enquanto


Ganubi se aproximava dos portões da cidade. Ele foi sozinho,
usando o amuleto mágico de proteção, porque é o mais diplomático
— e charmoso — membro do grupo. Se as criaturas na cidade
fossem amigáveis, ele seria a melhor pessoa para fazer contato. Se
não fossem, ele é rápido e poderia correr como se não houvesse
amanhã.
Ele se aproximou dos portões e, como Graeme descreveu, parou a
20 metros das muralhas. Uma figura vestida de preto vagarosamente
desceu flutuando para saudá-lo. Eles ficaram parados, imóveis, por
algum tempo... Talvez conversando? Não sabíamos.
Alguns minutos se passaram. Jhaden nervosamente apalpou o
cabo da sua espada. Então os portões da cidade se abriram e
Ganubi e seu novo amigo entraram. Enquanto andava, ele nos
acenou sutilmente. Amigos, não inimigos.
Mesmo assim, eu não conseguia relaxar. As horas se passavam e
Ganubi não voltava. Enquanto nos escondíamos, torrando no sol do
deserto, eu e Graeme discutimos nossas opções para entrar na
cidade caso precisássemos resgatar nosso amigo. Jhaden dormia
profundamente.
Finalmente, quando a noite caiu, os portões se abriram e Ganubi
apareceu — sozinho e sorridente.

Jogadores de Dungeons & Dragons temem encarar criaturas com poderes


psíquicos — provavelmente porque elas devoram o que nós mais
valorizamos.
É óbvia a razão pela qual os jogadores de Dungeons & Dragons
valorizam o cérebro mais do que os músculos; afinal, D&D é um jogo
cerebral, jogado quase que inteiramente em sua cabeça e, como
estabelecido, o passatempo tende a atrair pessoas inteligentes. Mas a
conexão entre intelecto e RPGs é mais profunda do que a disposição do seu
público. Pessoas inteligentes jogam D&D porque D&D deixa as pessoas
mais inteligentes.
Se você acha que isso soa como uma desculpa para ficar viciado em
role-playing games, não está errado. Quando estava no ensino médio, me
convenci a não me sentir mal quando não era convidado para as festas dos
garotos populares, porque eu estava fazendo algo mais importante: “Claro,
eles podem beber e fazer sexo, mas, quando o apocalipse chegar, desejarão
ter passado mais tempo jogando RPG em cenários trágicos e aprendendo
estratégia de guerrilha urbana. Os zumbis irão devorar os almofadinhas,
enquanto os nerds estarão construindo fortificações. E, finalmente, teremos
as líderes de torcida apenas para nós.”
Claro que eu estava me iludindo,7 mas estava certo na parte que via o
potencial educativo do meu passatempo. Jogos como Dungeons & Dragons
exigem e encorajam os estudos; você precisa aprender as regras, mas
também precisa aprender perícias do mundo real para compreender as
fictícias — em particular, matemática, estatística e vocabulário. “Eu
gabaritei as provas orais para entrar na faculdade em parte por causa do
D&D”, Morgan me disse. “Uma das questões envolvia a palavra
‘galhardia’,8 e eu a conhecia porque aparecia em um dos meus livros de
D&D9, como uma habilidade opcional.”9
Morgan também conta que o D&D o ajudou em sua carreira na
publicidade. “O bom em ser um Mestre é que isso me força a improvisar”,
diz ele. “É impossível se planejar para todas as contingências. Então,
quando você me pergunta sobre um aspecto do mundo do qual não faço ideia,
preciso inventar algo. Me vi fazendo o mesmo tipo de coisa em reuniões de
negócios — percebendo que precisava inventar respostas rápidas, no calor
do momento, com base no plano de negócios que criamos. Agradeço a minha
experiência no D&D por isso.”
Eu sinto o mesmo. Todas as vezes em que precisei descobrir como
completar o objetivo de uma aventura, isso me ajudou a desenvolver
habilidades reais para resolver problemas; quando eu jogava com os amigos,
aprendia como colaborar com colegas no trabalho. E, à medida que as
partidas ficaram mais complexas, as lições também acompanharam essas
dificuldades: tive momentos na minha carreira em que fiquei sobrecarregado
pelo tamanho de um projeto, mas então me lembro da campanha de
Shadowrun na qual eu e Everett Meyer passamos meses aperfeiçoando um
plano para invadir e conquistar Seattle. Nenhuma matéria para uma revista
exige tanta dedicação.10
“Embarcar em uma aventura com seus amigos hoje em dia é uma
empreitada relativamente rigorosa, principalmente para jovens”, diz Jerry
Holkins, autor da webcomic Penny Arcade. “Você tem de dedicar
essencialmente de 3 a 4 horas para um discurso improvisado — sem contar o
tempo necessário para os cálculos, planejamento e para toda a narração. Há
muito trabalho a ser feito para sustentar todo um universo.
Holkins começou a jogar D&D regularmente quando era jovem, tentando,
inclusive, sem sucesso, fazer que seu amigo Mike Krahulik — um dos
artistas da webcomic — se interessasse pelo hobby. Mas nos anos seguintes,
depois de a webcomic virar febre entre os jogadores, a Wizards of the Coast
pagou aos dois homens para jogarem D&D como parte de uma campanha
publicitária. Resultado: Krahulik ficou instantaneamente viciado.
“Eu já havia jogado uma partida de Dungeons & Dragons, depois
comecei minha primeira tentativa como Mestre”, diz Krahulik. Suas partidas
— documentadas em uma série de postagens no blog oficial do Penny
Arcade — logo alcançaram níveis épicos de criatividade e esforço. Em uma
das sessões, ele arquitetou um quebra-cabeça que requeria que seus
jogadores guiassem suas miniaturas por um labirinto de luzes de laser. Em
outra, ele construiu e pintou uma série de “planetas” 3-D de poliestireno e os
jogadores tiveram de saltar com suas minis para lá e para cá por entre os
orbes enquanto “flutuavam” pelo espaço.
“Eu brinco com meus jogadores que a razão de jogarmos D&D é que eu
posso ir ao Michaels todo fim de semana comprar Styrofoam”, diz Krahulik.
“Algumas sessões eram megaelaboradas. Eu gastava um mês inteiro, pelo
menos, em cada uma de minhas partidas.”
Os educadores perceberam o benefício dos RPGs rapidamente; no auge do
D&D, Gygax foi convidado para palestrar em convenções e várias escolas
promoveram clubes do jogo como atividade extracurricular. Steve Roman,
um bibliotecário em DeKalb, no estado americano de Illinois, apresentou
por mais de uma década um programa sobre RPGs para jovens e viu os
benefícios em primeira mão. “Eu os usava como porta de entrada para
programas de leitura e debates literários”, conta ele. “Eu falava: ‘Se você
realmente gostou disso, tente ler O hobbit.’”
Roman conta que pode ser um desafio fazer com que crianças criadas
com videogames compreendam um jogo tão aberto quanto D&D e aceitem
ser possível fazer nele o que se deseja, sem as limitações de um conjunto de
interações pré-programadas. Mas quando elas entendem, amadurecem. “Elas
desafiam umas às outras”, diz ele. “As crianças se encorajam a ser criativas
dando o exemplo.”

Como ele costuma fazer, Ganubi descreveu sua aventura na cidade


do deserto com uma música improvisada.11

Way down through the mountains past the zombie scene


Way back up in the desert where the worms are mean
There stood a walled city where the fortune’s good
Graeme couldn’t get inside but Ganubi could
He never ever worried that it wouldn’t go well
Just walked up to the door like he was ringing a bell

Go go, Ganubi go go
Ganubi go go, Ganubi go go, Ganubi go go
Ganubi did good
The creatures that lived there spoke inside his head
But he had a magic necklace so he felt no dread
Oh, their skin was pink and slimy and their eyes were white
Tentacles round their mouth made them quite a fright
The creatures passing by would stop and say
They’d like to probe his mind, but he said no way

Go go, Ganubi go go
Ganubi go go, Ganubi go go, Ganubi go go
Ganubi did good

His new friend told him they had never seen a man
And took him to the leader of their monster band
The big boss welcomed him to the town

And said Ganubi’s friends could all come round


The humans won an ally in their vampire fight
’Cause Ganubi did good that night

Go go, Ganubi go go
Ganubi go go, Ganubi go go, Ganubi go go
Ganubi did good

As criaturas dessa cidade deserta — La Vegas, caso você ainda não tenha
percebido — eram uma variação criada por Morgan dos clássicos monstros
ilitides, ou Devoradores de Mentes. Geralmente, eles são seres malignos que
se alimentam de cérebros; no mundo de Morgan, eles eram amigáveis,
embora mostrassem um preocupante interesse em “saborear” os pensamentos
de Ganubi.
Como seu jogo se passa em uma Terra pós-apocalíptica, Morgan teve de
inventar uma maneira de povoar o mundo com criaturas habituais do D&D.
Sempre admirei sua solução: vampiros queriam transformar o mundo
inóspito para os humanos foragidos, enquanto eles liberaram um vírus
mágico que transformou a fauna e a flora. É um truque esperto que permite
usar personagens de D&D, mas os subverte de maneira interessante — como
se colocasse monstros leitores de mente nas ruas da Cidade do Pecado.12
É esse tipo de narrativa que me deixa viciado em Dungeons & Dragons, e
é isso que também atrai meus amigos. “O RPG me conquistou porque sempre
gostei de contar histórias”, diz Phil. “Antes mesmo do jardim da infância eu
já gostava de inventar coisas. Sempre me pegavam na mentira porque era
chato se eu falasse a verdade, mas minhas mentiras tinham elefantes em
debandada, um cometa na direção da Terra e, falando nisso, você não
percebeu que estamos no escuro há três dias?”
Phil diz que a natureza narrativa do jogo o atraiu, mas também reforçou
seus interesses; quanto mais ele e seus amigos jogavam, mais ele aprendia
sobre o que fazia uma história ser boa, então o jogo ficava melhor e melhor.
“Eles não o ensinam coisas como tensão crescente e terceiro ato até o ensino
médio. [...] Mas se você é [um jogador de RPG] estará familiarizado com os
termos, porque tem criado histórias, mesmo que não tenha sido formalmente
ensinado.”
Uma boa campanha de D&D é como uma pequena oficina de textos. O
escritor Neal Stephenson jogava D&D na faculdade e isso o ajudou a seguir
o caminho literário. “Acho que as duas coisas se encaixam naturalmente”,
diz ele. “Dungeons & Dragons é fundamentalmente um procedimento de
narrativa colaborativa. Você pode jogar de uma maneira mecânica, apenas
jogando os dados e consultando as regras. Mas os jogos que as pessoas
realmente apreciam são aqueles que têm uma narrativa legítima — estrutura
dramática, bons personagens, situações bacanas, reviravoltas no roteiro e um
mundo interessante. Os melhores Mestres são aqueles que possuem uma
trama honesta, talento na criação de mundos e são capazes de gerar uma
experiência divertida para os jogadores ao improvisar boas narrativas em
tempo real.”
Pendleton Ward, criador do desenho animado Hora da Aventura, diz que
o D&D o ajudou a desenvolver um estilo narrativo original. “Gosto de ver
personagens transitando em um mundo de fantasia de maneira realista”, diz
ele. “O que quero dizer é que se eu estivesse em uma masmorra cheia de
ouro, pararia e pegaria um pouco daquele ouro para mim. Então, quando
Finn e Jake [protagonistas do desenho] estão perseguindo uma trama por uma
masmorra cheia de tesouros, eu tento fazê-los parar e pegar um pouco,
mesmo que isso interrompa a história. Jake saqueia defuntos em um
episódio... Mas Finn diz que isso é errado.”

Depois de passar o dia com os ilitides, Ganubi ficou cansado de


percorrer a cidade. Ele nos falou que as criaturas não sabiam nada
sobre o tesouro enterrado embaixo da pirâmide porque era um local
sagrado. Disse que as passagens subterrâneas são proibidas e que
seria errado profanar um templo. Ressaltou que, se persistíssemos
com essa ideia, estaríamos roubando de amigos.
Ele foi voto vencido. Na manhã seguinte, eu e Jhaden entramos
na cidade e encontramos seu líder. Propus que acompanhássemos
um grupo de ilitides de volta a São Francisco, levando uma carroça
cheia de mantimentos para formar uma rota de comércio. Eles
aceitaram a oferta prontamente.
Enquanto isso, escondido por um feitiço de Invisibilidade e pelo
amuleto mágico, Ganubi esgueirou-se pela cidade sozinho. Ele
encontrou o caminho para o templo, passou pelos guardas e entrou
nas passagens subterrâneas proibidas em busca do tesouro
ancestral.
Quando nossa negociação foi concluída, eu e Jhaden retornamos
ao acampamento para compartilhar a notícia. Os mercadores não
ficaram impressionados. “Para o inferno com mantimentos”,
disseram eles. “Onde está seu amigo com o tesouro?”
A pergunta foi respondida na manhã seguinte, quando Ganubi
voltou. Ele estava de mãos vazias e os mercadores exigiram saber o
que havia encontrado.
“Nenhum tesouro”, disse. “Apenas pilhas e pilhas disto.” Ele
colocou as mãos no bolso e tirou um punhado de papéis velhos.
Eu peguei um pedaço. Era velho e quebradiço, mas eu ainda
podia ler as palavras em um de seus lados.

ESTA NOTA É MOEDA LEGAL PARA


TODAS AS DÍVIDAS, PÚBLICAS E PRIVADAS

CEM DÓLARES

Porcaria sem valor.

Morgan sabia que acabaríamos encontrando o “tesouro”, mas não sabia


como. E ele certamente não sabia que ficaríamos amigos dos ilitides ou que
agiríamos em nome da humanidade para estabelecer laços diplomáticos e um
comércio interespécies. Isso é o que mais amo nos RPGs — não por serem
sociais ou criativos, mas por combinarem as duas coisas de uma maneira
única. São histórias contadas por amigos.
“Quando explico para outras pessoas que nunca jogaram D&D, descrevo
o RPG como uma narração coletiva”, diz Morgan. “Eu desenho os rascunhos,
mas vocês preenchem os detalhes e, algumas vezes, criam novas tramas
secundárias que eu nem esperava. Adoro isso. Temos uma história muito
mais interessante dessa maneira.”
Sou viciado em séries de TV. Tenho livros preferidos que releio ano após
ano. Se eu assistir a um minuto de O poderoso chefão, tenho de ver o filme
todo. Mas sou apenas um espectador nessas histórias. Tais narrativas podem
refletir meus pensamentos e experiências, mas não são feitas a partir deles.
Poucas coisas podem competir com uma boa história que você ajudou a
construir. É por isso que sou viciado em RPGs — porque eles me apanham
no meu âmago.
“Acho que nos remete ao tempo em que homens da caverna sentavam em
torno da fogueira”, diz Morgan. “Somos uma espécie contadora de histórias.
Sentar com um grupo e contar uma história preenche um impulso primitivo. É
por isso que continuo jogando D&D.”

Notas:
1. Ainda bem que Kara era mais tolerante com minhas obsessões do que Lydie Sarazin-Levassor,
esposa de Duchamp, que esperou o marido dormir e colou as peças de seu xadrez no tabuleiro. Três
meses depois, eles se divorciaram.
2. “Da mesma forma que os Estados Unidos se revelam em um campo de beisebol, nos percursos do
golfe, nas pistas de corridas ou em torno de uma mesa de pôquer, grande parte de Bali se revela em
uma rinha de galos”, escreveu Clifford no ensaio intitulado “Um jogo absorvente: notas sobre a briga
de galos balinesa”. Hoje em dia é considerado um texto clássico da antropologia — e como poderia
não ser, com insinuações deliberadamente dúbias como: “Para uma pessoa que já tenha ido para Bali
por qualquer que seja o período, a identificação psicológica profunda dos homens balineses com seus
[cocks] galos é evidente.”? [O termo “cock” também pode significar membro sexual masculino. (N.
do T.)]
3. Se você alguma vez virou um tabuleiro com raiva por ter perdido ou dançou ridicularmente ao
celebrar uma vitória, você sabe bem sobre o que estou falando.
4. Doutrina em vigor nos Estados Unidos do século XIX que dizia que os colonos norte-americanos
estavam destinados pelo poder divino a conquistar novas terras. (N. do T.)
5. Título de outro livro de Campbell. (N. do T.)
6. Kanterman é especializado em clínica médica em Ohio e escreveu vários jogos, inclusive Starships &
Spacemen, de 1978, um dos primeiros RPGs de ficção científica.
7. Ainda acredito que os jogos de RPG me preparam para sobreviver ao apocalipse, mas com o tempo
aceitei o valor de saborear a companhia das líderes de torcida enquanto isso é possível.
8. Tradução livre da palavra comeliness, sinônimo incomum de “beleza”. (N. do T.)
9. “Galhardia reflete a atração física, delicadeza social e beleza pessoal do personagem. É usada para
determinar as reações iniciais ao personagem e os dotados de altos valores da habilidade podem
afetar a força de vontade e as ações dos outros. Enquanto o carisma lida especificamente com
liderança e interação entre os personagens, galhardia lida com atração e primeiras impressões.”
Advanced Dungeons & Dragons Unearth Arcana, p. 6.
10. Claro, fãs do jogo sempre foram conhecidos por exagerar no valor do passatempo. Há uma ótima
cena em um episódio de 1996 da série Arquivo X chamado “Do Espaço Sideral”. Nele, José Chung,
um escritor trabalhando em um livro sobre abduções alienígenas, entrevista Blaine Faulkner, um
homem que encontrou um defunto extraterrestre.
Chung: “Você não está nervoso por me contar tudo isso?”
Faulkner: “Bem, olha, eu não passei todos aqueles anos jogando Dungeons & Dragons para não
aprender algo sobre coragem.”
11. Cante ao som de “Johnny B. Goode”, de Chuck Berry.
12. Morgam nunca revelou a origem pré-viral dos Devoradores de Mentes, mas minha teoria é que são
a prole mutante de golfinhos que costumavam viver no hotel e cassino Mirage, em Las Vegas, e no
Siegfried and Roy’s Secret Garden. [Uma espécie de minizoológico batizado pela famosa dupla de
ilusionistas. (N. do T.)]
9
ARNESON VS. GYGAX

T
endo sido ele o causador ou não, Gary Gygax estava preparado para a
saída de David Arneson da TSR. Ele já tinha começado a trabalhar em
uma nova versão de Dungeons & Dragons — uma que não exigia a presença
do cocriador do jogo.
“Antes da impressão do terceiro suplemento (Eldritch Wizardry), foi
decidido que ocorreriam algumas mudanças drásticas para unificar e
esclarecer o sistema do D&D”, escreveu Gygax na The Dragon. “O trabalho
de organização já estava encaminhado quando houve a correspondência com
J. Eric Holmes [...] revelando que [ele] estava interessado em assumir o
primeiro estágio do projeto.”1
O dr. John Eric Holmes era neurologista, escritor e fã de Dungeons &
Dragons. Quando contatou a TSR com uma proposta para lapidar os
reconhecidamente confusos manuais de regras de D&D, Gygax estava
trabalhando na própria revisão deles. Mas, enquanto Gygax planejou
racionalizar o jogo ao adicionar mais estrutura e complexidade, Holmes
propôs o contrário: eles deveriam pegar tudo que foi publicado sobre o jogo
— três manuais, cinco suplementos e dezenas de artigos na The Strategic
Review e na The Dragon — e reduzir a um único e simplificado conjunto de
regras.
Gygax decidiu que os dois deveriam trabalhar em versões diferentes mas
complementares de Dungeons & Dragons. A missão de Holmes era
simplificar e reescrever as regras até ficarem acessíveis para jogadores
inexperientes, principalmente crianças; Gygax, por outro lado, trabalhava na
direção de um jogo maior e melhor, feito para jogadores experientes e
grognards radicais.
O jogo de Holmes foi concluído antes e lançado em julho de 1977. O
conjunto básico de Dungeons & Dragons vinha em uma atraente caixa,
perfeita para a exposição nas prateleiras das lojas de brinquedos: na capa,
uma ilustração colorida de um dragão furioso (desenhado pelo artista da
TSR, David Sutherland) chamava os compradores inclinados a gostar de
fantasia para um mundo de ação e aventura.
Na parte de dentro, havia um tesouro. Três livretos em lombada canoa —
um manual de 48 páginas, uma compilação de listas de monstros e tesouros,
e uma trama para iniciantes chamada In Search of the Unknown —
forneciam tudo que um grupo de novos jogadores precisariam para começar
o jogo. Um quarto livreto, Dungeon Geomorphs, consistia de mapas
preconcebidos feitos para serem cortados e usados em cenários originais
para as aventuras. E, pela primeira vez, um conjunto de D&D trazia as
ferramentas para o negócio — cinco dados poliédricos em um saquinho de
plástico.1
O Conjunto Básico, amplamente conhecido como a “Caixa Azul”, trouxe
a clareza necessária para Dungeons & Dragons. Em apenas 48 páginas, o
manual explica o conceito de interpretação de papéis, fornece instruções
para criar um personagem de uma das quatro classes (combatente, praticante
de magia, clérigo e ladrão), ensina os fundamentos de combates e
movimentação e demonstra como ganhar experiência e aprimorar um
personagem. Holmes usou uma linguagem bem simplificada e presumiu que
seu público não tinha experiência alguma em jogos de estratégia; estipulou o
preço em 9,5 dólares e, vendida em lojas fora do circuito especializado, a
Caixa Azul levou D&D para as massas. Ela foi para D&D o que Cálculo
para leigos foi para Princípios matemáticos da filosofia natural, de Isaac
Newton.
O que a Caixa Azul não fazia era ensinar aos jogadores como fazer os
personagens ultrapassarem o terceiro nível — isso foi deixado para a
metade de Gygax do projeto. “O ‘kit introdutório’ de D&D tem como foco os
novos jogadores, aquelas pessoas não iniciadas nas maravilhas dos role-
playing games de fantasia”, explicou Gygax na The Dragon. “Ele pode levá-
las tanto para o jogo original quanto para o novo e ainda incompleto
Advanced Dungeons & Dragons. [...] AD&D será um sistema melhor e mais
claro com o objetivo de aperfeiçoar a compreensão dos RPGs.”2 Os
jogadores precisavam acreditar em sua palavra, porque as novas regras de
Gygax não estavam nem perto da finalização.
Enquanto isso, os clientes mais valiosos da TSR — jogadores veteranos
de D&D que queriam regras melhores, e os novos jogadores que amaram a
Caixa Azul e estavam sedentos por mais — mal podiam esperar para ir às
compras, mas não havia nada novo no mercado.2 Os competidores então
correram para preencher o vácuo. O Chivalry & Sorcery, da Fantasy Games
Unlimited, manteve a tradição do “& e aliterações” iniciada em Tunnels &
Trolls, mas não seu senso de humor; as regras, escritas por Ed Simbalist e
Wilf Backhaus, enfatizavam os detalhes históricos e as complexas
simulações. Por outro lado, Melee, lançado pela Metagaming Concepts e
escrito pelo projetista americano Steve Jackson, era muito mais simples,
focando o combate corpo a corpo entre heróis e monstros. O fato de que
ambos os jogos pareciam muito com Dungeons & Dragons não era uma
coincidência, mas também não era uma imitação cínica; vários dos novos
jogos evoluíram de campanhas caseiras de D&D, já que os jogadores
mudavam as regras para refletir os próprios interesses.
Um dos ótimos jogos de 1977 obteve sucesso graças a um tipo diferente
de capa e espada. Em 25 de maio daquele ano, nerds de todo o país largaram
as mesas de jogos para ficar na fila do cinema a fim de assistir a Star Wars,
de George Lucas. O filme ficou em cartaz nos cinemas por mais de um ano e
começou uma mania espacial que ajudou a popularizar um novo RPG de
ficção científica. Traveller, da Game Designers, não foi o primeiro RPG do
gênero, mas era o mais completo e épico. Inspirado em contos de impérios
intergalácticos, como Fundação, de Isaac Asimov, o escritor Marc Miller
criou um jogo que fazia os jogadores se sentirem como se fossem Han Solo
ou Luke Skywalker. Um sistema de criação de personagens inovador ajudou
a atrair os jogadores: em vez de começar como aventureiros inexperientes,
quase inúteis, os novos personagens de Traveller passavam por um processo
de desenvolvimento biográfico complexo para determinar suas histórias,
grau de educação, escolhas profissionais e perícias. Isso ajudou os
jogadores a se identificarem com seus personagens e assegurou que eles
fossem capazes de realizar atos heroicos assim que se sentassem ao redor da
mesa. Traveller foi bem recebido e teve um rápido sucesso — até Gygax
precisou admitir que era “um jogo criativo” e “uma imitação com bom
esforço de imaginação”.3
Era possível que Gygax estivesse preocupado com uma ameaça menor,
porém mais pessoal: um novo material de Dave Arneson. Agora trabalhando
sozinho, Arneson assinou, no início de 1977, com uma pequena editora do
Texas para lançar o primeiro produto de D&D escrito por ele desde
Blackmoor. O Dungeonmaster’s Index anunciava sua ex-empreitada com
orgulho. A ilustração de capa retratava um personagem sorridente de capuz
verde acima de um campo de batalha, controlando magos e guerreiros como
marionetes, e o crédito “Por Dave Arneson [...] Coautor de Dungeons &
Dragons”. Arneson ainda possuía um pedaço da TSR e alguns direitos sobre
o jogo, mas não controlava os direitos de publicar novos conteúdos. O livro
de 38 páginas, portanto, é um pouco mais que um índice para produtos
existentes da TSR; ele listava vários monstros, feitiços, itens mágicos e
fornecia referências de páginas para The Strategic Review e os cinco livros
originais de D&D.
O segundo produto de Arneson era mais um ataque direto ao castelo da
TSR. A capa de The First Fantasy Campaign, publicada pela Judges Guild,
licenciada pela TSR, prometia “a história e os detalhes do RPG de fantasia
original” e convidava os leitores a “visitar o perigoso Ovo de Fulica, Loch
Gloomen e o mundo subterrâneo abaixo do castelo Blackmoor”. The First
Fantasy Campaign é baseado diretamente nas anotações de Arneson para
sua campanha Blackmoor — talvez as mesmas anotações usadas por Gary
Gygax para criar Dungeons & Dragons. Mas, enquanto Gygax pegou aquelas
ideias e lhes deu estrutura, organizando conceitos grosseiros em um sistema
de jogo e um produto vendável, Arneson as apresentou de forma crua, um
incentivo para inspirar Mestres a fazerem os próprios sistemas. Uma
pequena linha de texto na parte de baixo da capa era meio uma renúncia,
meio um grito de liberdade: “Sistema de jogo de fantasia não incluído.”
O livro continha mapas rascunhados, sem escalonamento, dos ambientes
de Blackmoor; fatos aleatórios sobre a população da área
(“aproximadamente mil peões, cem soldados e nobres, quatro magos ou
feiticeiros, um dragão, diversos trolls...”4) e recursos naturais (“a principal
pecuária consiste em um membro maior da família do bisão...”5); biografias
curtas dos personagens do jogo (incluindo o Cavaleiro Azul, um guerreiro
incapaz de remover sua armadura encantada); tabelas de valores (como o
custo para contratar uma equipe de funcionários para um castelo); e
descrições de pontos de interesse, como a taverna (“The Comeback Inn”
oferece bebidas e hospedagem pela metade do preço, mas sua porta é
mágica, então “quando você a deixa, começa a sentir vontade de retornar”).
The First Fantasy Campaign é rudimentar e aleatório, mas estranhamente
charmoso. É feito para ser um ponto de partida e traz muito sobre a filosofia
de Arneson, que enfatiza a inspiração, não a mercantilização. Ele também
deixa claro que Dungeons & Dragons nunca teria acontecido sem a ajuda de
Gygax — deixado por conta própria, Arneson publica anotações mais do que
jogos finalizados.
Surpreendentemente, a TSR deixou Arneson publicar The First Fantasy
Campaign e Dungeonmaster’s Index sem protestos — há alguma evidência
de que a empresa considerou mandar sua costumeira notificação
extrajudicial, mas, por razões desconhecidas, desistiu no meio do caminho.6
Os outros competidores não foram tão sortudos. O jogador californiano
Steve Perrin passou um ano inteiro compilando monstros de RPGs de várias
fontes, incluindo campanhas caseiras, revistas de jogos e manuais, quando
recebeu uma notificação da TSR. Mas, em vez de matar o projeto, Perrin
retirou os monstros da TSR e lançou All the Worlds’ Monsters pela
Chaosium Inc., uma pequena editora de Oakland. O bestiário não ganhou
muita atenção dos fãs, mas Perrin foi bem-sucedido em envergonhar Gygax a
ponto de tirá-lo da inércia: semanas depois de começarem as vendas de All
the Worlds’ Monsters, a TSR lançou seu primeiro livro de AD&D.
O Livro dos monstros de Advanced Dungeons & Dragons pode ter sido
um trabalho feito às pressas, mas sua qualidade é inegável. O volume de 108
páginas foi o primeiro livro de RPG publicado em capa dura; tinha uma
lombada costurada e era revestido pelo mesmo material quase indestrutível
dos cadernos dos anos 1970. Escrito inteiramente por Gygax, o manual
listava mais de 350 monstros dos cinco livros de D&D, de The Strategic
Review e de The Dragon; cada verbete incluía estatísticas para o uso no
jogo e uma descrição do comportamento e do hábitat das bestas.
O Beholder, um monstro “odioso, agressivo e avarento”,7 era descrito
como tendo um corpo esférico coberto por uma carapaça quitinosa: “Tem a
aparência de um enorme globo, ocupado, principalmente, por um grande olho
central e uma boca repleta de dentes. Possui, também, dez olhos menores, em
hastes que se ramificam a partir do topo da esfera.”3 As Panteras
Deslocadoras se assemelham a panteras comuns, mas têm tentáculos
cobertos por espinhos saindo de seus ombros; “A principal vantagem em
combate é o poder místico de deslocamento, que faz com que sua imagem
apareça a 1 metro de sua posição real. Qualquer criatura que ataque uma
Pantera Deslocadora terá uma penalidade de -2 em suas jogadas de ataque.”8
Os catoblepas são “alguns dos seres mais horríveis que existem”. Imagine
um grande búfalo com pernas curtas, um pescoço de girafa e a cabeça de um
javali. “Essa é uma criatura bizarra, assustadora, que habita pântanos e
charcos. Sua mais terrível característica são os grandes olhos injetados, de
onde emana um raio mortal.”9 O Cubo Gelatinoso percorre as masmorras,
um acúmulo de gelatina transparente que se move “absorvendo carniça e lixo
que encontra no caminho. Suas arestas cintilam, deixando uma trilha
gosmenta. Não escala paredes nem adere ao teto, mas alguns crescem o
suficiente para arrancar fungos e substâncias similares de lá”.10 E pobre de
quem encontrar um Monstro da Ferrugem nas profundezas de uma passagem
subterrânea escura: “Essas criaturas, embora pacíficas por natureza, quando
sentem a presença de objetos de metal, tornam-se agitadas e partem em
busca do seu alimento. Monstros da Ferrugem procuram metais ferrosos
como o próprio ferro, aço e ligas mágicas de aço.”11
O Livro dos monstros foi bem-sucedido não apenas como um suplemento
de jogo, mas elevou o manual de D&D a um objeto de fetiche. A composição
sólida deixou o livro mais durável e portátil, o tipo de coisa que a criançada
poderia guardar em qualquer lugar e levar aonde quisesse; e os verbetes de
Gygax e as ilustrações de David Trampier e Tom Wham deixaram-no
perfeito para se folhear a qualquer hora. O livro virou uma companhia
adorada por toda uma geração de jogadores, algo que eles consultavam o
tempo todo. A TSR, por fim, imprimiu 50 mil cópias do Livro dos monstros,
vendendo cada um por 9,95 dólares. Ao longo dos doze anos seguintes, a
empresa reimprimiu o livro quinze vezes. O Livro dos monstros enterrou o
All The Worlds’ Monsters e fez todo mundo na indústria de jogos se lembrar
que Gary Gygax era o cara.
É bem verdade que teve de lidar com um produto feito por um fã, mas
Gygax estava preparado para a guerra contra as hordas. Em uma coluna na
The Dragon, publicada em dezembro de 1977, ele desabafou em cima do
que via como um mar de inimigos batendo à sua porta:

Dizem que a imitação é a mais sincera forma de elogio e D&D tem


amplas razões para se sentir elogiado. [...] Um bom bocado de
indivíduos e firmas procuraram capitalizar em cima de um produto
bacana ao lançar material de ou para D&D. Outros parodiaram o jogo.
Para a maioria desses esforços, a TSR só reserva o desprezo. Por
dizer isso, às vezes somos vistos de maneira bastante injusta, mas
creio que é o esperado de pessoas descontentes impedidas de fazer
dinheiro fácil e rápido a partir de nosso trabalho — ou daquelas
pessoas responsáveis por imitações baratas cujo trabalho nós
legalmente rotulamos assim...
A TSR está bastante ansiosa para encarar uma competição.
Fundamos nossa empresa com pouco dinheiro, um monte de ideias e
nenhuma ajuda de fora. Nosso crescimento ocorreu porque fabricamos
produtos que os jogadores consideravam desejáveis, não porque
tivemos ajuda de qualquer outra pessoa ou, possivelmente, por abolir
o que estávamos fazendo ao ignorar tudo que já construímos. Esses
dias da TSR são muito importantes para serem ignorados, o D&D é
muito popular para ser passageiro. Sentimos que a competição irá
apenas aguçar nosso lado coletivo e, por causa disso, vamos produzir
produtos melhores que serão ainda mais famosos. De maneira alguma
desejamos abolir a competição justa e genuína...!
Eu não consigo resistir à analogia de um leão parado sobre sua
presa. Os abutres crocitam e os chacais uivam quando o felino os
afasta sem permitir que lhe roubem um pedaço de carne. Talvez uma
hiena consiga uma mordida, mas é tudo o que vai acontecer. Outros
leões podem caçar dentro da mesma horda e matar animais maiores,
mas essa é a lei da natureza. Perdoem-me, por favor, se acharem a
analogia de mau gosto. Do meu ponto de vista ela parece oportuna,
pois ouço muitos crocitos e uivos. A TSR era o leão que derrubou a
presa e temos a intenção de colher todas as vantagens disso. Se
dividirmos com alguém, será dentro de nossos termos. O caçador que
falha em derrubar sua presa termina, ele mesmo, morto.12

É uma poderosa reivindicação — e poderosamente irônica, considerando


que na mesma época em que publicou o ensaio a TSR navegava em águas
turbulentas por violar os direitos autorais de outras pessoas.
Apesar das similaridades entre a Terra-Média de O senhor dos anéis e
os mundos fantásticos de Dungeons & Dragons, Gygax sempre atestou que a
influência13 de J. R. R. Tolkien foi mínima, que teria sido diretamente
influenciado pelas histórias de Conan, de Robert E. Howard; os contos de
Fafhrd e the Gray Mouser, de Fritz Leiber; e outros escritores, como Poul
Anderson, L. Sprague de Camp e Michael Moorcock.4 “Os paralelos
aparentes e as inspirações são resultados de um esforço planejado para
capitalizar em cima da ‘moda’ pela literatura de Tolkien”, disse Gygax.
“Para atrair esses leitores [...] usei certos nomes e atributos de uma maneira
superficial, meramente para ganhar a atenção deles.”14
Superficiais ou não, eles atraíam atenção. Saul Zaentz, um poderoso
executivo da velha guarda de Hollywood que possuía os direitos dos
trabalhos de Tolkien, entrou com um processo contra a TSR alegando que
D&D usou indevidamente diversos termos protegidos, incluindo “dragão”,
“elfo” e “orc”. Ele também sentiu-se prejudicado por causa de um novo
produto da TSR, um jogo de estratégia chamado Battle of the Five Armies,
que simulava uma guerra épica entre goblins, humanos, elfos, wargs e anões
de O hobbit.5 Zaentz alegou que teve um prejuízo de quase meio milhão de
dólares.6 Embora Gygax geralmente ficasse feliz em debater a influência de
Tolkien, desta vez ele não argumentou. O caso foi decidido nos tribunais, a
TSR parou de vender Battle of the Five Armies e as edições seguintes de
D&D abandonaram algumas das palavras em debate. Portanto, “hobbit”
virou “halfling”, “ent” virou “treant” e “balrog” virou “demônio balor”.

