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d20age
Autoria: DM Quiral
Revisão: DM Quiral & Miguel Rodrigues
Ilustração: Miguel Rodrigues
Layout e diagramação: Miguel Rodrigues
Abril de 2020.
d20age
Um guia para o espírito-OSR
O “the vintage” nasceu por acaso. Do entusiamo pelo D&D clássico, surgiu
uma preparação de mesa para D&D B/X, e esse material resultou na ver-
são #0 do fanzine. Agora voltamos um pouco, partiremos do estágio zero.
Para vivenciar bem a experiência do RPG nesse estilo de jogo, considero
que a mentalide precisa estar alinhada, e por isso preparei este conteúdo.
Sumarização
Esse fanzine está sumarizado nas seguintes partes:
1. O sistema importa?
2. Jogador OSR
3. Juiz OSR
4. Apêndices
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1. O sistema importa?
Em uma primeira vista, essa pergunta pode parecer óbvia, pois esses pon-
tos já foram amplamente debatidos entre os RPGistas, e não há dúvidas
de que o sistema importa. Como exemplo cito uma situação hipotética de
nos reunirmos para jogarmos o D&D 0e (o original, de 1974) ou o D&D
5e (o mais atual, lançado em 2014), e certamente teremos uma experiência
completamente diferente em cada caso. Mas o ponto-chave que pretendo
apresentar aqui, é que o espírito-OSR vai muito além de um sistema es-
colhido, é um estilo de jogo que pode ser aplicado com diversos sistemas.
Matthew Finch foi bem incisivo na introdução de seu manifesto “A Quick
Primer for Old School Gaming”, um dos mais importantes documentos que
parametrizam o estilo old school, quando diz:
Matt Finch
2. Jogador OSR
a) “Abrace a aleatoriedade”
Esse jargão, que vem do inglês “embrance the randomness”, está entre os
fortes elementos do estilo-OSR, mas o que exatamente isso quer dizer?
Como tradicionalmente a criação de personagens passa por lances de 3d6,
em ordem, em alguns sistemas com alguns ajustes, o “abrace a aleatorieda-
de” bate de frente com a maioria das propostas modernas, pois o jogador
precisa construir seu personagem a partir de um banco de dados obtidos
aleatoriamente. É gratificante e desafiador sair da zona de conforto, viven-
ciar aventuras por meio de personagens que não seriam sua escolha inicial.
Faz parte da experiência você obter um banco de números por meio de
lances de dados aleatoriamente, e a partir disso visualizar e construir seu
PJ. Esse é o efeito de customização que a OSR permite. Começa assim, e
ganha mais força e temperos durante o jogo, de forma emergente.
“Abrace a aleatoriedade” não significa que você não tem controle sobre
o que vai acontecer, o jogo é pautado por suas decisões, boa parte desse
jargão tem relação com esse processo, de você experimentar jogar com
um halfling carismático, ou um guerreiro das montanhas, enquanto você
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estava acostumado a só jogar de conjuradores (magic-users). Um bárbaro
nem sempre será uma classe nesses jogos, mas você poderá jogar com um
bárbaro, pois ele será produto da forma como você visualiza seu persona-
gem a partir de um banco de números aleatórios.
Por isso, “abrace a aleatoriedade, e divirta-se!”
b) “Avatar”
Um outro ponto importante é compreender que o seu PJ é seu avatar,
lembra-se do desenho “caverna do dragão”? Os jogadores eram os per-
sonagens, e isso não foi por acaso, foi a forma encontrada para ajudar a
ilustrar esse conceito.
Você possui alguns parâmetros que são obtidos normalmente por um lance
de 3d6 em ordem (com alguns ajustes), para determinar os atributos. Faço
aqui um resumo, como exemplo, de parâmetros nos atributos sugeridos no
jogo D&D B/X (de 1981).
