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ALBERT PIKE

MORAL E DOGMA
DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO

TRADUÇÃO

CELES JANUARIO GARCIA JUNIOR


GLAUCO BONFIM RODRIGUES
Copyright@2010 dos autores

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pike, Albert, 1809-1891.


Moral e dogma do rito escocês antigo e aceito /
Albert Pike ; tradução Celes Januário Garcia Junior,
Glauco Bonfim Rodrigues. -- Birigui, SP : Editora
Yod, 2011.

Título original: Morals and dogma of the ancient


and accepted scottish rite of freemasonry.
ISBN 978-85-63947-03-1

1. Maçonaria 2. Maçonaria - História


3. Maçonaria - Rituais 4. Maçons I. Título.

11-04444 CDD-366.1

EDITORA YOD
Corpo Editorial: Celes J. Garcia Junior
Glauco B. Rodrigues

contato@editorayod.com.br
www.editorayod.com.br
SUMÁRIO

BIOGRAFIA .................................................................................................... IX

PREFÁCIO DO AUTOR. ................................................................................ XI

CAPÍTULO I – O APRENDIZ ...................................................................... 15

CAPÍTULO II – O Companheiro..................................................................... 45

CAPÍTULO III – O Mestre. ........................................................................... 102


BIOGRAFIA

Albert Pike, nascido em 29 de


Dezembro de 1809, era o mais velho dos
seis filhos de Benjamin e Sarah Andrews
Pike. Pike foi educado em um lar cristão
e frequentava uma igreja Episcopal. Pike
passou no exame vestibular em Harvard
quando tinha 15 anos de idade, mas não
pôde prosseguir, porque não possuía
fundos suficientes. Após viajar para o
oeste, até Santa Fé, Pike situou-se no
Arkansas, onde trabalhou como editor de
um jornal antes de ser admitido no
tribunal. No Arkansas, conheceu Mary
Ann Hamilton, e casou-se com ela em 18
de Novembro de 1834. Dessa união nasceram 11 filhos. Ele possuía 41
anos quando solicitou sua admissão na Western Star Lodge No. 2 (Loja
da Estrela do Oriente) em Little Rock, Arkansas, em 1850. Membro
ativo na Grand Lodge of Arkansas, Pike assumiu os 10 Graus do Rito de
York entre 1850 e 1853. Recebeu os 29 graus do Rito Escocês em março
de 1853, de Albert Gallatin Mackey, em Charleston, S.C. O Rito Escocês
foi introduzido nos Estados Unidos em 1783. Charleston foi o local do
primeiro Supremo Conselho, que regeu o Rito Escocês nos Estados
Unidos até o Supremo Conselho do Norte ser estabelecido na cidade de
Nova Iorque em 1813.

A fronteira entre as Jurisdições do Norte e do Sul, ainda hoje


reconhecida, foi firmemente estabelecida em 1828. Mackey convidou
Pike a participar da Suprema Corte da Jurisdição do Sul em 1858, em
Charleston, e nos anos seguintes, se tornou o Grande Comandante da
Suprema Corte. Pike manteve suas funções até sua morte, apoiando-se
em várias ocupações, tais como editor do Memphis Daily Appeal, de
fevereiro de 1867 a setembro de 1868, e sua prática advocatícia. Mais
tarde, abriu um escritório de advocacia em Washington, DC, e defendeu

IX
uma série de processos perante o Supremo Tribunal dos Estados
Unidos. Pike empobreceu por conta da Guerra Civil, permanecendo
assim por grande parte da vida, frequentemente contraindo empréstimos
para despesas básicas do Supremo Conselho, antes do conselho votar a
seu favor , em 1879, uma anuidade de $1,200 por ano para o resto de
sua vida. Albert Pike faleceu em 2 de abril de 1892, em Washington, DC.

Percebendo que uma revisão do ritual era necessária para que o


Rito Escocês da Maçonaria viesse a sobreviver, Mackey encorajou Pike a
rever o ritual, para assim produzir um ritual padrão, para o uso de todos
os estados da Jurisdição do Sul. A revisão teve início em 1855 e após
algumas alterações, o Supremo Conselho aprovou a revisão de Pike, em
1861. Mudanças menos significativas foram feitas em dois graus em
1873, após corporações do Rito de York no Missouri contraporem
objeções de que os graus 29º e 30º revelavam os segredos do Rito de
York.

Pike é mais conhecido pela sua grande obra, Morals and Dogma of
the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry, publicado em 1871.
Morals and Dogma não deve ser confundido com a revisão de Pike, do
ritual do Rito Escocês. Estas são obras separadas. Walter Lee Brown
escreveu que Pike “destinou-o [Morals and Dogma] a ser um suplemento
para aquele grande ‘sistema interligado de instruções morais, religiosas e
filosóficas’ desenvolvido em sua revisão do ritual Escocês.”

Morals and Dogma era tradicionalmente dado ao candidato após a


sua recepção do 14º grau do Rito Escocês. Esta prática foi interrompida
em 1974. Morals and Dogma não é mais dado a candidatos desde 1974. A
Bridge to Light (Uma Ponte para a Luz), de Rex. R. Hutchens, é concedido
aos candidatos hoje. Hutchens lamenta que Morals and Dogma seja lido
por tão poucos Maçons. A Bridge to Light foi escrito para ser “uma ponte
entre as cerimônias dos graus e suas leituras de Morals and Dogma”.

X
PREFÁCIO DO AUTOR.

A obra seguinte foi preparada com a autorização do Supremo


Conselho do Trigésimo Terceiro Grau, para a Jurisdição Sul dos Estados
Unidos, pelo Grande Comandante e agora é publicada por sua direção.
Contém os Ensinamentos do Rito Escocês Antigo e Aceito daquela
Jurisdição, e é especialmente destinado para leitura e estudo pelos Irmãos
daquela Obediência, em conexão com os Rituais dos Graus. Espera-se e
expecta-se que cada um se apresente com uma cópia, e se torne
familiarizado com ela; por este propósito, como o custo da obra consiste
inteiramente em sua impressão e encadernação, ela será fornecida a um
preço moderado e considerável.

Será proporcionada aos Irmãos do Rito Escocês nos Estados


Unidos e no Canadá, a oportunidade de comprá-la, mas não será
proibida a outros Maçons; porém não serão solicitados que comprem.

Ao preparar esta obra, o Grande Comendador foi quase Autor e


Compilador, igualmente; uma vez que extraiu uma metade inteira de seu
conteúdo das obras dos melhores escritores e dos pensadores mais
filosóficos ou eloquentes. Talvez tivesse sido melhor e mais aceitável se
tivesse extraído mais e escrito menos. Ainda, talvez metade dele seja de si
próprio; e, ao incorporar aqui os pensamentos e palavras de outros,
modificou e adicionou continuamente à linguagem, muitas vezes
interligando, nas mesmas sentenças, suas próprias palavras às deles. Não se
destinando ao mundo em geral, ele sentiu a liberdade de elaborar, a
partir de todas as fontes acessíveis, um Compêndio de Moral e Dogma
do Rito, para re-moldar sentenças, alterar e acrescentar palavras e frases,
combiná-las com suas próprias e usá-las como se fossem suas próprias,
para serem tratadas ao seu prazer, e assim, úteis para formar o conjunto
mais valioso para os propósitos tencionados. Reclama para si, portanto,
pouco do mérito da autoria, e não se preocupou em distinguir o que é
seu próprio do que tomou de outras fontes, desejando, inteiramente, que
cada porção do livro, por sua vez, seja vista como tendo sido tomada
emprestada de algum escritor mais antigo e melhor.

XI
Os ensinamentos destas Leituras não são sacramentais, na
medida em vão além do reino da Moralidade, para aqueles domínios do
Pensamento e da Verdade. O Rito Escocês Antigo e Aceito usa a palavra
“Dogma” em seu sentido verdadeiro, de doutrina ou ensinamento; não
é dogmático no sentido odioso do termo. Todos estão completamente
livres para rejeitar e discordar de qualquer coisa aqui que possa lhe
parecer falsa ou insalubre. Apenas é requerido que se pese o que é
ensinado e que se dê uma audiência justa e um juízo despreconceituoso.
Obviamente, as antigas especulações teosóficas e filosóficas não são
incorporadas como parte das doutrinas do Rito; mas porque é de
interesse e proveito saber o que o Intelecto Antigo pensava sobre estes
assuntos, e porque nada prova tão conclusivamente a diferença radical
entre a nossa natureza humana e a animal, quanto a capacidade da mente
humana de entreter tais especulações sobre si mesmo e a Divindade.
Mas, quanto a essas mesmas opiniões, podemos dizer, nas palavras do
douto canonista Ludovico Gómez: “Opiniones secundum varietatem
temporum senescant et intermoriantur, aliaeque diversae vel
prioribus contrariae reniscantur et deinde pubescant.”

XII
Os títulos dos Graus mostrados aqui mudaram em algumas
instâncias. Os títulos corretos são os seguintes:

1º Aprendiz
2º Companheiro
3º Mestre
4º Mestre Secreto
5º Mestre Perfeito
6º Secretário Íntimo
7º Preboste e Juiz
8º Intendente dos Edifícios
9º Eleito dos Nove
10º Eleito dos Quinze
11º Eleito dos Doze
12º Mestre Arquiteto
13º Real Arco de Salomão
14º Eleito Perfeito
15º Cavaleiro do Oriente
16º Príncipe de Jerusalém
17º Cavaleiro do Oriente e do Ocidente
18º Cavaleiro Rosa-Cruz
19º Pontífice
20º Mestre da Loja Simbólica
21º Noaquita ou Cavaleiro Prussiano
22º Cavaleiro do Real Machado ou Príncipe do Líbano
23º Chefe do Tabernáculo
24º Príncipe do Tabernáculo
25º Cavaleiro da Serpente de Bronze
26º Príncipe de Misericórdia
27º Cavaleiro Comandante do Templo
28º Cavaleiro do Sol ou Príncipe Adepto
29º Cavaleiro Escocês de Santo André
30º Cavaleiro Kadosh
31º Inspetor Inquisidor
32º Mestre do Real Segredo

XIII
CAPÍTULO I . APRENDIZ

MORAL E DOGMA

CAPÍTULO I.

APRENDIZ

A RÉGUA-DE-DOZE-POLEGADAS E O MAÇO

A Força, desregulada ou mal regulada, não é apenas


desperdiçada no vazio, como a pólvora queimada
a
céu aberto, e o vapor não confinado pela ciência; mas,
golpeando no escuro, seus golpes encontrando apenas o ar,
recuam e se contundem. É destruição e ruína. É o vulcão, o
terremoto, o ciclone; – não crescimento ou progresso. É
Polifemo cego, golpeando a esmo, precipitando-se entre as
afiadas rochas pelo ímpeto de seus próprios golpes.

A Força cega do povo é uma Força que deve ser

15
MORAL E DOGMA

economizada e também gerenciada, assim como a Força cega do


vapor, que levanta os pesados braços de ferro e gira as grandes
rodas, é feita para furar e tornear o canhão e tecer o mais delicado
laço. A força cega do povo precisa ser regulada pelo Intelecto e
ointelecto é para as pessoas, e para a Força das pessoas, o que a
fina agulha da bússola é para o navio – sua alma, sempre
aconselhando a enorme massa de madeira e ferro, e sempre
apontando para o norte. Para atacar as cidadelas construídas por
todos os lados contra a raça humana por superstições,
despotismos, e preconceitos, a Força deve ter um cérebro e uma
lei. Por isso, suasfaçanhas conquistam resultados permanentes, e
aí há progresso real. Então ocorrem conquistas sublimes. O
Pensamento é uma força, e a filosofia deve ser uma energia,
encontrando seu alvo e seus efeitos no aprimoramento da
humanidade. Os dois grandes motores são a Verdade e o Amor.
Quando todas estas Forças são combinadas, guiadas pelo
Intelecto, reguladas pela RÉGUA do Direito, e da Justiça, e com
movimento e esforço combinados e sistemáticos, a grande
revolução preparada pelas eras começará amarchar. O PODER
da Própria Divindade está em equilíbrio comSua SABEDORIA.
Em consequência, o único resultado é a HARMONIA.

Como a Força é mal regulada, as revoluções se provam


falhas. Por isso é que, tão frequentemente, insurreições vindas
daquelas altas montanhas que tiranizam o horizonte moral, a
Justiça, a Sabedoria, a Razão e o Direito, construídas da mais
puraneve do ideal, após uma longa queda de rocha a rocha,
depois deterem refletido o céu em sua transparência e terem
sido enchidas por cem afluentes, no caminho majestoso do
triunfo, repentinamente se perdem em charcos, como um rio da
Califórnianas areias.

A marcha da raça humana adiante requer que as alturas

16
CAPÍTULO I . APRENDIZ

ao seu redor fulgurem com nobres e duradouras lições de


coragem. Feitos de ousadia deslumbram a história, e formam
uma classe dasluzes que orientam o homem. São as estrelas e
os coriscos do grande mar de eletricidade, a Força inerente nas
pessoas. Esforçar- se, enfrentar todos os riscos, perecer,
perseverar, ser verdadeiro para si mesmo, lutar corpo-a-corpo
com o destino, surpreender aderrota pelo pequeno terror que
inspira, ora enfrentar poderes injustos, ora desafiar o triunfo
intoxicado – estes são os exemplosque as nações precisam e a
luz que as eletriza.

Existem Forças imensas nas grandes cavernas do mal sob


a sociedade; na horrível degradação, sordidez, desgraça e
penúria, vícios e crimes que fedem e lentamente fervem na
escuridão nessapopulaça inferior ao povo, das grandes cidades.
Aí o desinteressedesaparece, cada um uiva, procura, tateia e se
rói por si mesmo. Ideias são ignoradas, e não há pensamento de
progresso. Essa populaça tem duas mães, ambas madrastas – a
Ignorância e a Miséria. O querer é seu único guia – somente
para o apetite desejam satisfação. Todavia, até estes podem ser
utilizadas. A humilde areia na qual pisamos, lançada na
fornalha, derretida, purificada pelo fogo, pode se tornar um
cristal resplandecente. Eles têm a força bruta do MALHO, mas
seus golpes servem à grande causa, quando desferidos dentro
das linhas traçadas pela RÉGUA controlada pela sabedoria e
discrição.

Todavia, é esta mesma Força das pessoas, este poder


Titânico dos gigantes, que constrói as fortificações de tiranos e é
incorporada em seus exércitos. Daí então a possibilidade de tais
tiranias, como as sobre as quais se tem dito que “Roma cheira pior
sob Vitélio do que sob Sula. Sob Cláudio e sob Domiciano há uma
deformidade de baixeza correspondente à feiura da tirania. A sujeira dos

17
MORAL E DOGMA

escravos é um resultado direto da baixeza atroz do déspota. Dessas


consciências contraídas é exalado um miasma que reflete seus mestres; as
autoridades públicas são impuras, corações são colapsados, consciências
encolhidas, almas debilitadas. É assim sob Caracala, é assim sob Cômodo, é
assim sob Heliogábalo, enquanto do senado Romano, sob César, emana
apenas o odor espesso peculiar ao ninho da águia”.

É a força das pessoas que sustenta todos estes


despotismos, o mais baixo e também o melhor. Essa força age
através dos exércitos; e estes mais comumente escravizam do
quelibertam. O despotismo, aí, aplica a RÉGUA. A Força é o
MAÇO de aço no arco da sela do cavaleiro ou do bispo em
armadura. Pela força, a obediência passiva sustenta tronos e
oligarquias, reis Espanhóis e senados Venezianos. O Poder, em
um exército manejado pela tirania, é a enorme soma total da
fraqueza absoluta;e assim, a Humanidade trava guerra contra a
Humanidade, a despeito da Humanidade. Assim um povo se
submete de bom grado ao despotismo, seus trabalhadores se
submetem a serem desprezados, e seus soldados a serem
chicoteados; por isso é que batalhas perdidas por uma nação
são, frequentemente, progresso alcançado. Menos glória é mais
liberdade. Quando o tambor silencia, a razão às vezes fala.

Tiranos usam a força do povo para acorrentar e subjugar


–isto é, subjugam o povo. Então, o fazem de arado, como os
homens fazem com bois jungidos à canga. Assim, o espírito de
liberdade e inovação é reduzido por baionetas, e princípios são
assolados por tiros de canhão; enquanto os monges se misturam
com os soldados, e a Igreja militante e jubilosa, Católica ou
Puritana, canta Te Deums pelas vitórias sobre a rebelião.

O poder militar, não subordinado ao poder civil,


novamente o MALHO ou MAÇO da FORÇA, independente

18
CAPÍTULO I . APRENDIZ

da RÉGUA, é uma tirania armada, nascida adulta, como


Ateneia brotada do cérebro de Zeus. Ele desova uma dinastia,
e começa com César para apodrecer em Vitélio e Cômodo.
Atualmente, tende a começar onde, antigamente, as dinastias
terminavam.

O povo constantemente oferece imensa resistência,


apenas para terminar em imensa fraqueza. A força do povo é
exaurida noprolongamento indefinido de coisas mortas desde há
muito tempo; ao governar a humanidade pelo embalsamento de
velhas e mortastiranias de Fé; restaurando dogmas dilapidados;
redourando santuários desbotados e carcomidos; caiando e
maquiando superstições antigas e estéreis; salvando a
sociedade pela multiplicação de parasitas; perpetuando
instituições aposentadas; reforçando a adoração de símbolos
como os meios reais de salvação; e atando o cadáver do
Passado boca a boca ao vivo Presente. Por isso é que uma das
fatalidades da Humanidade é sercondenada a eternas lutas com
fantasmas, com superstições, fanatismos, hipocrisias,
preconceitos, as fórmulas do erro e os argumentos da tirania.
Despotismos, vistos no passado, tornam-serespeitáveis, como a
montanha eriçada de rochas vulcânicas, áspera e horrenda, parece
ser, através da neblina da distância, azul, maciae bela. A visão
de uma única masmorra da tirania vale mais, para dissipar
ilusões e criar um ódio sagrado ao despotismo, e direcionar a
FORÇA corretamente, do que os tomos mais eloquentes. Os
Franceses deveriam ter preservado a Bastilha como uma lição
perpétua; a Itália não deve destruir as masmorras da Inquisição.
A Força do povo manteve o Poder que construiu suas celas
obscuras e colocou os vivos em seus sepulcros de granito.

A FORÇA do povo não pode, por sua ação irrefreável


e existência espasmódica, manter e continuar um Governo

19
MORAL E DOGMA

livre, uma vez criado. Tal Força deve ser limitada, refreada,
conduzidapela distribuição em canais diferentes e por cursos
indiretos, para escapes, de onde se questionaria quanto à lei,
ação e decisão do Estado; assim como os antigos sábios reis
Egípcios conduziram a canais diferentes, por subdivisão, as águas
abundantes do Nilo, e as compeliram a fertilizar e não devastar
a terra. Deve haver o jus etnorma, a lei e Régua, ou Escala, da
constituição e da lei, dentro da qual a força pública deve agir.
Faça-se uma brecha em qualquer uma delas e o grande martelo
a vapor, com seus golpes velozes e pesados, reduz todo o
mecanismo a átomos e, por fim, desconjuntando-se
violentamente, repousam morto e inerte em meio à ruína que
forjou.

A FORÇA das pessoas, ou a vontade popular, exercida


eem ação, simbolizada pelo MALHETE, regulada, guiada por,
e agindo dentro dos limites da LEI e da ORDEM, simbolizada
pelaRÉGUA DE VINTE E QUATRO POLEGADAS, tem
como seu fruto: LIBERDADE, IGUALDADE e
FRATERNIDADE
– liberdade regulada pela lei; igualdade de direitos aos olhos da
lei; irmandade com seus deveres e obrigações, bem como com
seus benefícios.

Você ouvirá falar em pouco tempo da PEDRA BRUTA


e da PEDRA PERFEITA, como parte das joias da Loja. A
Pedra Bruta é dita como “uma pedra, como retirada da pedreira, em seu
estado rude e natural”. A Pedra Perfeita é dita como “uma pedra
preparada pelas mãos dos trabalhadores, para ser ajustada pelas
ferramentas de trabalho dos Companheiros”. Não devemos repetir as
explicações destes símbolos dadas pelo Rito de York. Você
poderá lê-las em seus manuais impressos. São declaradas para
aludirem ao autoaperfeiçoamento do trabalhador individual, –

20
CAPÍTULO I . APRENDIZ

uma continuação da mesma interpretação superficial.

A Pedra Bruta é o POVO, como uma massa, rude e


desorganizado. A Pedra Perfeita, ou Pedra Cúbica, símbolo da
perfeição, é o ESTADO, os regentes derivando seus poderes
do consentimento dos governados; a constituição e as leis
dizendo a vontade do povo; o governo harmonioso, simétrico,
eficiente, – seus poderes propriamente distribuídos e
devidamente ajustados em equilíbrio.

Se delinearmos um cubo sobre uma superfície plana, assim:

Teremos visíveis três faces e nove linhas externas,


desenhadas entre sete pontos. O cubo completo tem três faces
a mais, formando seis; três linhas a mais, formando doze; e um
ponto a mais, formando oito. Como o número 12 inclui os
números sagrados 3, 5, 7, e 3 vezes 3, ou 9, e é produzido pela
soma dos números sagrados 3 e 9; enquanto seus próprios dois
dígitos 1, 2, a unidade ou mônada, e dúada, somadas juntas,
geramo mesmo número sagrado 3; ele foi chamado de número
perfeito –e o cubo se tornou o símbolo da perfeição.

Produzido pela FORÇA, agindo pela RÉGUA;

21
MORAL E DOGMA

martelado de acordo com as linhas mensuradas pela Escala, a


partir da Pedra Bruta, é um símbolo apropriado da Força do
povo, expressa como a constituição e lei do Estado; e as três
faces visíveis representam os três departamentos do próprio
Estado, – o Executivo, que executa as leis; o Legislativo, que
faz as leis; o Judiciário, que interpreta as leis, as aplica e as
reforça, entre pessoa e pessoa, entre Estado e os cidadãos. As três
faces invisíveis são a Liberdade, aIgualdade e a Fraternidade, –
a alma tríplice do Estado, – sua vitalidade, espírito e intelecto.