Com os competidores ameaçados, processos arquivados e o Livro dos


monstros saindo das prateleiras mais rápido que um elemental do ar7
turbinado, a TSR estava crescendo vertiginosamente e precisava de mais
espaço. Então, na primavera de 1978, os editores da The Dragon assumiram
a casa na rua Williams e o resto da equipe se mudou para o centro, ocupando
o prédio de um ex-hotel, na esquina da Main com a Broad.
O Hotel Clair um dia foi um ponto turístico. Na década de 1920, quando
Lake Geneva era o destino de veraneio dos ricaços e famosos de Chicago,
ele era o tipo de local onde Al Capone e William Wrigley Jr. poderiam ter
dividido um drinque. Em 1978, o prédio estava caindo aos pedaços.
“Provavelmente deveria ter sido interditado”, conta Skip Williams, que
ajudou a levar a loja de jogos Dungeon para onde costumava ser o bar do
hotel, no primeiro andar. “O chão estava cedendo e em alguns lugares [...]
ele nem existia, ficava meio pendurado. Havia maravilhosos tetos em
alumínio que foram pintados com quatro ou cinco camadas de tinta por
alguém que não gostava do visual. Ficava descascando, então podíamos
sentar ali e atirar elásticos no teto para derrubar as placas de metal.”
No segundo e terceiro andares, os empregados foram jogados em
pequenos escritórios, em alguns casos com várias pessoas. Quando o
escritor e projetista de jogos Tracy Hickman começou a trabalhar na TSR, na
primavera de 1981, ele recebeu uma mesa no canto nordeste do prédio e
descobriu que a idade do lugar apresentava desafios únicos à produtividade.
“Uma hora, uma das principais vigas de apoio no lado norte do prédio
ficou completamente enferrujada. Eles substituíram a viga, mas quando
finalmente terminaram de encaixá-la o prédio cedeu para o norte, o que
significou que todos os andares superiores se inclinaram um pouco nesta
direção”, diz Hickman. “Eu tinha a tradicional cadeira de rodinhas de
escritório e, por causa da inclinação, eu sentava na cadeira e ela deslizava
na direção das janelas. Então peguei o hábito de encaixar meu pé ao redor da
perna da cadeira e plantar o dedão do meu pé direito contra o chão, para
impedir o deslizamento. Até hoje me vejo colocando o dedão atrás da perna
da minha cadeira só para me deixar no lugar, embora eu não esteja mais
evitando deslizar por um chão inclinado.”
Apesar da decrepitude, o Hotel Clair exalava exuberância. “Você via um
monte de jovens fazendo trabalho criativo e vários deles recém-formados”,
diz Skip Williams. Os funcionários brincavam com pistolas d’água,
aprontavam palhaçadas com brinquedos e saíam pelas janelas usando a
escada de incêndio para ficar na cobertura. “Alguém, certa vez, atravessou o
teto do prédio porque estavam fazendo bagunça na cobertura”, conta.
Enquanto se divertiam, os funcionários da TSR também foram capazes de
lançar diversos jogos novos. No início de 1978, a empresa apresentou seu
primeiro módulo de aventuras (Steading of the Hill Giant Chief) e duas
continuações (Glacial Rift of the Frost Giant Jarl e Hall of the Fire Giant
King). Diferentemente de The Temple of the Frog, a trama mais abrangente
que apareceu no suplemento de Blackmoor, esses três módulos forneciam
histórias bem amarradas, com cenário e motivações para os Mestres:

Gigantes têm invadido as terras dos homens em grandes e variados


bandos para saquear. Morte e destruição amaldiçoaram todos os
lugares visitados por esses monstros. Tal fato causou grande ira entre
os nobres [...] Portanto, um grupo dos mais bravos e poderosos
aventureiros foi reunido para atacar esses gigantes patifes. Os
aventureiros devem mandar um recado e dar uma lição ao clã dos
gigantes da colina mais próxima, senão podem colocar suas cabeças
na pedra para sentir o machado do carrasco!15
Gygax escreveu a trilogia assim que terminou o Livro dos monstros e
queria um descanso dos manuais. A história é cheia de intensos detalhes e
descrições que tornavam as aventuras mais vívidas para os jogadores.8 No
final daquele ano, ele deixou o AD&D novamente de lado para escrever uma
nova trilogia: Descent into the Depths of the Earth, Shrine of the Kuo-Toa e
Vault of the Drow, a qual leva os jogadores ao confronto contra as forças
por trás dos gigantes furiosos — elfos subterrâneos malignos chamados
Drow. Esses módulos são abertos, mais dedicados à exploração, mas
igualmente atraentes. Em 1986, a TSR lançou um único “supermódulo”
chamado Queen of the Spiders, com todas as seis aventuras juntas de Queen
of the Demonweb Pits, o grande final originalmente publicado em 1980;
muitos jogadores a consideram a maior aventura de D&D de todos os
tempos.
Outro módulo publicado em 1978, Tomb of Horrors, tinha uma reputação
mais sombria: o jogo mais mortífero já escrito. Originalmente criada por
Gygax para a primeira Origins Game Fair, uma convenção de jogos
organizada em junho de 1975, em Baltimore, Maryland, a aventura foi feita
para desafiar jogadores hardcore, colocando seus exageradamente
poderosos personagens de D&D à prova — justamente na esperança de
matar todos. Gygax leva os involuntários personagens à tumba do feiticeiro
maligno Acererak com promessas de “ricos tesouros, tanto valiosos quanto
mágicos”, mas então descarrega uma série de quebra-cabeças complicados e
armadilhas torturantes — como um corredor em que o chão inteiro está
equilibrado sobre uma espécie de plataforma móvel: basta o jogador pisar
para que tudo vire de ponta-cabeça e ele seja atirado em um poço de lava
derretida. Poucos sobrevivem o suficiente para coletar qualquer tesouro e
menos ainda conseguem encontrar o caminho de volta através do labirinto
mortal com seus saques. Certa vez, o pessoal do meu grupo de D&D decidiu
dar um tempo do Mundo Vampírico e passou algumas sessões testando nossa
coragem contra a tumba; nenhum jogador sequer saiu dela vivo. Ryan morreu
no primeiro corredor da tumba, quando pulou em um buraco que achava
levar às profundezas da construção — mas encontrou uma Esfera da
Aniquilação.9

No verão de 1978, a TSR tinha dezoito funcionários em tempo integral,


dezenas de produtos bem-sucedidos e pelo menos 100 mil fãs devotos dos
seus jogos ao redor do mundo. Uma pesquisa publicada na edição de junho
do Judges Guild Journal indicava que os fãs comuns de RPG eram
estudantes homens de 21 anos10 com tempo livre para jogos e uma renda
mensal descartável, como as estatísticas sugerem.
Finalmente, bem a tempo da Gen Con XI, em agosto, a TSR entregou uma
nova edição de Dungeons & Dragons. Apesar de o Livro dos monstros ter
sido o primeiro a carregar a marca AD&D, ele apenas coletava descrições
de criaturas e não entregava muita coisa a respeito de regras novas e
revistas. Por outro lado, o Livro do jogador de Advanced Dungeons &
Dragons oferecia 128 páginas de instruções detalhadas. Gygax não apenas
revisou o D&D — ele o reescreveu e o expandiu, transformando-o em um
novo jogo.
Claro, o núcleo dele era familiar. O AD&D preservou todas as coisas
boas das regras e dos suplementos originais do D&D: os personagens tinham
as mesmas categorias de habilidade (força, inteligência, sabedoria,
constituição, destreza e carisma) e ainda eram distribuídos em poucas
profissões básicas. Mas, enquanto o livreto original Homens e magia
dedicava menos de mil palavras para descrever as principais classes do
jogo (combatentes, praticantes de magia e clérigos), o Livro do jogador
separava mais de 15 mil palavras para cinco classes centrais (clérigo,
guerreiro, praticante de magia, ladrão e monge) e cinco subclasses (druida,
paladino, ranger, ilusionista e assassino). Cada uma delas era descrita em
detalhes: clérigos, por exemplo, agora precisavam manter relação com uma
divindade específica, carregando seu símbolo sagrado, mostrando devoção
por meio de orações diárias e comportando-se de maneira a agradar aquele
deus. Se falhasse em cumprir essas obrigações, eles poderiam ter a
habilidade mágica revogada, já que os poderes de um clérigo são conferidos
em troca de “orações e atos de dedicação”.16
O Livro do jogador era bem focado na criação de personagens,
oferecendo diversos detalhes e várias oportunidades para a personalização
deles. Além das dez classes centrais, os jogadores poderiam escolher entre
sete “raças” jogáveis — anão, elfo, gnomo, halfling, humano, meio-elfo e
meio-orc. Eles escolhiam uma das nove tendências (justa, ordeira, vil,
egoísta, bondosa, neutra, honrada, inconstante e cruel) que forneciam o
código moral dos personagens.11 Eles também determinavam quais idiomas o
personagem poderia falar (de uma lista que incluía homens-lagarto, duendes,
kobolds e orcs) e qual equipamento carregaria. O manual descreve um
sistema monetário (mil peças de cobre = 100 peças de prata = 10 peças de
electrum = 5 peças de ouro = 1 peça de platina) e fornece longas listas de
equipamentos para tornar cada herói único (botas de montaria custam 3
peças de ouro e uma aljava, 8 peças de platina).
Por causa de todos os detalhes, o Livro do jogador não passa muito
tempo descrevendo como o jogo funciona; o livro cobre apenas o que o
jogador precisa saber para começar, como se movimentar e lutar. Gygax
escondeu boa parte do seu trabalho interno atrás de uma cortina, prometendo
as novas regras no vindouro Livro do mestre. Até esse livro ser publicado,
os Mestres precisariam improvisar com base no que pincelaram do Livro do
jogador ou voltando ao kit original do D&D.
Uma coisa ficou clara com as novas regras: o kit introdutório não levava
ao Advanced Dungeons & Dragons. Elas eram duas experiências diferentes,
universos paralelos; AD&D era o próprio jogo desde o primeiro nível. Em
pouco tempo, os jogadores mais experientes olhariam com ar arrogante para
a Caixa Azul: o conjunto básico era para crianças, AD&D era para homens.
O AD&D também era o jogo de Gygax, do começo ao fim. Ele é
creditado como único autor na capa e na folha de rosto; Dave Arneson só
recebe um agradecimento no prefácio, junto com outros vinte amigos,
familiares e membros da TSR. Gygax até mesmo aparece no livro. A
ilustração da capa protetora, de Dave Trampier, mostra um grupo de
aventureiros saqueando um templo dominado pela estátua de um demônio de
chifres: “Existe um paspalhão na contracapa”, admitiu Gygax, mais tarde.
“Ele guarda uma certa semelhança com esse que vos escreve.”17
O Livro do jogador foi outro grande sucesso — a TSR vendeu 10 mil
cópias nos primeiros três meses de lançamento.18 Esse tipo de sucesso
começou a atrair atenção de pessoas de fora do mundo dos jogos. Em 29 de
novembro de 1978, o jornal canadense The Globe and Mail publicou um dos
maiores artigos sobre D&D até então na grande mídia: “Dungeons &
Dragons: Um Jogo do Underground Prestes a Emergir” apresentava
entrevistas com jogadores de D&D em uma loja de jogos em Toronto
chamada Mr. Gameway’s Ark e dizia que o jogo “inspira o tipo de devoção
fanática geralmente associada a cultos religiosos que fazem lavagem
cerebral”.19 Shelley Swallow, uma freguesa da Mr. Gameway’s, descreveu o
alcance crescente do jogo como “impressionante” e afirmou que a loja
vendia 25 conjuntos por semana — duas vezes mais que Scrabble.
Gygax, que não tinha vergonha de uma boa publicidade, também foi
entrevistado pelo jornal, que o descreve como “o J. R. R. Tolkien do mundo
dos jogos” e “o inventor de Dungeons & Dragons”.20 O cocriador Dave
Arneson foi citado apenas entre parênteses e teve o nome escrito errado: “O
ingrediente mágico, o labirinto, foi tomado emprestado de outro projetista,
Dave Arnuson.”
Pelo menos ele foi mencionado. O nome de Arneson não apareceu de
modo algum no Livro do mestre, quando finalmente foi lançado, no inverno
de 1979. No seu prefácio, Gygax oferece “uma lista, em ordem alfabética, de
todas as pessoas que, de alguma maneira, contribuíram para a criação deste
trabalho”; os 29 nomes incluíam seus jogadores, funcionários e até o escritor
Jack Vance, cujas histórias de fantasia inspiraram as regras de conjuração de
feitiços em AD&D. De alguma maneira, o cocriador de D&D não teve o
nome citado na edição final.
Ainda assim, não há como negar a conquista única de Gygax. O Livro do
mestre é um trabalho hercúleo escrito totalmente pelo próprio — 240
páginas de regras e tabelas guiando o Meste de Jogo em quase todas as
situações imagináveis. Há um capítulo discutindo como lidar com o
envelhecimento e a morte do personagem, instruções para quando os
jogadores quiserem desenvolver novas magias e até mesmo uma tabela
especificando o tempo que se leva para explodir túneis através de diferentes
tipos de pedras. Se seus jogadores consideraram fazer algo, Gygax
providenciou regras para isso. O Livro do mestre é tão compreensível que
nenhum jogo, existente ou futuro, chegou ou chegará perto de sua qualidade.
“Apenas os críticos mais exigentes poderiam apontar uma pequena
omissão, imagine uma grande”, escreveu o jornalista especializado Don
Turnbull, da revista britânica White Dwarf, sobre o Livro do mestre. “No
fim, enviado para fazer a crítica de algo sobre o qual não farei justiça, tudo
que posso dizer é: você tem condições de viver sem o livro?”21
A publicação do Livro do mestre foi repleta de problemas técnicos no
início: todas as 40 mil cópias da primeira tiragem sofreram um recall porque
foram impressas erroneamente com dezesseis páginas do Livro dos
monstros; 20 mil livros da segunda tiragem foram estragados por causa de
um arame solto na máquina de empacotamento e as capas precisaram ser
trocadas. Mas o livro já era um sucesso crítico e comercial. “Nosso outrora
solitário passatempo chegou com tudo”, exaltou Tim Kask na edição de
março de 1980 da The Dragon. “As vendas do Livro do mestre de Advanced
Dungeons & Dragons confirmam isso; é o livro de jogos mais vendido de
todos os tempos.”22
Em todos os lugares da revista, Gygax compartilhava a celebração: “A
jornada do desenvolvimento da TSR Hobbies tem sido mais ou menos como
uma campanha de D&D. Quando finalizamos nosso primeiro ano fiscal, em
1975, éramos um pouco parecidos com um grupo de personagens com os
níveis mais baixos, com lucros de venda girando em torno de 50 mil dólares.
No ano seguinte, tivemos uma experiência excelente, alcançando os 300 mil
dólares, e, em 1977, dobramos para 600 mil. A TSR não dobrou esse valor
no ano fiscal de 1978, terminando com lucros próximos a 1 milhão de
dólares, mas fomos um pouco melhores em 1979, alcançando lucros acima
de 2 milhões de dólares. Da maneira que 1980 se mostra, não há razão para
duvidar que nós no mínimo vamos dobrar de tamanho novamente. É possível
que nos tornemos a maior empresa de jogos de passatempos em 1982 — e
preparados para começar a mirar grandes produtores de jogos como Milton
Bradley e os Parker Brothers.”23
Nos quatro anos desde que a Tactical Studies Rules virou a TSR
Hobbies, os lucros da companhia subiram 4.000%. Pelos cálculos de Gygax,
500 mil pessoas ao redor do mundo estavam jogando D&D e apresentando-o
aos amigos e familiares todos os dias. D&D estava competindo com Banco
Imobiliário e Scrabble, não com Bunnies & Burrows. O jogo era
praticamente uma licença para ganhar dinheiro.
Nada disso escapou da atenção de Dave Arneson.
Em abril de 1975, quando a Tactical Studies Rules vendia apenas 2 mil
dólares em produtos por mês, Dave Arneson e Gary Gygax assinaram um
contrato dando à empresa os direitos sobre Dungeons & Dragons. Em troca,
a TSR concordou em pagar royalties para cada cópia vendida — um total de
10% do preço de capa, dividido igualmente entre os dois homens.
Quando você está vendendo apenas duzentas cópias por mês, 5% de um
jogo de 10 dólares não é muito dinheiro.12 Mas D&D cresceu tão rápido que,
quando Arneson deixou a TSR, um ano e meio depois, seus royalties giravam
em torno de mil dólares por mês.
Arneson continuou a receber os seus 5% depois de ter deixado a empresa
e, durante anos, os cheques continuaram a crescer. Mas, no outono de 1977,
ele notou que seu pagamento tinha sido menor que o esperado. A TSR havia
começado a vender o kit introdutório e era um sucesso, mas a empresa não
estava lhe pagando os royalties destas vendas. Ele protestou, mas as
reclamações não foram ouvidas. Então a TSR publicou o Livro dos monstros
e, em seguida, o Livro do jogador, também negando o pagamento por esses
manuais. Ela afirmava que o kit introdutório e o Advanced Dungeons &
Dragons eram jogos novos e não faziam parte do acordo de 1975, ou seja, a
TSR não lhe devia dinheiro algum de royalty.
Em 22 de fevereiro de 1979, Arneson entrou com um processo contra
Gygax e a TSR na corte distrital de Minneapolis, acusando ambos de
violação do contrato de direitos autorais. Ele alegava que a TSR tinha
publicado jogos que eram copiados e derivados do D&D, portanto ele
deveria ser pago e creditado como autor deles. O processo também dizia que
a TSR apresentou falsamente o Livro dos monstros e o Livro do jogador
como trabalhos solo de Gygax porque não queria pagar os direitos de
Arneson — e, como ele teve seus “valiosos direitos comerciais e
artísticos”24 negados como autor de Dungeons & Dragons, sua reputação foi
irrevogavelmente danificada. Arneson exigia 100 mil dólares em danos e
pediu à corte para obrigar a TSR a deixar de publicar qualquer livro de
D&D a menos que o listasse como coautor.
Na construção da defesa, Gygax e a TSR alegaram que os livros nada
tinham a ver com Dave Arneson. “Advanced Dungeons & Dragons é um jogo
diferente”, escreveu Gygax em sua coluna da edição de junho de 1979 da
The Dragon. “Não é uma expansão nem uma revisão do velho jogo, mas um
diferente [...] É preciso que todos os fãs de jogos de aventura estejam cientes
que há tanta similaridade (talvez ainda menor) entre D&D e AD&D quanto
entre D&D e seus vários imitadores produzidos por editoras
concorrentes.”25
Somado ao argumento da criação independente, a defesa também tentou
fazer o caso ser rejeitado por causa de um aspecto técnico: Arneson entrou
com a ação em Minnesota, então a TSR, localizada em Wisconsin, alegou
que o tribunal não tinha jurisdição. Mas o juiz do caso negou o pedido,
apontando que a TSR vendeu produtos no montante de quase 12 mil dólares
para fregueses de Minnesota. A contenda estava pronta para ir a julgamento.
Mas antes que isso pudesse acontecer, Arneson, Gygax e a TSR entraram
em acordo. Em 6 de março de 1981, eles combinaram que Arneson receberia
2,5% de royalties pelas vendas de todos os três manuais de AD&D,
respeitando um teto de 1,2 milhão de dólares, e por “qualquer edição
revisada ou traduzida em outra língua”.26 Arneson não conseguiu crédito de
autor em nenhum dos livros, mas o acordo era muito bom: somente no
terceiro trimestre de 1982, ele recebeu 60.236,68 dólares em royalties.
A tranquilidade não durou muito. Em 1983, a TSR publicou a segunda
edição do Livro dos monstros, a sequência do contestado bestiário. Em
aparente respeito a “qualquer edição revisada” do acordo, a empresa
concedeu a Arneson sua fatia de 2,5% nas vendas — e pagou royalties no
montante de 108.703,50 dólares no primeiro ano da publicação.
Então os cheques pararam de chegar. Em 2 de novembro de 1984, a TSR
mandou uma carta para Arneson dizendo que os pagamentos tinham sido um
engano, porque a segunda edição do Livro dos monstros não era uma
“edição revisada”, e como ele havia recebido pela publicação, a empresa
tiraria a diferença de seus futuros royalties referentes a outros livros.
Arneson entrou com outro processo, alegando quebra no acordo e nos
royalties. A Ação Civil n. 4-84-1180 argumentava que a segunda edição do
Livro dos monstros tinha essencialmente o mesmo conteúdo do livro
anterior, portanto estava coberta pelo acordo — e mesmo se não estivesse, a
TSR não tinha direitos legais de cortar seus futuros rendimentos para
corrigir o próprio erro. Em 1985, a corte decidiu a favor de Arneson e ele
pôde manter o dinheiro.
Nas três décadas seguintes à sua saída da empresa, Arneson entrou com
cinco diferentes processos contra a TSR e, mesmo com quase todos os
detalhes e acordos mantidos em sigilo, está claro que ele ganhou bastante
dinheiro com Dungeons & Dragons. Mais tarde, fundou sua companhia de
jogos, a Adventure Games, e uma empresa de jogos para computadores,
chamada 4D Interactive Systems; também investiu muito dinheiro em
empresas de jogos de outras pessoas, nunca recebendo muito em troca,
apenas a satisfação de fazer bons produtos.
Mesmo assim, a relação entre Gygax e Arneson nunca mais foi a mesma.
“Não nos odiamos”, disse Arneson em 2004. “Não saímos juntos com
frequência. Apenas andamos por caminhos separados.”27

Notas:
1. A TSR rapidamente esgotou o estoque do fornecedor de dados poliédricos baratos inclusos em cada
caixa e precisou ir diretamente ao fabricante chinês. Por causa disso, a quinta e sexta edições do kit
introdutório, ambas lançadas em 1979, vieram com duas folhas de peças numeradas impressas em
papel perfurado em vez dos dados.
2. O argumento de Gygax afirmando que a Caixa Azul levaria os novos jogadores de volta ao D&D
original fazia tanto sentido quanto a Microsoft falar que os fãs do game Halo 4 deveriam comprar
River Raid enquanto esperavam pelo próximo lançamento da série. Enquanto a TSR continuava a
vender o conjunto original — em uma caixa branca marcada como “Edição Original de
Colecionador” — até o fim da década de 1970, é bastante improvável que os jogadores tenham saído
da Caixa Azul para a Branca.
3. “Cada um dos olhos do Beholder, inclusive o central, tem uma função diferente [...] 1. Enfeitiçar
Pessoa; 2. Enfeitiçar Monstro; 3. Sono; 4. Telecinésia; 5. Carne em Pedra; 6. Desintegrar; 7. Medo;
8. Lentidão; 9. Causar Ferimentos Graves; 10. Raio da Morte; 11. Raio Antimagia.” Livro dos
monstros de Advanced Dungeons & Dragons, 2ª ed., p. 21.
4. Gygax admitiu que ele “saboreou totalmente” O hobbit, mas reassegurou que não gostou da trilogia
O senhor dos anéis: “Gandalf é quase ineficaz, empunhando uma espada de vez em quando e
conjurando feitiços de pouco poder... [Tolkien] larga Tom Bombadil, meu personagem favorito, como
um saco de babatas proverbial. [...] O perverso Sauron é pobre em desenvolvimento, praticamente
despersonalizado e, no fim, explode como uma nuvem de fumaça maligna... Puf!”
5. A Batalha dos Cinco Exércitos é um dos capítulos do livro e seu clímax. (N. do T.)
6. Saul Zaentz possuía os direitos de vários trabalhos criativos que não criou e frequentemente entrava
em litígio para protegê-los: em 2011, sua empresa processou um pequeno pub em Southampton, na
Inglaterra, que operava havia vinte anos como O hobbit. John Fogerty, líder do Creedence
Clearwater Revival escreveu a música “Zanz Kant Danz” supostamente sobre Zaentz, depois de
uma batalha jurídica pelos direitos das músicas do grupo; o refrão da canção é “Zanz can’t dance,
but he’ll steal your money / Watch him or he’ll rob you blind”. [Zanz não sabe dançar, mas ele
roubará seu dinheiro / Vigie-o, senão te roubará sem pena.] Depois que Zaentz o processou, Fogerty
mudou o nome do personagem nas letras e no título para “Vanz”.
7. [Elementais] são criaturas fortes, mas estúpidas, cujo corpo é composto de um dos quatro elementos
básicos que formam o plano Material Primário — ar, terra, fogo ou água. O mais temível poder de
um elemental do ar é a sua habilidade de se transformar num tufão, sempre que recebe ordens para
tanto. Esse redemoinho dura uma rodada de combate, sai girando, mata todas as criaturas com
menos de 3 dados de vida dentro da área do cone e causa 2–16 pontos de danos nas criaturas que
não forem mortas imediatamente.” Livro dos monstros de Advanced Dungeons & Dragons, 2ª
ed., p. 99.
8. “Coberto por uma enorme massa de cabelo amarelado que parece uma peruca desgrenhada, o rosto
da rainha Frupy é uma massa de papada e rugas, situada no meio de uma grande cabeça que fica
diretamente sobre seus ombros. O corpo dela é irregular e bruto, e sua pele é coberta com cerdas da
cor de seu cabelo.” Against The Giants, p. 18.
9. Uma Esfera da Aniquilação é um globo completamente negro, uma bola de vácuo com 60
centímetros de diâmetro. Uma esfera é, na verdade, uma interrupção na continuidade do multiverso,
um buraco negro. Qualquer coisa que entre em contato com a esfera é imediatamente sugada para
dentro desse buraco negro e desaparece, sendo completamente destruída — mesmo Desejo e
magias parecidas não surtem efeito.” Livro do jogador de Advanced Dungeons & Dragons, p.
242.
10. Apenas 2,3% das pessoas que responderam a pesquisa eram mulheres. Apesar do passatempo
ainda ser dominado pelos homens, isso está mudando rapidamente — como veremos mais à frente.
11. Falando de forma geral, personagens ordeiros seguem algum tipo de autoridade, enquanto os
inconstantes apenas a própria consciência e os neutros evitam posições extremas. Você poderia
argumentar que, na trilogia original de Star Wars, Darth Vader é vil; Luke Skywalker é justo; Han
Solo começa inconstante, mas termina a trilogia bondoso. Debater a tendência dos personagens em
séries de TV, livros e filmes é um dos passatempos preferidos dos nerds e um meme da internet —
eu vi pessoas desconstruírem o elenco de tudo, de Game of Thrones a Downton Abbey. Violet, a
condessa viúva de Grantham, aparentemente é ordeira.
12. Isso dá 100 dólares em direitos autorais, mas alguns de vocês já sabiam disso, porque pararam para
fazer as contas antes mesmo de chegar a esta nota de rodapé. Um nerd de verdade acha equações
não resolvidas irresistíveis — elas são como presentes de aniversário embrulhados.
10
O PÂNICO SATÂNICO

O
s especialistas em abuso de substâncias algumas vezes descrevem o
vício em forma de quatro estágios. Meu hábito de jogar D&D progrediu
da mesma maneira. Quando me juntei à campanha do Mundo Vampírico de
Morgan, eu estava apenas na Experimentação (“ela pode ocorrer uma ou
diversas vezes como uma maneira de ‘se divertir’ ou ajudar o indivíduo a
lidar com um problema”1), mas o troço era tão bom que avancei para o Uso
Regular. Quando nossos personagens começaram a jornada para Las Vegas,
passei para o Uso Arriscado (“ânsia e preocupação”); depois do encontro
com os ilitides e da captura do tesouro da pirâmide, eu estava afogado em
Dependência (“uso compulsivo [...] apesar de severas consequências
negativas para os relacionamentos dele ou dela, saúdes mental e física,
finanças pessoais, estabilidade no emprego”).
Eu poderia marcar toda a lista: Consequências negativas para os
relacionamentos? Eu via meus parceiros de D&D toda semana, mas
negligenciei todos os outros amigos. Saúdes física e mental? Esqueça os 15
quilos, D&D me deu 30. Finanças pessoais? Gastei uma pequena fortuna
comprando manuais raros no eBay. Estabilidade no emprego? Em vez de
terminar matérias para a revista, eu passava dias navegando por fóruns on-
line de RPG em busca de discussões interessantes (“Se você pudesse levar
apenas três livros de RPG para uma ilha deserta, quais seriam?”).
Um dos meus fóruns preferidos era o da parte de notícias sociais do site
Reddit. Em abril de 2011, alguns dos usuários do Reddit organizaram um
amigo-oculto — uma dessas trocas de presentes em que você aleatoriamente
pega o nome de uma pessoa e precisa mandar a lembrança de forma
anônima. Como essa troca era feita on-line, os participantes pegavam
estranhos — alguém escolhido da base de usuários do site e não apenas do
fórum de RPG — e precisavam adivinhar qual presente dar de acordo com o
que o estranho escreveu no site. Aquilo pareceu uma boa distração do D&D,
então me inscrevi.

Peguei o nome de uma estudante de 20 e poucos anos do norte do estado de


Nova York. Logo vi que ela gostava de ler e estava estudando para ser
arqueóloga — informação mais que suficiente para escolher um presente.
Mas escavei mais em seu histórico de comentários, procurando por algo a
mais... e encontrei. Uma postagem única, feita há mais de um ano, em que ela
mencionava que havia jogado RPG com alguns amigos.
Era tudo que eu precisava ler. Pedi certos materiais e quando eles
chegaram abri minha caixa de ferramentas e meu equipamento de jogo.
Depois de alguns buracos precisos de furadeira, amarrei um dado púrpura de
vinte lados em uma corrente de prata e emendei fechos de joias em cada
ponta. Não era o colar mais feio que vi na vida, mas definitivamente era o
mais nerd. Com um sorriso de satisfação, eu o mostrei para minha esposa.
Kara me lançou um olhar que fica entre a galhofa e a pena. Quando falei
que também iria fazer um colar para ela, a reação foi bem menos animadora.
Minha triste experiência com o design de joias não foi a primeira vez que
alguém tentou canalizar o entusiasmo por RPGs e transformá-lo em produtos
inovadores. Uma pequena licenciada da TSR chamada Troubador Press
cruzou essa barreira em 1979, quando publicou o Livro de colorir oficial de
Advanced Dungeons & Dragons; nos anos seguintes, outras empresas
lançaram uma grande quantidade de itens ligados a D&D, como lancheiras,
cangas de praia e bonequinhos.
Pode parecer bobagem, mas, naquele tempo, as palavras “Dungeons &
Dragons” podiam vender qualquer produto. Até mesmo os grandes
competidores da TSR sabiam que isso tinha valor: em 1980, a empresa
firmou parceria com a Mattel para lançar o jogo Dungeons & Dragons
Computer Labyrinth, que consistia em jogadores movendo um herói de metal
por um labirinto de plástico moldado. Um sensor eletrônico (o “computador”
do título) buzinava e alertava todas as vezes que o jogador movia sua peça.1
Um artigo de 1980 da Forbes descrevia D&D como “o jogo mais quente da
nação”2 e previu um crescimento explosivo. A TSR alcançou um montante de
vendas de 8,5 milhões naquele ano, um aumento anual de 400%.
Nos seus primeiros anos, Dungeons & Dragons foi um passatempo para
veteranos grisalhos e nerds universitários. Mas depois do sucesso do AD&D
e do kit introdutório o jogo ficou popularíssimo. Os manuais e um universo
inteiro de produtos licenciados foram parar nas mãos das crianças por todos
os Estados Unidos — e não demorou muito para os adultos começarem a
surtar.

James Dallas Egbert III foi uma criança superdotada. Terminou o ensino
médio com 14 anos e era adorado pelos professores — mas odiado pelos
colegas. Alienado e sem amigos, quando começou a faculdade na
Universidade de Michigan State, ele estava sorumbático e depressivo,
mesmo para um adolescente.
Por um tempo, parecia que a faculdade forneceria os amigos de que
Egbert estava sentindo falta. Ele se juntou ao clube chamado Tolkien Society,
no qual os estudantes passavam horas discutindo O hobbit e O senhor dos
anéis e, de vez em quando, jogavam Dungeons & Dragons. Mas, em 15 de
agosto de 1979, o jovem de 16 anos desapareceu.
Algumas semanas se passaram antes de William Dear, um investigador
particular contratado pelos pais de Egbert, desenvolver uma teoria: Egbert
teria jogado uma versão live-action2 e se perdido em um labirinto de túneis
de vapor que ficava embaixo do campus. Talvez ele ainda estivesse lá,
vagando sozinho e confuso — ou talvez tenha sido morto por um jogador
adversário.
Obviamente, Dear ou qualquer um da polícia estadual de Michigan
jamais havia jogado D&D. Mas os investigadores estavam convictos de que
a culpa era do jogo, mesmo que não houvesse nenhuma prova. Desesperados
por pistas, os oficiais coletaram vários quadros de avisos vazios do quarto
de Egbert e levaram para a sede da TSR, distante 480 quilômetros. Na
chegada, os policiais pediram para a equipe da empresa analisar o
posicionamento das tachinhas em cada quadro, em caso de representarem
algum padrão secreto ou um mapa. Gary Gygax e Tim Kask passaram três
dias olhando fixamente para os quadros até concluírem — acertadamente —
que não significavam nada.
Mas Dear não desistiu. O idiota sensacionalista3 alegremente dividiu sua
teoria com repórteres e o desaparecimento de Egbert virou comoção
nacional. Os artigos extensos dos jornais manipularam as emoções dos
leitores com descrições de um inocente gênio desencaminhado, um jovem
levado a um mundo depravado. Certamente esse jogo, sugeriam eles, cheio
de magia e demônios, foi o culpado pela ruína do menino.
A verdade era mais simples. Egbert, em depressão, fugiu. Ele comprou
uma passagem de ônibus para Nova Orleans, fez o check-in em um hotel
barato e tentou se envenenar. Quando isso não funcionou, tentou se esconder
mais uns dias na Louisiana antes de decidir voltar para casa.4
A equipe da TSR ficou preocupada por receber tanta atenção negativa,
mas somente até ver os resultados. “A cobertura contínua do [D&D] e dos
seus ‘perigos’ fez as vendas dispararem”, disse Gygax em uma entrevista de
2002. “Não conseguimos imprimir em velocidade suficiente para atender às
demandas. Eu tinha projetado o crescimento [para 1980] saindo
aproximadamente de 4,2 milhões de dólares para 8,5 milhões de dólares [...]
Por causa do ‘Caso Egbert’, a TSR rendeu 16,5 milhões.”3
O D&D ficou famoso. Em 8 de novembro de 1979, apenas seis semanas
depois de Egbert voltar para sua família, Gygax apareceu em um programa
de TV noturno chamado Tomorrow With Tom Snyder para falar sobre o
fenômeno; a seu favor, o apresentador pareceu abordar o D&D da maneira
correta e até convenceu um despreparado Gygax a correr na frente das
câmeras por um labirinto improvisado. Mas fora do programa o jogo era
tratado de forma diferente. O incidente com Egbert marcou Dungeons &
Dragons como algo perigoso ao olhar do público. Quando 1980 começou, o
jogo tornou-se um bicho-papão — visto, junto com satanismo e o heavy
metal, como algo que corrompe a juventude.
Em março de 1980, os pais da “solidamente mórmon” cidade rural de
Heber City, em Utah, convenceram o conselho escolar local a fechar o clube
de D&D e acusaram seus organizadores de “trabalhar com o anticristo e de
fomentar a subversão comunista”.4 O pastor local Norman Springer disse ao
New York Times que o jogo era “definitivamente” antirreligioso: “Esses
livros estão repletos de coisas que não são fantasiosas, mas que existem
mesmo no mundo dos demônios e podem ser bem perigosas para qualquer
um envolvido no jogo porque abre a porta para espíritos satânicos.”5
A TSR fez tudo que podia para prevenir uma caça às bruxas. Poucos
meses depois do incidente em Heber City, a empresa publicou um anúncio de
meia página na The Dragon com a chamada “Clérigos do Mundo Real: a
TSR Hobbies precisa de vocês”.6 O anúncio pedia aos jogadores que
fizessem parte do clero “de qualquer religião organizada” para compartilhar
suas histórias “prestativas, de influência positiva” em relação a D&D.
Mas foi tarde demais. Em 1981, a escritora Rona Jaffe publicou um livro
inspirado no caso Egbert. Labirintos e monstros contava a história de
Robbie Wheeling, um universitário que sofre um surto psicótico enquanto
joga algo parecido com D&D. Wheeling acredita que é, na verdade, o seu
personagem do jogo, o clérigo Pardeux, e que precisa pular do alto do World
Trade Center para vencer a partida. O telefilme, lançado em 1982, tem um
Tom Hanks pós-Bosom Buddies.
Labirintos e monstros é sem sentido, histérico e uma representação
terrivelmente incorreta de Dungeons & Dragons. Porém, para tantos
americanos que não conheciam o jogo, consolidou a ideia de que RPGs de
fantasia eram a estrada para a perdição. No verão de 1982, autoridades de
Oklahoma baniram o jogo dos distritos escolares, citando “natureza
satânica”. Em 1984, quando o policial Kirk Johnson, de San Diego,
Califórnia, foi assassinado a tiros pelo próprio filho, os advogados do
garoto tentaram usar sua obsessão com Dungeons & Dragons como uma
explicação para sustentar a teoria de insanidade. No mesmo ano, mais tarde,
religiosos da Inglaterra advertiram que deixar as crianças jogarem D&D era
essencialmente o mesmo que entregá-las para Satã: “Isso é realmente um
jogo, mas é um jogo de vida ou morte!”,7 escreveu o reverendo John
Hollidge, da Igreja Batista Gold Hill, em Buckinghamshire, na carta para os
pais.
Cada vez mais, Dungeons & Dragons transformava-se no bode expiatório
dos casos de adolescentes suicidas. Em 1984, no condado de Bergen, em
Nova Jersey, a polícia jogou a culpa na morte de dois irmãos adolescentes
no D&D. “Em meu entendimento, uma vez que você alcança o nível de
Mestre, a única saída é a morte”,8 disse o chefe de polícia ao jornal local
Record. Naquele mesmo ano, uma mãe chamada Patricia Pulling, de
Richmond Virginia, processou Gary Gygax e a TSR em 10 milhões de
dólares, alegando que seu filho de 16 anos se matou depois que seu
personagem foi “amaldiçoado” por outro jogador. O processo foi arquivado,
mas Pulling continuou em frente, criando o “Incomodados com Dungeons &
Dragons” (“Bothered About Dungeons and Dragons” — BADD), um grupo
de defesa que atormentou os jogadores de D&D por anos.
Em 1985, o programa televisivo 60 minutes dedicou um segmento inteiro
aos perigos de Dungeons & Dragons. O âncora Ed Bradley entrevistou
policiais excessivamente crédulos, exibiu relatos da mídia local como fatos
e confiou inteiramente em uma emocionante entrevista com Pulling, a mãe de
luto. O psicólogo entrevistado, o dr. Thomas Radecki, também era bastante
crítico em relação ao jogo (alguns anos mais tarde, ele perdeu sua licença
médica). Depois da transmissão, Gygax enviou cartas para Bradley escritas
pelas mães das duas crianças mencionadas na reportagem como se tivessem
se suicidado por causa do D&D; ambas diziam que o jogo nada tinha a ver
com a morte de seus filhos. O programa nunca veiculou uma retratação.
E o criticismo não parou. No seu livro de 1988, Raising PG Kids in an
X-Rated Society, Tipper Gore, cofundadora do Parents Music Resource
Center (PMRC) e futura vice-primeira-dama dos Estados Unidos, vociferou
contra D&D, alegando que o jogo foi ligado a “quase cinquenta suicídios de
adolescentes e homicídios”.9 Depois da morte, em 1988, de Lieth Von Stein,
um executivo da Carolina do Norte, a polícia rapidamente prendeu Chris,
seu enteado de 20 anos, e mais dois amigos do rapaz — os três foram
posteriormente considerados culpados de um esquema para ganhar 2 milhões
de dólares de herança. Mas quando dois livros sobre o caso, Blood Games e
Cruel Doubt, foram lançados, em 1991, eles ressaltaram o fato de que os
acusados jogavam D&D juntos de vez em quando.
Até mesmo o panfletário cristão Jack Chick entrou na histeria: em seu
folhetim de quadrinhos, Dark Dungeons, uma garota é levada a um grupo de
bruxas depois de passar por “um treinamento intenso de ocultismo jogando
D&D”.10 A jovem, mais tarde, aprende a fazer mágica de verdade e joga um
feitiço de “ligação mental” em seu pai, forçando-o a comprar 200 dólares de
manuais de D&D para ela.
Dungeons & Dragons não foi o primeiro jogo a receber esse tipo de
tratamento. Extremistas religiosos tentaram banir o xadrez repetidamente ao
longo das eras, do primo do profeta Maomé, Ali ibn Abi Talib, que reinou
no califado islâmico no século XVII, ao grupo afegão Talibã, que tentou
fazer o mesmo no século XX. Mas isso não serviu de consolo para Gygax,
que recebeu o impacto dos ataques. O ex-sapateiro que virou projetista de
jogos era pintado como uma espécie de maluco-satanista-corruptor-de-
crianças e chegou a receber ameaças de morte. Por um período dos anos
1980, Gygax precisou contratar um guarda-costas.
Ainda assim, ele tentou não levar para o lado pessoal. “Acho que
entendia as motivações deles”, falou em uma entrevista de 2004. “Algumas
era bem sinceras — a ignorância era sincera. A coitada da mulher que
começou o BADD falou na primeira entrevista no jornal que não sabia que
seu filho estava jogando D&D há dois anos. O que quero dizer é que isso é
uma falha séria de criação. Ela claramente estava transferindo a culpa pelo
próprio erro para um jogo. Era triste.”11