Atributo Parâmetro
Força Acerto corpo-a-corpo e chance de arrombamentos
Destreza Esquiva (AC), acerto em armas de projétil e iniciativa
(opcional)
Constituição Pontos de Vida
Inteligência Erudição – capacidade de leitura, escrita e conheci-
mento de línguas
Sabedoria Poder mental – resistência à efeitos mágicos
Carisma Reação em interação social, número de seguidores,
reação de seguidores
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De fato, esse espaço é seu, o parâmetro está ali, mas você não deve se sentir
obrigado a agir estupidamente com seu PJs em casos assim. A ficha de seu
personagem não está no comando, eles ajudam nas suas escolhas e conduta.
c) “Viva imerso”
O jogo “DOOM” (1993) foi inovador quando lançado na década de 1990s,
e o seu desenvolvedor, um ávido jogador de D&D, tirou diversas inspira-
ções do RPG, como a visualização em primeira pessoa. Eu acredito que
a experiência é melhor quando você busca esse tipo de abordagem, mas
isso não significa que você precisa jogar em primeira pessoa, isso tem mais
relação é com a forma como você se projeta na fantasia. O jogo flui me-
lhor quando sua atenção não está direcionada para regras do jogo. Cito
um exemplo de uma situação de vigília em um acampamento, e quando
se ouve um ruído diferente, “de algo a caminhar por folhagens próximas”,
não tente ativar gatilhos mecânicos nessa cena, como “eu quero fazer um
teste de percepção para ouvir melhor o que é, e fazer um teste de furtivida-
de para me aproximar”. O jogo flui melhor quando sua abordagem muda
para: “em passos cuidadosos, vou tentar me aproximar, busco orientação
pelo som”. Os gatilhos mecânicos do espírito-OSR são parte de um julga-
mento do juiz, a partir de suas escolhas e abordagens.
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d) “O bioma”
O mundo em volta é um bioma, não pense que um grupo de bandidos
à beira estrada ou uma criatura bizarra em um corredor foi colocado ali
porque ela está dentro de seu “Nível de Desafio” (ND), pois não existe
ND nesse estilo. O bioma existe além de seu personagem, mas você pode
influenciá-lo ou alterá-lo. Talvez uma negociação ou confronto direto com
o grupo de bandidos de estrada pode gerar toda uma mudança com efei-
to dominó desse bioma. Nesse estilo de jogo a forma como você decide
abordar os desafios dá o tom e é o que pauta o jogo. A decisão é sua (e as
consequências também). Uma das mais hilárias (e de certa forma verdadei-
ras) explicações que já vi sobre o que significa OSR: “Oh Shit, Run!”, pois
isso é a pura verdade. Em muitos casos o combate é uma consequência de
decisões de um efeito cascata, e com risco real de letalidade, você como jo-
gador vai fazer escolhas e apostas ao longo do jogo, em alguns momentos o
combate é uma aposta alta, que pode trazer grandes recompensas, mas em
outros ele é um risco evitável. O bioma está ali, e suas escolhas de interação
dão o tom do jogo.
ND
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e) “Aqui e agora”
A concentração do jogo é no hoje, é nesse momento, não no passado (back-
ground) ou em idealizações do futuro. O jogo funciona melhor quando você
explora o passado do seu PJ “sob demanda”, de forma emergente. Ao invés
de criar previamente toda uma história, e tentar “enxertar”isso no jogo, faça
o exercício de ter apenas parâmetros que possam trazer contexto e contri-
buir com o jogo de forma emergente. Isso pode ser mais útil na construção
coletiva.
Da mesma forma, o espírito-OSR não funciona bem com a ideia de “build”
(uma prática comum nos jogos modernos), que é você planejar como deve
ser a evolução do PJ ao longo do jogo, nível a nível. Viva o “aqui e agora”,
(“viva imerso”), o futuro de seu personagem é uma história em construção,
não uma história planejada (mesmo que essa história em construção tenha
seu fim em uma vala de espinhos). Como já mencionado, faz parte do estilo
de jogo conviver com a sensação de letalidade, não tenha receio da expe-
riência de lidar com essas frustrações, pode acontecer, e quando acontecer,
sofra quando seu PJ se for, mas confronte essa frustração, aprenda com ela,
e compreenda que a morte dele pode ser um ponto de partida para no-
vas histórias emergentes. Cito como exemplo o efeito que a morte de Ned
Stark gerou em diversos outros PJs, como Arya Stark, Jeoffrey Lannister ou
Cersei Lannister, em “As crônicas de Gelo e Fogo” (G. R R. Martin). Todos
eles tiveram mudanças importantes e toda uma história foi construída a
partir dessa morte. O exercício de abraçar a narrativa emergente passa por
conviver e explorar bem o que surge como consequência do jogo, e no RPG
isso funciona melhor quando você está concentrado no “aqui e agora”.
