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RODRIGO SALEM
1ª edição
2016
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
E94d
Ewalt, David M.
Dados e homens [recurso eletrônico] : a história de Dungeons & Dragons e de seus
jogadores / David M. Ewalt ; tradução Rodrigo Salem. - 1. ed. -
Rio de Janeiro : Record, 2016.
recurso digital
Tradução de: Of dice and men
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia e índice
sumário
ISBN 978-85-01-09049-2 (recurso eletrônico)
1. Jogos de fantasia. 2. Jogos de aventura. 3. Livros eletrônicos. I. Título.
16-33164
CDD: 793.93
CDU: 793.7
Copyright © David M. Ewalt, 2013
Título original em inglês: Of dice and men
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste
livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 – 20921-380 – Rio de Janeiro, RJ – Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a
propriedade literária desta tradução.
Produzido no Brasil
ISBN 978-85-01-09049-2
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Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Bibliografia e Notas
Agradecimentos
Índice
EU NÃO SOU UM MAGO
A
ntes de começarmos, gostaria de um momento para me dirigir aos fãs
hardcore de role-playing games. Se você alguma vez já pintou uma
miniatura de chumbo, tentou usar a Cabeça de Vecna ou sabe o que acontece
quando se vira um flumph de costas, por favor, permaneça aqui. Senão, pule
diretamente para o primeiro capítulo.
Ok. Agora que nos livramos dos trouxas, há uns assuntos que eu gostaria
de esclarecer.
Primeiramente, em diversas partes deste tomo, cito elementos específicos
das regras de Dungeons & Dragons, incluindo a mecânica do jogo, efeitos de
encantamentos e descrições de monstros. Essas citações, a menos que eu
especifique, se referem à versão 3.5 das regras de D&D. Recorro a esses
livros porque são os que uso com meus amigos. E gosto deles. Leitores que
porventura desejem argumentar sobre a superioridade de sua edição
preferida são aconselhados a escrever uma carta detalhando suas razões,
colocá-la em um envelope e, então, enfiá-la onde a magia Explosão Solar1
não brilha.
Em segundo lugar, nas descrições de uma ação, você notará que quebro a
ordem das iniciativas ou pulo a vez de um jogador. É uma decisão consciente
feita para enfatizar o drama em um encontro e não ficar perdido nos detalhes
insuportáveis. Pode ficar tranquilo: tudo descrito na ação realmente
aconteceu em uma partida. Se deixei de fora a vez em que Bob, o Halfling,
atirou com sua besta e errou o alvo, é porque ninguém dá a mínima.
Finalmente, enquanto acredito que até o mais grisalho dos grognards2
possa aprender algo com este livro, é bom ter em mente que minha intenção é
explicar o fenômeno de D&D para um público mais amplo. Se sua busca é
por uma história detalhada ou feitiços obscuros, você acabou de falhar na
sua perícia Obter Informações. Felizmente, existe uma vasta gama de estudos
sobre o assunto disponível e você encontrará uma lista das melhores fontes
no fim do livro.
Em resumo: Leia como se você estivesse jogando em uma campanha
amistosa. Não seja o chato das regras e não discuta com o Mestre.
Notas:
1. “Explosão Solar cega todos que estejam a menos de 3 metros, causa 6d6 de dano.” Livro do
jogador, p. 184. Viram como sei fazer isso?
2. Gíria que se refere a pessoas que preferem jogos antigos de RPG ou de tabuleiro. (N. do T.)
1
VOCÊS ESTÃO EM UMA TAVERNA
N
o dia em que encontrei Abel, Jhaden e Ganubi, fomos presos por
brigar em um bar.
Em nossa defesa, devo dizer que brigávamos por uma causa
justa. Um dos frequentadores estava umas seis cervejas além do
nível da bebedeira quando abriu a matraca e começou a pronunciar
os piores tipos de tiradas políticas reacionárias. Eu e Abel achamos
aquilo ofensivo e mandamos o sujeito calar a boca. Como Jhaden
não é de falar muito, atacou o cara com o banquinho. Retórica virou
física e nós quatro entramos no mesmo lado da disputa.
Os policiais deviam estar por perto, porque, quando me dei
conta, fomos jogados dentro do camburão. Mofamos em uma cela
por uma noite até Jhaden conseguir um contato na sua família para
nos libertar. Não sei o que aconteceu com o bêbado.
Uma experiência dessa natureza rapidamente cria um laço de
amizade entre homens jovens, e logo estávamos passando a maior
parte do tempo juntos — dividindo quarto em uma república barata,
trabalhando juntos nos empregos que conseguíamos arrumar. Os
trabalhos nem sempre eram registrados, mas sentíamos que
estávamos fazendo bem as tarefas.
Jhaden era forte feito um touro, Ganubi possuía um charme
natural e Abel era educado e inteligente. Tivemos nossa parcela de
desentendimento, mas, como trabalhei em um hospital, quando
alguém se machucava eu fazia o melhor para remendá-lo.
Gostaria de pensar que também fiz minha parte nos combates —
lançando raios de luz incandescente, atordoando inimigos com
rajadas de energia sônica. Algumas vezes invoquei um texugo
gigante dos planos celestiais e o fiz obedecer às minhas ordens.
Poucas coisas terminam uma briga tão rapidamente quanto uma
doninha mágica mastigando as pernas de seu oponente.
A maior parte das pessoas que joga Dungeons & Dragons não participa
apenas de uma sessão única, como em um jogo de tabuleiro. Elas entram em
uma “campanha”, um grupo que se encontra regularmente e usa os mesmos
personagens em um mesmo mundo, evoluindo com base em ações passadas.
Em dada semana, os jogadores invadem a tumba do faraó. Na seguinte,
precisam começar de onde pararam, encarando as consequências de suas
decisões.
À medida que as campanhas se estendem por semanas, meses e até anos,
o sucesso e o fracasso das sessões anteriores providenciam tramas e
contexto, sugerindo novos desafios. Se os jogadores roubaram o tesouro do
faraó e amaldiçoaram a terra com escassez de alimentos, o Mestre pode
criar uma sessão futura na qual eles são caçados por fazendeiros em busca
de vingança.
Os jogadores são tanto espectadores quanto autores em D&D; eles
consomem a ficção do Mestre, mas reescrevem a história com suas ações.
Como autores, são livres para tomar as próprias resoluções. Se um troll está
tentando engolir você, é possível golpeá-lo com a espada, atirar uma flecha
ou implorar por misericórdia — a decisão é sua. Você pode até cantar uma
música para ele, recrutá-lo para a cientologia ou tirar um cochilo. Sua
escolha pode ser idiota, mas ela é unicamente sua.
Diferentemente dos jogos de tabuleiro, que limitam o participante a uma
pequena variedade de ações, ou dos videogames, que oferecem uma larga,
porém finita gama de possibilidades, os role-playing games dão ao jogador o
livre-arbítrio. Contanto que as regras do universo ficcional não sejam
quebradas — proclamando que a parte de cima é a de baixo ou
repentinamente transmogrificando-se em Abraham Lincoln —, você pode
fazer o que quiser.
O sistema das partidas é bem diferente de outros passatempos. Em uma
sessão de Detetive, você precisa resolver um assassinato misterioso, mas
deve fazer isso movendo seu peão por um tabuleiro e lendo cartões do jogo.
Se Detetive fosse jogado como D&D, você poderia pegar o cano de chumbo,
arrancar uma confissão do coronel Mostarda e fazer sexo com a senhorita
Rosa na mesa do conservatório.
Claro que há regras. Livros e livros de regras que informam as decisões
do jogador e determinam seu sucesso. Atacando alguém com um cano de
chumbo? Isso é combate armado com arma improvisada e a página 113 do
Livro do jogador explica se você conseguiu acertar o alvo e quanto você o
machucou. Seduzir outra personagem exige a perícia de Diplomacia (p. 74),
um teste de Iniciativa (p. 136) e talvez um Sentir Motivação contra sua
perícia de Blefar (p. 64). Não é romântico, mas funciona.
Toda essa liberdade pode causar um caos na história contínua do jogo.
Um Mestre pode passar semanas arquitetando uma cadeia complexa de
cavernas para a exploração, repleta de armadilhas e novos monstros. Mas se
os jogadores pararem na entrada da caverna e decidirem que preferem ir à
cidade encher a cara, eles têm toda liberdade para isso — e deixarão a
trama fora do eixo no processo.
Ao jogar um conflito primário na história, um bom Mestre deve prevenir
que a liberdade das ações possa transformar o jogo em uma bagunça
completa. Isso geralmente assume a forma de uma missão heroica
tradicional: um erro para corrigir, um inimigo para destruir ou um mundo
para salvar.
— Estou atacando — avisa Alex — aquele sujeito. — Ele aponta para uma
das figurinhas de plástico na mesa que representa um dos peixes. Morgan as
colocou em cima de uma matriz de combate, um pedaço de vinil do tamanho
de uma mesa impresso com uma grade de 20 por 20 quadrados de 2,5
centímetros. Cada quadrado corresponde a 1,5 metro no mundo do jogo e
cada participante na batalha é representado por uma miniatura ou “mini”.
Não a usamos o tempo todo nas partidas, mas elas são úteis na hora do
combate, porque nos permitem seguir a localização e o movimento de cada
um dos personagens.
— Os guardas o viram e agora é hora de um teste de Iniciativa — diz
Morgan. Todas as vezes que entram em combate, eles precisam jogar um
dado para determinar a ordem dos turnos na batalha. Desta vez, Alex vem
primeiro.
— Certo, eu ataco em investida com a Bloodlust — diz. Ele move sua
mini (uma figura curvada em um manto marrom, que segura duas espadas)
pela matriz, pega um d20 e lança para determinar o sucesso do ataque. Sai o
número 12. — Eu recebo +2 pela investida e +8 pelo meu bônus de ataque
com armas brancas, então meu ataque soma 22.
Uma campanha de Dungeons & Dragons quase sempre inclui um mago. Abel
foi nosso primeiro. Era um “conjurador”, uma especialização em encantos
que criam algo do nada — como bolas de fogo e raios. Mas ele foi morto há
algumas semanas, quando sua consciência foi fundida à de um antigo
dragão.4 Como magos são fundamentais para o sucesso de um grupo, nós
rapidamente recrutamos um novo, Babeal.
Os dois personagens são responsabilidade de Brandon Bryant. Seria fácil
estereotipar Brandon como um jogador de D&D — ele é um sujeito grande
com um cabelo bagunçado que trabalha como gerente de Tecnologia da
Informação. Mas os clichês param por aqui. Aos 34 anos, está em seu
segundo casamento, agora com uma aluna de Artes. Faz caratê desde
pequeno e participava regularmente de competições no nordeste dos Estados
Unidos. Também é um especialista na “dança do fogo” — em noites de calor
no Brooklyn, você de vez em quando consegue encontrá-lo, na cobertura do
seu prédio, jogando e pegando bastões em chamas.
Brandon fica feliz em traçar uma linha entre sua dança flamejante e suas
invocações. “Gosto da ideia de ter controle sobre uma força elemental”,
confessa. “Aqui está essa coisa primitiva e eu consigo moldá-la ao meu
desejo... É mágico, mas mundano, como tomar um chá com um deus.”
— O pirata foi severamente ferido pelo ataque de Jhaden, mas ainda está de
pé — relata Morgan. — É a vez de Babeal.
A mini representando Babeal está no fim da matriz de combate, onde
Morgan desenhou uma caixa usando uma caneta marca-texto com tinta
marrom, simulando as paredes da cabine do leme. É a figura de um homem
em um robe verde-musgo, segurando um longo cajado e um elmo em forma
de balde, com dois chifres de cada lado. Essa miniatura sempre me lembra o
líder de “Os Cavaleiros que Dizem ‘Ni’”, do filme Monty Python e o cálice
sagrado, mas nunca falei isso em voz alta. Fazer uma referência a Python em
uma sala repleta de fanáticos por D&D é como levar brownies para um
encontro de Vigilantes do Peso. Levaria horas para a ordem ser restaurada.
Jhaden está do outro lado da matriz, em um quadrado próximo ao pirata
ferido. Os outros três homens-peixe estão a poucos quadrados de distância.
— Chupem isso, sardinhas! — grita Brandon. — Bola de Fogo!
Morgan balança a cabeça afirmativamente. Bola de Fogo é uma magia de
alcance médio, então Babeal pode evocá-la a distância. E como ela tem um
efeito único — um círculo com 12 metros de diâmetro, ou 8 quadrados na
matriz —, Babeal pode mirar para atingir os piratas, mas não seus aliados.
Morgan desenha um círculo vermelho no mapa. “Você evoca e o convés
explode em chamas, cobrindo os piratas. Lance o dado para os danos.”
Uma magia de fogo desse tipo faz um verdadeiro estrago, então Babeal
precisa jogar 10 dados de 6 faces (na linguagem nerd: “10d6”) para saber
quantos pontos de vida cada pirata perde.
Ele não tem muitos dados, então pega 5d6 da mesa — três seus e dois de
Alex — e os joga no tabuleiro, reagrupando-os e lançando novamente. Cada
inimigo recebe 32 pontos de dano.
É a vez dos piratas agora, então Morgan toma a iniciativa. Depois do meu
feitiço fritar um dos seus camaradas, os escamosos decidem que represento a
maior ameaça ao grupo. Morgan coloca suas miniaturas ao meu redor — uma
na frente, duas em cada lado. Eles me atacam com suas lanças e dois têm
sucesso. De repente meus pontos de vida caem de 82 para 55.
Todo mundo no combate já teve sua ação, então o turno recomeça
novamente. Jhaden gira e golpeia um dos piratas, mas não o derruba. Ganubi
se desequilibra, saca seu arco e atira uma flecha, que não atinge o alvo.
Babeal conjura um Míssil Mágico, mas só causa 16 pontos de dano.
Eu decido ser mais sagaz. Anuncio para a mesa que estou lançando a
magia Barreira de Lâminas, a qual produz uma cortina de lâminas
rodopiantes do nada. Explico que evoco essa barreira imediatamente ao
redor do meu personagem, Weslocke. Ou seja: nos oito quadrados na matriz
que me circulam, três deles ocupados por piratas.
Morgan precisará obter um número alto nos dados para que os piratas
consigam desviar das lâminas. Se não tiverem sucesso, serão feitos em
picadinho.
Ele joga os dados. Um pirata morre instantaneamente, retalhado pelas
lâminas. O outro consegue se esquivar e pula para trás, escapando ileso. O
terceiro também escapa com sucesso, porém, em vez de se distanciar da
minha miniatura, Morgan o coloca dentro do meu quadrado.
— O pirata pula para a frente para escapar e tromba com você — ele
explica. — Os dois caem no chão.
Eu basicamente me enfiei dentro de uma jaula de facas rodopiantes com
um peixe monstruoso e raivoso.
Jogar D&D pode ser recompensador, mas nem sempre é fácil. RPGs
carregam uma bagagem grande de preconceito e seus devotos correm o risco
de serem rotulados de nerds e esquisitos — ou até mesmo de criminosos.
Sendo justo, esse preconceito tem certa razão de existir. O jogo tende a
atrair fãs de literatura fantástica, mitologia, matemática e quebra-cabeças —
traduzindo, nerds. Eles valorizam o sentimento de comunidade que
encontram entre jogadores de D&D e são ariscos ao dar boas-vindas a
novatos; as sessões viram um lugar onde os perseguidos sentem-se
confortáveis. É admirável, mas não ajuda nem um pouco na divulgação do
hobby.
Eu não sei se jogava D&D porque os outros garotos da minha idade
achavam que eu era um nerd ou se eles achavam que eu era nerd por causa
do D&D. Causalidade e correlação tendem a ficar confusas quando um
valentão de 13 anos exalando hormônios está ameaçando costurar sua bunda
ao cotovelo. O que sei é que minha vida foi mais fácil. Jogava D&D o
quanto queria e só lidava com provocações ocasionais, ao contrário de
certos garotos, que eram proibidos de jogar e execrados quando o faziam.
Na década de 1980 o D&D se viu no centro de uma histeria em massa. O
jogo foi vinculado a assassinatos, rituais satânicos e suicídios de
adolescentes. Escolas baniram o jogo; igrejas o demonizaram; tribunais o
criminalizaram. Oficiais da lei costumavam relatar que um suspeito “era
conhecido por jogar D&D” da mesma maneira que poderiam revelar que era
um torturador de animais ou viciado em drogas.
Embora gostasse de outros jogos, nunca relutei no meu amor por D&D.
Ao entrarmos nos anos rebeldes da adolescência, eu e meus amigos
passávamos cada vez mais tempo jogando D&D com garotos menores. Eram
jogos que saíam da fantasia para emular filmes de espionagem (Top Secret),
ficção científica (Star Trek: The Role Playing Game) e de que diabos
chamavam Teenage Mutant Ninja Turtles & Other Strangeness.5
Éramos particularmente fãs de jogos pós-apocalípticos, como Cyberpunk
2020, que pertencia a um gênero inspirado pelos livros dos autores do
quilate de William Gibson e Bruce Sterling. No ensino médio, passávamos
centenas de horas jogando Shadowrun, um jogo futurista que combinava de
forma brilhante ficção científica com elementos de D&D. Em vez de guerras
nucleares ou vírus mortais, o jogo criava um cenário apocalíptico causado
pelo retorno da magia ao mundo: tinha trolls em motocicletas, hackers de
computadores élficos e um antigo dragão azul chamado Dunkelzahn, que foi
eleito presidente.
Na prática, Shadowrun era mais ou menos um encontro de Blade Runner
com Conan, o Bárbaro. Meu personagem favorito era um mago que usava
uma das mãos para atirar com uma espingarda e a outra para lançar bolas de
fogo. Eu sentava no porão de um amigo e interpretava aquele sujeito em
quase todas as noites de sábado dos meus últimos anos no colégio.
Notas:
1. Esse som que você está ouvindo agora é o de milhares de amantes de fantasia gritando de revolta. O
debate sobre qual seria a classe de D&D de personagens ficcionais ou de pessoas reais é um
esporte polêmico na sociedade nerd. Certa vez, passei horas no trabalho discutindo com um colega
sobre a fauna de nosso escritório. No fim do dia, concordamos que o chefão era um anão ladino.
2. Rede de comunidades on-line com classificados. (N. do T.)
3. Tabela 3-17: Tipos aleatórios de Portas, Livro do mestre, p. 78.
4. É uma longa história. Basta dizer que se um dia conseguirmos livrar a Terra dos vampiros, a próxima
ameaça global que precisaremos enfrentar será uma serpente voadora furiosa com um terrível caso
de múltipla personalidade.
5. O jogo de RPG das Tartarugas Ninja, inédito no Brasil. (N. do T.)
2
PEQUENAS GUERRAS
A
Wizards of the Coast, atual editora americana de Dungeons & Dragons
em Renton, Washington, estima que mais de 30 milhões de pessoas
jogaram o RPG desde 1974. Aposto que 29 milhões delas começaram suas
aventuras em uma taverna.
É fácil imaginar a razão. Bares são lugares dramaticamente convenientes
para reunir uma variedade de personagens — onde mais estranhos se
encontrariam e decidiriam fazer algo perigoso? Como resultado, “Vocês
estão todos em uma taverna...” tornou-se o “Era uma vez...” de Dungeons &
Dragons. Na seção dedicada à montagem da campanha, o Livro do mestre
cita o cenário como “O Clichê”. Mas não podemos ir contra a tradição. Até
Geoffrey Chaucer1 aglomerou seus peregrinos em uma taverna antes de partir
para Canterbury.
Minha aventura nas origens de Dungeons & Dragons começou no
Bemelmans Bar, na 76th Street, em Manhattan. É um salão luxuoso em art
déco: bancos de couro marrom, balcão de granito preto, folhas em ouro 24
quilates no teto e um mural pintado por Ludwig Bemelmans, autor da
clássica série infantil Madeline. Em outras palavras, não tem nada a ver com
a Tabard Inn, de Chaucer, ou o Pônei Saltitante, de Tolkien. Mas fica a
poucos quarteirões do Metropolitan Museum of Art e é um lugar perfeito
para um drinque antes de encontrar alguns dos progenitores do Dungeons &
Dragons.
Os role-playing games de fantasia nasceram nos anos 1970, mas podemos
rastrear sua árvore genealógica até meio bilhão de anos atrás. Em algum
momento da era Paleozoica, um invertebrado brincalhão pegou uma concha e
passou de tentáculo em tentáculo, tornando-se, portanto, a primeira criatura
viva a se envolver em uma atividade voluntária de recreação — ou jogo.
(Para ser justo, a definição de “jogo” varia assustadoramente, mas estou
creditando sua invenção aos cefalópodes porque polvos são bacanas. Além
disso, cientistas os documentaram jogando beisebol.)
Muitos anos depois, o Homo sapiens apareceu na árvore genealógica.
Nesse momento, algum geek pré-histórico decidiu que, apesar de a
brincadeira ser legal e divertida, regras eram necessárias. Ele, então,
formalizou essa brincadeira, misturando recreação com rituais e simbolismo;
o resultado foi o primeiro jogo da história.
É impossível saber as regras daquele jogo. Pode ter envolvido
pantomimas ou interpretação, algo como charadas do tempo das cavernas.
Sendo assim, não deixou registros físicos, nada para um arqueólogo
desenterrar e estudar. O mesmo vale para os jogos com as mãos — talvez
pedra-papel-e-tesoura, mas sem o papel e a tesoura.
O que sabemos é que eventualmente as pessoas começaram a criar jogos
de tabuleiro. Em 1989, o arqueólogo Gary O. Rollefson encontrou uma
curiosa laje de calcário nos resquícios de 'Ain Ghazal, um sítio arqueológico
pré-histórico na Jordânia.1 Ela foi esculpida, por volta de 5870 a.C., no
tamanho de um caderno, com duas fileiras de seis depressões circulares na
superfície. Rollefson supôs que poderia ser um exemplo de mancala, um
jogo de tabuleiro no qual os jogadores moviam pedras ou sementes pelas
cavidades; outros cientistas discordam da tese.
Mesmo assim, há evidências concretas de jogos de tabuleiros datados de
3000 a.C. Arqueólogos encontraram dados esculpidos em pedra e um
tabuleiro de ébano em Shahr-e Sukhteh, a “cidade queimada” de 500 mil
anos, no sudeste do Irã;2 a descoberta remete a uma espécie de ancestral do
gamão. As provas mostram que os jogos eram comuns na Antiguidade e não
um luxo raro. O sítio da Era de Bronze de Mohenjo-daro ostentava uma
cultura rica em jogos.3 Fundada em torno de 2500 a.C. no que agora é o sul
do Paquistão, ela foi uma das primeiras cidades do mundo com uma
população de mais de 35 mil habitantes. Quando os arqueólogos encontraram
o sítio, na década de 1920, recuperaram pequenos objetos que aparentavam
ser peças de jogos, incluindo dados de seis e quatro faces e uma variedade
de “jogadorezinhos” esculpidos na pedra — peças similares aos peões que
encontramos em uma caixa de Detetive ou Ludo.
De acordo com o arqueólogo Elke Rogersdotter, aproximadamente um em
cada dez artefatos recuperados do sítio é relativo a jogos, provando que
eram parte importante da vida cotidiana das pessoas há mais de 4 mil anos.2
Minha ida ao Metropolitan era para ver um dos mais famosos jogos da
Antiguidade. Em uma extensa galeria na ala egípcia, a alguns passos do
salão principal, há uma reprodução de uma pintura descoberta na tumba de
Nefertari, a esposa de Ramsés, o Grande. Ela retrata a rainha sentada em
frente a uma mesa, sobre a qual repousa uma série de peças de jogos
esculpidas. A tradução dos hieróglifos identifica seu adversário como o
Destino.
Nefertari está jogando senet, um popular jogo de tabuleiro egípcio que
coloca dois jogadores — representados por peças — em uma corrida de
trinta quadrados por uma matriz retangular. Senet era conhecido como o
“jogo da passagem” e passou a simbolizar a jornada dos mortos para o pós-
vida. Era geralmente colocado em cima dos túmulos dos faraós e das suas
famílias. Howard Carter encontrou um tabuleiro esculpido de forma
elaborada na tumba de Tutancâmon, datado de 1323 a.C.
Parado em frente à pintura, me imaginei sentado diante de Nefertari, com
uma miniatura de um homem em uma armadura de prata segurando uma maça
pesada. Embora estivéssemos separados por 3.200 anos de história, eu sabia
o que ela estava sentindo. O jogo lhe permitia considerar a própria
mortalidade e experimentar religiosamente a emoção de enganar a morte.
Há uma razão vital para que os jogos de tabuleiro tenham se espalhado pelo
globo: eles representam mais que uma simples diversão — ensinam e contam
histórias.
Considere o conto folclórico sobre a rainha que tinha somente um filho,4
seu único herdeiro. Quando ele morreu na batalha, os conselheiros reais não
conseguiam decidir como contar a notícia para sua majestade, então
procuraram o conselho de Qaflan, um grande filósofo. Ele ponderou sobre o
problema e convocou um artesão.
— Pegue dois tipos de madeira, um claro e outro escuro — ordenou o
sábio. — De cada um, esculpa coleções idênticas de dezesseis pequenas
figuras.
Quando o trabalho foi feito, o filósofo posicionou as figuras sobre o
couro.
— Isso é uma guerra sem derramamento de sangue — falou a um
discípulo, explicando as regras de um jogo, desenvolvido em cima de um
tabuleiro e com dois exércitos de dezesseis peças.
A notícia de um novo jogo se espalhou e um dia a rainha visitou Qaflan
em busca de uma demonstração. Ela estudou o tabuleiro atentamente
enquanto o sábio e seus estudantes trocavam de peças.
Quando o jogo terminou, a rainha entendeu seu significado e virou-se
para o homem.
— Meu filho está morto — disse para ele.
Notas:
1. Um dos pais da literatura britânica, autor de Contos da Cantuária. (N. do T.)
2. Jogos são tema frequente em escrituras arcaicas: em uma história indiana, o deus Shiva e sua
consorte, Pavarti, estão jogando dados e pedem a arbitragem para Nandi, o touro divino. Shiva perde,
mas Nandi o declara vencedor de qualquer maneira. Talvez seja o primeiro exemplo de péssimo
Mestre na história.
3. “Troglodita: Esta criatura reptílica é quase humanoide. Ele é um pouco menor que um ser humano.