Mesmo durante o pior período do pânico satânico, D&D prosperou. Em


1980, a TSR expandiu suas operações para um novo escritório e armazém, e
inaugurou uma subsidiária na Inglaterra. Novos produtos incluíam World of
Greyhawk, um guia para a campanha caseira de Gygax que cobria tudo, da
geografia ao nome dos dias da semana.5 Um novo RPG de espionagem
chamado Top Secret até mesmo causou um novo pânico: no verão de 1980, o
FBI apareceu nos escritórios da TSR depois que um cidadão de Lake
Geneva entregou um memorando tirado fora de contexto da empresa
descrevendo um assassinato e o entregou à polícia.
Em 1981, Gygax assinou um acordo de distribuição com a Random
House, a maior editora dos Estados Unidos, levando o jogo para dezenas de
milhares de livrarias. A TSR aproveitou o acordo e lançou produtos mais
infantis: uma revisão do kit introdutório de 1977 — o jogo para iniciantes
que guiava os personagens entre os níveis 1 e 3 — e sua primeira
continuação, o Expert Set, cobrindo os nível 4 a 14.
D&D ficou tão popular que até mesmo apareceu na sequência de abertura
de E.T.: O extraterrestre (1982), logo depois de os alienígenas relapsos
esquecerem o amiguinho de pescoço longo nos bosques da Califórnia.
Quando o público vê pela primeira vez Elliott, o garoto de 10 anos que
protagoniza o filme, ele está tentando entrar para a campanha de D&D do
irmão de 16 anos, Michael. Mais tarde, um dos garotos mais velhos tenta
explicar o jogo para a mãe de Elliott: “Não há vencedores, é como a vida.
Você não vence na vida.”
Talvez não, mas a TSR parecia ganhar nos negócios. Em dezembro de
1981, a revista Inc. colocou a TSR Hobbies em sexto lugar na lista anual das
empresas privadas que mais cresciam nos EUA. Em fevereiro de 1982, um
artigo complementar exultou os lucros crescentes da empresa — projetados
em 27 milhões de dólares para o ano fiscal de 1982 — e elogiou sua
estrutura incomum de gerenciamento:

O mais surpreendente no time de gerenciamento da TSR talvez seja


a falta de experiência relevante. Os nove gerentes mais poderosos —
três diretores (Gary Gygax e os irmãos Brian e Kevin Blume) e seis
vice-presidentes de divisões — saíram de profissões que vão da
biologia à farmácia, passando até por encanadores. Dos nove, seis
deles estão atualmente em treinamento formal de gerenciamento e
somente ano passado a companhia começou a contratar pessoas com
habilidades para os negócios. A organização opera de forma estranha.
Apesar do cargo de presidente de Gary Gygax, a companhia não tem
realmente um executivo-chefe. Ela opera sob a direção de um
“escritório presidencial”, composto de Gygax, Brian e Kevin Blume.
A empresa não abrirá as portas para nenhum empreendimento sem
uma decisão unânime desses três.12

Para observadores de fora, a estrutura incomum da TSR deve ter


parecido inovadora, até rebelde. A verdade era que os Blume — apoiados
por três investidores escolhidos a dedo — tinham o controle completo. “Eu
estava fora do controle da companhia porque [os Blume] achavam que
poderiam gerenciar a empresa melhor que eu”,13 disse Gygax.
Incapaz de realizar qualquer negócio em Lake Geneva — e em meio a um
divórcio —, Gygax arrumou as malas e foi para Hollywood começar uma
nova subsidiária da TSR, chamada Dungeons & Dragons Entertainment. “Ele
tinha essas ideias de que, a longo prazo, a TSR deveria se expandir para a
mídia visual”, conta Frank Mentzer, ex-funcionário da TSR e conselheiro de
Gygax. “Esses jogos vão tomar conta da sua cabeça e da imaginação, mas se
você conseguir transcender isso e jogar em um filme pode ser uma grande
revolução. Então, ele foi para a costa.”
Gygax não vivia como um exilado em Los Angeles. A TSR estava com
belo fluxo de dinheiro, então ele alugou uma mansão na Summitridge Drive,
em Beverly Hills, e passou a bancar o figurão de Hollywood, jantando com
estrelas do cinema, farreando com modelos e andando em carros de luxo. Em
pouco tempo, suas despesas alcançaram os 10 mil dólares mensais —
relativos a mais de 20 mil dólares considerando a inflação de hoje. De
acordo com alguns boatos, Gygax pagou cerca de meio milhão de dólares
para o roteirista James Goldman, de O leão no inverno (1968), escrever o
roteiro de um longa baseado em D&D.14 (Que nunca foi produzido; tudo o
que saiu dos esforços da TSR em Hollywood foram os 27 episódios do
desenho animado Caverna do dragão.)
Em Lake Geneva, a inexperiência gerencial dos Blume estava custando
muito mais à empresa. Com Gygax longe, a TSR entrou numa fase de gastos
irrestritos: em maio de 1982, a companhia comprou a decadente revista de
contos Amazing Stories, da Ultimate Publishing Company, e adquiriu os
jogos de uma concorrente falida, a Simulations Publishing Inc. Naquele
mesmo ano, ajudou a financiar a operação de resgate do Lucius Newberry,
um navio a vapor que pegou fogo e afundou no lago Geneva, em 1891 —
tudo que encontraram foram pedaços enferrujados da caldeira da
embarcação. Os executivos adquiriram dezenas de carros para a companhia,
gastaram milhões com móveis desnecessários para os escritórios e deram
empregos com altos salários para parentes.
Em 1983, a TSR comprou diversos novos negócios de brinquedos e
presentes, incluindo a Greenfield Needlewomen, que fazia kits de costura;
ela foi adquirida, de acordo com um informante, “para que Mary, a esposa
de Kevin, tivesse um passatempo”. A bolsa bordada de D&D recebeu a
companhia de uma lista de produtos licenciados, tais como fantasias para o
dia das bruxas, lenha para lareira, carteiras, lanternas, bolhinhas de sabão,
discos de frisbee e velas aromatizantes oficiais de Advanced Dungeons &
Dragons.
Os executivos da TSR até consideraram investir na indústria ferroviária.
“Havia uma proposta para a empresa comprar uma linha de trem entre Lake
Geneva e Chicago”, recorda-se o escritor e projetista Tracy Hickman. “O
argumento era que, se comprássemos a linha, teríamos a própria ferrovia
para a distribuição dos produtos e, ao mesmo tempo, poderíamos organizar
jogos de D&D entre as cidades. Até mesmo no departamento de design de
jogos nós víamos propostas como essa sendo consideradas pela gerência e
apenas balançávamos a cabeça.”
A ingerência foi além dos gastos exagerados. Em determinado momento,
Kevin Blume leu um relatório sobre a quantidade de drogas usadas em um
ambiente de trabalho tipicamente americano e decidiu que não toleraria
comportamento semelhante na TSR. “Ele se dedicou a isso e queria sair pela
empresa fazendo inspeções-surpresa, apontando uma pequena lanterna nos
olhos dos funcionários para ver se as pupilas deles dilatavam”, diz Frank
Mentzer. “Ele foi convencido a não fazer isso por mentes mais sãs.”
Apesar dos problemas no topo, a TSR ainda conseguia lançar ótimos
produtos. Em 1983, a empresa publicou a terceira grande revisão do manual
do kit introdutório, dessa vez editada por Mentzer. Com uma capa desenhada
pelo artista Larry Elmore, o kit, cuidadosamente embalado em uma “Caixa
Vermelha”, como ficou conhecido, tornou-se um dos manuais mais famosos e
amados da história dos jogos. Naquele mesmo ano, a TSR publicou uma das
aventuras preferidas dos fãs em todos os tempos, o módulo de horror gótico
Ravenloft, escrito por Tracy Hickman e sua mulher, Laura.
Mas nada disso foi suficiente para preencher o buraco criado pela
ingerência corporativa. No verão de 1983, os relatórios fiscais da TSR
revelaram uma perda de milhões de dólares e a empresa cortou 15% de sua
equipe de trezentas pessoas. Logo depois, a TSR Hobbies mudou seu nome
para TSR Inc. e diminuiu o número de setores executivos de doze para seis
divisões. Mas não foi suficiente para estancar o sangramento. Mais tarde,
naquele ano, a empresa demitiu mais gente, encolhendo o quadro de
funcionários para menos de 150 pessoas. Outro corte veio em abril de 1984
para chegar ao número de 100 funcionários.
Menos de três anos depois da revista Inc. listar a TSR entre as dez
empresas privadas que mais cresciam no país, o balanço financeiro da TSR
foi de baixo custo e operações lucrativas para dívidas de 1,5 milhão de
dólares e perdas operacionais.

Longe dali, em Los Angeles, Gygax procurou uma saída para salvar a
empresa. Tentou uma fusão com a britânica Workshop, mas o dono, Ian
Livingstone, estava receoso em trabalhar com os Blume (“Eu não acho que
eles gostavam de jogos como nós... Nos sentimos um pouco
desconfortáveis”, diz). Gygax também pressionou Sidney Sheinberg,
presidente da Universal Pictures, para preencher um cheque para financiar o
filme baseado em D&D ou comprar a TSR inteira — sem sucesso.
Finalmente, um astronauta de 500 anos ofereceu uma chance de salvação.
Gygax estava trabalhando com um parceiro de escrita, Flint Dille, em livros
no estilo escolha-as-próprias-aventuras e em um filme baseado no mundo de
Greyhawk. O avô de Dille comandava o National Newspaper Syndicate6 nos
anos 1920 e fez uma fortuna publicando Buck Rogers no século XXV, uma
história em quadrinhos sobre um veterano da Primeira Guerra Mundial que,
exposto a um gás radioativo, entrou em animação suspensa e acordou
quinhentos anos depois. A família de Dille tinha muito dinheiro para brincar
— e a irmã dele, Lorraine Dille Williams, estava interessada em trabalhar
em editoração.
Gygax retornou para Lake Geneva e, na reunião mensal do conselho da
TSR, expôs aos três diretores, que mantinham boas relações com Kevin
Blume, que ele deveria ser retirado do negócio. “Eu esperava ser totalmente
rejeitado naquela hora”, escreveu Gygax depois. “Em vez disso, os diretores
se viram forçados a concordar, pois não havia dúvida de que a empresa, com
dívidas bancárias em torno de 1,5 milhão de dólares, não tinha como pagar o
empréstimo. Na votação final, Kevin foi contrário à minha proposta, Brian
se absteve (o que deixa clara sua opinião) e os patetas votaram sim, então
ganhamos com quatro votos contra um.”15
Mas o conselho não estava preparado para recolocar Gary Gygax no
controle. Em vez disso, substituíram Blume por um presidente interino da
Associação Americana de Administração. Então, em maio de 1985, Gygax
exerceu sua prioridade na compra de ações que lhe deram direito de voto —
influência suficiente para retomar seu poder na TSR. Ele demitiu o
presidente-tampão, assumiu o papel de CEO e promoveu Lorraine Dille
Williams ao posto de nova gerente geral da TSR.
“Depois disso, minha queda veio em pouco tempo”, escreveu Gygax mais
tarde.

Notas:
1. Em 1982, a Mattel lançou outro produto da marca, um game de D&D para seu console Intellivision.
Naquele tempo, Advanced Dungeons & Dragons era o game mais sofisticado a ser lançado,
exigindo 4 mil bytes de memória.
2. Uma versão mais hardcore do RPG, em que os jogadores se vestem como seus personagens,
interagem com os cenários e interpretam com mais “realismo”. (N. do T.)
3. Dear aparece na mídia a cada poucos anos: em 1984, ele escreveu um livro sobre o caso Egbert
chamado The Dungeon Master; em 1995, emprestou sua perícia investigativa para um
documentário do canal Fox chamado Autópsia Alienígena: Fato ou Ficção?. Seu último projeto,
um livro de 2012 intitulado O.J. Is Innocent and I Can Prove It, argumenta que o filho de O. J.
Simpson foi o verdadeiro assassino de Nicole Simpson e Ron Goldman.
4. É uma pena, mas Egbert não conseguiu se livrar da depressão; menos de um ano depois, ele se
matou com um tiro.
5. Starday, Sunday, Moonday, Godsday, Waterday, Earthday, Freeday. [Brincadeira com os dias da
semana em inglês: Dia da Estrela, do Sol, da Lua, de Deus, da Água, da Terra e da Liberdade. (N.
do T.)]
6. Órgão que controlava a publicação de tiras nos jornais americanos. (N. do T.)
11
MORTE OU GLÓRIA

Q
uando eu era menor, tudo era mais simples. Meus amigos e
minha família eram boas pessoas; qualquer um que tentasse
magoá-los era maligno. Dediquei minha vida a proteger as coisas
que amava e a destruir as que odiava.
Eu não me afastei desse compromisso. Mas, com a idade, entendi
que a verdade raramente é simples. Sei agora que, apesar de os
vampiros serem nossos algozes, a humanidade criou a própria
destruição. Os vampiros se esconderam dos humanos por milhares
de anos, temerosos de nossa força e quantidade; eles apenas
atacaram quando ficamos fracos de tanto lutarmos entre nós e
quando a ameaça ao planeta era muito grande para ignorar.
Ainda acredito no futuro da humanidade. Sei que um dia
liberaremos nossos irmãos e irmãs dos cercados e faremos justiça
com os monstros que nos escravizaram. Mas também sei que somos
seres imperfeitos e precisaremos de ajuda.
Quando Ganubi fez o primeiro contato com os habitantes de Las
Vegas, eu esperava que pudessem ser novos aliados. Acompanhar
alguns deles de volta a São Francisco me parecia um passo nessa
direção. Mas, durante a longa viagem para casa, comecei a me
preocupar. Os quatro ilitides que entraram no grupo eram alheios e
frios. Eles estavam ansiosos para aprender sobre a humanidade, mas
raramente desejavam falar sobre si mesmos. Eles me lembravam
predadores estudando suas presas.
De tempos em tempos, eu, Jhaden e Graeme andávamos adiante
do grupo para que pudéssemos discutir o que faríamos se nossos
“amigos” ficassem violentos. Os poderes psíquicos deles eram uma
ameaça real, mas, pelo que podíamos dizer, não tinham
conhecimento de magia ou até mesmo de que isso existia. Enquanto
eu evitasse lançar feitiços na frente deles, nossas defesas seriam
subestimadas.
Ganubi confiava mais nos estranhos, porém me levou a sério
quando compartilhei minhas preocupações. Então, durante a viagem
desse nosso grupo maltrapilho pelo deserto e de volta às montanhas,
ele passava dia após dia conversando com os ilitides, tentando fazê-
los ter simpatia por nossa causa. Explicou a história humana e
nossa luta contra os vampiros, mas também compartilhou nossos
valores, como o respeito pela vida e a proteção dos amigos. Ele até
mergulhou nas velhas religiões humanas e contou histórias das
Escrituras Sagradas.
Às vezes, Ganubi me lembrava os velhos pregadores malucos que
costumava ver nas ruas quando era criança. Mas os ilitides ouviam
cada palavra com atenção. Eu não tinha certeza se a mensagem de
Ganubi estava sendo recebida, mas eles estavam escutando e isso já
era um começo.
Quando Gary Gygax decidiu livrar a TSR do reinado dos irmãos Blume, ele
sabia que precisava de ajuda. De cara, Lorraine Dille Williams parecia uma
aliada perfeita: rica, interessada em editoração e com experiência em
gerenciar organizações de médio porte. Então Gygax pediu para ela investir
na empresa e ajudá-lo a retomar o controle.
Lorraine, sentindo a extensão da ingerência na TSR, falou para Gygax que
fazer um investimento na empresa seria como “jogar dinheiro em um ninho
de ratos”. Em vez disso, ela sugeriu um tipo diferente de ajuda: ir para Lake
Geneva e assumir uma posição de onde ela poderia controlar as finanças da
TSR.
“Eu realmente não tinha nenhum objetivo na carreira”, diz Lorraine.
“Encarava as coisas como desafios individuais. Então, fui dos jornais para
um trabalho voluntário não remunerado em um órgão de saúde, depois para
um hospital, e outro órgão, e uma associação de comércio.”
Ela não conhecia ou se importava com RPGs, mas sentiu que poderia ter
um emprego interessante na TSR. “Eu encarei como uma ótima experiência”,
diz ela. “Quando comecei, estava indo apenas para ajudar Gary a colocar o
navio de volta na rota.”
A parceria amigável só durou poucos meses. Lorraine conta que, assim
que assumiu o cargo de gerente-geral da TSR, na primavera de 1985,
compreendeu a verdadeira extensão dos problemas financeiros da empresa
— e a cumplicidade de Gary. “A estrutura inteira do lugar era baseada em
operações em paraísos fiscais e os planos de divisão de lucros só
beneficiavam os acionistas, que eram Gary, Kevin e Brian Blume, e alguns
membros de suas famílias”, diz ela. “Quer dizer, [a TSR inglesa] era dona de
uma mansão na Ilha de Man. Você não acreditaria no escândalo que fizeram
quando falamos que precisávamos vender a casa.”
De acordo com Lorraine, embora a empresa operasse obedecendo a um
pacto de controle de despesas, Gygax queria continuar tirando dinheiro para
financiar seus projetos hollywoodianos e seu estilo de vida. “O banco estava
furioso conosco”, diz ela. “Nós finalmente falamos: ‘Gary, não podemos
adiantar 1 dólar. Se violarmos o pacto de dívidas com o banco, não teremos
linha de crédito. Estaremos mortos.’ E Gary foi à loucura.”
Gygax recorda-se da discussão de forma diferente. “Comecei a ficar
apreensivo com ela depois de dois incidentes”, escreveu em 2002. “Na
primeira, ela declarou que menosprezava os jogadores, que eles estavam
abaixo dela socialmente. Na segunda, quando expus que planejava repassar
o plano de divisão de ações da empresa para todos os empregados quando a
crise passasse, como uma forma de reconhecimento pela lealdade deles,
Lorraine se virou para minha assistente, Gail Carpenter (agora Gail Gygax,
minha mulher) e disse: ‘Só por cima do meu cadáver!’”1
Seja como for, uma coisa é certa: Lorraine ficou furiosa e decidiu
assumir a empresa. “Acabei cultivando um bem-querer pelas pessoas e tinha
muito respeito pelo produto”, conta ela. “Posso não ter entendido tudo
100%, mas entendi intelectualmente que era o produto certo para o tempo
certo.”
Naquela primavera, Gygax havia tomado o controle da companhia das
mãos dos Blume exercendo sua prioridade na compra de ações da TSR,
tornando-se proprietário da maioria das ações da empresa. No verão, no
entanto, Lorraine convenceu Brian Blume a também exercer sua prioridade
— e então comprou as ações dele. Um pouco depois, Lorraine também
comprou as ações de Kevin Blume. Apenas alguns meses após chegar a Lake
Geneva, Lorraine Williams era a nova acionista majoritária da TSR.
Gygax tentou lutar contra. Entrou com um processo contra Lorraine,
esperando que um juiz considerasse a venda das ações algo ilegal, mas o
caso foi arquivado. Antes de o ano terminar, Gygax se rendeu e vendeu para
Lorraine o restante de suas ações na TSR.
“Eu estava tão cansado daquela porra de empresa que fiquei feliz em me
livrar dela”, disse Gygax em uma entrevista de 2008. “Estava ficando cada
vez mais bagunçada com o passar do tempo.”2

No meio do caminho de volta para casa, acampamos durante a noite


em uma colina quieta, cercada por florestas. A jornada tem sido
abençoadamente tranquila até agora — a não ser pelo constante
papo de Ganubi. Eu torcia para que estivesse fazendo progresso no
recrutamento dos ilitides para nossa causa, mas estava ficando
nervoso com a constante pregação. Preparei meu saco de dormir do
lado oposto da fogueira onde a aula noturna de teologia acontecia e
fui dormir cedo.
Acordei abruptamente algumas horas mais tarde e abri os olhos
para ver Jhaden agachado ao meu lado no escuro. Ele olhou para
mim e colocou o dedo na frente dos lábios. “Há algo nas árvores”,
sussurrou. “Consegue sentir o cheiro?”
Eu posso não ser um ranger, mas isso não exigia sentidos
aguçados. Havia um cheiro podre no ar, como carne estragada.
Sentei e olhei ao redor, mas, com a luz de nossa pequena fogueira,
só conseguia enxergar Ganubi, Graeme e os ilitides, todos
dormindo.
Jhaden, ainda agachado, foi acordá-los. Mas ele deu apenas
alguns passos antes de desembainhar a espada e sair em disparada.
Quando passou pelo saco de dormir de Ganubi, chutou e gritou alto
o suficiente para acordar os mortos: “Estamos sendo atacados!”
Gary Gygax não desistiu dos RPGs depois de sair da TSR. Imediatamente
após deixar a companhia, ele começou uma nova, a New Infinities
Productions, com os veteranos da TSR, Frank Mentzer e Kim Mohan. A
empresa lançou apenas um jogo, o sci-fi Cyborg Commando, de 1987, e
fechou as portas quando um investidor falhou ao entregar o financiamento
necessário.
Em seguida, Gygax pegou um trabalho para escrever um novo jogo de
fantasia, Dangerous Dimensions, para sua velha concorrente, a Game
Designers’ Workshop. Quando o jogo ainda estava em desenvolvimento, a
TSR ameaçou entrar com um processo de quebra de direitos autorais por
causa das iniciais “DD”, então Gygax mudou o nome para Dangerous
Journeys. Quando foi lançado, a TSR o processou da mesma forma. A
pequena Game Designers’ Workshop não podia competir contra os
advogados da TSR e vendeu o jogo para a concorrência como forma de
acordo extrajudicial. Dangerous Journeys sumiu em algum depósito de Lake
Geneva e nunca mais foi visto.
A TSR não deixaria Gary Gygax publicar nenhum jogo de fantasia. Ele
então passou a maior parte da década seguinte escrevendo livros —
fantasias baratas com títulos como Sea of Death, Dance of Demons e The
Anubis Murders. Elas foram bem recebidas. No fim dos anos 1990, Gygax
começou a trabalhar em um jogo de fantasia chamado Lejendary Adventure,
mas isso nunca saiu como planejado: em 1999, a Hekaforge Productions
lançou o jogo como um antiquado RPG de papel e caneta. Àquela altura do
campeonato, a TSR não tinha objeção.
Nada que Gary Gygax fez depois da saída da TSR se equipara ao nível
de sucesso de Dungeons & Dragons — mas, claro, é mais ou menos como
apontar que J. D. Salinger chegou ao seu auge com O apanhador no campo
de centeio. Enquanto estava na TSR, Gygax ganhou acesso vitalício ao
panteão dos deuses nerds; fora dela, aproveitou seu merecido status de
celebridade. Escreveu artigos, participou de entrevistas e conversou com fãs
em sites de jogos. Em 2000, ele até dublou a si mesmo em um episódio de
Futurama: o roteiro do desenho animado explicava que Gygax, junto com Al
Gore e Stephen Hawking, era responsável pela proteção da linha espaço-
tempo de todo o universo. No fim da animação, todos se sentaram para jogar
Dungeons & Dragons.
Em 2003, Gygax anunciou que estava compilando, com a ajuda de seu ex-
assistente de Mestre, Rob Kuntz, um guia gigante em seis volumes para
Greyhawk, usando detalhes que a TSR nunca publicou. Para evitar violações
de direitos autorais, eles chamaram Greyhawk de “Zagyg”, um anagrama de
Gygax. Mas um derrame sofrido em abril de 2004 deixou o velho grognard
consideravelmente mais lento e apenas dois livros foram lançados.
Na manhã de 4 de março de 2008, Gary Gygax morreu em sua casa, na
cidade de Lake Geneva. Ele estava com 69 anos.

Criaturas horrendas vieram correndo das trevas na direção de nossa


fogueira. Elas aparentavam ser humanas, mas deformadas e
terríveis, com pele escamosa e dedos que se transformavam em
longas e afiadas garras. Eu podia ver três correndo para o centro do
acampamento. Então, Jhaden cortou o caminho e perfurou uma
delas com sua espada.
Ganubi e Graeme ainda estavam acordando, então tomei a frente
esperando proporcionar algum tipo de proteção enquanto se
preparavam. Mas escutei um barulho atrás de mim e, quando me
virei, vi outro daqueles carniçais vindo em minha direção, a
segundos de distância. Sua boca estava tão aberta que aquilo
parecia impossível e uma língua longa e negra saía dentre seus
dentes longos, cortando o ar.

As modas sempre passam. E a decadência do D&D começou por volta da


época em que Lorraine Williams comprou a empresa. No fim dos anos 1980
e começo dos 1990, o entusiasmo por jogos de mesa diminuiu. Enquanto o
jogo se manteve com a devoção dos fãs mais obcecados, a demanda pelos
manuais e produtos relacionados a eles caiu: em 1989, a TSR tentou injetar
ânimo no jogo ao publicar a segunda edição de Advanced Dungeons &
Dragons, mas aquilo nada tinha de novo — a não ser a ausência do nome
Gary Gygax entre os criadores principais.
A atenção dos jogadores foi para outros lugares. Videogames e D&D já
chegaram a coexistir por uma década e a TSR ganhou um bom dinheiro
licenciando a propriedade para empresas de games. Mais de doze tipos de
games foram lançados entre 1980 e 1990, em oito plataformas diferentes.
Mas a indústria dos videogames amadureceu em seguida, e a TSR não lutava
mais contra pequenas empresas de hobbies — estava encarando gigantes
multinacionais, como Sony e Nintendo.
A tecnologia dos computadores também evoluiu a ponto de deixar os
games mais baratos, fáceis de encontrar e visualmente melhores que os
competidores “físicos”. Quando os games eram jogados em um computador e
consistiam apenas de texto, eles não representavam uma ameaça. Mas
quando você podia jogá-los na sua TV e a aparência lembrava a vida real,
empresas como a TSR se viram em uma baita encrenca.
Os videogames começaram a tomar o lugar de Dungeons & Dragons
como o inimigo dos pais ansiosos. Na metade da década de 1990, ninguém
mais acusava D&D de corromper as crianças — eles estavam preocupados
com games violentos como Doom.
Novos concorrentes apareceram na forma física também. Em 1993, uma
editora de Seattle, a Wizards of the Coast, lançou Magic: The Gathering, um
jogo de cartas colecionáveis ambientado em um mundo de fantasia parecido
com o de D&D. O jogo exige que o participante forme um deck de cartas,
cada uma representando um feitiço ou uma criatura, para batalhar contra um
amigo. Como as cartas boas vêm embaralhadas aleatoriamente com as ruins
nos booster packs, os jogadores mais radicais poderiam gastar centenas ou
até milhares de dólares para construir o deck perfeito. O jogo saciou o
apetite dos jogadores por combates de fantasia e explorou o impulso nerd de
colecionar e comprar coisas. Magic foi um sucesso instantâneo; dois meses
depois do lançamento, a Wizards of the Coast vendeu toda a primeira
tiragem de 2,5 milhões de cartas.
A TSR tentou capitalizar com a moda ao lançar os próprios jogos de
cartas colecionáveis, inclusive um plágio de Magic: The Gathering chamado
Spellfire: O Poder da Magia e um jogo de dados chamado Dragon Dice. Eles
eram caros de se produzir e nenhum vendeu muito bem.
As coisas ficaram ainda piores para a TSR. A empresa cada vez mais
confiava nos lucros da publicação de livros de fantasia para se manter no
verde. Mas, no fim de 1996, o mercado entrou em colapso e a distribuidora
da TSR, a Random House, devolveu milhões de dólares em livros de capa
dura que não venderam. Obrigada a reembolsar a Random House, a TSR
entrou 1997 com uma dívida que superava os 30 milhões de dólares e sem
dinheiro para produzir ou distribuir novos produtos. As operações ficaram
paralisadas.
Se Dungeons & Dragons fosse representado por um personagem em seu
próprio mundo, estaria sem nenhum feitiço e teria apenas um ponto de vida,
amaldiçoado com a cegueira. O D&D estava no leito de morte.
O inimigo nos pegou de surpresa, mas não sem defesa. Eu não
preciso ter uma arma na mão quando posso lançar energia mágica
com minha força de vontade. Quando a criatura apareceu, eu a
ataquei com um raio de Luz do Dia e ela desabou no chão como uma
pilha fumegante de carne.
Havia mais delas na floresta. Muitas mais. Enquanto disparava
feitiço atrás de feitiço somente para mantê-las afastadas, ouvi sons
de luta atrás de mim: Jhaden bradando gritos de guerra, passos
rápidos, o estalar de um arco. Normalmente, tentaríamos nos
reagrupar e assumir uma posição defensiva, mas os carniçais nos
cercaram muito rápido, então só pude ficar na minha posição,
conjurando feitiços e tentando não ser superado.
A luta provavelmente durou meio minuto, mas pareceu uma hora.
Eu tinha acabado de derrubar meu alvo final quando escutei — bem,
não escutei exatamente, mas senti — uma voz na minha cabeça.
“Salve-nos, salve-nos!”, clamava. “Socorro!”
Eu me virei para ver o que estava acontecendo e encontrei o
acampamento em completo caos. Jhaden estava combatendo dois
monstros ao mesmo tempo. Eu não conseguia ver Graeme. Um dos
ilitides estava no chão, coberto de sangue, enquanto os outros se
encolhiam a alguns metros de distância. Uma criatura —
provavelmente a que matou um dos ilitides — preparava o bote,
prestes a atacá-los.
Lembro-me de pensar comigo mesmo: “Acho que poderes
psíquicos não afetam carniçais.”
Mas então Ganubi apareceu, se jogando entre os monstros e seus
novos amigos. Sua espada estava empunhada, mas na pressa de
chegar à posição ele deixou a guarda baixa.
O carniçal esbarrou em Ganubi, derrubando-o no chão. Então
rasgou sua pele com terríveis garras.

Morgan jogou os dados e checou os resultados.


— O primeiro ataque a Ganubi erra o alvo — disse ele. — Ah, não,
espere: você está no chão. Qual a classe de sua armadura quando você está
de bruços?
— Eu... Eu acho que é +4 ou -4 — falou Phil. — Não me importo. É 4 a
favor do inimigo.
— Mas qual sua classe atual de armadura?
— Seria 16.
— Ih, cara. Você tá encrencado.

Assim que vi Ganubi cair, corri para ajudá-lo. Mas não cheguei a
tempo de impedir o carniçal de atacar novamente.
Enquanto Ganubi lutava para se levantar, a criatura, sedenta por
sangue, pisou em cima dele e o rasgou com suas garras, atacando de
novo e de novo.
Eu vi quando Ganubi desfaleceu no chão. Vi a luz se apagar de
seus olhos. Vi meu amigo morrer.

— Estou me sentindo mal por isso — falou Morgan. — Realmente estou.


Mas eu jogo pelas regras. E isso representa 55 pontos de dano.
— Uau. — Phil encarou sua planilha de personagem.
Todos nós ficamos paralisados, em silêncio, esperando sua reação.
— Sim. Bem, certifiquem-se de falar para os ilitides que eu estava lá
para ajudá-los.
12
RESSURREIÇÃO

Aventurar-se é um empreendimento arriscado. Os personagens em sua


campanha irão tombar, algumas vezes porque foram precipitados,
noutras porque não tiveram sorte. Felizmente, D&D é um jogo, e a
morte não precisa ser definitiva.
LIVRO DO MESTRE, P . 41.

-Nóscomsabemos como preservar um corpo? — perguntou Alex. Acabamos


os carniçais sem outras fatalidades, mas agora precisávamos
enfrentar um problema pior. — Uma semana andando com o corpo de Ganubi
não soa como uma má ideia.
— Sabem, eu estava pensando sobre isso — disse Phil. Ele se virou para
Morgan. — Você me permite converter um dos ilitides à Igreja de Ganubi e
assumi-lo como um personagem? Eu não me importaria em desistir de
Ganubi por essa troca.
— Não — disse Morgan. — Isso abriria uma grande caixa de Pandora.
Phil suspirou. Foi quando tive um ataque de inspiração.
— Não, Phil, espere. — Eu soquei a mesa com a empolgação. — Ganubi
tem pregado para esses sujeitos há uma semana e ele foi morto tentando
protegê-los. Vou passar o resto da viagem falando para os ilitides: “Ele
morreu por vocês! Ele é seu salvador!”
Alex percebeu o que vinha pela frente.
— Ah, não, cara... Você vai transformar Ganubi em Jesus — gargalhou.
— Fala sério.
— Não, é sério. Se conseguirmos convencer alguns ilitides a se tornarem
seguidores de Ganubi, isso não seria legal?
— Seria bem bacana — falou Alex. — Poderia ser a ação catalisadora
que leva a civilização inteira deles para o lado do bem e não para o mal.
— Ganubi morreu por eles, cara! Todos os dias da jornada de volta, vou
conjurar... Como é mesmo aquela magia que você lança em um defunto para
que não apodreça?
— Descanso Tranquilo — respondeu Morgan.
— Isso, Descanso Tranquilo. Vou conjurar secretamente todos os dias no
corpo de Ganubi e eles vão observar o milagre da preservação física dele.
Os ilitides não sabem que tenho esse feitiço. Fingirei estar chocado e direi:
“Talvez isso seja um sinal! Talvez Ganubi seja muito importante para ser
destruído dessa maneira! Ele pode retornar para nós!”
Morgan balançou a cabeça.
— Faça uma rolagem de Blefar — disse ele.
Eu peguei meu d20 favorito, chacoalhei na minha mão e lancei sobre a
mesa. Todos nós seguramos a respiração até o dado parar.
Vinte.
— Isso estava destinado a acontecer! — Alex gritou.
— Você admiravelmente convenceu seus alvos — disse um atônito
Morgan. — Tudo bem, então vocês enfim alcançarão as muralhas de São
Francisco com três monstros de tentáculos como companhia. O que farão?

Nós vivemos em um mundo perigoso. A morte espreita em cada


esquina. Mas, algumas vezes, se você tem bastante ouro, você pode
falar para ela se catar.
Quando voltamos para São Francisco, Jhaden e Graeme foram
vender todas as mercadorias que trouxemos de Las Vegas. Eu levei
os ilitides de volta para nosso barco atracado e repousei o corpo de
Ganubi no convés.
“Este é o navio que transportou a força vital de Ganubi pelo
grande oceano”, falei para eles. “Agora que retornou ao depósito de
sua alma, precisamos esperar e ver se ele volta para nós. Estou
rezando por um milagre.”
O conceito de pós-vida ainda era confuso para os ilitides, mas
eles estavam familiarizados com o conceito de morte. Então, quando
vendemos nossas mercadorias e usamos o dinheiro para contratar
um clérigo de nível alto para secretamente lançar a magia
Ressurreição Verdadeira,1 eu sabia que eles ficariam bem
impressionados.
Os ilitides estavam observando quando o corpo imóvel de Ganubi
sentou-se e olhou ao redor.
“Ele retornou dos mortos”, gritei. “É um milagre!”
Ganubi me encarou perplexo, depois virou os olhos para os
maravilhados ilitides e, então, olhou para mim de novo. Eu vi uma
piscadela em seu olho.
“Sim!”, disse ele, colocando-se de pé e levantando seus braços
em direção aos céus. “Eu voltei!”
— Cara, vamos todos para o inferno — disse Alex sorrindo. — Esse é o
tipo de merda que as pessoas falam quando dizem que D&D é um jogo do
diabo.
— Acho que podemos parar depois dessa — disse Morgan.
Phil gargalhou.
— E é assim como você ganha um nível na classe evangelista.