* * * * * *

Apesar da Maçonaria não usurpar o lugar nem imitar a


religião, a oração é parte essencial de nossas cerimônias. É a
aspiração da alma em direção à Inteligência Absoluta e Infinita,
que é a Suprema Divindade Única, mais delicada e
desentendidamente caracterizada como um “ARQUITETO”.
Certas faculdades do homem são dirigidas para o Desconhecido

o pensamento, a meditação, a oração. O desconhecido é um
oceano, do qual a consciência é a bússola. Pensamento, meditação,
oração, são os grandes misteriosos pontos apontados pela
agulha.É um magnetismo espiritual que assim conecta a alma
humana com a Divindade. Estas irradiações majestosas da alma
penetram a sombra em direção à luz.

É um escárnio superficial dizer que a oração é absurda


porque não nos seria possível, por meio dela, persuadir Deus a
mudar Seus planos. Ele produz efeitos pré-conhecidos e pré-
planejados, através da instrumentalidade das forças da
natureza, todas elas Suas forças. Nossa própria é parte destas.
Nossa livre agência e vontade são forças. Não deixamos
absurdamente de fazer esforços para alcançar riqueza ou

22
CAPÍTULO I . APRENDIZ

felicidade, prolongar a vida, e manter a saúde, só porque não


podemos, por qualquer esforço, mudar o que está predestinado.
Se o esforço também é predestinado, não menos será o nosso
esforço, criado de nossa livre vontade. Portanto, do mesmo
modo, oramos. A Vontade é uma força. O Pensamento é uma
força. A Oração é uma força. Porque não seria da lei de Deus que
a oração, tal como a Fé e o Amor,tivesse seus efeitos? O homem
não deve ser compreendido como um ponto de partida, nem o
progresso como um objetivo, sem essas duas grandes forças, a
Fé e o Amor. A oração é sublime. Preces que pedem e clamam
são dignas de pena. Negar a eficáciada oração é negar a da Fé,
do Amor e do Esforço. Apesar disso, os efeitos produzidos,
quando nossa mão, movida por nossa vontade, lança um seixo no
oceano, nunca cessam; e toda palavra pronunciada é registrada
no ar invisível para toda a eternidade.

Toda Loja é um Templo, no todo e em seus detalhes,


simbólica. O próprio Universo forneceu ao homem o modelo
dos primeiros templos edificados à Divindade. O arranjo do
Templo de Salomão, os ornamentos simbólicos que formavam
suas decorações principais, e o vestuário do Sumo Sacerdote, tudo
fazia referência à ordem do Universo, como então entendido. O
Templo continha muitos emblemas das estações – o sol, a lua,
osplanetas, as constelações da Ursa Maior e da Ursa Menor, o
zodíaco, os elementos, e outras partes do mundo. O Mestre
dessa Loja, e do Universo, é Hermes, de quem Khūrūm é o
representante, que é uma das luzes da Loja.

Para instrução adicional quanto ao simbolismo dos


corpos celestiais, dos números sagrados e do templo e seus
detalhes, vocêdeve aguardar pacientemente até seu avanço na
Maçonaria, neste meio tempo exercitando seu intelecto
estudando-os por si só. Estudar e procurar interpretar

23
MORAL E DOGMA

corretamente os símbolos do Universo é o trabalho do sábio e


do filósofo. É decifrar a escrita de Deus, e penetrar em Seus
pensamentos.

Isto é o que é perguntado e respondido em nosso


catecismo, no que diz respeito à Loja.

* * * * * *
Uma “Loja” é definida como uma “reunião de Maçons,
pontualmente congregados, tendo a escritura sagrada, o esquadro e o
compasso, e um alvará, ou certificado de constituição, autorizando-os a
trabalhar”. A sala ou lugar no qual se reúnem, representando uma
parte do Templo do Rei Salomão, também é chamada de Loja;
e isto é o que nós agora estamos considerando.

Diz-se que é suportada por três grandes colunas,


SABEDORIA, FORÇA e BELEZA, representadas pelo
Mestre, o Primeiro Vigilante e o Segundo Vigilante; e estas são as
colunas que sustentam a Loja, “porque Sabedoria, Força e Beleza são a
perfeição de tudo, e nada pode perdurar sem elas”. “Porque”, diz o Rito
de York, “é necessário que haja Sabedoria para conceber, Força para
sustentar e Beleza para adornar todos os empreendimentos grandes e
importantes”. “Não sabeis”,diz o Apóstolo Paulo, “que sois o templo de
Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se algum homem profanar
o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é sagrado, e o
templo sois vós”.

A Sabedoria e o Poder da Divindade estão em


equilíbrio. As leis da natureza e as leis morais não são meros
mandatos despóticos de Sua vontade Onipotente; pois então
poderiam ser mudadas por Ele, e a ordem se tornar desordem,
e o bom e o certo se tornarem mau e errado; honestidade e
lealdade, vícios; efraude, ingratidão e vício, virtudes. O poder

24
CAPÍTULO I . APRENDIZ

Onipotente, infinito, existindo só, necessariamente não seria


forçado à consistência. Seus decretos e leis poderiam não ser
imutáveis. As leis de Deusnão são obrigatórias para nós porque
são decretos de Seu PODER, ou expressão de Sua
VONTADE; mas porque expressam sua infinita
SABEDORIA. Não são certas porque são Suas leis, mas são
Suas leis porque são certas. Do equilíbrio entre a sabedoria
infinita e a força infinita resulta a harmonia perfeita, nafísica e
no universo moral. Sabedoria, Poder e Harmonia constituem
uma tríade Maçônica. Eles têm outros e mais profundos
significados, que podem em algum tempo lhe serdesvelados.

Quanto a uma explicação mais normal e ordinária, pode-se


acrescentar que a sabedoria do Arquiteto é apresentada em
combinação, como apenas um Arquiteto hábil pode fazer, e
comoDeus tem feito em todo lugar, – por exemplo, na árvore,
na estrutura humana, no ovo, nas células do favo de mel – força,
comgraça, beleza, simetria, proporção, leveza e ornamentação.
Essa é,também, a perfeição do orador e do poeta – combinar
força, resistência, energia, com a graça de estilo, as cadências
musicais, a beleza das figuras, o jogo e irradiação de imaginação
e fantasia; eassim, em um Estado, a força guerreira e industrial
do povo, e sua força Titânica, devem ser combinadas com a
beleza das artes, comas ciências e com o intelecto, se o Estado
quiser escalar as alturas da excelência e o povo ser realmente
livre. Harmonia nisto, como em todo o Divino, material, e
humano, é o resultado do equilíbrio,da simpatia e ação oposta
dos contrários; uma única Sabedoria sobre eles mantendo o
travessão da balança. Reconciliar a lei moral, responsabilidade
humana, livre arbítrio, com o poder absoluto de Deus; e a
existência do mal com Sua absoluta sabedoria e bondade e
misericórdia, – estes são os grandes enigmas da Esfinge.

25
MORAL E DOGMA

Você ingressou na Loja entre duas colunas. Elas


representam as duas que estavam no pórtico do Templo, em
cadalado da grande entrada oriental. Esses pilares, de bronze, de
quatro dedos de espessura, tinham, de acordo com as descrições
mais autênticas – estas no Primeiro e no Segundo Livro dos
Reis, e confirmadas em Jeremias – dezoito cúbitos de altura,
com um capitel de cinco cúbitos de altura. O eixo de cada uma
delas era dequatro cúbitos de diâmetro. Um cúbito tem 30 1/2
cm. Isto é, o eixo de cada coluna tinha pouco mais de trinta
pés e oito polegadas de altura, cada capitel pouco mais de oito
pés e seis polegadas de altura, e o diâmetro do eixo seis pés e dez
polegadas. Os capitéis estavam enriquecidos com romãs de
bronze, cobertas com redes de bronze, e ornamentados com
grinaldas de bronze; e parecem ter imitado a forma dos
pericarpos do lótus ou lírio Egípcio, um símbolo sagrado para
os Hindus e Egípcios. O pilar ou coluna da direita, ou do sul,
era chamado, como a palavra Hebraica é reproduzida em nossa
tradução da Bíblia, JACHIN; eo da esquerda, BOAZ. Nossos
tradutores dizem que a primeira palavra significa “Ele
estabelecerá”, e a segunda “nele está a força”.

Essas colunas eram imitações, feitas por Khūrūm, o


artistaTírio, das grandes colunas consagradas aos Ventos e ao
Fogo, naentrada do famoso Templo de Malkarth, na cidade de
Tiro. É costumeiro, em Lojas do Rito de York, ver-se um globo
celestialem uma e um globo terrestre na outra; mas estes não
são justificados, se o objetivo for imitar as duas colunas
originais do Templo. O significado simbólico dessas colunas
deixaremos poragora inexplicado, acrescentando apenas que os
Aprendizes Iniciados guardam suas ferramentas de trabalho na
coluna JACHIN; e lhe dando a etimologia e significado literal
dos dois nomes.

26
CAPÍTULO I . APRENDIZ

A palavra Jachin, em hebraico, é ‫יכין‬. Era


provavelmentepronunciada Ya-kayan, e significava, como um
substantivo, Aquele que fortalece; e por isso, firme, estável,
ereto.

A palavra Boaz é ‫בעז‬, Baaz. ‫ עז‬significa Forte, Força,


Poder, Refúgio, Fonte de Força, um Forte. O ‫ ב‬prefixado
significa “com” ou “em”, e dá à palavra a força do gerúndio
Latino roborando – Fortalecendo.

A palavra anterior também significa ele estabelecerá,


ou plantará numa posição ereta, – do verbo ‫כון‬, Kūn,
permaneceu ereto. Provavelmente significava Ativo e
Energia Vivificante e Força; e Boaz, Estabilidade,
Permanência, no sentido passivo.

Das Dimensões da Loja, nossos Irmãos do Rito de York


dizem, “ilimitadas e cobrem não menos do que a abóbada Celeste”. “A
esseobjeto,” dizem eles, “a mente do Maçom é continuamente dirigida e
para aliele espera enfim chegar pela a ajuda da escada teológica que Jacó, em
sua visão,viu ascendendo da terra para o Céu; as três voltas principais
eram denominadas Fé, Esperança e Caridade; e que nos admoesta a ter
Fé em Deus, Esperança na Imortalidade e Caridade para com toda a
Humanidade”. Da mesma forma, uma escada, algumas vezes com
nove voltas, é vista no painel, repousando na base da terra, e
seu topo nas nuvens, com estrelas brilhando sobre ela; é
consideradoque isto representa aquela escada mística que Jacó
viu em seu sonho, apoiada na terra, e seu topo alcançando o
Céu, com os anjos de Deus subindo e descendo por ela. O
acréscimo das três primeiras voltas ao simbolismo é totalmente
moderno e impróprio.

Os antigos contavam sete planetas, assim arranjados: a

27
MORAL E DOGMA

Lua, Mercúrio, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Havia sete


céus e sete esferas desses planetas; sobre todos os monumentos
a Mitra existem sete altares ou piras, consagrados aos sete
planetas, assimcomo as sete lâmpadas do castiçal dourado do
Templo. Que estes representavam os planetas, nos assegura
tanto Clemente de Alexandria, em seu Stromata, quanto Fílon,
o Judeu.

Para retornar à sua fonte no Infinito, a alma humana,


afirmavam os antigos, tinha que ascender tal como havia
descido,através das sete esferas. A Escada pela qual reascende
tem, de acordo com Marsílio Ficino, em seus Comentários sobre as
Enéadas de Plotino, sete degraus ou passos; e nos Mistérios de
Mitra, levados a Roma sob os Imperadores, a escada, com suas
sete voltas, era umsímbolo referente a esta ascensão através das
esferas dos sete planetas. Jacó viu os Espíritos de Deus subindo
e descendo por ela; e acima dela a Própria Divindade. Os
Mistérios Mitríacos eram celebrados em cavernas, onde portais
eram marcados nos quatro pontos equinociais e solsticiais do
zodíaco; e as sete esferas planetárias estavam representadas, as
quais as almas necessitavam atravessar na descida do céu das
estrelas fixas para os elementos que envolvem a terra; e sete
portais eram marcados, um para cadaplaneta, através dos quais
elas passavam, descendo ou voltando.

Aprendemos isto de Celso, em Origem, que diz que a


imagem simbólica desta passagem entre as estrelas, usadas nos
Mistérios Mitríacos, era uma escada se estendendo da terra para
oCéu, dividida em sete degraus ou estágios, para cada um dos
quais havia um portal, e na cúpula um oitavo, o das estrelas
fixas. O símbolo era o mesmo que o dos sete estágios de
Borsippa, a Pirâmide de tijolos vitrificados, perto da Babilônia,
construída em sete estágios, cada um de cor diferente. Nas

28
CAPÍTULO I . APRENDIZ

cerimônias Mitríacas o candidato atravessava os sete estágios da


iniciação, passando pordiversos processos temíveis – e destes a
escada alta com sete voltas ou degraus era o símbolo.

Você vê a Loja, seus detalhes e ornamentos, por suas


Luzes. Você já ouviu o que se diz serem estas Luzes, das
maioresàs menores, e como elas são faladas por nossos Irmãos
do Rito deYork.

A Bíblia Sagrada, o Esquadro e o Compasso não são


somente estilizados como Grandes Luzes na Maçonaria, mas
também são tecnicamente chamados de Mobília da Loja; e,
comovocê viu, se assegura que não existe Loja sem eles. Isto,
algumas vezes, tem sido um pretexto para excluir Judeus de
nossas Lojas, porque eles não podem estimar o Novo
Testamento como um livro sagrado. A Bíblia é parte
indispensável da mobília de uma Loja Cristã, apenas porque é
o livro sagrado da religião Cristã. OPentateuco Hebraico numa
Loja Hebraica, e o Alcorão numa Muçulmana, pertencem ao
Altar; e algum destes, mais o Esquadro e o Compasso,
propriamente entendidos, são as Grandes Luzes pelas quais um
Maçom deve andar e trabalhar.

A obrigação do candidato deve sempre ser tomada sobre


o livro ou livros sagrados de sua religião, qual seja que ele
considere mais solene e obrigatório; e por isso lhe perguntaram
qual era a sua religião. Não temos nenhuma outra preocupação
quanto a seu credo religioso.

O Esquadro é um ângulo reto, formado por duas linhas


retas. É adaptado somente a uma superfície plana e pertence
unicamente à geometria, à medição da terra, à trigonometria que
lida apenas com planos, e com a Terra, que os antigos supunham

29
MORAL E DOGMA

ser plana. O Compasso descreve círculos, e lida com a


trigonometria esférica, a ciência das esferas e céus. O primeiro,
portanto, é um emblema do que concerne à terra e ao corpo; o
ultimo, do que concerne aos céus e à alma. Ainda assim, o
Compasso também é usado na trigonometria plana, para se erigir
perpendiculares; por isso, você é lembrado de que, apesar de neste
Grau ambas as pontas do Compasso estarem sob o Esquadro, você
está agora lidando apenas com os significados morais e políticos
dos símbolos, e não com suas significações filosóficas eespirituais,
ainda assim o divino sempre se mistura com o humano;o espiritual
se mescla com o terreno; e existe algo espiritual nos deveres mais
comuns da vida. As nações não são apenas corpos políticos, mas
também espíritos políticos; e ai dos povos que, buscando apenas
o material, se esquecem de que possuem uma alma. Neste caso
temos uma raça petrificada em dogma, que possuem uma alma.
Neste caso temos uma raça petrificada em dogma, que pressupõe
a ausência de uma alma e a presença somente da memória e do
instinto, ou desmoralizada pelo lucro. Tal natureza nunca pode
liderar a civilização. À genuflexão perante o ídolo ou perante o
dinheiro atrofia o músculo que caminha e a vontade que se move.
A absorção hierática ou mercantil diminui o brilho de um povo,
abaixa seu horizonte ao abaixar seu nível, e o priva do
entendimento do objetivo universal, ao mesmo tempo humano e
divino, que forma as nações missionárias.

Um povo livre, se esquecendo de que tem uma alma a


cuidar, devota todas as suas energias ao avanço material. Se faz
guerra, esta é subserviente aos seus interesses comerciais. Os
cidadãos copiam o Estado, e estimam a riqueza, a pompa e luxo
como os grandes bens da vida. Tal nação cria fortuna rapidamente
e a distribui muito mal. Daí os dois extremos, de monstruosa
opulência e monstruosa miséria; todos os prazeres para alguns,

30
CAPÍTULO I . APRENDIZ

todas as privações para o resto, quer dizer, para o povo; Privilégio,


Exceção, Monopólio e Feudalismo emergem do próprio
Trabalho: uma situação falsa e perigosa, que, fazendo do
Trabalho um Ciclope cego e acorrentado, na mina, na forja, na
oficina, no tear, no campo, entre gases venenosos, em celas
miasmáticas, em fábricas sem ventilação, alicerça seu poder
público sobre a miséria privada, e planta a grandeza do Estado no
sofrimento do indivíduo. É uma grandeza mal constituída, na qual
todos os elementos materiais estão combinados, e na qual não
entra nenhum elemento moral. Embora um povo, qual uma
estrela, tenha o direito de eclipsar, a luz deve retornar. O eclipse
não deve degenerar em noite.

As três menores, ou as Luzes Sublimes, você ouviu que


são o Sol, a Lua e o Mestre da Loja; também ouviu o que nossos
Irmãos do Rito de York dizem a respeito delas, e porque
acreditam que são as Luzes da Loja. Mas o Sol e a Lua em
nenhum sentido iluminam a Loja, senão simbolicamente, e,
portanto, não são eles as luzes, mas sim as coisas das quais são
símbolos. O Maçom do Rito de York não diz do que são símbolos.
Nem a Lua, em qualquer sentido, governa a noite com
regularidade.

O Sol é o símbolo antigo do poder vivificante e generativo


da Divindade. Para os antigos, a luz era a causa da vida; e Deus
era a fonte da qual toda a luz fluía; a essência da Luz, o Fogo
Invisível, desenvolvido como chama manifesta como luz e
esplendor. O Sol era a Sua manifestação e imagem visível; e os
Sabeus, adorando o Deus-Luz, pareciam adorar o Sol, no qual
viam a manifestação da Divindade.

A Lua era o símbolo da capacidade passiva da natureza de

31
MORAL E DOGMA

procriar, a fêmea, da qual o poder e energia fecundante era o


macho. Era o símbolo de Ísis, Astarte, e Ártemis, ou Diana. O
“Mestre da Vida” era a Divindade Suprema, acima de ambos, e
manifesto através de ambos; Zeus, o Filho de Saturno, se torna
Rei dos Deuses; Hórus, filho de Osíris e Ísis, se torna o Mestre da
Vida; Dionísio ou Baco, tal como Mitra, se torna o autor da Luz,
da Vida e da Verdade.

Os Mestres da Luz e da Vida, o Sol e a Lua, são


simbolizados em todas as Lojas pelo Mestre e pelos Vigilantes: e
isto torna dever do Mestre dispensar luz aos Irmãos, por si
próprio, e através dos Vigilantes, que são seus ministros. “Nunca
mais se porá o teu sol”, diz ISAÍAS a Jerusalém, “nem a tua lua
minguará, porque o Senhor será a tua luz perpétua, e os dias do
teu luto findarão. E todos os do teu povo serão justos, para
sempre herdarão a terra.”. Tal é um modelo de povo livre.

Nossos ancestrais nórdicos adoravam uma Divindade


triuna; ODIN, o PAI Todo-Poderoso; FREA, sua esposa,
emblema da matéria universal; e THOR, seu filho, o mediador.
Mas acima de todos estava o Deus Supremo, “o autor de tudo o
que existe, o Eterno, o Antigo, o Ser Vivo e Terrível, o Buscador
de coisas ocultas, o Ser que nunca muda”. No Templo de Elêusis
(um santuário iluminado apenas por uma janela no teto,
representando o Universo), estavam representadas as imagens do
Sol, da Lua e de Mercúrio.

“O Sol e a Lua”, diz o erudito Ir.·. DELAUNAY,


“representam os dois grandes princípios de todas as gerações, o
ativo e o passivo, o macho e a fêmea. O Sol representa a
verdadeira luz. Ele derrama seus raios fecundos sobre a Lua;
ambos projetam suas luzes sobre sua descendência, a Estrela

32
CAPÍTULO I . APRENDIZ

Flamejante, ou HÓRUS, e os três formam o grande Triângulo


Equilátero, no centro do qual está a letra omnífica da Cabala,
pela qual se diz que a criação foi realizada.”.

Os ORNAMENTOS de uma Loja são o “Pavimento


Mosaico, a Orla Dentada e a Estrela Flamejante”. O Pavimento
Mosaico, axadrezado com quadrados ou losangos, representa o
andar térreo do Templo do Rei Salomão; e a Orla Dentada,
“aquela linda orla que o envolvia”. Diz-se que a Estrela
Flamejante no centro é um “emblema da Divina Providência, e
comemorativa da estrela que surgiu para guiar os homens sábios
desde o Oriente até o local de nascimento de nosso Salvador”.
Mas “não se via pedras” no Templo. As paredes eram cobertas
com pranchas de cedro e o piso com pranchas de abetos. Não
existe evidência de que tivesse existido tal pavimento ou piso no
Templo, nem tal madeiramento; na Inglaterra, antigamente, a
Tábua de Traçar era envolta por uma orla dentada; e somente na
América tal orla é colocada em volta do pavimento Mosaico. As
tésseras, na verdade, são os quadrados ou losangos do pavimento.
Na Inglaterra, também, “a borda dentada ou denticulada” é
chamada de “tesselado” porque tem quatro franjas (em inglês,
“tassels”), que representam Temperança, Força, Prudência e
Justiça. Foi chamada de Orla Dentada, mas trata-se de um uso
impróprio das palavras. É um “pavimento tesselado” com uma
borda dentada o envolvendo.

O pavimento, alternadamente preto e branco, simboliza,


intencionalmente ou não, os Princípios do Bem e do Mal do credo
Egípcio e Persa. É o combate entre Miguel e Satã, entre os Deuses
e os Titãs, entre Balder e Lóki; entre a luz e a sombra, que é a
escuridão; Dia e Noite; Liberdade e Despotismo; Liberdade
Religiosa e Dogmas Arbitrários de uma Igreja que pensa por seus

33
MORAL E DOGMA

devotos, da qual o Pontífice se declara infalível, e da qual os


decretos de seus Conselhos se constituem um evangelho.