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3. Juiz OSR
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b) “Apostas”
O espírito-OSR possui uma série de idiossincrasias, uma delas eu gosto de
chamar de “apostas”. O desafio para o jogador OSR é buscar sempre fazer
as escolhas mais seguras possíveis para seu PJ, em alguns momentos essas
decisões resultam em uma situação que afasta seu PJ de uma zona de risco,
e isso pode ser julgado como solução, sem o lance de dados. Em outros
casos há um risco em jogo, e é aqui que surge uma aposta. O ponto-chave
é você, na função de juiz, ler bem as situações e arbitrar da forma mais justa
que você puder quando existe uma situação de aposta, e os dados começam
a serem lançados.
O espírito-OSR é mais forte quando o lance de dados é um clímax. Se
você forçar os jogadores a fazerem lances de dados a todo momento, de
forma leviana, fatalmente vão ocorrer muitas falhas. Boa parte do jogo en-
volve uma abordagem por parte dos jogadores por evitarem que cheguem
em situações de apostas, ou buscarem as melhores situações de apostas
possíveis, por isso é importante um bom julgamento, boas abordagens po-
dem (e devem) ser consideradas.
c) “Antecipação” (Foreshadowing)
A condução do “item b” funciona melhor quando a antecipação é bem
administrada. Caso você imponha uma situação em que é necessário um
lance de dados com alto grau de risco, isso resultará em uma “aposta” sem
agência do jogador, e isso é um mau aproveitamento da proposta. Existe
uma mecânica em jogos “old school” chamada de “save or die”, cuja aplicação
tem relação com um clímax forte no jogo, pois caso um lance de dados
como jogada de proteção resulte em uma falha, o personagem é perdido.
Isso é comum com efeitos como magia de morte, petrificação, ou até um
efeito de veneno. Podemos extrapolar isso para uma armadilha, um fenô-
meno natural (frio extremo, ou calor extremo) ou até mesmo um comba-
te mortal. Tudo isso é melhor aproveitado quando o jogo é pautado pela
decisão dos jogadores, e por isso o juiz precisa fazer uma boa antecipação.
O seu papel é fazer uma gestão a partir das decisões dos jogadores, e ana-
lisar se as escolhas nessa construção coletiva ativam gatilhos de apostas ou
são o suficiente para resolução. Cito um exemplo hipotético: Caso os PJs
estejam explorando uma região que é dominada por um dragão poderoso
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(fruto de um encontro aleatório), e
você como juiz simplesmente anun-
cia a chegadado dragão à frente do
grupo e inicia um combate, isso foi
um tipo de simplificação incompatí-
vel e frustrante. A construção da an-
tecipação é fundamental. É possível
que você comece isso com rumores
em vilarejos próximos, ou por viajan-
tes encontrados na estrada (até pela
“misteriosa falta de viajantes”). Car-
caças de criaturas mortas, de repente
uma grande pegada, ou o odor de um
monte de fezes do grande predador.
Quem sabe até uma cena de possí-
vel batalha, com marcas de queima-
do por todos os lados. É importante
uma construção desse cenário, assim
os jogadores passarão a tomar deci-
sões, e o jogo é construído e pautado
por isso (ação & reação). Caso che-
gue ao ponto de um combate mortal,
isso não foi definido por um simples
lance de dados, mas foi construído
por meio da antecipação. Como será
a preparação deles para esse possível
conflito ou como irão evitá-lo, são
decisões fundamentais que pautam o
jogo, e isso está na essência do espíri-
to-OSR. O seu papel é preencher os
jogadores de decisões a serem feitas.