Seus braços são finos, mas musculosos, ele anda ereto sobre duas patas achatadas e arrasta uma
cauda longa e segmentada. Sua cabeça é semelhante à de um lagarto, mas tem uma crista que
começa na testa e continua até a base do pescoço. Seus olhos são negros e fundos... Dados de vida:
2d8+4 (13 PV)... Classe de armadura: 15... Ataques especiais: Mau-cheiro.” Livro dos monstros, p.
244
3
GROGNARDS
E
u sabia que se quisesse entender como funciona Dungeons & Dragons
teria de estudar primeiro os jogos que lhe deram origem. Mas eu não
podia simplesmente entrar em uma loja e pedir jogos de guerra feitos há
mais de cem anos. Hoje em dia, jogos como Pequenas Guerras e
Kriegsspiel1 estão decididamente fora de moda.1 Foram substituídos como
diversão por videogames de temática de guerra e suplantados na educação
por simuladores eletrônicos complexos. Os militares ainda usam jogos de
estratégia para treinamentos, mas esses exercícios são geralmente
computadorizados ou encenados. O Exército americano emprega projetistas
de jogos na Divisão de Simuladores da Escola de Comando e Estado-Maior;
seus eventos parecem role-playing games altamente arbitrados, um
cruzamento entre D&D, jogos de estratégia e uma versão escolar da ONU.
Mas soldados dedicados nunca desistem. A Sociedade de Miniaturas
Históricas para Jogos, uma fundação sem fins lucrativos criada para
promover o hobby, tem mais de 2 mil membros ao redor do mundo e
organiza uma convenção anual — quatro dias de seminários, encontros e
muitos, muitos jogos. Como eu nunca participei de um jogo de estratégia,
decidi conhecer a convenção — esses jogos são importantes ancestrais do
D&D. (Traduzindo: Não tema, ranger. Voltaremos para D&D em duas
balançadas de rabo de um lamia.2)
A Historicon foi organizada no segundo fim de semana de julho na Praça
de Convenções Forge, na comunidade de King of Prussia, Filadélfia. A
cidade é mais conhecida por seu shopping center gigantesco, o maior dos
Estados Unidos. É também casa do Parque Histórico Nacional de Valley
Forge, onde George Washington e o Exército Continental notoriamente
acamparam durante a Revolução Americana. Mas o shopping center atrai
muito mais visitantes.
É fácil encontrar o centro de convenções, um bunker de concreto dos anos
1970 conectado a hotéis velhos e ultrapassados nas duas extremidades; o
complexo inteiro se destaca como uma espaçonave alienígena em meio a um
oceano de estacionamentos. Três mil inscritos passaram por suas portas
naquele fim de semana para pegar um lugar nas mais de seiscentas mesas de
jogos. Cheguei cedo na sexta-feira para procurar um dos doze ingressos para
o “Campo de Treinamento das Batalhas Napoleônicas”, um conflito
hipotético — e para iniciantes — entre os exércitos franceses e prussianos.
Com tempo de sobra, decidi andar pelos corredores.
Há certas características comuns entre as convenções de jogos dedicadas
a miniaturas históricas, RPGs, videogames ou jogos de tabuleiro, como
xadrez e Scrabble. A primeira é o desequilíbrio entre os sexos. Talvez os
homens sejam mais atraídos para jogos competitivos a ponto de ficarem
obcecados por eles; de qualquer maneira, correspondem à grande maioria
dos participantes. A segunda é o desequilíbrio na idade. Os frequentadores
exibem mais cabelos grisalhos que tatuagens e fones de ouvido,
provavelmente por causa do alto custo das convenções. Por fim, há o
desequilíbrio racial. Credite isso a diferenças sociais ou econômicas, mas as
multidões dentro de uma convenção de jogos sempre parecem mais brancas
do que a população no lado de fora, até mesmo em cidades como Nova York
e São Francisco.
Em outras palavras: o típico frequentador de convenções de jogos é um
sujeito branco de meia-idade. Isso só é uma surpresa para alguns poucos,
mas é bom mencionar. Apropriadamente, os jogadores se autointitulam
“grognards” — um termo francês para “velhos soldados”. A tradução literal,
“grumbler”,3 foi utilizada pela Guarda de Elite Imperial de Napoleão,
veteranos tão respeitados que podiam reclamar de ordens e até mesmo
resmungar ao próprio imperador.
No salão principal, algumas centenas de participantes estavam arrumando
jogos em mesas dobráveis lado a lado; sessenta ou setenta dessas superfícies
foram organizadas ao redor do local. Uma batalha de miniaturas históricas
exige uma preparação significativa comparada ao xadrez; não há um
tabuleiro ou marcação de peças. Em vez disso, os jogadores constroem
maquetes, geralmente representando o cenário de uma batalha real. A mais
simples delas consiste no tampo da mesa coberto por pedaços de tecidos e
um punhado de soldados de plástico. Mas vários usuários — principalmente
os grognards mais radicais que frequentam convenções — se esforçam para
criar detalhes e elementos artísticos como se mexessem com peças de museu.
Suas mesas possuem pequenas árvores de plástico, colinas e vales realistas,
além de prédios meticulosamente pintados. Todas seguem uma proporção de
modo que os soldadinhos de brinquedo historicamente precisos meçam entre
10 e 28 milímetros de altura.
Em um jogo que simula a invasão inglesa de um castelo francês durante a
Guerra dos Cem Anos, os organizadores recriaram uma vila medieval e um
calabouço; o castelo de resina plástica na extremidade facilmente media
1,20 m × 1 m. A maior maquete, com 15 metros de extensão, enfiada no
canto distante do salão, replicava a rua principal de uma cidade do Velho
Oeste: completa, com moradores, cavalos, currais e dúzias de prédios,
incluindo um bar, a prisão, o mercado e um açougue.
Na ala de comércio, localizada no andar de baixo do centro de
convenções, fileiras e fileiras de mercadores vendiam o equipamento
necessário para a criação dessas maquetes. Para começar um jogo, você
precisa de um campo de batalha. Jogadores muquiranas podem ficar
satisfeitos com um tampo de mesa, mas você não preferiria cobrir a
superfície com um Tapete de Terreno da Wargames? É um pedaço de tecido
vagabundo que mede 1,80 m × 1,20 m disponível nas cores “Verde-floresta”
ou “Marrom-Grama Destroçada”, custando 29 dólares. Claro, uma vez que
você está simulando grama, precisa decorar o campo de batalha com
detalhes como árvores de plástico (7 dólares por peça), rios (8 dólares por
25 centímetros de extensão) e cercas (12 dólares por um pacote com quatro).
Já que os detalhes importam, você certamente vai querer adicionar
construções, como cabanas de um quarto (17 dólares) ou um estábulo (23
dólares). Quem sabe um celeiro (65 dólares), uma casa bombardeada (80
dólares) ou até mesmo uma igreja (120 dólares)?
Também há os soldados. Você poderia comprar kits — um conjunto de 42
integrantes de 28 cm da infantaria napoleônica custa 29 dólares —, mas teria
de colar e pintar todas as peças. Miniaturas pintadas de fábrica são
convenientes, mas não são baratas — oito membros da tropa romana saem
por 16 dólares ou 2,25 dólares se comprados separadamente. E há a grande
atração do mercado: miniaturas de metal pintadas à mão. Elas são lindas,
mas insanamente caras: doze “Rebeldes Boxers”4 custam 96 dólares; vinte
soldados da infantaria romana, 175 dólares; e doze lanceiros franceses, 220
dólares.
A necessidade de todo esse equipamento cria uma barreira para novos
adeptos e torna extremamente difícil a presença constante de um jogador
casual. No total, um jogador fanático por miniaturas históricas pode
facilmente gastar milhares de dólares no seu passatempo.
Depois de conhecer a área de comércio, vaguei pelos corredores dos
hotéis adjacentes, onde alguns jogos tomavam forma em uma dúzia de salas
de reuniões lotadas e quentes. Quanto mais eu caminhava nas profundezas do
local, mais me sentia como o garoto de O iluminado, de Stanley Kubrick.
Meus passos batendo ritmicamente no carpete enquanto quadros estranhos
me observavam. Em uma porta semiaberta, vi um sujeito que parecia Papai
Noel agitando uma régua, bradando sobre o papel das casualidades na
artilharia; em outra, uma batalha naval do tamanho da sala com modelos de
barcos de 30 cm; em seguida, um castelo japonês cercado por milhares de
samurais pintados com tinta brilhante; a Normandia no Dia D; William
Wallace na batalha de Falkirk; a Batalha da Bretanha. Chegou a hora de
jogar.
Notas:
1. Mas não extintos: Steve Jobs, fundador da Apple, era um fã de Kriegsspiel; nos primeiros dias da
empresa, ele jogava com o engenheiro Daniel Kottke, algumas vezes no meio de uma viagem de
LSD.
2. “Essa criatura parece um cruzamento entre um ser humano extremamente atraente e um leão
imponente. Ela é humana da cintura para cima e o restante do corpo pertence a um leão.” Livro dos
monstros, p. 171.
3. Resmungão. (N. do T.)
4. Grupo nacionalista chinês que lutava contra a presença estrangeira no país no fim do século XIX. (N.
do T.)
4
DRUIDAS COM PHASERS
R
egras ridiculamente complicadas e miniaturas pintadas à mão não são
uma receita para o sucesso. Apesar dos esforços de H. G. Wells para
transformar os jogos de estratégia em algo popular, o passatempo
permaneceu obscuro até meados do século XX. O público geral gostava de
jogos de tabuleiro mais simples e curtos, como Banco Imobiliário, lançado
em 1930, e Scrabble, de 1948. Kriegsspiel e sua irmandade continuavam a
ter seus fãs, mas em menor número — quase exclusivamente homens mais
velhos, veteranos que gostariam de relembrar a emoção das guerras.
Em 1952, alguém finalmente descobriu como transformar um jogo de
estratégia em um passatempo familiar. Aos 22 anos, Charles Roberts, que já
tinha trabalhado em dois jornais, completou quatro anos no Exército e se
alistou na Guarda Nacional de Maryland. Com esperança de ser convocado
para lutar na Coreia, decidiu estudar estratégia militar. “Estar familiarizado
com os Princípios da Guerra é, para um soldado, o mesmo que a Bíblia
significa para um clérigo”,1 escreveu Roberts em um artigo de 1983. “A
Bíblia, contudo, pode ser facilmente lida. [...] Guerras são mais difíceis de
encontrar. Portanto, decidi que treinaria para a guerra em um tabuleiro assim
como no campo de treinamento. [...] Como não há jogos de estratégia assim
disponíveis, precisei criar o meu.”
O jogo de Roberts, Tactics, usava as ferramentas de atração em massa
dos jogos de tabuleiro para simular a guerra. Tinha um tabuleiro simples
com um mapa desenhado à mão; usava peças de papelão para representar
unidades, em vez de miniaturas de guerra; e livrou-se da bagagem histórica,
valendo-se de um conflito hipotético entre dois países imaginários.
Roberts decidiu manufaturar e vender o jogo “quase como uma
brincadeira”, em 1954. Vendeu apenas 2 mil cópias em cinco anos, mas
enxergou um mercado não explorado para jogos de tabuleiro para adultos e
persistiu na ideia. Em 1958, criou e lançou Gettysburg, que simulava a
batalha homônima da Guerra Civil Americana; em 1962, a Avalon Hill,
empresa de Roberts, tornou-se a quarta maior fabricante de jogos de
tabuleiro dos Estados Unidos.
Ao redor do país, pequenos grupos começaram a se reunir em centros
comunitários, nas lojas ou mesmo em casa para sessões semanais de
Gettysburg e de outros jogos de guerra. Esses encontros eram
inevitavelmente formados por homens — apesar de a base de jogadores ter
aumentado a ponto de os adolescentes rivalizarem com os veteranos de
guerra, as mulheres ainda não eram vistas. Isso tinha a ver tanto com o
assunto do passatempo quanto com o tom das reuniões bélicas: os jogadores
passavam horas discutindo regras e os resultados. (Isso provavelmente tinha
relação com a presença de sujeitos de pouco tato social — existe uma boa
razão para que um grupo de jogadores tenha ficado conhecido como
“fedorentos”.)
Nas quatro décadas que se passaram desde que Dave Arneson e Gary Gygax
começaram sua colaboração mais importante, vários especialistas nerds
tentaram descrever, usando analogias, a natureza daquela decisiva e séria
parceria. Ouvi comparações com Paul McCartney e John Lennon, James
Watson e Francis Crick, até mesmo João Batista e Jesus. Eu gosto de
sacrilégios inconsequentes como qualquer um, mas essas comparações me
levaram a fazer o sinal da cruz.
Aqui está minha tentativa: dois jovens se encontraram no fim dos anos
1960 e se conectaram por causa de uma paixão em comum por um
passatempo de nerd. Ambos pertenciam ao mesmo clube de jogos e
começaram a fazer projetos para dividir com os outros membros. Em pouco
tempo estavam trabalhando juntos em algo novo e empolgante. Um deles é
engenheiro, inventa novas maneiras de fazer coisas. O outro é um visionário,
prevê o potencial. O produto que criaram não existiria sem um deles.
Quando foi lançado, deu início a uma nova indústria e mudou o mundo.
A história é a mesma, seja ela originada na Federação Internacional de
Jogos de Guerra ou no clube de computação Homebrew, onde Steve Wozniak
e Steve Jobs começaram a indústria de computadores pessoais fundando a
Apple. Wozniak, o engenheiro, desenhou o hardware e criou as funções do
computador; Jobs, o visionário, o tornou acessível e atraente para o público
em geral.
Arneson visitou Lake Geneva no outono de 1972 para mostrar seu
Blackmoor, mas o que ele entregou foram algumas inovações: os jogadores
na mesa só controlam um único personagem. Esses personagens caçam
aventuras em um cenário de fantasia. Fazendo isso, ganham experiência e
ficam mais poderosos.
Gary Gygax pegou essas ideias e as transformou em um produto. “Pedi
para Dave me mandar suas regras adicionais, pois eu tinha pensado que um
novo sistema deveria ser desenvolvido”,7 escreveu ele. “Algumas semanas
depois de sua visita, recebi cerca de vinte páginas escritas à mão com regras
e notas pertencentes à sua campanha, então imediatamente comecei a
trabalhar em um manuscrito novinho em folha.”
Durante dois meses, Gygax trabalhou em uma máquina datilográfica
portátil aprimorando as regras para um novo tipo de jogo, no qual os
participantes jogariam dados para criar um herói, lutar contra monstros e
encontrar tesouros. No fim de 1972, terminou um rascunho de cinquenta
páginas. Ele o batizou de Fantasy Game.
As primeiras pessoas a jogar foram os filhos de Gygax, Ernie, de 11
anos, e Elise, de 9. Gygax criou uma duplicata de Blackmoor, o qual
chamava de Castelo Greyhawk, e projetou um nível único com suas
masmorras; uma noite, após o jantar, chamou as crianças para criar
personagens e começar a exploração. Ernie apareceu com um mago chamado
Tenser — um anagrama para seu nome, Ernest.4 Elise jogou com um clérigo
do sexo feminino, Ahlissa. Eles escreveram os detalhes em cartões de
anotações e entraram nas masmorras. Na primeira sala, acharam e
derrotaram um ninho de escorpiões; na segunda, lutaram contra um bando de
kobolds — pequenos homens-lagarto do subterrâneo. Também encontraram o
primeiro tesouro, um baú cheio de moedas de cobre, mas ele era muito
pesado para ser carregado. Os dois aventureiros continuaram até 21 horas,
quando o Mestre os colocou na cama. Dever de pai cumprido, Gygax
retornou para seu escritório e projetou outro nível de masmorras.
No dia seguinte, Ernie e Elise receberam a companhia de três jogadores
aleatórios do grupo de jogos de guerra do pai: seu amigo de infância, Don
Kaye (Murlynd) e os adolescentes Rob Kuntz (Robilar) e o irmão, Terry
(Terik). Ele também enviou o manuscrito para uma dúzia de amigos país
afora, pedindo retorno. “A reação [...] foi de entusiasmo instantâneo”,9
escreveu Gygax. “Eles exigiram a publicação daquelas regras o mais rápido
possível.”
Os jogadores locais também clamaram por mais. À medida que se
aprofundavam no subterrâneo do Castelo Greyhawk, eles encontravam
desafios maiores e começavam a se sentir parte de uma saga: graças à
inovação de Dave Arneson em relação aos personagens duradouros, os
calabouços viraram uma lenda viva. Se Tenser matou um grupo de kobolds
na terça, Robilar poderia encontrar os corpos na quinta. Era um novo método
de criar uma história.
Gygax começou a organizar sessões regulares de Fantasy Game para um
número crescente de jogadores; simultaneamente, Dave Arneson testou as
regras com seus jogadores de Blackmoor, em Saint Paul. Os dois passaram
um ano testando Fantasy Game com seus respectivos clubes e discutindo os
erros e acertos do sistema.
“Eu não sei se algum outro jogo foi tão testado na história”, conta
Michael Mornard, uma das poucas pessoas a jogar nas sessões originais de
Greyhawk e Blackmoor. Ele cresceu em Lake Geneva e tinha 15 anos quando
encontrou Gygax por intermédio de um colega de classe e de jogos de
estratégia, Rob Kuntz. No fim de 1972, Mornard estava jogando batalhas de
miniaturas com Kuntz e Don Kaye, que cedeu sua casa, em Lake Geneva,
quando ouviu falar a respeito do Fantasy Game.
“Depois ou entre os turnos da batalha”, recorda-se Mornard, “Rob nos
falava: ‘Gary está trabalhando em um novo jogo. Vocês são um grupo de
pessoas explorando um velho castelo abandonado repleto de monstros e
tesouros.’ E Don dizia: ‘Isso não parece muito interessante.’” Mornard
achou o contrário. “Eu fiquei meio que pensando: ‘O que preciso fazer para
entrar nisso?’”
Alguns dias depois Mornard apareceu na casa de Gygax para sua
primeira experiência nos subterrâneos do Castelo Greyhawk. Ele criou um
personagem com 15 de força e 15 de inteligência e decidiu que seria um
guerreiro (ou como a classe era conhecida na época, um “combatente”)
chamado Gronan da Siméria, uma “paródia óbvia” do herói de Robert E.
Howard.5 As lembranças que Mornard tem da partida são vagas, mas Gronan
sobreviveu para lutar em outro dia. “No fim, eu estava pensando: ‘Não sei o
que é esse jogo, mas foi muito legal’”, diz ele. “Era como um jogo de guerra,
mas não... era realmente diferente.”
Notas:
1. No Brasil, o jogo é conhecido como War. (N. do T.)
2. Há muitas pessoas com o nome David envolvidas com esse jogo, não?
3. Posteriormente, eles foram para o norte; Gygax é um nome suíço, pronunciado “Ji-Gáquis”. Depois
que o pai de Gary imigrou para os Estados Unidos, a família americanizou o nome para “Gái-
Géquis”.
4. Assim como outros personagens da campanha Greyhawk original, Tenser virou uma espécie de
celebridade do D&D. Gygax pegou emprestado o nome para vários feitiços no decorrer do jogo,
incluindo “Disco Flutuante de Tenser”, uma evocação que cria “um plano de energia levemente
côncavo e circular que o segue e carrega pesos”. O personagem também apareceu em diversos
manuais de campanha de Greyhawk.
5. Vários nomes de personagens desse período eram trocadilhos ou piadas bobas; mais tarde, quando
Mornard criou um mágico, Gygax o batizou de “Lessnard”. [Um trocadilho com o início de Mornard,
que lembra “More”, “Mais” em inglês, enquanto “Less” significa “Menos”. (N. do T.)]
6. Outras classes de personagens possuem origens ainda mais estranhas: Mornard diz que a classe dos
monges, especialistas em artes marciais, foi criada “porque Jim Ward gostava da música ‘Kung Fu
Fighting’”.
7. A Avalon Hill se arrependeria da decisão: em 1975, notando o sucesso de D&D, a companhia tentou
comprar o jogo. “Foi minha vez de gargalhar”, escreveu Gygax.
5
FIRMEZA DE CARÁTER
Q
uando decidi encerrar meu afastamento de uma década do mundo de
Dungeons & Dragons, o fiz com bastante hesitação. Não estava
preocupado em voltar a ficar obcecado com RPGs como na época da escola
— eu me achava muito sofisticado para cair nessa armadilha novamente.
Estava mesmo era envergonhado.
Todas as terças-feiras, deixava meu pequeno apartamento no Brooklyn e
escapulia para o prédio sem elevador de Brandon como se estivesse fazendo
algo ilícito. Pela vergonha estampada na minha cara, um observador poderia
achar que eu estava saindo para comprar drogas ou que desenvolvi o hábito
de frequentar casas de striptease. Meu medo era que preferissem que eu
fosse um viciado ou um tarado em comparação ao que realmente me tornei:
um homem adulto que gostava de jogar dados e conversar sobre magos.
Não falei nada para nenhum dos meus amigos. Não estava a fim de
explicar meus motivos ou defender meu passatempo. Como cresci jogando
D&D, sabia muito bem que o jogo tinha uma péssima reputação. Como
várias atividades nerds, Dungeons & Dragons exalava um sentimento de
indesejabilidade. Se você é um garoto que joga D&D, as pessoas presumem
que é um CDF sem habilidades sociais. Se é um adulto que joga, o
estereótipo é ainda pior: você é um fracassado, uma aberração e mora no
porão da casa dos pais.
É estranho, porque sou inquestionavelmente um nerd de carteirinha e isso
não é segredo. Meus amigos ficariam tão chocados em saber que jogo
Dungeons & Dragons quanto se a notícia fosse que eu como frango no jantar.
Mas o desejo de manter o hobby em segredo estava incrustado no meu
subconsciente — um mecanismo de defesa acionado por anos de
provocações, bullying e vivendo à margem da sociedade escolar. Garotos
nerds aprendem rápido a esconder suas paixões e a jogar suas cartas perto
do peito, pois menos exposição significa mais proteção contra zombarias.
A única pessoa para quem contei o segredo, por pura necessidade, foi
minha namorada, Kara.1 Ela nunca experimentou jogar D&D e não sabia
nada sobre ele; Kara praticava esportes e ia para festas durante o ensino
médio, em vez de combater trolls e se esconder da realidade. Ela foi
solidária, mas ficou um pouco assustada: “Você vai usar uma fantasia?”
Tomei o cuidado de explicar o jogo em detalhes e assegurei-lhe que não
me vestiria como um elfo ou faria algo depravado — apenas estaria sentado
ao redor de uma mesa com um grupo de caras normais. “Não é diferente de
uma noite de carteado”, expliquei. “Apenas imagine que estou indo para uma
partida semanal de pôquer.”
Ela estava satisfeita com a descrição. Mas ficou claro, com o passar das
semanas, que eu não estava em uma fantasia temporária, o que a deixou mais
preocupada. “Por que ainda está fazendo isso?”, perguntou-me certa noite.
“Tudo bem para você se eu contar para as pessoas que você está saindo e
jogando Dungeons & Dragons?”
Eu não tinha uma resposta.
Meus novos parceiros de D&D tinham os próprios problemas. Alex
Agius, que interpreta Jhaden, estava morando com uma garota que tinha
sentimentos bem negativos em relação ao jogo, graças a um irmão que
jogava. “Ele era um maconheiro que largou os estudos, um completo
destrambelhado”, me contou Alex. “Ela associou o D&D ao fato. Quando
comecei a jogar com vocês, isso ficou entalado na garganta dela. Foi um
assunto incômodo até o dia em que terminamos o namoro.”
Mais tarde, quando Alex encontrou Jennifer, a garota que se tornaria sua
esposa, ele escondeu seus hábitos de jogador até o relacionamento ficar um
pouco mais sério. “Eu estava hesitante em contar isso para ela”, disse Alex.
“Não lembro como finalmente revelei, mas falei que estava jogando D&D e
ela meio que respondeu: ‘Ah, que legal.’”
O problema é que Alex, mesmo sabendo que havia um inimigo próximo, não
conseguia enxergá-lo. Ele precisava atacar aleatoriamente e esperar atingir
algo sólido.
— Jhaden vai brandir sua espada aqui — disse ele, apontando para um
quadrado vazio na matriz de combate, próximo à miniatura que representava
o ranger. — Esse é um ataque de +12 para atingir — continuou, agora
jogando um dado. — Para um total de 20.
— Tudo bem, basta para atingir — disse Morgan. — Agora lance os
dados da porcentagem.
Alex pegou dois dados de dez faces.
— O vermelho representa as dezenas — bradou ao jogar os dados na
mesa. Os números foram 7 e 5. — Setenta e cinco!
— Você não acertou nada.
— O quê?
— Você teria acertado se houvesse algo ali.
— Pelo amor de Deus!
Brandon acena com as mãos.
— Ei, gente! Não consigo ouvir. — Sua voz trazia um estranho eco. Ele
também estava menor que de costume. — Você pode mover o microfone um
pouco para perto?
Brandon se mudou para Los Angeles duas semanas atrás, mas queríamos
mantê-lo no grupo, então ele está aparecendo no computador de Alex por
meio de um programa de videoconferência. Nós o víamos em uma pequena
janela no monitor e o ouvíamos pelos alto-falantes; ele nos observava
utilizando uma webcam apontada para a mesa de jogos.
Alex se aproximou do computador, pegou o mouse e ajustou alguns
controles.
— Está ouvindo melhor agora?
Brandon moveu os lábios, mas nenhum som saiu deles.
Alex clicou novamente nos controles.
— Ops, foi mal, cara. Eu desliguei seu áudio.
— Você pode deixar Brandon mudo — Morgan riu. — Pena que não
podemos fazer o mesmo com Phil.
Era uma novidade ter Brandon virtualmente presente na mesa, mas não uma
solução a longo prazo. Ele não conseguia seguir a ação ou participar
inteiramente, então não era uma experiência satisfatória. Como magos são
uma parte vital de qualquer grupo de D&D, precisávamos arranjar um para a
mesa; isso significava que precisávamos encontrar um novo jogador para
entrar em nossas partidas semanais.
As tentativas passadas foram diferentes entre si. Por exemplo: Ryan
Robbins, que interpreta nosso ladino, Graeme, juntou-se à campanha já em
curso e terminou sendo uma ótima aquisição. Ryan tem 36 anos, é casado há
dez e trabalha como gerente de rede para uma grande corporação de
Manhattan. Ele é o tipo de sujeito que sempre aparece com alguma história
maluca, seja sobre uma discussão no metrô, seja sobre uma festa de arromba
que frequentou há uma década. Tiramos um sarro da cara dele por causa
disso, mas ele é gente boa e querido por todos.