As faces desse pavimento, se losangulares, serão


necessariamente dentadas ou denticuladas, como um serrote; e
para completá-lo e finalizá-lo uma bordadura é necessária. É
complementado por tesselas como ornamentos aos cantos. Se
estes e a bordadura têm algum significado, ele é fantasioso e
arbitrário.

Encontrar na ESTRELA FLAMEJANTE de cinco


pontas uma alusão à Divina Providência é igualmente fantasioso;
e fazê-la um comemorativo da Estrela que guiou os Magos, é dar-
lhe um significado comparativamente moderno. Originalmente,
representava SÍRIUS, ou a estrela-Cão, o precursor da inundação
no Nilo; o deus ANÚBIS, companheiro de Ísis em sua busca pelo
corpo de OSÍRIS, seu irmão e marido. Então, se tornou a imagem
de HÓRUS, o filho de OSÍRIS, ele mesmo também simbolizado
pelo Sol, o autor das Estações do Ano, e o deus do Tempo; Filho
de Ísis, que era a natureza universal, ele próprio a matéria
primitiva, fonte inexaurível de Vida, centelha de fogo incriado,
semente universal de todos os seres. Era HERMES, também, o
Mestre do Conhecimento, cujo nome em grego é o do Deus
Mercúrio. Tornou-se o caráter ou sinal sagrado e poderoso dos
Magos, o PENTALFA, e é o emblema significativo da
Liberdade, flamejando com uma radiação constante em meio a
elementos tumultuosos de bem e de mal das Revoluções, e de céus
promissoramente serenos e estações férteis para as nações, após
as tormentas de mudanças e tumultos.

No Oriente da Loja, sobre o Mestre, incluída em um


triângulo, está a letra hebraica YOD [ ‫ י‬ou ]. Nas Lojas Inglesas e

34
CAPÍTULO I . APRENDIZ

Americanas, a Letra G.·. a substituiu como a inicial da palavra


GOD, com tão pouca razão quanto seria se, ao invés da letra
própria, fosse usada a inicial D de DIEU em Lojas Francesas. O
YOD é, na Cabala, o símbolo da Unidade, da Deidade Suprema,
a primeira letra do Nome Sagrado; é, também, um símbolo das
Grandes Tríades Cabalísticas. Para compreender seus
significados místicos, você deve abrir as páginas do Zohar e do
Siphra Dtzenioutha, e outros livros cabalísticos, e ponderar
profundamente sobre seu significado. É suficiente dizer que ela é
a Energia Criativa da Divindade, e que é representada como um
ponto, esse ponto no centro do Círculo da imensidão. É para nós,
neste Grau, o símbolo da Divindade não manifestada, do
Absoluto, que não possui nome.

Nossos Irmãos franceses colocam esta letra, YOD, no


centro da Estrela Flamejante. E, em velhos ensinamentos, nossos
antigos Irmãos Ingleses disseram “a Estrela Flamejante ou
Glória, no centro, nos remete ao grande luminar, o Sol, que
ilumina a terra, e por sua influência genial dispensa bênçãos à
humanidade”. Também nos mesmos ensinamentos, o chamavam
de emblema da PRUDÊNCIA. A palavra Prudentia significa, em
seu sentido original e completo, Previsão; e, adequadamente, a
Estrela Flamejante tem sido considerada como emblema da
Onisciência, ou o Olho que Tudo Vê, que, para os Iniciados
Egípcios, era o emblema de Osíris, o Criador.

Com o YOD no centro, tem o significado cabalístico da


Energia Divina, manifestada como Luz, criando o Universo.

As Joias da Loja são em número de seis. Três são


chamadas “Móveis”, e três “Imóveis”. O ESQUADRO, o
NÍVEL e o PRUMO eram, antiga e propriamente, chamados de

35
MORAL E DOGMA

Joias Móveis, porque passam de um Irmão para o outro. É uma


inovação moderna chamá-las de imóveis, só porque elas devem
sempre estar presentes na Loja. As joias imóveis são a PEDRA
BRUTA, a PEDRA PERFEITA ou PEDRA CÚBICA, ou, em
alguns Rituais, o CUBO DUPLO, e a TÁBUA DE TRAÇAR.

Sobre estas joias nossos Irmãos do Rito de York dizem:


“O Esquadro inculca Moralidade; o Nível, Igualdade; e o
Prumo, Retidão de Conduta.” Suas explicações das Joias imóveis
podem ser lidas em seus manuais. Nossos Irmãos do Rito de York
dizem que “em toda Loja bem dirigida existe um certo ponto
representado, dentro de um círculo; o ponto representando um
Irmão, individualmente; o Círculo, a linha delimitadora de sua
conduta, além da qual ele nunca sofrerá danos ou paixões que o
traiam”.

Isto não é interpretar os símbolos da Maçonaria. Alguns


dizem que, com uma abordagem mais próxima a fim de
interpretação, o ponto dentro do círculo representa Deus no centro
do Universo. É um sinal Egípcio comum para o Sol e Osíris, e
ainda é usado como sinal astronômico do grande luminar. Na
Cabala, o ponto é YŌD, a Energia Criativa de Deus, irradiando
com luz o espaço circular que Deus, a Luz universal, deixou vago
para criar os mundos, ao retirar de lá Sua substância de Luz e
concentrá-la em todos os lados, a partir de um ponto.

Nossos Irmãos acrescentam que “esse círculo é limitado


por duas linhas perpendiculares paralelas, que representam São
João Batista e São João Evangelista, e no topo estão as Sagradas
Escrituras” (um livro aberto). “Ao circundar esse círculo”,
dizem eles, “tocamos, necessariamente, essas duas linhas, assim
como às Sagradas Escrituras; e enquanto um Maçom se mantém

36
CAPÍTULO I . APRENDIZ

circunscrito a seus preceitos, torna-se impossível que possa


concretamente errar”.

Seria uma perda de tempo comentar a respeito. Alguns


escritores imaginaram que as linhas paralelas representam os
Trópicos de Câncer e de Capricórnio, que o Sol toca,
alternadamente, nos solstícios de Verão e de Inverno. Mas os
trópicos não são linhas perpendiculares, e a ideia é meramente
fantasiosa. Se as linhas paralelas, alguma vez, pertenceram ao
símbolo antigo, elas possuíram algum significado mais recôndito
e mais frutífero. Provavelmente, elas teriam o mesmo significado
das colunas gêmeas Jachin e Boaz. Este significado não é para o
Aprendiz. O adepto pode encontrá-lo na Cabala. A JUSTIÇA e a
MISERICÓRDIA de Deus estão em equilíbrio, e o resultado é
HARMONIA, porque uma Única e Perfeita Sabedoria preside
sobre ambas.

As Escrituras Sagradas são uma adição inteiramente


moderna ao símbolo, como os globos terrestre e celestial nas
colunas do pórtico. Assim, o antigo símbolo foi desnaturalizado
por adições incongruentes, tal como Ísis chorando sobre a coluna
quebrada que continha os restos de Osíris em Biblos.

A Maçonaria tem seu Decálogo, que é uma lei para seus


Iniciados. Estes são seus Dez Mandamentos:

1. ⊕.·. Deus é a SABEDORIA Eterna, Onipotente e Imutável,


INTELIGÊNCIA Suprema e AMOR Incansável.
Adorá-Lo-eis, reverenciá-Lo-eis e amá-Lo-eis!
Honrá-Lo-eis praticando as virtudes!

2. ○.·. Vossa religião será fazer o bem porque é um prazer para

37
MORAL E DOGMA

vós, não simplesmente porque seja um dever.

Para que sejais amigos das pessoas sábias, obedecereis a seus


preceitos!
Vossa alma é imortal! Nada fareis para degradá-la!

3. ⊕.·. Guerreareis incessantemente o vício!


Não fareis para outros o que não quereis que façam a vós!
Sereis submissos às vossas venturas, e mantereis acesa a luz da
sabedoria!

4. ○.·. Honrareis vossos pais!


Respeitareis e homenageareis os velhos!
Ensinareis os jovens!

Protegereis e defendereis a infância e a inocência!

1. ⊕.·. Afagareis vossa esposa e vossos filhos!


Amareis vosso país e obedecereis às suas leis!

2. ○.·. Vosso amigo será vossa segunda metade!


O infortúnio não vos afastará dele!
Fareis em sua memória tudo o que faríeis se ele estivesse vivo!
3. ⊕.·. Evitareis e fugireis de amizades insinceras!
Refrear-vos-eis de todos os excessos.

Temereis ser a causa de qualquer mácula em vossa lembrança!

1. ○.·. Não permitireis que paixões sejam vossos guias!


Fareis das paixões dos outros lições de proveito para vós!
Sereis indulgentes ao erro!

38
CAPÍTULO I . APRENDIZ

2. ⊕.·. Escutareis muito; falareis pouco!


Agireis corretamente!
Esquecereis as injúrias!
Fareis o bem em retribuição ao mal!

Não usareis indevidamente vossa força nem vossa superioridade!


1. ○.·. Estudareis para conhecer as pessoas; com isso podereis
conhecer a vós mesmos!

Sempre buscareis a virtude!


Sereis justos!
Evitareis a preguiça!

Mas o grande mandamento da Maçonaria é: “Dou-vos um


novo mandamento: Amareis uns aos outros! Aquele que disser
estar na luz e odeia seu irmão, ainda estará na escuridão”.

Tais são os deveres morais de um Maçom. Mas é também


dever da Maçonaria assistir na elevação do nível moral e
intelectual da sociedade; cunhando conhecimento, trazendo ideias
à circulação e motivando a mente da juventude a crescer;
colocando a raça humana em harmonia com seus destinos,
gradualmente, mediante o ensinamento de axiomas e a
promulgação de leis positivas.

Para este dever e trabalho o Iniciado é aprendiz. Não deve


imaginar que não pode afetar nada e, portanto, desesperando-se,
permanecer inerte. É assim nisto, como na vida diária de um
homem. Muitos grandes feitos são executados nas pequenas lutas
da vida. Existe, nos informam, determinada, porém invisível
bravura, que se defende passo a passo, na escuridão, contra a
invasão fatal da necessidade e da baixeza. Existem triunfos nobres

39
MORAL E DOGMA

e misteriosos, que os olhos não veem, que não têm recompensas


renomadas e que nenhuma fanfarra de trompetes saúda. A vida, o
infortúnio, o isolamento, o abandono, a pobreza, são campos de
batalha que têm seus herois, – herois obscuros, mas algumas
vezes maiores do que aqueles que se tornam ilustres. O Maçom
deve lutar da mesma maneira, e com a mesma bravura, contra
aquelas invasões da necessidade e da baixeza que atingem as
nações, bem como aos homens. O Maçom deve enfrentá-las
também passo a passo, mesmo na escuridão, e protestar contra os
erros e a
insensatez nacional; contra a usurpação e as primeiras
invasões desta hidra, a Tirania.

Não há eloquência mais soberana do que a verdade


indignada. É mais difícil para um povo manter do que ganhar sua
liberdade. Os Protestos da Verdade são sempre necessários. O
direito deve continuamente protestar contra o Fato. Existe, na
realidade, Eternidade no Direito. O Maçom deve ser o Sacerdote
e o Soldado desse Direito.

Se sua pátria tiver roubadas as suas liberdades, não deve


se desesperar. O protesto do Direito contra o Fato persiste para
sempre. O roubo de um povo nunca prescreve. A reclamação
desses direitos nunca é barrada. Varsóvia não pode mais ser
Tártara do que Veneza Teutônica. Um povo pode suportar
usurpações militares, Estados subjugados se ajoelharem a Estados
e usarem a canga, enquanto sob pressão da necessidade; mas,
quando a necessidade desaparece, se o povo estiver preparado
para ser livre, o país submerso virá à tona e reaparecerá, e a
Tirania será adjudicada pela História por ter assassinado suas
vítimas.

40
CAPÍTULO I . APRENDIZ

Seja lá o que ocorrer, devemos ter Fé na Justiça e na


Sabedoria soberana de Deus, Esperança no Futuro e Benevolência
Afetuosa para com os que erram. Deus torna Sua vontade visível
às pessoas através de acontecimentos; um texto obscuro, escrito
numa linguagem misteriosa. As pessoas traduzem-na imediata,
rápida e incorretamente, com muitos erros, omissões e
interpretações falhas. Vemos tão resumidamente um caminho ao
longo do arco do grande círculo! Poucas mentes compreendem o
idioma Divino. Os mais sagazes, os mais calmos, os mais
profundos, decifram hieróglifos lentamente; e, quando voltam
com seu texto, talvez a necessidade há muito desaparecera; já
existem vinte traduções em praça pública – a maioria é incorreta
e, é claro, são as mais aceitas e populares. De cada tradução nasce
um partido; de cada interpretação falha, uma facção.

Cada partido acredita ou finge que detém o único texto


verdadeiro, e cada facção acredita ou finge que apenas ela possui
a Luz. Além disso, facções são gente cega, que apontam
retamente, e erros são projéteis excelentes, atingindo habilmente,
e com toda a violência que salta de argumentos falsos, onde quer
que uma falta de lógica naqueles que defendem o direito os faça
vulneráveis, como uma falha em uma couraça.

Portanto, muitas vezes seremos frustrados ao combater o


erro diante do povo. Anteu resistiu a Hércules por longo tempo; e
as cabeças da Hidra cresceram tão rapidamente quanto foram
cortadas. É um absurdo se dizer que o Erro, ferido, se contorce
em dor, e morre em meio aos seus adoradores. A Verdade
conquista lentamente. Há uma vitalidade fantástica no Erro. A
Verdade, de fato, na maioria das vezes, atira por sobre as cabeças
das massas; ou, se um erro estiver prostrado por um momento,
levantar-se-á num instante, tão vigoroso como nunca. Não

41
MORAL E DOGMA

morrerá quando o cérebro lhe tiver sido arrancado, e os erros mais


estúpidos e irracionais serão os mais longevos. Não obstante, a
Maçonaria, que é Moralidade e Filosofia, não deve deixar de
cumprir seu dever. Nunca sabemos em que momento o sucesso
aguarda nossos esforços – geralmente quando menos esperamos
– nem com o que nossos esforços serão, ou não, recompensados.
Sucedida ou falha, a Maçonaria não deve ceder ao erro, nem
sucumbir sob o desânimo. Existiram em Roma alguns soldados
Cartagineses, aprisionados, que se recusaram a se curvar para
Flamínio, e tinham um pouco da magnanimidade de Aníbal. Os
Maçons devem possuir uma igual grandeza de alma. A Maçonaria
deve ser uma energia; encontrando seu alvo e efeito na melhoria
da humanidade.

Sócrates deve entrar em Adão e gerar Marco Aurélio; em


outras palavras, produzir, do mesmo homem de prazeres, o
homem de sabedoria. A Maçonaria não deve ser uma mera torre
de observação, construída sobre o mistério, para daí fitar o mundo
à vontade, sem outro resultado senão a conveniência para o
curioso. Manter a caneca cheia de pensamentos nos lábios
sedentos das pessoas; dar a todos as ideias verdadeiras da
Deidade; harmonizar a consciência e a ciência – são as províncias
da Filosofia. A Moralidade é a Fé em plena florescência.

A contemplação deve levar à ação, e o absoluto se tornar


prático; o ideal se transformar em ar, alimento e bebida para a
mente humana. A Sabedoria é uma comunhão sagrada. É apenas
nessa condição que cessa de ser um amor estéril à Ciência, e se
torna o método único e supremo para unir a Humanidade e
despertá-la para a ação combinada. Então a Filosofia se
transforma em Religião. E a Maçonaria, tal como a História e a
Filosofia, tem deveres eternos – eternos e, ao mesmo tempo,

42
CAPÍTULO I . APRENDIZ

simples – se opor a Caifás como Bispo, a Draco ou a Jeferias


como Juízes, a Trimalcião como Legislador e a Tibério como
Imperador. Estes são os símbolos da tirania que degrada e
esmaga, da corrupção que avilta e infesta. Nos trabalhos
publicados para uso na Ordem somos informados que os três
grandes princípios da ocupação de um Maçom são Amor
Fraternal, Assistência e Verdade. E é verdade que afeição e
bondade Fraternais devem nos governar em todos os tratos e
relações com nossos irmãos; e a filantropia generosa e liberal nos
orientar em relação a todas as pessoas. Aliviar os angustiados é
peculiarmente um dever dos Maçons – um dever sagrado, o qual
não pode ser omitido, negligenciado e tampouco aceito de forma
fria ou ineficiente. É também muito verdadeiro que a Verdade é
um atributo Divino e o alicerce de toda a virtude. Ser verdadeiro
e procurar encontrar e aprender a Verdade são os grandes
objetivos de todo o bom Maçom.

Como faziam os Antigos, a Maçonaria molda Moderação,


Força, Prudência e Justiça, as quatro virtudes cardeais. Elas são
tão necessárias às nações quanto aos indivíduos. O povo que quer
ser Livre e Independente deve possuir Sagacidade, Prudência,
Previsão e Circunspeção cuidadosa, todas estas abrangidas pelo
significado da palavra Prudência. Ele deve ser moderado ao
defender seus direitos, temperado em seus conselhos e econômico
em suas despesas; deve ser destemido, bravo, corajoso, paciente
sob reveses, desassombrado perante desastres e esperançoso
durante calamidades, como Roma, quando entregou o campo no
qual Aníbal teve seu acampamento.

Nem Canas, nem Farsália, nem Pávia ou Agincourt ou


Waterloo podem desencorajá-lo. Deixe seu Senado permanecer
sentado até que os gauleses o puxem pelas barbas. Ele deve, acima

43
MORAL E DOGMA

de todas as coisas, ser justo e abster-se de bajular os fortes e de


guerrear ou saquear os fracos; deve agir no esquadro com todas
as nações e com as tribos mais débeis; sempre mantendo sua fé,
honesta em suas leis, justa em todos os seus assuntos. Quando
existir tal República, ela será imortal: pois temeridade, injustiça,
intemperança e luxo na prosperidade, desespero e desordem na
adversidade, são as causas da queda e da dilapidação de nações.

44
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

O Antigo Oriente, toda a religião era mais ou menos


um mistério, e não existia o seu divórcio com a
filosofia. A teologia popular, tomando como realidade a multidão
de alegorias e símbolos, degenerou numa adoração dos luminares
celestiais, de Deidades imaginárias com sentimentos humanos,
paixões, apetites e luxúrias, de ídolos, pedras, animais, répteis. A
Cebola era sagrada para os Egípcios, porque suas diferentes
camadas eram um símbolo das esferas celestiais concêntricas.
Obviamente, a religião popular não podia satisfazer os desejos e
pensamentos mais profundos, as aspirações mais sublimes do
Espírito, nem a lógica da razão. A religião, portanto, era ensinada
aos iniciados nos Mistérios. Ali, também, era ensinada através de
símbolos.
A imprecisão do simbolismo, capaz de muitas
interpretações, alcançava o que o credo palpável e convencional
não conseguia. Sua indefinição reconhecia a abstrusão do

45
MORAL E DOGMA

assunto: tratava tal assunto misterioso misticamente: tentava


ilustrar o que não conseguia explicar; excitar um sentimento
apropriado, se não conseguisse desenvolver uma ideia adequada;
e fazer da imagem um mero veículo subalterno da concepção, que
por si só nunca se tornou óbvia nem familiar.

Assim, o conhecimento hoje comunicado por livros e


letras, antes era veiculado por símbolos; e os sacerdotes
inventavam ou perpetuavam uma série de ritos e exibições que
não eram apenas mais atraentes aos olhos do que palavras, mas
muitas vezes mais sugestivos e mais prenhes de significado para
a mente.

A Maçonaria, sucessora dos Mistérios, ainda segue a


maneira antiga de ensinar. Suas cerimônias são como as antigas
apresentações místicas, – não a leitura de um ensaio, mas a
abertura de um problema, exigindo pesquisa, e constituindo a
filosofia como sua arquiexplicadora. Seus símbolos são a
instrução que ministra. Seus ensinamentos são esforços, muitas
vezes parciais e unilaterais, para interpretar esses símbolos. Quem
quer se tornar um Maçom completo não deve ficar contente
meramente em ouvir, ou mesmo em entender, os ensinamentos;
deve, auxiliado por eles, e estes como que sinalizando-lhe o
caminho, estudar, interpretar e desenvolver esses símbolos para si
próprio.

Embora a Maçonaria seja idêntica aos antigos Mistérios,


o é apenas neste limitado sentido: que apresenta apenas uma
imagem imperfeita de seu resplendor, somente as ruínas de sua
grandeza, e um sistema que experimentou alterações
progressivas, fruto de acontecimentos sociais, de circunstâncias
políticas, e da imbecilidade ambiciosa de seus aperfeiçoadores.

46
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Depois de deixar o Egito, os Mistérios foram modificados pelos


hábitos das diferentes nações entre as quais foram introduzidos, e
especialmente pelos sistemas religiosos dos países para os quais
foram transplantados. Em todo lugar era a obrigação do Iniciado
manter o governo estabelecido, as leis e a religião; e em todo
lugar, eles eram heranças dos sacerdotes, que de modo nenhum
estavam dispostos a fazer das pessoas comuns seus co-
proprietários da verdade filosófica.

A Maçonaria não é o Coliseu em ruínas. É antes um


palácio Romano da Idade Média, desfigurado por melhorias
arquitetônicas modernas, porém ainda construído sobre um
alicerce Ciclópico projetado pelos Etruscos, e com muitas pedras
da superestrutura obtidas de moradas e templos da era de Adriano
e de Antonino. O Cristianismo ensinou a doutrina da
FRATERNIDADE; mas repudiou a da IGUALDADE política,
por continuamente inculcar obediência a César e às autoridades
legais. A Maçonaria foi o primeiro apóstolo da IGUALDADE.
Nos Monastérios existe fraternidade e igualdade, mas nenhuma
liberdade. A Maçonaria adicionou esta também, e reclamou para
as pessoas a tríplice herança: LIBERDADE, IGUALDADE e
FRATERNIDADE.

Foi apenas um desenvolvimento do propósito original dos


Mistérios, que era ensinar as pessoas a conhecer e a praticar seus
deveres, consigo mesmas e para com seus companheiros, a grande
finalidade prática de toda filosofia e de todo conhecimento.