Assim como Ganubi, Dungeons & Dragons viveu para lutar novamente. Em
1997, Lorraine Williams vendeu a TSR e todas as suas propriedades para a
Wizards of the Coast por 25 milhões de dólares e se aposentou para virar
mãe em tempo integral. Então, em 1999, a Wizards foi comprada pela
gigantesca companhia de brinquedos Hasbro por 325 milhões de dólares.
Como parte da mesma família corporativa de marcas como Sr. Cabeça de
Batata, G.I. Joe, Banco Imobiliário e Scrabble, Dungeons & Dragons
poderia ter sido relegado a um segundo plano. Mas agradeça a Wizards of
the Coast por ter ajudado a reviver a franquia com um plano de marketing
esperto. Em 2000, depois das vendas do jogo terem entrado em estado
terminal, a empresa lançou a terceira edição de Dungeons & Dragons, uma
revisão imensa das regras que foi bem recebida pelos fãs. Mas a terceira
edição ia além da tentativa de atualizar os principais livros de regras; o jogo
foi lançado como ponto central do “Sistema d20”, um universo inteiro de
regras de RPGs cobertas por uma licença de uso livre do material.
Inspirados pelo sistema operacional inovador do Linux, esses materiais
podiam ser baixados de graça, copiados, distribuídos e usados — e eles
logo acharam seu caminho para as mãos de jogadores em todo o mundo.
A licença também permitia que os fãs publicassem os próprios trabalhos
derivativos. Nos anos seguintes, um rico ecossistema de regras caseiras de
D&D começou a aparecer, a maioria on-line, mas também em lojas e
livrarias. Cada adição deixava o jogo ainda mais sedutor e atraía mais e
mais jogadores de volta para o passatempo.
Em 2003, quando a Wizards lançou a versão 3.5 de Dungeons & Dragons,
dessa vez uma propriedade protegida, ela incorporou várias das melhores
ideias dos suplementos caseiros. E como a nova edição também era
compatível com o sistema aberto, ele encorajou ainda mais o
desenvolvimento de projetistas amadores. No aniversário de trinta anos da
franquia, em 2004, o jogo estava crescendo rapidamente pela primeira vez
em uma década.
A última atualização confiava pesadamente em modas tecnológicas para
atrair novos jogadores. A quarta edição de Dungeons & Dragons, lançada em
2008, mexeu no jogo em tantos pontos que alguns críticos falaram que
parecia muito um videogame: um mago, por exemplo, poderia lançar um
feitiço repetidas vezes, sem limites, como um garoto apertando o botão de
ataque no controle do Xbox. Os fãs da velha guarda ficaram horrorizados,
mas a nova versão conseguiu chamar jogadores mais jovens.

Algo aconteceu comigo depois de jogar Mundo Vampírico. A surpreendente


e ridícula morte — e ressurreição — de Ganubi não saía da minha cabeça:
se já fui viciado por D&D, agora estava obcecado. Tudo em que eu
conseguia pensar era sobre criar mais dessas histórias.
No dia seguinte após a partida, eu estava saindo do escritório para
almoçar quando vi um grupo de estudantes em frente à Escola de Design
Parsons. Eles estavam se filmando com uma velha câmera de 8 milímetros.
Eu achei a cena tão apropriada para aquele lugar que comecei a me
perguntar se foi planejado; talvez um Mestre cósmico simplesmente tenha
escolhido “hipsters com câmera obsoleta” na tabela de encontros aleatórios.
Naquela noite, fiquei até tarde criando tabelas de referências de personagens
para Manhattan. Loja de conveniência, rolagem de 12: um sem-teto pede
esmola. Café, rolagem de 4: autor ainda não publicado fingindo escrever em
seu laptop.
Eu estava preocupado com a ideia até mesmo pela manhã e passei boa
parte do meu caminho para o trabalho pensando em maneiras de modelar um
sistema inteiro de RPG baseado na vida “real”. Concentrado nessa ideia,
cheguei até a recepção do meu escritório, quando um amigo se aproximou e
interrompeu a linha de pensamento: “Ei, cara”, disse ele. “Você notou que
está usando dois sapatos diferentes?”

Na outra semana, perdi o jogo porque estava fora da cidade a trabalho,


cobrindo a Electronic Entertainment Expo (E3), em Los Angeles. É a maior
feira da indústria de videogames, uma orgia de coisas nerds, onde
companhias como Microsoft, Nintendo e Electronic Arts mostram os jogos
que lançarão durante o ano e novos equipamentos. Há fãs que matariam para
ter a oportunidade de entrar na feira — e eu passei boa parte do meu tempo
pulando de apresentação em apresentação feito um sonâmbulo, pensando em
jogos que usam papel e dados.
Para me manter interessado, comecei a perguntar a mesma coisa para
todos os executivos e projetistas de games que encontrava: você já jogou
Dungeons & Dragons? E, repetidamente, ouvia a mesma resposta: eles
amavam o jogo quando crianças e ele era em grande parte responsável por
estarem criando games para viver.2
“Todo mundo que conheço na área teve essa experiência”, diz Ian Bogost,
um professor de mídia e computação interativa do Instituto de Tecnologia da
Georgia. “Eles todos jogavam Dungeons & Dragons. Alguns talvez não tão
intensamente... Mas era um início para todos.”
De acordo com Bogost, D&D exerceu uma enorme influência no
desenvolvimento da indústria de videogames porque havia uma forte ligação
entre os jogadores de RPG de mesa e as pessoas que estavam interessadas
em microcomputadores nos anos 1970 e 1980. “A coisa mais óbvia a se
fazer era juntar essas duas coisas, porque você tinha um sistema de regras e
uma máquina capaz de simulá-las e resolvê-las.” E assim como a ficção de
Tolkien inspirou os primeiros role-playing games, D&D serviu de modelo
para os primeiros videogames: a ideia de um personagem com recursos que
anda por cenários diferentes, supera obstáculos e se desenvolve com o
passar do tempo — tudo isso tem origem no D&D.

Em novembro, precisei fazer uma viagem de negócios para Londres. Peguei


o último voo noturno em Nova York, mas dormi apenas duas horas no trecho
transatlântico e nada na conexão em Dublin. Quando saí do trem Heathrow
Express, na estação Paddington, eu estava perto da total exaustão, tão
sonolento que podia sentir minha consciência se separar do meu corpo e
processar tudo que eu fazia — andar, falar, atravessar ruas cheias de carros
— alguns segundos depois de ter realmente acontecido.
Então, naturalmente, larguei minhas malas, engoli duas xícaras de café
forte e saí para jogar Dungeons & Dragons. Dane-se a fadiga; se eu estaria
fora da cidade e de minha campanha de sempre, precisava saciar meu vício
em algum lugar. Assim que reservei minha passagem — e antes de encontrar
um hotel —, localizei um jogo de domingo no The Ship, um pub na Borough
Road, em Southwark.
Alistair Morgan, o Mestre, era um cara de 37 anos que trabalhava como
gerente de TI — “possivelmente confirmando um estereótipo ou dois”,
admitiu ele. Mas três dos cinco jogadores na mesa eram mulheres. “Há duas
mulheres também no outro jogo que organizo”, ele me disse. “Acho que os
videogames têm chamado atenção para o D&D e isso trouxe mais
jogadoras.”
Entendi que o ciclo estava completo. D&D ajudou a criar os videogames;
os videogames quase destruíram o D&D; e agora os games estavam levando
as pessoas de volta para o D&D. Todo mundo que joga videogames — e, se
você contar com joguinhos de Facebook, de celulares e consoles
tradicionais, estamos falando de todos nós — foi exposto às crianças do
D&D, absorveu seu D&DNA. A estranheza estava deixando o role-playing
game, porque ele não era mais tão incomum quanto no passado.
Uma das jogadoras de Alistair era Jodi Snow, uma artista de efeitos
especiais de 22 anos que gosta de videogames desde criança. Ela
experimentou o D&D pela primeira vez em 2011, quando um amigo comprou
o jogo e a turma toda topou jogar. “Você ouve todos os tipos de histórias
nerds sobre RPGs de mesa”, disse ela. “Estávamos esperando algo tedioso e
incrivelmente difícil de aprender. Mas fomos surpreendidos.”
Perguntei se as outras mulheres na mesa podem ter chegado por uma rota
mais tradicional — como um namorado que as convenceu a entrar no grupo.
“Na verdade”, Jodi me falou, “Cristina é que arrastou o marido para o
jogo.”

Depois de deixar o jogo no The Ship, caminhei entre a Waterloo Bridge e


Cambridge Circus. Eu estava pensando sobre uma nova geração de
jogadores liderando um renascimento do role-playing game de fantasia —
D&D todas as noites! Foi quando notei algo lá longe, no fim de uma rua
perpendicular, e dei uma segunda olhada — um letreiro laranja com um texto
negro, quase ilegível: Dungeons Dragons.
Eu virei na hora e passei pelo tráfego em direção à luz. Andando
rapidamente pela faixa, meu coração acelerou com a perspectiva de
descobrir uma nova loja de jogos ou passatempos, mais uma evidência do
futuro próspero do D&D — então cheguei perto o suficiente para ver que o
letreiro, na verdade, dizia Dvd&Book Bargains.
“A que ponto eu cheguei?!”, pensei. “Preciso realmente pensar em outra
coisa além de Dungeons & Dragons.”
Felizmente, eu estava sem compromissos na manhã seguinte e tinha a
oportunidade de visitar pontos turísticos. Acordei cedo e procurei as
direções para o palácio de Buckingham, a Torre de Londres e a Catedral de
Saint Paul... E, então, as ignorei, pulando no próximo trem para Kensington
para visitar a Doctor Who Experience, uma exibição de objetos cenográficos
e figurinos da série de ficção científica do canal BBC. Nerds serão sempre
nerds.

Notas:
1. “Essa magia funciona como Reviver os Mortos, exceto pelo personagem poder ressuscitar uma
criatura que esteja morta há até 10 anos por nível de conjurador. [...] Ao completar a magia, a
criatura é imediatamente restaurada com pontos de vida, vigor e saúde completos, sem perder
nenhum nível (ou ponto de Constituição) ou magias preparadas.” Livro do jogador, p. 239-40.
2. Até Curt Schilling, tricampeão mundial de beisebol, que se aposentou do esporte e abriu a própria
empresa de videogames, me confessou que era “um fanático por D&D”.
13
A ESTALAGEM NO FIM DO MUNDO

P
or um bom tempo, Morgan tem falado sobre algo chamado Otherworld,
uma “aventura de fim de semana” organizada todo outono em um
acampamento em Connecticut. Os frequentadores se vestem como magos e
guerreiros e passam três dias tentando completar uma missão heroica.
Morgan descobriu o evento por causa de um amigo e gostou tanto que se
juntou à organização.
Eu caí fora. Apesar de ter relaxado sobre minhas aspirações nerds, não
estava preparado para colocar uma fantasia e correr pelos bosques. Eu podia
justificar passar uma noite por semana fingindo ser um clérigo, já que não é
diferente de uma partida de pôquer ou um boliche com os amigos. Mas
ninguém se veste como a lenda Walter “Deadeye” Williams antes de sair
para o boliche.
Além disso, Otherworld me soava terrivelmente parecido com algo que
eu aprendi a temer e odiar: um role-playing game em live-action, ou LARP.
O primeiro deles pode ter sido Dagorhir, uma batalha medieval organizada
em Maryland pela primeira vez em 1977 por um fã de Tolkien chamado
Bryan Weise.1 Fissurado por fantasia depois de ler O senhor dos anéis e
assistir ao filme Robin & Marian, com Sean Connery, ele anunciou o evento
em uma estação de rádio local, convocando qualquer um que desejasse
“combater nas guerras dos hobbits com armas de brinquedo”.
Parece inofensivo, mas, para muitos nerds, os live-action representam o
lado obsessivo e ilusório dos role-playing games. Há um vídeo infame no
YouTube de um LARPer correndo entre as árvores, vestido como um mago, e
gritando “Relâmpago! Relâmpago!”. Cada uma das 3,6 milhões de exibições
aumentou a percepção de que D&D é bizarro e de que passo minhas noites
de terça deixando homens adultos baterem em mim com espadas de espuma.
Como nunca testei um live, o preconceito contra o gênero era
completamente hipócrita e ignorante. E Morgan batia na tecla que
Otherworld não era um live — a ênfase, ele disse, era na narrativa e não nas
regras. Ele argumentou que as pessoas eram normais, novatos no mundo dos
RPGs encarando a experiência como um fim de semana divertido fora de
casa e na natureza. Ele fez parecer que poderia ser divertido.
Eu sabia que teria de experimentar um live — ou algo assim — se
quisesse entender verdadeiramente o mundo dos jogos de interpretação de
papel. Então, protegido pela conveniente desculpa da “reportagem”, como se
estivesse envolvido por um Manto da Resistência,1 eu me inscrevi.
E comecei a gostar. Algumas semanas antes de Otherworld, um pacote
chegou pelo correio contendo o livro do jogador participante e uma carta
impressa em uma fonte pseudomedieval em papel pergaminho. Ela explicava
que eu interpretaria um mago de Keer, “uma ilha de médio porte no mar
Taliano... o mais divino e terrível em todo o reino”. A escritora, a duquesa
de Keer, explicou que a ilha estava sob ataque de um monstro marinho, um
leviatã que afundava navios, imune a qualquer ataque que levasse a sua
derrota. Eu deveria viajar para o continente, rumo à vila de World’s Edge
[Fim do Mundo], com o objetivo de localizar os lendários “Cavaleiros do
Círculo Dourado” e implorar ajuda.
Para fazer isso, segundo o manual, eu precisaria me reunir a outros cinco
participantes em um grupo de aventura; encararíamos uma série de desafios
que seriam resolvidos por meio de quebra-cabeças, interpretação de papéis
e, sim, combates com espadas de espuma. Com exceção de um pequeno
intervalo na noite de sexta-feira, nós habitaríamos um mundo de fantasia até
domingo à noite; por quase 48 horas, eu deixaria de ser o simples Dave para
virar uma “versão heroica” de mim mesmo. Em outras palavras: estaria
correndo pela floresta, vestido de mago e gritando “Relâmpago!
Relâmpago!”.
Enquanto minha autodepreciação crescia, eu criei meu personagem. Os
participantes de Otherworld não são ligados a um PC; eles confiam nos
próprios atributos e perícias, não nos números em uma planilha. Mas se
espera deles que se integrem à história e isso exige uma fantasia, um nome
falso e um pano de fundo para sua versão heroica.
Decidi que meu mago era um estudioso da magia, isolado e intelectual —
uma escolha claramente levada pelos meus mecanismos de defesa. Eu o
batizei de Dewey, em homenagem ao sistema de catalogação das bibliotecas
americanas. O fato de pensar que isso seria uma despojada ironia de alguém
que está pouco se lixando — em vez de prova definitiva de que eu já era um
dos maiores nerds do mundo — mostrava meu nível de negação.
Para a fantasia, eu usaria calças folgadas marrons e uma camisa social
azul-marinho, coberta por um manto negro esvoaçante. Por 200 dólares, o
item artesanal (encomendado em uma loja de fantasias especializada em
LARPs e encenações históricas) representava um nível de comprometimento
suficiente para mostrar que estava levando tudo a sério. Então, falei para
Kara e para alguns amigos, que sabiam para onde eu iria, que a compra era
um embuste, que me permitiria usar roupas normais por baixo.
(Secretamente, eu estava bastante fissurado: desafio qualquer cidadão
minimamente nerd a colocar um manto e não se imaginar como Gandalf,
Dumbledore e/ou Luke Skywalker.) Um caderno com capa de couro
completou o conjunto — meu “livro de magias” servindo como bloco de
reportagem.
Otherworld Adventure foi organizado naquele ano no primeiro fim de
semana de outubro no acampamento Windham-Tolland 4-H, em Pomfret,
Connecticut. É um lugar agradável nas colinas a cerca de 100 quilômetros de
Manhattan, umas três horas de viagem de carro — a menos que você seja
burro o suficiente para sair do trabalho na Quinta Avenida exatamente antes
da hora do rush, então elas viram seis horas. Quando finalmente cheguei, a
única luz no acampamento vinha de um alojamento de dois andares
construído em um morro de tal maneira que seu porão se abrisse como o de
um estacionamento.
Quando entrei, notei que era o último a chegar. Sete grupos de seis
pessoas empoleiradas em bancos de madeira se viraram, riram e me
aplaudiram. Sorri corajosamente, peguei o lugar mais próximo e tentei
conseguir 20 em minha jogada de Esconder.
Kristi Hayes, uma das fundadoras de Otherworld e atual escritora e
diretora, postou-se na frente da sala, dando as últimas instruções. Apenas
ladinos podiam desarmar armadilhas, ela nos avisou. Fiquem hidratados.
Não batam com as espadas nas cabeças das pessoas.
A variedade dos participantes foi minha primeira surpresa do fim de
semana. Quase metade era de mulheres e, enquanto jovens entre 20 e 30 anos
constituíam o maior grupo, havia um número decente de adultos fora desse
limite de idade.
Os seis aventureiros de Keer não eram exceção. Três deles, garotas de
Austin, Texas, foram para o Otherworld como parte de uma festa de
aniversário de 30 anos. Jen, a aniversariante, interpretaria nosso bardo,
Kinkaid. Ela usava grandes óculos hipsters, piercing no lábio e meia-calça
brilhante por baixo de um manto verde que ia até o joelho. Summer (uma
ladina chamada Pearl) lembrava Ally Sheedy de O Clube dos Cinco; sua
fantasia incluía uma jaqueta azul e dourada que parecia ter sido desenhada
por John Galliano para um show de moda para piratas, depois perdida no
aeroporto de Milão e redescoberta anos depois em um brechó no Texas. Ela
recebeu elogios o fim de semana inteiro. Elaine (uma ranger, Merrick) era
alta e magra e com um leve jeito de garoto — ou pelo menos esse era o
efeito causado pelo macacão e pela camisa de flanela que ela vestia como
fantasia. Charron era mulher também, porém mais velha, possivelmente
acima dos 60 anos. Ela era da área e, como eu, tinha um amigo na equipe de
Otherworld. Charron interpretava Willow, nosso clérigo. O último membro
do grupo era confortavelmente familiar: Phil, de Boston, um sujeito branco,
magro, nos seus 30 anos, quieto e meio nerd. Ele me falou que estaria
jogando com um paladino chamado “Sure, Swift Justice”, mas que
poderiámos chamá-lo de Justice [Justiça].
Havia um sexto membro do grupo: Chris, um veterano de seis anos da
equipe de Otherworld, que nos acompanharia no fim de semana. Uma
combinação de conselheiro e quebra-galho, um acompanhante tem a função
de manter seu time longe de quebrar coisas importantes — inclusive ossos,
regras e a narrativa. Chris cresceu em Long Island e me era familiar, talvez
porque preenchia os requisitos do arquétipo de alguém de Suffolk County:
um cara de classe média, fã de lacrosse ou remo, inevitavelmente descrito
como “um garoto do bem”. Ele era um pouco baixo, mas de compleição
atlética, bronzeado saudável e um corte de cabelo bem curto para esconder
onde estava ficando calvo.
O primeiro dever de Chris era nos liderar para fora em direção ao
treinamento de combate. Já que o objetivo definitivo de eventos como
Otherworld é a imersão na fantasia, esses jogos deixam os dados de lado em
favor do confronto físico — cuidadosamente mediado. As regras das
batalhas de live podem ser bastante complexas; já em Otherworld eles
gostam de deixar tudo simplificado. Cada personagem recebe um número de
“Danos Livres” (pontos de vida, basicamente) e cada vez que você era
tocado por uma espada perdia um ponto. Quando chegava a zero, uma
pancada em um membro significaria que você precisaria parar de usá-lo; um
acerto no torso o deixava inconsciente. Quando isso acontecia, você caía no
chão e contava silenciosamente até cinquenta; se ninguém chegasse para
ajudar antes do fim da contagem, você estava morto.
Como um mago, eu tinha apenas um dano livre, o que me tornava o
integrante mais fraco do grupo. Eu poderia ser atingido três vezes (1. em
qualquer lugar, 2. em algum membro e 3. em qualquer lugar) ou duas (1. em
qualquer lugar e, em seguida, 2. no torso) e estaria mortinho da silva.
Felizmente, como Ganubi demonstrou, a morte raramente é permanente nos
RPGs de fantasia. Em Otherworld, morrer significa virar um fantasma: basta
pegar um pedaço de lenço branco do bolso e colocar sobre a cabeça, como
um vilão de Scooby-Doo. Você não tem permissão para conversar ou
interagir fisicamente com as pessoas e deve ficar assim até ser ressuscitado
por um feitiço de clérigo ou poção mágica.
Um amigo da equipe entregou nossas “armas de espuma” — espadas de
90 cm construídas com um núcleo rígido, mas cobertas em toda sua extensão
por uma espuma negra. Elas são leves, fáceis de manejar e, quando você é
atingido por uma, dói tanto quanto um travesseiro na cara. Meus
companheiros ganharam essas espadas; como mago, recebi um punhal
idêntico, a não ser pelo tamanho: 30 cm mais curto que as espadas. Eu não
conseguia evitar: “Não é sobre o tamanho da espada, mas sobre como você a
usa”.
Nós, então, fomos colocados contra seis membros da equipe para um
breve treinamento prático. Não sou especialista em esgrima — meu
conhecimento não vai além do en garde e touché —, mas acredito que nossa
performance seria classificada como manger la merde. Luta de espadas é
complicada mesmo quando sua saúde não está em risco e fica incrivelmente
difícil em um combate grupal, com inimigos vindos de todos os lados.
Uma vez que estávamos treinados e equipados, Chris nos desejou boa
sorte e apontou para um homem em pé perto do canto do alojamento, onde
havia uma passagem para cima do morro cercando o prédio em direção à
entrada principal. “O Narrador irá acompanhá-los até a taverna”, disse ele.
“Eu os verei mais tarde.” Ele se virou e entrou de volta no porão.
Olhei de relance para Jen, esperando que alguém tomasse a iniciativa,
mas os olhos dela refletiram meu próprio pânico repentino. Eu esperava que
Chris amenizasse minha relação com eles, que fosse meu embaixador em
Otherworld e me permitisse manter uma distância emocional e intelectual.
Mas agora ele foi embora e os membros do meu grupo estavam tão pouco
comprometidos a entrar na fantasia quanto eu. Respirei fundo, joguei um
bem-sucedido dado para calcular a Vontade e caminhei em frente.
Felizmente, o Narrador não era uma figura imponente. Seu corpo
rechonchudo estava embalado em um blazer de tweed professoral, completo
com remendos de couro; na altura do pescoço, havia um cachecol amarelo.
Seu espesso cabelo marrom e encaracolado me lembrava Bilbo Bolseiro.
Ele segurava um livro de capa de couro à sua frente e, quando nos
aproximamos, ele olhou para baixo e começou a ler.
“Era uma vez, no reino de Lyria, seis viajantes que embarcaram em uma
expedição perigosa”, disse ele. “Pediram-lhes para que deixassem suas
casas e famílias e seguissem para World’s Edge, uma pequena vila situada
nas fronteiras distantes das terras civilizadas. Seria uma jornada arriscada,
eles sabiam, mas necessária rumo à sua terra natal, então apanharam suas
mochilas e começaram a jornada.
“Eles marcharam por dias e dias, não ousando ficar em nenhum lugar por
muito tempo. Cada vez que demoravam mais que o previsto, as chances de
completar a missão diminuíam e, embora não tenham conversado sobre isso
direito, somente o conhecimento do fato pesava em suas costas.”
Ele se virou e começou a nos levar pela trilha, ainda narrando o livro.
Deixamos a área de treinamento para trás e adentramos no desconhecido.
“Ao alcançar a fronteira de Moreth, o ducado mais ao oeste em Lyria,
todos os viajantes se olharam em regozijo. Moreth era tida como uma terra
de estranhas energias mágicas e fenômenos inexplicáveis tomavam conta do
lugar.
“O perigo que eles encontraram na primeira noite, contudo, não era de
origem mágica: enquanto o grupo dormia, o acampamento foi atacado por um
grupo de ladrões. Os viajantes escaparam, mas os bandidos fugiram com a
maioria das moedas que carregavam para a viagem.
“Ainda assim, o humor dos aventureiros melhorou quando alcançaram o
destino seguinte. O outono era agradável para uma caminhada, e o interior e
os bosques de Moreth eram lindos.”
No topo da colina, tudo que se via era a luz da lua e natureza. Um lago
surgiu à nossa direita, cintilante, tranquilo e intocável, mas com alguns
traços de névoa. Além dele, havia morros e florestas até o horizonte. Nada
de luzes ou carros, apenas umas sombras indistintas interrompiam o tapete
de árvores. Eram cabanas, provavelmente, mas poderia ser algo mais
estranho.
“A noite chegou sombria e silenciosa quando alcançaram seu destino.
Abaixo, ao longo da trilha de madeira, eles viram luzes brilhando em uma
construção.” À nossa esquerda, a estalagem havia sido transformada:
oscilantes luzes de velas saíam das janelas, assim como sons fracos de uma
taverna — um burburinho de vozes, copos brindando e fragmentos
indecifráveis de conversas. O Narrador parou na entrada.
“Eles finalmente alcançaram seu destino. Os seis viajantes andaram em
direção à porta e entraram na estalagem de World’s Edge.”
Eu me recordo desses últimos poucos passos rumo à taverna em detalhes.
Constrangido, nervoso e preocupado com o que viria a seguir, fui um alvo
fácil para os truques simples e a história hipnotizante do Narrador. Os outros
membros do meu grupo pareciam afetados de forma semelhante. Nós
empurramos a porta e entramos.

A estalagem em World’s Edge era uma visão bem-vinda após uma


longa jornada desde Keer. Era quente, confortável e segura.
Pequenos grupos de estranhos se amontoavam sob a luz fraca,
vestidos com simples túnicas, vestes, mantos ou calças. Eles se
inclinavam para a frente e sussurravam, como se uma palavra mais
alta pudesse acordá-los de um sonho.
Nosso grupo sentou-se diante de uma mesa coberta com um pano
escuro e oito pesados pratos de chumbo. Um lampião e pequenas
velas oscilavam ao centro. Na parede à nossa direita, acima da
lareira, havia uma bandeira em azul real brasonada com um sol — o
selo do barão Valerius, o nobre que governa World’s Edge.
Depois de um tempo, uma mulher usando vestidos simples, com
um laço na cintura, se aproximou da mesa e nos deu as boas-vindas.
Ela nos entregou canecas de cerâmica, se afastou um pouco e
retornou com um garrafão de vinho e uma bandeja repleta de
queijos, uvas e pedaços de carne seca. Famintos, nos fartamos com
gosto.
Alguns minutos depois, recebemos o último membro do grupo. Um
homem ficou em pé na cabeceira da nossa mesa, usando uma túnica
azul folgada. Ele parecia familiar... um pouco baixo, mas de
compleição atlética, bronzeado saudável e um corte de cabelo bem
curto para esconder onde estava ficando calvo.
“Meu nome é Kint”, ele disse, sorrindo. “Poderia me juntar a
vocês?”
Ele puxou uma cadeira da nossa mesa. “O que traz vocês até
World’s Edge?”

Otherworld é um pouco como o Clube da Luta: há brigas, missões secretas e


você não pode falar sobre isso. Os participantes — que só podem se
inscrever uma única vez — recebem pedidos para manter o roteiro em
segredo; eu estou me arriscando a levar uma punhalada (de espuma) nas
costas apenas por dividir esses poucos detalhes.
O código de silêncio não é um produto similar ao Projeto Caos — sem
lavagem cerebral, apesar da equipe dedicada. (Otherworld é organizado por
ex-participantes como Morgan, que retornam ano após ano para compartilhar
sua experiência; o nível de devoção deles chega aos limites de um culto, mas
sem as implicações sinistras.) Na verdade, é tudo por causa dos spoilers. O
fim de semana Otherworld é um enorme teatro interativo, com roteiro,
personagens e uma série de tramas, algumas que se repetem. Participar do
jogo é como subir ao palco no ato final de Hamlet e chutar Laertes na
virilha... com os atores respondendo para jogar você na história e recitando
diálogos que o bardo tinha escrito caso esse tipo de coisa acontecesse.
Otherworld foi criado em 1991 por quatro membros de Quest, um grupo
de live de Connecticut. Meses depois de completar uma missão
particularmente desafiadora, eles receberam uma carta de uma participante.
“Era de uma mulher e ela começava dizendo: ‘Vocês vão achar que sou
louca, mas o evento que organizaram mudou minha vida’”, conta Kristi
Hayes. “Ela estava em um emprego sem perspectivas, que odiava, e morando
com o namorado, que, pelo que se podia notar, a tratava mal. Ela aceitou que
[...] aquilo provavelmente era o melhor que podia esperar da vida.”
“Ela então nos falou que passou o fim de semana tendo todas as aventuras
e fazendo coisas desafiadoras. Tinha, aliás, medo de falar em público, mas,
em certo momento do evento, a história sofreu uma sombria reviravolta e ela
deu uma ideia de como resolver o problema. Levantou-se no meio da
multidão e falou para todos. As pessoas a ouviram e seguiram sua ideia e,
por incrível que pareça, ela salvou o dia.
“Ela nos disse que continuou com sua vida nada espetacular, mas sempre
pensava naquele fim de semana. Recordava-se daquela pessoa em que se
transformou no evento, aquela que se levantava no meio de uma multidão e,
embora ainda com medo, convencia o grupo a ouvi-la. E nunca vou esquecer
o que falou sobre isso... ‘Ela nunca aguentaria essa merda. Ela acharia uma
maneira de consertar as coisas... Se posso fazer coisas heroicas quando
estou correndo pela floresta, por que não posso fazer o mesmo em casa?’
“Então ela fez. Saiu para arranjar um emprego melhor e chutou o
namorado nojento. Ela fez essas escolhas e construiu uma vida melhor e
sentiu que precisava nos escrever para agradecer. Foi incrível ver que fomos
capazes de ajudar alguém assim. Então começamos a pensar: ‘Caramba, se
esse evento fez tudo isso, quando nosso objetivo era apenas proporcionar
diversão, o que aconteceria se organizássemos eventos nos quais tentaríamos
dar as oportunidades certas a essas pessoas?’”
Como Otherworld deliberadamente corteja participantes que nunca
jogaram live, ele foge de várias regras encontradas nestes jogos. Não há
pontos de habilidade ou atributos e, embora você adote um nome de fantasia,
você permanece o mesmo; não precisa interpretar um personagem com
personalidade própria.
“Eu sempre relutei em usar a expressão ‘intepretação de papéis’ para
descrever o que se faz em Otherworld, porque isso geralmente faz as
pessoas pensarem que irão fingir ser alguém diferente de si mesmas”,
explica Hayes. “Tendo dito isso, nós certamente pegamos várias ideias
emprestadas do D&D e de outros RPGs. Também nos inspiramos em grupos
educacionais, como o Outward Bound, e então misturamos esses elementos
para fazer algo ligando tudo isso, mas de uma forma diferente.”
Otherworld também simplifica as regras para atividades como lançar
magias. Em diversos LARPs, se você quiser lançar um relâmpago em um
inimigo, precisará atingi-lo com um saquinho de feijão enquanto grita o
feitiço (“Relâmpago! Relâmpago!”). Em Otherworld, você assopra um apito
e todo mundo fica parado enquanto você lê um roteiro que diz exatamente
como os participantes devem reagir:
“Eu, [nome], um mago do Fogo, lanço o feitiço Relâmpago em [seleciona
um alvo]. E agora conjuro do céu um poderoso raio, que atingirá seu
[especifique um membro de seu alvo].”
Otheworld concentra-se na história e não nas regras do jogo; tenta
transmitir uma experiência. Em vários LARPs, a trama é uma desculpa para
a ação — “O exército vermelho e o exército azul estão em guerra” ou “Você
foi contratado para assassinar um lich maligno.”2 Em Otherworld, há uma
narrativa completa desenvolvida, um conflito central compartilhado pelos
jogadores e dúzias de sub-enredos específicos para cada grupo.

Kint ficou tão comovido com nossa história sobre o leviatã e o


desespero de Keer por ajuda que se ofereceu para nos escoltar. Ele
tinha uma casa não muito distante da taverna onde poderíamos
passar nossas noites e prometeu nos apresentar aos habitantes
locais, que poderiam ajudar em nossa missão: Solomon, o
estalajadeiro; Serendipity Bostwich, um estudioso e cientista; e
Obsidian, um clérigo cuja fama é de um dos mais poderosos do
reino.
Estávamos discutindo nossos primeiros passos quando as portas
da taverna se abriram e um homem entrou. Sua presença fez todas as
conversas cessarem. Alto e bonito, vestia um fraque e tinha uma
cartola na cabeça, a qual retirou e colocou junto ao corpo.
“Senhoras e senhores”, bradou ele à multidão. “Sou Maximilian
von Horn, diretor do Circo Eterno.” A trupe, disse o senhor, armou
acampamento nos limites da cidade e, pelas próximas duas semanas,
organizaria performances noturnas. Teríamos a chance de
testemunhar alguns dos andarilhos mais talentosos do reino:
acrobatas, malabaristas, um homem forte e até uma dançarina do
fogo.
O anúncio foi recebido com aplausos na multidão. “Você tem
algum palhaço?”, gritou uma mulher sentada em uma mesa do outro
lado do salão.
Von Horn franziu as sobrancelhas ao pensar. “Palhaços, minha
querida, são os infelizes efeitos colaterais dos circos.”