Outros casos, no entanto, não foram tão bem. Antes de Ryan, tentamos
recrutar Jonathan, um estudante local, usando um post em um site onde
jogadores marcam encontros para campanhas semanais. Jonathan foi bem-
vindo, mas logo começou a irritar todo mundo. Ele era obcecado pelas
regras e parecia ver cada sessão como uma oportunidade para demonstrar
seu conhecimento de detalhes obscuros em vez de, como Brandon descreveu,
“aproveitar a chance de se reunir com os amigos e se divertir... Uma folga do
‘mundo real’ onde coisas como regras me dão dor de cabeça”.
Mas o problema mesmo era sua personalidade. Jonathan era difícil de
aturar. Falava alto, interrompia as outras pessoas, dava lições
desnecessárias, insultava quem não concordasse com ele e, mesmo assim, se
ofendia facilmente. Mesmo fora do jogo, ele era insuportável,
frequentemente entupindo nossas caixas de e-mail com ensaios de mil
palavras sobre assuntos como o mérito de usar uma arma secundária na
defesa contra ataques em vez de carregar um escudo pesado.
Sinceramente, ele era meio assustador e tinha um estranho e misógino
senso de humor. Certa vez, ele mandou um e-mail para todo mundo do grupo
para perguntar se um mago podia assumir o sexo de outra pessoa usando a
magia Metamorfose:7 “Estava pensando se eu poderia conjurar um feitiço
criando um negócio paralelo no tempo livre entre as aventuras. Aposto que
ricaços pagariam alta grana para experimentar orgasmos múltiplos.”
Jonathan não era má pessoa e queríamos integrá-lo ao grupo. Mas seu
comportamento nos jogos semanais era perturbador e nenhum de nós estava
interessado em passar o pouco tempo livre que tínhamos sendo
incomodados. Quando tentativas de diálogos amigáveis foram inúteis, o resto
do grupo começou a discutir se contaria para Jonathan que ele não era mais
bem-vindo.
Vislumbrar essa decisão é sempre difícil. Dungeons & Dragons deveria
ser um refúgio para pessoas como Jonathan. Muitos de nós gravitávamos em
torno do jogo exatamente porque tínhamos dificuldade de integração em
grupos sociais tradicionais. Éramos os CDFs, os renegados, e o jogo nos
recebia de braços abertos. No mínimo, expulsar alguém de um grupo de
D&D por causa de sua estranheza social parecia hipocrisia, a rejeição de
tudo pelo que lutávamos. Alto sacrilégio.
Além disso, entendíamos Jonathan muito bem. A falta de tato social e
comportamento argumentativo não são características incomuns entre nosso
pessoal. Jonathan parecia sofrer de um mal terminal algumas vezes
conhecido por Síndrome de Arrogância Nerd, uma desordem em que pessoas
inteligentes escondem suas inseguranças e medos por meio de bullying
intelectual e procuram antecipar a condenação ao julgar outras pessoas
primeiro e considerá-las seres inferiores.
Por sorte, Jonathan desistiu de aparecer para jogar por conta própria
quando seus estudos exigiram mais atenção, então nunca precisamos tomar
uma decisão sobre expulsá-lo. Mas agora estamos mais preparados para o
que pode dar errado com a inclusão de um novo jogador e ficamos um pouco
cautelosos com o recrutamento.
Não ajuda o fato de que até pessoas de que você gosta podem se tornar
jogadores problemáticos. Um dos meus amigos de faculdade, Jamie
Polichak, é um sujeito terrivelmente esperto que se especializou em destruir
campanhas de RPG. “Nos jogos, muitas pessoas interpretam versões
idealizadas de quem elas gostariam de ser na vida real”, conta ele. “Eu era o
albatroz em seus pescoços. Excessivamente perverso, completamente inútil
ou totalmente insano.”
Em uma partida, ele interpretou um clérigo de Cthulhu, um deus
alienígena malevolente criado pelo escritor de horror H. P. Lovecraft. Jamie
decidiu que o personagem sofria de distúrbio de personalidade múltipla e
que uma das personalidades acreditava ser o próprio Cthulhu. Ele tentava
conjurar a si mesmo e comer a cara dos outros jogadores.
Em outra sessão, ele fez um guerreiro que se recusava a revelar a classe
para os outros jogadores ou a entrar nas batalhas diretamente. “Ele insistia
que era um chef e estava na aventura para levantar grana para construir o
próprio restaurante”, conta Jamie.
Certa vez os amigos de Jamie o baniram de jogar o RPG de Star Wars
porque ele queria jogar com dois personagens particularmente irritantes: um
wookie de um braço só, que não entendia ou falava nada além de sua língua
nativa, e um robô inteligente, que servia de tradutor, construído no braço
protético do wookie. “Eles não se davam bem”, lembra Jamie. “O que nos
traz a seguinte questão: um wookie raivoso arrancará o braço de uma pessoa,
mas ele faria isso com o próprio braço?”
Jamie também foi banido do jogo de horror gótico Vampiro: A Máscara.
“Não permitem chimpanzés vampiros.”
Notas:
1. Ela agora é minha mulher. Alerta de spoiler: essa história tem um final feliz.
2. “Os evangelistas viajam pelo mundo proclamando sua devoção a uma determinada divindade,
panteão ou doutrina religiosa. Embora clérigos, e até mesmo os druidas, possam se tornar
evangelistas poderosos, poucos abrem mão de sua capacidade de conjuração em favor das
habilidades que essa classe oferece. Os bardos, naturalmente carismáticos, podem descobrir a
religião e se tornarem evangelistas.” O livro completo do divino, p. 34-35.
3. “Jogue quatro dados de seis faces (4d6). Descarte o menor resultado e some os outros três. Isso
resultará em um valor entre 3 (horrível) e 18 (estupendo). Os valores médios das habilidades de um
camponês-padrão variam entre 10 e 11, mas seu personagem não é um indivíduo qualquer. Os
valores mais comuns para os personagens dos jogadores (PC) são 12 e 13.” Livro do jogador, p. 7.
4. Essa magia dá ao mago o poder de mover objetos com a força da mente. Ele pode mover um peso
de até 10 quilos a uma distância de até 5 metros por rodada. A magia dura duas rodadas, mais uma
rodada por nível do mago. O peso pode ser movido verticalmente ou horizontalmente. Um objeto
movido além do alcance da magia cai ou para.” Livro do jogador de Advanced Dungeons &
Dragons, p. 218.
5. Uma espada curta (obra-prima), que concede +1 de bônus nas jogadas de ataque. A wakizashi de
um samurai é par da sua katana e — como a própria katana — é parte importante de sua honra.
Advanced Dungeons & Dragons Oriental Adventures, p. 74.
6. Essa campanha é famosa nos círculos de jogadores como a “Monty Haul”. [Um trocadilho com o
nome Monty Hall, apresentador do programa Let’s Make a Deal. Serve para batizar partidas de
RPG muito chatas. (N. do T.)]
7. “Essa magia funciona como alterar-se, exceto por transformar um alvo voluntário em outra criatura
viva. A nova forma pode ser do mesmo tipo do alvo ou de algum dos seguintes tipos: aberração,
animal, dragão, fada, gigante, humanoide monstruoso, limo, planta ou inseto.” Livro do jogador, p.
259.
8. “Estes temíveis cães voadores pairam rentes ao solo durante a noite, sempre em busca de uma
presa. Os Yeth atingem 1,5 m na altura dos ombros e pesam quase 200 quilos.” Livro dos monstros,
p. 41.
9. “Sou um servidor do Fogo Secreto, que controla a chama de Anor. Você não pode passar. O fogo
negro não vai lhe ajudar em nada, chama de Udún. Volte para a Sombra! Você não pode passar!” A
frase me dá um nerdgasmo todas as vezes.
6
O TEMPLO DO SAPO
C
omo um dragão adormecido, D&D demorou para caminhar com as
próprias pernas. A Tactical Studies Rules vendeu pelo correio a
primeira “caixa marrom” com o pacote de manuais no fim de janeiro de
1974; o restante ficou perto da fornalha do porão de Gary Gygax, ao lado do
seu banco de sapateiro. Quando Michael Mornard retornou para Lake
Geneva nas férias de inverno, ele viu as pilhas de caixas durante uma sessão
de Greyhawk e perguntou o que era aquilo. “Gary falou que tinha impresso
mil cópias”, conta Mornard. “Todos achamos que ele estava maluco.”
D&D era o primeiro e único role-playing game de fantasia no mercado e
os jogadores da cidade de Gygax amavam o sistema. Mas imprimir mil
cópias era um risco, já que não estava claro se haveria tantas pessoas na
base de compradores. “Jogos de estratégia eram um passatempo pouco
conhecido”, diz Mornard. “A Gen Con poderia atrair 300 a 350 pessoas...
Você podia literalmente conhecer todos os jogadores do mundo.”
A qualidade do produto também não ajudou nas vendas. O texto era
irregular e difícil de ler e, quando você chegava às regras, elas eram
confusas e contraditórias. “Com todo o respeito a Gary e Dave, as regras
originais eram incompreensíveis”, diz Mornard. “Se você nunca viu um jogo
na vida, era impossível ter alguma ideia de como jogá-lo.”
Mesmo assim, no verão de 1974, a TSR havia vendido quatrocentas
cópias de Dungeons & Dragons e Gygax estava otimista com as
perspectivas. “As vendas estão indo muito bem e esperamos melhor
desempenho assim que veicularmos alguns anúncios”,1 escreveu em uma
carta de junho para o amigo Dave Megarry. “Neste momento, a TSR possui
três sócios e a companhia vale algo em torno de 6 mil dólares. Deveremos
triplicar o valor nos próximos dois anos.”
As vendas iniciais eram quase todas por correio e por meio de um
punhado de lojas especializadas em jogos e passatempos. Mas Gygax estava
convencido de que essa receita não representava o mercado de verdade.
“Contando com todas as cópias piratas que estavam espalhadas e os
jogadores que não possuíam o estojo próprio, é seguro dizer que não menos
de 10 mil pessoas conheciam ou se encantaram pelo jogo de D&D”,2 disse
ele. Por volta de novembro, a TSR vendeu toda a sua primeira tiragem de
mil cópias e fez o pedido de mais 2 mil.
D&D não era o único produto da empresa, mas era o mais promissor.
Tricolor, um livro de regras para miniaturas de batalhas napoleônicas,
provou ser tão popular quanto um homem-bomba em um churrasco de
domingo. Warriors of Mars, um jogo de guerra ambientado no mundo
fantasioso de Barsoom, foi um pouco melhor — mas o livro de regras de 66
páginas, escrito por Gygax e Brian Blume, foi impresso sem a permissão dos
administradores do acervo de Edgar Rice Burroughs, escritor das aventuras
de John Carter, inspiração para o cenário do jogo. A publicação ficou
disponível por menos de um ano até a TSR receber uma notificação
extrajudicial e parar de vendê-la.
No fim de 1974, a companhia gerou um lucro de 12 mil dólares em
vendas, a maior parte graças a Dungeons & Dragons e Warriors of Mars.
“Embora não tenha sido uma recepção ‘calorosa’, estávamos satisfeitos,
porque era um começo”,3 contou Gygax. “Quem participava de jogos de
estratégia não estava exatamente migrando para os RPGs de fantasia, mas
alguns vieram para nosso lado e estávamos conseguindo jogadores
iniciantes.” A estimativa de lucro era três vezes maior para 1975. A Tactical
Studies Rules estava pronta para explodir.
Notas:
1. Como Tolkien.
2. Como Tolkien.
3. Seus admiradores às vezes o chamam de “O Tolkien esquecido”.
4. Isso não significa que elas não possuam qualidade. São geralmente boas, mas enquanto posso
saborear uma boa pizza congelada, sei que não é aquela feita no forno de tijolos do Grimaldi’s, no
bairro de Brooklyn Heights, em Nova York.
5. Gygax tinha o dom de inventar nomes de personagens. Em Against the Giants, de 1981, você
poderia jogar como Gleep Wurp, o devorador de olhos; Beek Gwenders, Redmond Dumple ou Faffle
Dwe’o-mercraeft. Descent to the Depths of the Earth trazia Fnast Dringle, Fage o Kexy, Keak
Breedbate e Philotomy Jurament.
7
O ROMPIMENTO DA SOCIEDADE
U
m mago élfico, um guerreiro anão e um ladrão humano entram em um
bar. O atendente olha e diz: “O que é isso, uma piada?”
É uma sacada piegas, mas ilustra a verdade sobre a maioria das
campanhas de D&D: bandos bem-sucedidos tendem a exibir uma vasta gama
de classes de personagens, raças e biografias que beiram o absurdo. A
diversidade pode ser admirável, mas não faz sentido algum que um mago
sábio (um programador de computadores seria o equivalente em nosso
mundo) se junte a um guerreiro experiente (um sargento da reserva) e a um
ladino interesseiro (ladrão furtivo).1
Como várias coisas no universo nerd atual, as origens dessa tradição vão
até a um rabugento filólogo britânico. Quando J. R. R. Tolkien publicou O
senhor dos anéis, em 1954, ele não formou sua Sociedade do Anel apenas
com seres iguais, como os Cavaleiros da Távola Redonda; ele construiu um
grupo diversificado com forças e fraquezas individuais. Não há nenhuma
regra no D&D dizendo que os aventureiros precisam ser balanceados, mas
os jogadores tendem a evitar os arquétipos. Você não encontrará um grupo
formado inteiramente por bardos — e não só porque seria o grupo mais
chato da história.
Há também razões táticas para a mistura. No combate, um grande leque
de habilidades funciona como vantagem para o grupo: um guerreiro que
ataca mano a mano e absorve danos, um ladrão que se esconde atrás das
árvores e atira flechas, e um clérigo feiticeiro que ajuda seus companheiros.
Formar um bem-sucedido bando de aventureiros requer ótimo gerenciamento
de recursos humanos, como se fosse a contratação de funcionários para um
negócio próspero. Paladinos seriam ótimos CEOs, mas você se sairia melhor
com um mago no departamento financeiro, um par de ladinos na equipe de
vendas e um bardo no marketing.
Essa verdade pode ajudar a explicar um dos grandes mistérios da história
de Dungeons & Dragons: por que Dave Arneson deixou a TSR com apenas
dez meses na empresa?
Em janeiro de 1976, o D&D estava prestes a dar uma virada. A TSR havia
vendido 10 mil cópias dos manuais básicos, mas o jogo tinha facilmente dez
vezes mais jogadores, graças a empréstimos e cópias não autorizadas. D&D
possuía dois suplementos, distribuidores por todos os Estados Unidos e em
três continentes, e uma empresa em ascensão que finalmente abrigava seus
dois criadores. Quando Arneson estabeleceu-se para trabalhar em novos
materiais, a companhia estava bombando.
Várias pistas apareceram na edição de abril de Strategic Review. “Este é
o último número”,1 avisou Tim Kask em seu editorial. “Mas ouçam bem,
coisas boas estão vindo por aí!” Uma nova divisão de periódicos na TSR
Hobbies estava preparada para lançar duas revistas diferentes: The Dragon,
dedicada à “fantasia, ficção científica e role-playing game”, e Little Wars,
que “lida com os diferentes tipos e períodos dos jogos de estratégia”. A
divisão de hobbies também estava crescendo: o projetista Mike Carr entrou
na equipe como editor e Dave Megarry (um acionista minoritário da TSR,
graças ao acordo que fez pelos direitos de seu jogo de tabuleiros Dungeon!)
assumiu como tesoureiro.
Para abrigar os novos funcionários (e a crescente quantidade de estoque),
a TSR saiu do porão de Gygax para um espaço próprio em Lake Geneva, a 1
quilômetro. A casa acinzentada na rua Williams, 723 já foi uma residência
familiar; agora relocada para negócios, seus quartos no primeiro andar se
tornaram a primeira loja da TSR, chamada The Dungeon.
Skip Williams, um estudante local que jogava na campanha de D&D de
Gygax, trabalhava como balconista da loja em meio período. “The Dungeon
tinha tudo que a TSR lançava, que eram D&D e todos os manuais de
miniatura, e uns dois jogos de tabuleiro”, conta ele. “Também vendia
maquetes de tanques e navios, miniaturas... Todas as coisas com que Gary
gostava de brincar.” Algumas mesas foram colocadas para sessões de
batalhas de miniaturas e os jogadores podiam alugar o espaço por algumas
horas mediante o pagamento de uma pequena taxa. Em pouco tempo a loja
virou ponto de encontro de jogadores. “Havia gente vindo de todas as partes
do país”, conta Williams. “Era bem bacana.”
Enquanto a TSR estava certamente feliz em vender mais produtos, a
proliferação dos manuais de D&D tinha seus inconvenientes. Tim Kask
descreveu o problema no prefácio de Eldritch Wizardry, um novo
suplemento de regras publicado em maio daquele ano: “Em algum ponto do
caminho, D&D perdeu seu charme e começou a ficar previsível. [...] Uma
vez que todos os jogadores possuem as regras à sua frente, ficou quase
impossível iludi-los no caminho do perigo ou do estrago.”2 Eldritch
Wizardry tentou consertar as coisas ao adicionar mais regras ao jogo —
novos poderes, monstros, magias e tesouros — na esperança de que os
jogadores não conseguissem seguir todas elas. “Estas páginas percorreram
um longo caminho para colocar de volta alguns dos mistérios, incertezas e
perigos que fazem de D&D o desafio sem paralelos que deveria ser”,
escreveu Kask. “Nunca mais um aventureiro imprudente entrará em uma
masmorra, encontrará algo e saberá exatamente o que vai acontecer.”
Não funcionou, claro, como gerações de jogadores com conhecimento
enciclopédico das regras de D&D podem atestar. Mas o suplemento ao
menos apresentou um número de importantes conceitos ao jogo, incluindo a
classe dos druidas, uma espécie de clérigo que venera a natureza em vez de
uma divindade. Entre os novos monstros, havia habitantes do submundo,
como a súcubo e os príncipes demônios Orcus e Demogorgon — uma
decisão editorial que anos mais tarde levaria a certa confusão. E um
conjunto de regras organizando poderes psíquicos (conhecidos no livro
como “psiônicos”) tentou arrumar uma das críticas mais frequentes ao
sistema de mágica do D&D: que magos e clérigos devem memorizar uma
lista fixa de feitiços de um livro em vez de possuir a habilidade inata de
conjurar o feitiço que quisessem.2
Em junho, mais uma nova leva de regras chegou encartada na primeira
edição de The Dragon. A “Revista de Jogos de Fantasia, Capa & Espada e
Ficção Científica” tinha 32 páginas e custava 1,5 dólar (9 dólares por uma
assinatura semestral). A arte da capa era uma ilustração bem conhecida de
um dragão de pele esmeraldina sentado em uma pilha de pedras na frente de
um fundo bagunçado e pintado com rosa-shocking, carmesim e amarelo — os
temas da revista não eram menos caóticos. Havia estatísticas para novas
criaturas de D&D, descrições de feitiços inéditos, dicas para Mestres,
regras adicionais para jogos de estratégia e propagandas de futuros produtos
da TSR. As matérias iam de nerdices (“Magia e Ciência: Seriam Elas
Compatíveis em D&D?”) a nerdices extremas (“Como Usar Pré-Requisitos
Secundários nos Talentos dos Personagens”). Havia até um pouco de ficção,
o primeiro capítulo de uma saga de fantasia chamada The Gnome Cache,
dividida ao longo das edições. Era escrita por Garrison Ernst — um
pseudônimo de Gary Gygax.
Gary e a equipe da TSR não escreviam a revista inteira. O escritor de
fantasia Fritz Leiber contribuiu com um artigo e vários jogadores escreviam
matérias inspiradas em suas campanhas de D&D. No seu editorial, Tim Kask
solicitou mais ajuda da comunidade: “Jogos, variações, discussões, histórias
de autores conhecidos e desconhecidos, resenhas de interesse dos leitores e
tudo mais.”3 Com a The Dragon, a TSR esperava agrupar os fãs, consolidar
a lealdade e explorar a energia deles — para que não seguissem o exemplo
de Gygax e começassem a fazer os próprios jogos. A ameaça era óbvia:
Dungeons & Dragons nasceu das regras do Chainmail, da Guidon Games, e
rapidamente o superou em vendas e popularidade. Ninguém na TSR queria
ver o mesmo acontecer à empresa.
Umas poucas companhias já haviam lançado produtos concorrentes. No
início de 1975, a Game Designers’ Workshop, de Illinois, publicou En
Garde!, um RPG de Frank Chadwick ambientado na França do século XVII e
que enfatizava as lutas de espada. Os jogadores gostaram do cenário
inspirado em Os três mosqueteiros, mas não simpatizaram com as regras. A
Fantasy Games Unlimited foi mais a fundo na trama com seu Bunnies &
Burrows (1976), um role-playing game baseado no livro A longa jornada,
de Richard Adams, lançado em 1972: os personagens eram coelhos
inteligentes que precisavam competir pela comida, evitar predadores e lidar
com a política interna do viveiro.
Outros projetistas ficaram mais próximos do cenário capa e espada do
D&D. Ken St. Andre, um bibliotecário de Phoenix, no Arizona, se apaixonou
pela ideia de um RPG de fantasia depois de ler os manuais de D&D, mas
achou as regras confusas — então decidiu escrever as próprias. Tunnels &
Trolls, publicado independentemente em 1975, simplificou o D&D a ponto
de valorizar a diversão em detrimento da simulação: abandonou diversas
regras para combate e movimentos derivados dos jogos de estratégia; só
exigia um dado de seis faces em vez dos poliédricos difíceis-de-achar; criou
magos com pontos designados de feitiços, não baseados em livros; e
implementou dúzias de pequenas mudanças que tornaram o jogo mais fluido.
Em junho de 1975, a Flying Buffalo Inc. lançou uma segunda edição do
sistema e Tunnels & Trolls rapidamente virou um dos maiores competidores
do D&D.
Gygax não estava satisfeito. Quando anúncios e resenhas de Tunnels &
Trolls começaram a pipocar em revistas especializadas, a TSR fez seus
advogados mandarem notificações extrajudiciais para o dono da Flying
Buffalo, Rick Loomis, e para a editora de revistas Metagaming Concepts. Os
advogados alegaram que até mesmo o uso das palavras “Dungeons &
Dragons” para ajudar a explicar Tunnels & Trolls infringia os direitos
autorais da TSR. A Flying Buffalo apagou qualquer comparação em seus
anúncios seguintes.
Não foi a primeira vez que a TSR tomou ações legais contra potencial
competidores. No início daquele ano, a empresa mandou uma carta
semelhante a um dos próprios fãs, um jogador de Boston chamado Robert
Ruppert, que cometeu o erro de datilografar em um formulário em branco o
cabeçalho “Planilha de Personagem de Dungeons & Dragons” e vendê-lo por
dois centavos a cópia.4 A repressão era especialmente irônica considerando
como a TSR tinha o péssimo hábito de não ligar para os direitos autorais das
outras pessoas; a empresa já tinha sido repreendida pelos responsáveis pelo
patrimônio do escritor Edgar Rice Burroughs por terem copiado os livros de
John Carter no jogo Warriors of Mars.
Mas a TSR continuou prestando atenção aos direitos de suas publicações.
Na primavera e no verão, a empresa fechou seu primeiro contrato de
licenciamento com outras companhias. Primeiro foi com a Miniature
Figurines Ltd., uma fabricante de miniaturas de metal, para fazer modelos de
criaturas de D&D. Depois, com a editora Judges Guild, com o objetivo de
imprimir acessórios oficiais do jogo, como mapas e suplementos.
A Judges Guild lançou seu primeiro produto licenciado, uma história
chamada City-State of the Invincible Overlord, em agosto, durante a Gen
Con IX. No curso de três dias do evento, mais de 1.300 pessoas de todo o
país visitaram três salões em Lake Geneva para jogar, comprar e falar sobre
jogos. A TSR tinha um interesse especial em mostrar novos produtos na
convenção, já que ela tomou o controle das mãos da Associação de Estudos
Táticos de Lake Geneva. Então, na tentativa de dominar a atenção dos
jogadores, a TSR apresentou dois novos manuais de D&D, suplementos IV e
V, e anunciou que seriam as duas últimas adições ao sistema.
Swords and Spells, escrito por Gygax, é o estranho no mundo de regras
do D&D original. Em vez de acrescentar novos detalhes ao jogo de
interpretações de papéis, o livro deu um passo para trás e introduziu regras
para jogos de miniaturas em larga escala que eram meramente baseadas em
Dungeons & Dragons. No prefácio, o editor Tim Kask o descreve como “o
neto do Chainmail”.
Embora Swords and Spells esteja numerado como “Suplemento V” na
capa, o livro que realmente dá os retoques finais a Dungeons & Dragons é o
suplemento IV. Gods, Demi-Gods & Heroes (coescrito por Rob Kuntz e
James M. Ward, um jogador e um professor de Prairie du Chien, Wisconsin,3
ambos da TSR) introduz a mitologia ao jogo e descreve divindades da
mesma maneira que outros suplementos descreviam homens e monstros.
Thor, o deus nórdico do trovão, tem 275 pontos de vida, uma classe de
armadura de nível 2 e as habilidades de um guerreiro do 20º nível. Hades, o
deus do mundo subterrâneo e da morte, é descrito como “um homem moreno,
bastante musculoso” que pode “transmutar, lutar invisivelmente, possui o
poder divino do medo e seu toque ou olhar funciona como um feitiço da
morte”.5 As figuras sagradas do cristianismo, judaísmo e islamismo não
entraram na edição, embora os “Deuses da Índia” sim: a divindade hindu
Vishnu carrega “uma flor-de-lótus capaz de restaurar todos os pontos de vida
com um toque”,6 assim como “um arco de maldições chamado Sarnge e uma
espada +3 matadora de demônios chamada Mandaka”.
Por baixo disso tudo, Gods, Demi-Gods & Heroes representava outra
tentativa de exercer controle sobre os jogadores de D&D. O prefácio de
Kask exala desprezo pelos Mestres que permitem que seus jogadores
avancem para níveis mais altos e explica que o suplemento visa a corrigir
essas ações rebeldes: “Talvez agora algumas dessas campanhas ‘generosas’
pareçam tão bobas quanto elas são de verdade”,7 escreve ele. “Quando
Odin, o Todo-Poderoso, possui apenas [...] 300 pontos de vida, como
alguém pode levar a sério um Lorde de nível 44?”
Com isso determinado, a TSR considerou as regras de Dungeons &
Dragons completas. “Revelamos tudo para vocês”, escreve Kask. “A partir
de agora, quando as circunstâncias não estiverem cobertas em algum canto
dos livros, improvisem da melhor maneira possível.”8
Claro, a empresa não tinha planos de parar de lucrar com o jogo. Kask
aconselha os jogadores a comprar publicações da TSR regularmente para
novas regras e conteúdo. “Apenas não espere com a respiração
emprisionada [sic] por outro suplemento depois deste.”