As Verdades são as fontes de onde os deveres jorram; e


faz algumas centenas de anos desde que uma nova Verdade
começou a ser vista claramente: que O HOMEM É SUPREMO
SOBRE AS INSTITUIÇÕES, E NÃO ELAS SOBRE ELE. O

47
MORAL E DOGMA

homem tem um império natural sobre todas as instituições. Estão


para ele, de acordo com o seu desenvolvimento; e não ele para
elas. Parece-nos um enunciado muito simples, com o qual todos,
em todo o lugar, devem assentir. Mas isto um dia foi uma grande
e nova Verdade – não revelada até que governos tivessem pelo
menos cinco mil anos de existência. Uma vez revelada, impôs
novos deveres às pessoas. O ser humano debitou-se para consigo
mesmo de ser livre. Debitou-se para com sua pátria de lhe dar sua
liberdade ou mantê-la em sua posse. Isto fez da Tirania e da
Usurpação os inimigos da Raça Humana. Criou uma proscrição
universal de Déspotas e Despotismos, temporais e espirituais. A
esfera do Dever foi imensamente alargada. O Patriotismo passou
a ter, daqui para frente, um significado novo e mais amplo.
Governo Livre, Livre Pensamento, Livre Consciência, Livre
Expressão! Todos esses vieram a se transformar em direitos
inalienáveis, que aqueles que foram deles apartados ou os tiveram
roubados, ou que cujos ancestrais os perderam, passaram a ter o
direito de os retomar sumariamente. Infelizmente, como
Verdades sempre são pervertidas em falsidades, e são falsidades
quando mal aplicadas, esta Verdade se tornou o Evangelho da
Anarquia, logo após ter sido pregada pela primeira vez.

A Maçonaria compreendeu muito cedo esta Verdade, e


reconheceu seus próprios deveres ampliados. Seus símbolos,
então, passaram a ter um significado mais abrangente; mas ela
também assumiu a máscara de “arte dos pedreiros”, e tomou
emprestadas suas ferramentas de trabalho, assim recebendo novos
e apropriados símbolos. Ajudou a causar a Revolução Francesa,
desapareceu com os Girondistas, renasceu com a restauração da
ordem e apoiou Napoleão, porque, apesar de Imperador,
reconheceu o direito do povo de escolher seus governantes e
esteve à frente de uma nação que se recusava a receber de volta

48
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

seus velhos reis. Ele defendeu, com sabre, mosquete e canhão, a


grande causa do Povo contra a Realeza, o direito do povo Francês
de até fazer de um General Corso seu Imperador, se isto o
agradasse.

A Maçonaria sentiu que esta Verdade tinha a Onipotência


de Deus ao seu lado; e que nem Papa nem Potentado poderiam
sujeitá-la. Era uma verdade que se desprendeu para dentro do
grande tesouro do mundo, fazendo parte da herança que cada
geração recebe, aumenta, mantém em custódia, e necessariamente
lega à humanidade; o patrimônio pessoal do homem, herdado da
natureza para o fim dos tempos. E a Maçonaria cedo reconheceu
como verdadeiro, que apresentar e desenvolver uma verdade, ou
qualquer excelência de dom ou crescimento, é tornar ainda maior
a glória espiritual da raça; que qualquer coisa que auxilia a marcha
de uma Verdade e faz do pensamento um fato, escreve na mesma
linha com Moisés, e com Aquele que morreu na cruz, e tem
afinidade intelectual com a Própria Divindade.

A melhor dádiva que podemos outorgar às pessoas é o


humanismo. É o que Deus ordena à Maçonaria para entregar aos
seus devotos: não sectarismo e dogma religioso; não uma
moralidade rudimentar que pode ser encontrada nos escritos de
Confúcio, Zoroastro, Sêneca e dos Rabinos, nos Provérbios e em
Eclesiastes; mas humanismo, ciência e filosofia.

Não que Filosofia ou Ciência estejam em oposição a


Religião. Porque a Filosofia nada mais é do que o conhecimento
de Deus e da Alma, que deriva da observação da ação manifesta
de Deus e da Alma, a de uma analogia sábia. É o guia intelectual
que o sentimento religioso necessita. A verdadeira filosofia
religiosa de um ser imperfeito não é um sistema de credo, mas,

49
MORAL E DOGMA

como SÓCRATES pensou, uma busca ou aproximação infinitas.


Filosofia é aquele progresso intelectual e moral que o sentimento
religioso inspira e enobrece.

Quanto à Ciência, não pôde caminhar sozinha enquanto a


religião esteve estacionária. Ela consiste das inferências maduras
da experiência que toda outra experiência confirma. Concretiza e
une tudo o que era realmente valioso em ambos os velhos
esquemas de meditação, – um heroico, ou o sistema de ação e
esforço; e a teoria mística da comunhão contemplativa, espiritual.
“Escutem-me”, diz GALEN, “como à voz do Hierofante
Eleusino, e creiam que o estudo da Natureza é um mistério não
menos importante do que os dele, nem menos adaptado para
mostrar a sabedoria e o poder do Grande Criador. Suas lições e
demonstrações eram obscuras, mas as nossas são claras e
inequívocas”.

Avaliamos ser o melhor conhecimento que podemos obter


da Alma de outra pessoa, aquele que é fornecido por seus atos e
por sua conduta ao longo da vida. Uma evidência em contrário,
fornecida por aquilo que outra pessoa nos informa que essa Alma
tenha dito à dele, pesaria muito pouco em comparação à anterior.
As primeiras Escrituras para a raça humana foram escritas por
Deus na Terra e nos Céus. A leitura dessas Escrituras é a Ciência.
A familiaridade com a grama e as árvores, os insetos e os
protozoários, nos ensina lições mais profundas de amor e fé do
que as que podemos colher dos escritos de FÉNELON e
AGOSTINHO. A grande Bíblia de Deus está sempre aberta
perante a humanidade.
Conhecimento é conversível em poder, e axiomas em
regras de utilidade e dever. Mas conhecimento em si não é Poder.
Sabedoria é Poder; e seu Primeiro Ministro é a JUSTIÇA, que é

50
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

a lei aperfeiçoada da VERDADE. Portanto, o propósito da


Educação e da Ciência é tornar as pessoas mais sábias. Se o
conhecimento não o fizer, é desperdiçado, como água derramada
nas areias. Conhecer as fórmulas da Maçonaria, por si só, é de
tão pouca valia quanto conhecer muitas palavras e sentenças em
algum dialeto bárbaro Africano ou Australasiano. Conhecer
mesmo o significado dos símbolos é quase nada, a não ser que
contribua à nossa sabedoria e também à nossa caridade, que é para
a justiça o que um hemisfério do cérebro é para o outro.

Não perca de vista, então, o verdadeiro objetivo de seus


estudos na Maçonaria. É contribuir para seu patrimônio de
sabedoria, e não simplesmente para seu conhecimento. Uma
pessoa pode passar toda uma vida estudando uma única
especialidade de conhecimento, – botânica, conquiliologia ou
entomologia, por exemplo, – se comprometendo em memorizar
nomes derivados do Grego, classificando-os e reclassificando-os;
e ainda assim não ser mais sábia do que quando começou. São as
grandes verdades que mais preocupam as pessoas, assim como
seus direitos, interesses e deveres, que a Maçonaria procura
ensinar aos seus Iniciados.

Quanto mais sábia uma pessoa se torna, menos estará


inclinada a se submeter mansamente à imposição de grilhões ou
cangas, seja sobre sua consciência ou pessoa. Pois, com o
aumento da sabedoria, não só conhecerá melhor seus direitos, mas
também os valorizará mais, e será mais consciente de seu valor e
dignidade. Seu orgulho, então, a encoraja a declarar sua
independência. Tornar-se-á mais capaz de fazê-lo, também; e
mais capaz de ajudar os outros e sua pátria, quando eles ou ela
apostarem tudo, até suas existências, na mesma declaração.
Porém o mero conhecimento não torna ninguém independente,

51
MORAL E DOGMA

nem o prepara para ser livre. Na maioria das vezes, o faz um


escravo mais útil. A Liberdade é maldição para o ignorante e
bruto.

A ciência política tem como objetivo averiguar de que


maneira e por meio de quais instituições a liberdade política e
pessoal pode ser assegurada e perpetuada: não a permissão ou o
mero direito de qualquer um votar, mas a liberdade completa e
absoluta de pensamento e opinião, igualmente livre do
despotismo do monarca, da gentalha e do prelado; liberdade de
ação dentro dos limites da lei geral decretada para todos; os
Tribunais de Justiça, com Juízes e júris imparciais, abertos
igualmente para todos; fraqueza e pobreza tão poderosos nesses
Tribunais quanto poder e riqueza; as avenidas para os cargos e
para a honra igualmente abertas a todos os que mereçam; os
poderes militares, na guerra ou na paz, em estrita subordinação
ao poder civil; impossibilidade de prisões arbitrárias por atos não
reconhecidos pela lei como crimes; desconhecimento de
Inquisições Papistas, Câmaras-Estreladas e Comissões Militares;
meios de instrução ao alcance dos filhos de todos; direito de Livre
Expressão; e obrigação de prestar contas de todos os funcionários
públicos, civis e militares.

Se a Maçonaria precisasse de justificação para impor


deveres políticos, bem como morais, a seus Iniciados, bastaria
apontar para a triste história do mundo. Não seria sequer
necessário voltar as páginas da história para os capítulos escritos
por Tácito: nem recitar os incríveis horrores do despotismo sob
Calígula e Domiciano, Caracala e Cômodo, Vitélio e Maximino.
Precisa apenas apontar para os séculos de calamidade pelos quais
a alegre nação francesa passou; para a longa opressão das épocas
feudais, dos egoístas reis Bourbons; para aqueles tempos quando

52
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

os lavradores eram roubados e abatidos como ovelhas por seus


lordes e príncipes; para quando o lorde exigia as primícias do leito
matrimonial do lavrador; para quando a cidade capturada
sucumbia a estupros e massacres impiedosos; para quando as
prisões do Estado gemiam com vítimas inocentes e a Igreja
abençoava os estandartes de assassinos cruéis, e cantava Te
Deums para a misericórdia coroada da Noite de São Bartolomeu.

Podemos virar as páginas para um capítulo mais adiante,


– o do reinado de Luís XV, quando jovens meninas, pouco mais
que crianças, eram raptadas para servir às suas luxúrias; quando
as lettres de cachet enchiam a Bastilha com pessoas acusadas de
crime nenhum, com maridos que obstruíam o caminho dos
prazeres de esposas lascivas e de vilões trajando ordens de
nobreza; quando o povo era esmigalhado entre a mó superior e
inferior das taxas, da alfândega e dos impostos; e quando o
Núncio Papal e o Cardeal de La Roche-Aymon, ajoelhando-se
devotadamente, um de cada lado de Madame Du Barry, a
prostituta abandonada do rei, colocavam os chinelos em seus pés
descalços, conforme ela se levantava da cama adulterina. Então,
deveras, sofrimento e trabalho eram as duas formas de homem, e
as pessoas nada mais eram do que burros de carga.

O verdadeiro Maçom é o que trabalha incansavelmente


para ajudar sua Ordem efetivar seus grandes propósitos. Não que
a Ordem consiga alcançá-los sozinha; mas que ele, também, possa
ajudar. Ela também é um dos instrumentos de Deus. É uma Força
e um Poder; e seria uma vergonha se não pudesse se empenhar e,
se necessário, sacrificar seus filhos na causa da humanidade, tal
como Abraão esteve pronto para oferecer Isaque no altar do
sacrifício. Ela não esquecerá aquela nobre alegoria de Cúrcio
saltando, de armadura completa, para o grande abismo bocejante

53
MORAL E DOGMA

que se abriu para engolir Roma. Ela TENTARÁ. Não será sua
culpa se nunca chegar o dia no qual as pessoas não mais terão
que temer uma conquista, uma invasão, uma usurpação, uma
rivalidade de nações à mão armada, uma interrupção da
civilização dependendo de um casamento real, ou um nascimento
nas tiranias hereditárias; uma separação das pessoas por um
Congresso, um desmembramento pela queda de uma dinastia, um
combate entre duas religiões, cabeceando-se como duas cabras de
escuridão sobre a ponte do Infinito: Quando não mais terão que
temer a fome, a espoliação, a prostituição a partir da miséria, a
miséria a partir da falta de trabalho, e todo o banditismo do acaso
na floresta dos eventos; quando as nações gravitarão ao redor da
Verdade, como astros ao redor da luz, cada qual em sua órbita,
sem choque ou colisão; e em todos os lugares a Liberdade,
cinturada por estrelas, coroada com os esplendores celestiais, e
com a sabedoria e a justiça em cada mão, reinará suprema.

Em seus estudos como Companheiro você deve ser guiado


por RAZÃO, AMOR e FÉ.

Não discutiremos agora as diferenças entre Razão e Fé,


nem nos responsabilizaremos por definir os domínios de cada
uma. Mas é necessário dizer que, mesmo nos assuntos mais
comuns da vida, somos governados muito mais pelo que
acreditamos do que pelo que sabemos; por FÉ e ANALOGIA,
do que pela RAZÃO. A “Era da Razão” da Revolução Francesa
ensinou, sabemos, que grande insensatez é entronar a Razão,
sozinha, como suprema. A Razão é falha quando lida com o
Infinito. Aí devemos venerar e crer. Não obstante as calamidades
dos virtuosos, as misérias dos merecedores, a prosperidade de
tiranos e o assassinato de mártires, precisamos crer que existe um
Deus sábio, justo, piedoso e amoroso, uma Inteligência e uma

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CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Providência, supremas sobre tudo, que cuidam das coisas e


eventos mais minúsculos. A Fé é uma necessidade para o homem.
Ai daquele que não crê em nada!

Acreditamos que a alma de alguém tenha uma tal natureza


e possui tais qualidades, que tal pessoa é generosa e honesta, ou
penuriosa e desonesta, que outra é virtuosa e amigável ou viciosa
e mal-humorada, somente a partir do semblante, de pouco mais
que um relance, sem meios de conhecimento. Arriscamos nossa
sorte na assinatura de alguém do outro lado do mundo, a quem
nunca vimos, na crença de que esta pessoa seja honesta e
confiável. Cremos que acontecimentos ocorrem, pela afirmação
de outros. Cremos que uma vontade age sobre outra, e na
realidade de uma multidão de outros fenômenos que a Razão não
consegue explicar.

Mas não devemos acreditar no que a Razão nega


autoritariamente, no que revolta o senso de direito, no que é
absurdo ou contraditório, ou em desacordo com a experiência ou
com a ciência, ou no que degrada o caráter da Divindade e que
pode fazê-La vingativa, maligna, cruel ou injusta.

A Fé de uma pessoa é tão particular quanto a sua Razão.


Sua Liberdade consiste tanto em sua fé ser livre quanto em sua
vontade não ser controlada pelo poder. Nenhum dos Sacerdotes e
Áugures de Roma ou da Grécia teve o direito de pedir a Cícero
ou a Sócrates que acreditassem na mitologia absurda do vulgar.
Nenhum Imã do Islamismo tem o direito de pedir a um Pagão que
acredite que Gabriel ditou o Alcorão ao Profeta. Nenhum dos
Brâmanes que, em algum tempo, viveram, se reunidos num
conclave como os Cardeais, receberia o direito de compelir um
único ser humano a crer na Cosmogonia Hindu. Nenhuma pessoa

55
MORAL E DOGMA

ou grupo podem ser infalíveis, nem autorizados a decidir em que


outras pessoas devem acreditar como doutrina de fé. Exceto para
aqueles que a recebem em princípio, toda religião e a verdade de
todos os escritos inspirados dependem do testemunho humano e
de evidências internas, a serem julgadas pela Razão e pelas
analogias sábias da Fé. Cada pessoa deve, necessariamente, ter o
direito de julgar suas verdades por si mesmo; porque nenhuma
pessoa pode ter qualquer direito maior ou melhor do que outra
que tem igual informação e inteligência.

Domiciano alegou ser o Deus Soberano; e foram


encontradas estátuas e imagens suas, em prata e ouro, por todo o
mundo conhecido. Reivindicou ser visto como o Deus de todas as
pessoas; e, de acordo com Suetônio, começava suas cartas assim:
“Nosso Senhor e Deus ordena que deva ser feito assim e assim;”
e decretou formalmente que ninguém se dirigisse a ele de outra
forma, fosse por escrito ou por palavra falada. Palfúrio Sura, o
filósofo, que era seu delator principal, acusando os que se
recusavam a reconhecer sua divindade, acreditasse ele o quanto
fosse em tal divindade, não tinha o direito de exigir que um único
Cristão em Roma ou nas províncias fizesse o mesmo.

A Razão está longe de ser o único guia, na moral ou na


ciência política. O Amor, ou a bondade amorosa, deve manter-se
em sua companhia, para excluir o fanatismo, a intolerância e a
perseguição, de tudo ao que levam, invariavelmente, uma
moralidade demasiadamente ascética e princípios políticos
extremos. Devemos também ter fé em nós mesmos, em nossos
companheiros e no povo, ou seremos facilmente desencorajados
pelos reveses, e nosso ardor esfriado por obstáculos. Não
devemos escutar somente a Razão. A Força vem mais da Fé e do
Amor: e é com a ajuda destes que o homem escala as alturas mais

56
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

elevadas da moralidade, ou se torna Salvador e Redentor de um


Povo. A Razão precisa segurar o leme, mas Fé e Amor devem
suprir a força motriz. Eles são as asas da alma. O entusiasmo é
geralmente irracional; mas sem ele, nem Amor e Fé, não teriam
existido RIENZI, ou TELL, ou SYDNEY, ou nenhum dos
outros grandes patriotas cujos nomes são imortais. Se a Divindade
tivesse sido mera e simplesmente Todo-sábia e Todo-poderosa,
nunca teria criado o Universo.

É o GÊNIO que obtém Poder; e seus primeiros-tenentes


são a FORÇA e a SABEDORIA. O mais desregrado dos homens
curva-se diante do líder que tem o senso para ver e a vontade para
fazer. É o Gênio que governa com o Poder Divino; que desvela,
com seus conselheiros, os mistérios humanos escondidos, e com
suas palavras, corta em pedaços os nós enormes e reconstrói as
ruínas desmoronadas. Ao seu relance caem os ídolos sem sentido,
cujos altares estiveram em todos os lugares altos e em todos os
bosques sagrados. A desonestidade e a imbecilidade se
envergonham diante dele. Seu simples Sim ou Não revoga os
erros das eras e é ouvido entre gerações futuras. Seu poder é
imenso, porque sua sabedoria é imensa. O Gênio é o Sol da esfera
política. Força e Sabedoria, seus ministros, são os globos que
levam sua luz para as trevas, e respondem a ele com sua Verdade
sólida e refletora.

O Desenvolvimento é simbolizado pelo uso do Malho e


do Cinzel; o desenvolvimento das energias e do intelecto, do
indivíduo e do povo. O Gênio pode se estabelecer na liderança de
uma nação ignorante, deseducada e sem energias; mas num país
livre, o único modo de assegurar intelecto e gênio para os
governantes é cultivar o intelecto dos que os elegem. Quase nunca
o mundo é governado pelos grandes espíritos, exceto depois de

57
MORAL E DOGMA

uma dissolução e renascimento. Em períodos de transição e


convulsão, os Parlamentos Longos, os Robespierres e Marats, e
as semirrespeitabilidades do intelecto, muitas vezes retêm as
rédeas de poder. Os Cromwells e Napoleões vêm depois. Depois
de Mário, de Sula e do retórico Cícero, CÉSAR. O grande
intelecto muitas vezes é aguçado demais para o granito desta vida.
Legisladores podem ser pessoas muito ordinárias; porque a
legislação é um trabalho muito ordinário; é apenas a publicação
final de um milhão de mentes.

O poder do dinheiro ou da espada, comparado ao do


espírito, é pobre e desprezível. Quanto às terras, pode haver leis
agrárias e repartição igual. Mas o intelecto de um homem é
inteiramente seu, recebido diretamente de Deus, como um feudo
inalienável. É a mais poderosa das armas nas mãos de um
paladino. Se as pessoas compreendem a Força no sentido físico,
quanto mais não reverenciariam a Força intelectual! Pergunte a
Hildebrando, a Lutero ou a Loyola. Eles caem prostrados diante
desta como diante de um ídolo. A supremacia da mente sobre a
mente é a única conquista que vale a pena. A outra força fere a
ambas e se dissolve num sopro; rústica como é, a grande corda
cede e finalmente se rompe. Mas isto se assemelha de modo turvo
ao domínio do Criador. Não requer um tema como o de Pedro, o
Eremita. Se o fluxo apenas for brilhante e forte, varrerá o coração
do povo como uma maré de primavera. A fascinação reside não
apenas na palavra, mas no ato intelectual. É a homenagem ao
Invisível. Este poder, amarrado com Amor, é a corrente de ouro
colocada na nascente da Verdade, ou a cadeia invisível que
prende unidas as classes da humanidade.

A influência de um homem sobre outro é uma lei da


natureza, quer seja através de uma grande propriedade de terra ou

58
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

de intelecto. Pode significar escravidão, uma deferência ao


eminente julgamento humano. Espiritualmente, a sociedade se
une como as esferas giratórias do alto. O país livre, no qual o
intelecto e o gênio governam, durará. Quando o intelecto e o gênio
são servis, e outras influências governam, a vida nacional é curta.
Todas as nações que tentaram se autogovernar por seus menores,
pelos incapazes, ou meramente respeitáveis, vieram ao zero.
Constituições e Leis, sem o Gênio e o Intelecto para governar, não
prevenirão a decadência. Neste caso, estão carunchadas e suas
vidas se esvaem gradualmente.

O único modo seguro de perpetuar a liberdade é


concedendo à nação a franquia do Intelecto. Esta compelirá ao
empenho e ao cuidado generoso por parte dos que ocupam as
cadeiras mais altas, e à lealdade honorável e inteligente dos mais
abaixo. Assim, a vida política pública protegerá todas as pessoas
da autodegradação em buscas sensuais, de atos vulgares e de torpe
ganância, desenvolvendo a ambição nobre de um governo
imperial justo. Elevar o povo através do ensino da bondade
amorosa e da sabedoria, com poder a quem ensina melhor: e assim
desenvolver o Estado livre a partir da Pedra Bruta: este é o grande
labor ao qual a Maçonaria deseja estender uma mão auxiliadora.