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d) “Combate dinâmico”
O combate geralmente é rápido e perigoso, por isso estratégias dinâmicas
auxiliam a temperar bem esses momentos. Um combate conduzido apenas
por lances de dados, de forma estática, será desinteressante. Por outro lado,
o espírito-OSR geralmente não vive do combate tático, dessa forma não é
necessário grid ou miniaturas para o jogo funcionar bem (embora isso não
seja um problema, caso você opte por isso por questões didáticas ou por
gosto). É bem comum o uso de uma ferramenta chamada: “teatro da men-
te”. Matt Finch propõe uma excelente estratégia que ele chama de “com-
bat fu”, já Gygax buscou parametrizar elementos como diversos efeitos
acontecendo ao mesmo tempo (alguns aleatórios) ao longo dos combates.
O ponto-chave aqui é evitar que esse momento se torne monótono e can-
sativo, e o jogo ganha mais vida quando essa dinâmica é explorada. Ima-
gine um combate em um pântano contra um “polvo pantanoso”, a criatura
pode usar o terreno em seu favor, se posicionando entre cipós e arbustos
evitando ser alvo fácil (ganhando cobertura e bônus de CA, talvez contra
armas de projétil, você decide). Um PJ, ao fazer uma jogada de ataque, se
obtiver um “1”, pode ser interpretado que sua perna atolou na lama, e o
PJ não poderia mais se mover antes de tentar desatolá-la. Quando o outro
PJ obtiver um “20”, pode-se entender que ele manejou com excelente efi-
cácia, e permitir um outro golpe de ataque. Matt Finch cita também usar
envolvimento de elementos da cena. Caso exista, dentre os tesouros de
uma sala, um vaso ming (cerâmica chinesa valiosa), um “1” (ou até um “3”)
no lance de ataque pode resultar em uma cadeia de efeitos que envolvam
esse vaso (você pode permitir que jogadores tentem salvá-lo), é seu papel
ajudar a colorir o teatro da mente, torná-lo dinâmico, rápido e memorável.
Mas é também interessante o uso de uma ferramenta chamada “narrativa
compartilhada”, que também colore e tempera as cenas a partir das narra-
tivas dos jogadores. Se um jogador desarmado, em um combate de taberna,
anuncia que pega uma garrafa sobre a mesa, quebra e ataca alguém, se isso
faz sentido, valorize essas abordagens, não negue falando que não havia
garrafa ali.
No apêndice desse fanzine eu deixei uma tabela simples que criei para o
D&D B/X, em auxílio à esse tipo de combate.
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4.Apêndices
4.1.D&D clássico
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4.3.Efeito crítico (D&D B/X)
Número Efeito
1 Golpe profundo (+1 dado de dano)
2 Golpe crítico (oponente não age na próxima ação)
3 Golpe tático I (derruba)
4 Golpe tático II (desarma)
5 Golpe tático III (ataque outro oponente)
6 Golpe tático IV (ataque novamente)
7 Efeito 1 + sorteio um efeito entre 2-6
8+ Efeito 1 + escolha um efeito 2-6
Número Efeito
1 Guarda aberta (o oponente pode realizar um ataque contra
você)
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Essas são duas tabelas simples, que valorizam PJ com maior dado de vida
com melhores chances de efeitos críticos e menores chances de falhas crí-
ticas, como forma de reforçar o conceito de que combatentes (como anão
e guerreiro) são mais eficientes. A minha intenção aqui auxiliar com esse
tipo de “improviso” no momento de combates, mas sinta-se à vontade para
expandir, alterar ou ignorar essa tabela.
4.4.Referências
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4.5.XP extra indicado
Em adicional, não posso deixar de agradecer e indicar alguns conteúdos
correlacionados, que registro a seguir:
1d12 Conteúdo
1 Brainstorm Cast - Podcast (Samuel Carvalho)
2 Café com Dungeon - Podcast (Regra da Casa, Rafael Balbi*)
3 Captcorajus - Youtube (Old School Rocks)
4 D&D Moleque – Youtube (Regra da Casa & Câmara Obscura)
5 Dados & Homens – Livro (David Ewalt)
6 Goodman Games – Articles & Newsletter – website
7 Mundos Colidem – website
8 O império da imaginação – Livro (Michael Witwer)
9 Pontos de Experiência – Blog, Youtube e facebook (Diogo No-
gueira)
10 Principia Apocrypha (Ben Milton & Steven Lumpkin)
11 Spellburn - Podcast DCC-RPG
12 Questing Beast - Youtube (Ben)
Contatos:
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