Notas:
1. Imagino Michael Cera, Channing Tatum e Kristen Stewart como os protagonistas do filme baseado
neste parágrafo, com o título provisório de Dissonância cognitiva. De nada, Hollywood.
2. Sistemas de jogo nos quais o jogador memoriza uma lista fixa de feitiços são descritos como de
magia “vanciana”, porque é assim que a mágica funciona na série de livros do escritor Jack Vance.
Os psiônicos da Eldritch Wizardry (e inúmeros games modernos) usam um sistema baseado em
pontos, no qual os jogadores têm uma quantidade certa de magia disponível e cada feitiço possui o
próprio custo. A briga “vanciano vs. pontos” é um dos argumentos mais duradouros e irritantes da
cultura nerd moderna, juntamente com Kirk vs. Picard e Marvel vs. DC.
3. Em novembro de 1976, a TSR lançou um jogo original de James Ward chamado Metamorphosis
Alpha, reconhecido como o primeiro RPG com cenário de ficção científica. O jogo acontecia no
interior da Warden, uma imensa espaçonave construída pelos ancestrais dos personagens; em
consequência de algum desastre desconhecido, sua prole sobrevive na nave, mas não entende sua
tecnologia e deve combater criaturas mutantes para assegurar a sobrevivência do grupo.
4. Um ano e meio depois, no prefácio de Gods, Demi-Gods & Heroes, datado de 4 de julho de 1976,
Kask ainda soava magoado: “Meu primeiro trabalho depois da faculdade foi Blackmoor. Eu assumi
a missão com um misto de amor e medo, mas gradualmente vi o amor vencer. O medo veio da
viagem educacional que o trabalho significou. Eles não ensinam na faculdade o que fazer quando
máquinas de impressão quebram ou quando seu manuscrito é misteriosamente extraviado; você
apenas precisa improvisar.”
8
POR QUE JOGAMOS?
Jogos ajudam a fazer amigos. Eles certamente funcionaram para mim quando
eu era garoto. Mas isso não explica por que fiquei viciado em D&D — não
apenas uma, mas duas vezes. Jogos, em geral, sempre foram meu passatempo
preferido, o mais satisfatório, só que normalmente não fico obcecado com
jogos de tabuleiro ou videogames. Então por que D&D é tão unicamente
poderoso?
Acho que é algo cultural, em parte: em seu livro The Evolution of
Fantasy Role-Playing Games, o escritor Michael J. Tresca argumenta que os
jogos apelam para o sentimento de individualismo do americano — você
cria o próprio mundo, com seus valores e regras. Há um pouco do Destino
Manifesto4 na mistura: “A cultura americana possui certas nuances que são
únicas, sendo elas a noção do crescimento ilimitado dos negócios, o poder
de compras do consumidor e a economia. Em Dungeons & Dragons, essa
ideologia é verdadeira com a exploração das masmorras. Sempre há um
monstro com um tesouro em algum lugar próximo, uma nova área a ser
explorada, uma nova fronteira a ser conquistada.”5
Mas os jogos de fantasia são populares no mundo inteiro, não apenas em
seu local de nascimento. O verdadeiro apelo de D&D vai além de fronteiras
internacionais, classes ou credos: ele se conecta diretamente à estrutura de
nossa psique.
Como eles possuem uma forma narrativa, os RPGs frequentemente
evocam o monomito de Joseph Campbell, a clássica jornada do herói.
Campbell notou que a mesma base de histórias se repetia ao longo do tempo
e das culturas: “Um herói parte do mundo, da vida cotidiana, em direção a
uma região de magia sobrenatural; forças fabulosas são encontradas ali e
uma vitória decisiva é conquistada; o herói retorna de sua misteriosa
aventura com o poder de conceder dádivas a seus companheiros.”6 Ele
acreditava que as variações dessa história reaparecem o tempo todo porque
são originárias do subconsciente coletivo, as profundas estruturas da mente
que estão presentes em todos os seres humanos. Os exemplos clássicos da
jornada do herói são os mitos de Prometeu, Osíris e Moisés; a plateia
moderna consegue reconhecê-la em Star Wars, Matrix e Harry Potter.
Histórias que seguem a forma do monomito ressoam porque elas atingem
alguma coisa enterrada no subconsciente. Então imagine o que acontece
quando você não está observando ou lendo essa aventura — mas a
experimentando. É isso que D&D faz: não apenas conta uma história, mas te
coloca dentro dela. Você se torna “o herói de mil faces”.5 A experiência
penetra no âmago de seu corpo.
E ele também é terapêutico. Como os jogadores são participantes ativos
numa história, os role-playing games produzem os mesmos benefícios do
psicodrama, um método de tratamento psicológico que utiliza reconstituições
dramáticas para fornecer uma visão na vida de seus atores. “Vejo os RPGs
como uma oportunidade para as pessoas aprenderem um pouco sobre si
mesmas”,7 escreveu o médico Leonard H. Kanterman6 em uma edição de
1979 da revista Different Worlds, especializada em jogos. “Ao explorarem
as possibilidades de vários cursos de ação, mesmo a ponto de sistemas
morais diferentes, por meio da moderação ‘segura’ da fantasia, as pessoas
podem aprender quem são e por que pensam e agem de determinada
maneira.”
Os role-playing games fornecem uma chance para as pessoas trabalharem
diferentes aspectos das suas personalidades e ninguém precisa mais disso
que um adolescente. Acho que essa é a razão por ter passado tanto tempo da
minha infância viciado em D&D e jogos similares.
Claro, eu também era um nerdão, o que certamente contribuiu para a
atração. Algumas pesquisas sugerem que garotos inteligentes são levados a
jogos como Dungeons & Dragons por pura necessidade: em um estudo de
2011 sobre estudantes de ensino fundamental e médio, os pesquisadores
educacionais Gregory Harrison e James van Haneghan relataram que
crianças superdotadas sofrem com níveis mais altos de ansiedade, insônia e
medo da morte em comparação a seus colegas.8 Os pesquisadores também
descobriram que encorajar essas crianças a “se ocuparem com um jogo de
fantasia como Dungeons & Dragons” poderia ser uma terapia eficaz,
permitindo que eles resolvam seus problemas “de uma maneira estimulante e
divertida”.
Go go, Ganubi go go
Ganubi go go, Ganubi go go, Ganubi go go
Ganubi did good
The creatures that lived there spoke inside his head
But he had a magic necklace so he felt no dread
Oh, their skin was pink and slimy and their eyes were white
Tentacles round their mouth made them quite a fright
The creatures passing by would stop and say
They’d like to probe his mind, but he said no way
Go go, Ganubi go go
Ganubi go go, Ganubi go go, Ganubi go go
Ganubi did good
His new friend told him they had never seen a man
And took him to the leader of their monster band
The big boss welcomed him to the town
Go go, Ganubi go go
Ganubi go go, Ganubi go go, Ganubi go go
Ganubi did good
As criaturas dessa cidade deserta — La Vegas, caso você ainda não tenha
percebido — eram uma variação criada por Morgan dos clássicos monstros
ilitides, ou Devoradores de Mentes. Geralmente, eles são seres malignos que
se alimentam de cérebros; no mundo de Morgan, eles eram amigáveis,
embora mostrassem um preocupante interesse em “saborear” os pensamentos
de Ganubi.
Como seu jogo se passa em uma Terra pós-apocalíptica, Morgan teve de
inventar uma maneira de povoar o mundo com criaturas habituais do D&D.
Sempre admirei sua solução: vampiros queriam transformar o mundo
inóspito para os humanos foragidos, enquanto eles liberaram um vírus
mágico que transformou a fauna e a flora. É um truque esperto que permite
usar personagens de D&D, mas os subverte de maneira interessante — como
se colocasse monstros leitores de mente nas ruas da Cidade do Pecado.12
É esse tipo de narrativa que me deixa viciado em Dungeons & Dragons, e
é isso que também atrai meus amigos. “O RPG me conquistou porque sempre
gostei de contar histórias”, diz Phil. “Antes mesmo do jardim da infância eu
já gostava de inventar coisas. Sempre me pegavam na mentira porque era
chato se eu falasse a verdade, mas minhas mentiras tinham elefantes em
debandada, um cometa na direção da Terra e, falando nisso, você não
percebeu que estamos no escuro há três dias?”
Phil diz que a natureza narrativa do jogo o atraiu, mas também reforçou
seus interesses; quanto mais ele e seus amigos jogavam, mais ele aprendia
sobre o que fazia uma história ser boa, então o jogo ficava melhor e melhor.
“Eles não o ensinam coisas como tensão crescente e terceiro ato até o ensino
médio. [...] Mas se você é [um jogador de RPG] estará familiarizado com os
termos, porque tem criado histórias, mesmo que não tenha sido formalmente
ensinado.”
Uma boa campanha de D&D é como uma pequena oficina de textos. O
escritor Neal Stephenson jogava D&D na faculdade e isso o ajudou a seguir
o caminho literário. “Acho que as duas coisas se encaixam naturalmente”,
diz ele. “Dungeons & Dragons é fundamentalmente um procedimento de
narrativa colaborativa. Você pode jogar de uma maneira mecânica, apenas
jogando os dados e consultando as regras. Mas os jogos que as pessoas
realmente apreciam são aqueles que têm uma narrativa legítima — estrutura
dramática, bons personagens, situações bacanas, reviravoltas no roteiro e um
mundo interessante. Os melhores Mestres são aqueles que possuem uma
trama honesta, talento na criação de mundos e são capazes de gerar uma
experiência divertida para os jogadores ao improvisar boas narrativas em
tempo real.”
Pendleton Ward, criador do desenho animado Hora da Aventura, diz que
o D&D o ajudou a desenvolver um estilo narrativo original. “Gosto de ver
personagens transitando em um mundo de fantasia de maneira realista”, diz
ele. “O que quero dizer é que se eu estivesse em uma masmorra cheia de
ouro, pararia e pegaria um pouco daquele ouro para mim. Então, quando
Finn e Jake [protagonistas do desenho] estão perseguindo uma trama por uma
masmorra cheia de tesouros, eu tento fazê-los parar e pegar um pouco,
mesmo que isso interrompa a história. Jake saqueia defuntos em um
episódio... Mas Finn diz que isso é errado.”
CEM DÓLARES
Notas:
1. Ainda bem que Kara era mais tolerante com minhas obsessões do que Lydie Sarazin-Levassor,
esposa de Duchamp, que esperou o marido dormir e colou as peças de seu xadrez no tabuleiro. Três
meses depois, eles se divorciaram.
2. “Da mesma forma que os Estados Unidos se revelam em um campo de beisebol, nos percursos do
golfe, nas pistas de corridas ou em torno de uma mesa de pôquer, grande parte de Bali se revela em
uma rinha de galos”, escreveu Clifford no ensaio intitulado “Um jogo absorvente: notas sobre a briga
de galos balinesa”. Hoje em dia é considerado um texto clássico da antropologia — e como poderia
não ser, com insinuações deliberadamente dúbias como: “Para uma pessoa que já tenha ido para Bali
por qualquer que seja o período, a identificação psicológica profunda dos homens balineses com seus
[cocks] galos é evidente.”? [O termo “cock” também pode significar membro sexual masculino. (N.
do T.)]
3. Se você alguma vez virou um tabuleiro com raiva por ter perdido ou dançou ridicularmente ao
celebrar uma vitória, você sabe bem sobre o que estou falando.
4. Doutrina em vigor nos Estados Unidos do século XIX que dizia que os colonos norte-americanos
estavam destinados pelo poder divino a conquistar novas terras. (N. do T.)
5. Título de outro livro de Campbell. (N. do T.)
6. Kanterman é especializado em clínica médica em Ohio e escreveu vários jogos, inclusive Starships &
Spacemen, de 1978, um dos primeiros RPGs de ficção científica.
7. Ainda acredito que os jogos de RPG me preparam para sobreviver ao apocalipse, mas com o tempo
aceitei o valor de saborear a companhia das líderes de torcida enquanto isso é possível.
8. Tradução livre da palavra comeliness, sinônimo incomum de “beleza”. (N. do T.)
9. “Galhardia reflete a atração física, delicadeza social e beleza pessoal do personagem. É usada para
determinar as reações iniciais ao personagem e os dotados de altos valores da habilidade podem
afetar a força de vontade e as ações dos outros. Enquanto o carisma lida especificamente com
liderança e interação entre os personagens, galhardia lida com atração e primeiras impressões.”
Advanced Dungeons & Dragons Unearth Arcana, p. 6.
10. Claro, fãs do jogo sempre foram conhecidos por exagerar no valor do passatempo. Há uma ótima
cena em um episódio de 1996 da série Arquivo X chamado “Do Espaço Sideral”. Nele, José Chung,
um escritor trabalhando em um livro sobre abduções alienígenas, entrevista Blaine Faulkner, um
homem que encontrou um defunto extraterrestre.
Chung: “Você não está nervoso por me contar tudo isso?”
Faulkner: “Bem, olha, eu não passei todos aqueles anos jogando Dungeons & Dragons para não
aprender algo sobre coragem.”
11. Cante ao som de “Johnny B. Goode”, de Chuck Berry.
12. Morgam nunca revelou a origem pré-viral dos Devoradores de Mentes, mas minha teoria é que são
a prole mutante de golfinhos que costumavam viver no hotel e cassino Mirage, em Las Vegas, e no
Siegfried and Roy’s Secret Garden. [Uma espécie de minizoológico batizado pela famosa dupla de
ilusionistas. (N. do T.)]
9
ARNESON VS. GYGAX
T
endo sido ele o causador ou não, Gary Gygax estava preparado para a
saída de David Arneson da TSR. Ele já tinha começado a trabalhar em
uma nova versão de Dungeons & Dragons — uma que não exigia a presença
do cocriador do jogo.
“Antes da impressão do terceiro suplemento (Eldritch Wizardry), foi
decidido que ocorreriam algumas mudanças drásticas para unificar e
esclarecer o sistema do D&D”, escreveu Gygax na The Dragon. “O trabalho
de organização já estava encaminhado quando houve a correspondência com
J. Eric Holmes [...] revelando que [ele] estava interessado em assumir o
primeiro estágio do projeto.”1
O dr. John Eric Holmes era neurologista, escritor e fã de Dungeons &
Dragons. Quando contatou a TSR com uma proposta para lapidar os
reconhecidamente confusos manuais de regras de D&D, Gygax estava
trabalhando na própria revisão deles. Mas, enquanto Gygax planejou
racionalizar o jogo ao adicionar mais estrutura e complexidade, Holmes
propôs o contrário: eles deveriam pegar tudo que foi publicado sobre o jogo
— três manuais, cinco suplementos e dezenas de artigos na The Strategic
Review e na The Dragon — e reduzir a um único e simplificado conjunto de
regras.
Gygax decidiu que os dois deveriam trabalhar em versões diferentes mas
complementares de Dungeons & Dragons. A missão de Holmes era
simplificar e reescrever as regras até ficarem acessíveis para jogadores
inexperientes, principalmente crianças; Gygax, por outro lado, trabalhava na
direção de um jogo maior e melhor, feito para jogadores experientes e
grognards radicais.
O jogo de Holmes foi concluído antes e lançado em julho de 1977. O
conjunto básico de Dungeons & Dragons vinha em uma atraente caixa,
perfeita para a exposição nas prateleiras das lojas de brinquedos: na capa,
uma ilustração colorida de um dragão furioso (desenhado pelo artista da
TSR, David Sutherland) chamava os compradores inclinados a gostar de
fantasia para um mundo de ação e aventura.
Na parte de dentro, havia um tesouro. Três livretos em lombada canoa —
um manual de 48 páginas, uma compilação de listas de monstros e tesouros,
e uma trama para iniciantes chamada In Search of the Unknown —
forneciam tudo que um grupo de novos jogadores precisariam para começar
o jogo. Um quarto livreto, Dungeon Geomorphs, consistia de mapas
preconcebidos feitos para serem cortados e usados em cenários originais
para as aventuras. E, pela primeira vez, um conjunto de D&D trazia as
ferramentas para o negócio — cinco dados poliédricos em um saquinho de
plástico.1
O Conjunto Básico, amplamente conhecido como a “Caixa Azul”, trouxe
a clareza necessária para Dungeons & Dragons. Em apenas 48 páginas, o
manual explica o conceito de interpretação de papéis, fornece instruções
para criar um personagem de uma das quatro classes (combatente, praticante
de magia, clérigo e ladrão), ensina os fundamentos de combates e
movimentação e demonstra como ganhar experiência e aprimorar um
personagem. Holmes usou uma linguagem bem simplificada e presumiu que
seu público não tinha experiência alguma em jogos de estratégia; estipulou o
preço em 9,5 dólares e, vendida em lojas fora do circuito especializado, a
Caixa Azul levou D&D para as massas. Ela foi para D&D o que Cálculo
para leigos foi para Princípios matemáticos da filosofia natural, de Isaac
Newton.
O que a Caixa Azul não fazia era ensinar aos jogadores como fazer os
personagens ultrapassarem o terceiro nível — isso foi deixado para a
metade de Gygax do projeto. “O ‘kit introdutório’ de D&D tem como foco os
novos jogadores, aquelas pessoas não iniciadas nas maravilhas dos role-
playing games de fantasia”, explicou Gygax na The Dragon. “Ele pode levá-
las tanto para o jogo original quanto para o novo e ainda incompleto
Advanced Dungeons & Dragons. [...] AD&D será um sistema melhor e mais
claro com o objetivo de aperfeiçoar a compreensão dos RPGs.”2 Os
jogadores precisavam acreditar em sua palavra, porque as novas regras de
Gygax não estavam nem perto da finalização.
Enquanto isso, os clientes mais valiosos da TSR — jogadores veteranos
de D&D que queriam regras melhores, e os novos jogadores que amaram a
Caixa Azul e estavam sedentos por mais — mal podiam esperar para ir às
compras, mas não havia nada novo no mercado.2 Os competidores então
correram para preencher o vácuo. O Chivalry & Sorcery, da Fantasy Games
Unlimited, manteve a tradição do “& e aliterações” iniciada em Tunnels &
Trolls, mas não seu senso de humor; as regras, escritas por Ed Simbalist e
Wilf Backhaus, enfatizavam os detalhes históricos e as complexas
simulações. Por outro lado, Melee, lançado pela Metagaming Concepts e
escrito pelo projetista americano Steve Jackson, era muito mais simples,
focando o combate corpo a corpo entre heróis e monstros. O fato de que
ambos os jogos pareciam muito com Dungeons & Dragons não era uma
coincidência, mas também não era uma imitação cínica; vários dos novos
jogos evoluíram de campanhas caseiras de D&D, já que os jogadores
mudavam as regras para refletir os próprios interesses.
Um dos ótimos jogos de 1977 obteve sucesso graças a um tipo diferente
de capa e espada. Em 25 de maio daquele ano, nerds de todo o país largaram
as mesas de jogos para ficar na fila do cinema a fim de assistir a Star Wars,
de George Lucas. O filme ficou em cartaz nos cinemas por mais de um ano e
começou uma mania espacial que ajudou a popularizar um novo RPG de
ficção científica. Traveller, da Game Designers, não foi o primeiro RPG do
gênero, mas era o mais completo e épico. Inspirado em contos de impérios
intergalácticos, como Fundação, de Isaac Asimov, o escritor Marc Miller
criou um jogo que fazia os jogadores se sentirem como se fossem Han Solo
ou Luke Skywalker. Um sistema de criação de personagens inovador ajudou
a atrair os jogadores: em vez de começar como aventureiros inexperientes,
quase inúteis, os novos personagens de Traveller passavam por um processo
de desenvolvimento biográfico complexo para determinar suas histórias,
grau de educação, escolhas profissionais e perícias. Isso ajudou os
jogadores a se identificarem com seus personagens e assegurou que eles
fossem capazes de realizar atos heroicos assim que se sentassem ao redor da
mesa. Traveller foi bem recebido e teve um rápido sucesso — até Gygax
precisou admitir que era “um jogo criativo” e “uma imitação com bom
esforço de imaginação”.3
Era possível que Gygax estivesse preocupado com uma ameaça menor,
porém mais pessoal: um novo material de Dave Arneson. Agora trabalhando
sozinho, Arneson assinou, no início de 1977, com uma pequena editora do
Texas para lançar o primeiro produto de D&D escrito por ele desde
Blackmoor. O Dungeonmaster’s Index anunciava sua ex-empreitada com
orgulho. A ilustração de capa retratava um personagem sorridente de capuz
verde acima de um campo de batalha, controlando magos e guerreiros como
marionetes, e o crédito “Por Dave Arneson [...] Coautor de Dungeons &
Dragons”. Arneson ainda possuía um pedaço da TSR e alguns direitos sobre
o jogo, mas não controlava os direitos de publicar novos conteúdos. O livro
de 38 páginas, portanto, é um pouco mais que um índice para produtos
existentes da TSR; ele listava vários monstros, feitiços, itens mágicos e
fornecia referências de páginas para The Strategic Review e os cinco livros
originais de D&D.
O segundo produto de Arneson era mais um ataque direto ao castelo da
TSR. A capa de The First Fantasy Campaign, publicada pela Judges Guild,
licenciada pela TSR, prometia “a história e os detalhes do RPG de fantasia
original” e convidava os leitores a “visitar o perigoso Ovo de Fulica, Loch
Gloomen e o mundo subterrâneo abaixo do castelo Blackmoor”. The First
Fantasy Campaign é baseado diretamente nas anotações de Arneson para
sua campanha Blackmoor — talvez as mesmas anotações usadas por Gary
Gygax para criar Dungeons & Dragons. Mas, enquanto Gygax pegou aquelas
ideias e lhes deu estrutura, organizando conceitos grosseiros em um sistema
de jogo e um produto vendável, Arneson as apresentou de forma crua, um
incentivo para inspirar Mestres a fazerem os próprios sistemas. Uma
pequena linha de texto na parte de baixo da capa era meio uma renúncia,
meio um grito de liberdade: “Sistema de jogo de fantasia não incluído.”
O livro continha mapas rascunhados, sem escalonamento, dos ambientes
de Blackmoor; fatos aleatórios sobre a população da área
(“aproximadamente mil peões, cem soldados e nobres, quatro magos ou
feiticeiros, um dragão, diversos trolls...”4) e recursos naturais (“a principal
pecuária consiste em um membro maior da família do bisão...”5); biografias
curtas dos personagens do jogo (incluindo o Cavaleiro Azul, um guerreiro
incapaz de remover sua armadura encantada); tabelas de valores (como o
custo para contratar uma equipe de funcionários para um castelo); e
descrições de pontos de interesse, como a taverna (“The Comeback Inn”
oferece bebidas e hospedagem pela metade do preço, mas sua porta é
mágica, então “quando você a deixa, começa a sentir vontade de retornar”).
The First Fantasy Campaign é rudimentar e aleatório, mas estranhamente
charmoso. É feito para ser um ponto de partida e traz muito sobre a filosofia
de Arneson, que enfatiza a inspiração, não a mercantilização. Ele também
deixa claro que Dungeons & Dragons nunca teria acontecido sem a ajuda de
Gygax — deixado por conta própria, Arneson publica anotações mais do que
jogos finalizados.
Surpreendentemente, a TSR deixou Arneson publicar The First Fantasy
Campaign e Dungeonmaster’s Index sem protestos — há alguma evidência
de que a empresa considerou mandar sua costumeira notificação
extrajudicial, mas, por razões desconhecidas, desistiu no meio do caminho.6
Os outros competidores não foram tão sortudos. O jogador californiano
Steve Perrin passou um ano inteiro compilando monstros de RPGs de várias
fontes, incluindo campanhas caseiras, revistas de jogos e manuais, quando
recebeu uma notificação da TSR. Mas, em vez de matar o projeto, Perrin
retirou os monstros da TSR e lançou All the Worlds’ Monsters pela
Chaosium Inc., uma pequena editora de Oakland. O bestiário não ganhou
muita atenção dos fãs, mas Perrin foi bem-sucedido em envergonhar Gygax a
ponto de tirá-lo da inércia: semanas depois de começarem as vendas de All
the Worlds’ Monsters, a TSR lançou seu primeiro livro de AD&D.
O Livro dos monstros de Advanced Dungeons & Dragons pode ter sido
um trabalho feito às pressas, mas sua qualidade é inegável. O volume de 108
páginas foi o primeiro livro de RPG publicado em capa dura; tinha uma
lombada costurada e era revestido pelo mesmo material quase indestrutível
dos cadernos dos anos 1970. Escrito inteiramente por Gygax, o manual
listava mais de 350 monstros dos cinco livros de D&D, de The Strategic
Review e de The Dragon; cada verbete incluía estatísticas para o uso no
jogo e uma descrição do comportamento e do hábitat das bestas.
O Beholder, um monstro “odioso, agressivo e avarento”,7 era descrito
como tendo um corpo esférico coberto por uma carapaça quitinosa: “Tem a
aparência de um enorme globo, ocupado, principalmente, por um grande olho
central e uma boca repleta de dentes. Possui, também, dez olhos menores, em
hastes que se ramificam a partir do topo da esfera.”3 As Panteras
Deslocadoras se assemelham a panteras comuns, mas têm tentáculos
cobertos por espinhos saindo de seus ombros; “A principal vantagem em
combate é o poder místico de deslocamento, que faz com que sua imagem
apareça a 1 metro de sua posição real. Qualquer criatura que ataque uma
Pantera Deslocadora terá uma penalidade de -2 em suas jogadas de ataque.”8
Os catoblepas são “alguns dos seres mais horríveis que existem”. Imagine
um grande búfalo com pernas curtas, um pescoço de girafa e a cabeça de um
javali. “Essa é uma criatura bizarra, assustadora, que habita pântanos e
charcos. Sua mais terrível característica são os grandes olhos injetados, de
onde emana um raio mortal.”9 O Cubo Gelatinoso percorre as masmorras,
um acúmulo de gelatina transparente que se move “absorvendo carniça e lixo
que encontra no caminho. Suas arestas cintilam, deixando uma trilha
gosmenta. Não escala paredes nem adere ao teto, mas alguns crescem o
suficiente para arrancar fungos e substâncias similares de lá”.10 E pobre de
quem encontrar um Monstro da Ferrugem nas profundezas de uma passagem
subterrânea escura: “Essas criaturas, embora pacíficas por natureza, quando
sentem a presença de objetos de metal, tornam-se agitadas e partem em
busca do seu alimento. Monstros da Ferrugem procuram metais ferrosos
como o próprio ferro, aço e ligas mágicas de aço.”11
O Livro dos monstros foi bem-sucedido não apenas como um suplemento
de jogo, mas elevou o manual de D&D a um objeto de fetiche. A composição
sólida deixou o livro mais durável e portátil, o tipo de coisa que a criançada
poderia guardar em qualquer lugar e levar aonde quisesse; e os verbetes de
Gygax e as ilustrações de David Trampier e Tom Wham deixaram-no
perfeito para se folhear a qualquer hora. O livro virou uma companhia
adorada por toda uma geração de jogadores, algo que eles consultavam o
tempo todo. A TSR, por fim, imprimiu 50 mil cópias do Livro dos monstros,
vendendo cada um por 9,95 dólares. Ao longo dos doze anos seguintes, a
empresa reimprimiu o livro quinze vezes. O Livro dos monstros enterrou o
All The Worlds’ Monsters e fez todo mundo na indústria de jogos se lembrar
que Gary Gygax era o cara.