Todos nós devemos trabalhar na construção do grande


monumento de uma nação, a Casa Sagrada do Templo. As
virtudes cardeais não podem ser repartidas entre as pessoas,
tornando-se propriedade exclusiva de alguns, como as profissões.
TODOS são aprendizes destes sócios: o Dever e a Honra.

A Maçonaria é uma marcha e uma luta em direção à Luz.


Para o indivíduo, bem como para a nação, Luz é Virtude,
Humanismo, Inteligência e Liberdade. A tirania sobre a alma ou

59
MORAL E DOGMA

sobre o corpo é escuridão. Os povos mais livres, como as pessoas


mais livres, estão sempre em perigo de reincidir na servidão.
Guerras quase sempre são fatais às Repúblicas. Criam tiranos e
consolidam seu poder. Irrompem, na maioria das vezes, de
conselhos nocivos. Quando os pequenos e os ignóbeis são
incumbidos do poder, a legislação e administração se tornam duas
séries paralelas de erros estúpidos, terminando em guerra,
calamidade, e na necessidade de um tirano. Quando a nação sente
seus pés escorregando para trás, como se andasse sobre o gelo, é
chegado o momento de um esforço supremo. Os tiranos
magníficos do passado são meros modelos dos do futuro. Pessoas
e nações sempre se venderão à escravidão para gratificar suas
paixões e obter revanche. O pretexto do tirano – a necessidade –
está sempre disponível; e uma vez o tirano no poder, a
necessidade da garantia de sua segurança o faz selvagem.
Religião é um poder e o tirano precisa controlá-lo. Independentes,
os santuários religiosos podem se rebelar. Então passa a ser ilegal
às pessoas adorar a Deus a seu próprio modo, e os velhos
despotismos espirituais revivem. As pessoas devem crer como o
Poder quer, ou então morrer; e, mesmo que cressem como
quisessem, tudo o que teriam, terras, casas, corpo e alma, estaria
carimbado com a marca real. “O Estado sou eu”, disse Luís XIV
aos seus camponeses; “até as camisas em vossas costas são
minhas, e eu posso tirá-las, se quiser”.

E dinastias assim estabelecidas duram, como a dos


Césares de Roma, a dos Césares de Constantinopla, a dos Califas,
dos Stuarts, dos Espanhóis, dos Godos, dos Valois, até que a raça
se desgaste e termine com os lunáticos e idiotas, que ainda
governam. Não há concórdia entre os homens que acabe com a
horrível servidão. O Estado cai internamente, bem como pelos
golpes exteriores dos elementos incoerentes. As furiosas paixões

60
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

humanas, a dormente indolência humana, a fleumática ignorância


humana, a rivalidade de castas humanas, são tão úteis para os reis
como as espadas para os Paladinos. Os adoradores têm-se curvado
por tanto tempo ao velho ídolo que não podem sair às ruas e
escolher outro Grande Lama. E assim o Estado infértil flutua na
corrente enlameada do Tempo, até que a tempestade ou a maré
percebam que o verme consumiu sua força e o Estado desmorone
no esquecimento.

Liberdade civil e religiosa devem andar de mãos dadas; e


a Perseguição amadurece a ambas. Um povo satisfeito
com os pensamentos criados para ele pelos sacerdotes de
uma igreja estará satisfeito com a Realeza por Direito
Divino, – a Igreja e o Trono sustentando-se mutuamente.
Abafarão o cisma e colherão infidelidade e indiferença; e,
enquanto a batalha por liberdade se passa ao seu redor,
tanto mais afundarão apaticamente na servidão e num
transe profundo, talvez interrompido ocasionalmente por
furiosos ataques de frenesis, seguidos de exaustão
desamparada.

Despotismo não é difícil numa terra que, desde sua


infância, conheceu apenas um mestre; mas não há problema mais
complexo do que o povo aperfeiçoar e perpetuar, por si só, o livre
governo; pois não será necessário um só rei: todos devem ser reis.
É fácil erguer Masanielo, que em poucos dias cairá mais abaixo
do que estava antes. Mas um governo livre cresce lentamente,
como as faculdades humanas individuais; e como as árvores das
florestas, desde o âmago até o exterior. A Liberdade não é apenas
o direito comum natural de todos, mas é perdida tanto por não-
usuários quanto por maus usuários. Depende muito mais do
esforço universal do que de qualquer outra propriedade humana.

61
MORAL E DOGMA

Ela não tem nenhum santuário ou nascente sagrada para onde a


nação peregrine; pois suas águas devem brotar livremente de todo
o solo.

O poder popular livre é um dos que só são conhecidos em


sua força na hora da adversidade: pois todos os seus processos,
sacrifícios e expectativas lhe são intrínsecos. É treinado para
pensar por si mesmo, e também agir por si mesmo. Quando o
povo escravizado se prostra na poeira ante o furacão, como
animais do campo amedrontados, o povo livre se mantém ereto
perante ele, com toda a força de unidade, em autoconfiança, em
confiança mútua, com insolência contra tudo, salvo a mão visível
de Deus. Não é derrubado pela calamidade nem exultado pelo
sucesso.

Este vasto poder de persistência, de continência, de


paciência e de desempenho somente é adquirido pelo exercício
contínuo de todas as funções, como o saudável vigor físico
humano, como o vigor moral individual.

E a máxima é tão velha quanto verdadeira, que o preço da


liberdade é a eterna vigilância. É curioso observar o pretexto
universal pelos quais os tiranos de todos os tempos tiram as
liberdades nacionais. Está expresso nos estatutos de Eduardo II
que os juízes e os xerifes não mais poderiam ser eleitos pelo povo,
por conta das manifestações e dissensões que aconteceriam. O
mesmo motivo foi dado muito antes para a supressão da eleição
popular dos bispos; e existe uma testemunha desta inverdade em
tempos ainda mais antigos, quando Roma perdeu sua liberdade, e
seus cidadãos indignados declararam que a liberdade tumultuada
era melhor que a tranquilidade desgraçada.

62
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Com os Compassos e a Régua podemos traçar todas as


figuras usadas na matemática dos planos, ou no que chamamos de
GEOMETRIA e TRIGONOMETRIA, duas palavras que, em
si mesmas, são deficientes de significado. GEOMETRIA, que na
maioria das Lojas é dito ser o significado da letra G.·., significa
medição de terra ou da Terra – ou Agrimensura; e
TRIGONOMETRIA, a medição de triângulos, ou figuras de três
lados ou ângulos. Este último nome é de longe o mais apropriado
para a ciência que visa ser expressa pela palavra “Geometria”.
Nenhum desses nomes tem um significado suficientemente
amplo: pois apesar das vastas medições dos grandes espaços da
superfície da terra, e costas terrestres, a fim de serem evitados
naufrágios e calamidades pelos marinheiros, serem efetuadas por
meio de triangulação; – e ter sido pelo mesmo método que os
astrônomos franceses mediram um grau de latitude e então
estabeleceram uma escala de medidas numa base imutável; apesar
de a distância de Júpiter, ou Sirius, à Terra ter sido calculada por
meio do imenso triângulo que tem por sua base uma linha
imaginária traçada entre a posição da terra agora no espaço e sua
posição daqui a seis meses, e por seu ápice um planeta ou estrela;
e apesar de existir um triângulo ainda maior, sua base se afastando
de nós em ambas as direções, ultrapassando o horizonte em
imensidão, e seu ápice sobre nós, infinitamente distante; ao qual
corresponde, a seguir, um triângulo infinito semelhante – o que
está acima é igual ao que está em baixo, imensidade igual a
imensidade; – e mesmo assim a Ciência dos Números, à qual
Pitágoras deu tamanha importância e cujos mistérios podem ser
encontrados em todo lugar nas religiões antigas, principalmente
na Cabala e na Bíblia, não é suficientemente expressa nem pela
palavra “Geometria” nem pela palavra “Trigonometria”. Pois
aquela ciência inclui estas juntamente com a Aritmética, e
também com Álgebra, Logaritmos e Cálculo Diferencial e

63
MORAL E DOGMA

Integral; e por meio dela são elaborados os grandes problemas da


Astronomia ou as Leis dos Astros.

A Virtude é uma bravura heroica, é fazer a coisa pensada


se tornar realidade, a despeito de todos os inimigos de carne e
osso ou de espírito, a despeito de todas as tentações ou ameaças.
As pessoas estão responsáveis pela sinceridade de sua doutrina,
mas não pela certeza desta. O entusiasmo devotado é muito mais
fácil do que uma boa ação. O fim do pensamento é ação; o único
propósito da Religião é uma Ética. A teoria na ciência política é
inútil, exceto pelo propósito de ser realizada na prática.

Existem duas regiões em todo credo, religioso ou político,


dentro das almas das pessoas, a Dialética e a Ética; e somente
quando as duas estão harmoniosamente misturadas, uma
disciplina perfeita é desenvolvida. Existem pessoas que,
dialeticamente, são Cristãs, tal como existe uma multidão de
homens que, dialeticamente, são Maçons, porém eticamente
Infiéis, pois são eticamente Profanos, no sentido mais estrito:
crentes intelectuais, mas ateus práticos; – pessoas que lhe
escreveriam “Evidências”, em perfeita fé em suas lógicas, mas
que não são capazes de cumprir a doutrina Católica ou Maçônica,
devido à força, ou fraqueza, da carne. Por outro lado, existem
muitos céticos dialéticos, mas eticamente crentes, como existem
muitos Maçons que nunca passaram pela iniciação; e, como a
ética é o fim e o propósito da religião, estes crentes éticos são os
mais valiosos. Aquele que faz o certo é melhor do que o que pensa
certo.

Mas você não deve agir sob a hipótese de que todas as


pessoas, cuja conduta não estiver alinhada com seus entimentos,
sejam hipócritas. A inexistência do vício é a mais rara, pois

64
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

nenhuma tarefa é mais difícil do que a hipocrisia sistemática.


Quando o Demagogo se torna um Usurpador, isto não resulta dele
ter sido hipócrita todo o tempo. Pessoas superficiais, apenas,
julgam outras assim.

A verdade é que o credo tem, em geral, influência muito


pequena sobre a conduta; na religião, sobre a do indivíduo; na
política, sobre a do partido. Genericamente, o Maometano, no
Oriente, é muito mais honesto e confiável do que o Cristão. Um
Evangelho de Amor nos lábios é um Avatar de Perseguição no
coração. Pessoas que acreditam em maldição eterna e num mar
literal de fogo e enxofre incorrem a certeza deles, de acordo com
seu credo, à menor tentação de apetite ou paixão. A Predestinação
insiste na necessidade de boas obras. Na Maçonaria, ao menor
fluxo de paixão, um falará mal do outro pelas costas: e a
“Fraternidade” da Maçonaria Azul estará longe de se tornar real
e de serem cumpridas as promessas solenes contidas no uso da
palavra “Irmão”, e serão feitos esforços dolorosos para mostrar
que a Maçonaria é uma espécie de abstração, que desdenha a
interferência em assuntos terrenos. A regra pode ser entendida
como universal, que onde houver escolha a ser feita, um Maçom
dará seu voto e sua influência, na política e nos negócios, ao
profano menos qualificado em preferência ao Maçom mais
qualificado. Um jurará se opor a qualquer usurpação ilegal de
poder e então se tornará o instrumento pronto, e até ansioso, de
um usurpador. Outro chamará alguém de “Irmão” e logo em
seguida fará o papel de Judas Iscariotes, ou feri-lo-á como Joabe
feriu Abner, abaixo da quinta costela, com uma mentira cuja
autoria não poderá ser descoberta. A Maçonaria não modifica a
natureza humana e não consegue criar homens honestos a partir
de patifes natos.

65
MORAL E DOGMA

Enquanto você ainda está envolvido na sua preparação, e


acumulando princípios para uso futuro, não se esqueça das
palavras do Apóstolo Tiago: “Porque, se alguém é ouvinte da
palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla
ao espelho o seu rosto natural, porque se contempla a si mesmo,
e vai-se, e logo se esquece de como era, aquele, porém, que atenta
bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo
ouvinte esquecidiço, mas fazedor da obra, este tal será bem-
aventurado no seu feito. Se alguém entre vós cuida ser religioso,
e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião
desse é vã... Fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Vedes
então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela
fé... Os demônios o creem – e estremecem... Como o corpo sem o
espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta.”

Em ciência política, ademais, governos livres são erigidos


e constituições livres são emolduradas sobre alguma teoria
simples e inteligível. Qualquer que seja a teoria sobre a qual
estejam baseados, nenhuma conclusão sólida poderá ser
alcançada exceto se a teoria for realizada sem hesitação, assim na
discussão de questões constitucionais como na prática. Recue, por
timidez, da teoria verdadeira, ou desvie-se dela por causa de
escassez de faculdade lógica, ou mesmo transgrida-a por meio da
paixão, ou sob a alegação de necessidade, ou conveniência, e você
terá negação ou invasão de direitos, leis que ofendem princípios
primários, usurpação de poderes ilegais ou abnegação e abdicação
da autoridade legítima.

Não se esqueça, também, de como o exibicionista,


superficial, impudico e convencido será quase sempre preferido a
pessoas de profundos conhecimentos, amplo intelecto e simpatias
católicas, mesmo na extrema tensão do perigo e na calamidade do

66
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Estado, pois ele estará mais próximo do nível comum, popular e


legislativo, de modo que a verdade mais alta não será aceitável à
massa da humanidade.

Quando perguntaram a SÓLON se havia dado aos seus


patrícios as melhores leis, respondeu: “As melhores que eles são
capazes de receber”. Esta é uma das expressões mais profundas
já registradas; e, tal como todas as grandes verdades, tão simples
que raramente é compreendida. Ela contém toda a filosofia da
História. Expressa uma verdade que, se houvesse sido
reconhecida, teria evitado às pessoas uma imensidade de disputas
vãs e inúteis, e, no Passado, as teria levado por caminhos mais
límpidos ao conhecimento. Significa que, – todas as verdades são
Verdades de Período, não verdades de eternidade; que qualquer
grande fato que tenha tido força e vitalidade suficientes para se
fazer real, – seja religioso, moral, governamental ou outro
qualquer – e para encontrar lugar neste mundo, fora uma verdade
para seu tempo, tão boa quanto as pessoas seriam capazes de
receber.

É assim, também, com grandes homens. O intelecto e


capacidade de um povo têm uma medida única, – a dos grandes
homens a quem a Providência os dá e de quem os recebe. Sempre
houve pessoas grandiosas demais para seu tempo ou seu povo.
Todo povo faz de tais pessoas seus ídolos, na medida em que é
capaz de compreendê-las.

Será sempre uma especulação vã e vazia impor a verdade


ou a lei ideal a uma pessoa incapaz, ou meramente real. As leis
da afinidade a governam, assim como no que diz respeito às
pessoas que são postas como cabeça do governo. Não sabemos
ainda quais qualificações as ovelhas exigem de um pastor. Com

67
MORAL E DOGMA

pessoas intelectualmente muito altas, a massa tem tão pouca


afinidade quanto tem com as estrelas. Quando BURKE, o
estadista mais sábio que a Inglaterra já teve, ergueu-se para falar,
a Casa dos Comuns esvaziou-se, como sob um sinal combinado.
Existe tão pouca afinidade entre a massa e as VERDADES mais
elevadas. A verdade mais elevada, assim como o homem mais
elevado, sendo incompreensíveis ao homem de realidades, – e
sendo grandemente superiores a ele – parecerão irrealidades e
falsidades enormes para um homem não-intelectual. As doutrinas
mais profundas da Cristandade e da Filosofia seriam meros
jargões e balbucios para um índio Pottawatomie. As explicações
populares dos símbolos da Maçonaria se adéquam à multidão que
enxameia os Templos, – chegam apenas até o limite de sua
capacidade.

O Catolicismo foi uma verdade vital em épocas antigas,


mas se tornou obsoleto e o Protestantismo nasceu, floresceu e se
deteriorou. As doutrinas de ZOROASTRO foram as melhores
que os antigos Persas estavam em condições de receber; as de
CONFÚCIO se adequaram aos Chineses; as de MAOMÉ aos
Árabes idólatras de sua época. Cada qual foi uma Verdade a seu
tempo. Cada qual foi um EVANGELHO, pregado por um
REFORMADOR; e, se algumas pessoas são tão desafortunadas
a ponto de se satisfazerem apenas com elas, enquanto outras
alcançaram uma verdade mais elevada, tal é seu infortúnio, mas
não sua culpa. Merecem piedade, não perseguição.

Não pense ser fácil convencer as pessoas da verdade, nem


levá-las a pensar corretamente. O sutil intelecto humano é capaz
de lançar sua neblina até sobre a visão mais clara. Lembre-se de
que é bastante excêntrico pedir a unanimidade de um júri; mas
pedi-la para um grande número de pessoas, a respeito de qualquer

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CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

ponto de credo político, é espantoso. Você mal pode fazer que


duas pessoas de algum Congresso ou Convenção concordarem –
não! raramente você consegue fazer uma só concordar consigo
mesma. A igreja política que tenta ser suprema em todo lugar tem
um número indefinido de idiomas. Então, como podemos esperar
das pessoas que concordem quanto a um assunto fora do alcance
de seus sentidos? Como então podemos compreender o Infinito e
o Invisível com alguma cadeia de evidência? Pergunte às
pequenas ondas do mar o que elas murmuram entre os seixos!
Quantas daquelas palavras, que vêm daquela praia invisível,
estarão perdidas como os pássaros na longa migração? Quão em
vão forçamos nossa vista através do longo infinito! Devemos ser
contentes, como as crianças, com as pedrinhas encalhadas na
praia, pois nos é proibido explorar profundidades ocultas.

O Companheiro é assim ensinado, especialmente para não


se considerar sábio. Orgulho em teorias sem solidez é pior do que
a ignorância. A Humildade faz um Maçom. Tome algum
momento da vida, quieto e sóbrio, e some as duas ideias, de
Orgulho e de Homem; e observe-a, a criatura de um instante,
andando arrogantemente através do espaço infinito, em toda a
grandeza de sua pequenez! Empoleirada numa partícula do
Universo, cada vento do Céu injeta em seu sangue a frieza da
morte; sua alma evola-se de seu corpo, como uma melodia de uma
corda de instrumento. Dia e noite, como poeira na roda, ela é
rolada pelos céus através de um labirinto de mundos, e todas as
criações de Deus fulguram por todos os lados, para além do que
até sua imaginação pode alcançar. Poderia essa criatura fazer para
si uma coroa de glória, negar sua própria carne, zombar de seu
semelhante, que com ela saiu daquela poeira, e para a qual ambas
logo retornarão? Será que o homem orgulhoso não erra? Não
sofre? Não morre? Quando raciocina, nunca é interrompido por

69
MORAL E DOGMA

dificuldades? Quando age, será que nunca sucumbe às tentações


do prazer? Quando vive, está livre da dor? Ou as doenças não o
reclamam como presa? Quando morrer, poderá escapar da
sepultura? O orgulho não é herança humana. A Humildade deve
enfatizar a fragilidade e reparar a ignorância, o erro e a
imperfeição.

Tampouco deve o Maçom ser ansioso demais por cargo


ou honraria, a despeito de poder sentir com certeza que tem
capacidade de servir o Estado. Não deve buscar nem desdenhar
honrarias. É bom apreciar as bênçãos da sorte; e melhor é
submeter-se à sua perda sem nenhuma fisgada. Os maiores feitos
não são executados à claridade da luz nem diante dos olhos da
população. Aquele a quem Deus presenteou com amor pelo retiro
possui, por assim dizer, um senso adicional; e entre os vastos e
nobres cenários da natureza, encontraremos o bálsamo para os
ferimentos que recebemos em meio às patéticas mudanças de
política; pois o apego pela solidão é o preservativo mais seguro
contra os males da vida.

Mas a Resignação é o mais nobre em proporção, tal como


é o menos passivo. Solidão é apenas um egoísmo mórbido se
proíbe os esforços pelos outros; somente é digna e nobre quando
for a sombra de onde os oráculos instruem a espécie humana; e
um retiro desta natureza é a única segregação que uma pessoa boa
e sábia irá desejar ou ordenar. A mesma filosofia que faz tal
pessoa desejar a quietude, a fará evitar a inutilidade do
eremitério. O LORD BOLINGBROKE teria parecido muito
pouco louvável entre seus forrageiros e lavradores se, dentre
forrageiros e lavradores ele tivesse mirado com olhos indiferentes
para um ministro libertino e um Parlamento venal. Pouco
interesse teriam os seus feijões e ervilhas, se feijões e ervilhas o

70
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

tivessem feito se esquecer que, se era mais feliz em uma fazenda


poderia ser mais útil em um Senado, e o feito abrir mão de todos
os cuidados, na esfera de diretor de uma propriedade, para a
reentrada como um legislador.

Lembre-se, também, de que existe uma educação que


acelera o Intelecto e deixa o coração mais oco ou mais duro do
que antes. Existem lições éticas nas leis dos corpos celestiais, nas
propriedades, nos elementos terrestres, na geografia, química,
geologia e em todas as ciências materiais. Coisas são símbolos de
Verdades. Propriedades são símbolos de Verdades. A ciência, não
ensinando verdades morais e espirituais, estará morta e seca, com
um pouco mais de valor real do que cometer a memória com uma
longa lista de datas desconexas ou de nomes de besouros e
borboletas.

É dito que a Cristandade começa do incêndio dos falsos


deuses feito pelas próprias pessoas. A educação começa com a
queima de nossos ídolos intelectuais ou morais: nossos
preconceitos, noções, conceitos, nossos propósitos sem valor ou
ignóbeis. Especialmente, é necessário nos livrarmos do amor
pelas vantagens mundanas. Com a Liberdade vem a aspiração
pelo avanço secular. Nesta corrida, as pessoas estão em todo o
tempo caindo, levantando-se, correndo e caindo novamente. O
desejo por riqueza e o horror abjeto à pobreza cavam sulcos em
muitas testas nobres. O apostador envelhece à medida que
observa as chances. Perigos legítimos afastam a Juventude antes
do tempo; e essa Juventude cobra pesadas letras de câmbio sobre
a Velhice. As pessoas vivem, assim como as máquinas, sob alta
pressão, cem anos em cem meses; o Livro Razão se torna a Bíblia,
e o diário se torna o Livro da Oração Matinal.