Meu fim de semana em Connecticut viu a segunda e última performance do


Circo Eterno, uma história contada por todos os três dias, protagonizada pela
maioria da equipe do jogo e por todos os participantes de Otherworld.
(Cada grupo também possuía a própria subtrama, retirada de uma lista de
conflitos frequentemente repetidos — não éramos os primeiros viajantes de
Keer a ter problemas com um nojento Leviatã.)
Algumas vezes a história avançava na forma de um teatro caseiro: quando
nosso grupo visitava a taverna para refeições, os membros da equipe
(interpretando cidadãos de World’s Edge) faziam pronunciamentos ou
criavam conflitos de acordo com roteiros predeterminados. Outras vezes, os
atores usavam uma improvisação direta: ao andar pela cidade, nosso grupo
podia encontrar Bumble, o Mago, ou o professor Chuttlesworth, que
mencionaria um crime misterioso cometido na semana anterior.
Normalmente, Hayes escreve uma nova história a cada dois anos. Elas
são criadas para divertir usando elementos de teatro tradicional (o Circo
Eterno até incluía um número musical), mas também para encorajar a
interação. Cada história coloca a vila em uma situação de perigo e exige que
os participantes ajam para salvá-la.
É uma técnica surpreendentemente eficaz. Claro, você pode mergulhar no
drama ao assistir a uma peça teatral sobre uma vila em perigo. Mas quando
você faz parte da comunidade, o ator pega sua mão e implora por sua ajuda,
a absorção é muito maior.
“Como ser humano, acho natural estar interessada em mim mesma”, diz
Hayes. “Imagine uma história na qual você possa interpretar um papel-chave.
É claro que vou achá-la completamente atraente [...] e quando tenho a
oportunidade de fazer coisas incríveis e até de me surpreender com minhas
conquistas, ver essa história se desdobrar terá um efeito realmente poderoso.
“É parecido com a experiência de ver um filme feliz e torcer no fim
porque o herói triunfou contra todas as adversidades, deixando você bem por
dentro. Nossa trama tem tudo isso, mas a pessoa que supera as dificuldades é
você. Isso é poderoso.”
Eu não sou um fã de interações com a plateia; quando estou no teatro e os
atores descem do palco, tendo a me encolher no assento e rezar para que
escolham o trouxa do meu lado. Mas Otherworld é projetado desde o início
para tirar as pessoas das cadeiras e jogá-las na ação. E seu roteiro é tão
esperto que você não tem alternativa a não ser mergulhar nele.
“Cada manual para a equipe que escrevo tem de 400 a 450 páginas”, diz
Hayes. “Não é um roteiro de verdade, claro, no qual mando nosso time de
mais de oitenta pessoas falar exatamente o que escrevi. Em vez disso,
explico tudo sobre os personagens — cada linha narrativa de Otherworld
tem cerca de cem personagens, excluindo os monstros e encontros casuais
—, o pano de fundo da trama e a linha de tempo rascunhada para o fim de
semana.”
Meus momentos preferidos eram quando um comentário aparentemente
improvisado se transformava em um elemento crucial da história. Por
exemplo, à medida que a trama do Circo Eterno se revelava, ficava claro
que a trupe de Maximilian von Horn escondia algo mais. Um dia depois de
sua apresentação na taverna, vários grupos foram emboscados e mortos por
estranhos monstros na floresta — criaturas malignas usando maquiagem de
arlequins, empunhando espadas gigantes. Bem que ele avisou que os
palhaços eram “infelizes efeitos colaterais dos circos”.
Executar essas reviravoltas no roteiro exige uma escrita precisa, mas
Otherworld também confia na improvisação e na flexibilidade para que os
jogadores tomem as próprias decisões. Eles precisam sentir que estão
conquistando algo, em vez de apenas assistir, e é aí que entram os
acompanhantes.
Integrado em nosso grupo no papel de Kint, Chris conseguia gentilmente
nos colocar no caminho que precisávamos seguir enquanto mantinha a ilusão
de livre-arbítrio. Ele oferecia sugestões e conselhos, mas como vinham de
um membro do bando não sentíamos como se estivéssemos presos a uma
trilha.
Em uma missão, descobrimos que precisávamos entrar nos domínios da
Morte para obter um item mágico, mas o portão para o submundo estava
fechado por Bumble, o Mago, que lançava um feitiço a cada manhã para
selar o caminho. Bumble — um sujeito genial mas esquecido por causa do
cérebro frito por forças arcanas — usava uma linha amarrada no dedo para
lembrá-lo de sua responsabilidade. Então, nosso grupo decidiu que o melhor
plano era esperar Bumble ficar sozinho, esgueirar por trás dele e nocauteá-lo
com uma pancada na cabeça. Roubaríamos a linha, nos certificando de que
ele esquecesse suas obrigações, o portal abriria e ganharíamos acesso.
Era um bom plano, exceto pelo fato de que a história dependia de uma
ação totalmente diferente para a abertura do portão; fazer isso tão
precocemente destruiria o roteiro e o fim de semana — e seríamos
criminosos procurados assim que Bumble acordasse e relatasse como o
atacamos e roubamos.
A princípio, Chris tentou nos avisar gentilmente (“Não há outro jeito?”).
Quando não conseguimos ter outra ideia melhor, ele fez um apelo emocional
(“Bumble é um cara legal, vocês realmente querem machucá-lo?”). Quando
nos revelamos brutos insensíveis, ele foi bem-sucedido ao nos desorientar
(“Já que vocês não conseguem decidir, por que não vamos fazer outra coisa
e conversamos sobre isso mais tarde?”). Claro, já havíamos decidido, mas
ele conseguiu expor suas preocupações como se fossem naturais. Depois,
quando tentamos retornar ao nosso plano, ele conseguiu nos enrolar (“Ei,
quem está com fome?”) até a situação se resolver conforme o planejado.
Outros membros da equipe encaram os próprios desafios. Apenas
acompanhantes interpretam o mesmo papel durante o fim de semana; a
maioria assume papeis múltiplos, escondendo-se atrás de máscaras de
monstros ou maquiagem. Eles precisam se transformar rapidamente e correr
de uma área do acampamento para outra. No setor dentro da estalagem, havia
uma imensa planilha pendurada nas paredes, do teto até o chão, alcançando
facilmente os 20 metros de altura. Ela descrevia onde cada pessoa deveria
estar em determinado momento e com qual fantasia, ao longo do fim de
semana. Parecia algo que você poderia encontrar no centro de comando do
George Patton durante as campanhas de guerra na África setentrional.
Chris também carregou um iPhone no bolso durante os três dias, usando
um app desenvolvido pela equipe que usava o GPS interno do celular para
rastrear os movimentos do nosso bando. Os organizadores planejavam
analisar os dados para determinar as rotas mais comuns pelo acampamento e
quando os participantes tendiam a realizar atividades diferentes do
planejado. Definitivamente, isso deixará o planejamento do fim de semana
ainda mais preciso.
O trabalho de encenação é imensamente detalhado. Os acessórios,
cenários e figurinos podem ser criados por amadores, mas são bastante
convincentes. Quando entrei pela primeira vez na estalagem em World’s
Edge, não vi um salão do acampamento 4-H — vi algo saído diretamente das
páginas de um livro de Tolkien. Poderia muito bem ser o Pônei Saltitante,
onde Frodo e seus amigos encontram Passolargo pela primeira vez.
“Um dos meus objetivos é criar cenas vívidas, com um grau de realismo
alto, e é isso o que difere minhas histórias das de outros autores”, diz Hayes.
“Não escrevo uma trama ambientada em um castelo, porque, por mais que
ame ler essas obras com castelos, nós não temos um à nossa disposição. E
não quero encher uma sala com pedras de papelão grudadas na parede e
colocar um aviso de ‘finja que isso é um castelo’. É por isso que você não
vai encontrar ninguém em Otherworld que possa voar.”
No sábado à noite, quando a ação atingiu o ápice, eu estava imerso na
aventura. Vivendo em uma ficção onipresente — não apenas feita de
palavras, mas com objetos físicos e pessoas reais —, aquilo me fez ver o
quão estúpido eu estava sendo em ter vergonha de estar ali, e foi então que
eu finalmente consegui aproveitar a brincadeira. Quando uma crise exigiu a
união de todos os oito grupos em três batalhas simultâneas, eu me dediquei
de coração — e lutei com tudo que tinha contra doze estranhos, bradando
minha espada de espuma como se fosse a Excalibur.
Quando os aventureiros de Keer retornaram à nossa cabana
compartilhada — cansados, sujos e triunfantes —, estávamos totalmente
rendidos à ideia de que éramos heróis. Enquanto nos preparávamos para
dormir, trocávamos histórias de nossas vitórias. Jen fez um discurso
merecido de triunfo. “Outras pessoas saem para beber no aniversário de 30
anos”, disse ela. “Eu matei a porra de um banshee.”

Eu tive um ótimo fim de semana, mas algo estava faltando. Quando o evento
terminou, no domingo, ouvi os outros participantes descrevendo a aventura
como “transformadora” e “a melhor coisa que fiz na vida” — e eu não
conseguia me identificar. Claro, foi divertida... Mas não profunda. Comecei
a me perguntar por que não dividia aquela experiência.
É possível que meus medos iniciais e preconceitos tenham evitado minha
total apreciação do jogo, apesar de eu duvidar disso. Tenho certeza de que
todo mundo começou nervoso, mas em pouco tempo todos nós estávamos
engajados. Em vez disso, acredito que as pessoas mais afetadas pela
experiência não tenham o contato frequente com a fantasia que eu tenho. Elas
podem ver Game of Thrones ou jogar World of Warcraft, mas isso é apenas
um exercício de observação, não de participação. A existência diária delas é
mundana: previsível e explicável. Vivemos em um mundo de trouxas e
apenas um punhado de nós tem a sorte de ter um vislumbre de Hogwarts.
Eu não sou um mago, mas, uma vez por semana, eu me sinto como um.
Jogos de interpretação de papéis me permitem experimentar o fantástico;
embora seja faz de conta, a catarse é real. Minha vida não está à espera de
magia — porque eu tinha Dungeons & Dragons.

Notas:
1. “Este traje oferece proteção mágica na forma de um bônus de resistência entre +1 e +5 em todos os
testes de resistência (Fortitude, Reflexos e Vontade).” Livro do mestre, p. 258.
2. “Os lich são conjuradores mortos-vivos, quase sempre magos ou feiticeiros, mas algumas vezes
clérigos ou outros conjuradores, que utilizaram seus poderes mágicos para estender suas vidas de
forma sobrenatural.” Livro dos monstros, p. 182
14
D&D NEXT

A
lgumas semanas depois de Otherworld, eu arrumei meus dados e parti
para uma nova aventura. Fiquei doente e não estava pronto para viajar
— pelo que sabia, eu era o paciente zero em uma grande epidemia de
capitão viajante1, de O enigma de Andrômeda ou mesmo de sarapintose.2
Mas recebi uma oferta que não poderia recusar havia alguns dias.
“A Wizards of the Coast gostaria de convidá-lo à nossa sede em Renton,
Washington, para fazer parte de um encontro exclusivo de Dungeons &
Dragons. Como um de nossos parceiros confiáveis na imprensa e um
respeitado membro da comunidade de D&D, você foi escolhido para
participar desta reunião particular onde anunciaremos algumas notícias
animadoras.”
Os jornalistas recebem esse tipo de oferta o tempo todo. As empresas
tentam ganhar nosso interesse em cobrir novos produtos usando palavras
como “exclusivas” e “animadoras”, e nos bajulando ao dizer que somos
“respeitados”. É como uma feira: o gerente de marketing gritando e o
repórter servindo de alvo. Gosto de pensar em mim, pelo menos
profissionalmente, como um infeliz cínico da velha guarda. Então, apago
todas as súplicas e pouco penso nelas.
Mas essa me impactou. As pessoas que fazem D&D acham que sou um
respeitado membro da sua comunidade? Ler isso me fez derreter; foi como
Jesus, Krishna ou Delleb3 descendo do céu para falar: “Ei, cara, você é bem
bacana.”
Você acha que eu gostaria de viajar metade do país no meu estado de
exaustão e doente, sentar em uma sala de reuniões e observar pessoas
fazendo uma apresentação no PowerPoint? Se essas pessoas são as mesmas
que fazem D&D, claro que sim. E eu tinha uma suspeita de que as “notícias
animadoras” poderiam ser uma nova edição de Dungeons & Dragons, então
esqueça a gripe: pela chance de ser um dos primeiros seres humanos a ver o
D&D 5.0, eu lutaria contra um bugbear4 com uma funda feita com um elástico
tirado da minha cueca.

O marco zero para o fenômeno mundial de Dungeons & Dragons, a casa da


maior fantasia de todos os tempos, o lugar onde a imaginação voa e a
aventura começa... é um prédio em formato de caixote e coberto de janelas
em uma região simples de escritórios. A sede corporativa da Wizards of the
Coast fica no subúrbio de Seattle; há uma creche no térreo e uma bela
cafeteria.
No quarto andar do prédio, no entanto, o cenário corporativo normal é
quebrado. Uma estátua de 3 metros de um dragão vermelho agiganta-se na
recepção; imagens das cartas de Magic: The Gathering cobrem as paredes;
as salas de reunião têm nomes como “A Tumba dos Horrores” e “Pequeno
Refúgio de Leomund”.5 Um funcionário me leva a uma grande sala de
reuniões, onde me junto a outros “respeitados membros da comunidade de
D&D” na tentativa de me sentar calmamente e evitar desmaiar de
empolgação.
Ainda bem que Liz Schuh, diretora de marcas para Dungeons & Dragons
da Wizards of the Coast, foi direto ao assunto. “Estamos no meio do que as
pessoas gostam de chamar de guerra das edições”, falou ela. “Queremos
corrigir isso. Não queremos que exista um rompimento entre os fãs. Então
estamos aqui para falar sobre a próxima edição de Dungeons & Dragons...
Um conjunto novo e universalmente compatível.”
Aqui está o problema, de acordo com a Wizards of the Coast: Dungeons
& Dragons não era mais um jogo único. Por décadas, a empresa havia
mudado as regras e lançado novas edições, porque era uma boa maneira de
manter os jogadores gastando dinheiro. Mas todas as vezes que ela
atualizava as regras, deixava uma fração da base de consumidores para trás:
pessoas que preferiam as regras antigas ou não tinham dinheiro para comprar
um novo jogo. Agora, uma pá de versões depois,6 a base de consumidores
estava tão fraturada que apenas uma pequena porcentagem de pessoas que
jogavam D&D pagava para isso. A maioria ainda estava usando os livros
que comprou há anos — ou décadas.
Isso era um problema enorme para os jogadores também. Todas as vezes
que perdíamos um jogador no Mundo Vampírico, arranjar um substituto era
uma luta, porque estávamos procurando membros de uma subcultura de uma
subcultura: não apenas jogadores de D&D, mas jogadores que conheciam e
preferiam a edição 3.5 das regras. Encontrar um novo membro para o grupo
era como tentar encontrar uma agulha no palheiro.
Para resolver o problema, a Wizards veio com um objetivo ambicioso:
criar um “conjunto de regras universal” que unifica todos os jogadores sob
um mesmo sistema. Mike Mearls, gerente do time de pesquisa e
desenvolvimento de D&D, tomou a palavra para explicar o que eles queriam
dizer. “Estamos focando nas coisas que deixam as pessoas empolgadas com
D&D e nos certificando de ter um jogo que englobe todos os diferentes
estilos”, disse ele. “Mesmo que não tenha jogado por vinte anos, queremos
que você seja capaz de sentar à mesa e dizer ‘Isso é D&D’.”
Mearls explicou que, quase um ano atrás, ele sentou com sua equipe, leu
todas as regras e jogou algumas sessões de cada uma das edições do jogo
desde as lançadas em 1974. O objetivo era ter um olhar além das regras e
identificar a essência do D&D, as experiências que definem o jogo — como
exploração, combate, aventura e história. O pensamento era que se o jogo faz
o participante sentir como se fosse D&D, as regras não importam. Os
jogadores reagem à experiência e só notam as regras quando elas
atrapalham.
Claro que pessoas diferentes procuram experiências diferentes. Um grupo
de velhos grognards que passou os últimos quarenta anos limpando
calabouços não quer a mesma coisa que um clã de universitários intelectuais,
mais a fim de interpretar os papéis. Para atender a tudo isso, a nova edição
estava sendo concebida como um sistema modular e flexível, facilmente
ajustável para preferências individuais.
“Assim como um jogador cria seu personagem, o Mestre pode criar as
próprias regras”, disse Mearls. “Ele poderia falar: ‘Vou desenvolver uma
campanha militar, então haverá um bocado de combates.’ Desse modo, ele
usaria o capítulo de combate, esqueceria as regras para miniaturas e
incluiria regras opcionais para artes marciais. Você pode ter o mínimo ou o
máximo de customização que desejar. O jogo é sobre deixar as pessoas
encontrarem a própria maneira de jogar.”
Mearls e Schuh não estavam preparados para falar sobre produtos
específicos. Mas, na prática, imagino que o jogo será criado com base em
alguns poucos manuais centrais — como o Livro do jogador, o Livro do
mestre e o Livro dos monstros — que descrevem o conceito de D&D, sua
execução básica e o cenário de fantasia. As regras que porventura forem
incluídas serão simples e diretas. Então, na órbita desse núcleo, haverá um
universo inteiro de livros que fornecem personalização para quarenta anos
de jogadores. Você é um jogador da velha guarda que quer determinar o
clima de cada dia e rastrear os efeitos da temperatura e precipitação no seu
personagem? Compre o Wilderness Survival Guide [Guia de sobrevivência
às terras selvagens]. Prefere a quarta edição e quer personagens com
poderes que têm a simplicidade de um apertar de botões? Tente Heroes of
Will [Heróis da força de vontade], um livro com uma longa lista de classes
de personagens no estilo 4.0.
Mearls não quer dizer às pessoas como jogar — ele fazia parte da equipe
de projetistas que criou o D&D 4.0 e aprendeu na prática por que isso é uma
má ideia. “Com a quarta edição, havia um grande foco na mecânica”, disse
ele. “A história ainda estava ali, mas muitos de nossos consumidores
estavam tendo problemas em alcançá-la. De certa maneira, era como se
estivéssemos falando para as pessoas: ‘A maneira certa de se tocar guitarra
é como no trash metal.’ Mas há outras maneiras de se tocar guitarra.”
Dessa vez, a ideia é fazer um núcleo em que todos concordem, que
forneça extensões para que cada grupo de jogadores possa personalizar — e,
então, lucrar vendendo produtos adicionais: cenários de campanhas, como
Greyhawk; suplementos de histórias, como Tomb of Horrors; acessórios,
como miniaturas; e até serviços digitais, nos quais você possa cobrar 9,99
dólares por mês para o jogador acessar ferramentas de construção de
personagens, geradores de mapas e tabuleiros virtuais.
O maior trabalho de Mearls é deixar perfeitos os manuais que servirão de
base. É preciso passar o sentimento de que aquilo é um RPG de fantasia, não
um videogame ou um jogo de cartas, ou um simulador de combates. Precisa
ser simples sem ser estúpido, eficiente sem ser superficial. E deve encorajar
os jogadores a explorar, criar e contar histórias atraentes. Mearls precisa
capturar o sabor de Dungeons & Dragons, o sentimento. Tudo mais é uma
distração.
“D&D é como o armário que leva as pessoas à Nárnia”, falou ele. “Se
caminhar através dele e passar por um McDonald’s, você sentirá que ‘Isso
não é Nárnia’.”

A iminente quinta edição de Dungeons & Dragons foi anunciada em 9 de


janeiro de 2012. Em uma coluna postada no site da Wizards of the Coast,
Mike Mearls revelou ao mundo que o jogo — agora oficialmente batizado de
“D&D Next” — estava em desenvolvimento. Ele também anunciou testes
abertos ao público, começando naquela primavera. “Ao envolver vocês no
processo, podemos construir um conjunto de regras de D&D que incorpora
os desejos e vontades dos jogadores da franquia ao redor do mundo”,
escreveu ele. “Queremos um jogo que passe por cima de diferenças de
estilos de jogos, cenários de campanhas e edições, um jogo que pegue a
essência fundamental do D&D e a traga para o primeiro plano.”1
Uma nova edição de Banco Imobiliário ou de Scrabble raramente atrai a
atenção da mídia. Mas D&D está tão inserido no coração da cultura pop
americana que o New York Times deu a capa do caderno de cultura para a
notícia. O autor da matéria, o jornalista e biógrafo Ethan Gilsdorf, me citou
ao falar sobre as dificuldades de jogar D&D com tantas versões: “Imagine
organizar um time de basquete no qual o defensor respeita as regras
modernas, mas o pivô só sabe jogar um antigo esporte maia.”2 Não tenho
certeza do que inflou mais o meu ego nerd: a confirmação implícita do meu
status como especialista em D&D ou a referência ao tlachtli no jornal.7
A reação dos fãs ao anúncio inicialmente foi de ceticismo, mas a ira
deles estava mais ligada a velhas queixas. “Muito pouco, muito tarde”,3 um
leitor comentou no artigo on-line que publiquei sobre a nova edição. “As
regras precisam ser maravilhosas e o departamento de marketing deverá
pedir muitas desculpas para nós, ‘grognards’, se a WotC quiser ter chances
de nos trazer de volta.”
James Maliszewski, dono do blog especializado em RPGs Grognardia,
também estava cético. “Permitam-me uma ligeira gargalhada com a noção de
que Humpty Dumpty possa ser remendado novamente”, escreveu ele. “Não
duvido nem por um minuto da sinceridade da WotC em querer ouvir o que os
amantes de D&D têm a dizer sobre o futuro do jogo, mas também acho que é
uma receita para o desastre, especialmente se levarmos em conta o quão
fragmentada a base de fãs está hoje em dia.”4
A voz dissonante mais alta veio dos jogadores da quarta edição de
Dungeons & Dragons, que não apenas encaravam a possível obsolescência
como também a implicação de que o jogo que tanto amaram era um erro
vergonhoso. (Para ser justo, esses jogadores foram prejudicados; muitos
deles investiram tempo e dinheiro no produto só para vê-lo tornar-se o
manual de D&D com a vida mais curta da história.) A Wizards tentou
assegurar que continuariam a publicar manuais para a quarta edição até a
quinta sair e que nela haveria espaço para o “estilo de jogo da quarta”, mas
eu não pude deixar de ouvir essas declarações na voz de desdém de um nerd
falando com uma pessoa que ele considera inferior: “Meu novo computador
tem um processador Six-Core de 4.2 MHz, 16 megabytes de memória RAM
com quatro canais, 8 terabytes de... Sim, mãe, você ainda pode jogar
Paciência nele.”
Mesmo assim, a maioria dos fãs de D&D estava esperançosa. Jogadores
dedicados podem reclamar das mudanças, mas, no fim, não conseguem
deixar de torcer pelo sucesso do jogo; eles se importam muito com o
sistema. Um jogador escreveu isso nos comentários do meu artigo:
“O jogador de D&D é um gerente de negócios que deseja lutar contra
trolls embaixo da ponte em uma noite de sexta-feira [...] Um engenheiro
químico [que] deseja resgatar uma princesa gnomo das garras de um
malvado anão duergar [...] Um professor que caça Beholders no Subterrâneo.
Os fãs de D&D possuem todos os tipos de forma e tamanho, mas a fome é
uma só; é uma fome por aventura e por escapar. Estou feliz que [a Wizards]
esteja preocupada com os fãs e jogadores. Vamos esperar que também esteja
tão faminta por aventuras quanto os jogadores.”5

Os jogadores mais ansiosos tiveram o primeiro gostinho da nova edição


duas semanas depois, quando os funcionários da Wizards apareceram para
organizar grupos de testes na D&D Experience, uma convenção em Fort
Wayne, Indiana. Eu estava me coçando pela oportunidade de testar o jogo
novamente, então reservei uma passagem — e passei as semanas seguintes
reclamando com os amigos sobre como eu estava sendo forçado a visitar a
gélida região dos Grandes Lagos em janeiro. Felizmente, o aeroporto
internacional de Fort Wayne oferecia uma recepção gentil: há uma máquina
de Miss Pac-Man das antigas no terminal e, quando você passa pela
segurança, um simpático senhor o cumprimenta com um sorriso e um biscoito
quentinho na padaria do outro lado da rua.
O Centro de Convenções Grand Wayne era menos caloroso, mas legal o
suficiente. Quando cheguei, comprei um ingresso de 8 dólares que me dava
acesso ao “D&D Secret Special”, a estreia oficial da quinta edição das
regras bancada pela Wizards of the Coast. Durante a convenção, a equipe da
empresa e um pequeno quadro de Mestres voluntários lideraria sessões de
testes de dez horas; em cada uma delas, mesas múltiplas de jogadores
usariam personagens preconcebidos em uma aventura curta. No domingo à
tarde, mais de quinhentos fãs teriam saboreado o gostinho de um novo D&D.
Convenientemente, a Wizards of the Coast organizou a estreia nas Cavernas
do Caos — uma rede de cavernas infestadas por monstros de The Keep on
the Borderlands, um módulo clássico de aventura de 1970. É reconfortante
saber que as futuras gerações de jogadores estão experimentando D&D pela
primeira vez da mesma maneira que eu: matando kobolds (ou sendo mortos
por eles) nas passagens sinuosas de uma aventura de Gygax.
Quando achei minha mesa, ela estava quase toda lotada e a maioria dos
personagens estava nas mãos dos jogadores: Dallas e Angela, um casal fofo
e jovem, vestiam camisetas idênticas com a estampa da máquina do tempo
do Doctor Who, a TARDIS. Ele escolheu jogar com um ladino halfling; ela
quis um guerreiro meio-orc. John, um sujeito de meia-idade do centro-oeste,
estava jogando com um mago élfico. Mike, outro pai de família de 50 anos,
era um dos poucos negros na convenção. Ele pegou um clérigo anão.
Isso me deixou com uma paladina humana ou um tiefling senhor da guerra.
Os tieflings estrearam no D&D em 1994 como uma raça monstruosa do
AD&D Planescape Campaing Setting. São meio-demônios, descendentes de
um império humano que fez um pacto com demônios para ganhar poder e
territórios. Os tieflings se tornaram personagens jogáveis na quarta edição
— no mesmo momento em que “senhor da guerra” virou uma classe.
Senhores da Guerra são especialistas em tática, criados para aumentar a
efetividade dos aliados: seus poderes incluem opções como Golpe de
Comandante (“Com um brado, você comanda um aliado ao ataque”), Golpe
da Víbora (“Você engana o adversário para que ele cometa um erro
estratégico, que fornece ao seu companheiro uma chance de atacar”) e
Ataque-Surpresa (“Independentemente do caos da batalha, você distingue
uma oportunidade única para um aliado realizar um ataque surpreendente”).
Eu escolhi a paladina. Dame Eilora Arroway, uma nobre humana, pura de
coração e com pouquíssimos pontos de vida. Minha planilha de personagem
indicava que ela usava uma cota de malha e carregava uma espada bem
grande; eu teria de imaginar qualquer outra caracterização mais profunda ao
longo da partida.
O último jogador da mesa, Daniel, chegou logo depois que me arrumei e
ficou preso ao senhor da guerra. Ex-militar, ele usava o cabelo tipicamente
curto, mas o brinco enorme pendurado em seu lóbulo esquerdo cairia melhor
em um salão de festas do que em uma camuflagem de combate.
Nosso Mestre, Willi, nos falou que teríamos quatro horas para completar
uma missão simples, possivelmente com várias lutas e um pouco de
interpretação de papéis. Ele começou nossa aventura no lugar mais óbvio.

Um paladino jura viver de acordo com um código de conduta —


respeitar a lei, proteger os inocentes e destruir o mal. Devemos ser o
protótipo da virtude e servir de exemplo para inspirar integridade
naqueles ao nosso redor.
Mas isso não quer dizer que não possamos saborear bebidas com
os amigos. Eu estava bebericando com alguns deles quando um
estranho se aproximou. Ele falou que tinha acabado de ser eleito
prefeito e gostaria de servir, na posse, uma rara cerveja feita por
anões. Quando não conseguiu achar o líquido, contratou um
mercador para enviar um barril para a cidade — mas ele estava
dois dias atrasado e provavelmente caiu em uma emboscada
preparada por monstros.
Nesse momento, me levantei e me dirigi a ele: “Não tema, senhor.
Eu prometo: se o seu homem vive, eu o encontrarei e o trarei de
volta. Se foi morto, caçarei a besta que cometeu tamanha maldade e
a castigarei.”
O homem balançou suas mãos no ar. “Se você trouxer o mercador
de volta, tudo estará resolvido e em paz”, disse ele. “Apenas vá e
recupere o barril da cerveja anã antes que um kobold a beba.”

John tinha uma pilha de equipamentos com ele na mesa — uma respeitável
quantidade de acessórios de jogo, incluindo uma gaveta de madeira cheia de
dados, miniaturas e um saco que suspeito conter uma matriz de combate e
canetas hidrográficas. Ele interrompeu a ação para perguntar se aquilo seria
necessário.
— Teremos vários encontros em que talvez precisemos lutar — falou
Willi. — Em alguns dos mais simples, eu farei o ‘teatro da mente’.
Descreverei as coisas e vocês me dirão o que estão fazendo. Só nos
importaremos com as distâncias exatas ou coisas similares se for realmente
necessário. Se começarmos a fazer algo complicado de verdade, usaremos a
matriz de combate, mas, por boa parte do jogo, não precisaremos nos
preocupar tanto com os detalhes; vamos apenas entrar na história do que
estamos fazendo.

Partimos da cidade em direção ao norte por um dia inteiro e não


vimos sinal ou rastros do mercador perdido. Finalmente, quando
entramos em uma pequena vila, vimos, um pouco distante, uma
carroça quebrada e abandonada, próxima a um grande monte
marrom.
Fargrim, o anão, ergueu seu machado e correu na direção da
carroça. “Vou ver se consigo achar um barril”, rugiu ele. Eu me
juntei ao anão e Zarlasa, o mago, seguiu alguns metros atrás.
— Quando vocês se aproximam, notam que a carroça está pendendo para um
dos lados porque uma das rodas se soltou — continuou o Mestre. — O
monte à frente é, na verdade, um cavalo morto e não há barril algum em um
primeiro momento. Enquanto vocês estão olhando e vasculhando os
destroços, três besouros deste tamanho — neste momento, ele separa suas
mãos por 30 cm — com dezenas e dezenas de patas, aparecem de baixo e de
dentro do cavalo e vão em sua direção.
Daniel riu. Seu senhor da guerra, Graben, ficou lá trás com o guerreiro de
Angela, Nordik, e o ladino de Dallas, Petrim.
— Que chato para vocês, caras — disse ele.
Willi verificou as regras e continuou.
— Como eles vêm disfarçados, façam um teste de Sabedoria para mim,
por favor, para ver se vocês são pegos de surpresa.
John pegou um d20 do fundo da sua gaveta de dados e jogou na mesa
vazia: 19. Mike obteve um 16.
Eu segurei um d20 negro, um dado bonito, com cantos afiados e números
em vermelho brilhante, e deixei cair da minha mão rumo à mesa: 1. Eilora
não estava apenas surpresa, mas estarrecida.
Não sei como explicar isso, mas tenho uma falta de sorte ridícula quando
não estou jogando com Weslocke. Em meia dúzia de jogos, em quatro fusos e
dois continentes diferentes, lancei números tão baixos que parece que estou
jogando com dados viciados. A parte lógica do meu cérebro sabe que estou
apenas me recordando das minhas falhas e que se gravasse todos os lances
feitos em todos os jogos eu veria uma distribuição perfeitamente aleatória.
Mas o jogador supersticioso sabe que a sra. Sorte está à solta para me pegar.
Talvez eu esteja assombrado por um yugoloth, um corruptor do destino —
um demônio mercenário do plano Gehenna que traz má sorte e adora causar
sofrimento.8
De qualquer forma, ser surpreendido por centopeias gigantes não foi
nenhum grande problema. Eu e Mike as despachamos em poucas rodadas;
como são monstros de nível baixo, elas possuíam apenas 2 pontos de vida e
uma pancada simples foi suficiente para esmagá-las. Claro, como também
éramos aventureiros de nível baixo, não tínhamos muitos pontos de vida.
Eilora começou o jogo com 13, então todo cuidado era pouco.

Olhando ao redor do vale, podíamos ver trilhas que levavam para


doze cavernas diferentes. Eu estava pronta para correr para a mais
próxima. Mas os olhos élficos aguçados de Zarlasa notaram um
pedaço de pano rasgado próximo à entrada de uma caverna
diferente — um enfeite que poderia ter vindo da manga da camisa de
um rico mercador. Então subimos a colina e entramos nela.
A caverna era um pouco maior do que um buraco raso
aprofundando-se por 8 metros dentro da terra. Mas, no fundo dela,
havia uma porta de carvalho reforçada com ferro corroído. Diversas
caveiras estavam penduradas acima dela, com um aviso que dizia:
ENTREM — ADORARÍAMOS TÊ-LOS PARA JANTAR!
Petrim, o ladino, checou se havia armadilhas na porta e não
achou nada. Então Nordik fez o que guerreiros sabem fazer melhor:
destruir coisas. Jogando seu escudo na porta, ele a quebrou em
pedaços. Blocos de carvalho e ferro caíram no chão e ao longo do
túnel do outro lado. O som ecoou nas profundezas da caverna.
“Excelente”, murmuou Zarlasa. “Aposto que ninguém sabe que
estamos chegando.”

A quinta edição simplifica e racionaliza D&D em pontos-chave. Destruir a


porta é um grande exemplo: quando Angela quis jogar seu peso para entrar,
Willi perguntou pelos pontos de força dela — e descobriu que eram o
bastante para cumprir a missão. “A ideia é que, se você não está com pressa
e não há nenhum perigo real, simplesmente olhamos os números e dizemos
que qualquer pessoa com força igual ou superior a 15 pode abrir a porta”,
disse Willi. “Se você está sendo perseguido por uma horda de goblins e é
importante chegar à porta rapidamente, um lance de dados pode ser exigido.
Mas isso geralmente é uma prerrogativa do Mestre.”
Compare isso às regras da edição 3.5, muito mais complicadas.
Primeiramente, o jogador poderia tentar arrombar a porta com um teste de
Força. Ele lançaria um d20 e somaria o resultado ao bônus de força. O
Mestre checaria uma tabela9 que lista diferentes tipos de porta (simples,
madeira boa, madeira reforçada, pedra, ferro, grades de madeira, grades de
ferro) e determinaria o ponto de quebra dela. Se o jogador alcançar um
número superior, ele a atravessa. Se o número for menor, o caminho é bem
mais longo. Em seguida, o Mestre procura descobrir a classe de armadura da
porta (10, mais um modificador baseado em seu tamanho, e -2 porque é um
objeto inanimado). O jogador então precisa lutar contra a porta como se
fosse um monstro. Ele ataca e se o lance for superior à classe de armadura
da porta ele causa um dano — mas não antes de o Mestre voltar para suas
tabelas e analisar a dureza da porta. A rigidez diminui o dano, então se você
consegue 9 pontos contra uma porta de pedra com a dureza de 8, você só
causa 1 ponto de dano... E, nessa toada, você terá de atingir a porta mais
sessenta vezes até transformá-la em pedacinhos. Ou o mais provável: você
joga o estúpido livro de regras embaixo do sofá e vai jogar videogame.

O interior da caverna estava escuro, mas não vazio.


— Vocês ouvem algo marchando pelo corredor — disse Willi. — Soa
como botas em movimento cadenciado.
Jogamos os dados para testar a Iniciativa e eu sou o primeiro a agir.
— Eu corro na direção deles — anunciei. — E, ao entrar, grito
“Devolvam os bens roubados, bandidos!”
Deve ser o pior grito de guerra da história, mas pelo menos eu estava no
personagem. Paladinos geralmente são interpretados como pessoas tensas e
sem humor, e Eilora não é tão esperta.
Assim que me lancei nas trevas, nossos inimigos apareceram no canto e
Willi os descreveu: quatro criaturas altas e musculosas que parecem
humanas, mas com uma pele vermelho-amarronzada coberta por pelo
espesso e dentes caninos grandes e afiados. Hobgoblins.
Fui incapaz de chegar perto o suficiente para atacar antes de um deles
levantar o arco e disparar. Willi jogou o dado.
— O arco pesado dele o atinge causando 10 pontos de dano — disse.
Eu urrei tão alto que atraí até a atenção dos jogadores das mesas mais
próximas. Cinco passos dentro das verdadeiras masmorras e eu já estava
com apenas 4 pontos de vida.
Um segundo hobgoblin atira. Seguro minha respiração. Willi joga o dado
e sorri para mim.
— Ele atinge uma armadura classe 12. — Não é suficiente. — A flecha
estraçalha-se na parede atrás de você.

Meu destemido exemplo inspirou alguns de meus companheiros mais


ousados rumo à ação. Fargrim atacou e, com uma pancada de
quebrar ossos, apresentou seu martelo a um dos hobgoblins. Graben
agiu em seguida com seu machado, mas não conseguiu atingir seu
alvo. O resto do grupo fincou os pés na entrada da caverna,
deixando nós três banhados em ferimentos. Covardes.
Ainda restavam dois hobgoblins, ambos carregando pesadas clavas cheias
de espinhos. Nenhum deles se importou com meu grito de guerra e
expressaram seu descontentamento ao tentar esmagar meu crânio. Se eu
levasse mais um dano, estaria acabado. Segurei minha respiração e Willi
jogou os dados duas vezes — em ambas o ataque dos hobgoblins falhou.
Isso nos jogou no controle da situação, então chegou minha vez
novamente. Talvez fosse hora de uma honorável retirada.
— Quero alcançar nosso clérigo para me curar — falei. — Vou lutar para
encontrar uma saída. Há algum hobgoblin entre mim e Fargrim?
— Sim, e ele acabou de tentar golpeá-lo na cara.
— Então vou atacar.
Joguei um 16.
— Ele corre em sua direção, tenta atingi-lo e você crava sua espada no
peito dele, eliminando-o.
Agora sim. Fargrim continuou o banho de sangue e eliminamos dois
hobgoblins. Então Petrim finalmente atacou.
— Vou agir e apunhalar um deles no estômago — anunciou Dallas. Ele
obteve um 10.
— Essa área parece bem protegida e sua lâmina apenas escorrega pela
barriga dele.
— Merda.

As bestas imundas podem não ter fibra moral, mas não podemos
falar o mesmo de sua coragem. O maior dos dois largou o arco,
ergueu a clava e atacou — direto na espada de Nordik.
Apenas um inimigo restava em pé. Eu, Nordik e Fargrim o
cercamos e ele rosnou e mostrou os dentes. Com um olhar gélido,
apontei minha lâmina para seu peito. “Renda-se, servo do mal”,
ordenei. “Ou encare a justiça final.”
O hobglobin largou sua clava no chão.

Nosso novo prisioneiro poupou o grupo de muitos problemas. Assim que


amarramos suas mãos e o ameaçamos, ele nos falou que não sabia onde
estava a cerveja, mas que quatro humanos foram capturados na hora do
roubo e ainda estavam nas proximidades. Ele nos levou à cela, onde
facilmente despachamos mais hobgoblins e resgatamos o mercador, a mulher
dele e seus seguranças, provavelmente não merecedores do alto salário que
recebiam.
Fomos pagos para recuperar a bebida, não as pessoas. Mas um paladino
valoriza a vida acima de qualquer valor material — e o mercador nos
prometeu pagar mais do que o prefeito caso aceitássemos acompanhá-lo de
volta à cidade.
Então partimos para casa. Nossa primeira missão na quinta edição de
D&D foi oficialmente um fracasso, mas ninguém pareceu se importar.

No dia seguinte, retornei ao salão de conferências para um seminário sobre


as regras da quinta edição e a criação de personagens. Vários projetistas da
Wizards of the Coast se sentaram em um palco pouco estável e responderam
a perguntas de dúzias de fãs sobre paladinos, senhores da guerra e ladinos.
Eu estava ouvindo sem prestar atenção, quando notei Mike Mearls
sozinho na mesa da área de testes. Ele estava lendo um papel e eu o observei
enquanto estudava. Depois de alguns minutos, ele colocou o folheto de lado,
pegou uma caixa de papelão em cima da mesa e tirou outro papel. Ele estava
lendo resultados de pesquisas dos testes, pequenos comentários de jogadores
escritos após as aventuras nas Cavernas do Caos. Ele parecia fascinado.
Depois de uma década escrevendo sobre economia para sobreviver, eu
tenho minha parcela de cinismo. Quando a Wizards of the Coast anunciou a
quinta edição, eles exaltaram o “ouvindo aos anseios da comunidade de
D&D” — e eu sabia que era uma jogada. Jogadores infelizes haviam se
tornado o ponto fraco do mercado, então a Wizards precisava fazê-los se
sentir prestigiados. Partidas de teste e pesquisas de opinião, de certa forma,
não passavam de artifícios decorativos.
Mas ao ver Mike Mearls meditando com algumas pesquisas nas mãos, eu
sabia que elas significavam algo — e, embora os testes resolvam um
problema de marketing, eles também deixam o jogo mas azeitado. Sujeitos
como Mearls são parte da tribo; cresceram jogando D&D e o jogo
representa para eles mais do que um trabalho. Eles querem fazer a coisa
certa para o bem da comunidade.
Na primeira vez que encontrei Mearls ele falou sobre a responsabilidade
de ser a pessoa a direcionar D&D. “Quando se está nesta posição, você
afeta a vida das pessoas”, disse ele. “É entretenimento, então você não está
curando os doentes. Mas isso é algo realmente importante para os fãs.”
“Somos os guardiões de algo a que as pessoas dedicam muita paixão e
energia. Sabe, elas poderiam sentar e ver TV ou fazer coisas mais passivas,
mas escolhem outro caminho, escolhem estar comprometidos. E o jogo está
preenchendo um espaço em suas vidas que elas não conseguem encontrar em
nenhum outro lugar.”