É bem verdade que teve de lidar com um produto feito por um fã, mas
Gygax estava preparado para a guerra contra as hordas. Em uma coluna na
The Dragon, publicada em dezembro de 1977, ele desabafou em cima do
que via como um mar de inimigos batendo à sua porta:
Notas:
1. A TSR rapidamente esgotou o estoque do fornecedor de dados poliédricos baratos inclusos em cada
caixa e precisou ir diretamente ao fabricante chinês. Por causa disso, a quinta e sexta edições do kit
introdutório, ambas lançadas em 1979, vieram com duas folhas de peças numeradas impressas em
papel perfurado em vez dos dados.
2. O argumento de Gygax afirmando que a Caixa Azul levaria os novos jogadores de volta ao D&D
original fazia tanto sentido quanto a Microsoft falar que os fãs do game Halo 4 deveriam comprar
River Raid enquanto esperavam pelo próximo lançamento da série. Enquanto a TSR continuava a
vender o conjunto original — em uma caixa branca marcada como “Edição Original de
Colecionador” — até o fim da década de 1970, é bastante improvável que os jogadores tenham saído
da Caixa Azul para a Branca.
3. “Cada um dos olhos do Beholder, inclusive o central, tem uma função diferente [...] 1. Enfeitiçar
Pessoa; 2. Enfeitiçar Monstro; 3. Sono; 4. Telecinésia; 5. Carne em Pedra; 6. Desintegrar; 7. Medo;
8. Lentidão; 9. Causar Ferimentos Graves; 10. Raio da Morte; 11. Raio Antimagia.” Livro dos
monstros de Advanced Dungeons & Dragons, 2ª ed., p. 21.
4. Gygax admitiu que ele “saboreou totalmente” O hobbit, mas reassegurou que não gostou da trilogia
O senhor dos anéis: “Gandalf é quase ineficaz, empunhando uma espada de vez em quando e
conjurando feitiços de pouco poder... [Tolkien] larga Tom Bombadil, meu personagem favorito, como
um saco de babatas proverbial. [...] O perverso Sauron é pobre em desenvolvimento, praticamente
despersonalizado e, no fim, explode como uma nuvem de fumaça maligna... Puf!”
5. A Batalha dos Cinco Exércitos é um dos capítulos do livro e seu clímax. (N. do T.)
6. Saul Zaentz possuía os direitos de vários trabalhos criativos que não criou e frequentemente entrava
em litígio para protegê-los: em 2011, sua empresa processou um pequeno pub em Southampton, na
Inglaterra, que operava havia vinte anos como O hobbit. John Fogerty, líder do Creedence
Clearwater Revival escreveu a música “Zanz Kant Danz” supostamente sobre Zaentz, depois de
uma batalha jurídica pelos direitos das músicas do grupo; o refrão da canção é “Zanz can’t dance,
but he’ll steal your money / Watch him or he’ll rob you blind”. [Zanz não sabe dançar, mas ele
roubará seu dinheiro / Vigie-o, senão te roubará sem pena.] Depois que Zaentz o processou, Fogerty
mudou o nome do personagem nas letras e no título para “Vanz”.
7. [Elementais] são criaturas fortes, mas estúpidas, cujo corpo é composto de um dos quatro elementos
básicos que formam o plano Material Primário — ar, terra, fogo ou água. O mais temível poder de
um elemental do ar é a sua habilidade de se transformar num tufão, sempre que recebe ordens para
tanto. Esse redemoinho dura uma rodada de combate, sai girando, mata todas as criaturas com
menos de 3 dados de vida dentro da área do cone e causa 2–16 pontos de danos nas criaturas que
não forem mortas imediatamente.” Livro dos monstros de Advanced Dungeons & Dragons, 2ª
ed., p. 99.
8. “Coberto por uma enorme massa de cabelo amarelado que parece uma peruca desgrenhada, o rosto
da rainha Frupy é uma massa de papada e rugas, situada no meio de uma grande cabeça que fica
diretamente sobre seus ombros. O corpo dela é irregular e bruto, e sua pele é coberta com cerdas da
cor de seu cabelo.” Against The Giants, p. 18.
9. Uma Esfera da Aniquilação é um globo completamente negro, uma bola de vácuo com 60
centímetros de diâmetro. Uma esfera é, na verdade, uma interrupção na continuidade do multiverso,
um buraco negro. Qualquer coisa que entre em contato com a esfera é imediatamente sugada para
dentro desse buraco negro e desaparece, sendo completamente destruída — mesmo Desejo e
magias parecidas não surtem efeito.” Livro do jogador de Advanced Dungeons & Dragons, p.
242.
10. Apenas 2,3% das pessoas que responderam a pesquisa eram mulheres. Apesar do passatempo
ainda ser dominado pelos homens, isso está mudando rapidamente — como veremos mais à frente.
11. Falando de forma geral, personagens ordeiros seguem algum tipo de autoridade, enquanto os
inconstantes apenas a própria consciência e os neutros evitam posições extremas. Você poderia
argumentar que, na trilogia original de Star Wars, Darth Vader é vil; Luke Skywalker é justo; Han
Solo começa inconstante, mas termina a trilogia bondoso. Debater a tendência dos personagens em
séries de TV, livros e filmes é um dos passatempos preferidos dos nerds e um meme da internet —
eu vi pessoas desconstruírem o elenco de tudo, de Game of Thrones a Downton Abbey. Violet, a
condessa viúva de Grantham, aparentemente é ordeira.
12. Isso dá 100 dólares em direitos autorais, mas alguns de vocês já sabiam disso, porque pararam para
fazer as contas antes mesmo de chegar a esta nota de rodapé. Um nerd de verdade acha equações
não resolvidas irresistíveis — elas são como presentes de aniversário embrulhados.
10
O PÂNICO SATÂNICO
O
s especialistas em abuso de substâncias algumas vezes descrevem o
vício em forma de quatro estágios. Meu hábito de jogar D&D progrediu
da mesma maneira. Quando me juntei à campanha do Mundo Vampírico de
Morgan, eu estava apenas na Experimentação (“ela pode ocorrer uma ou
diversas vezes como uma maneira de ‘se divertir’ ou ajudar o indivíduo a
lidar com um problema”1), mas o troço era tão bom que avancei para o Uso
Regular. Quando nossos personagens começaram a jornada para Las Vegas,
passei para o Uso Arriscado (“ânsia e preocupação”); depois do encontro
com os ilitides e da captura do tesouro da pirâmide, eu estava afogado em
Dependência (“uso compulsivo [...] apesar de severas consequências
negativas para os relacionamentos dele ou dela, saúdes mental e física,
finanças pessoais, estabilidade no emprego”).
Eu poderia marcar toda a lista: Consequências negativas para os
relacionamentos? Eu via meus parceiros de D&D toda semana, mas
negligenciei todos os outros amigos. Saúdes física e mental? Esqueça os 15
quilos, D&D me deu 30. Finanças pessoais? Gastei uma pequena fortuna
comprando manuais raros no eBay. Estabilidade no emprego? Em vez de
terminar matérias para a revista, eu passava dias navegando por fóruns on-
line de RPG em busca de discussões interessantes (“Se você pudesse levar
apenas três livros de RPG para uma ilha deserta, quais seriam?”).
Um dos meus fóruns preferidos era o da parte de notícias sociais do site
Reddit. Em abril de 2011, alguns dos usuários do Reddit organizaram um
amigo-oculto — uma dessas trocas de presentes em que você aleatoriamente
pega o nome de uma pessoa e precisa mandar a lembrança de forma
anônima. Como essa troca era feita on-line, os participantes pegavam
estranhos — alguém escolhido da base de usuários do site e não apenas do
fórum de RPG — e precisavam adivinhar qual presente dar de acordo com o
que o estranho escreveu no site. Aquilo pareceu uma boa distração do D&D,
então me inscrevi.
James Dallas Egbert III foi uma criança superdotada. Terminou o ensino
médio com 14 anos e era adorado pelos professores — mas odiado pelos
colegas. Alienado e sem amigos, quando começou a faculdade na
Universidade de Michigan State, ele estava sorumbático e depressivo,
mesmo para um adolescente.
Por um tempo, parecia que a faculdade forneceria os amigos de que
Egbert estava sentindo falta. Ele se juntou ao clube chamado Tolkien Society,
no qual os estudantes passavam horas discutindo O hobbit e O senhor dos
anéis e, de vez em quando, jogavam Dungeons & Dragons. Mas, em 15 de
agosto de 1979, o jovem de 16 anos desapareceu.
Algumas semanas se passaram antes de William Dear, um investigador
particular contratado pelos pais de Egbert, desenvolver uma teoria: Egbert
teria jogado uma versão live-action2 e se perdido em um labirinto de túneis
de vapor que ficava embaixo do campus. Talvez ele ainda estivesse lá,
vagando sozinho e confuso — ou talvez tenha sido morto por um jogador
adversário.
Obviamente, Dear ou qualquer um da polícia estadual de Michigan
jamais havia jogado D&D. Mas os investigadores estavam convictos de que
a culpa era do jogo, mesmo que não houvesse nenhuma prova. Desesperados
por pistas, os oficiais coletaram vários quadros de avisos vazios do quarto
de Egbert e levaram para a sede da TSR, distante 480 quilômetros. Na
chegada, os policiais pediram para a equipe da empresa analisar o
posicionamento das tachinhas em cada quadro, em caso de representarem
algum padrão secreto ou um mapa. Gary Gygax e Tim Kask passaram três
dias olhando fixamente para os quadros até concluírem — acertadamente —
que não significavam nada.
Mas Dear não desistiu. O idiota sensacionalista3 alegremente dividiu sua
teoria com repórteres e o desaparecimento de Egbert virou comoção
nacional. Os artigos extensos dos jornais manipularam as emoções dos
leitores com descrições de um inocente gênio desencaminhado, um jovem
levado a um mundo depravado. Certamente esse jogo, sugeriam eles, cheio
de magia e demônios, foi o culpado pela ruína do menino.
A verdade era mais simples. Egbert, em depressão, fugiu. Ele comprou
uma passagem de ônibus para Nova Orleans, fez o check-in em um hotel
barato e tentou se envenenar. Quando isso não funcionou, tentou se esconder
mais uns dias na Louisiana antes de decidir voltar para casa.4
A equipe da TSR ficou preocupada por receber tanta atenção negativa,
mas somente até ver os resultados. “A cobertura contínua do [D&D] e dos
seus ‘perigos’ fez as vendas dispararem”, disse Gygax em uma entrevista de
2002. “Não conseguimos imprimir em velocidade suficiente para atender às
demandas. Eu tinha projetado o crescimento [para 1980] saindo
aproximadamente de 4,2 milhões de dólares para 8,5 milhões de dólares [...]
Por causa do ‘Caso Egbert’, a TSR rendeu 16,5 milhões.”3
O D&D ficou famoso. Em 8 de novembro de 1979, apenas seis semanas
depois de Egbert voltar para sua família, Gygax apareceu em um programa
de TV noturno chamado Tomorrow With Tom Snyder para falar sobre o
fenômeno; a seu favor, o apresentador pareceu abordar o D&D da maneira
correta e até convenceu um despreparado Gygax a correr na frente das
câmeras por um labirinto improvisado. Mas fora do programa o jogo era
tratado de forma diferente. O incidente com Egbert marcou Dungeons &
Dragons como algo perigoso ao olhar do público. Quando 1980 começou, o
jogo tornou-se um bicho-papão — visto, junto com satanismo e o heavy
metal, como algo que corrompe a juventude.
Em março de 1980, os pais da “solidamente mórmon” cidade rural de
Heber City, em Utah, convenceram o conselho escolar local a fechar o clube
de D&D e acusaram seus organizadores de “trabalhar com o anticristo e de
fomentar a subversão comunista”.4 O pastor local Norman Springer disse ao
New York Times que o jogo era “definitivamente” antirreligioso: “Esses
livros estão repletos de coisas que não são fantasiosas, mas que existem
mesmo no mundo dos demônios e podem ser bem perigosas para qualquer
um envolvido no jogo porque abre a porta para espíritos satânicos.”5
A TSR fez tudo que podia para prevenir uma caça às bruxas. Poucos
meses depois do incidente em Heber City, a empresa publicou um anúncio de
meia página na The Dragon com a chamada “Clérigos do Mundo Real: a
TSR Hobbies precisa de vocês”.6 O anúncio pedia aos jogadores que
fizessem parte do clero “de qualquer religião organizada” para compartilhar
suas histórias “prestativas, de influência positiva” em relação a D&D.
Mas foi tarde demais. Em 1981, a escritora Rona Jaffe publicou um livro
inspirado no caso Egbert. Labirintos e monstros contava a história de
Robbie Wheeling, um universitário que sofre um surto psicótico enquanto
joga algo parecido com D&D. Wheeling acredita que é, na verdade, o seu
personagem do jogo, o clérigo Pardeux, e que precisa pular do alto do World
Trade Center para vencer a partida. O telefilme, lançado em 1982, tem um
Tom Hanks pós-Bosom Buddies.
Labirintos e monstros é sem sentido, histérico e uma representação
terrivelmente incorreta de Dungeons & Dragons. Porém, para tantos
americanos que não conheciam o jogo, consolidou a ideia de que RPGs de
fantasia eram a estrada para a perdição. No verão de 1982, autoridades de
Oklahoma baniram o jogo dos distritos escolares, citando “natureza
satânica”. Em 1984, quando o policial Kirk Johnson, de San Diego,
Califórnia, foi assassinado a tiros pelo próprio filho, os advogados do
garoto tentaram usar sua obsessão com Dungeons & Dragons como uma
explicação para sustentar a teoria de insanidade. No mesmo ano, mais tarde,
religiosos da Inglaterra advertiram que deixar as crianças jogarem D&D era
essencialmente o mesmo que entregá-las para Satã: “Isso é realmente um
jogo, mas é um jogo de vida ou morte!”,7 escreveu o reverendo John
Hollidge, da Igreja Batista Gold Hill, em Buckinghamshire, na carta para os
pais.
Cada vez mais, Dungeons & Dragons transformava-se no bode expiatório
dos casos de adolescentes suicidas. Em 1984, no condado de Bergen, em
Nova Jersey, a polícia jogou a culpa na morte de dois irmãos adolescentes
no D&D. “Em meu entendimento, uma vez que você alcança o nível de
Mestre, a única saída é a morte”,8 disse o chefe de polícia ao jornal local
Record. Naquele mesmo ano, uma mãe chamada Patricia Pulling, de
Richmond Virginia, processou Gary Gygax e a TSR em 10 milhões de
dólares, alegando que seu filho de 16 anos se matou depois que seu
personagem foi “amaldiçoado” por outro jogador. O processo foi arquivado,
mas Pulling continuou em frente, criando o “Incomodados com Dungeons &
Dragons” (“Bothered About Dungeons and Dragons” — BADD), um grupo
de defesa que atormentou os jogadores de D&D por anos.
Em 1985, o programa televisivo 60 minutes dedicou um segmento inteiro
aos perigos de Dungeons & Dragons. O âncora Ed Bradley entrevistou
policiais excessivamente crédulos, exibiu relatos da mídia local como fatos
e confiou inteiramente em uma emocionante entrevista com Pulling, a mãe de
luto. O psicólogo entrevistado, o dr. Thomas Radecki, também era bastante
crítico em relação ao jogo (alguns anos mais tarde, ele perdeu sua licença
médica). Depois da transmissão, Gygax enviou cartas para Bradley escritas
pelas mães das duas crianças mencionadas na reportagem como se tivessem
se suicidado por causa do D&D; ambas diziam que o jogo nada tinha a ver
com a morte de seus filhos. O programa nunca veiculou uma retratação.
E o criticismo não parou. No seu livro de 1988, Raising PG Kids in an
X-Rated Society, Tipper Gore, cofundadora do Parents Music Resource
Center (PMRC) e futura vice-primeira-dama dos Estados Unidos, vociferou
contra D&D, alegando que o jogo foi ligado a “quase cinquenta suicídios de
adolescentes e homicídios”.9 Depois da morte, em 1988, de Lieth Von Stein,
um executivo da Carolina do Norte, a polícia rapidamente prendeu Chris,
seu enteado de 20 anos, e mais dois amigos do rapaz — os três foram
posteriormente considerados culpados de um esquema para ganhar 2 milhões
de dólares de herança. Mas quando dois livros sobre o caso, Blood Games e
Cruel Doubt, foram lançados, em 1991, eles ressaltaram o fato de que os
acusados jogavam D&D juntos de vez em quando.
Até mesmo o panfletário cristão Jack Chick entrou na histeria: em seu
folhetim de quadrinhos, Dark Dungeons, uma garota é levada a um grupo de
bruxas depois de passar por “um treinamento intenso de ocultismo jogando
D&D”.10 A jovem, mais tarde, aprende a fazer mágica de verdade e joga um
feitiço de “ligação mental” em seu pai, forçando-o a comprar 200 dólares de
manuais de D&D para ela.
Dungeons & Dragons não foi o primeiro jogo a receber esse tipo de
tratamento. Extremistas religiosos tentaram banir o xadrez repetidamente ao
longo das eras, do primo do profeta Maomé, Ali ibn Abi Talib, que reinou
no califado islâmico no século XVII, ao grupo afegão Talibã, que tentou
fazer o mesmo no século XX. Mas isso não serviu de consolo para Gygax,
que recebeu o impacto dos ataques. O ex-sapateiro que virou projetista de
jogos era pintado como uma espécie de maluco-satanista-corruptor-de-
crianças e chegou a receber ameaças de morte. Por um período dos anos
1980, Gygax precisou contratar um guarda-costas.
Ainda assim, ele tentou não levar para o lado pessoal. “Acho que
entendia as motivações deles”, falou em uma entrevista de 2004. “Algumas
era bem sinceras — a ignorância era sincera. A coitada da mulher que
começou o BADD falou na primeira entrevista no jornal que não sabia que
seu filho estava jogando D&D há dois anos. O que quero dizer é que isso é
uma falha séria de criação. Ela claramente estava transferindo a culpa pelo
próprio erro para um jogo. Era triste.”11
Longe dali, em Los Angeles, Gygax procurou uma saída para salvar a
empresa. Tentou uma fusão com a britânica Workshop, mas o dono, Ian
Livingstone, estava receoso em trabalhar com os Blume (“Eu não acho que
eles gostavam de jogos como nós... Nos sentimos um pouco
desconfortáveis”, diz). Gygax também pressionou Sidney Sheinberg,
presidente da Universal Pictures, para preencher um cheque para financiar o
filme baseado em D&D ou comprar a TSR inteira — sem sucesso.
Finalmente, um astronauta de 500 anos ofereceu uma chance de salvação.
Gygax estava trabalhando com um parceiro de escrita, Flint Dille, em livros
no estilo escolha-as-próprias-aventuras e em um filme baseado no mundo de
Greyhawk. O avô de Dille comandava o National Newspaper Syndicate6 nos
anos 1920 e fez uma fortuna publicando Buck Rogers no século XXV, uma
história em quadrinhos sobre um veterano da Primeira Guerra Mundial que,
exposto a um gás radioativo, entrou em animação suspensa e acordou
quinhentos anos depois. A família de Dille tinha muito dinheiro para brincar
— e a irmã dele, Lorraine Dille Williams, estava interessada em trabalhar
em editoração.
Gygax retornou para Lake Geneva e, na reunião mensal do conselho da
TSR, expôs aos três diretores, que mantinham boas relações com Kevin
Blume, que ele deveria ser retirado do negócio. “Eu esperava ser totalmente
rejeitado naquela hora”, escreveu Gygax depois. “Em vez disso, os diretores
se viram forçados a concordar, pois não havia dúvida de que a empresa, com
dívidas bancárias em torno de 1,5 milhão de dólares, não tinha como pagar o
empréstimo. Na votação final, Kevin foi contrário à minha proposta, Brian
se absteve (o que deixa clara sua opinião) e os patetas votaram sim, então
ganhamos com quatro votos contra um.”15
Mas o conselho não estava preparado para recolocar Gary Gygax no
controle. Em vez disso, substituíram Blume por um presidente interino da
Associação Americana de Administração. Então, em maio de 1985, Gygax
exerceu sua prioridade na compra de ações que lhe deram direito de voto —
influência suficiente para retomar seu poder na TSR. Ele demitiu o
presidente-tampão, assumiu o papel de CEO e promoveu Lorraine Dille
Williams ao posto de nova gerente geral da TSR.
“Depois disso, minha queda veio em pouco tempo”, escreveu Gygax mais
tarde.
Notas:
1. Em 1982, a Mattel lançou outro produto da marca, um game de D&D para seu console Intellivision.
Naquele tempo, Advanced Dungeons & Dragons era o game mais sofisticado a ser lançado,
exigindo 4 mil bytes de memória.
2. Uma versão mais hardcore do RPG, em que os jogadores se vestem como seus personagens,
interagem com os cenários e interpretam com mais “realismo”. (N. do T.)
3. Dear aparece na mídia a cada poucos anos: em 1984, ele escreveu um livro sobre o caso Egbert
chamado The Dungeon Master; em 1995, emprestou sua perícia investigativa para um
documentário do canal Fox chamado Autópsia Alienígena: Fato ou Ficção?. Seu último projeto,
um livro de 2012 intitulado O.J. Is Innocent and I Can Prove It, argumenta que o filho de O. J.
Simpson foi o verdadeiro assassino de Nicole Simpson e Ron Goldman.
4. É uma pena, mas Egbert não conseguiu se livrar da depressão; menos de um ano depois, ele se
matou com um tiro.
5. Starday, Sunday, Moonday, Godsday, Waterday, Earthday, Freeday. [Brincadeira com os dias da
semana em inglês: Dia da Estrela, do Sol, da Lua, de Deus, da Água, da Terra e da Liberdade. (N.
do T.)]
6. Órgão que controlava a publicação de tiras nos jornais americanos. (N. do T.)
11
MORTE OU GLÓRIA
Q
uando eu era menor, tudo era mais simples. Meus amigos e
minha família eram boas pessoas; qualquer um que tentasse
magoá-los era maligno. Dediquei minha vida a proteger as coisas
que amava e a destruir as que odiava.
Eu não me afastei desse compromisso. Mas, com a idade, entendi
que a verdade raramente é simples. Sei agora que, apesar de os
vampiros serem nossos algozes, a humanidade criou a própria
destruição. Os vampiros se esconderam dos humanos por milhares
de anos, temerosos de nossa força e quantidade; eles apenas
atacaram quando ficamos fracos de tanto lutarmos entre nós e
quando a ameaça ao planeta era muito grande para ignorar.
Ainda acredito no futuro da humanidade. Sei que um dia
liberaremos nossos irmãos e irmãs dos cercados e faremos justiça
com os monstros que nos escravizaram. Mas também sei que somos
seres imperfeitos e precisaremos de ajuda.
Quando Ganubi fez o primeiro contato com os habitantes de Las
Vegas, eu esperava que pudessem ser novos aliados. Acompanhar
alguns deles de volta a São Francisco me parecia um passo nessa
direção. Mas, durante a longa viagem para casa, comecei a me
preocupar. Os quatro ilitides que entraram no grupo eram alheios e
frios. Eles estavam ansiosos para aprender sobre a humanidade, mas
raramente desejavam falar sobre si mesmos. Eles me lembravam
predadores estudando suas presas.
De tempos em tempos, eu, Jhaden e Graeme andávamos adiante
do grupo para que pudéssemos discutir o que faríamos se nossos
“amigos” ficassem violentos. Os poderes psíquicos deles eram uma
ameaça real, mas, pelo que podíamos dizer, não tinham
conhecimento de magia ou até mesmo de que isso existia. Enquanto
eu evitasse lançar feitiços na frente deles, nossas defesas seriam
subestimadas.
Ganubi confiava mais nos estranhos, porém me levou a sério
quando compartilhei minhas preocupações. Então, durante a viagem
desse nosso grupo maltrapilho pelo deserto e de volta às montanhas,
ele passava dia após dia conversando com os ilitides, tentando fazê-
los ter simpatia por nossa causa. Explicou a história humana e
nossa luta contra os vampiros, mas também compartilhou nossos
valores, como o respeito pela vida e a proteção dos amigos. Ele até
mergulhou nas velhas religiões humanas e contou histórias das
Escrituras Sagradas.
Às vezes, Ganubi me lembrava os velhos pregadores malucos que
costumava ver nas ruas quando era criança. Mas os ilitides ouviam
cada palavra com atenção. Eu não tinha certeza se a mensagem de
Ganubi estava sendo recebida, mas eles estavam escutando e isso já
era um começo.
Quando Gary Gygax decidiu livrar a TSR do reinado dos irmãos Blume, ele
sabia que precisava de ajuda. De cara, Lorraine Dille Williams parecia uma
aliada perfeita: rica, interessada em editoração e com experiência em
gerenciar organizações de médio porte. Então Gygax pediu para ela investir
na empresa e ajudá-lo a retomar o controle.
Lorraine, sentindo a extensão da ingerência na TSR, falou para Gygax que
fazer um investimento na empresa seria como “jogar dinheiro em um ninho
de ratos”. Em vez disso, ela sugeriu um tipo diferente de ajuda: ir para Lake
Geneva e assumir uma posição de onde ela poderia controlar as finanças da
TSR.
“Eu realmente não tinha nenhum objetivo na carreira”, diz Lorraine.
“Encarava as coisas como desafios individuais. Então, fui dos jornais para
um trabalho voluntário não remunerado em um órgão de saúde, depois para
um hospital, e outro órgão, e uma associação de comércio.”