71
MORAL E DOGMA

Por consequência, fluem extrapolações e ocupações


questionáveis, tráfico impiedoso no qual o capitalista compra
lucros com as vidas dos trabalhadores, especulações que cunham
as agonias de uma nação em riqueza, e todas as outras
engenhosidades diabólicas de Mamom. Isto, junto à ganância por
cargos, são as duas colunas à entrada do Templo de Moloque. É
dubitável que esta última ganância, florescendo em falsidade,
trapaça e fraude, não seja mais perniciosa do que a primeira. Em
todo o caso, elas são gêmeas, e adequadamente emparceiradas; e,
quando qualquer uma das duas ganha controle sobre um sujeito
desafortunado, sua alma murcha, decai e finalmente se desvanece.
As almas da metade da raça humana a deixa muito antes de
morrer. As duas ganâncias são as pragas gêmeas da lepra, e
tornam as pessoas impuras; e a qualquer hora que irromperem,
espalhar-se-ão até “cobrir toda a pele do que tem a praga, desde
sua cabeça até aos seus pés”. Até a carne crua do coração se torna
impura com ela.

Alexandre da Macedônia deixou atrás de si um ditado que


sobreviveu às suas conquistas: “Nada é mais nobre do que o
trabalho”. O trabalho, somente, consegue manter até os reis
respeitáveis. E, quando um rei é verdadeiramente um rei, lhe é
uma tarefa honorável dar tom às maneiras e à moral de uma
nação; dar o exemplo de conduta virtuosa e restaurar em espírito
as antigas escolas da cavalaria, nas quais a virilidade juvenil possa
ser educada para a real grandeza. Nas instituições mais
monárquicas, o trabalho e o salário caminharão juntos nas
mentes das pessoas. Precisamos sempre chegar à ideia de trabalho
verdadeiro. O descanso que segue o trabalho será mais doce do
que o descanso que segue o descanso.

Que nenhum Companheiro imagine que o trabalho dos

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CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

humildes e dos pouco influentes não tem valor. Não existe limite
legal para as influências possíveis de uma boa ação, de uma
palavra sábia ou de um esforço generoso. Nada é realmente
pequeno. Quem estiver aberto à penetração profunda na natureza
sabe disto. Apesar de que, de fato, nenhuma satisfação absoluta
possa ser concedida à filosofia, não mais na circunscrição da
causa do que na limitação do efeito, a pessoa de reflexão e
contemplação cai em êxtases imperscrutáveis à vista de todas as
decomposições de forças resultantes na unidade. Tudo trabalha
para tudo. A destruição não é aniquilamento, mas regeneração.

A álgebra se aplica às nuvens; a radiação da estrela é


benéfica à rosa; nenhum pensador se atreveria a dizer que o
perfume do espinheiro-alvar é inútil às constelações. Quem,
então, pode calcular o caminho de uma molécula? Como
sabermos se as criações dos mundos não são determinadas pela
queda de grãos de areia? Quem, então, compreenderá o fluxo e
refluxo recíprocos do infinitamente grande e do infinitamente
pequeno; o eco de causas nas profundezas do início e as
avalanches da criação? Um verme é levado em conta; o pequeno
é grande; o grande é pequeno; tudo está necessariamente em
equilíbrio. Existem relações maravilhosas entre os seres e as
coisas; nesse Todo inexaurível desde o sol até as larvas não existe
escárnio: todos precisam uns dos outros. A luz não leva perfumes
terrestres às profundidades azul celestes sem saber o que fará com
eles; a noite distribui as essências estelares às plantas
adormecidas. Todo pássaro voador tem um fiapo do infinito em
sua garra. A germinação inclui o choque de um meteoro e a batida
do bico da andorinha ao quebrar o ovo; e leva adiante o
nascimento de uma minhoca e o advento de um Sócrates. O
microscópio começa onde termina o telescópio. Qual dos dois nos
dá uma visão mais grandiosa? Um punhado de terra é uma Plêiade

73
MORAL E DOGMA

de flores – uma nebulosa é um formigueiro de estrelas.

Existe a mesma e a ainda mais maravilhosa


interpenetração entre as coisas do intelecto e as coisas da matéria.
Elementos e princípios são misturados, combinados, desposados,
multiplicados uns pelos outros a ponto de trazerem o mundo
material e o mundo moral à mesma luz. Os fenômenos estão
perpetuamente voltados sobre si mesmos. Nas enormes mudanças
cósmicas a vida universal vem e se vai em quantidades
desconhecidas, abarcando tudo no mistério invisível das
emanações, sem perder nenhum sonho de um único sono,
semeando um animálculo aqui, esfarelando uma estrela ali,
oscilando e volvendo-se em curvas; fazendo da Luz uma força, e
do Pensamento um elemento; disseminados e indivisíveis,
dissolvendo tudo, salvo aquele ponto sem comprimento, largura
nem espessura, o EU; reduzindo tudo ao átomo-Alma; fazendo
tudo florescer em Deus; enredando todas as atividades, da mais
alta à mais baixa, na obscuridade de um mecanismo vertiginoso;
mantendo o voo de um inseto por sobre o movimento da Terra;
subordinando, talvez, apenas pela identidade da lei, as evoluções
excêntricas do cometa no firmamento ao rodopio dos protozoários
na gota de água. Um mecanismo formado de mente, seu primeiro
motor é o mosquito, e sua última roda o zodíaco.

Um menino camponês, guiando Blücher pela estrada


correta, das duas que havia, estando a outra intransitável por causa
da artilharia, permite que ele chegue a Waterloo em tempo de
salvar Wellington de uma derrota que teria sido completa; e assim
possibilita os reis aprisionarem Napoleão em uma rocha estéril no
meio do oceano. Um ferreiro infiel, pelo ferramento desleixado
de um cavalo, causa a coxeadura de Napoleão, e, aos tropeços, a
carreira deste cavaleiro conquistador do mundo termina e os

74
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

destinos de impérios são mudados. Um oficial generoso permite


ao monarca aprisionado terminar sua partida de xadrez antes de
levá-lo ao cadafalso; e, enquanto isso, o usurpador morre e o
prisioneiro reascende ao trono. Um trabalhador inexperiente
conserta a bússola, ou a malícia ou a estupidez a desarranjam, o
navio erra seu curso, as ondas engolem um César, e um novo
capítulo é escrito na história de um mundo. O que chamamos de
acidente não é nada mais do que a cadeia adamantina de conexões
indissolúveis entre todas as coisas criadas. O gafanhoto, nascido
nas areias da Arábia, provoca fome no Oriente, o pequeno verme
que, destruindo a cápsula de algodão, fecha as fábricas, levando à
fome trabalhadores e seus filhos no Ocidente, causando motins e
massacres, são tão ministros de Deus quanto o terremoto; e o
destino das nações depende mais deles do que do intelecto de seus
reis e legisladores. Uma guerra civil na América acabará por fazer
estremecer o mundo; e tal guerra pode ser causada pelo voto de
algum caça-prêmios ignorante ou fanático enlouquecido em uma
cidade ou em um Congresso, ou de algum inculto estúpido em
uma paróquia obscura. A eletricidade da simpatia universal, de
ação e reação, impregna tudo, os planetas e as partículas sob os
raios do sol. FAUSTO com seus modelos, ou LUTERO com
seus sermões, alcançaram resultados maiores do que Alexandre
ou Aníbal. Às vezes, basta um simples pensamento para derrubar
uma dinastia. Uma canção boba fez mais para depor Jaime II do
que a absolvição dos Bispos. Voltaire, Condorcet e Rousseau
proferiram palavras que soarão, em mudanças e em revoluções,
através de todos os tempos.

Lembre-se de que, apesar da vida ser curta, o Pensamento


e a influência do que fazemos ou dizemos são imortais; e que,
ainda, nenhum cálculo pretendeu averiguar a lei da relação entre
causa e efeito. O martelo de um ferreiro Inglês, prosternando um

75
MORAL E DOGMA

oficial insolente, levou a uma rebelião que chegou quase a se


tornar uma revolução. A palavra bem dita, a ação bem feita,
mesmo que seja pelo mais fraco ou humilde, podem não ajudar,
mas têm seu efeito. Maior ou menor, o efeito é inevitável e eterno.
Os ecos dos maiores feitos podem se extinguir como os ecos de
um grito por entre os rochedos, e o que tiver sido feito aparenta,
para o julgamento humano, ter sido sem resultado. Um ato
inconsiderado do mais pobre dos homens pode incendiar o trem
que vai à mina subterrânea, e um império ser despedaçado pela
explosão.

O poder de um povo livre está, muitas vezes, à disposição


de um único indivíduo, aparentemente sem importância; – um
poder terrível e verdadeiro; porque tal povo sente apenas com um
coração e, portanto, consegue levantar sua miríade de armas para
um único ataque. Novamente, não existe escala graduada para a
medida das influências de intelectos diferentes sobre a mente do
povo. Pedro o Eremita não teve cargo e, ainda assim, que trabalho
realizou!

Do ponto de vista político, existe apenas um só princípio,


– a soberania do homem sobre ele mesmo. Esta soberania de si
mesmo sobre si mesmo é chamada de LIBERDADE. Aonde duas
ou várias destas soberanias se associam começa o Estado. Mas
não existe abdicação nesta associação. Cada soberania reparte
uma certa porção de si mesma para formar o direito comum. Esta
porção é a mesma para todos. Existe contribuição igual de todos
para a soberania comum. Esta identidade de concessão que cada
um faz para todos é IGUALDADE. O direito comum não é nada
mais e nada menos do que a proteção de todos, derramando seus
raios em cada um. E a proteção a cada um por todos é
FRATERNIDADE.

76
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

A Liberdade é o ápice, a Igualdade a base. A Igualdade


não é toda a vegetação em um nível, uma sociedade de grandes
hastes de grama e carvalhos atrofiados, um bairro de ciúmes,
emasculando-se mutuamente. É, civilmente, todas as aptidões
tendo oportunidades iguais; politicamente, todos os votos terem
pesos iguais; e religiosamente, todas as consciências terem
direitos iguais.

A Igualdade tem um órgão; – a instrução gratuita e


obrigatória. Devemos começar com o direito ao alfabeto. A escola
primária obrigatória para todos; e a escola superior oferecida
para todos. Tal é a lei. É da mesma escola para todos que brota
uma sociedade igualitária. Instrução! Luz! Tudo vem da Luz e
para ela retorna.

Se quisermos ser sábios e fazer alguma boa obra, devemos


aprender os pensamentos das pessoas comuns. Devemos olhar
para as pessoas, não pelo que a Sorte lhes tenha dado, com seus
olhos cegos, mas pelas dádivas que a Natureza, em seu regaço,
lhes trouxe e pelo uso que as pessoas têm feito delas. Professamos
sermos iguais numa Igreja e na Loja: seremos iguais à vista de
Deus quando Ele julgar a Terra. Bem que poderíamos nos sentar
aqui no chão, juntos, em comunhão e conferência, durante os
breves momentos que constituem a vida.

Um Governo Democrático indubitavelmente tem seus


defeitos, porque é formado e administrado por homens e não
pelos Sábios Deuses. Não pode ser conciso e afiado, como o
despótico. Quando a ira daquele é despertada, ele desenvolve sua
força latente e o rebelde mais resoluto estremece. Mas sua regra
doméstica habitual é tolerante, paciente e indecisa. As pessoas são
reunidas, primeiro para diferirem, e logo depois para

77
MORAL E DOGMA

concordarem. Afirmação, negação, discussão, solução: estes são


os meios de se chegar à verdade. Com frequência, o inimigo estará
aos portões antes que o balbucio dos perturbadores seja afogado
no coro da aprovação. No cargo Legislativo, muitas vezes a
deliberação derrotará a decisão. A Liberdade pode bancar a tola
assim como os Tiranos.

A sociedade refinada requer maior minuciosidade de


regulação; e os passos de todos os Estados em progresso estão,
cada vez mais, a ser pinçados dentre os refugos antigos e os
materiais novos. A dificuldade repousa em se descobrir o
caminho certo em meio ao caos de confusão. O ajustamento de
direitos mútuos e infrações mútuas é também mais difícil nas
democracias. Não enxergamos nem estimamos a importância
relativa dos objetos fácil e claramente, tanto olhando a partir do
solo raso ou ondulante quanto a partir da elevação de um pico
isolado, torreado acima da planície; porque cada um enxerga
através de sua própria neblina.

A dependência abjeta a eleitores, também, é demasiado


comum. É algo tão miserável quanto a dependência abjeta a um
ministro ou à favorita de um Tirano. É raro encontrar uma pessoa
que fale alto, honesta e francamente a simples verdade que existe
dentro de si, sem medo, favor ou afeição, seja para o Imperador
ou para o Povo.

Além disso, nas assembleias de pessoas, a confiança


recíproca está sempre em falta, a não ser que haja coesão
produzida por uma terrível pressão de uma calamidade ou de um
perigo exterior. Portanto, o poder construtivo de tais assembleias
é geralmente deficiente. Os principais triunfos dos dias modernos,
na Europa, têm sido em destruir e obliterar; não em construir. Mas

78
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Repelir não é Reformar. O tempo trará consigo o Restaurador e o


Reconstrutor.

O discurso, também, é abusado grosseiramente nas


Repúblicas; e, se o uso do discurso é glorioso, seu abuso é o mais
repugnante dos vícios. A Retórica, diz Platão, é a arte de dirigir
as mentes das pessoas. Mas, nas democracias, é muito comum
esconder o pensamento em palavras, encobri-lo e balbuciar
asneiras. Os reflexos e o brilho das bolas de sabão intelectuais são
confundidos com as glórias irisadas dos gênios. As piritas sem
valor são continuamente confundidas com ouro. Mesmo o
intelecto condescende com o malabarismo intelectual, que
equilibra pensamentos tal como o malabarista equilibra tubos em
seu queixo. Em todos os Congressos temos um fluxo incansável
de balbucios e de safadezas partidárias clamorosas em discussão,
até que o divino poder do discurso, este privilégio do ser humano
e grande dádiva de Deus, não passe de algazarra de papagaios ou
mímica de macacos. O mero tagarela, todavia fluente, é estéril de
proezas no dia do julgamento.

Existem homens e mulheres volúveis, todos hábeis em


esgrimir com suas línguas: prodígios no discurso, míseros em
obras. Excesso de conversa, tal como excesso de pensamento,
destrói o poder da ação. Na natureza humana, o pensamento só é
perfeito pela ação. O silêncio é a mãe de ambos. O trompetista
não é o mais valente dos valentes. É o aço que ganha o dia, não o
latão. O grande realizador de grandes façanhas geralmente é lento
e desleixado no discurso. Existem pessoas nascidas e criadas para
trair. Sua mercadoria é o Patriotismo, seu capital o discurso. Mas
nenhum espírito nobre pode argumentar como Paulo e ser falso a
si mesmo como Judas.

79
MORAL E DOGMA

Muito comumente os embustes dominam nas repúblicas;


parecem estar sempre nas minorias; seus guardiões são
autonomeados; e o iníquo prospera mais do que o justo. O
Déspota, assim como o rugir do leão noturno, afoga todo o clamor
das línguas de uma vez, e o discurso, direito de nascença das
pessoas livres, se torna a quinquilharia dos escravizados.

É bem verdade que as repúblicas apenas ocasionalmente,


como que acidentalmente, selecionam seus mais sábios, ou até os
menos incapazes entre os incapazes para governá-las e legislar
por elas. Se o gênio, armado com erudição e conhecimento,
agarrar as rédeas, o povo reverenciá-lo-á; se modestamente se
oferecer para o cargo, será golpeado na face, mesmo quando, em
situações de dificuldades e nas agonias da calamidade, seja
indispensável para a salvação do Estado. Coloque-o sobre a trilha
com o exibicionista e superficial, o presunçoso, o ignorante e
impudico, o trapaceiro e charlatão, e o resultado não será, nem
por um momento, dubitável. Os veredictos das Legislaturas e do
Povo são como os veredictos dos júris – algumas vezes certos por
acidente.

Os cargos, é verdade, chovem como as chuvas do Céu


sobre os justos e os injustos. Os Áugures Romanos, que
costumavam rir na cara dos outros à simplicidade do vulgar, eram
também cocegados com seu próprio engano; mas não é necessário
nenhum Áugure para guiar o povo para fora do caminho. Este
facilmente se ludibria. Deixe uma República começar como pode,
e ela não sairá de sua menoridade antes que a imbecilidade seja
promovida para altos cargos; e a rasa ambição, se inflando em
notícia, invadirá todos os santuários. Prevalecerá o partidarismo
mais inescrupuloso, mesmo no que diz respeito a confianças
judiciais; e constantemente serão feitas as indicações mais

80
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

injustas, apesar de que toda promoção incorreta, não apenas


concede um favor imerecido, mas também faz cem bochechas
honestas doerem por causa da injustiça. O país é esfaqueado na
testa quando aqueles que deveriam escapulir para o corredor turvo
são trazidos para os assentos abarracados. Cada carimbo da
Honra, mal seguro, é roubado do Tesouro do Mérito.

Ainda assim, a entrada para o serviço público, e a


promoção nele, afeta tanto os direitos individuais quanto os da
nação. A injustiça em conceder ou reter um cargo deve ser tão
intolerável nas comunidades democráticas que o menor traço dela
deve ser como o cheiro da Traição. Não é universalmente
verdadeiro que todos os cidadãos de igual caráter tenham igual
reclamo de bater à porta de todo gabinete público e exigir
admissão. Quando qualquer pessoa se apresenta para serviço tem
o direito de aspirar ao cargo mais alto imediatamente, se for capaz
de comprovar sua aptidão para tal começo, – e que ela é mais apta
do que as outras que se oferecem para a mesma posição. Sua
entrada no cargo só pode ser feita de forma justa através da porta
do mérito. E toda vez que alguém aspira e alcança tal posto
elevado, especialmente se for por meios injustos, irrespeitáveis e
indecentes, e posteriormente é encontrada uma falha notável, esse
alguém deve ser imediatamente decapitado. Ele é o pior entre
todos os inimigos públicos.

Quando uma pessoa suficientemente se revela, todas as


outras se sentirão orgulhosas de lhe dar a devida precedência.
Quando o poder de promoção é abusado nas grandes passagens
da vida, seja pelo Povo, pelo Legislativo ou pelo Executivo, a
decisão injusta recai sobre o juiz imediatamente. Não é apenas
uma falta de visão grosseira, mas também intencional não se
descobrir os merecedores. Se alguém observar profunda, longa e

81
MORAL E DOGMA

honestamente, não falhará em discernir o mérito, o gênio e a


qualificação; e os olhos e a voz da Imprensa e do Público
condenarão e denunciarão a injustiça onde quer que ela erga sua
cabeça horrenda.

“Ferramentas para os trabalhadores!” Nenhum outro


princípio salvará uma República da destruição, seja pela guerra
civil ou pela deterioração. Elas tendem a decair como corpos
humanos, ainda que façamos tudo que pudermos para impedir. Se
as pessoas tentam a experiência de se autogovernar pelos seus
menores, escorregam para o abismo inevitável com velocidade
decuplicada; e nunca existiu uma República que não tivesse
seguido este curso fatal.

Mas, apesar de palpáveis e grosseiros os defeitos inerentes


dos governos democráticos, e fatais como são final e
inevitavelmente os resultados, carecemos apenas relancear os
reinados de Tibério, de Nero e de Calígula, de Heliogábalo e
Caracala, de Domiciano e Cômodo, para identificar que a
diferença entre liberdade e despotismo é tão grande quanto a entre
o Céu e o Inferno. A crueldade, a baixeza e insanidade dos tiranos
são incríveis. Deixe aquele que reclama dos humores instáveis e
da inconstância de um povo livre ler o personagem Domiciano de
Plínio. Se o grande homem em uma República não consegue obter
cargos sem descer a artes vis, sem choramingar sua penúria, ou
fazer uso judicioso de mentiras furtivas, deixe-o ficar em
aposentadoria e usar a caneta. Tácito e Juvenal não tiveram
cargos. Deixemos a História e a Sátira punirem o impostor tal
como elas crucificam o déspota. As vinganças do intelecto são
terríveis e justas.

Deixemos a Maçonaria usar a caneta e a imprensa escrita

82
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

no Estado livre, contra o Demagogo; no Despotismo, contra o


Tirano. A História dá exemplos e encorajamentos. Toda a
História, durante quatro mil anos, está repleta de direitos violados
e de sofrimento dos povos, cada período da história traz consigo
protesto tão grande quanto possível. Sob os Césares não houve
insurreição, mas existiu Juvenal. O estimulante da indignação
substituiu os Gracos. Sob os Césares há o exílio de Assuã;
também há o autor dos Anais. Como os Neros reinam
sombriamente, devem ser retratados da mesma maneira. O
trabalho só com o buril poderia ser fraco; nos entalhes, deve ser
vertida uma narração concentrada, que punge.

Os déspotas são uma ajuda para os pensadores. O discurso


acorrentado é um discurso terrível. O escritor duplica e triplica
seu estilo quando o silêncio é imposto sobre o povo por um
mestre. Desse silêncio brota certa altissonância misteriosa que
filtra-se nos pensamentos e se congela em metal. A compressão
na história produz concisão no historiador. A solidez granítica de
algumas prosas célebres é apenas uma condensação criada pelo
Tirano. A Tirania constrange o escritor a reduções no diâmetro
que são aumentos na força. O período ciceroniano, quase
insuficiente com Verres, teria perdido sua aresta com Calígula.

O Demagogo é o predecessor do Déspota. Um brota dos


lombos do outro. Aquele que bajula vilmente alguém que possui
cargos a outorgar trairá, como Iscariotes, e experimentará uma
derrota miserável e lastimosa. Deixemos o novo Júnio chicotear
tais pessoas como merecem, e a História fazê-las imortais na
infâmia; uma vez que suas influências culminam em ruína. A
República que emprega e louva o raso, o superficial, o baixo,
“quem se agacha Para as sobras de um cargo prometido,” ao
final chora lágrimas de sangue por seu erro fatal. O fruto óbvio de

83
MORAL E DOGMA

tal insensatez suprema é a danação. Deixemos a nobreza de cada


grande coração, condensada em justiça e verdade, atingir essas
criaturas como um raio! Se você não puder fazer mais, pelo menos
pode condená-las com seu voto e pô-las no ostracismo pela
denúncia.