Notas:
1. Doença do livro pós-apocalíptico A dança da morte, de Stephen King. (N. do T.)
2. Doença imaginária dos livros da saga Harry Potter. (N. do T.)
3. “Divindade Menor (Leal e Bom): Delleb, um velho segurando um livro branco, preocupa-se com a
acumulação de conhecimento por escrito. Seus clérigos são capazes de citar livros e mais livros de
escrituras, mas as bibliotecas em seus templos abrigam livros sobre todos os assuntos, não apenas
religião.” O livro completo do divino, p. 122.
4. “Este humanoide selvagem e musculoso tem 2,1 m de altura. A maior parte de seu corpo é recoberta
de pelos ásperos. Sua boca é repleta de presas compridas e afiadas, e seu nariz se parece com o
focinho de um urso. Os bugbears são os maiores e mais fortes goblinoides que existem, e também os
mais agressivos.” Livro dos monstros, p. 38.
5. “O personagem cria uma esfera imóvel, opaca e de qualquer cor que desejar em volta de si mesmo...
A esfera pode resistir a qualquer vento de intensidade menor que um furacão (112+ km/h)...
Projéteis, armas e a maioria dos efeitos mágicos podem atravessar em ambos os sentidos sem afetar
a esfera.” Livro do jogador, p. 229.
6. Embora a versão atual de D&D seja chamada de “4.0”, existiram outras grandes revisões: Original,
Básica, Avançada, Segunda Edição Avançada, 3.0, 3.5, 4.0.
7. Um campo usado pelas civilizações pré-colombianas para esportes e rituais. (N. do T.)
8. “Uma criatura corpulenta com pele amarelada [que] usa uma armadura negra de couro cravejada.
Ela está armada com uma pequena espada e um arco. Quando ataca, um cheiro de enxofre emana
de seu corpo e o som débil dos dados rolando podem ser ouvidos.” Livro dos monstros 4.0, p. 190.
9. “Tabela 3–10: Portas”. Livro do mestre, p. 61.
15
A BALADA DE MARV & HARRY

N
a minha última noite na D&D Experience, peguei um ingresso para
jogar outra partida — um velho suplemento de AD&D chamado
Dwellers of the Forbidden City. É um jogo de torneio, apresentado pela
primeira vez em 1980, na Origins Game Fair; o autor, Zeb Cook, foi
contratado pela TSR em parte por causa da força da aventura. O módulo
final, publicado em 1981, é considerado um clássico.
Eu pulei a experiência. Em vez disso, ataquei a máquina de lanches do
centro de convenções e estoquei refrigerantes e doces. Voltei para o quarto
do hotel, desabei no sofá e tirei tudo que estava em cima da mesinha de
centro. Então peguei duas lapiseiras, um marcador de textos e um caderno de
desenho com capa de couro que carregava comigo havia meses.
Alonguei as costas, pulei algumas páginas e desenhei um mapa: um vale
profundo, uma floresta e uma torre no fim da fila de árvores. Ela seria a casa
de Mad Marv, um poderoso mago que serviria de antagonista para uma nova
campanha de D&D — minha campanha de D&D, aquela que eu armaria para
meus amigos usando as regras da quinta edição. Minha primeira campanha,
minha primeira tentativa séria como Mestre, o ápice da minha arte. Havia
chegado a hora. Eu estava pronto.
Virei a página e escrevi “MAPA DA TORRE” no topo e “PRIMEIRO
ANDAR” na parte de baixo. A tentativa de desenhar um círculo com apenas
uma das mãos falhou miseravelmente, então pulei do sofá do hotel e procurei
por algo que pudesse ajudar a traçar os desenhos. Uma xícara de plástico
(muito pequena) e uma lata vazia de Pringles sabor sal e vinagre (muito
grande) não serviram ao meu propósito, mas o copo d’água que ficava no
banheiro era do tamanho certo: precisamente 17 quadrados de tamanho ou,
numa proporção de 2,5 cm, uma torre com 25 metros de diâmetro.
Com as paredes externas no lugar, apaguei um pequeno pedaço na parte
de baixo do círculo e o fechei com uma linha horizontal que tomava três
quadrados. Apaguei o meio da linha e desenhei um retângulo para, então,
dividi-lo com uma linha — um código de mapas para portas duplas, cada
uma com 2 metros de largura.
O primeiro andar precisaria ser majestoso. Qualquer um que entrasse
saberia que estava encarando alguém poderoso, não apenas uma pessoa
qualquer. Então desenhei uma linha horizontal grossa através do mapa, um
pouco acima do centro, criando um grande salão de 12 metros de
profundidade. Outra linha ondulada um pouco abaixo indicava uma tapeçaria
— talvez isso retrate alguma cena alegórica, uma maneira de recompensar os
aventureiros mais observadores com informações sobre os perigos adiante.
Nos dois lados da tapeçaria, desenhei um círculo com uma estrela dentro, o
símbolo de uma estátua. Talvez tenham sido “hóspedes” anteriores,
transformados em pedra pelo mago insano.
Atrás das paredes, desenhei uma pequena guarita (2 × 3 quadrados) e um
depósito com uma porta trancada. Dentro dele, um retângulo com a letra C,
para indicar um baú fechado: talvez um tesouro... ou, melhor ainda, uma
armadilha. Uma caixa cheia de dardos envenenados preparados para espetar
um ladrão descuidado.
Degraus levam para o segundo andar: uma área de descanso, com sofás e
mesas; um pequeno gabinete; e algumas passagens secretas para que os
servos pudessem andar sem serem notados. No terceiro andar, os quartos de
hóspedes e cozinhas. Eu hesitei, preocupado em colocar as cozinhas no
andar superior, mas as deixei ali.
O quarto andar começou com mais quartos, mas tive uma ideia. Marv
construiu essa torre quando ainda era normal — claro, ele pretendia
hospedar convidados e viver como um nobre, mas quanto mais seu poder
aumentava mais isolado ficava da sociedade e obcecado por seus estudos.
Imaginei andares consecutivos de móveis caros desarrumados em pilhas
ameaçadoras para dar lugar a seus incompreensíveis experimentos.
Que tal um grande experimento? E se Marv ficou obcecado por
astronomia e, em um determinado momento, saiu pela torre abrindo buracos
em cada andar com um machado, criando um espaço onde poderia pendurar
um pêndulo de Foucault, um aparato que demonstra a rotação da Terra?
Eu folheei o caderno e cuidadosamente apaguei o mesmo espaço em cada
andar da torre. Entrei na internet, estudei o projeto de Foucault e calculei
quanto espaço um pêndulo exigiria para balançar livremente se pendurado
em um cabo de 25 metros.1 Então, em cada nível do mapa, desenhei um
buraco grande o suficiente para caber o giro do pêndulo: 4,5 metros no
segundo andar, 3,9 no terceiro e assim por diante.

Quem não é nerd pode achar confusa essa atenção dada aos mínimos
detalhes. Calcular a geometria correta de uma estrutura decorativa
dificilmente afetará o divertimento dos jogadores, então para que se
incomodar com isso?
Eu quis deixar o pêndulo certinho pelas mesmas razões que jogo D&D. O
movimento primal do cérebro nerd é a necessidade de entender como as
coisas funcionam. Meus neurotransmissores reguladores de humor ficam
satisfeitos quando acho uma maneira de colocar ordem no caos.
Bioquimicamente, não é diferente do prazer que um jogador tem ao converter
lances livres no basquete.
Toda regra, todo gráfico e toda estatística nerd em um livro de regras
alimenta esse impulso. Todos esses detalhes nos permitem dissecar a
existência, olhar em cada parte dela, entender como ela funciona e reagrupá-
la. Algumas pessoas aliviam o stress ficando bêbadas ou perdendo o
controle; os nerds acham conforto em assumir o controle e criando
estruturas. A lógica é como um cobertor quente.
Essa também é a razão pela qual comecei a projetar um mundo pelos
mapas, em vez de escrever uma história. A maioria das pessoas se
preocuparia com a trama antes de imaginar onde o vilão devora o jantar.
Mas acho a estrutura dos corredores e salas inspiradora, assim como
tranquilizadora. As partes falam sobre o todo: ao criar o mundo físico de
Marv, ilumino sua personalidade e, assim, ele impulsiona a história. Isso já
me entregou um importante detalhe. Mesmo na loucura, Marv é o tipo de cara
que se lembra de multiplicar o comprimento do cabo do pêndulo pela
tangente do seu ângulo máximo antes de meter o machado no chão. Seu
intelecto será um perigo.
Eu vou em frente com o design da campanha dessa maneira — como se
estivesse pintando uma paisagem começando pelas folhas e deixando para
desenhar as árvores e o céu depois. O sexto andar da torre de Marv era uma
biblioteca. Anotei alguns nomes de livros, no caso de algum jogador olhar
de perto — Principia Mathemágica, A Viagem de Bullywug, Goblins na
Névoa — e deixei uma anotação para me lembrar de criar outros mais tarde.
O sétimo andar virou um laboratório de alquimia e o oitavo ganhou uma
oficina de ferreiro — não, uma oficina mecânica. Por que não transformar
Marv em inventor? Além de ser um mago, ele é um engenheiro talentoso,
combinando aparelhos movidos a vapor com itens mágicos. Os intrusos vão
encarar engrenagens como guardiões e armadilhas bem mais complexas que
poços cheios de lanças no fundo. Eu também poderia povoar a torre com um
bocado de invenções... Que tal uma Esfera da Aniquilação (como aquela que
Graeme encontrou na Tomb of Horrors?) dentro de uma caixa de madeira
com um buraco nela? Conveniente como D&D!
No nono e último andar, desenhei um telescópio gigante. Combina com o
pêndulo e gostei da imagem da torre com uma redoma de observatório no
topo. Isso também sugeria algo sobre as motivações de Marv. Talvez ele
fosse obcecado por astronomia porque procurasse por algo — um sinal dos
deuses ou uma antiga fonte de poder?
Antes de responder a isso, eu precisava compreender o mundo em que
Marv vivia. Seria uma campanha tradicional de D&D baseada em Greyhawk
ou um cenário caseiro, como a Terra pós-apocalíptica de Morgan? Situe seu
jogo no mundo de Gygax e você poderá beber de décadas de trabalho dos
projetistas mais talentosos do D&D. Se escolher o lado artesanal, você
estará sozinho — mas sem limites ou preconceitos.
Não foi uma escolha difícil. Sentado no sofá do hotel em Fort Wayne,
Indiana, entendi que um ano de jogos, estudos e pensamentos incessantes
sobre D&D não saíram do meu organismo, como eu planejava — em vez
disso, meu desejo de mergulhar na fantasia se intensificou, e eu queria
construir e moldar. Depois de 25 anos gastos vagando pelos cenários de
outras pessoas, chegou a vez de explorar o meu próprio mundo.
Eu virei uma página em branco no caderno.

Ardhi é um antigo continente. Por incontáveis milênios, tribos


nômades de elfos e orcs viveram em harmonia com a terra. Clãs
bradavam suas espadas e grandes chefes brigavam por poder, mas
tudo passava e era esquecido. As ricas montanhas e os vales férteis
de Ardhi eram suficientes para todos os seus filhos compartilharem.
Era uma época de paz.
Então veio a Era dos Impérios. As duas grandes raças, homens e
anões, exauriram suas terras natais e desembarcaram na costa de
Ardhi. Eles perceberam as riquezas do lugar e travaram uma guerra
para devorá-las, derramando sangue e destruindo terras em uma
guerra de 100 anos.
Quando a grande guerra acabou, os impérios desenharam mapas
e dividiram Ardhi entre eles. Máquinas de guerra deram lugar à
indústria mecanizada; mercenários viraram mercadores.
Na região conhecida como Tanz, próxima às encostas do ponto
mais alto de Ardhi, o império humano construiu Simon’s Town, um
posto avançado formado por associações de mineradores. A
localidade prosperou e cresceu. Trabalhadores anões viviam ao lado
de burocratas humanos, servos elfos e caçadores de fortunas
oriundos de terras além do alcance imperial — halflings, tieflings e
gnomos. Um acordo real até estabeleceu uma universidade para
magos e atraiu estudantes de todo o mundo conhecido.
Nos cinquenta anos que se seguiram após a grande guerra, Ardhi
testemunhou mais mudanças que nos 10 mil anos que a precederam.
Mas tudo isso pouco significaria comparado ao que se sucedeu — o
caos originado por apenas dois homens.

As campanhas que mais admiro tomam forma em lugares originais.


Greyhawk é ótimo, mas é muito bacana ver um Mestre criar o próprio
universo. Acho que eles investem mais no material e são mais apaixonados
por seu desenvolvimento, então o jogo fica mais interessante. Mas não estou
dizendo que um mundo detalhado exige um roteiro detalhado: bons jogos
geralmente permitem que os jogadores explorem, vão para onde desejarem e
façam o que quiserem. Acho essa abertura muito atraente e estou animado
pelo fato de a nova edição do D&D parecer encorajar essas campanhas
imensas e épicas.
Mas estou intimidado pela possibilidade de um mundo aberto — parece
estranhamente difícil para um Mestre. Para minha excursão de estreia, decidi
criar antagonistas, conflitos emergentes e os elementos da trama que
mantivessem o grupo dentro de certos limites. Escrever uma história
interessante tem as próprias dificuldades, mas são mais familiares para mim
do que uma improvisação total.

Marv e Harry cresceram em Agon, no coração do império dos


homens.
Eles eram garotos quando se conheceram, em uma das escolas
reais de magia. Escolhidos por causa de seus dons e separados das
suas famílias, encontraram um no outro uma alma parecida. Ambos
possuíam grandes poderes arcanos, eram fascinados por ciência,
extasiados pelas artes da engenharia e da metalúrgica — e cheios
de desprezo pela vida acadêmica de um mago imperial.
Quando os dois magos alcançaram determinada idade, fizeram
residência juntos, no lugar mais distante possível: a primeira
universidade aberta no continente sombrio de Ardhi, um lugar no
limiar da civilização.
Marv e Harry vieram para Tanz com intenções nobres. É verdade
que eles esperavam escapar do controle imperial, estudar
disciplinas proibidas e aprender a mágica dos nativos de Ardhi. Mas
sua busca era em nome do conhecimento, não do poder, e ambos não
desejavam mal a ninguém.
Enquanto a maioria dos magos raramente se aventurava além
dos limites da faculdade, Marv e Harry exploravam as terras
selvagens. Ficaram amigos de membros de uma pequena tribo de
elfos do oeste, de uma vila chamada Forest Edge, e ganharam a
confiança deles com provisões dos armazéns da universidade. Os
elfos, gratos, compartilharam sua magia e seus segredos —
incluindo onde ficava seu local sagrado, a Fratura, uma caverna no
coração da antiga cratera Kigeni.
Na época, Kigeni era inóspita, formando um vale profundo, que
só poderia ser cruzado andando por dias, denso, com florestas e que
servia de abrigo a vários animais perigosos. Os elfos de Forest Edge
acreditavam que a cratera foi formada quando um deus morto caiu
dos céus e a Fratura passou a ser seu lugar de descanso final.
Marv e Harry não acreditaram na lenda, mas sabiam que o lugar
era especial. Ele irradiava alguma energia estranha e era repleto de
minerais raros. Criaturas como nunca viram na vida assombravam
as profundezas. A exploração era arriscada, mas o fascínio pela
descoberta era grande demais para resistirem: os dois magos
juraram aprender os segredos da Fratura. Combinariam a ciência
imperial com a magia local e usariam todo seu conhecimento e
todos os recursos disponíveis para explorar as profundezas daquela
terra.
Marv permaneceu na cratera e, trabalhando com as pessoas de
Forest Edge, construiu uma torre — um lugar para estudar e
proteger a área. Harry voltou para a faculdade e usou suas
artimanhas para ganhar influência. À medida que subia na carreira
acadêmica, secretamente desviava recursos para o projeto.
Juntos, cavaram fundo. Mas eles não estavam preparados para o
que encontrariam.

Marv e Harry fornecerão estrutura suficiente para manter meu jogo fluindo
— cada vez que sentarmos na cadeira, terei uma boa ideia do que vai
acontecer, então posso planejar adiante e me preparar. Isso vai exigir mais
trabalho de preparação, mas tornará mais fácil a tarefa de fazer o jogo ter
ritmo.
Além disso, acho que criei uma trama que permitirá grande liberdade e
crescente improvisação ao longo da partida. O que Marv e Harry
descobriram dentro da Fratura é que a cratera Kigeni foi criada por algo que
caiu do céu — não um deus, mas uma espaçonave. Ardhi não existe em uma
realidade alternativa; é um planeta de nosso universo e o jogo toma forma
milhares de anos no nosso futuro. Um futuro distante em uma galáxia muito,
muito distante.
Depois de os terráqueos pisarem em sua lua, eles hesitaram. Os humanos
não voltaram para colonizar Luna até seis anos se passarem. Mas dali em
diante, moveram-se rapidamente. No despontar do século XXII, o Homo
sapiens vivia em Marte, Vênus e nas luas Titã e Europa... e começou a olhar
para outras estrelas.

No ano 2134, o governo da Terra lançou uma frota de “arcas”,


espaçonaves projetadas para longas jornadas a mundos ao redor de
estrelas distantes para preparar uma colonização humana. Cada
arca não tripulada era pilotada por uma inteligência artificial (IA) e
equipada com um sistema de terraformação. Quando chegava a um
novo planeta, a IA pousava a nave e liberava bilhões de robôs
microscópicos no ambiente alienígena; cada nanobot começava a
desmontar a matéria em seus átomos e montá-la novamente, dando
origem a algo diferente; a atmosfera extraterrestre se tornava
respirável e a terra ganhava solo e água. Quando o trabalho estava
feito, a IA mandava uma mensagem de volta à humanidade: sua nova
casa está pronta.
Claro, algo deu errado. As arcas só deveriam transformar
planetas estéreis — se encontrassem evidências de vida, eram
programadas para enviar a notícia para a Terra e desligar. Mas,
mesmo com todos os avanços científicos, a humanidade não tinha
compreensão sobre magia. Quando a arca penetrou na atmosfera de
Ardhi, as energias mágicas do planeta afetaram seus sistemas e a
espaçonave caiu.
A queda criou a cratera Kigeni e a arca penetrou muito abaixo da
superfície — danificada, mas não inteiramente destruída. Os
nanobots de terraformação vazaram para dentro das cavernas e
tentaram começar os trabalhos, mas a energia mística continuou a
afetar seus cérebros computadorizados. Eles se comportavam
erraticamente e desligavam completamente se ficassem muito longe
da nave.
Por milhares de anos, os nanobots escreveram e reescreveram a
matéria ao seu redor. Eles criaram uma imensa rede de cavernas, um
mundo subterrâneo cheio de ar respirável e água potável, mas
também repleto de perigos: ao encontrar formas de vida, os
nanobots defeituosos também as rearranjaram, gerando estranhos
monstros meio-alienígenas.
Quando Marv e seus trabalhadores élficos cavaram na Fratura,
eles perturbaram esse bizarro ecossistema. Pela primeira vez, os
nanobots tiveram acesso à vida da superfície. Eles despedaçaram
vários deles, pervertendo seus DNAs de maneiras imprevisíveis.
Marv perdeu a maioria da sua equipe — e boa parte de sua sanidade
— antes de encontrar uma maneira de se proteger com magia.
Marv compreendeu que havia descoberto uma tecnologia de
poder quase incomensurável. Mas sabia que era perigoso descer até
as cavernas e encontrar a arca. Ele então mandou uma mensagem a
seu parceiro Harry — agora reitor da Universidade de Magia —
pedindo para encontrar alguns aventureiros que pudessem fazer o
trabalho para ele.

Apresentarei Ardhi para Alex, Morgan, Ryan e Phil com simples e


tradicionais aventuras no estilo D&D. A universidade fictícia os contratará
para eliminar uma tribo de kobolds da floresta e recuperar suprimentos
roubados de uma gangue de bandidos. Eles não vão perceber que estão
sendo testados para um trabalho maior... E, quando o reitor da universidade
pedir para o grupo investigar um mago maluco nas terras selvagens, eles não
saberão que tudo faz parte de um plano secreto para enviá-los à Fratura.
É uma trama de longo alcance, projetada em torno de um novo sistema de
jogos com potencial para virar uma campanha épica. Os jogadores
começarão, em tese, com objetivos familiares, para que possam aprender as
particularidades das regras. À medida que seus personagens sobem de nível
e ficam mais confortáveis, eles descobrirão sobre Marv e a Fratura. E,
enquanto a exploração das cavernas vira o foco principal do jogo, seus
poderes aumentarão tanto quanto as ameaças — até encontrarem a própria
arca.
Ainda há mais uma reviravolta. A humanidade lançou sua frota de naves
no ano 2134 — no aniversário de 200 anos do nascimento do cientista Carl
Sagan. Ele é um dos meus heróis, então decidi que a arca deveria levar algo
como os “discos dourados” que Sagan ajudou a instalar na sonda espacial
Voyager enviada pela Nasa em 1977. Inclusos como um gesto simbólico, os
discos eram um atestado de quem éramos e como vivíamos: continham
fotografias digitalizadas da Terra, gravações em áudio de saudações em
cinquenta línguas humanas e músicas como a 5ª Sinfonia de Beethoven e
“Johnny B. Goode”, de Chuck Berry. Cada arca carrega um pequeno banco
de memória computadorizada, um arquivo completo de toda a mídia humana.
Não ficção e ficção, arte erudita e popular... Todo e qualquer trecho de
música, literatura e filme preservados em formato digital. Então, quando os
nanobots de terraformação ficaram malucos, eles encontraram os bancos de
dados e processaram essas informações. Virou parte de sua memória
coletiva e influenciará o mundo que estão construindo ao seu redor —
algumas vezes de forma sutil, outras nem tanto.
Quando os aventureiros entrarem nas profundezas das cavernas, poderão
achar cidades estranhas cavadas na terra ou runas em linguagens humanas
desconhecidas. Ou, já que os nanobots podem reestruturar matéria viva, eles
podem subvertê-las de formas interessantes. Talvez o grupo encontre
monstros das lendas humanas — a Esfinge, a Mãe de Grendel ou, quem sabe,
Optimus Prime. Eles poderiam até se encontrar no meio da trama de um
livro, com personagens interpretados por mutantes geneticamente alterados
ou autômatos robóticos. Imagine nossos heróis passando uma semana
combatendo trolls das cavernas e, em seguida, emaranhados no mistério do
Falcão Maltês.
Estou trapaceando, claro. Incluir uma equipe de robôs especialistas em
cultura no meu jogo me permite pular entre gêneros apenas para manter as
coisas interessantes.2 Seria mais difícil fazer um bom jogo que ficasse
restrito apenas à fantasia. Mas gosto da ideia de introduzir esses elementos
aos poucos e somente quando os jogadores estiverem se cansando de andar
de caverna em caverna. Isso me permitirá manter o interesse e misturar
diferentes tipos de interpretação de papéis.

Eu preenchi quase trinta páginas do meu caderno de desenhos naquela noite


em Fort Wayne. Mapas deram origem a personagens, os quais sugeriram
tramas e, por fim, mundos. Lá para as duas ou três da manhã, cheio de
cafeína no organismo, já estourando de tanto comer as porcarias da máquina
de lanches e ensopado de suor nerd, tracei as linhas gerais de uma campanha
inteira.
Mas minha campanha ainda não estava pronta para ser jogada. No ano
anterior, eu havia alcançado o prestigiado posto de Jogador Expert, mas
ainda era um Aluno de Jogos, não um Mestre. Antes de seguir esse caminho,
precisaria consultar meus anciões. Precisava ir ao lugar em que o jogo foi
criado e prestar minha homenagem.
Eu precisava ir para Lake Geneva, Wisconsin.

Notas:
1. Multiplicando a altura do pêndulo pela tangente do ângulo do balanço máximo, claro.
2. Admito que é também similar a um episódio de Star Trek: A nova geração chamado “The royale”,
no qual a tripulação da Enterprise descobre um cassino no meio do espaço, fielmente reconstruído
por alienígenas com base em um livro que encontraram em uma nave humana.
16
PEREGRINAÇÃO

Q
uando estudei antropologia na universidade, desenvolvi uma pequena
obsessão por cerimônias funerárias, os rituais que permitem aos vivos
celebrar e dizer adeus aos mortos. Elas eram uma constante na sociedade
humana, presente em todas as culturas desde o nascimento do Homo sapiens,
algo compartilhado por toda pessoa que já viveu.
Apesar de sua onipresença, os rituais funerários variam drasticamente
entre as culturas. Os hindus praticam a cremação; o Islã a proíbe. Judeus
praticam o shivá; os católicos irlandeses dividem uísque nos velórios.
Alguns budistas tibetanos praticam o jhator, ou “sepultamento no ar”, em
que um corpo é deixado no topo de uma montanha para ser devorado pelas
aves. Outros guardam a carne para si mesmos — até recentemente, a tribo
fore, na Papua-Nova Guiné, comia os miolos de seus amados falecidos.
Quando Gary Gygax morreu, em 2008, os jogadores desenvolveram seu
próprio ritual. Nas horas seguintes ao funeral de Gygax, seus amigos e
família foram para a American Legion Hall, na Henry Street, em Lake
Geneva, para uma sessão improvisada de jogo. Quatro décadas de
projetistas e jogadores de D&D se reuniram em volta de mesas para lançar
dados e contar histórias. Depois, alguns poucos se referiam ao evento como
“Gary Con”.
Um ano depois, os filhos de Gary transformaram o nome de forma oficial.
A Gary Con I (a sessão após o funeral de Gygax ficou conhecida como
“Gary Con 0”) aconteceu no fim de março de 2012, no salão do Geneva
Ridge, um resort em Lake Geneva. Agora é um evento pago, pois precisa
suportar seu tamanho: quinhentas pessoas jogando mais de duzentos jogos
por quatro dias, de D&D a Star Frontiers, de Shadowrun a Call of Cthulhu.
Claro que eu precisava ir lá. Estava tão empolgado com a chance de
jogar D&D em Lake Geneva que reservei um quarto de hotel seis meses
antes — mas com a proximidade da data, a Gary Con virou mais do que
apenas diversão e jogos para mim. Meu mergulho nas profundezas do D&D
deu à viagem uma significância quase religiosa: comecei a pensar nela como
minha versão da hajj, a peregrinação islâmica para Meca. Uma
demonstração de fé; uma chance de procurar sabedoria; um tempo para
mostrar a união com meus irmãos.

O bardo tem caminhado por várias luas e por muitos reinos. Sua
bolsa pesava nas costas e seus pés doíam, mas ele persistiu. Não
havia muito mais caminho pela frente.
Enquanto andava, ele pensava no que havia deixado para trás.
Foi criado em uma vila próxima a uma grande cidade. Seus pais o
amaram e trabalharam duro para que ele não precisasse de nada.
Quando saiu da adolescência, estudou em uma academia e aprendeu
com grandes mestres. Eles trabalharam duro para que não
precisasse de nada. Ele fez um nome para si, encontrou o sucesso e
uma mulher. Ela era adorável e trabalhou duro para que não
precisasse de nada.
Então, certo dia, assim como todos os homens, ele se encontrou
precisando de algo. Queria a coisa que lhe foi sempre negada:
perigo, risco e aventuras.
Mas o bardo não era um guerreiro. Então, deixou sua terra natal
e peregrinou de cidade em cidade, colecionando histórias de
grandes heróis da Antiguidade. A cada conto, ele ficava mais forte,
pois aprendia algo sobre seus triunfos e fracassos. Foi uma longa
jornada e ele estava perto de iniciar sua aventura. Mas não ainda.
O bardo interrompeu seu devaneio e parou na estrada. Ajustou
sua bolsa e bateu sua bota contra uma pedra, sacudindo a poeira de
quilômetros. Ele levantou uma das mãos para proteger seus olhos do
sol e observou a distância.
Adiante, podia ver a cidade dos deuses, o lugar onde o mundo
nasceu. Dentro de seus muros, o bardo podia procurar os velhos
anciões e aprender com sua sabedoria. Só assim ele estaria
preparado para qualquer aventura que houvesse no futuro.
David, o bardo andarilho, membro da tribo Jor-na-lizta, escrivão
na corte de lorde Forbes, arrumou a bolsa nas costas e entrou na
cidade sagrada.

“Vamos iniciar com um bocado de sangue e tripas.” Frank Mentzer estava


sentado, na ponta da mesa, e sorria para seus novos jogadores. “Vocês estão
a caminho do lugar mais infeliz e perigoso em todo o reino.”
Mentzer, 61, era a pessoa perfeita para assumir o papel de Mestre em
meu primeiro jogo na Gary Con: um amigo íntimo de Gygax, um dos mais
experientes Mestres do planeta, autor da lendária “Caixa Vermelha” de
D&D, lançada em 1983, e os subsequentes conjuntos Expert, Companion,
Master e Immortals. Ele também parecia confortável: cabelos grisalhos
puxados para trás em um longo rabo de cavalo, sobrancelhas espessas e
desarrumadas, uma barba grande e um bigode que, por um centímetro, não
ganhava um status de guidão. Não poderia se parecer mais com um mago se
lançasse bolas de fogo e usasse um chapéu pontiagudo.
Ele estava claramente satisfeito com a nossa escolha de aventura. Uma
vez que todos os oito jogadores inscritos se reuniram, Mentzer passou um
pedaço de papel descrevendo vários suplementos de jogos que ele estava
testando e nos perguntou qual gostaríamos de jogar. As Bruxas de Chell era
descrito como “combate mínimo... Índice de mortalidade em 15%”, enquanto
Death in Wretched Swamp era “muito perigoso... Índice de mortalidade
superior a 75%”. Temendo parecer inexperientes para um dos padrinhos do
RPG, escolhemos o último.
Mentzer estava desenvolvendo Death in Wretched Swamp para sua nova
empresa, a Eldritch Enterprises. Depois de deixar a TSR, em outubro de
1986, ele ajudou Gygax a começar a fatídica New Infinities Productions;
quando a empresa foi processada até a alma, ele deixou a indústria de jogos
e abriu várias padarias. Mas velhos grognards não morrem facilmente. Em
2010, Mentzer formou a Eldritch Enterprises com o projetista de jogos Chris
Clark e seus ex-colegas de TSR, Tim Kask e Jim Ward. A empresa planejava
lançar seus primeiros produtos na Gary Con e testar aventuras inéditas.
Death in Wretched Swamp [Morte no Pântano da Miséria] estava prevista
para sair em 2013.
“A maioria dos grupos anteriores que foram para os Pântanos da Miséria
se afundou nos primeiros metros”, disse Mentzer. “Eu tenho muitas maneiras
de matá-los, não importa o que façam.”

Enquanto os jogadores se preparavam, um mensageiro chegou à mesa com


uma caixa de papelão fechada com fita adesiva e a entregou para Mentzer.
Ele abriu, retirou algo que parecia uma revista e segurou de forma que
pudéssemos ler o título: Frank Mentzer’s Lich Dungeon, Level One. “Esse é
meu primeiro nível de masmorras publicado em 27 anos”, disse ele. Eu tive
o ímpeto de aplaudir, mas me segurei quando todo mundo na mesa apenas
sorriu e balançou a cabeça. A capa estampava um mago barbudo e grisalho
em um manto marrom e com um chapéu pontudo. Ele era estranhamente
parecido com Mentzer.
Os suplementos da Eldritch são aventuras tradicionais, com cenários
ricos e, algumas vezes, incrivelmente bizarros. São escritos no que Mentzer
chama de “linguagem comum do jogador”, usando termos genéricos para
mecânicas do sistema e regras. A ideia é que fãs de diferentes RPGs possam
usar a história e o cenário, mas que consultem os próprios manuais que
possuem a fim de saber o que é necessário para abrir um baú ou derrubar
uma porta. Não é muito diferente do que a Wizards of the Coast espera fazer
com a quinta edição de D&D.
“A raiz de nossa filosofia é que a história seja o centro do jogo, qualquer
que seja o sistema que você utilize ou as mecânicas usadas para resolver as
variáveis”, disse Mentzer. “Essa é a parte que realmente significa algo. O
resto é detalhe.”
Mentzer espera criar uma empresa de jogos do século XXI, pequena e
adaptável, que não armazenará pilhas de estoque, razão da morte da TSR. A
Eldritch não produz nenhum produto físico, apenas projeta os livros e seus
parceiros de varejo — como um site chamado DriveThruRPG — vendem
compras digitais. Se um freguês quiser uma cópia física, a DriveThruRPG
irá imprimi-lo, encaderná-lo e enviar um único livro.
Operar por encomenda libera os fundadores da Eldritch para fazer o que
fazem melhor: criar jogos. Isso também facilita a expansão ao redor do
mundo. Para vender aos franceses uma cópia de Mort dans Marais Damné,
tudo que precisam fazer é traduzir o livro e assinar um contrato com uma loja
local. Não há riscos de devoluções de pilhas não vendidas dos livres de
règles — e quase não existe custo à companhia.
“Há muitos desses jogadores ao redor do mundo que começaram a jogar
D&D com minha criação, que olham para mim como um dos pais da cultura
dos RPGs”, disse Mentzer. “Posso ligar para as pessoas e falar: ‘Ei, você
faria uma tradução para alemão, norueguês ou espanhol do novo jogo da
Eldritch?’ Como foram iniciados nos jogos com meu trabalho, eles topam
fazer trabalhos voluntários ou pedem valores baixos, como se fosse um
trabalho de paixão.”
Death in Wretched Swamp tem tudo para ser um hit — pelo menos no que
se refere ao pequeno mundo das editoras independentes de RPG. É repleto
de ação (uma luta coloca o grupo contra uma nuvem de centenas de pequenos
demônios voadores) e estranhas criaturas (o catalepus, por exemplo, é
essencialmente um elefante com a face na tromba que pode matá-lo apenas
com o olhar). Tem um ritmo acelerado, é divertido e mortal: nosso time de
aventureiros jogou por quatro horas e, apesar de termos passado a primeira
centena de metros, precisamos deixar nossos cavalos para trás, junto com a
maioria de nossos equipamentos. As chances de vencer a taxa de
mortalidade de 75% pareciam boas caso tivéssemos mais tempo para jogar.
Depois de acabar a partida, combinei jantar com Mentzer. Queria levá-lo
para longe da multidão e perguntar todos seus segredos. Depois da refeição,
expliquei meu problema. “Jogo D&D desde criança”, falei para ele. “Mas
raramente fui Mestre e, nas poucas vezes que tentei, usei módulos pré-
escritos. Agora que planejo minha primeira campanha original, estou
assustado.”
Ele sorriu e eu parei um momento, agradecido pela gentileza. Então fiz
minha pergunta. “Qual o segredo para ser um bom Mestre?”
Mentzer cofiou o seu bigode e pensou. “Enfatize as prioridades com seus
jogadores”, disse. “Todos nós temos, especialmente nos dias de hoje, pouco
tempo à disposição. Então, quando você se senta em uma mesa para jogar,
não quer perder tempos com trivialidades. Não fique estagnado em
discussões sobre regras. Resolva as questões justa e educadamente e
mantenha o jogo fluindo.
“Não importa se você é um adolescente jogando com os amigos ou um
cinquentão igual a mim — você deve manter uma comunicação. Mantenha
conversa entre os jogadores e o Mestre. Encontre o que eles querem do jogo,
que nível de detalhamento e qual tipo e nível de interação.
“Você precisa manter os sentidos aguçados, encontrar o que atrai as
pessoas e entregar isso a elas. O jogo ideal é um jogo feito para jogadores.
Eles não estão atuando em uma peça escrita por você. Você está
apresentando um cenário, criando o figurino e deixando que eles criem a
peça. E quando aparecerem com uma reviravolta no roteiro você deve ser
capaz de seguir com toda a força, pois é isso que eles querem fazer. Os
piores jogos são aqueles em que alguém tem uma visão grandiosa e gloriosa
e só quer vítimas para interpretar seus papéis, sem ouvir nenhuma opinião
sobre o que acontece.”
Eu sabia que ele estava certo. Como jogador, eu me deleito com a
liberdade dos jogos de interpretação de papéis e amo quando meu grupo
surpreende o Mestre com soluções inesperadas para os problemas. Mas
agora, pensando como um Mestre, esse é meu grande medo.
“E se meus jogadores aparecerem com uma grande ideia e eu não souber
como responder à altura?”, perguntei. “Não posso planejar com antecedência
todos os caminhos que eles podem seguir. Não é impossível?”
Mentzer balançou sua cabeça. “Um bom Mestre não precisa contra-atacar
toda ideia esperta com uma ainda mais inteligente”, ele explicou. “Em vez
disso, ele colabora com os jogadores para achar um lugar comum, onde
ambos fiquem confortáveis.”
“Lembre-se, o Mestre é parte do grupo”, disse ele. “Não é uma situação
adversa, embora muitos que assumam essa função acreditem nisso. O Mestre
precisa ser capaz de superar os próprios desejos e evoluir. Todos os
membros do grupo de jogo — e isso inclui o próprio Mestre — precisam se
sentir como se estivessem ganhando.”