Ela não conhecia ou se importava com RPGs, mas sentiu que poderia ter
um emprego interessante na TSR. “Eu encarei como uma ótima experiência”,
diz ela. “Quando comecei, estava indo apenas para ajudar Gary a colocar o
navio de volta na rota.”
A parceria amigável só durou poucos meses. Lorraine conta que, assim
que assumiu o cargo de gerente-geral da TSR, na primavera de 1985,
compreendeu a verdadeira extensão dos problemas financeiros da empresa
— e a cumplicidade de Gary. “A estrutura inteira do lugar era baseada em
operações em paraísos fiscais e os planos de divisão de lucros só
beneficiavam os acionistas, que eram Gary, Kevin e Brian Blume, e alguns
membros de suas famílias”, diz ela. “Quer dizer, [a TSR inglesa] era dona de
uma mansão na Ilha de Man. Você não acreditaria no escândalo que fizeram
quando falamos que precisávamos vender a casa.”
De acordo com Lorraine, embora a empresa operasse obedecendo a um
pacto de controle de despesas, Gygax queria continuar tirando dinheiro para
financiar seus projetos hollywoodianos e seu estilo de vida. “O banco estava
furioso conosco”, diz ela. “Nós finalmente falamos: ‘Gary, não podemos
adiantar 1 dólar. Se violarmos o pacto de dívidas com o banco, não teremos
linha de crédito. Estaremos mortos.’ E Gary foi à loucura.”
Gygax recorda-se da discussão de forma diferente. “Comecei a ficar
apreensivo com ela depois de dois incidentes”, escreveu em 2002. “Na
primeira, ela declarou que menosprezava os jogadores, que eles estavam
abaixo dela socialmente. Na segunda, quando expus que planejava repassar
o plano de divisão de ações da empresa para todos os empregados quando a
crise passasse, como uma forma de reconhecimento pela lealdade deles,
Lorraine se virou para minha assistente, Gail Carpenter (agora Gail Gygax,
minha mulher) e disse: ‘Só por cima do meu cadáver!’”1
Seja como for, uma coisa é certa: Lorraine ficou furiosa e decidiu
assumir a empresa. “Acabei cultivando um bem-querer pelas pessoas e tinha
muito respeito pelo produto”, conta ela. “Posso não ter entendido tudo
100%, mas entendi intelectualmente que era o produto certo para o tempo
certo.”
Naquela primavera, Gygax havia tomado o controle da companhia das
mãos dos Blume exercendo sua prioridade na compra de ações da TSR,
tornando-se proprietário da maioria das ações da empresa. No verão, no
entanto, Lorraine convenceu Brian Blume a também exercer sua prioridade
— e então comprou as ações dele. Um pouco depois, Lorraine também
comprou as ações de Kevin Blume. Apenas alguns meses após chegar a Lake
Geneva, Lorraine Williams era a nova acionista majoritária da TSR.
Gygax tentou lutar contra. Entrou com um processo contra Lorraine,
esperando que um juiz considerasse a venda das ações algo ilegal, mas o
caso foi arquivado. Antes de o ano terminar, Gygax se rendeu e vendeu para
Lorraine o restante de suas ações na TSR.
“Eu estava tão cansado daquela porra de empresa que fiquei feliz em me
livrar dela”, disse Gygax em uma entrevista de 2008. “Estava ficando cada
vez mais bagunçada com o passar do tempo.”2
Assim que vi Ganubi cair, corri para ajudá-lo. Mas não cheguei a
tempo de impedir o carniçal de atacar novamente.
Enquanto Ganubi lutava para se levantar, a criatura, sedenta por
sangue, pisou em cima dele e o rasgou com suas garras, atacando de
novo e de novo.
Eu vi quando Ganubi desfaleceu no chão. Vi a luz se apagar de
seus olhos. Vi meu amigo morrer.
Assim como Ganubi, Dungeons & Dragons viveu para lutar novamente. Em
1997, Lorraine Williams vendeu a TSR e todas as suas propriedades para a
Wizards of the Coast por 25 milhões de dólares e se aposentou para virar
mãe em tempo integral. Então, em 1999, a Wizards foi comprada pela
gigantesca companhia de brinquedos Hasbro por 325 milhões de dólares.
Como parte da mesma família corporativa de marcas como Sr. Cabeça de
Batata, G.I. Joe, Banco Imobiliário e Scrabble, Dungeons & Dragons
poderia ter sido relegado a um segundo plano. Mas agradeça a Wizards of
the Coast por ter ajudado a reviver a franquia com um plano de marketing
esperto. Em 2000, depois das vendas do jogo terem entrado em estado
terminal, a empresa lançou a terceira edição de Dungeons & Dragons, uma
revisão imensa das regras que foi bem recebida pelos fãs. Mas a terceira
edição ia além da tentativa de atualizar os principais livros de regras; o jogo
foi lançado como ponto central do “Sistema d20”, um universo inteiro de
regras de RPGs cobertas por uma licença de uso livre do material.
Inspirados pelo sistema operacional inovador do Linux, esses materiais
podiam ser baixados de graça, copiados, distribuídos e usados — e eles
logo acharam seu caminho para as mãos de jogadores em todo o mundo.
A licença também permitia que os fãs publicassem os próprios trabalhos
derivativos. Nos anos seguintes, um rico ecossistema de regras caseiras de
D&D começou a aparecer, a maioria on-line, mas também em lojas e
livrarias. Cada adição deixava o jogo ainda mais sedutor e atraía mais e
mais jogadores de volta para o passatempo.
Em 2003, quando a Wizards lançou a versão 3.5 de Dungeons & Dragons,
dessa vez uma propriedade protegida, ela incorporou várias das melhores
ideias dos suplementos caseiros. E como a nova edição também era
compatível com o sistema aberto, ele encorajou ainda mais o
desenvolvimento de projetistas amadores. No aniversário de trinta anos da
franquia, em 2004, o jogo estava crescendo rapidamente pela primeira vez
em uma década.
A última atualização confiava pesadamente em modas tecnológicas para
atrair novos jogadores. A quarta edição de Dungeons & Dragons, lançada em
2008, mexeu no jogo em tantos pontos que alguns críticos falaram que
parecia muito um videogame: um mago, por exemplo, poderia lançar um
feitiço repetidas vezes, sem limites, como um garoto apertando o botão de
ataque no controle do Xbox. Os fãs da velha guarda ficaram horrorizados,
mas a nova versão conseguiu chamar jogadores mais jovens.
Notas:
1. “Essa magia funciona como Reviver os Mortos, exceto pelo personagem poder ressuscitar uma
criatura que esteja morta há até 10 anos por nível de conjurador. [...] Ao completar a magia, a
criatura é imediatamente restaurada com pontos de vida, vigor e saúde completos, sem perder
nenhum nível (ou ponto de Constituição) ou magias preparadas.” Livro do jogador, p. 239-40.
2. Até Curt Schilling, tricampeão mundial de beisebol, que se aposentou do esporte e abriu a própria
empresa de videogames, me confessou que era “um fanático por D&D”.
13
A ESTALAGEM NO FIM DO MUNDO
P
or um bom tempo, Morgan tem falado sobre algo chamado Otherworld,
uma “aventura de fim de semana” organizada todo outono em um
acampamento em Connecticut. Os frequentadores se vestem como magos e
guerreiros e passam três dias tentando completar uma missão heroica.
Morgan descobriu o evento por causa de um amigo e gostou tanto que se
juntou à organização.
Eu caí fora. Apesar de ter relaxado sobre minhas aspirações nerds, não
estava preparado para colocar uma fantasia e correr pelos bosques. Eu podia
justificar passar uma noite por semana fingindo ser um clérigo, já que não é
diferente de uma partida de pôquer ou um boliche com os amigos. Mas
ninguém se veste como a lenda Walter “Deadeye” Williams antes de sair
para o boliche.
Além disso, Otherworld me soava terrivelmente parecido com algo que
eu aprendi a temer e odiar: um role-playing game em live-action, ou LARP.
O primeiro deles pode ter sido Dagorhir, uma batalha medieval organizada
em Maryland pela primeira vez em 1977 por um fã de Tolkien chamado
Bryan Weise.1 Fissurado por fantasia depois de ler O senhor dos anéis e
assistir ao filme Robin & Marian, com Sean Connery, ele anunciou o evento
em uma estação de rádio local, convocando qualquer um que desejasse
“combater nas guerras dos hobbits com armas de brinquedo”.
Parece inofensivo, mas, para muitos nerds, os live-action representam o
lado obsessivo e ilusório dos role-playing games. Há um vídeo infame no
YouTube de um LARPer correndo entre as árvores, vestido como um mago, e
gritando “Relâmpago! Relâmpago!”. Cada uma das 3,6 milhões de exibições
aumentou a percepção de que D&D é bizarro e de que passo minhas noites
de terça deixando homens adultos baterem em mim com espadas de espuma.
Como nunca testei um live, o preconceito contra o gênero era
completamente hipócrita e ignorante. E Morgan batia na tecla que
Otherworld não era um live — a ênfase, ele disse, era na narrativa e não nas
regras. Ele argumentou que as pessoas eram normais, novatos no mundo dos
RPGs encarando a experiência como um fim de semana divertido fora de
casa e na natureza. Ele fez parecer que poderia ser divertido.
Eu sabia que teria de experimentar um live — ou algo assim — se
quisesse entender verdadeiramente o mundo dos jogos de interpretação de
papel. Então, protegido pela conveniente desculpa da “reportagem”, como se
estivesse envolvido por um Manto da Resistência,1 eu me inscrevi.
E comecei a gostar. Algumas semanas antes de Otherworld, um pacote
chegou pelo correio contendo o livro do jogador participante e uma carta
impressa em uma fonte pseudomedieval em papel pergaminho. Ela explicava
que eu interpretaria um mago de Keer, “uma ilha de médio porte no mar
Taliano... o mais divino e terrível em todo o reino”. A escritora, a duquesa
de Keer, explicou que a ilha estava sob ataque de um monstro marinho, um
leviatã que afundava navios, imune a qualquer ataque que levasse a sua
derrota. Eu deveria viajar para o continente, rumo à vila de World’s Edge
[Fim do Mundo], com o objetivo de localizar os lendários “Cavaleiros do
Círculo Dourado” e implorar ajuda.
Para fazer isso, segundo o manual, eu precisaria me reunir a outros cinco
participantes em um grupo de aventura; encararíamos uma série de desafios
que seriam resolvidos por meio de quebra-cabeças, interpretação de papéis
e, sim, combates com espadas de espuma. Com exceção de um pequeno
intervalo na noite de sexta-feira, nós habitaríamos um mundo de fantasia até
domingo à noite; por quase 48 horas, eu deixaria de ser o simples Dave para
virar uma “versão heroica” de mim mesmo. Em outras palavras: estaria
correndo pela floresta, vestido de mago e gritando “Relâmpago!
Relâmpago!”.
Enquanto minha autodepreciação crescia, eu criei meu personagem. Os
participantes de Otherworld não são ligados a um PC; eles confiam nos
próprios atributos e perícias, não nos números em uma planilha. Mas se
espera deles que se integrem à história e isso exige uma fantasia, um nome
falso e um pano de fundo para sua versão heroica.
Decidi que meu mago era um estudioso da magia, isolado e intelectual —
uma escolha claramente levada pelos meus mecanismos de defesa. Eu o
batizei de Dewey, em homenagem ao sistema de catalogação das bibliotecas
americanas. O fato de pensar que isso seria uma despojada ironia de alguém
que está pouco se lixando — em vez de prova definitiva de que eu já era um
dos maiores nerds do mundo — mostrava meu nível de negação.
Para a fantasia, eu usaria calças folgadas marrons e uma camisa social
azul-marinho, coberta por um manto negro esvoaçante. Por 200 dólares, o
item artesanal (encomendado em uma loja de fantasias especializada em
LARPs e encenações históricas) representava um nível de comprometimento
suficiente para mostrar que estava levando tudo a sério. Então, falei para
Kara e para alguns amigos, que sabiam para onde eu iria, que a compra era
um embuste, que me permitiria usar roupas normais por baixo.
(Secretamente, eu estava bastante fissurado: desafio qualquer cidadão
minimamente nerd a colocar um manto e não se imaginar como Gandalf,
Dumbledore e/ou Luke Skywalker.) Um caderno com capa de couro
completou o conjunto — meu “livro de magias” servindo como bloco de
reportagem.
Otherworld Adventure foi organizado naquele ano no primeiro fim de
semana de outubro no acampamento Windham-Tolland 4-H, em Pomfret,
Connecticut. É um lugar agradável nas colinas a cerca de 100 quilômetros de
Manhattan, umas três horas de viagem de carro — a menos que você seja
burro o suficiente para sair do trabalho na Quinta Avenida exatamente antes
da hora do rush, então elas viram seis horas. Quando finalmente cheguei, a
única luz no acampamento vinha de um alojamento de dois andares
construído em um morro de tal maneira que seu porão se abrisse como o de
um estacionamento.
Quando entrei, notei que era o último a chegar. Sete grupos de seis
pessoas empoleiradas em bancos de madeira se viraram, riram e me
aplaudiram. Sorri corajosamente, peguei o lugar mais próximo e tentei
conseguir 20 em minha jogada de Esconder.
Kristi Hayes, uma das fundadoras de Otherworld e atual escritora e
diretora, postou-se na frente da sala, dando as últimas instruções. Apenas
ladinos podiam desarmar armadilhas, ela nos avisou. Fiquem hidratados.
Não batam com as espadas nas cabeças das pessoas.
A variedade dos participantes foi minha primeira surpresa do fim de
semana. Quase metade era de mulheres e, enquanto jovens entre 20 e 30 anos
constituíam o maior grupo, havia um número decente de adultos fora desse
limite de idade.
Os seis aventureiros de Keer não eram exceção. Três deles, garotas de
Austin, Texas, foram para o Otherworld como parte de uma festa de
aniversário de 30 anos. Jen, a aniversariante, interpretaria nosso bardo,
Kinkaid. Ela usava grandes óculos hipsters, piercing no lábio e meia-calça
brilhante por baixo de um manto verde que ia até o joelho. Summer (uma
ladina chamada Pearl) lembrava Ally Sheedy de O Clube dos Cinco; sua
fantasia incluía uma jaqueta azul e dourada que parecia ter sido desenhada
por John Galliano para um show de moda para piratas, depois perdida no
aeroporto de Milão e redescoberta anos depois em um brechó no Texas. Ela
recebeu elogios o fim de semana inteiro. Elaine (uma ranger, Merrick) era
alta e magra e com um leve jeito de garoto — ou pelo menos esse era o
efeito causado pelo macacão e pela camisa de flanela que ela vestia como
fantasia. Charron era mulher também, porém mais velha, possivelmente
acima dos 60 anos. Ela era da área e, como eu, tinha um amigo na equipe de
Otherworld. Charron interpretava Willow, nosso clérigo. O último membro
do grupo era confortavelmente familiar: Phil, de Boston, um sujeito branco,
magro, nos seus 30 anos, quieto e meio nerd. Ele me falou que estaria
jogando com um paladino chamado “Sure, Swift Justice”, mas que
poderiámos chamá-lo de Justice [Justiça].
Havia um sexto membro do grupo: Chris, um veterano de seis anos da
equipe de Otherworld, que nos acompanharia no fim de semana. Uma
combinação de conselheiro e quebra-galho, um acompanhante tem a função
de manter seu time longe de quebrar coisas importantes — inclusive ossos,
regras e a narrativa. Chris cresceu em Long Island e me era familiar, talvez
porque preenchia os requisitos do arquétipo de alguém de Suffolk County:
um cara de classe média, fã de lacrosse ou remo, inevitavelmente descrito
como “um garoto do bem”. Ele era um pouco baixo, mas de compleição
atlética, bronzeado saudável e um corte de cabelo bem curto para esconder
onde estava ficando calvo.
O primeiro dever de Chris era nos liderar para fora em direção ao
treinamento de combate. Já que o objetivo definitivo de eventos como
Otherworld é a imersão na fantasia, esses jogos deixam os dados de lado em
favor do confronto físico — cuidadosamente mediado. As regras das
batalhas de live podem ser bastante complexas; já em Otherworld eles
gostam de deixar tudo simplificado. Cada personagem recebe um número de
“Danos Livres” (pontos de vida, basicamente) e cada vez que você era
tocado por uma espada perdia um ponto. Quando chegava a zero, uma
pancada em um membro significaria que você precisaria parar de usá-lo; um
acerto no torso o deixava inconsciente. Quando isso acontecia, você caía no
chão e contava silenciosamente até cinquenta; se ninguém chegasse para
ajudar antes do fim da contagem, você estava morto.
Como um mago, eu tinha apenas um dano livre, o que me tornava o
integrante mais fraco do grupo. Eu poderia ser atingido três vezes (1. em
qualquer lugar, 2. em algum membro e 3. em qualquer lugar) ou duas (1. em
qualquer lugar e, em seguida, 2. no torso) e estaria mortinho da silva.
Felizmente, como Ganubi demonstrou, a morte raramente é permanente nos
RPGs de fantasia. Em Otherworld, morrer significa virar um fantasma: basta
pegar um pedaço de lenço branco do bolso e colocar sobre a cabeça, como
um vilão de Scooby-Doo. Você não tem permissão para conversar ou
interagir fisicamente com as pessoas e deve ficar assim até ser ressuscitado
por um feitiço de clérigo ou poção mágica.
Um amigo da equipe entregou nossas “armas de espuma” — espadas de
90 cm construídas com um núcleo rígido, mas cobertas em toda sua extensão
por uma espuma negra. Elas são leves, fáceis de manejar e, quando você é
atingido por uma, dói tanto quanto um travesseiro na cara. Meus
companheiros ganharam essas espadas; como mago, recebi um punhal
idêntico, a não ser pelo tamanho: 30 cm mais curto que as espadas. Eu não
conseguia evitar: “Não é sobre o tamanho da espada, mas sobre como você a
usa”.
Nós, então, fomos colocados contra seis membros da equipe para um
breve treinamento prático. Não sou especialista em esgrima — meu
conhecimento não vai além do en garde e touché —, mas acredito que nossa
performance seria classificada como manger la merde. Luta de espadas é
complicada mesmo quando sua saúde não está em risco e fica incrivelmente
difícil em um combate grupal, com inimigos vindos de todos os lados.
Uma vez que estávamos treinados e equipados, Chris nos desejou boa
sorte e apontou para um homem em pé perto do canto do alojamento, onde
havia uma passagem para cima do morro cercando o prédio em direção à
entrada principal. “O Narrador irá acompanhá-los até a taverna”, disse ele.
“Eu os verei mais tarde.” Ele se virou e entrou de volta no porão.
Olhei de relance para Jen, esperando que alguém tomasse a iniciativa,
mas os olhos dela refletiram meu próprio pânico repentino. Eu esperava que
Chris amenizasse minha relação com eles, que fosse meu embaixador em
Otherworld e me permitisse manter uma distância emocional e intelectual.
Mas agora ele foi embora e os membros do meu grupo estavam tão pouco
comprometidos a entrar na fantasia quanto eu. Respirei fundo, joguei um
bem-sucedido dado para calcular a Vontade e caminhei em frente.
Felizmente, o Narrador não era uma figura imponente. Seu corpo
rechonchudo estava embalado em um blazer de tweed professoral, completo
com remendos de couro; na altura do pescoço, havia um cachecol amarelo.
Seu espesso cabelo marrom e encaracolado me lembrava Bilbo Bolseiro.
Ele segurava um livro de capa de couro à sua frente e, quando nos
aproximamos, ele olhou para baixo e começou a ler.
“Era uma vez, no reino de Lyria, seis viajantes que embarcaram em uma
expedição perigosa”, disse ele. “Pediram-lhes para que deixassem suas
casas e famílias e seguissem para World’s Edge, uma pequena vila situada
nas fronteiras distantes das terras civilizadas. Seria uma jornada arriscada,
eles sabiam, mas necessária rumo à sua terra natal, então apanharam suas
mochilas e começaram a jornada.
“Eles marcharam por dias e dias, não ousando ficar em nenhum lugar por
muito tempo. Cada vez que demoravam mais que o previsto, as chances de
completar a missão diminuíam e, embora não tenham conversado sobre isso
direito, somente o conhecimento do fato pesava em suas costas.”
Ele se virou e começou a nos levar pela trilha, ainda narrando o livro.
Deixamos a área de treinamento para trás e adentramos no desconhecido.
“Ao alcançar a fronteira de Moreth, o ducado mais ao oeste em Lyria,
todos os viajantes se olharam em regozijo. Moreth era tida como uma terra
de estranhas energias mágicas e fenômenos inexplicáveis tomavam conta do
lugar.
“O perigo que eles encontraram na primeira noite, contudo, não era de
origem mágica: enquanto o grupo dormia, o acampamento foi atacado por um
grupo de ladrões. Os viajantes escaparam, mas os bandidos fugiram com a
maioria das moedas que carregavam para a viagem.
“Ainda assim, o humor dos aventureiros melhorou quando alcançaram o
destino seguinte. O outono era agradável para uma caminhada, e o interior e
os bosques de Moreth eram lindos.”
No topo da colina, tudo que se via era a luz da lua e natureza. Um lago
surgiu à nossa direita, cintilante, tranquilo e intocável, mas com alguns
traços de névoa. Além dele, havia morros e florestas até o horizonte. Nada
de luzes ou carros, apenas umas sombras indistintas interrompiam o tapete
de árvores. Eram cabanas, provavelmente, mas poderia ser algo mais
estranho.
“A noite chegou sombria e silenciosa quando alcançaram seu destino.
Abaixo, ao longo da trilha de madeira, eles viram luzes brilhando em uma
construção.” À nossa esquerda, a estalagem havia sido transformada:
oscilantes luzes de velas saíam das janelas, assim como sons fracos de uma
taverna — um burburinho de vozes, copos brindando e fragmentos
indecifráveis de conversas. O Narrador parou na entrada.
“Eles finalmente alcançaram seu destino. Os seis viajantes andaram em
direção à porta e entraram na estalagem de World’s Edge.”
Eu me recordo desses últimos poucos passos rumo à taverna em detalhes.
Constrangido, nervoso e preocupado com o que viria a seguir, fui um alvo
fácil para os truques simples e a história hipnotizante do Narrador. Os outros
membros do meu grupo pareciam afetados de forma semelhante. Nós
empurramos a porta e entramos.
Eu tive um ótimo fim de semana, mas algo estava faltando. Quando o evento
terminou, no domingo, ouvi os outros participantes descrevendo a aventura
como “transformadora” e “a melhor coisa que fiz na vida” — e eu não
conseguia me identificar. Claro, foi divertida... Mas não profunda. Comecei
a me perguntar por que não dividia aquela experiência.
É possível que meus medos iniciais e preconceitos tenham evitado minha
total apreciação do jogo, apesar de eu duvidar disso. Tenho certeza de que
todo mundo começou nervoso, mas em pouco tempo todos nós estávamos
engajados. Em vez disso, acredito que as pessoas mais afetadas pela
experiência não tenham o contato frequente com a fantasia que eu tenho. Elas
podem ver Game of Thrones ou jogar World of Warcraft, mas isso é apenas
um exercício de observação, não de participação. A existência diária delas é
mundana: previsível e explicável. Vivemos em um mundo de trouxas e
apenas um punhado de nós tem a sorte de ter um vislumbre de Hogwarts.
Eu não sou um mago, mas, uma vez por semana, eu me sinto como um.
Jogos de interpretação de papéis me permitem experimentar o fantástico;
embora seja faz de conta, a catarse é real. Minha vida não está à espera de
magia — porque eu tinha Dungeons & Dragons.
Notas:
1. “Este traje oferece proteção mágica na forma de um bônus de resistência entre +1 e +5 em todos os
testes de resistência (Fortitude, Reflexos e Vontade).” Livro do mestre, p. 258.
2. “Os lich são conjuradores mortos-vivos, quase sempre magos ou feiticeiros, mas algumas vezes
clérigos ou outros conjuradores, que utilizaram seus poderes mágicos para estender suas vidas de
forma sobrenatural.” Livro dos monstros, p. 182
14
D&D NEXT
A
lgumas semanas depois de Otherworld, eu arrumei meus dados e parti
para uma nova aventura. Fiquei doente e não estava pronto para viajar
— pelo que sabia, eu era o paciente zero em uma grande epidemia de
capitão viajante1, de O enigma de Andrômeda ou mesmo de sarapintose.2
Mas recebi uma oferta que não poderia recusar havia alguns dias.
“A Wizards of the Coast gostaria de convidá-lo à nossa sede em Renton,
Washington, para fazer parte de um encontro exclusivo de Dungeons &
Dragons. Como um de nossos parceiros confiáveis na imprensa e um
respeitado membro da comunidade de D&D, você foi escolhido para
participar desta reunião particular onde anunciaremos algumas notícias
animadoras.”
Os jornalistas recebem esse tipo de oferta o tempo todo. As empresas
tentam ganhar nosso interesse em cobrir novos produtos usando palavras
como “exclusivas” e “animadoras”, e nos bajulando ao dizer que somos
“respeitados”. É como uma feira: o gerente de marketing gritando e o
repórter servindo de alvo. Gosto de pensar em mim, pelo menos
profissionalmente, como um infeliz cínico da velha guarda. Então, apago
todas as súplicas e pouco penso nelas.
Mas essa me impactou. As pessoas que fazem D&D acham que sou um
respeitado membro da sua comunidade? Ler isso me fez derreter; foi como
Jesus, Krishna ou Delleb3 descendo do céu para falar: “Ei, cara, você é bem
bacana.”
Você acha que eu gostaria de viajar metade do país no meu estado de
exaustão e doente, sentar em uma sala de reuniões e observar pessoas
fazendo uma apresentação no PowerPoint? Se essas pessoas são as mesmas
que fazem D&D, claro que sim. E eu tinha uma suspeita de que as “notícias
animadoras” poderiam ser uma nova edição de Dungeons & Dragons, então
esqueça a gripe: pela chance de ser um dos primeiros seres humanos a ver o
D&D 5.0, eu lutaria contra um bugbear4 com uma funda feita com um elástico
tirado da minha cueca.
John tinha uma pilha de equipamentos com ele na mesa — uma respeitável
quantidade de acessórios de jogo, incluindo uma gaveta de madeira cheia de
dados, miniaturas e um saco que suspeito conter uma matriz de combate e
canetas hidrográficas. Ele interrompeu a ação para perguntar se aquilo seria
necessário.
— Teremos vários encontros em que talvez precisemos lutar — falou
Willi. — Em alguns dos mais simples, eu farei o ‘teatro da mente’.