É verdade que, como os Czares são absolutos, eles têm em


seu poder escolher os melhores para o serviço público. É verdade
que o iniciador de uma dinastia geralmente faz assim; e que
quando monarquias estão em seus primórdios, a pretensão e a
baixeza não têm sucesso, nem prosperam nem acumulam poder
como fazem nas Repúblicas. Todos não tagarelam no Parlamento
de um Reino como no Congresso de uma Democracia. Os
incapazes não passam toda a vida lá sem serem detectados.
Mas dinastias rapidamente decaem e se esgotam.
Finalmente, definham-se à imbecilidade; e os Membros dos
Congressos, estúpidos ou irreverentes, são no mínimo os pares
intelectuais da vasta maioria dos reis. O grande homem, o Júlio
César, o Carlos Magno, Cromwell, Napoleão, reina de direito. É
o mais sábio e o mais forte. Os incapazes e imbecis que sucedem
são usurpadores; e o medo os faz cruéis. Depois de Júlio veio
Caracala e Galba; depois de Carlos Magno, o lunático Carlos VI.
E, assim, a dinastia Sarracena definhou-se; os Capetos, os Stuarts,
os Bourbons; estes últimos produziram Bomba, o macaco de
Domiciano.

Como os tigres, o homem é cruel por natureza. O bárbaro,


instrumento do tirano, e o fanático civilizado apreciam os
sofrimentos dos outros, como as crianças apreciam as contorções
de moscas mutiladas. O Poder Absoluto, uma vez temendo pela
segurança de seu mandato, não pode ser senão cruel.
Quanto à habilidade, após algumas vidas, as dinastias

84
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

invariavelmente deixam de ter alguma. Elas se tornam meras


falsidades, governadas por ministros, favoritas ou cortesãs, como
aqueles velhos reis Etruscos, dormitando por longas eras em suas
túnicas reais de ouro, dissolvendo-se para sempre ao primeiro
hálito do dia. Deixe aquele que reclama dos defeitos da
democracia se perguntar se ele preferiria uma Du Barry ou uma
Pompadour, governando em nome de um Luís XV, um Calígula
nomeando seu cavalo um Cônsul, um Domiciano, “aquele
monstro mais selvagem” que algumas vezes bebeu o sangue de
parentes, outras vezes se empregando ao morticínio dos cidadãos
mais destacados, à frente de cujos portões o medo e o terror
mantinham vigia; um tirano de aspecto aterrorizante, orgulho em
sua testa, fogo em seu olho, constantemente buscando a escuridão
e o sigilo, e só emergindo de sua solidão para gerar solidão.
Apesar de tudo, em um governo livre, as Leis e a Constituição
estão acima dos Incapazes, os Tribunais corrigem suas leis, e a
posteridade é o Grande Inquérito que lhes deixa o julgamento. O
que é a exclusão de valor, de intelecto e de conhecimento do
serviço civil comparada aos processos perante Jeffries, às torturas
nas cavernas escuras da Inquisição, às carnificinas do Duque de
Alba na Holanda, à Noite de São Bartolomeu e às Vésperas
Sicilianas?

O Abade Barruel, em suas Memórias para a História do


Jacobinismo, declara que a Maçonaria na França deu, como seu
segredo, as palavras Igualdade e Liberdade, deixando para cada
Maçom honesto e religioso explicá-las como melhor se
adequassem aos seus princípios; mas reteve o privilégio de
desvelar o significado daquelas palavras nos Graus superiores, tal
como interpretadas pela Revolução Francesa. Ele também
excetua os Maçons Ingleses de seus anátemas, porque na
Inglaterra um Maçom é um sujeito pacífico das autoridades civis,

85
MORAL E DOGMA

não importando onde resida, não engajado em nenhum complô ou


conspiração mesmo contra o pior governo. A Inglaterra, diz ele,
desgostosa com uma Igualdade e uma Liberdade, consequências
do que tinha sentido nas lutas de seus Lollardos, Anabatistas e
Presbiterianos, havia “purgado sua Maçonaria” de todas as
explicações que tendessem a subverter impérios; mas ainda
permaneceram adeptos que, desorganizando princípios, se ataram
aos Antigos Mistérios.

Porque a verdadeira Maçonaria, não emasculada, portou


os estandartes da Liberdade e dos Direitos Iguais, e estava
rebelada contra a tirania temporal e espiritual, suas Lojas foram
proscritas em 1735 por um édito dos Estados da Holanda. Em
1737, Luís XV as proibiu na França. Em 1738, o Para Clemente
XII publicou contra elas sua famosa Bula de Excomunhão, que
foi renovada por Benedito XIV; e, em 1743, o Conselho de Berna
também a proscreveu. O título da Bula de Clemente é “A
Condenação da Sociedade de Reuniões de Liberi Muratori, ou
dos Franco-Maçons, sob a penalidade de excomunhão ipso facto,
a absolvição está reservada unicamente ao Papa, exceto no
momento de morte”. E através dela todos os bispos, ordinários e
inquisidores obtiveram poderes para punir Maçons como
“veementemente suspeitos de heresia” e convocar, se necessário,
a ajuda do braço secular, isto é, fazer a autoridade civil executá-
los.

Além disso, teorias políticas falsas e servis acabam


brutalizando o Estado. Por exemplo, adotam a teoria de que
cargos e empregos devem ser dados como prêmios por serviços
prestados ao partido, e logo se tornam a presa e o espólio do
partido, o saque da vitória da facção; – e a lepra está na carne do
Estado. O corpo da nação se torna uma massa de corrupção,

86
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

como uma carcaça viva putrefeita com sífilis. No final, todas as


teorias doentias se desenvolvem em uma ou outra enfermidade
imunda e asquerosa do corpo político. O Estado, assim como as
pessoas, deve envidar constantes esforços para se manter nos
caminhos da virtude e do humanismo. O hábito da propaganda
eleitoral e da mendicância por cargos culmina em suborno com
o cargo e em corrupção no cargo.

Um homem escolhido tem uma confiança visível de Deus,


tão claramente como se a concessão fosse endossada pelo
tabelião. Uma nação não pode renunciar a testamentaria dos
decretos Divinos. Tão pouco pode a Maçonaria. Ela deve
trabalhar para cumprir seu dever inteligente e sabiamente.
Devemos nos lembrar de que em Estados livres, bem como nos
despotismos, a Injustiça, esposa da Opressão, é a fértil
progenitora da Fraude, Desconfiança, Ódio, Conspiração, Traição
e Deslealdade. Mesmo arremetendo contra a Tirania, devemos ter
a Verdade e a Razão como nossas principais armas. Devemos
marchar para tal luta como os antigos Puritanos, ou para a batalha
contra os abusos que florescem no governo livre, com a espada
flamante em uma das mãos e os Oráculos de Deus na outra.

O cidadão que não consegue cumprir bem os menores


propósitos da vida pública não consegue perceber os maiores. O
enorme poder da tolerância, abstenção, paciência, e desempenho
de um povo livre somente é adquirido pelo exercício contínuo de
todas as funções, como o saudável vigor físico humano. Se os
cidadãos, individualmente, não o tiverem, o Estado igualmente
ficará sem ele. É da essência de um governo livre que as pessoas
devam não só se preocupar em fazer as leis, mas também com sua
execução. Ninguém deve ser mais pronto para obedecer e
administrar a lei do que aquele que ajudou a fazê-la. Os negócios

87
MORAL E DOGMA

de governo são exercidos para o benefício de todos, e cada


parceiro deve aconselhar e cooperar.

Lembre-se também de que, como outro banco de areia


pelo qual os Estados são naufragados, Estados livres sempre
tendem na direção do depósito dos cidadãos em estratos, na
criação de castas, na perpetuação do jus divinum aos cargos em
famílias. Quanto mais democrático o Estado, mais seguro este
resultado. Pois, à medida que Estados livres avançam em poder,
existe uma forte tendência rumo à centralização, não por má
intenção deliberada, mas pelo curso de eventos e indolência da
natureza humana. Os poderes do executivo se dilatam e crescem
até dimensões desordenadas; e o Executivo sempre é agressivo
com respeito à nação. Cargos de todo tipo são multiplicados para
recompensar partidários; a força bruta do esgoto e dos estratos
inferiores da ralé obtém larga representação, primeiro nos cargos
mais baixos, e finalmente nos Senados; e a Burocracia ergue sua
cabeça careca, eriçada de canetas, cercada com óculos e enfeixada
com fitas. A arte de Governar se torna como que um Ofício e suas
guildas tendem a se torna exclusivas, como as da Idade Média.

A ciência política pode ser muito aperfeiçoada como


assunto de especulação; mas nunca deve estar divorciada da real
necessidade nacional. A ciência de governar as pessoas deve
sempre, acima de filosófica, ser prática. Aqui, não existe a mesma
quantia de verdade positiva ou universal como há nas ciências
abstratas; o que é verdadeiro em um país pode ser muito falso em
outro; o que é falso hoje pode se tornar verdadeiro em outra
geração, e a verdade de hoje ser revertida pelo julgamento de
amanhã. Os fins apropriados da política são distinguir entre o
casual e o duradouro, separar o inadequado do adequado e fazer
o progresso ser mesmo possível. Mas sem conhecimento e

88
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

experiência reais, e comunhão de labor, os sonhos dos doutores


em política podem não ser melhores do que os dos doutores em
divindade. O reinado de tal casta, com seus mistérios, seus
mirmidões e sua influência corruptora, pode ser tão fatal quanto
o dos déspotas. Trinta tiranos são trinta vezes piores do que um.

Mais ainda existe uma forte tentação, para as pessoas que


governam, de se tornarem tão indolentes e preguiçosas quanto o
mais fraco dos reis absolutos. Dê-lhes apenas o poder para se
livrarem, quando o capricho as incitar, das pessoas grandiosas e
sábias e elegerem os ínfimos, e para todo o resto reincidirão em
indolência e indiferença. O poder central, criação das pessoas,
organizadas e astutas se não esclarecidas, é o perpétuo tribunal
montado por elas para a reparação dos erros e para a regra da
justiça. Logo se equipa com todo o equipamento necessário e está
pronto e apto para todos os tipos de interferência. O povo pode
ser uma criança por toda a sua vida. O poder central pode não ser
capaz de sugerir a melhor solução científica de um problema; mas
tem os meios mais fáceis de realizar efetivamente uma ideia. Se
o propósito a ser alcançado é amplo, requer uma ampla
compreensão; é próprio para a ação do poder central. Se for um
objetivo pequeno, poderá ser frustrado pelo desacordo. O poder
central deve imiscuir-se como árbitro para prevenir isso. O povo
pode ser muito avesso às mudanças, muito preguiçoso em seus
próprios negócios, injusto para com uma minoria ou com a
maioria. O poder central deve tomar as rédeas quando o povo as
largar.

O governo da França se tornou centralizado mais pela


apatia e ignorância de seu povo do que pela tirania de seus reis.
Quando a vida paroquial mais íntima for entregue à guarda direta
do Estado, e o conserto do campanário de uma igreja interiorana

89
MORAL E DOGMA

requerer uma ordem escrita do poder central, o povo estará em


senilidade. E assim as pessoas são educadas na imbecilidade,
desde o alvorecer da vida social. Quando o governo central
alimenta parte da população, prepara a todos para serem escravos.
Quando dirige os assuntos paroquiais e municipais, as pessoas já
são escravas. O próximo passo será regulamentar o trabalho e
seus salários.

Apesar disso, sejam quais forem as insensatezes que o


povo possa cometer, mesmo a colocação dos poderes de legislar
nas mãos dos pouco competentes e menos honestos, o desespero
não é o resultado final. A EXPERIÊNCIA, professora terrível,
escrevendo seus ensinamentos nos corações desolados com a
calamidade e espremidos pela agonia, os fará mais sábios no
tempo certo. Pretensão, trejeitos e mendicância sórdida por votos
um dia cessarão sua utilidade. Ter FÉ, e ir à luta, contra as
influências malignas e os desencorajamentos! A FÉ é a Salvadora
e Redentora das nações. Quando a Cristandade se tornou fraca,
sem proveito e impotente, o Restaurador e Iconoclasta Árabe veio
como um furacão purificador. Quando a batalha de Damasco
estava prestes a iniciar, o bispo Cristão, ao amanhecer, em suas
vestimentas, à frente de seu clero, com a Cruz então erguida
triunfalmente no ar, desceu aos portões da cidade e abriu, em
frente ao exército, o Testamento de Cristo. O general Cristão
THOMAS pôs sua mão sobre o livro e disse: “Ó, Deus! SE nossa
fé for verdadeira, ajude-nos e não nos entregue nas mãos dos
inimigos!” Mas KHALED, “a espada de Deus”, que vinha
marchando de vitória em vitória, exclamou para seus soldados
cansados: “Nenhum homem durma! Haverá bastante descanso
nos abrigos do Paraíso; doce será o repouso que nunca mais
será seguido de trabalho!” A fé do Árabe havia se tornado mais
forte do que a do Cristão, e ele venceu.

90
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

A Espada também é, na Bíblia, um emblema da


PALAVRA, ou da exteriorização do pensamento. Assim, na
visão ou apocalipse do sublime exílio de Patmos, um protesto em
nome do ideal, dominando o mundo real, uma sátira tremenda em
nome da Religião e da Liberdade, com suas reverberações
inflamáveis golpeando o trono dos Césares, uma espada de duas
lâminas afiadas sai da boca do Semblante do Filho do Homem,
circundada por sete castiçais dourados, e tendo em sua mão direita
sete estrelas. “O Senhor”, diz Isaías, “tornou minha boca
semelhante a uma espada afiada”. “Eu os matei”, diz Oseias,
“com as palavras de minha boca”. “A palavra de Deus”, diz o
escriba da carta apostólica aos Hebreus, “é viva e eficaz, e mais
cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até à
divisão entre a alma e o espírito”. “A espada do Espírito, que é
a Palavra de Deus” diz Paulo, ao escrever aos Cristãos em Éfeso;
“E contra eles batalharei a com a espada da minha boca”, está
dito no Apocalipse ao anjo da igreja, em Pérgamo.

O discurso oral pode rolar-se com tanta força quanto a


grande onda da maré; mas, tal como a onda, por fim morre
fracamente nas areias. É ouvido por poucos, lembrado por menos
ainda e se desvanece como um eco nas montanhas, não deixando
nenhum sinal de poder. Não representa nada para as gerações
existentes e futuras da humanidade. Foi o discurso humano
escrito que deu poder e permanência ao pensamento humano. É
esse que faz de toda a história humana nada mais do que uma vida
individual.

Escrever na rocha é escrever em pergaminho sólido, mas


requer uma peregrinação para vê-la. Só existe uma cópia, e até
esta o Tempo desgasta. Escrever em pergaminho ou em papiro,

91
MORAL E DOGMA

supostamente, era publicar uma edição tardia a qual apenas os


ricos podiam adquirir. Os Chineses estereotiparam não apenas a
sabedoria imutável dos antigos sábios, mas também os
acontecimentos transitórios. O processo tendia a sufocar o
pensamento e a impedir o progresso; pois há uma contínua
divagação nas mentes mais sábias e a Verdade escreve suas
últimas palavras, não sobre tabletes limpos, mas sobre os rabiscos
feitos e muitas vezes remendados pelo Erro.
A imprensa fez as letras móveis prolíficas. Desde então, o
orador falou quase que visivelmente para as nações ouvintes; e o
autor escreveu, como o Papa, em seus decretos ecumênicos, urbi
et orbi, e ordenou que se os afixasse em todos os mercados;
permanecendo, se ele quisesse, inacessíveis à vista humana. E
desde então a condenação das tiranias foi selada. A sátira e a
diatribe se tornaram poderosas como exércitos. As mãos
invisíveis dos Junos podem lançar os raios e fazer os ministros
tremer. Um sussurro deste gigante enche a terra tão facilmente
quanto Demóstenes encheu a Ágora. Logo será ouvido pelos
antípodas com tanta facilidade quanto do outro lado da rua. Viaja
com o raio sob os oceanos. Faz da massa uma única pessoa, fala
a ela na mesma linguagem comum e extrai uma resposta certa e
única. O discurso se transforma em pensamento e imediatamente
em ação.

Uma nação se torna verdadeiramente una, com um grande


coração e um pulso com batimento único. As pessoas estão
invisivelmente presentes para as outras como se já fossem seres
espirituais; e o pensador que se senta na solidão Alpina,
desconhecido ou esquecido por todo o mundo, em meio aos
rebanhos e montes silenciosos, pode lampejar suas palavras para
todas as cidades e sobre todos os mares.

92
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Escolha os pensadores para serem Legisladores; e evite os


tagarelas. A Sabedoria raramente é loquaz. Peso e profundidade
de pensamento não favorecem a volubilidade. As pessoas rasas e
superficiais geralmente são volúveis e muitas vezes passam por
eloquentes. Mais palavras, menos pensamento, – é a regra geral.
A pessoa que se esforça para, em cada sentença, dizer algo que
valha a pena nos lembrarmos se torna fastidiosa e densa como
Tácito. As pessoas vulgares amam um riacho mais difuso. A
ornamentação que não abrange força é a futilidade das baboseiras.

E a sutileza dialética nem é valiosa para os homens


públicos. A fé Cristã a tem, e antigamente a teve mais do que hoje;
uma sutileza que poderia ter embaraçado Platão, e que rivalizava
de uma forma infrutífera com as doutrinas místicas dos Rabinos
Judeus e Sábios Hindus. Não é isto o que converte os pagãos. É
um esforço vão tentar equilibrar os grandes pensamentos da terra,
como palhas ocas, sobre as pontas dos dedos da discussão. Não é
o tipo de armamento que faz a Cruz triunfante nos corações dos
descrentes; mas o verdadeiro poder que vive na Fé.

Portanto, existe uma escolástica política que é


simplesmente inútil. A destreza da lógica sutil raramente mexe os
corações das pessoas, nem as convence. O verdadeiro apóstolo da
Liberdade, Fraternidade e Igualdade faz disto uma questão de
vida ou morte. Seus combates são como os de Bossuet, –
combates até a morte. O verdadeiro fogo apostólico é como um
relâmpago: lampeja convicção para dentro da alma. A palavra
verdadeira é realmente uma espada de dois gumes.

Assuntos de ciência governamental e política só podem


ser tratados corretamente com razão sólida e com a lógica do
senso comum: não o senso comum dos ignorantes, mas o dos

93
MORAL E DOGMA

sábios. Os pensadores mais aguçados raramente têm sucesso ao


se tornarem líderes do povo. Um lema ou palavra-chave é mais
poderoso com o povo do que a lógica, especialmente se esta for o
menos metafísica possível. Quando surge um profeta político para
bulir a nação sonhadora e estagnada, reter seus pés da irreparável
descida, elevar o terreno como um terremoto, e sacudir ídolos
bobo-rasos de seus assentos, suas palavras vêm diretamente da
própria boca de Deus e trovejam para dentro da consciência. Ele
irá raciocinar, ensinar, alertar e governar. A verdadeira “Espada
do Espírito” é mais penetrante do que a lâmina mais brilhante de
Damasco. Tais pessoas governam uma terra, na força da justiça,
com sabedoria e com poder. Ainda, as pessoas com sutileza
dialética frequentemente governam bem, porque na prática
esquecem suas teorias finamente tecidas e usam a lógica afiada
do senso comum. Mas, quando o grande coração e o amplo
intelecto são deixados a enferrujar na vida privada, e advogados
menores, queixosos na política, aqueles que nas cidades seriam
apenas ajudantes de notários ou advogados em tribunais sem
reputação, são transformados em Legisladores nacionais, o país
está em sua senilidade, mesmo que a barba nem tenha ainda
crescido em seu queixo.

Num país livre, o discurso humano deve necessitar ser


livre; e o Estado deve escutar os resmungos da tolice, a guinchada
de seus imbecis, e a zurraria de seus asnos bem como os oráculos
dourados de seus homens grandes e sábios. Mesmo os velhos reis
déspotas permitiam que seus sábios bufões dissessem o que
quisessem. O verdadeiro alquimista extrairá as lições de
sabedoria dos balbucios da insensatez. Escutará o que uma pessoa
tem a dizer sobre um determinado assunto, mesmo se o falante
acabar provando ser apenas o príncipe dos tolos. Mesmo um tolo
acerta o alvo, às vezes. Existe alguma verdade em todas as

94
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

pessoas que não são compelidas a suprimir suas almas e dizer os


pensamentos de outras. Até mesmo o dedo de um idiota pode
apontar para a grande rodovia.

Um povo, bem como os sábios, deve aprender a esquecer.


Se não aprender o que é novo nem esquecer o que é velho, está
condenado, mesmo que tenha sido régio durante trinta gerações.
Desaprender é aprender, e algumas vezes é também necessário
reaprender o que foi esquecido. As farsas dos bobos fazem a
insensatez atual mais palpável, à medida que costumes são
mostrados como absurdos pelas caricaturas, que então levam à
sua extinção. O bufão e o palhaço são úteis em seus lugares. O
artífice e o artesão engenhosos, como Salomão, buscam na terra
seus materiais e transformam a matéria disforme em mão-de-obra
gloriosa. O mundo é conquistado mais pela cabeça do que pelas
mãos. Uma assembleia não falará para sempre. Depois de algum
tempo, quando tiver escutado o bastante, silenciosamente põe o
tonto, o raso e o superficial de lado; – ela pensa, e começa a
trabalhar.

O pensamento humano, especialmente em assembleias


populares, percorre os canais mais singularmente curvos, mais
difíceis de achar e seguir do que as correntes cegas do oceano.
Nenhuma percepção é tão absurda que não encontre nele um
lugar. O artesão-mestre deve amestrar estas noções e caprichos
com seu martelo de duas faces. Elas se contorcem para fora do
caminho dos que são empurrados pela espada; e sempre são
invulneráveis à lógica, até mesmo no calcanhar. O martelo, ou
maço, o machado de batalha, a grande e ambidestra espada de
duas lâminas, devem lidar com as insensatezes; contra eles, um
florete não é melhor do que uma varinha mágica, a não ser que
seja o florete do ridículo.

95
MORAL E DOGMA

A ESPADA é também o símbolo da guerra e do soldado.


As guerras, assim como as tempestades de raios, são muitas vezes
necessárias para purificar a atmosfera estagnada. A guerra não é
um demônio sem remorso e sem recompensa. Restaura a
irmandade em letras de fogo. Quando as pessoas estão sentadas
em seus lugares confortáveis, submersas em facilidades e
indolência, com a Pretensão, a Incapacidade e a Pequenez
usurpando todos os lugares altos do Estado, a guerra é o batismo
de sangue e fogo, somente pelo qual elas podem ser renovadas. É
o furacão que traz o equilíbrio elemental, a concordância do Poder
com a Sabedoria. Enquanto estes continuarem obstinadamente
divorciados, a espada continuará a castigar.