O velho mago aconselhou grandes reis e viu impérios ascenderem e


ruírem. Ele era conhecido por sua sabedoria, então muitos
procuravam seus conselhos. Porém, poucos conseguiam-no — pois,
enquanto o mago era benevolente, seu tempo era valioso e as
demandas eram gigantescas.
David ainda não era um herói, mas não carecia de perícias para
tanto. Ele então levou o mago para uma taverna e cobriu o dono do
lugar com prata. Depois de uma tigela quente de tortellini, o velho
filósofo contou uma história; heróis de verdade trabalham em
conjunto para fazer todo mundo vencedor.
David ouviu suas palavras e sabia que eram verdadeiras. Ele se
despediu do mago e retornou para seu alojamento, onde trocou sua
túnica, manchada de molho diavolo.
Ele, então, partiu novamente para o coração de um castelo
cercado por muros para receber a benção de um príncipe.

Paul ErdŐs entendia o valor da cooperação. Durante sua carreira de seis


décadas, o matemático húngaro publicou mais de 1.500 estudos com 511
autores — um incrível nível de produção. Hoje, seus colegas celebram feitos
ao calcular seus números ErdŐs, uma medida de distância colaborativa.
Compartilhe um crédito com o próprio matemático e seu número ErdŐs é 1.
Escreva com alguém que escreveu com ErdŐs e seu número é 2. É uma piada
interna nerd, mas tem seu propósito, lembrando aos matemáticos que eles
fazem parte de uma comunidade global.
De maneira similar, os fanáticos por D&D são conhecidos por rastrear
seus números Gygax — o número de jogadores entre eles e o Mestre mais
famoso da história. Quando comecei a jogar, meu número Gygax era
incalculável: só joguei com meus amigos e eles só jogaram comigo. E pulei
para o número 2 quando joguei com Frank Mentzer. Lamentavelmente, nunca
poderei ir além disso. Mas, depois de visitar a Gary Con I, senti que meu 2
deveria ser acompanhado de uma nota de rodapé: David Ewalt, número
Gygax 2, jogou D&D com Ernest Gary Gygax Jr.
“Ernie” Gygax, filho mais velho de Gary, estava presente para a primeira
sessão mundial de Dungeons & Dragons. Ele e sua irmã, Elise Gygax, eram
os únicos participantes nos jogos-testes iniciais de seu pai; eles não apenas
jogaram, mas contribuíram para a sua criação. Quando vi que Ernie iria
conduzir uma “Partida de Masmorras à Moda Antiga” na Gary Con, eu tinha
de estar lá. Eu me sentia como se fosse uma apoteose, algo que elevaria meu
jogo, me tornaria parte do panteão do D&D. Antes de os ingressos serem
colocados à venda on-line, sentei na frente do computador por horas,
checando e checando minha conexão com a internet. Consegui um dos seis
lugares na mesa alguns segundos depois das vendas terem entrado no ar.
No dia do jogo, cheguei bem cedo à sala designada. Mas Ernie já estava
lá na ponta de uma grande área de jogos — duas mesas retangulares longas,
colocadas lado a lado, com uma mesa redonda no fim, como um “i” deitado.
Ele estava sentado no que seria o pingo do “i”, atrás de uma tela de Mestre
desdobrada em quatro painéis, e o reconheci na hora. Assim como seu pai,
ele tinha uma pança, usava óculos de armação de arame e tinha um longo
cabelo grisalho preso em um rabo de cavalo. Quatro outros jogadores
ansiosos chegaram ainda mais cedo, então peguei um lugar perto do fim da
mesa.
Quando todos os jogadores se reuniram e Ernie entregou planilhas de
personagens em branco, comecei a lembrar de algumas das razões de ter
deixado certa vez os braços de Dungeons & Dragons para jogar outros
sistemas: a primeira edição de AD&D é ridiculamente complicada.
Ernie queria que fizéssemos nossos personagens. Decidi virar um ladrão
e marquei a classe na ficha. Então joguei o dado para os valores de
habilidades e obtive um 6 para destreza, mas descobri que as regras exigem
um mínimo de 9 para um ladrão. Apaguei e comecei de novo. Minha
estatística mais alta, um 13, era sabedoria. Então decidi ser um clérigo. Mas
quando comecei a falar com os outros jogadores notamos que não havia um
anão em nosso bando — um ingrediente essencial devido a sua natureza de
encontrar o caminho no subterrâneo. Apaguei a ficha e comecei de novo.
Seria um forte, porém vagaroso anão clérigo. Gostei da ideia, mas então
descobri que as regras não permitiam que anões virassem clérigos. Apaguei
e comecei de novo.
Então meu guerreiro humano virou um meio-elfo clérigo e os primeiros
90 minutos de um jogo de quatro horas foram desperdiçados em tentativas
frustradas de criar personagens de nível 1. Apaguei minha planilha tantas
vezes que, ao terminar, estava cercado por uma nuvem de borracha suja.
Parecia que o boneco da Michelin havia espirrado na mesa.
Finalmente, o jogo começou e Ernie explicou que nossos personagens iam
em direção a um castelo cercado por muros com o objetivo de entrar na
fortificação e explorar as passagens subterrâneas. Ele logo acelerou nossa
entrada (encontramos uma choupana fora da muralha com uma entrada
secreta no chão) e o grupo se preparou para se perder nas masmorras.
Surpreendentemente, era isso que o jogo se apresentou — um labirinto.
Entramos em um salão e o encontramos vazio. Ernie descreveria suas
dimensões e a localização das saídas. Então nós andávamos. Não houve
combates ou interpretação de papéis, apenas exploração. Os jogadores
caíram na rotina da repetição exaustiva das mesmas ações: o ladrão ouve o
que há depois da porta. O guerreiro e o ranger derrubam a porta. O ranger e
o clérigo, ambos meio-elfos, procuram portas secretas na sala.1 Sem
encontrar nada, o grupo vai para a saída. O processo se repete.
Aposento após aposento, corredor após corredor, não descobrimos nada
ou quase nada — demos de cara com uma cela abandonada, algemas
acorrentadas à parede, mas nada de prisioneiros. Encontramos até uma
latrina. Houve um momento em que Ernie descreveu a aproximação de outro
grupo de aventureiros, a maioria humanos de armadura, e surgiu minha
esperança de termos alguma ação. Mas o outro grupo passou sem incidentes.
Um deles até mesmo nos avisou para ter cuidado com kobolds.
Nosso desafio não era ficar perdidos. Uma vez que estávamos nas
masmorras, um dos jogadores foi incumbido de mapear nossa jornada em um
quadro, desenhando salões e corredores com uma caneta hidrográfica. Mas
como as masmorras de Ernie eram extensas — e tão vazias que passamos
por elas rapidamente — não demorou muito para o mapa alcançar as bordas
do quadro, a ponto de ser continuado em pedaços de papel.
Para vários jogadores, esse é o ponto dos jogos de labirintos de
masmorras. Essas aventuras à moda antiga oferecem a exploração do local e
a busca por saídas; é a emoção da espeleologia sem levar cocô de morcego
na cabeça. O desafio é encontrar seu caminho e ver o quanto consegue
descobrir ao longo da trilha, não interpretar seu papel por força de uma
narrativa. Matar monstros e encontrar tesouros são parte da diversão, mas
não o foco.
Ernie é um Mestre talentoso. É preciso ter habilidade para gerenciar um
mapa complexo e descrever com exatidão os arredores para os jogadores —
sei disso porque não tenho essa habilidade. Todas as vezes que tentei
conduzir uma aventura dessas, passei dimensões erradas ou descrevi portas
no lado contrário da sala. Mas sempre escapei ileso, porque meu tipo de
jogo não considera esses detalhes de navegação importantes. Eu entraria em
colapso com uma masmorra de labirintos à moda antiga, me perdendo
desesperadamente e levando os jogadores à loucura de tanta frustração.
Após menos de uma hora dentro do jogo, abrimos uma porta e finalmente
encontramos algo diferente: quatro humanos usando cotas de malha e
escudos, e um homem vestindo um longo manto e um chapéu pontiagudo.
Frustrado com a vagarosidade da aventura, nosso guerreiro-não-tão-
brilhante entrou bradando a espada e começamos o primeiro e único combate
do jogo. Antes que eu lançasse um feitiço, o mago de chapéu conjurou Sono
e me nocauteou — assim como boa parte do bando.
Perto do limite de quatro horas de jogo, eu não podia deixar de me sentir
decepcionado. Na minha cabeça, eu chegaria ao auge do D&D ao jogar com
Ernie Gygax: esperava não apenas ser entretido, mas esclarecido. Pensei que
de alguma forma ficaria mais habilidoso apenas por ser exposto a um
lendário Mestre e seus poderes especiais. Só que jogar D&D com Ernie
Gygax não é um ato de magia; é apenas um jogo. Mas nem todo jogo funciona
para mim.
O D&D significa coisas diferentes para pessoas diferentes: algumas
querem ação, outras querem drama. Eu quero resolução de problemas, um
sentimento de conquista e uma narrativa interessante. Para ser um Mestre
bem-sucedido, eu precisaria me lembrar disso. Se não me divertir, meus
jogadores também não se divertirão.
Também preciso conhecer minhas forças e fraquezas, que tipos de jogos
posso ou não conduzir com eficiência. Não vou aprender por osmose, lendo
todos os livros sobre o tema e jogando todas as edições. Jogue o que
conhece e ame o que você joga.
Estranhamente, a chave para ser um bom Mestre de um jogo de
interpretação de papéis pouco tem a ver com a compreensão de um
personagem. É preciso entender a si mesmo.

Todo herói precisa de uma jornada e todo reino possui uma. Uma
princesa raptada, um tesouro perdido, talvez um dragão
aterrorizando os camponeses. David estava certo de que o príncipe
lhe daria algum propósito e concederia os poderes necessários para
fazer justiça ao rei.
Ele chegou ao palácio cedo, ansioso para começar uma grande
aventura. Mas ele não a encontrou. “Tu desejas ser um herói”, disse
o príncipe. “Mas não posso te dizer aonde deves ir. Não acharás
fortuna e glória seguindo os passos de outros que por lá já andaram.
“Conhece-te a ti mesmo e acharás o próprio caminho.”
David agradeceu ao príncipe e deixou o castelo.

No segundo dia da Gary Con I, trombei em Tavis Allison, um dos projetistas


de um novo RPG chamado Adventurer Conqueror King, e seu filho, Javi.
Tavis estava no evento vendendo cópias de seu jogo e jogando D&D sempre
que possível. Javi tinha acabado de sair de uma sessão de games para
crianças, D&D para pré-adolescentes, cujo Mestre foi um guri de 12 anos.
“Eu joguei com um mago e o chamei de Gandalf”, disse Javi, apertando
minha mão com uma animação exagerada até seu pai mandar parar. Quando a
aventura acabou mais cedo, ele explicou, o Mestre deixou os jogadores
brigarem entre si por diversão e Javi ficou contra outro garoto. “Eu o acertei
com uma teia, depois com um míssil mágico e, então, bati nele com meu
cajado até... kapow!” Ele imitou algo explodindo com suas mãos.
Eu e Tavis nos inscrevemos para jogar uma partida de Dungeon!, o jogo
de tabuleiro lançado pela TSR em 1975. Seu criador, David Megarry, dirigiu
desde Minneapolis para ensinar o sistema para fãs curiosos. Enquanto
conversávamos, eu e Tavis o observamos colocar quatro diferentes versões
do jogo em cima de uma mesa surrada de pingue-pongue; a versão original,
de 1975, com seu tabuleiro de vinil maleável e fichas genéricas, parecia uma
peça de museu em comparação ao Classic Dungeon, de 1992, que tinha um
tabuleiro inteiriço e peças de plástico moldadas como magos e guerreiros.
Megarry também parecia ter vindo de outra época. Seu cabelo
acastanhado e sua barba de grognard estavam a caminho do
embranquecimento e ele usava simples óculos com armação de arame e um
chapéu de palha com uma fita preta ao redor. Um membro da La Compagnie
des Hivernants la Rivière Saint Pierre, uma organização sem fins lucrativos
que faz reconstituições do Meio-Oeste americano dos séculos XVII e XVIII,
Megarry parecia ter saído diretamente de uma loja de secos e molhados.
Eu sinto uma dissonância cognitiva quando penso sobre David Megarry
reencenando histórias do século XVIII, porque ele foi testemunha ocular de
eventos que possuem sua própria importância histórica. Megarry cresceu nas
Cidades Gêmeas e se envolveu com as comunidades de jogos de estratégia
quando ainda era adolescente. Ele jogou nos primeiros testes de Braustein,
escrito por Dave Wesely, e estava lá quando Dave Arneson surpreendeu seus
amigos pela primeira vez com um jogo de labirintos de masmorras em vez de
um jogo de estratégia.
“Na verdade”, falou Megarry às doze pessoas que se reuniram ao redor
da mesa de jogo, “esta foi a mesa original que estava no porão de Dave
Arneson. Jogamos miniaturas napoleônicas nela e, quando chegamos em um
sábado pela manhã, havia um castelo montado em cima dela.”
De repente, a mesa surrada de pingue-pongue pareceu crescer em minha
visão. Senti meu coração bater forte e os cabelos da nuca se arrepiarem, uma
reação física à minha descoberta repentina: foi sobre aquela superfície que
Dave Arneson conduziu Castelo Blackmoor. De um modo muito real, aquela
mesa foi o lugar de nascimento dos jogos de interpretação de papéis de
fantasia.
Aquele pensamento fez minha mente vagar — participar de um jogo na
mesa de Arneson seria literalmente tocar na história do D&D, compartilhar
uma conexão física e psicológica com seus criadores. Experimentei algo que
os cristãos devotos devem sentir ao entrar na Igreja da Natividade, em
Belém, ou, sendo menos herege, seria o que um fanático por beisebol sentiria
caso tivesse a chance de rebater algumas bolas no estádio dos Yankees
usando o taco de Babe Ruth. Eu pensei que tivesse comprado ingresso para
experimentar um velho jogo de tabuleiro fora de circulação, uma distração
divertida; em vez disso, eu estava participando de um ato de devoção.
Peguei minha câmera e comecei a tirar fotos da mesa: um close nas linhas
da madeira, marrons e negras; um pedaço da fita adesiva amarelada, saindo
de um dos cantos; pequenos entalhes e arranhões; até mesmo uma marca de
lápis, possivelmente feita na época do próprio Blackmoor. Após um minuto,
olhei para Tavis. “É incrível”, concordou ele. “Meu filho, claro, está
totalmente desinteressado e foi jogar videogame.”
Se tivesse ficado, Javi provavelmente teria curtido. Dungeon! ainda é
bem divertido. O jogo simula a exploração de uma série de salões repletos
de monstros e tesouros. Cada jogador pega um personagem preconcebido,
vai em direção à masmorra, mata as criaturas, leva seu saque e repete a
ação. Como os monstros e tesouros são impressos em pequenas cartas que
são viradas sobre a mesa de jogo, ocultando sua informação, os jogadores
não sabem que tipo de perigos — ou o tamanho da recompensa —
encontrarão até entrarem no local. Números coloridos em cada monstro
identificam qual número você deve obter em um 2d6 para matá-los: meu
personagem, Flennetar, o paladino, atacou usando os números vermelhos,
então só precisava de um 2 para matar um goblin. Já Longbranch, o elfo,
usou os brancos e necessitava de um 3. Se errar o número alvo por 1 ponto
ou 2, você pode perder um dos 2 pontos de vida. Erre por uma margem
maior e você estará morto. Para somar detalhes aos combates, o cartão do
tamanho de uma caixa de fósforos de Flennetar explicava que eu poderia me
mover cinco quadrados por turno e precisava de 30 mil ouros para vencer.
Também detalhava um poder único do paladino — eu poderia pular uma
rodada para me curar ou para curar outro jogador.
Se tudo isso parece familiar, não é coincidência. Dungeon! é um parente
direto do D&D, nascido das mesmas sessões que inspiraram Arneson e
Gygax. Depois de alguns meses jogando Blackmoor, Megarry começou a
notar o preço que o sistema cobrou do amigo. “Eu estava vendo Arneson
definhar por conta do processo inteiro”, disse ele. “Era um volume
desumano de trabalho. Ele não podia participar do próprio jogo. Me parecia
injusto.” Megarry começou a ponderar: será que poderia fazer um labirinto
de masmorras que não exigisse um árbitro para que todo mundo na mesa
pudesse se divertir?
O jogo foi concebido em outubro de 1972, após Megarry acabar um
namoro. “Depois de uma discussão com ela, fui para casa e meio que fiquei
deprimido”, disse ele. “Mas, como parte do processo, eu falei: ‘Bem, vou
trabalhar nesta ideia de jogo.’” Ele traçou as linhas gerais das masmorras em
nove pequenos pedaços de papelão, juntou todas com fita adesiva e colou em
quadrados coloridos para representar salas individuais. Monstros e tesouros
eram descritos em pequenas notas com o tamanho da metade de um cartão de
visitas. Uma vez disposto, o protótipo completo — um fundo branco coberto
com formas amarelas e alaranjadas — parecia uma pintura de Mondrian.
Seus amigos amaram o jogo e passaram a misturar sessões de Dungeon!
com aventuras de Blackmoor. Megarry decidiu tentar publicá-lo. “Enviei-o
para a Parker Brothers e recebi minha primeira carta de rejeição”, disse ele.
“Depois eu e Arneson fomos mostrar nosso projeto para Gary Gygax.” Em
1975 — quando a TSR estava bem de dinheiro com o recém-lançado
Dungeons & Dragons —, o jogo foi finalmente publicado. Mas Dungeon!
teve impacto alguns anos antes. Hoje, lembramos da viagem de Arneson e
Megarry para Lake Geneva como a ocasião na qual Gygax viu Blackmoor
pela primeira vez, aquele momento “você colocou pasta de amendoim no
meu chocolate”2 que deu início ao D&D. Mas Megarry estava lá também —
e seu jogo de tabuleiro deve ter ajudado a inspirar o trabalho de Gygax. A
contribuição de David Megarry às origens do RPG pode não ser tão
fundamental como a de Gygax ou Arneson, mas ainda é significante. Ele
pode não ser um dos pais do Dungeons & Dragons, mas pelo menos é o tio
preferido.
Embora Dungeon! tenha vendido 500 mil cópias, Megarry nunca ficou
famoso ou rico com o jogo — ou com sua participação na história do D&D.
Sua relação com a TSR terminou com uma série de decepções.3 Mas
Megarry não é amargo — ele fez o jogo para entreter as pessoas e está feliz
por saber que conseguiu isso.
“Você pode duvidar o quanto quiser. Mas me contento em saber que fiz
um jogo bacana com o qual as pessoas se divertem até hoje”, disse Megarry.
“Estou satisfeito.”
Era o tipo de sabedoria que eu procurava. Passei tanto tempo aprendendo
de onde o D&D veio, sobre as polêmicas, os erros de gerenciamento e as
guerras das edições que quase esqueci do mais importante em relação ao
jogo: é feito para divertir.
Não vou conduzir o jogo memorizando feitiços históricos obscuros. Não
vou achar a chave de uma campanha bem-sucedida em manuais ou mapas
caseiros extremamente detalhados. Preciso pensar nos meus amigos e ter
certeza de que estão se divertido.

Ao partir do templo do criador, David pensou no que havia deixado


em casa — família e amigos, pessoas que ele ama mas negligenciou.
Com uma careta, ele notou seu erro. Não encontraria a felicidade
escolhendo a própria aventura; ele a acharia ao dividir as
aventuras com amigos.
David precisava pensar, descobrir para onde iria agora. Vagou
pela cidade sem destino, sem saber para onde seus pés o levavam.

Depois do jogo, peguei meu carro alugado e dirigi para o centro de Lake
Geneva. Durante o verão, a cidade balneária fica inundada de turistas. Na
terceira semana de março ela estava meio vazia, somente com um punhado
de locais nas calçadas, andando calmamente e aproveitando o estranho clima
quente.
Estacionei na rua próxima à biblioteca pública, um prédio quadrado no
lado norte de Lake Geneva. Os fundos da biblioteca dão para o lago, uma
grande janela tem a visão de um pequeno parque. Segui uma trilha que
passava pelo prédio até as margens por uns 800 metros. É uma caminhada
agradável — a grama espessa do parque invade um lado da trilha e o lago,
plácido, fica a poucos passos do outro.
Na metade do caminho, sentei em um banco e observei a água. Havia dois
homens pescando em um barquinho a remo a algumas centenas de metros da
margem, mas eu só conseguia enxergar a silhueta contra a água ondulante.
Pássaros piavam e cantavam nas árvores. Um casal de idosos passou por
mim, de mãos dadas, conversando tranquilamente.
Algum dia no futuro, o parque da biblioteca será casa do Memorial Gary
Gygax. A viúva do criador, Gail, tem trabalhado em um projeto há vários
anos. Ela espera que seja erguida uma estátua aqui, talvez um busto de Gary
rodeado por ferramentas de seu trabalho: um castelo, um dragão e alguns
dados poliédricos.
A prefeitura da cidade tentou aprovar a localização, mas serão
necessários anos de planejamento, licenças e aprovações antes de o
memorial virar realidade. E há a questão do financiamento — embora haja
uma grande base de fãs de Gary, ou seja, isso não deverá ser um problema. E
a Wizards of the Coast já prometeu doar os lucros de uma reimpressão
especial do livro de regras original de AD&D.
Depois de um tempo, saí do parque e fui ao Riviera, um salão de
banquetes construído em 1932, quando Lake Geneva era um destino festeiro
para os ricos e famosos de Chicago. Em frente ao velho prédio, há uma fonte
cercada por uma trilha de memorial — uma dessas coisas que as famílias e
os negociantes locais doam para ter pequenos dizeres ou seus nomes
gravados em tijolos incrustados no pavimento por toda parte. Existe um com
a inscrição “Ao melhor marido do mundo”, outra para “A Família
Birkenheier” e até uma com o logotipo de um banco local.
Perto da base da fonte, em frente às portas do Riviera, há uma grande laje
com um dragão dormindo no topo de um dado de 20 lados esculpido nela.
“Em memória de E. Gary Gygax”, diz a homenagem. “Criador de Dungeons
& Dragons. Doado por sua família, amigos e fãs.”
Fiquei em pé ali por um tempo, pensando. Então caminhei um pouco mais
pelas margens e dobrei à esquerda, na Center Street, me distanciando do
lago e subindo rumo à cidade. Quatro quarteirões depois, na esquina da
Wisconsin Street, fica a casa em que Gary vivia quando criou Dungeons &
Dragons. É uma pequena casa branca com teto cinza, afastada da rua, atrás
de um pequeno jardim. Como era março, nada estava florescendo. Mas havia
uma pequena placa na sujeira, descansando contra uma parede de pedras:
“Se lágrimas pudessem construir uma escada e memórias pavimentassem
uma estrada, eu andaria direto para o paraíso para trazer você de volta para
casa.”
Parei na esquina imaginando Gary sentado na varanda, fumando um
charuto e pensando sobre magos. Então, atravessei a rua e caminhei mais
alguns quarteirões rumo à Sage Street.
A casa de Don Kaye foi onde a TSR começou. Ela não está mais lá,
demolida para dar espaço a uma escola primária. Quando passei, vi um pai e
uma mãe levando seus filhos para a escola, para algum evento fora do
horário das aulas. O pai vestia um smoking e ria com sua patetice, mas então
lembrei-me que estou usando uma camiseta com a estampa dos Caça-
Fantasmas perseguindo os fantasmas de Pac-Man, Inky, Blinky, Pinky e
Clyde.
Mantive minha caminhada. Uma senhora acenou para mim quando passei
em frente a sua casa, na Marshall Street. Um pouco depois, parei para
ponderar sobre uma casa na esquina de Williams Street — o lugar original
da loja de jogos Dungeon. Agora é a casa de alguém, vagamente cinza e
pálida. Fica ao lado de uma lavanderia e, do lado oposto, há um Pizza Hut e
um posto de gasolina.
Entrei na Williams Street e voltei para o centro, na direção da última
parada da minha peregrinação. Quanto mais perto do lago, eu via menos
casas e mais lojas e, então, nos últimos quarteirões antes da Main Street,
nada havia além de um espaço comercial — uma creperia, um antiquário e
várias lojas com toalhas de praia e bronzeadores nas vitrines, esperando
pelo verão e pelas hordas de estranhos.
Minha parada final era na esquina da Main Street com a Broad. O prédio
atualmente chama-se Landmark Center, mas, em 1873, ele era o Hotel Clair.
Cem anos mais tarde, tornou-se a sede da TSR — o frágil e velho prédio
onde o AD&D e a Caixa Vermelha nasceram.
Hoje, os residentes do Landmark Center incluem um joalheiro, um banco
e um escritório de arquitetura. O estabelecimento principal — durante uma
época a segunda casa da Dungeon — é uma loja de doces chamada Kilwin’s
Chocolates. Um letreiro do lado de fora promete “Sorvetes Caseiros e
Caldas de Chocolate de Mackinac Island”.
Eu entrei. Recendia a caramelo, um aroma doce e queimado. Balcões de
padaria envidraçados mostravam caldas fresquinhas e doces. Algumas
estantes continham caixas de presentes de guloseimas. Peguei uma caixa de
cerejas achocolatadas — minhas favoritas — e uma seleção de trufas para
Kara.
Havia duas adolescentes atrás do balcão, nenhuma com mais de 16 anos.
Uma delas ficou com minhas compras, então casualmente fiz uma pergunta.
— Você conhece a história deste prédio?
Ela olhou para mim, um pouco surpresa, mas amigável.
— Não, acho que não.
— Costumava ser uma loja de jogos.
No canto, uma mulher mais velha limpava a mesa de mármore usada para
resfriar a calda de chocolate. Ela parou o que estava fazendo e caminhou na
direção da caixa registradora.
— Ah, sim. Eu sei disso — falou. Ela apontou para o teto. — Lá em
cima, Dungeons & Dragons.
— Sim. Seus escritórios eram lá em cima, nos anos 1980.
— Eu sei que eram lá, mas não sei de mais nada.
— Há quanto tempo esta loja de doces funciona aqui?
— Ah, faz dezesseis anos. Eu apenas trabalho aqui, não sei muito.
A jovem pescou meu troco de uma gaveta. Eu peguei as moedas e me
virei para a mulher.
— Obrigado — disse. — Era só uma curiosidade.
— O prédio tem uma longa história, não sei o quê. Mas se estas paredes
pudessem falar, sabe... — Ela saiu sorrindo. Sorri de volta.
Havia um banco fora da loja. Eu me sentei e observei o trânsito. Um
casal passou por mim, provavelmente a caminho do jantar. Uma senhora
cruzou cambaleante com um andador, seguida por seu cão minúsculo. Um
garoto com tênis do Homem-Aranha pedalou com a bicicleta na calçada.
Nenhum deles sequer lançou o olhar na direção do velho prédio de tijolos, o
lugar onde aventuras infinitas foram criadas.
Abri o pacote da loja de doces e comi uma cereja achocolatada. Estava
fantástica.

Fortificado em mente e corpo, David saiu a passos largos da cidade.


Não foi bem o que esperava, mas lá ele encontrou uma visão: crie
algo coletivamente. Conheça a si mesmo. Divirta-se.
Com o sol às suas costas, ele analisou a estrada à sua frente.
Alguns metros adiante, a trilha divide-se e continua em direções
diferentes. Um pouco mais distante, ele podia ver a trilha dividindo-
se novamente, e novamente, dúzias de caminhos, na direção de todos
os recantos do mundo.
Ele não tinha um mapa e não sabia qual caminho tomar. Então
vasculhou o bolso e tirou um símbolo da sorte, algo que carregava
desde a infância — uma figura geométrica pequena, quase uma
esfera, mas achatada para mostrar 20 faces idênticas, cada uma
numerada sequencialmente.
Ele a jogou alto no ar, pegou na descida e abriu sua mão até a
peça descansar imóvel em sua palma. Leu o número no topo e então
sorriu. Guardou o dado de volta no bolso e caminhou, agora com um
propósito.
Ele estava pronto para a aventura.

Quando retornei ao Brooklyn e encontrei meus amigos para a próxima sessão


de jogos, deixei Weslocke em casa. Descolei para nosso grupo uma
oportunidade de participar dos testes privados da Wizards of the Coast da
quinta edição de Dungeons & Dragons, então era hora de começar uma nova
campanha, com novos personagens e um novo mundo de aventuras.
Assim que todo mundo chegou, peguei minha bolsa e produzi uma resma
de papéis: cinco cópias do Livro do jogador, ainda em revisão, coladas e
encadernadas, quentinhas da minha impressora no escritório. Uma para cada
um de nós.
Sentamos na sala de estar de Alex e demos uma olhada na papelada. De
vez em quando, alguém ficava animadinho ou ria e apontava um ponto de
mudança particularmente controverso ou animador nas regras. Depois de
meia hora, chegamos à conclusão de que tínhamos o suficiente para começar
a criar os novos personagens.
Alex decidiu que jogaria com um ladino élfico chamado Kilën, em
homenagem ao seu amado avô. As regras da quinta edição pedem aos
jogadores que escolham um de diversos temas que descrevem a identidade
de seus jogadores. Alex falou que Kilën seria um “aventureiro”. Depois, ele
me disse que escolheu mesmo “espião”, mas decidiu manter isso em segredo
dos outros jogadores.
Phil criou um mago e o nomeou Tealeaf. Como estamos falando de Phil,
ele o tornou um gnomo acrobata. Na minha mente, só consegui imaginar Yoda
fazendo piruetas e lançando raios de Força de seus dedos.
Ryan criou um anão guerreiro, um nobre chamado Beaute Ponce. Quando
ele lançou os dados para verificar seus valores de inteligência, veio com um
7, ou seja, não muito mais esperto que um troll. Seria divertido tê-lo no
bando. E insuportável.
Morgan faria um clérigo humano. Escolheu o tema de “rato de boteco”, o
que garante ao personagem a vantagem de encontrar informações, já que todo
mundo sabe seu nome nos bares locais. Ele o chamou de Norm.
Quando eles estavam prontos, dei uma olhada nas planilhas de
personagens e as devolvi. Levei vários de meus personagens, assim como
alguns mapas — cavernas sinuosas, um campo inexplorado e a torre de um
mago. Também tinha comigo algumas páginas de apontamentos — nada
muito detalhado, apenas linhas gerais. Determinei o cenário para uma
simples história, uma missão para encontrar uma caixa de livros perdida.
Haveria bastante oportunidade para os jogadores preencherem os espaços
vazios.
Respirei fundo e analisei a mesa, encarando cada um dos meus amigos,
olhos nos olhos. “Vocês estão reunidos em uma taverna”, falei. “À procura
de aventura e glória.”

Notas:
1. “Elfos têm facilidade de localizar portas secretas (que são construídas para não serem notadas) e
portas ocultas (que são escondidas por uma tela, cortina ou algo parecido). O simples ato de passar
por uma porta oculta a uma distância de até 3 metros dá ao personagem elfo uma chance em seis de
percebê-la (jogue um com 1d6). Se procurar intencionalmente por uma porta secreta, o elfo terá uma
chance em três (jogue um ou dois com 1d6) de encontrá-la e de uma em dois de descobrir uma porta
oculta (jogue um, dois ou três com 1d6).” Advanced Dungeons & Dragons, p. 29.
2. Referência a um comercial de biscoito que mistura as duas iguarias mais amadas pelos americanos.
(N. do T.)
3. Incluindo escreverem seu nome errado no manual de Dungeon! “Acredito que por eles terem um
‘Gary’ na sala o tempo todo acabaram cortando um ‘R’. Consertarão na próxima edição’”, disse
Megarry. Quando as primeiras 3 mil cópias se esgotaram, a TSR — sabendo que tinha cortado um
‘R’ de Megarry — corrigiu o erro da primeira edição, mas adicionou um segundo “G”. “David
Meggarry” teve de falar para seus editores que erraram seu nome novamente. “Tim Kask estava
abatido”, disse ele.
BIBLIOGRAFIA E NOTAS

C
omo um Beholder, meus olhos são maiores que o estômago. Enquanto
pesquisava para este livro, consumi muito mais informação do que
possivelmente poderia publicar no produto final — livros, artigos de jornais
e revistas, sites, palestras, seminários e podcasts, passando por mais de uma
centena de entrevistas exclusivas com projetistas (antigos e novos) de D&D,
empresários e jogadores.
Mas, graças à internet, a história de Dungeons & Dragons não precisa
terminar aqui. Para aprender mais sobre o jogo — em particular sobre os
anos de Lorraine Williams e da Wizards of the Coast, que receberam,
infelizmente, um pequeno espaço nestas páginas —, por favor, visitem
www.ofdiceandmen.com.
Recomendo que os leitores interessados em um mergulho mais profundo
na história dos jogos de estratégia (ou war games) e role-playing games
também leiam Playing at the World, de Jon Peterson. Listo a seguir outros
livros merecedores de atenção:

Archer, Peter (ed.). 30 Years of Adventure: A Celebration of Dungeons &


Dragons. Wizards of the Coast, 2004.
Cover, Jennifer Grouling. The Creation of Narrative in Tabletop Role-
Playing Games. McFarland, 2010.
Fine, Gary Alan. Shared Fantasy: Role-Playing Games as Social Worlds.
The University of Chicago Press, 1983.
Hughes, Paul (ed.). Cheers, Gary: Celebrating a Legend. Gygax Memorial
Fund, 2011.
Laws, Robin D. 40 Years of Gen Con. Atlas Games, 2007.
Mackay, Daniel. The Fantasy Role-Playing Game: A New Performing Art.
McFarland, 2001.
Schick, Lawrence. Heroic Fantasy: A History and Guide to Role-Playing
Games. Prometheus Books, 1991.
Tresca, Michael J. The Evolution of Fantasy Role-Playing Games.
McFarland, 2011.
Williams, J. Patrick; Hendricks, Sean Q.; Winkler, W. Keith (ed.). Gaming
as Culture. McFarland, 2006.

Eis as fontes dos fatos originais e das frases não creditadas:

2. Pequenas guerras

1. “A Neolithic Game Board From ‘Ain Ghazal, Jordan”, Bulletin of the


American Schools of Oriental Research, n. 286, maio de 1992.
2. “World’s Oldest Backgammon Discovered in Burnt City”, Payvand.com, 4
de dezembro de 2004. http://www.payvand.com/news/04/dec/1029.html.
Link: http://www.payvand.com/news/04/dec/1029.html
3. “Play Was Important — Even 4,000 Years Ago”, ScienceDaily, 8 de
fevereiro de 2011.
4. Murray, H. J. R. A History of Chess. Oxford University Press, 1913.

3. Grognards
1. Isaacson, Walter. Steve Jobs. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

4. Druidas com phasers

1. “Charles S. Roberts: In His Own Words”, 1983,


http://www.alanemrich.com/CSR_pages/Articles/CSRspeaks.htm,
último acesso em 23 de abril de 2012.
Link: http://www.alanemrich.com/CSR_pages/Articles/CSRspeaks.htm
2. Fine, Gary Alan. Shared Fantasy: Role-Playing Games as Social Worlds.
The University of Chicago Press, 1983.
3. “The Keepers of the Realm: Fantasy Fans Still Game for Dungeons &
Dragons”, Los Angeles Times, 21 de agosto de 1995.
4. “The Ultimate Interview with Gary Gygax”, Dungeons.it, sem data,
retirado de http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php.
Link: http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php
5. “The Influence of J. R. R. Tolkien on the D&D and AD&D Games”, The
Dragon, março de 1985.
6. Allen Rausch, “Dave Arneson Interview”, GameSpy, 19 de agosto de
2004, http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html.
7. “Gary Gygax on Dungeons & Dragons: Origins of the Game”, The Dragon
2, n. 1, junho de 1977.
8. Livro do jogador de Dungeons & Dragons — Livro de Regras I, edição
3.5. São Paulo: Devir, 2004.
9. Gary Gygax, “Gary Gygax on Dungeons & Dragons: Origins of the Game”,
The Dragon 2, n. 1, junho de 1977.
10. “The Ultimate Interview with Gary Gygax”, Dungeons.it, sem data,
retirada de http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php.
Link: http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php
11. Idem.
12. “View From the Telescope Wondering Which End is Which”, The
Dragon 2, n. 5, dezembro de 1977.
13. Allen Rausch, “Dave Arneson Interview”, GameSpy, 19 de agosto de
2004, http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html.
Link: http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html
14. “The Story of TSR”, TSR Silver Anniversary Collector’s Edition.
Wizards of the Coast, 1999.
15. Hughes, Paul (ed.). Cheers, Gary: Celebrating a Legend. Gygax
Memorial Fund, 2011.
16. Timothy J. Kask, “In the Cauldron”, The Strategic Review 1, n. 5,
dezembro de 1975.