Descreverei as coisas e vocês me dirão o que estão fazendo. Só nos
importaremos com as distâncias exatas ou coisas similares se for realmente
necessário. Se começarmos a fazer algo complicado de verdade, usaremos a
matriz de combate, mas, por boa parte do jogo, não precisaremos nos
preocupar tanto com os detalhes; vamos apenas entrar na história do que
estamos fazendo.
As bestas imundas podem não ter fibra moral, mas não podemos
falar o mesmo de sua coragem. O maior dos dois largou o arco,
ergueu a clava e atacou — direto na espada de Nordik.
Apenas um inimigo restava em pé. Eu, Nordik e Fargrim o
cercamos e ele rosnou e mostrou os dentes. Com um olhar gélido,
apontei minha lâmina para seu peito. “Renda-se, servo do mal”,
ordenei. “Ou encare a justiça final.”
O hobglobin largou sua clava no chão.
Notas:
1. Doença do livro pós-apocalíptico A dança da morte, de Stephen King. (N. do T.)
2. Doença imaginária dos livros da saga Harry Potter. (N. do T.)
3. “Divindade Menor (Leal e Bom): Delleb, um velho segurando um livro branco, preocupa-se com a
acumulação de conhecimento por escrito. Seus clérigos são capazes de citar livros e mais livros de
escrituras, mas as bibliotecas em seus templos abrigam livros sobre todos os assuntos, não apenas
religião.” O livro completo do divino, p. 122.
4. “Este humanoide selvagem e musculoso tem 2,1 m de altura. A maior parte de seu corpo é recoberta
de pelos ásperos. Sua boca é repleta de presas compridas e afiadas, e seu nariz se parece com o
focinho de um urso. Os bugbears são os maiores e mais fortes goblinoides que existem, e também os
mais agressivos.” Livro dos monstros, p. 38.
5. “O personagem cria uma esfera imóvel, opaca e de qualquer cor que desejar em volta de si mesmo...
A esfera pode resistir a qualquer vento de intensidade menor que um furacão (112+ km/h)...
Projéteis, armas e a maioria dos efeitos mágicos podem atravessar em ambos os sentidos sem afetar
a esfera.” Livro do jogador, p. 229.
6. Embora a versão atual de D&D seja chamada de “4.0”, existiram outras grandes revisões: Original,
Básica, Avançada, Segunda Edição Avançada, 3.0, 3.5, 4.0.
7. Um campo usado pelas civilizações pré-colombianas para esportes e rituais. (N. do T.)
8. “Uma criatura corpulenta com pele amarelada [que] usa uma armadura negra de couro cravejada.
Ela está armada com uma pequena espada e um arco. Quando ataca, um cheiro de enxofre emana
de seu corpo e o som débil dos dados rolando podem ser ouvidos.” Livro dos monstros 4.0, p. 190.
9. “Tabela 3–10: Portas”. Livro do mestre, p. 61.
15
A BALADA DE MARV & HARRY
N
a minha última noite na D&D Experience, peguei um ingresso para
jogar outra partida — um velho suplemento de AD&D chamado
Dwellers of the Forbidden City. É um jogo de torneio, apresentado pela
primeira vez em 1980, na Origins Game Fair; o autor, Zeb Cook, foi
contratado pela TSR em parte por causa da força da aventura. O módulo
final, publicado em 1981, é considerado um clássico.
Eu pulei a experiência. Em vez disso, ataquei a máquina de lanches do
centro de convenções e estoquei refrigerantes e doces. Voltei para o quarto
do hotel, desabei no sofá e tirei tudo que estava em cima da mesinha de
centro. Então peguei duas lapiseiras, um marcador de textos e um caderno de
desenho com capa de couro que carregava comigo havia meses.
Alonguei as costas, pulei algumas páginas e desenhei um mapa: um vale
profundo, uma floresta e uma torre no fim da fila de árvores. Ela seria a casa
de Mad Marv, um poderoso mago que serviria de antagonista para uma nova
campanha de D&D — minha campanha de D&D, aquela que eu armaria para
meus amigos usando as regras da quinta edição. Minha primeira campanha,
minha primeira tentativa séria como Mestre, o ápice da minha arte. Havia
chegado a hora. Eu estava pronto.
Virei a página e escrevi “MAPA DA TORRE” no topo e “PRIMEIRO
ANDAR” na parte de baixo. A tentativa de desenhar um círculo com apenas
uma das mãos falhou miseravelmente, então pulei do sofá do hotel e procurei
por algo que pudesse ajudar a traçar os desenhos. Uma xícara de plástico
(muito pequena) e uma lata vazia de Pringles sabor sal e vinagre (muito
grande) não serviram ao meu propósito, mas o copo d’água que ficava no
banheiro era do tamanho certo: precisamente 17 quadrados de tamanho ou,
numa proporção de 2,5 cm, uma torre com 25 metros de diâmetro.
Com as paredes externas no lugar, apaguei um pequeno pedaço na parte
de baixo do círculo e o fechei com uma linha horizontal que tomava três
quadrados. Apaguei o meio da linha e desenhei um retângulo para, então,
dividi-lo com uma linha — um código de mapas para portas duplas, cada
uma com 2 metros de largura.
O primeiro andar precisaria ser majestoso. Qualquer um que entrasse
saberia que estava encarando alguém poderoso, não apenas uma pessoa
qualquer. Então desenhei uma linha horizontal grossa através do mapa, um
pouco acima do centro, criando um grande salão de 12 metros de
profundidade. Outra linha ondulada um pouco abaixo indicava uma tapeçaria
— talvez isso retrate alguma cena alegórica, uma maneira de recompensar os
aventureiros mais observadores com informações sobre os perigos adiante.
Nos dois lados da tapeçaria, desenhei um círculo com uma estrela dentro, o
símbolo de uma estátua. Talvez tenham sido “hóspedes” anteriores,
transformados em pedra pelo mago insano.
Atrás das paredes, desenhei uma pequena guarita (2 × 3 quadrados) e um
depósito com uma porta trancada. Dentro dele, um retângulo com a letra C,
para indicar um baú fechado: talvez um tesouro... ou, melhor ainda, uma
armadilha. Uma caixa cheia de dardos envenenados preparados para espetar
um ladrão descuidado.
Degraus levam para o segundo andar: uma área de descanso, com sofás e
mesas; um pequeno gabinete; e algumas passagens secretas para que os
servos pudessem andar sem serem notados. No terceiro andar, os quartos de
hóspedes e cozinhas. Eu hesitei, preocupado em colocar as cozinhas no
andar superior, mas as deixei ali.
O quarto andar começou com mais quartos, mas tive uma ideia. Marv
construiu essa torre quando ainda era normal — claro, ele pretendia
hospedar convidados e viver como um nobre, mas quanto mais seu poder
aumentava mais isolado ficava da sociedade e obcecado por seus estudos.
Imaginei andares consecutivos de móveis caros desarrumados em pilhas
ameaçadoras para dar lugar a seus incompreensíveis experimentos.
Que tal um grande experimento? E se Marv ficou obcecado por
astronomia e, em um determinado momento, saiu pela torre abrindo buracos
em cada andar com um machado, criando um espaço onde poderia pendurar
um pêndulo de Foucault, um aparato que demonstra a rotação da Terra?
Eu folheei o caderno e cuidadosamente apaguei o mesmo espaço em cada
andar da torre. Entrei na internet, estudei o projeto de Foucault e calculei
quanto espaço um pêndulo exigiria para balançar livremente se pendurado
em um cabo de 25 metros.1 Então, em cada nível do mapa, desenhei um
buraco grande o suficiente para caber o giro do pêndulo: 4,5 metros no
segundo andar, 3,9 no terceiro e assim por diante.
Quem não é nerd pode achar confusa essa atenção dada aos mínimos
detalhes. Calcular a geometria correta de uma estrutura decorativa
dificilmente afetará o divertimento dos jogadores, então para que se
incomodar com isso?
Eu quis deixar o pêndulo certinho pelas mesmas razões que jogo D&D. O
movimento primal do cérebro nerd é a necessidade de entender como as
coisas funcionam. Meus neurotransmissores reguladores de humor ficam
satisfeitos quando acho uma maneira de colocar ordem no caos.
Bioquimicamente, não é diferente do prazer que um jogador tem ao converter
lances livres no basquete.
Toda regra, todo gráfico e toda estatística nerd em um livro de regras
alimenta esse impulso. Todos esses detalhes nos permitem dissecar a
existência, olhar em cada parte dela, entender como ela funciona e reagrupá-
la. Algumas pessoas aliviam o stress ficando bêbadas ou perdendo o
controle; os nerds acham conforto em assumir o controle e criando
estruturas. A lógica é como um cobertor quente.
Essa também é a razão pela qual comecei a projetar um mundo pelos
mapas, em vez de escrever uma história. A maioria das pessoas se
preocuparia com a trama antes de imaginar onde o vilão devora o jantar.
Mas acho a estrutura dos corredores e salas inspiradora, assim como
tranquilizadora. As partes falam sobre o todo: ao criar o mundo físico de
Marv, ilumino sua personalidade e, assim, ele impulsiona a história. Isso já
me entregou um importante detalhe. Mesmo na loucura, Marv é o tipo de cara
que se lembra de multiplicar o comprimento do cabo do pêndulo pela
tangente do seu ângulo máximo antes de meter o machado no chão. Seu
intelecto será um perigo.
Eu vou em frente com o design da campanha dessa maneira — como se
estivesse pintando uma paisagem começando pelas folhas e deixando para
desenhar as árvores e o céu depois. O sexto andar da torre de Marv era uma
biblioteca. Anotei alguns nomes de livros, no caso de algum jogador olhar
de perto — Principia Mathemágica, A Viagem de Bullywug, Goblins na
Névoa — e deixei uma anotação para me lembrar de criar outros mais tarde.
O sétimo andar virou um laboratório de alquimia e o oitavo ganhou uma
oficina de ferreiro — não, uma oficina mecânica. Por que não transformar
Marv em inventor? Além de ser um mago, ele é um engenheiro talentoso,
combinando aparelhos movidos a vapor com itens mágicos. Os intrusos vão
encarar engrenagens como guardiões e armadilhas bem mais complexas que
poços cheios de lanças no fundo. Eu também poderia povoar a torre com um
bocado de invenções... Que tal uma Esfera da Aniquilação (como aquela que
Graeme encontrou na Tomb of Horrors?) dentro de uma caixa de madeira
com um buraco nela? Conveniente como D&D!
No nono e último andar, desenhei um telescópio gigante. Combina com o
pêndulo e gostei da imagem da torre com uma redoma de observatório no
topo. Isso também sugeria algo sobre as motivações de Marv. Talvez ele
fosse obcecado por astronomia porque procurasse por algo — um sinal dos
deuses ou uma antiga fonte de poder?
Antes de responder a isso, eu precisava compreender o mundo em que
Marv vivia. Seria uma campanha tradicional de D&D baseada em Greyhawk
ou um cenário caseiro, como a Terra pós-apocalíptica de Morgan? Situe seu
jogo no mundo de Gygax e você poderá beber de décadas de trabalho dos
projetistas mais talentosos do D&D. Se escolher o lado artesanal, você
estará sozinho — mas sem limites ou preconceitos.
Não foi uma escolha difícil. Sentado no sofá do hotel em Fort Wayne,
Indiana, entendi que um ano de jogos, estudos e pensamentos incessantes
sobre D&D não saíram do meu organismo, como eu planejava — em vez
disso, meu desejo de mergulhar na fantasia se intensificou, e eu queria
construir e moldar. Depois de 25 anos gastos vagando pelos cenários de
outras pessoas, chegou a vez de explorar o meu próprio mundo.
Eu virei uma página em branco no caderno.
Marv e Harry fornecerão estrutura suficiente para manter meu jogo fluindo
— cada vez que sentarmos na cadeira, terei uma boa ideia do que vai
acontecer, então posso planejar adiante e me preparar. Isso vai exigir mais
trabalho de preparação, mas tornará mais fácil a tarefa de fazer o jogo ter
ritmo.
Além disso, acho que criei uma trama que permitirá grande liberdade e
crescente improvisação ao longo da partida. O que Marv e Harry
descobriram dentro da Fratura é que a cratera Kigeni foi criada por algo que
caiu do céu — não um deus, mas uma espaçonave. Ardhi não existe em uma
realidade alternativa; é um planeta de nosso universo e o jogo toma forma
milhares de anos no nosso futuro. Um futuro distante em uma galáxia muito,
muito distante.
Depois de os terráqueos pisarem em sua lua, eles hesitaram. Os humanos
não voltaram para colonizar Luna até seis anos se passarem. Mas dali em
diante, moveram-se rapidamente. No despontar do século XXII, o Homo
sapiens vivia em Marte, Vênus e nas luas Titã e Europa... e começou a olhar
para outras estrelas.
Notas:
1. Multiplicando a altura do pêndulo pela tangente do ângulo do balanço máximo, claro.
2. Admito que é também similar a um episódio de Star Trek: A nova geração chamado “The royale”,
no qual a tripulação da Enterprise descobre um cassino no meio do espaço, fielmente reconstruído
por alienígenas com base em um livro que encontraram em uma nave humana.
16
PEREGRINAÇÃO
Q
uando estudei antropologia na universidade, desenvolvi uma pequena
obsessão por cerimônias funerárias, os rituais que permitem aos vivos
celebrar e dizer adeus aos mortos. Elas eram uma constante na sociedade
humana, presente em todas as culturas desde o nascimento do Homo sapiens,
algo compartilhado por toda pessoa que já viveu.
Apesar de sua onipresença, os rituais funerários variam drasticamente
entre as culturas. Os hindus praticam a cremação; o Islã a proíbe. Judeus
praticam o shivá; os católicos irlandeses dividem uísque nos velórios.
Alguns budistas tibetanos praticam o jhator, ou “sepultamento no ar”, em
que um corpo é deixado no topo de uma montanha para ser devorado pelas
aves. Outros guardam a carne para si mesmos — até recentemente, a tribo
fore, na Papua-Nova Guiné, comia os miolos de seus amados falecidos.
Quando Gary Gygax morreu, em 2008, os jogadores desenvolveram seu
próprio ritual. Nas horas seguintes ao funeral de Gygax, seus amigos e
família foram para a American Legion Hall, na Henry Street, em Lake
Geneva, para uma sessão improvisada de jogo. Quatro décadas de
projetistas e jogadores de D&D se reuniram em volta de mesas para lançar
dados e contar histórias. Depois, alguns poucos se referiam ao evento como
“Gary Con”.
Um ano depois, os filhos de Gary transformaram o nome de forma oficial.
A Gary Con I (a sessão após o funeral de Gygax ficou conhecida como
“Gary Con 0”) aconteceu no fim de março de 2012, no salão do Geneva
Ridge, um resort em Lake Geneva. Agora é um evento pago, pois precisa
suportar seu tamanho: quinhentas pessoas jogando mais de duzentos jogos
por quatro dias, de D&D a Star Frontiers, de Shadowrun a Call of Cthulhu.
Claro que eu precisava ir lá. Estava tão empolgado com a chance de
jogar D&D em Lake Geneva que reservei um quarto de hotel seis meses
antes — mas com a proximidade da data, a Gary Con virou mais do que
apenas diversão e jogos para mim. Meu mergulho nas profundezas do D&D
deu à viagem uma significância quase religiosa: comecei a pensar nela como
minha versão da hajj, a peregrinação islâmica para Meca. Uma
demonstração de fé; uma chance de procurar sabedoria; um tempo para
mostrar a união com meus irmãos.
O bardo tem caminhado por várias luas e por muitos reinos. Sua
bolsa pesava nas costas e seus pés doíam, mas ele persistiu. Não
havia muito mais caminho pela frente.
Enquanto andava, ele pensava no que havia deixado para trás.
Foi criado em uma vila próxima a uma grande cidade. Seus pais o
amaram e trabalharam duro para que ele não precisasse de nada.
Quando saiu da adolescência, estudou em uma academia e aprendeu
com grandes mestres. Eles trabalharam duro para que não
precisasse de nada. Ele fez um nome para si, encontrou o sucesso e
uma mulher. Ela era adorável e trabalhou duro para que não
precisasse de nada.
Então, certo dia, assim como todos os homens, ele se encontrou
precisando de algo. Queria a coisa que lhe foi sempre negada:
perigo, risco e aventuras.
Mas o bardo não era um guerreiro. Então, deixou sua terra natal
e peregrinou de cidade em cidade, colecionando histórias de
grandes heróis da Antiguidade. A cada conto, ele ficava mais forte,
pois aprendia algo sobre seus triunfos e fracassos. Foi uma longa
jornada e ele estava perto de iniciar sua aventura. Mas não ainda.
O bardo interrompeu seu devaneio e parou na estrada. Ajustou
sua bolsa e bateu sua bota contra uma pedra, sacudindo a poeira de
quilômetros. Ele levantou uma das mãos para proteger seus olhos do
sol e observou a distância.
Adiante, podia ver a cidade dos deuses, o lugar onde o mundo
nasceu. Dentro de seus muros, o bardo podia procurar os velhos
anciões e aprender com sua sabedoria. Só assim ele estaria
preparado para qualquer aventura que houvesse no futuro.
David, o bardo andarilho, membro da tribo Jor-na-lizta, escrivão
na corte de lorde Forbes, arrumou a bolsa nas costas e entrou na
cidade sagrada.
Todo herói precisa de uma jornada e todo reino possui uma. Uma
princesa raptada, um tesouro perdido, talvez um dragão
aterrorizando os camponeses. David estava certo de que o príncipe
lhe daria algum propósito e concederia os poderes necessários para
fazer justiça ao rei.
Ele chegou ao palácio cedo, ansioso para começar uma grande
aventura. Mas ele não a encontrou. “Tu desejas ser um herói”, disse
o príncipe. “Mas não posso te dizer aonde deves ir. Não acharás
fortuna e glória seguindo os passos de outros que por lá já andaram.
“Conhece-te a ti mesmo e acharás o próprio caminho.”
David agradeceu ao príncipe e deixou o castelo.
Depois do jogo, peguei meu carro alugado e dirigi para o centro de Lake
Geneva. Durante o verão, a cidade balneária fica inundada de turistas. Na
terceira semana de março ela estava meio vazia, somente com um punhado
de locais nas calçadas, andando calmamente e aproveitando o estranho clima
quente.
Estacionei na rua próxima à biblioteca pública, um prédio quadrado no
lado norte de Lake Geneva. Os fundos da biblioteca dão para o lago, uma
grande janela tem a visão de um pequeno parque. Segui uma trilha que
passava pelo prédio até as margens por uns 800 metros. É uma caminhada
agradável — a grama espessa do parque invade um lado da trilha e o lago,
plácido, fica a poucos passos do outro.
Na metade do caminho, sentei em um banco e observei a água. Havia dois
homens pescando em um barquinho a remo a algumas centenas de metros da
margem, mas eu só conseguia enxergar a silhueta contra a água ondulante.
Pássaros piavam e cantavam nas árvores. Um casal de idosos passou por
mim, de mãos dadas, conversando tranquilamente.
Algum dia no futuro, o parque da biblioteca será casa do Memorial Gary
Gygax. A viúva do criador, Gail, tem trabalhado em um projeto há vários
anos. Ela espera que seja erguida uma estátua aqui, talvez um busto de Gary
rodeado por ferramentas de seu trabalho: um castelo, um dragão e alguns
dados poliédricos.
A prefeitura da cidade tentou aprovar a localização, mas serão
necessários anos de planejamento, licenças e aprovações antes de o
memorial virar realidade. E há a questão do financiamento — embora haja
uma grande base de fãs de Gary, ou seja, isso não deverá ser um problema. E
a Wizards of the Coast já prometeu doar os lucros de uma reimpressão
especial do livro de regras original de AD&D.
Depois de um tempo, saí do parque e fui ao Riviera, um salão de
banquetes construído em 1932, quando Lake Geneva era um destino festeiro
para os ricos e famosos de Chicago. Em frente ao velho prédio, há uma fonte
cercada por uma trilha de memorial — uma dessas coisas que as famílias e
os negociantes locais doam para ter pequenos dizeres ou seus nomes
gravados em tijolos incrustados no pavimento por toda parte. Existe um com
a inscrição “Ao melhor marido do mundo”, outra para “A Família
Birkenheier” e até uma com o logotipo de um banco local.
Perto da base da fonte, em frente às portas do Riviera, há uma grande laje
com um dragão dormindo no topo de um dado de 20 lados esculpido nela.
“Em memória de E. Gary Gygax”, diz a homenagem. “Criador de Dungeons
& Dragons. Doado por sua família, amigos e fãs.”
Fiquei em pé ali por um tempo, pensando. Então caminhei um pouco mais
pelas margens e dobrei à esquerda, na Center Street, me distanciando do
lago e subindo rumo à cidade. Quatro quarteirões depois, na esquina da
Wisconsin Street, fica a casa em que Gary vivia quando criou Dungeons &
Dragons. É uma pequena casa branca com teto cinza, afastada da rua, atrás
de um pequeno jardim. Como era março, nada estava florescendo. Mas havia
uma pequena placa na sujeira, descansando contra uma parede de pedras:
“Se lágrimas pudessem construir uma escada e memórias pavimentassem
uma estrada, eu andaria direto para o paraíso para trazer você de volta para
casa.”
Parei na esquina imaginando Gary sentado na varanda, fumando um
charuto e pensando sobre magos. Então, atravessei a rua e caminhei mais
alguns quarteirões rumo à Sage Street.
A casa de Don Kaye foi onde a TSR começou. Ela não está mais lá,
demolida para dar espaço a uma escola primária. Quando passei, vi um pai e
uma mãe levando seus filhos para a escola, para algum evento fora do
horário das aulas. O pai vestia um smoking e ria com sua patetice, mas então
lembrei-me que estou usando uma camiseta com a estampa dos Caça-
Fantasmas perseguindo os fantasmas de Pac-Man, Inky, Blinky, Pinky e
Clyde.
Mantive minha caminhada. Uma senhora acenou para mim quando passei
em frente a sua casa, na Marshall Street. Um pouco depois, parei para
ponderar sobre uma casa na esquina de Williams Street — o lugar original
da loja de jogos Dungeon. Agora é a casa de alguém, vagamente cinza e
pálida. Fica ao lado de uma lavanderia e, do lado oposto, há um Pizza Hut e
um posto de gasolina.
Entrei na Williams Street e voltei para o centro, na direção da última
parada da minha peregrinação. Quanto mais perto do lago, eu via menos
casas e mais lojas e, então, nos últimos quarteirões antes da Main Street,
nada havia além de um espaço comercial — uma creperia, um antiquário e
várias lojas com toalhas de praia e bronzeadores nas vitrines, esperando
pelo verão e pelas hordas de estranhos.
Minha parada final era na esquina da Main Street com a Broad. O prédio
atualmente chama-se Landmark Center, mas, em 1873, ele era o Hotel Clair.
Cem anos mais tarde, tornou-se a sede da TSR — o frágil e velho prédio
onde o AD&D e a Caixa Vermelha nasceram.
Hoje, os residentes do Landmark Center incluem um joalheiro, um banco
e um escritório de arquitetura. O estabelecimento principal — durante uma
época a segunda casa da Dungeon — é uma loja de doces chamada Kilwin’s
Chocolates. Um letreiro do lado de fora promete “Sorvetes Caseiros e
Caldas de Chocolate de Mackinac Island”.
Eu entrei. Recendia a caramelo, um aroma doce e queimado. Balcões de
padaria envidraçados mostravam caldas fresquinhas e doces. Algumas
estantes continham caixas de presentes de guloseimas. Peguei uma caixa de
cerejas achocolatadas — minhas favoritas — e uma seleção de trufas para
Kara.
Havia duas adolescentes atrás do balcão, nenhuma com mais de 16 anos.
Uma delas ficou com minhas compras, então casualmente fiz uma pergunta.
— Você conhece a história deste prédio?
Ela olhou para mim, um pouco surpresa, mas amigável.
— Não, acho que não.
— Costumava ser uma loja de jogos.
No canto, uma mulher mais velha limpava a mesa de mármore usada para
resfriar a calda de chocolate. Ela parou o que estava fazendo e caminhou na
direção da caixa registradora.
— Ah, sim. Eu sei disso — falou. Ela apontou para o teto. — Lá em
cima, Dungeons & Dragons.
— Sim. Seus escritórios eram lá em cima, nos anos 1980.
— Eu sei que eram lá, mas não sei de mais nada.
— Há quanto tempo esta loja de doces funciona aqui?
— Ah, faz dezesseis anos. Eu apenas trabalho aqui, não sei muito.
A jovem pescou meu troco de uma gaveta. Eu peguei as moedas e me
virei para a mulher.
— Obrigado — disse. — Era só uma curiosidade.
— O prédio tem uma longa história, não sei o quê. Mas se estas paredes
pudessem falar, sabe... — Ela saiu sorrindo. Sorri de volta.
Havia um banco fora da loja. Eu me sentei e observei o trânsito. Um
casal passou por mim, provavelmente a caminho do jantar. Uma senhora
cruzou cambaleante com um andador, seguida por seu cão minúsculo. Um
garoto com tênis do Homem-Aranha pedalou com a bicicleta na calçada.
Nenhum deles sequer lançou o olhar na direção do velho prédio de tijolos, o
lugar onde aventuras infinitas foram criadas.
Abri o pacote da loja de doces e comi uma cereja achocolatada. Estava
fantástica.
Notas:
1. “Elfos têm facilidade de localizar portas secretas (que são construídas para não serem notadas) e
portas ocultas (que são escondidas por uma tela, cortina ou algo parecido). O simples ato de passar
por uma porta oculta a uma distância de até 3 metros dá ao personagem elfo uma chance em seis de
percebê-la (jogue um com 1d6). Se procurar intencionalmente por uma porta secreta, o elfo terá uma
chance em três (jogue um ou dois com 1d6) de encontrá-la e de uma em dois de descobrir uma porta
oculta (jogue um, dois ou três com 1d6).” Advanced Dungeons & Dragons, p. 29.
2. Referência a um comercial de biscoito que mistura as duas iguarias mais amadas pelos americanos.
(N. do T.)
3. Incluindo escreverem seu nome errado no manual de Dungeon! “Acredito que por eles terem um
‘Gary’ na sala o tempo todo acabaram cortando um ‘R’. Consertarão na próxima edição’”, disse
Megarry. Quando as primeiras 3 mil cópias se esgotaram, a TSR — sabendo que tinha cortado um
‘R’ de Megarry — corrigiu o erro da primeira edição, mas adicionou um segundo “G”. “David
Meggarry” teve de falar para seus editores que erraram seu nome novamente. “Tim Kask estava
abatido”, disse ele.
BIBLIOGRAFIA E NOTAS
C
omo um Beholder, meus olhos são maiores que o estômago. Enquanto
pesquisava para este livro, consumi muito mais informação do que
possivelmente poderia publicar no produto final — livros, artigos de jornais
e revistas, sites, palestras, seminários e podcasts, passando por mais de uma
centena de entrevistas exclusivas com projetistas (antigos e novos) de D&D,
empresários e jogadores.
Mas, graças à internet, a história de Dungeons & Dragons não precisa
terminar aqui. Para aprender mais sobre o jogo — em particular sobre os
anos de Lorraine Williams e da Wizards of the Coast, que receberam,
infelizmente, um pequeno espaço nestas páginas —, por favor, visitem
www.ofdiceandmen.com.
Recomendo que os leitores interessados em um mergulho mais profundo
na história dos jogos de estratégia (ou war games) e role-playing games
também leiam Playing at the World, de Jon Peterson. Listo a seguir outros
livros merecedores de atenção:
2. Pequenas guerras
3. Grognards
1. Isaacson, Walter. Steve Jobs. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
5. Firmeza de caráter
6. O Templo do Sapo
7. O rompimento da sociedade
1. “D&D Relationships: The Parts and the Whole”, The Dragon, n. 8, maio
de 1978.
2. Idem.
3. “View From the Telescope Wondering Which End is Which”, The Dragon
2, n. 5, dezembro de 1977.
4. Arneson, David. The First Fantasy Campaign. Judges Guild, 1977.
5. Idem.
6. Jon Peterson, Playing at the World. Unreason Press, 2012, p. 582.
7. Gygax, Gary. Livro dos monstros de Advanced Dungeons & Dragons, 2ª
ed. São Paulo: Editora Abril, 1995.
8. Idem.
9. Idem.
10. Idem.
11. Idem.
12. “View From the Telescope Wondering Which End is Which”, The
Dragon 2, n. 5, dezembro de 1977.
13. “The Influence of J. R. R. Tolkien on the D&D and AD&D Games”, The
Dragon 9, n. 95, março de 1985.
14. Idem.
15. Gygax, Gary. Steading of the Hill Giant Chief. TSR, 1978.
16. Gygax, Gary. Livro do jogador de Advanced Dungeons & Dragons.
Editora Abril, 1995.
17. Col_Pladoh (Gary Gygax), “Gary Gygax Q&A Part VIII”, fórum de
mensagens da EN World, comentário #359, 22 de março de 2005,
http://www.enworld.org/forum/archive-threads/121380-gary-gygax-q-
part-viii-36.html.
Link: http://www.enworld.org/forum/archive-threads/121380-gary-gygax-
q-part-viii-36.html
18. Fine, Gary Alan. Shared Fantasy: Role-Playing Games as Social
Worlds. The University of Chicago Press, 1983, p. 27.
19. Liam Lacey, “Dungeons and Dragons: An underground game is ready to
surface”, The Globe and Mail, 29 de novembro de 1978.
20. Idem.
21. Don Turnbull, “Open Box”, White Dwarf 16 (dezembro de 1979/janeiro
de 1980), 15.
22. Timothy J. Kask, “Dragon Rumbles”, The Dragon 4, n. 9, março de
1980.
23. Gary Gygax, “What’s Ahead for TSR?”, The Dragon 4, n. 9, março de
1980.
24. Memorando do requerente, Arneson vs. Gygax, 473 F. Supl. 759 (D.
Minn. 1979), maio de 1979.
25. Gary Gygax, “D&D, AD&D and Gaming”, The Dragon 3, n. 12, junho de
1979.
26. Arneson vs. TSR Hobbies, Inc., US Dist. LEXIS 21340 (D. Minn. 1985),
27 de março de 1985.
27. Allen Rausch, “Dave Arneson Interview”, GameSpy, 19 de agosto de
2004, http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html.
Link: http://pc.gamespy.com/articles/540/540395p1.html
P
ara aprender a história de Dungeons & Dragons, eu entrevistei centenas
de projetistas, jogadores e executivos que transformaram o jogo no que
ele é hoje. Eles cederam um valioso tempo para compartilhar suas memórias
e sou grato a todos.
Em primeiro lugar, obrigado aos parceiros de minha noite semanal de
jogatina: Alex Agius, Brandon Bryant, R. C. Robbins, Phillip Gerba e
Morgan Harris-Warrick. São bons amigos e sou grato pelo tempo que
dividiram comigo. Eles são, em todos os sentidos, os coatores das seções do
Mundo Vampírico neste livro. Caminhamos juntos com essas tramas, então
tenho a sorte de serem tão espertos. Meus velhos companheiros de jogo
também merecem reconhecimento, particularmente Mike Bagnulo, Ray
Cuadro e Everett Meyer.
Agradecimentos especiais para Peter Adkison, Tavis Allison, Rich
Burlew, Monte Cook, Cory Doctorow, Jeff Gomez, Eric Hautemont, Kristi
Hayes, Jerry Holkins, Mike Krahulik, Mary Kirchoff, Ian Livingstone, James
Lowder, David Megarry, Frank Mentzer, Michael Mornard, R. A. Salvatore,
Lorraine Williams, Skip Williams e Tracy Hickman. E agradeço a todos na
Wizards of the Coast, incluindo Greg Leeds, Jerome Lalin, Shelly
Mazzanoble, Mike Mearls, Chris Perkins, Liz Schuh, Rodney Thompson,
Laura Tommervik e especialmente Marcella Kallmann e Tolena Thorburn.
Completar este projeto seria impossível sem o apoio e paciência dos
meus editores na Forbes, em particular Randall Lane, Bruce Upbin e Eric
Savitz. Sou grato principalmente a Lewis DVorkin, que me deu a
oportunidade extraordinária de trabalhar na indústria de jogos enquanto
escrevia o livro. Tenho a sorte de me beneficiar de sua dedicação ao
jornalismo empreendedor.
Obrigado a todas as pessoas que me ajudaram a começar este projeto.
Jessica Stockton Bagnulo, grande amiga e a melhor vendedora de livros do
mundo, que primeiro me apresentou a uma editora. Elisabeth Eaves e
Michael Noer deram conselhos e notas valiosas nas minhas primeiras
tentativas de escrever os capítulos. Meu agente, Chris Parris-Lamb, ajudou a
cozinhar uma ideia meio crua e algo de valor, e reconheço seus conselhos,
inteligência e trabalho duro. Amelia Mularz fez um trabalho brilhante ao
checar os fatos do manuscrito final e John Sellers leu e forneceu ótimos
conselhos.
Agradeço a todos na Scribner, em especial Susan Moldow e Nan
Graham, por correr os riscos desta ideia estranha e mostrar paciência
durante sua produção. Eu também gostaria de lhes dizer que não importa o
quanto estejam pagando para meu editor, Brant Rumble, o dinheiro não é
suficiente. Ele é perspicaz, engraçado, talentoso e compreensível. Não
consigo imaginar um editor melhor e devo uma a ele.
Obrigado a meus pais, Larry e Barbara Ewalt, e a minha irmã, Elissa
Ewalt Ghosh. Obrigado a minhas sobrinhas e sobrinho — Casey, Maddie,
Sophia e Sid — por serem bacanas. E todo meu amor e agradecimentos a
minha mulher, Kara, que foi incrivelmente solidária e compreensível
enquanto trabalhava neste projeto. Eu teria de escrever uma centena de
livros para descrever o quão incrível ela é.
Finalmente, agradeço a Gary Gygax e Dave Arneson pelos bons
momentos.
ÍNDICE
4D Interactive Systems
60 minutes (TV)
Abel (mago)
Acererak (mago mau)
Adams, Richard, A longa jornada
Adventure Games
Adventurer Conqueror King
Against the Giants
Agius, Alex
em D&D Next/Campanha de Ewalt
como Jhaden, ver também Jhaden
Ahlissa (clérigo)
Alex II (“Segundo”)
Alka, o Gasoso
All the Worlds’ Monsters
Allison, Javi
Allison, Tavis
Alvorada
Amazing Stories
Anderson, Poul
Anoitecer
Anthony, Piers, série de livros Xanth
Aragorn
Ardhi campanha
Argosy
armamentos, regras para
armas phaser
Arneson, David
colaboração com Gygax
Como um escritor lento
Deixando a TSR
e Blackmoor
e D&D
e diretor de pesquisas da TSR
e Dungeonmaster’s Index
e labirinto de masmorras
e processos
e Tactical Studies Rules
e The First Fantasy Campaign
inovações apresentadas
Arquivo X
Arrogante, Síndrome de Nerd
Asimov, Isaac, Fundação
assassinos
autor, história atual, ver Mundo Vampírico
autor, nova campanha, ver D&D Next
Avalon Hill
Avatar
avatares
Babeal (mago)
Backhaus, Wilf
BADD (Incomodados com Dungeons & Dragons)
Bagnulo, Michael
balrogs
Banco Imobiliário
bárbaros
bardos
Barker, M. A. R.
Barreira de Lâminas, magia
Barsoom
Batalha dos Cinco Exércitos, A
Beauteponce (guerreiro anão)
Beek Gwenders
Beholder
Bemelmans Bar, Nova York
Bemelmans, Ludwig
Berry, Chuck
Bismarck, Otto von
Blackjack (soldado)
Blackmoor
Blackmoor, suplemento
Blade Runner
Blue Book
Blume, Brian
Blume, Kevin
Blume, Melvin
Bogost, Ian
bolas de fogo
Bolsa de Truques
Bolseiro, Frodo
Boot Hill (RPG)
Boromir
Bradley, Ed
Braunstein (jogo de estratégia)
Breedbate, Keek
Broderick, Matthew
Bryant, Brandon
Buck Rogers no século XXV
Bumble, o mago
Bunnies & Burrows
Burroughs, Edgar Rice
D&D Experience
D&D Next/campanha de Ewalt
atrás de conselhos para o desenvolvimento de
construindo o mundo de
desenhando o mapa
escrevendo a história de
Fratura
Harry
jogos teste de
Livro do jogador
Mad Marv
objetivos para
peregrinação de David por
regras da quinta edição usadas em
reviravoltas no roteiro de
D&D vendido para
e a Quinta Edição
e o encontro de D&D
dados:
em jogos de estratégia
relíquias históricas
Dagorhir (live)
dança do fogo
Dangerous Dimensions/Dangerous Journeys
Dark Dungeons (Chick)
de Camp, L. Sprague
Dear, William
Death in Wretched Swamp
Delleb (divindade menor)
Demogorgon
Descanso Tranquilo, feitiço
Descent into the Depths of the Earth
Detetive (jogo de tabuleiro)
Devorador de Mentes
Dewey (mago de Keer)
Different Worlds
Dille, Flint
Diplomacy (jogo de estratégia)
Disco Flutuante de Tenser
Dissipar Magia
Doctor Who Experience
Doctorow, Cory
Don’t Give Up the Ship!
Doom
dragões
Dragon Dice
Dragon, The
Dringle, Fnast
DriveThruRPG
Drow (elfos)
druida, alto sacerdote
druidas
Duchamp, Marcel
Dumple, Redmod
Dungeon!
conselho para
criatividade de
de Greyhawk
do Mundo Vampírico, ver Harris-Warwick, Morgan
e novos jogos
habilidade de narrar histórias
habilidade de resolver problemas
Mestre
papéis de
pontos de experiência recompensados
vingança de
Dungeon (loja)
Dungeon Geomorphs
Dungeon Hobby Shop
Dungeonmaster’s Index
Dungeons & Dragons (D&D):
acessórios
Advanced Dungeons & Dragons (AD&D)
apresentação na Gen Con
base de fãs de
benefícios educacionais de
“Caixa Vermelha”
campanhas
cenários
classes de personagens em
“Clichê” abertura de
combate em
como o primeiro RPG de fantasia
como terapia
como um fenômeno mundial
como um role-playing game
Companion Set
compra pelo correio
Computer Labyrinth
concepção de
conflito primário na história
Conjunto de Immortals
conjunto universal
crescimento de
customização de
D&D Experience
dados usados em
declínio do
definido pelas performances
derrubando uma porta
descrição
desenhos animados
desenvolvimento de
diminuição no interesse em
distribuição europeia de
distribuidores de
Dungeon Geomorphs
e direitos autorais
e novos produtos
“Edição Original de Colecionador”
editoras de
Eldritch Wizardry
espíritos satânicos invocados por
Expert Set
extensões de
Gods, Demi-Gods & Heroes
In Search of the Unknown
influência de
interesse da mídia em
jogabilibidade infinita de
jogadoras
jornadas heroicas em
Kit Introdutório
licença de conteúdo aberto
Livro do jogador
Livro dos monstros
Livros dos monstros II
Master Set
miniaturas em
narrativa em
número de participantes
obsessão do autor com
os direitos da TSR
partidas teste de
Personagens (PC) em, ver personagens dos jogadores
pontos de danos em
popularidade de
preconceito contra
produtos competitivos
Quarta Edição
Quinta Edição
regras/manuais de
rendimentos de
ressurgimento do interesse em
retorno do autor
Sistema d20
Suplemento de Blackmoor
Suplemento Greyhawk
Swords and Spells
Terceira Edição
The Lost Caverns of Tsojcanth
The Temple of the Frog
Um evento que muda sua vida
um jogo cerebral
um jogo social
vencedores ausentes de
vendas de
versão 11
videogames
visão geral
vitórias cumulativas em
Weapons of Legacy, manual de
Dungeons & Dragons Entertainment
Dungeons & Dragons Summit
Dunkelzahn (dragão)
Dwarf (anão)
Dwellers of the Forbidden City
Facebook, jogos
Faffle Dwe’o-mercraeft
Fafhrd (Leiber)
Fage the Kexy
fantasia, jogos
fantasia, literatura
fantasia, livros
Fantasy Game:
(mais tarde Dungeons & Dragons)
(mais tarde Greyhawk)
Fantasy Games Unlimited
Fantasy, manual do Suplemento
Fargrim (anão)
FBI, e Top Secret
Federação Internacional de Jogos de Estratégia (IFW)
“Fedorentos”
feiticeiros
Feitiço de Áquila, O (filme)
feras deslocadoras
First Fantasy Campaign, The
Flennetar, o paladino
Flying Buffalo Inc.
Fogerty, John
Fórum de ficção científica
Frank Mentzer’s Lich Dungeon, Level One
Frederick Wilhelm III, rei
Futurama (TV)
Gamão
Game Designers’ Workshop
Games Workshop
Gandalf
Ganubi (bardo):
a bordo do navio
cantando “Parabéns pra Você” para um vampiro
chapéu do disfarce
como combatente da liberdade
e a cidade do deserto
e ataque de carniçais
e cães demoníacos invisíveis
e piratas/homens-peixe
em briga de bar
encontro em Kyoto
Igreja de Ganubi
morte de
ressurreição de
Gary Con
Geertz, Clifford e Hildred
Gen Con, convenção de jogos
D&D apresentado em
e licenciamento/competidores
Genghis Khan
Gerba, Phillip
como Ganubi; ver também Ganubi
e D&D Next/Campanha Ewalt
e morte e ressurreição de Ganubi
Gettysburg (jogo de estratégia)
Gibson, William
G.I. Joe (Comandos em Ação)
Gimli
Glacial Rift of the Frost Giant Jarl
Gleep Wurp, o devorador de olhos
Globe and Mail, The
gnomos
Gnome Cache, The (Ernst)
Go
Gods, Demi-Gods & Heroes, suplemento
Goldman, James
Golias
Gore, Al
Gore, Tipper
Graben (senhor da guerra)
Graeme
e a cidade no deserto
e o ataque de carniçais
e a pirâmide
Gray Mouser (Leiber)
Greenfield Needlewomen
Greyhawk
World of Greyhawk
Greyhawk, suplemento
Grognardia
grognards
Gronan da Siméria
Guerra Civil Russa
Guerra Civil, EUA
Guerra de Kurukshetra
Guerra dos Cem Anos
Guerra Franco-Prussiana
Guerras Napoleônicas
guerreiros
Guidon Games
Gygax, Elise
Gygax, Ernest Gary
após saída da TSR
colaboração com Arneson
como orador
e a morte de Kaye
e a Tactical Studies Rules
e a TSR Hobbies
e AD&D
e Arneson
e Chainmail
e D&D
e distribuição
e Don’t Give Up the Ship!
e Gary Con
e Greyhawk
e publicidade
em Hollywood
escritos de
Memorial a
morte de
nomes de personagens inventados por
peregrinação do autor para locais de
Gygax, Ernest Gary Jr. (Ernie)
Gygax, Gail Carpenter
Gygax, Mary Jo Powell
Gygax, número
Hades
halfling
Hall of the Fire Giant King
Halo
Hanks, Tom
Harrison, Gregory
Harris-Warwick, Morgan
como Mestre
e a morte e ressurreição de Ganubi
e D&D Next/Campanha de Ewalt
e o Mundo Vampírico
e Otherworld
e piratas/homens-peixe
Hasbro
Hawking, Stephen
Hayes, Kristi
Heber City, Utah
Hekaforge Productions
Hellwig, Johann Christian Ludwig
Heroes of Will
Hickman, Laura
Hickman, Tracy
Historicon
hobbit, O (Tolkien)
hobbits
hobgoblins
Holkins, Jerry
Hollidge, Rev. John
Holmes, J. Eric
Homebrew, clube de computação
homens guerreiros
Hora da Aventura
Hotel Clair, Lake Geneva
Howard, Robert E.
Huizinga, Johan
ilitides
iluminado, O (filme)
ilusionista
Império Romano
Impressão Gráfica
In Search of the Unknown
Inc.
Índia, antigo jogo de tabuleiro na
Instruções para a representação das manobras táticas sob a forma de um
jogo de guerra
Invisibilidade, feitiço
invocação de feitiço
Invocadores
Invocar Criaturas, Magias
Irmandade do Pântano
Irmãos Grimm
Jackson, Steve
Jaffe, Rona, Mazes and Monsters
Jhaden (ranger):
a bordo
ancestral de
ataques de poder
Bloodlust (espada)
como combatente da liberdade
e a cidade no deserto
e ataques de carniçais
e cães demoníacos invisíveis
e formigas do tamanho de homens
e piratas/homens-peixe
em briga de bar
encontro em Kyoto
Jobs, Steve
jogos de estratégia:
Associação de Simulação Militar do Centro-Oeste
Batalhas de miniaturas históricas
Braunstein
“Campo de Treinamento das Batalhas Napoleônicas,”
como passatempo alternativo
Discussão provocada em
Evolução inicial dos
fantasia
Gettysburg
intepretação de papéis
jogo pelo correio
Kriegsspiel
maquetes escalonadas em
no treinamento militar
produtos para
Queda do interesse em
raízes europeias dos
simulação
simulações navais
Sociedade de Miniaturas Históricas
Strategos, manual de treinamento
um árbitro todo-poderoso em
videogames com temática de guerra
jogadores, relíquias históricas
Jogo da passagem (senet)
jogos:
como agregador social
final aberto
na história
realidade alternativa em
regras de
tabuleiro
jogos de labirinto tradicionais
jogos de navegação
jogos de tabuleiro
Johnson, Kirk
Johnson, Scott
Jonathan (recruta)
Jordan, ‘Ain Ghazal
Judges Guild
Judges Guild Journal
Jurament, Philotomy
Kanterman, Leonard H.
Kask, Tim
Kaye, Don
Kaye, Donna
Keep on the Borderlands, The
Keystroke (hacker)
Kilën
kobolds
Königsspiel (Jogo real)
Kottke, Daniel
Krahulik, Michael
Kriegsspiel (jogo de estratégia)
Kubrick, Stanley
Kuntz, Rob
Kuntz, Terry
Mad Marv
Mago de Keer (Dewey)
Magic: The Gathering
mágica “vanciana”
Míssil Mágico
magias
Maliszewski, James
mancala (jogo de tabuleiro)
Mandaka (espada)
Manto da Resistência
Manual de “corpo a corpo”
Matrix
Mattel
Mearls, Mike
Megarry, David
Melee (jogo de estratégia)
Men & Magic
Mentzer, Frank
Metagaming Concepts
Metamorfose, Magia
Metamorphosis Alpha
Metropolitan Museum of Art, Nova York
Microsoft
Midwest Military Simulation Association
Miller, Marc
Milton Bradley
miniaturas
miniaturas das batalhas Napoleônicas
Miniature Figurines Ltd.
Mohan, Kim
Mohenjo-daro, Paquistão
Moisés
monge
monomito
Monsters & Treasure
Monstro da Ferrugem
“Monty Haul”, campanha
Monty Python e o Cálice Sagrado
Moorcock, Michael
Morgan, Alistair
Mornard, Michael
Mr. Gameway’s Ark
magos
Mundo Vampírico
Mundo Vampírico (história recorrente do autor):
a bordo
Alvorada
Anoitecer
ataque de carniçais
ataques de cães demoníacos invisíveis
briga de bar
combatentes da liberdade
jornada
magias em
morte e ressurreição
na cidade do deserto (Las Vegas)
piratas (homens-peixe)
substituição de jogador
vampiros
Murlynd (Kaye)
Odin
Onomatopoeia (peça teatral)
Optimus Prime
Orcus (príncipe demônio)
Origins Game Fair
Osíris
Otherworld Adventure
a ênfase narrativa de
ação
autor como um mago de Keer em
Chris (equipe)
Código de silêncio
combate de espadas em
como live
como teatro interativo
conclusão do autor sobre
fantasmas em
fundação de
improvisação em
narrador
objetos e cenário de
Ovo de Fulica
Participação feminina em
personagens da equipe em
Owl & Weasel
paladinos
Palamades (guerreiro grego)
Panzer Warfare
Parcheesi
Parker Brothers
Parque Nacional Histórico de Valley Forge
Peake, John
Pêndulo de Foucault
Penny Arcade
Pequenas guerras (Wells)
Perren, Jeff
Perrin, Steve
Personagens dos Jogadores (PC)
aprendendo com a experiência
assassinos
avanços dos
avatar
bárbaros
bardos
classes de
clérigos
código moral dos
compartilhando histórias de guerra
controle de
devoradores de mentes
druidas
feiticeiros
guerreiros
histórias pessoais de
invocadores
ladinos
ladrões
magos
monges
morte de
narração
paladinos
perícias específicas de
pontos de experiência dados aos
primeiras fichas de personagens do autor
raças
rangers
Peterson, Jon, Playing at the World
Petrim (ladino)
Planescape, cenário da campanha de
poderoso chefão, O
Poe, Edgar Allan
Polichak, Jamie
Pontos de vida
Potter, Harry (ficção)
praticante de magia
Press (clube)
Primeira Guerra Mundial
Prometheus
psicodrama
psiônicos
Pulling, Patricia
Qaflan (filósofo)
Queen Frupy
Queen of the Demonweb Pits
Queen of the Spiders
Quest (grupo de live)
Radecki, Thomas
Ramsés, o Grande
Random House
rangers
Ravenloft (módulo de terror)
Reddit
Reiswitz, Georg Heinrich Rudolf von (filho)
Reiswitz, Georg Leopold von
Remover medo, magia
Ressurreição verdadeira, magia
Reviver os mortos, magia
Revolução Americana
Robbins, R. C.
Roberts, Charles
Robilar (Kuntz)
Robin (guerreiro)
Robin e Marian (filme)
Rogersdotter, Elke
role-playing games:
conflitos primários nos
criatividade em, D&D
e intelecto
e novos produtos
estatísticas dos fãs
fantasia
ficção científica
Grognardia, blog
história dos
jogadores escrevendo as histórias em
jogos de estratégia
jornada clássica do herói em
live-action (live)
pós-apocalípticos
preconceito contra
propósito de
simulações militares
Rollefson, Gary O.
Roman, Steve
Rota da Seda
Ruppert, Robert
Sagan, Carl
Sala de estar (compartimento encantado)
Salinger, J. D.
Sarapintose
Sarazin-Levassor, Lydie
Sarnge (arco de maldições)
saudosismo
Schilling, Curt
Schuh, Liz
Scrabble
Segunda Guerra Mundial, jogos de estratégia da
senet (jogo de tabuleiro)
senhor dos anéis, O (Tolkien)
senhores da guerra
Shadowrun
Shahr-e Sukhteh, Irã
Sheinberg, Sidney
Shenk, David
shogi (antigo jogo)
Shrine of the Kuo-Toa
Si (vampiro)
Siegfried & Roy
Simbalist, Ed
Simulations Publishing Inc.
Sir Howland, o Cavaleiro-Lobo
smartphone, jogos
Snow, Jodi
Sociedade de Miniaturas Históricas para Jogos
Sociedade do Anel, A
Sony
Spellfire: Master the Magic
Springer, Norman
Sr. Cabeça de Batata
St. Andre, Ken
Star Probe
Star Trek
Star Trek: A nova geração
Star Trek: The Role-Playing Game
Star Wars
Starships & Spacemen
Steading of the Hill Giant Chief
Stephenson, Neal
Sterling, Bruce
Strategic Review, The
súcubo
Summit (simulação da Guerra Fria)
Sutherland, David
Swallow, Shelley
Swords and Spells, suplemento
wakizashi (espada)
Walters, David
War (Jogo)
War of Wizards
Ward, James M.
Ward, Pendleton
Warriors of Mars
Washington, George
Weapons of Legacy, manual
Weikhmann, Christopher
Weird Tales
Weise, Bryan
Wells, H. G., Pequenas guerras
Wesely, Dave
Weslocke (clérigo):
ataque de monstros em
e cães demoníacos invisíveis
encontro em Kyoto
evolução de
magias lançadas por
personagem do autor
Wham, Tom
White Dwarf
Wilderness Survival Guide
Williams, Lorraine Dille
Williams, Skip
Williams, Walter “Deadeye,”
Witches of Chell, The
Wizards of the Coast
Wizzrobe
World of Greyhawk
Wozniak, Steve
Wrigley, William Jr.
xadrez
aberturas de
como jogo espacial
Defesa Siciliana
desenvolvimento de
e jogos de estratégia
Gambito do Rei
Giuoco Piano
história de
obsessão de Duchamp com
regras de
religiosos extremistas vs.
tentativa de o autor aprender
tentativas de modernização
tridimensional
Variante do Dragão
Xadrez de Guerra
Xanth, livros (Anthony)
Yankovic, Weird Al
Yeth, Cães
yugoloths
Zaentz, Saul
Zarlasa (mago)
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Dados e homens
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