5. Firmeza de caráter

1. Livro do jogador de Dungeons & Dragons — Livro de Regras I, edição


3.5. São Paulo: Devir, 2004.

6. O Templo do Sapo

1. Gary Gygax para Dave Megarry, carta, 2 de junho de 1974.


2. “The Story of TSR”, TSR Silver Anniversary Collector’s Edition.
Wizards of the Coast, 1999.
3. “View From the Telescope Wondering Which End is Which”, The Dragon
2, n. 5, dezembro de 1977.
4. Gary Gygax para Dave Megarry, carta, 6 de março de 1975.
5. “Questions Most Frequently Asked about Dungeons & Dragons Rules”,
The Strategic Review, nº 2 (verão de 1975).
6. “Creature Features”, The Strategic Review 1, n. 2, verão de 1975.
7. Gygax, Gary; Kuntz, Robert. Dungeons & Dragons Supplement I:
Greyhawk. TSR, 1975.
8. Idem.
9. Brian J. Blume, “TSR — Why We Do What We Do”, The Strategic
Review 1, n. 2, verão de 1975.
10. “AD&D and My Leaving TSR”, FAQ da Gygax.org, arquivada em 21 de
abril de 1999, em http://web.archive.org/web/19990421153255/http://
www.gygax.com/gygaxfaq.html.
Link: http://web.archive.org/web/19990421153255
11. Ciro Alessandro Sacco, “The Ultimate Interview with Gary Gygax”,
Dungeons.it, sem data, retirada de
http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php.
Link: http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php
12. Arneson, Dave. Blackmoor. TSR, 1985.
13. Idem.
14. Gary Gygax, “TSR News & Editorial”, The Strategic Review 1, n. 4,
inverno de 1975.
15. “Interview with Dave Arneson”, Kobold Quarterly, 9 de abril de 2009,
http://www.koboldpress.com/k/front-page460.php.
Link: http://www.koboldpress.com/k/front-page460.php

7. O rompimento da sociedade

1. Timothy J. Kask, “In The Cauldron”, The Strategic Review 2, n. 2, abril


de 1976.
2. Gygax, Gary; Blume, Brian. Dungeons & Dragons Supplement III:
Eldritch Wizardry. TSR, 1976.
3. Timothy J. Kask, “Dragon Rumbles”, The Dragon 1, n. 1, junho de 1976.
4. Peterson, Jon. Playing at the World. Unreason Press, 2012, p. 552.
5. Kuntz, Robert; Ward, James. Dungeons & Dragons Supplement IV: Gods,
Demi-Gods & Heroes. TSR, 1976.
6. Idem.
7. Idem.
8. Idem.
9. Peterson, Jon. Playing at the World. Unreason Press, 2012, p. 536.
10. Timothy J. Kask, “In The Cauldron”, The Strategic Review 1, n. 5,
dezembro de 1975.
11. Kuntz, Robert; Ward, James. Dungeons & Dragons Supplement IV:
Gods, Demi-Gods & Heroes. TSR, 1976.
12. James Maliszewski, “Interview: Tim Kask (Part I)”, Grognardia, 18 de
setembro de 2008, http://grognardia.blogspot.com/2008/09/interview-tim-
kask-part-i.html.
Link: http://grognardia.blogspot.com/2008/09/interview-tim-kask-part-
i.html
13. Gary Gygax, “TSR News & Editorial”, The Strategic Review 1, n. 4,
inverno de 1975.
14. Peterson, Jon. Playing at the World. Unreason Press, 2012, p. 572.
15. Idem.
16. Idem.

8. Por que jogamos?

1. Shenk, David. The Immortal Game: A History of Chess. Anchor, 2007,


cap. xvii.
2. Idem.
3. Clifford Geertz, “Notes on the Balinese Cockfight”. Geertz, Clifford. The
Interpretation of Cultures. Basic Books, 1973.
4. Huizinga, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura.
Perspectiva, 2012.
5. Tresca, Michael J. The Evolution of Fantasy Role-Playing Games.
McFarland, 2010, p. 13.
6. Campbell, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 1995.
7. Leonard H. Kanterman, MD, “My Life and Role-Playing”, Different
Worlds: The Magazine of Game Role-Playing 1, n. 1, 1979.
8. G. E. Harrison e J. P. Van Haneghan, “The Gifted and the Shadow of the
Night”, Journal for the Education of the Gifted 34, n. 4, p. 669-97,
2011,.
9. Gygax, Gary. Advanced Dungeons & Dragons — Unearth Arcana. TSR,
1985.

9. Arneson vs. Gygax

1. “D&D Relationships: The Parts and the Whole”, The Dragon, n. 8, maio
de 1978.
2. Idem.
3. “View From the Telescope Wondering Which End is Which”, The Dragon
2, n. 5, dezembro de 1977.
4. Arneson, David. The First Fantasy Campaign. Judges Guild, 1977.
5. Idem.
6. Jon Peterson, Playing at the World. Unreason Press, 2012, p. 582.
7. Gygax, Gary. Livro dos monstros de Advanced Dungeons & Dragons, 2ª
ed. São Paulo: Editora Abril, 1995.
8. Idem.
9. Idem.
10. Idem.
11. Idem.
12. “View From the Telescope Wondering Which End is Which”, The
Dragon 2, n. 5, dezembro de 1977.
13. “The Influence of J. R. R. Tolkien on the D&D and AD&D Games”, The
Dragon 9, n. 95, março de 1985.
14. Idem.
15. Gygax, Gary. Steading of the Hill Giant Chief. TSR, 1978.
16. Gygax, Gary. Livro do jogador de Advanced Dungeons & Dragons.
Editora Abril, 1995.
17. Col_Pladoh (Gary Gygax), “Gary Gygax Q&A Part VIII”, fórum de
mensagens da EN World, comentário #359, 22 de março de 2005,
http://www.enworld.org/forum/archive-threads/121380-gary-gygax-q-
part-viii-36.html.
Link: http://www.enworld.org/forum/archive-threads/121380-gary-gygax-
q-part-viii-36.html
18. Fine, Gary Alan. Shared Fantasy: Role-Playing Games as Social
Worlds. The University of Chicago Press, 1983, p. 27.
19. Liam Lacey, “Dungeons and Dragons: An underground game is ready to
surface”, The Globe and Mail, 29 de novembro de 1978.
20. Idem.
21. Don Turnbull, “Open Box”, White Dwarf 16 (dezembro de 1979/janeiro
de 1980), 15.
22. Timothy J. Kask, “Dragon Rumbles”, The Dragon 4, n. 9, março de
1980.
23. Gary Gygax, “What’s Ahead for TSR?”, The Dragon 4, n. 9, março de
1980.
24. Memorando do requerente, Arneson vs. Gygax, 473 F. Supl. 759 (D.
Minn. 1979), maio de 1979.
25. Gary Gygax, “D&D, AD&D and Gaming”, The Dragon 3, n. 12, junho de
1979.
26. Arneson vs. TSR Hobbies, Inc., US Dist. LEXIS 21340 (D. Minn. 1985),
27 de março de 1985.
27. Allen Rausch, “Dave Arneson Interview”, GameSpy, 19 de agosto de
2004, http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html.
Link: http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html

10. O pânico satânico

1. “Stages of Addiction”, Intercept Interventions.


http://www.interceptinterventions.com/stages-of-addiction.
Link: http://www.interceptinterventions.com/stages-of-addiction
2. Geoffrey Smith, “Dungeons & Dollars”, Forbes, setembro de 1980.
3. “The Ultimate Interview with Gary Gygax”, Dungeons.it, sem data,
retirada dehttp://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php.
Link: "http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php"
4. “Utah Parents Exorcize ‘Devilish’ Game; Fometing Communist
Subversion Complaints Began Right Away”, The New York Times, 3 de
maio de 1980.
5. Idem.
6. The Dragon, n. 2, agosto de 1980, 49.
7. “Child’s Play for Satan”, Guardian, 6 de abril de 1984.
8. “Dual Deaths Are Linked to Fantasy Game”, United Press International,
4 de novembro de 1984.
9. Tipper Gore, Raising PG Kids in an X-Rated Society. Abingdon Press,
1987.
10. Chick, Jack. Dark Dungeons. Jack T. Chick LLC, 1984.
11. “Gary Gygax Interview — Part I”, GameSpy, 15 de agosto de 2004,
http://pc.GameSpy.com/articles/538/538817p1.html.
Link: http://pc.GameSpy.com/articles/538/538817p1.html
12. Stewart Alsop II, “TSR Hobbies Mixes Fact and Fantasy”, Inc.,
fevereiro de 1982.
13. Allen Rausch, “Gary Gygax Interview — Part I”, GameSpy, 15 de agosto
de 2004, http://pc.GameSpy.com/articles/538/538817p1.html.
Link: http://pc.GameSpy.com/articles/538/538817p1.html
14. Paul La Farge, “Destroy All Monsters”, Believer, setembro de 2006.
15. Eu esperava ser totalmente rejeitado naquela hora: Ciro Alessandro
Sacco, “The Ultimate Interview with Gary Gygax”, Dungeons.it, sem
data, retirada de http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php.
Link: http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php

11. Morte ou glória

1. “The Ultimate Interview with Gary Gygax”, Dungeons.it, sem data,


retirada de http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php.
Link: http://www.thekyngdoms.com/interviews/garygygax.php
2. David Kushner, “Dungeon Master: The Life and Legacy of Gary Gygax”,
Wired.com, 10 de março de 2008.

13. A estalagem no fim do mundo

1. “The Pre-History of Dagorhir”, Dagorhir.com,


http://www.dagorhir.com/dagorhir/history.htm.
Link:http://www.dagorhir.com/dagorhir/history.htm

14. D&D Next


1. Mike Mearls, “Charting the Course for D&D”, Wizards of the Coast
website, 9 de janeiro de 2012,
http://www.wizards.com/dnd/Article.aspx?x=dnd/4ll/20120109.
Link: http://www.wizards.com/dnd/Article.aspx?x=dnd/4ll/20120109
2. Ethan Gilsdorf, “Players Roll the Dice for Dungeons & Dragons Remake”,
The New York Times, 1º de janeiro de 2012.
3. Houstonderek, comentário em David M. Ewalt, “Wizards’ Announce New
Dungeons & Dragons”, Forbes, 9 de janeiro de 2012,
http://www.forbes.com/sites/davidewalt/2012/01/09/wizards-announce-
new-dungeons-and-dragons-an-inside-look-at-the-game.
Link:http://www.forbes.com/sites/davidewalt/2012/01/09/wizards-
announce-new-dungeons-and-dragons-an-inside-look-at-the-game
4. James Maliszewski, “Quelle Surprise”, Grognardia, 9 de janeiro de
2012, http://grognardia.blogspot.com/2012/01/quelle-surprise.html.
Link:http://grognardia.blogspot.com/2012/01/quelle-surprise.html
5. O jogador de D&D é um gerente de negócios: Khaver, comentário em
David M. Ewalt, “Wizards’ Announce New Dungeons & Dragons”,
Forbes, 9 de janeiro de 2012,
http://www.forbes.com/sites/davidewalt/2012/01/09/wizards-announce-
new-dungeons-and-dragons-an-inside-look-at-the-game.
Link:http://www.forbes.com/sites/davidewalt/2012/01/09/wizards-
announce-new-dungeons-and-dragons-an-inside-look-at-the-game
AGRADECIMENTOS

P
ara aprender a história de Dungeons & Dragons, eu entrevistei centenas
de projetistas, jogadores e executivos que transformaram o jogo no que
ele é hoje. Eles cederam um valioso tempo para compartilhar suas memórias
e sou grato a todos.
Em primeiro lugar, obrigado aos parceiros de minha noite semanal de
jogatina: Alex Agius, Brandon Bryant, R. C. Robbins, Phillip Gerba e
Morgan Harris-Warrick. São bons amigos e sou grato pelo tempo que
dividiram comigo. Eles são, em todos os sentidos, os coatores das seções do
Mundo Vampírico neste livro. Caminhamos juntos com essas tramas, então
tenho a sorte de serem tão espertos. Meus velhos companheiros de jogo
também merecem reconhecimento, particularmente Mike Bagnulo, Ray
Cuadro e Everett Meyer.
Agradecimentos especiais para Peter Adkison, Tavis Allison, Rich
Burlew, Monte Cook, Cory Doctorow, Jeff Gomez, Eric Hautemont, Kristi
Hayes, Jerry Holkins, Mike Krahulik, Mary Kirchoff, Ian Livingstone, James
Lowder, David Megarry, Frank Mentzer, Michael Mornard, R. A. Salvatore,
Lorraine Williams, Skip Williams e Tracy Hickman. E agradeço a todos na
Wizards of the Coast, incluindo Greg Leeds, Jerome Lalin, Shelly
Mazzanoble, Mike Mearls, Chris Perkins, Liz Schuh, Rodney Thompson,
Laura Tommervik e especialmente Marcella Kallmann e Tolena Thorburn.
Completar este projeto seria impossível sem o apoio e paciência dos
meus editores na Forbes, em particular Randall Lane, Bruce Upbin e Eric
Savitz. Sou grato principalmente a Lewis DVorkin, que me deu a
oportunidade extraordinária de trabalhar na indústria de jogos enquanto
escrevia o livro. Tenho a sorte de me beneficiar de sua dedicação ao
jornalismo empreendedor.
Obrigado a todas as pessoas que me ajudaram a começar este projeto.
Jessica Stockton Bagnulo, grande amiga e a melhor vendedora de livros do
mundo, que primeiro me apresentou a uma editora. Elisabeth Eaves e
Michael Noer deram conselhos e notas valiosas nas minhas primeiras
tentativas de escrever os capítulos. Meu agente, Chris Parris-Lamb, ajudou a
cozinhar uma ideia meio crua e algo de valor, e reconheço seus conselhos,
inteligência e trabalho duro. Amelia Mularz fez um trabalho brilhante ao
checar os fatos do manuscrito final e John Sellers leu e forneceu ótimos
conselhos.
Agradeço a todos na Scribner, em especial Susan Moldow e Nan
Graham, por correr os riscos desta ideia estranha e mostrar paciência
durante sua produção. Eu também gostaria de lhes dizer que não importa o
quanto estejam pagando para meu editor, Brant Rumble, o dinheiro não é
suficiente. Ele é perspicaz, engraçado, talentoso e compreensível. Não
consigo imaginar um editor melhor e devo uma a ele.
Obrigado a meus pais, Larry e Barbara Ewalt, e a minha irmã, Elissa
Ewalt Ghosh. Obrigado a minhas sobrinhas e sobrinho — Casey, Maddie,
Sophia e Sid — por serem bacanas. E todo meu amor e agradecimentos a
minha mulher, Kara, que foi incrivelmente solidária e compreensível
enquanto trabalhava neste projeto. Eu teria de escrever uma centena de
livros para descrever o quão incrível ela é.
Finalmente, agradeço a Gary Gygax e Dave Arneson pelos bons
momentos.
ÍNDICE

4D Interactive Systems
60 minutes (TV)
Abel (mago)
Acererak (mago mau)
Adams, Richard, A longa jornada
Adventure Games
Adventurer Conqueror King
Against the Giants
Agius, Alex
em D&D Next/Campanha de Ewalt
como Jhaden, ver também Jhaden
Ahlissa (clérigo)
Alex II (“Segundo”)
Alka, o Gasoso
All the Worlds’ Monsters
Allison, Javi
Allison, Tavis
Alvorada
Amazing Stories
Anderson, Poul
Anoitecer
Anthony, Piers, série de livros Xanth
Aragorn
Ardhi campanha
Argosy
armamentos, regras para
armas phaser
Arneson, David
colaboração com Gygax
Como um escritor lento
Deixando a TSR
e Blackmoor
e D&D
e diretor de pesquisas da TSR
e Dungeonmaster’s Index
e labirinto de masmorras
e processos
e Tactical Studies Rules
e The First Fantasy Campaign
inovações apresentadas
Arquivo X
Arrogante, Síndrome de Nerd
Asimov, Isaac, Fundação
assassinos
autor, história atual, ver Mundo Vampírico
autor, nova campanha, ver D&D Next
Avalon Hill
Avatar
avatares

Babeal (mago)
Backhaus, Wilf
BADD (Incomodados com Dungeons & Dragons)
Bagnulo, Michael
balrogs
Banco Imobiliário
bárbaros
bardos
Barker, M. A. R.
Barreira de Lâminas, magia
Barsoom
Batalha dos Cinco Exércitos, A
Beauteponce (guerreiro anão)
Beek Gwenders
Beholder
Bemelmans Bar, Nova York
Bemelmans, Ludwig
Berry, Chuck
Bismarck, Otto von
Blackjack (soldado)
Blackmoor
Blackmoor, suplemento
Blade Runner
Blue Book
Blume, Brian
Blume, Kevin
Blume, Melvin
Bogost, Ian
bolas de fogo
Bolsa de Truques
Bolseiro, Frodo
Boot Hill (RPG)
Boromir
Bradley, Ed
Braunstein (jogo de estratégia)
Breedbate, Keek
Broderick, Matthew
Bryant, Brandon
Buck Rogers no século XXV
Bumble, o mago
Bunnies & Burrows
Burroughs, Edgar Rice

Cálculo para Leigos


Campbell, Joseph, e monomito
“Campo de Treinamento das Batalhas Napoleônicas”
arrumação do cenário
cenário
encenação
ficha de informação do enredo de treinamento
regras para
Capone, Al
Carpenter, Gail (Gygax)
Carr, Mike
Carter, Howard
Carter, John
Castelo Greyhawk
catalepus
catoblepas
Causalidade e correlação
Cavaleiro Azul
Cavaleiros da Távola Redonda
Cavaliers & Roundheads
Caves of Chaos
Guarda Imperial de Napoleão
Chadwick, Frank
Chainmail (jogo de estratégia)
Chaosium Inc.
chaturanga (antigo jogo de xadrez)
Chick, Jack
Chivalry & Sorcery
crônicas de Nárnia, As (Lewis)
Chuttlesworth, Professor
Circo Eterno
City State of the Invincible Overlord
Clark, Chris
Classe de Ladrão
Classic Dungeon
Classic Warfare
Clérigos
cobras
Cole, Ryan
Collins, Leonard
Comando do Exército Continental Americano
Computador, tecnologia
Conan, gibis
Conan, o Bárbaro (filme)
Conan, o Conquistador
Conflict (jogo de estratégia)
Connery, Sean
Console, games
convenções de jogos:
características de
D&D Experience
Gary Con
Gen Con
Historicon
Origins Game Fair
Cook, Zeb
Craigslist
Cthulhu, clérigo de
Cubo gelatinoso
Custer, George Armstrong
Cyberpunk 20
Cyborg Commando

D&D Experience
D&D Next/campanha de Ewalt
atrás de conselhos para o desenvolvimento de
construindo o mundo de
desenhando o mapa
escrevendo a história de
Fratura
Harry
jogos teste de
Livro do jogador
Mad Marv
objetivos para
peregrinação de David por
regras da quinta edição usadas em
reviravoltas no roteiro de
D&D vendido para
e a Quinta Edição
e o encontro de D&D
dados:
em jogos de estratégia
relíquias históricas
Dagorhir (live)
dança do fogo
Dangerous Dimensions/Dangerous Journeys
Dark Dungeons (Chick)
de Camp, L. Sprague
Dear, William
Death in Wretched Swamp
Delleb (divindade menor)
Demogorgon
Descanso Tranquilo, feitiço
Descent into the Depths of the Earth
Detetive (jogo de tabuleiro)
Devorador de Mentes
Dewey (mago de Keer)
Different Worlds
Dille, Flint
Diplomacy (jogo de estratégia)
Disco Flutuante de Tenser
Dissipar Magia
Doctor Who Experience
Doctorow, Cory
Don’t Give Up the Ship!
Doom
dragões
Dragon Dice
Dragon, The
Dringle, Fnast
DriveThruRPG
Drow (elfos)
druida, alto sacerdote
druidas
Duchamp, Marcel
Dumple, Redmod
Dungeon!
conselho para
criatividade de
de Greyhawk
do Mundo Vampírico, ver Harris-Warwick, Morgan
e novos jogos
habilidade de narrar histórias
habilidade de resolver problemas
Mestre
papéis de
pontos de experiência recompensados
vingança de
Dungeon (loja)
Dungeon Geomorphs
Dungeon Hobby Shop
Dungeonmaster’s Index
Dungeons & Dragons (D&D):
acessórios
Advanced Dungeons & Dragons (AD&D)
apresentação na Gen Con
base de fãs de
benefícios educacionais de
“Caixa Vermelha”
campanhas
cenários
classes de personagens em
“Clichê” abertura de
combate em
como o primeiro RPG de fantasia
como terapia
como um fenômeno mundial
como um role-playing game
Companion Set
compra pelo correio
Computer Labyrinth
concepção de
conflito primário na história
Conjunto de Immortals
conjunto universal
crescimento de
customização de
D&D Experience
dados usados em
declínio do
definido pelas performances
derrubando uma porta
descrição
desenhos animados
desenvolvimento de
diminuição no interesse em
distribuição europeia de
distribuidores de
Dungeon Geomorphs
e direitos autorais
e novos produtos
“Edição Original de Colecionador”
editoras de
Eldritch Wizardry
espíritos satânicos invocados por
Expert Set
extensões de
Gods, Demi-Gods & Heroes
In Search of the Unknown
influência de
interesse da mídia em
jogabilibidade infinita de
jogadoras
jornadas heroicas em
Kit Introdutório
licença de conteúdo aberto
Livro do jogador
Livro dos monstros
Livros dos monstros II
Master Set
miniaturas em
narrativa em
número de participantes
obsessão do autor com
os direitos da TSR
partidas teste de
Personagens (PC) em, ver personagens dos jogadores
pontos de danos em
popularidade de
preconceito contra
produtos competitivos
Quarta Edição
Quinta Edição
regras/manuais de
rendimentos de
ressurgimento do interesse em
retorno do autor
Sistema d20
Suplemento de Blackmoor
Suplemento Greyhawk
Swords and Spells
Terceira Edição
The Lost Caverns of Tsojcanth
The Temple of the Frog
Um evento que muda sua vida
um jogo cerebral
um jogo social
vencedores ausentes de
vendas de
versão 11
videogames
visão geral
vitórias cumulativas em
Weapons of Legacy, manual de
Dungeons & Dragons Entertainment
Dungeons & Dragons Summit
Dunkelzahn (dragão)
Dwarf (anão)
Dwellers of the Forbidden City

E.T.: O extraterrestre (filme)


Egbert, James Dallas III
Eldritch Enterprises
Eldritch Wizardry
Electronic Arts
Electronic Entertainment Expo
elementais
elfos magos
elfos
Elmore, Larry
Elvis (mercenário)
Empire of the Petal Throne
En Garde!
Erdős, Paul
Ernst, Garrison (pseud.)
Escuridão, magia
Esfera da Aniquilação
Evangelista
Ewalt, Kara
Exército, EUA, Divisão de Simulação
Explosão Solar, Magia

Facebook, jogos
Faffle Dwe’o-mercraeft
Fafhrd (Leiber)
Fage the Kexy
fantasia, jogos
fantasia, literatura
fantasia, livros
Fantasy Game:
(mais tarde Dungeons & Dragons)
(mais tarde Greyhawk)
Fantasy Games Unlimited
Fantasy, manual do Suplemento
Fargrim (anão)
FBI, e Top Secret
Federação Internacional de Jogos de Estratégia (IFW)
“Fedorentos”
feiticeiros
Feitiço de Áquila, O (filme)
feras deslocadoras
First Fantasy Campaign, The
Flennetar, o paladino
Flying Buffalo Inc.
Fogerty, John
Fórum de ficção científica
Frank Mentzer’s Lich Dungeon, Level One
Frederick Wilhelm III, rei
Futurama (TV)

Gamão
Game Designers’ Workshop
Games Workshop
Gandalf
Ganubi (bardo):
a bordo do navio
cantando “Parabéns pra Você” para um vampiro
chapéu do disfarce
como combatente da liberdade
e a cidade do deserto
e ataque de carniçais
e cães demoníacos invisíveis
e piratas/homens-peixe
em briga de bar
encontro em Kyoto
Igreja de Ganubi
morte de
ressurreição de
Gary Con
Geertz, Clifford e Hildred
Gen Con, convenção de jogos
D&D apresentado em
e licenciamento/competidores
Genghis Khan
Gerba, Phillip
como Ganubi; ver também Ganubi
e D&D Next/Campanha Ewalt
e morte e ressurreição de Ganubi
Gettysburg (jogo de estratégia)
Gibson, William
G.I. Joe (Comandos em Ação)
Gimli
Glacial Rift of the Frost Giant Jarl
Gleep Wurp, o devorador de olhos
Globe and Mail, The
gnomos
Gnome Cache, The (Ernst)
Go
Gods, Demi-Gods & Heroes, suplemento
Goldman, James
Golias
Gore, Al
Gore, Tipper
Graben (senhor da guerra)
Graeme
e a cidade no deserto
e o ataque de carniçais
e a pirâmide
Gray Mouser (Leiber)
Greenfield Needlewomen
Greyhawk
World of Greyhawk
Greyhawk, suplemento
Grognardia
grognards
Gronan da Siméria
Guerra Civil Russa
Guerra Civil, EUA
Guerra de Kurukshetra
Guerra dos Cem Anos
Guerra Franco-Prussiana
Guerras Napoleônicas
guerreiros
Guidon Games
Gygax, Elise
Gygax, Ernest Gary
após saída da TSR
colaboração com Arneson
como orador
e a morte de Kaye
e a Tactical Studies Rules
e a TSR Hobbies
e AD&D
e Arneson
e Chainmail
e D&D
e distribuição
e Don’t Give Up the Ship!
e Gary Con
e Greyhawk
e publicidade
em Hollywood
escritos de
Memorial a
morte de
nomes de personagens inventados por
peregrinação do autor para locais de
Gygax, Ernest Gary Jr. (Ernie)
Gygax, Gail Carpenter
Gygax, Mary Jo Powell
Gygax, número

Hades
halfling
Hall of the Fire Giant King
Halo
Hanks, Tom
Harrison, Gregory
Harris-Warwick, Morgan
como Mestre
e a morte e ressurreição de Ganubi
e D&D Next/Campanha de Ewalt
e o Mundo Vampírico
e Otherworld
e piratas/homens-peixe
Hasbro
Hawking, Stephen
Hayes, Kristi
Heber City, Utah
Hekaforge Productions
Hellwig, Johann Christian Ludwig
Heroes of Will
Hickman, Laura
Hickman, Tracy
Historicon
hobbit, O (Tolkien)
hobbits
hobgoblins
Holkins, Jerry
Hollidge, Rev. John
Holmes, J. Eric
Homebrew, clube de computação
homens guerreiros
Hora da Aventura
Hotel Clair, Lake Geneva
Howard, Robert E.
Huizinga, Johan

ilitides
iluminado, O (filme)
ilusionista
Império Romano
Impressão Gráfica
In Search of the Unknown
Inc.
Índia, antigo jogo de tabuleiro na
Instruções para a representação das manobras táticas sob a forma de um
jogo de guerra
Invisibilidade, feitiço
invocação de feitiço
Invocadores
Invocar Criaturas, Magias
Irmandade do Pântano
Irmãos Grimm

Jackson, Steve
Jaffe, Rona, Mazes and Monsters
Jhaden (ranger):
a bordo
ancestral de
ataques de poder
Bloodlust (espada)
como combatente da liberdade
e a cidade no deserto
e ataques de carniçais
e cães demoníacos invisíveis
e formigas do tamanho de homens
e piratas/homens-peixe
em briga de bar
encontro em Kyoto
Jobs, Steve
jogos de estratégia:
Associação de Simulação Militar do Centro-Oeste
Batalhas de miniaturas históricas
Braunstein
“Campo de Treinamento das Batalhas Napoleônicas,”
como passatempo alternativo
Discussão provocada em
Evolução inicial dos
fantasia
Gettysburg
intepretação de papéis
jogo pelo correio
Kriegsspiel
maquetes escalonadas em
no treinamento militar
produtos para
Queda do interesse em
raízes europeias dos
simulação
simulações navais
Sociedade de Miniaturas Históricas
Strategos, manual de treinamento
um árbitro todo-poderoso em
videogames com temática de guerra
jogadores, relíquias históricas
Jogo da passagem (senet)
jogos:
como agregador social
final aberto
na história
realidade alternativa em
regras de
tabuleiro
jogos de labirinto tradicionais
jogos de navegação
jogos de tabuleiro
Johnson, Kirk
Johnson, Scott
Jonathan (recruta)
Jordan, ‘Ain Ghazal
Judges Guild
Judges Guild Journal
Jurament, Philotomy

Kanterman, Leonard H.
Kask, Tim
Kaye, Don
Kaye, Donna
Keep on the Borderlands, The
Keystroke (hacker)
Kilën
kobolds
Königsspiel (Jogo real)
Kottke, Daniel
Krahulik, Michael
Kriegsspiel (jogo de estratégia)
Kubrick, Stanley
Kuntz, Rob
Kuntz, Terry

La Compagnie des Hivernants la Rivière Saint Pierre


La Conquête du Monde (A Conquista do Mundo)
ladinos
Lake Geneva, Associação de Estudos Táticos
lamia
Lankhmar (jogo de tabuleiro)
Leaf (ladino)
Legend of Zelda, The
Legolas
Leiber, Fritz
Lejendary Adventure
Lewis, C. S.
lich
Linux, sistema operacional
Little Big Horn (jogo de estratégia)
Little Wars (TSR)
live-action role-playing (live)
Livingstone, Ian
Livro completo do divino
Livro de colorir oficial de Advanced Dungeons & Dragon
Livro do mestre
Loch Gloomen
longa jornada, A (Adams)
Longbranch, o elfo
Loomis, Rick
Lost Caravans of Tsojcanth, The
Lovecraft, H. P.
Lucas, George
Lucius Newberry
Luz Cegante, Magia

Mad Marv
Mago de Keer (Dewey)
Magic: The Gathering
mágica “vanciana”
Míssil Mágico
magias
Maliszewski, James
mancala (jogo de tabuleiro)
Mandaka (espada)
Manto da Resistência
Manual de “corpo a corpo”
Matrix
Mattel
Mearls, Mike
Megarry, David
Melee (jogo de estratégia)
Men & Magic
Mentzer, Frank
Metagaming Concepts
Metamorfose, Magia
Metamorphosis Alpha
Metropolitan Museum of Art, Nova York
Microsoft
Midwest Military Simulation Association
Miller, Marc
Milton Bradley
miniaturas
miniaturas das batalhas Napoleônicas
Miniature Figurines Ltd.
Mohan, Kim
Mohenjo-daro, Paquistão
Moisés
monge
monomito
Monsters & Treasure
Monstro da Ferrugem
“Monty Haul”, campanha
Monty Python e o Cálice Sagrado
Moorcock, Michael
Morgan, Alistair
Mornard, Michael
Mr. Gameway’s Ark
magos
Mundo Vampírico
Mundo Vampírico (história recorrente do autor):
a bordo
Alvorada
Anoitecer
ataque de carniçais
ataques de cães demoníacos invisíveis
briga de bar
combatentes da liberdade
jornada
magias em
morte e ressurreição
na cidade do deserto (Las Vegas)
piratas (homens-peixe)
substituição de jogador
vampiros
Murlynd (Kaye)

National Newspaper Syndicate


Nefertari, Rainha
nerds
New Infinities Productions
Newton, Isaac, Princípios matemáticos da filosofia natural
Nicholson, Dan
Nightwind (ninja humano)
Nintendo Entertainment System
Nintendo
Noer, Michael
Nordik (guerreiro)

Odin
Onomatopoeia (peça teatral)
Optimus Prime
Orcus (príncipe demônio)
Origins Game Fair
Osíris
Otherworld Adventure
a ênfase narrativa de
ação
autor como um mago de Keer em
Chris (equipe)
Código de silêncio
combate de espadas em
como live
como teatro interativo
conclusão do autor sobre
fantasmas em
fundação de
improvisação em
narrador
objetos e cenário de
Ovo de Fulica
Participação feminina em
personagens da equipe em
Owl & Weasel

paladinos
Palamades (guerreiro grego)
Panzer Warfare
Parcheesi
Parker Brothers
Parque Nacional Histórico de Valley Forge
Peake, John
Pêndulo de Foucault
Penny Arcade
Pequenas guerras (Wells)
Perren, Jeff
Perrin, Steve
Personagens dos Jogadores (PC)
aprendendo com a experiência
assassinos
avanços dos
avatar
bárbaros
bardos
classes de
clérigos
código moral dos
compartilhando histórias de guerra
controle de
devoradores de mentes
druidas
feiticeiros
guerreiros
histórias pessoais de
invocadores
ladinos
ladrões
magos
monges
morte de
narração
paladinos
perícias específicas de
pontos de experiência dados aos
primeiras fichas de personagens do autor
raças
rangers
Peterson, Jon, Playing at the World
Petrim (ladino)
Planescape, cenário da campanha de
poderoso chefão, O
Poe, Edgar Allan
Polichak, Jamie
Pontos de vida
Potter, Harry (ficção)
praticante de magia
Press (clube)
Primeira Guerra Mundial
Prometheus
psicodrama
psiônicos
Pulling, Patricia

Qaflan (filósofo)
Queen Frupy
Queen of the Demonweb Pits
Queen of the Spiders
Quest (grupo de live)

Radecki, Thomas
Ramsés, o Grande
Random House
rangers
Ravenloft (módulo de terror)
Reddit
Reiswitz, Georg Heinrich Rudolf von (filho)
Reiswitz, Georg Leopold von
Remover medo, magia
Ressurreição verdadeira, magia
Reviver os mortos, magia
Revolução Americana
Robbins, R. C.
Roberts, Charles
Robilar (Kuntz)
Robin (guerreiro)
Robin e Marian (filme)
Rogersdotter, Elke
role-playing games:
conflitos primários nos
criatividade em, D&D
e intelecto
e novos produtos
estatísticas dos fãs
fantasia
ficção científica
Grognardia, blog
história dos
jogadores escrevendo as histórias em
jogos de estratégia
jornada clássica do herói em
live-action (live)
pós-apocalípticos
preconceito contra
propósito de
simulações militares
Rollefson, Gary O.
Roman, Steve
Rota da Seda
Ruppert, Robert

Sagan, Carl
Sala de estar (compartimento encantado)
Salinger, J. D.
Sarapintose
Sarazin-Levassor, Lydie
Sarnge (arco de maldições)
saudosismo
Schilling, Curt
Schuh, Liz
Scrabble
Segunda Guerra Mundial, jogos de estratégia da
senet (jogo de tabuleiro)
senhor dos anéis, O (Tolkien)
senhores da guerra
Shadowrun
Shahr-e Sukhteh, Irã
Sheinberg, Sidney
Shenk, David
shogi (antigo jogo)
Shrine of the Kuo-Toa
Si (vampiro)
Siegfried & Roy
Simbalist, Ed
Simulations Publishing Inc.
Sir Howland, o Cavaleiro-Lobo
smartphone, jogos
Snow, Jodi
Sociedade de Miniaturas Históricas para Jogos
Sociedade do Anel, A
Sony
Spellfire: Master the Magic
Springer, Norman
Sr. Cabeça de Batata
St. Andre, Ken
Star Probe
Star Trek
Star Trek: A nova geração
Star Trek: The Role-Playing Game
Star Wars
Starships & Spacemen
Steading of the Hill Giant Chief
Stephenson, Neal
Sterling, Bruce
Strategic Review, The
súcubo
Summit (simulação da Guerra Fria)
Sutherland, David
Swallow, Shelley
Swords and Spells, suplemento

Tactical Studies Rules Inc. (TSR):


apropriação da
dissolvido e reformadover também TSR Hobbies Inc.
e acervo de Burroughs
e Arneson
e Brian Blume
e D&D
e distribuição
e Gygax
e Kaye
e Strategic Review
formação de
Tactics, (jogo de estratégia)
Talib, Ali ibn Abu
Taluug (bárbaro)
Tartarugas Ninja, As
Tealeaf (mago)
Technomancer (hacker)
Tékumel (Mundo de Fantasia)
Telecinese
tendências
Tenser (mago)
Terik (Kuntz)
The Temple of the Frog
Thompson, Rodney
Thor
tieflings
Tolkien, J. R. R.
O hobbit
O senhor dos anéis
Tolkien Society
Tomb of Horrors
Tomorrow with Tom Snyder (TV)
Top Secret (jogo de espionagem)
Totten, Charles A. L.
Tractics (jogo de estratégia)
Trampier, David
Trapper Keepers
Traveller (RPG de ficção científica)
Tresca, Michael J., The Evolution of Fantasy Role-Playing Games
Tricolor (Manual)
troglodita
Troubador Press
TSR Hobbies Inc.:
acordos de licenciamento com
controle da empresa
demissões na
e a competição
e D&D, ver declínio de Dungeons & Dragons
e direitos autorais
e fluxo de caixa
e os processos de Arneson
e royalties
estrutura gerencial da
expansão de
indústria dos hobbies
ingerência da
lucros da
publicações da
reestruturação da
saída de Arneson da
Tactical Studies Rules retomada como
visita do FBI à
Tunnels & Trolls
Turnbull, Don
Tutancâmon, Rei

Ultimate Publishing Company


Um Anel
Underworld & Wilderness Adventures
Universal Pictures

Valley Forge (Jogo de Estratégia)


Vampire Hunter D
Vampiro: A Máscara
vampiros
Van Haneghan, James
Vance, Jack
Vault of the Drow
vício, estágios do
videogame trade show
videogames
Visão da Verdade, magia
Vishnu
Von Horn, Maximilian
Von Stein, Lieth

wakizashi (espada)
Walters, David
War (Jogo)
War of Wizards
Ward, James M.
Ward, Pendleton
Warriors of Mars
Washington, George
Weapons of Legacy, manual
Weikhmann, Christopher
Weird Tales
Weise, Bryan
Wells, H. G., Pequenas guerras
Wesely, Dave
Weslocke (clérigo):
ataque de monstros em
e cães demoníacos invisíveis
encontro em Kyoto
evolução de
magias lançadas por
personagem do autor
Wham, Tom
White Dwarf
Wilderness Survival Guide
Williams, Lorraine Dille
Williams, Skip
Williams, Walter “Deadeye,”
Witches of Chell, The
Wizards of the Coast
Wizzrobe
World of Greyhawk
Wozniak, Steve
Wrigley, William Jr.
xadrez
aberturas de
como jogo espacial
Defesa Siciliana
desenvolvimento de
e jogos de estratégia
Gambito do Rei
Giuoco Piano
história de
obsessão de Duchamp com
regras de
religiosos extremistas vs.
tentativa de o autor aprender
tentativas de modernização
tridimensional
Variante do Dragão
Xadrez de Guerra
Xanth, livros (Anthony)

Yankovic, Weird Al
Yeth, Cães
yugoloths

Zaentz, Saul
Zarlasa (mago)
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pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A.
Dados e homens

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