No apelo mútuo das nações para Deus existe o


reconhecimento de Sua força. Ilumina os faróis da Fé e da
Liberdade, e aquece a fornalha através da qual os ardentes e os
leais passarão à glória imortal. Existe na guerra a condenação da
derrota, o insaciável senso de Dever, o comovente senso de
Honra, o sacrifício solene incomensurável da devoção e o incenso
do sucesso. Mesmo na chama e na fumaça da batalha, o Maçom
descobre seu irmão, e cumpre as sagradas obrigações da
Fraternidade.

Dois, ou a Dúada, é o símbolo do Antagonismo; do Bem


e do Mal, Luz e Trevas. É Caim e Abel, Eva e Lilith, Jachin e
Boaz, Ormuzd e Arimã, Osíris e Tífon.

TRÊS, ou a Tríade, é mais significantemente expresso


pelos triângulos equilátero e retângulo. Existem três cores ou
raios principais no arco-íris que, pela mistura, formam sete. As
três são o azul, o amarelo e o vermelho. A Trindade da
Divindade, de uma forma ou outra, tem sido um artigo em todos

96
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

os credos. Ela cria, preserva e destrói. É o poder generativo, a


capacidade produtiva e o resultado. O homem imaterial, de
acordo com a Cabala, é composto de vitalidade, ou vida, o sopro
da vida; de alma, ou mente, e de espírito. Sal, enxofre e mercúrio
são os grandes símbolos dos alquimistas. Para eles o homem era
formado por corpo, alma e espírito.

O QUATRO é expresso pelo esquadro, figura de quatro


lados e ângulos retos. Do simbólico Jardim do Éden fluía um rio,
se dividindo em quatro correntes, – PISOM, que corre em torno
da terra do ouro, ou a luz; GIOM, que corre em torno da terra da
Etiópia, ou as Trevas; HIDDEKEL, fluindo para o leste, para a
Assíria; e o EUFRATES. Zacarias viu quatro carruagens vindo
de entre duas montanhas de bronze, na primeira das quais havia
cavalos vermelhos; na segunda, negros; na terceira, brancos; e na
quarta, cinzentos: “e estes eram os quatro ventos dos céus, saindo
donde estavam perante o Senhor de toda a terra”. Ezequiel viu
as quatro criaturas viventes, cada uma com quatro rostos e
quatro asas, as faces de um homem, de um leão, de um boi e de
uma águia; e as quatro rodas subindo em seus quatro lados; e
São João contemplou as quatro bestas, cheias de olhos na frente
e atrás: o LEÃO, o jovem BOI, o HOMEM e a ÁGUIA voadora.
Quatro era a marca da Terra. Portanto, no Salmo 148 daqueles
que devem louvar o Senhor na terra, existem quatro vezes quatro,
e quatro criaturas viventes em particular. A natureza visível é
descrita como os quatro quartos do mundo e os quatro cantos da
terra. “Existem quatro” diz o velho ditado Judeu “que estão em
primeiro lugar neste mundo: o homem entre as criaturas; a águia
entre as aves; o boi entre o gado; e o leão entre os animais
selvagens”. Daniel viu quatro grandes bestas emergirem do mar.

CINCO é a Dúada adicionada à Tríade. É expressa pela

97
MORAL E DOGMA

estrela de cinco pontas ou flamejante, o Pentalfa misterioso de


Pitágoras. Está indissoluvelmente conectado ao número sete.
Cristo alimentou Seus discípulos e a multidão com cinco pães e
dois peixes, e dos restos sobejaram doze, isto é, cinco mais sete,
cestas cheias. Novamente, Cristo os alimentou com sete pães e
uns poucos peixinhos, e ali sobejaram sete cestos cheios. Os cinco
astros aparentemente pequenos, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter
e Saturno, juntamente com os dois maiores, o Sol e a Lua,
constituíam as sete esferas celestiais.

SETE era o número peculiarmente sagrado. Existiam sete


planetas e esferas presididas por sete arcanjos. Existiam sete cores
no arco-íris; e a Divindade Fenícia era chamada de HEPTAKIS,
ou Deus dos Sete Raios; sete dias da semana; e sete e cinco
perfaziam o número de meses, tribos e apóstolos. Zacarias viu um
candelabro dourado, com sete lâmpadas e sete tubos para as
lâmpadas, com uma oliveira de cada lado. Por isto diz que “os
sete olhos do Senhor se rejubilarão e verão o prumo na mão de
Zorobabel”. João, no Apocalipse, escreve sete epístolas para as
sete igrejas. Nas sete epístolas existem doze promessas. O que é
dito das igrejas em louvor ou culpa é completado no número três.
O refrão “aquele que tem ouvidos ouça”, etc., tem dez palavras,
divididas em três e sete, e os sete em três e quatro; e as sete
epístolas estão também, assim divididas. Também nos selos,
trombetas e cálices, nesta visão simbólica, o sete está dividido em
quatro e três. Aquele que manda sua mensagem para Éfeso “tem
na sua destra as sete estrelas e anda no meio dos sete castiçais
de ouro”.

Em seis dias, ou períodos, Deus criou o Universo, e


descansou no sétimo dia. Noé foi orientado a levar os animais
puros em grupos de sete à arca; e as aves em grupos de sete;

98
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

porque a chuva iria começar dentro de sete dias. No décimo


sétimo dia do mês, a chuva começou; no décimo sétimo dia do
sétimo mês, a arca pousou no Ararat. Quando a pomba retornou,
Noé esperou sete dias antes de enviá-la novamente; e mais sete
até que ela voltasse com o ramo de oliveira. Enoque foi o sétimo
patriarca, incluindo Adão, e Lameque viveu 777 anos.

Havia sete lâmpadas no grande candelabro do


Tabernáculo e do Templo, representando os sete astros. Sete
vezes Moisés aspergiu o óleo consagrado sobre o altar. Foram em
número de sete os dias da consagração de Arão e seus filhos. Uma
mulher era impura durante sete dias após o parto; alguém
infectado com lepra era trancafiado durante sete dias; sete vezes
o leproso era borrifado com o sangue de uma ave morta; e nos
sete dias posteriores deveria permanecer longe de sua tenda. Sete
vezes, para purificar o leproso, o sacerdote devia aspergir o óleo
consagrado; e sete vezes deveria aspergir o sangue da ave
sacrificada para sua casa ser purificada. Sete vezes o sangue de
um boi sacrificado era aspergido sobre o propiciatório; e sete
vezes sobre o altar. O sétimo ano era um Sabbat de descanso; e
ao cabo de sete vezes sete anos chegou o grande ano do jubileu.
Durante sete dias o povo comeu pão ázimo no mês de Abib. Sete
semanas eram contadas a partir do primeiro dia da colocação da
foice no trigo. A Festa do Tabernáculo durou sete dias.

Israel esteve na mão de Midian sete anos antes de Gideão


os entregar. O boi sacrificado por ele tinha sete anos. Sansão disse
para Dalila atá-lo com sete vimes; e ela teceu as sete tranças de
sua cabeça e em seguida as rapou. Balaão disse a Baraque para
construir sete altares para ele. Jacó serviu durante sete anos para
conseguir Lea e sete para conseguir Raquel. Jó teve sete filhos e
três filhas, perfazendo o número perfeito dez. Também teve sete

99
MORAL E DOGMA

mil ovelhas e três mil camelos. Seus amigos se sentaram com ele
por sete dias e sete noites. Foi ordenado a seus amigos que
sacrificassem sete bois e sete carneiros; e, novamente, ao final,
ele teve sete filhos e três filhas, duas vezes sete mil ovelhas e
viveu cento e quarenta, ou duas vezes sete vezes dez anos. Faraó,
em seu sonho, viu sete vacas gordas e sete vacas magras, sete
espigas boas e sete espigas malditas de trigo; e houve sete anos
fartos e sete anos de fome. Jericó caiu quando sete sacerdotes,
com sete trombetas, fizeram o circuito ao redor da cidade por sete
dias sucessivos; uma vez por dia durante seis dias e sete vezes no
sétimo. “Os sete olhos do Senhor” diz Zacarias “que percorrem
por toda a terra”. Salomão construiu o Templo em sete anos. Sete
anjos, no Apocalipse, derramam sete pragas, de sete cálices de
fúria. A besta escarlate na qual a mulher se senta no deserto tem
sete cabeças e dez chifres. Também os tem a besta que se ergue
do mar. Sete trovões emitiram suas vozes. Sete anjos tocaram sete
trombetas. Sete lâmpadas de fogo, os sete espíritos de Deus,
queimaram diante do trono; e o Cordeiro que foi sacrificado tinha
sete cornos e sete olhos.

OITO é o primeiro cubo, o de dois. NOVE é o quadrado


de três, e é representado pelo triângulo triplo. DEZ inclui todos
os outros números. Especialmente sete e três; e é chamado de
número da perfeição. Pitágoras representou-o com a
TETRACTYS, que tinha diversos significados místicos. Este
símbolo é, algumas vezes, composto por pontos, outras vezes por
vírgulas ou yōds e, na Cabala, pelas letras do nome da Divindade.
Está assim organizado:

100
CAPÍTULO I I . O C O M P A N H E I R O

Os patriarcas, desde Adão a Noé, inclusive, são dez em


número, que é o mesmo número dos Mandamentos. DOZE é o
número das linhas de comprimento igual que formam o cubo. É o
número dos meses, das tribos e dos apóstolos; dos bois sob o Mar
de Bronze, das pedras no peitoral do grande sacerdote.

101
MORAL E DOGMA

CAPÍTULO III.

O MESTRE

C ompreender literalmente os símbolos e alegorias de


livros Orientais como assuntos ante-históricos é
fechar deliberadamente os olhos contra a Luz. Traduzir os
símbolos para o trivial e para o lugar-comum é o despautério da
mediocridade.

Toda expressão religiosa é simbolismo; uma vez que


podemos apenas descrever o que vemos, e que os objetos
verdadeiros da religião são OS VISTOS. Os instrumentos mais
antigos da educação foram os símbolos; eles e todas as outras
formas religiosas diferiam e ainda diferem de acordo com as
circunstâncias e imagens externas, de acordo com as diferenças
de conhecimento e cultivo mental. Toda linguagem é simbólica,
na medida em que é aplicada a fenômenos e ações mentais e
espirituais. Todas as palavras têm, primariamente, um sentido

102
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

material; porém, podem receber mais tarde, dos ignorantes, um


significado espiritual sem sentido. “Retrair”, por exemplo, é
puxar para trás, mas quando aplicado a uma afirmação, é
simbólico, tal como seria a imagem de um braço sendo recolhido
para expressar a mesma coisa. A exata palavra “espírito” significa
“respiração”, do verbo latino spiro, respirar.

Apresentar um símbolo visível aos olhos de outrem não é


necessariamente informar o significado que esse símbolo tem
para você. Consequentemente, o filósofo logo sobrepôs aos
símbolos explicações endereçadas ao ouvido, suscetíveis de
maior precisão, mas menos efetivas e impressivas do que as
formas pintadas ou esculpidas que envidou explicar. A partir
dessas explicações, se desenvolveu gradualmente uma variedade
de narrativas, cujos verdadeiros objetivos e significados foram
paulatinamente sendo esquecidos, ou perdidos em contradições e
incongruências. E, quando foram abandonadas, e a Filosofia
recorreu a definições e fórmulas, sua linguagem não passou de
um simbolismo mais complicado, tentando, no escuro, pintar e se
atracar a ideias impossíveis de serem expressas. Pois tal como o
símbolo visível, qual como à palavra: pronunciá-la a você não é
informar o significado exato que ela possui para mim; e, assim, a
religião e a filosofia se transformaram, em grande parte, em
disputas quanto ao significado de palavras. A expressão mais
abstrata de DIVINDADE que a linguagem pode fornecer nada
mais é do que um sinal ou símbolo para um objeto além de nossa
compreensão, não mais verdadeiro ou adequado do que as
imagens de OSÍRIS e VISHNU, ou seus nomes, exceto por ser
menos sensível e menos explícito. Evitamos a sensibilidade
apenas recorrendo à simples negação. Ao final, definimos espírito
dizendo que ele não é matéria. Espírito é – espírito.

103
MORAL E DOGMA

Um único exemplo do simbolismo das palavras indicará a


você um ramo do estudo Maçônico. Encontramos no Rito Inglês
esta frase: “Sempre saudarei (em inglês, hail), sempre ocultarei,
e nunca revelarei;” e no Catecismo, estas:

P.’. “Eu saúdo”


R.’. “Eu oculto;”

E a ignorância, compreendendo mal a palavra “saudar”,


interpolou a frase, “De onde saúdas!” Mas a palavra é, na
realidade, “hele”, do verbo Anglo-Saxão elan, helan, que é
cobrir, encobrir, ou ocultar. E esta palavra é traduzida pelo verbo
Latino tegere, cobrir ou telhar. “That ye fro me no thynge woll
hele” diz Gower. “They hele fro me no priuyte ”, diz o Romance
da Rosa . “Curar (heal) uma casa” é uma frase comum em
Sussex; e no oeste da Inglaterra, aquele que cobre uma casa com
ardósias é chamado Curador. Por conseguinte, “curar” significa
a mesma coisa que “telhar”, – por si só simbólico, significando,
primariamente, cobrir uma casa com telhas, – e também cobrir,
encobrir ou ocultar.

Assim, a linguagem também é simbolismo, e palavras são


tão mal compreendidas e mal utilizadas quanto os símbolos mais
materiais. O simbolismo tendeu, continuamente, a se tornar mais
complicado; e todas as forças do Céu foram reproduzidas na terra,
até que uma teia de ficção e alegoria foi tecida, parcialmente pela
arte e parcialmente pela ignorância do erro, que o saber do
homem, com seus métodos de explicação limitados, nunca irá
desemaranhar. Até o Teísmo Hebreu se envolveu em simbolismo
e adoração de imagens, tomados emprestados, provavelmente, de
um credo mais antigo e de regiões remotas da Ásia, – a adoração
da Grande Natureza-Deus Semítica AL ou ELS e suas

104
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

representações simbólicas do Próprio JEOVÁ não foram restritas


à linguagem poética ou ilustrativa. Os sacerdotes eram
monoteístas: as pessoas idólatras.

Existem perigos inseparáveis do simbolismo, que


proporcionam uma lição impressionante no que diz respeito aos
riscos similares presentes no uso da linguagem. A imaginação,
chamada para auxiliar a razão, usurpa seu lugar ou deixa sua
aliada emaranhada desamparadamente em sua teia. Nomes que
representam coisas são confundidos com elas; os meios são
confundidos com os fins; o instrumento de interpretação com o
objeto; e, assim, os símbolos chegam a usurpar um caráter
independente como se fossem verdades ou pessoas. Embora,
talvez, sejam um caminho necessário, eram um caminho perigoso
para se aproximar à Divindade; no qual muitos, diz
PLUTARCO, “confundindo o símbolo com a coisa significada,
incorreram numa superstição ridícula; enquanto outros, evitando
um extremo, precipitaram-se no golfo não menos detestável da
irreligião e da impiedade”.

É através dos Mistérios, diz CÍCERO, que aprendemos


os primeiros princípios de vida; portanto o termo “iniciação” é
usado com boa razão; e eles não só nos ensinam a viver mais feliz
e agradavelmente, como também suavizam as dores da morte
através da esperança de uma melhor vida futura.

Os Mistérios eram um Drama Sagrado, exibindo alguma


lenda significativa das mudanças da natureza, do Universo visível
no qual a Divindade é revelada, e cuja importação era, em muitos
aspectos, tão aberta ao Pagão quanto ao Cristão. A Natureza é a
grande Professora do homem; pois é a Revelação de Deus. Ela
não dogmatiza nem tenta tiranizar compelindo a um credo

105
MORAL E DOGMA

específico ou interpretação especial. Ela nos apresenta seus


símbolos, e não acrescenta nada pelo caminho da explicação. É o
texto sem o comentário; e, como bem o sabemos, é
principalmente o comentário e a glosa que levam ao erro, à
heresia e à perseguição. Os instrutores mais antigos da
humanidade não só adotavam as lições da Natureza, mas aderiam
o quanto possível ao seu método de transmiti-las. Nos Mistérios,
além das tradições atuais ou recitais sacros e enigmáticos dos
Templos, poucas explicações eram dadas aos espectadores, que
eram deixados, como na escola da natureza, a fazer inferências
por si mesmos. Nenhum outro método teria satisfeito todos os
graus de cultura e capacidade. Empregar o simbolismo universal
da natureza, ao invés das tecnicalidades da linguagem,
recompensa o pesquisador mais humilde e revela seus segredos a
cada um na proporção de seu treinamento preparatório e de seu
poder de compreendê-los. Ainda que seus significados filosóficos
estivessem acima da compreensão de alguns, seus significados
morais e políticos estão dentro do alcance de todos.

Estas exibições e performances místicas eram não a leitura


de um ensinamento, mas a abertura de um problema. Requerendo
pesquisa, elas foram calculadas para despertar o intelecto
dormente. Não implicam hostilidade à Filosofia, porque a
Filosofia é a grande explicadora do simbolismo; ainda que suas
antigas interpretações fossem amiúde infundadas e incorretas. A
alteração de símbolo para dogma é fatal à beleza da expressão, e
leva à intolerância e a uma infalibilidade presumida.

Se os antigos, ao ensinarem a grande doutrina da natureza


divina da Alma, ao tentarem explicar seus desejos de
imortalidade, ao provarem sua superioridade sobre as almas dos
animais, as quais não têm aspirações voltadas ao Céu, se

106
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

esforçaram em vão para expressar a natureza da alma, por


compará-la ao FOGO e à LUZ, seria bom que considerássemos
se, com todo o nosso conhecimento ostentado, temos alguma
ideia melhor ou mais clara de sua natureza e se,
desesperadamente, não nos refugiamos em não ter nenhuma. Pois
se eles erraram quanto ao seu lugar original de residência, e
compreenderam literalmente o modo e o caminho de sua descida,
tais foram apenas acessórios da grande Verdade e,
provavelmente, para os Iniciados, meras alegorias, projetadas
para criar a ideia mais palpável e impressionante à mente.

De qualquer modo, não são mais passíveis de risos, pela


arrogância de uma ignorância vã – e a riqueza de cujo
conhecimento consiste só de palavras – do que o seio de Abraão,
como lar dos espíritos dos justos que morreram; o abismo de fogo
verdadeiro, para a tortura eterna dos espíritos; e a Cidade da Nova
Jerusalém, com seus muros de jaspe e seus edifícios de ouro puro
semelhante a vidro límpido, suas fundações de pedras preciosas e
seus portões cada um de uma única pérola. “Eu conheci um
homem”, diz PAULO, “arrebatado ao terceiro Céu;... que ele foi
arrebatado ao Paraíso, e ouviu palavras inefáveis, que ao homem
não é lícito falar”. E em nenhum lugar o antagonismo e o conflito
entre o espírito e o corpo são mais frequente e forçosamente
insistidos do que nos escritos deste apóstolo, em nenhum lugar a
natureza Divina da alma é mais fortemente afirmada. “Com a
mente”, diz ele, “sirvo à lei de DEUS; mas com a carne à lei do
pecado... Todos os que são guiados pelo Espírito de DEUS, esses
são filhos de DEUS... A ardente expectação da criatura espera a
manifestação dos filhos de DEUS... A criatura será libertada da
servidão da corrupção, da carne sujeita à decadência, para a
liberdade da glória dos filhos de DEUS”.

107
MORAL E DOGMA

Duas formas de governo são favoráveis à prevalência da


falsidade e da fraude. Sob um Despotismo, as pessoas são falsas,
traiçoeiras e enganadoras por medo, como escravos temendo o
açoite. Sob uma Democracia também o são, como um meio de
alcançar popularidade e cargos, e por causa da cobiça por riqueza.
A experiência, provavelmente, provará que tais vícios odiosos e
detestáveis crescerão mais patentes e se espalharão mais
rapidamente numa República. Quando o cargo e a riqueza se
tornam os dois deuses de um povo, e os mais indignos e ineptos
aspiram mais ao primeiro, e a fraude se torna a rodovia para a
segunda, a terra irá feder com a falsidade e transpirar mentiras e
chicanas. Quando os cargos estão abertos a todos, o mérito, a
integridade austera, e a dignidade da honra imaculada os
alcançarão só raramente e por acidente. Ser capaz de bem servir
ao país deixará de ser uma razão pela qual os grandes, os sábios e
os instruídos serão selecionados para prestar serviço. Outras
qualificações, menos honrosas, estarão mais disponíveis. Adaptar
a opinião de alguém à vontade popular; defender, apologizar e
justificar as tolices populares; advogar o conveniente e o
plausível; afagar, lisonjear e bajular o eleitor; mendigar como um
cão por seu voto, por mais bárbaro que o eleitor seja; professar
amizade por um competidor e apunhalá-lo com insinuações;
estabelecer o que futuramente se tornará mentira, sendo primo-
irmão disso quando pronunciado e capaz, ainda, de ser explicado;
– quem já não viu estas artes baixas e ferramentas vis postas em
prática, generalizando-se, até que o sucesso não possa mais ser
alcançado seguramente por meios honrados? – o resultado é um
Estado governado e arruinado pela mediocridade ignorante e rasa,
pela vaidade arrogante e pelo verdor do intelecto imaturo, baldado
pela noção superficial do conhecimento digna de um aluno de
colégio.

108
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

Os infiéis e os falsos na vida pública e política serão infiéis


e falsos na vida privada. O jóquei na política, assim como o jóquei
no hipódromo, é podre desde a pele até o coração. Em todo lugar
ele olhará primeiro seus próprios interesses, e quem depender dele
será perfurado com um junco quebrado. Sua ambição é ignóbil,
como ele próprio; e, então, procurará conseguir o cargo por meios
ignóbeis, tal como procurará alcançar qualquer outro objetivo
cobiçado – terras, dinheiro ou reputação.

Lentamente, o cargo e a honra são divorciados. A posição


que o pequeno e raso, o patife ou o trapaceiro, são considerados
competentes e aptos para preencher, deixa de ser digna para os
grandes e capazes; ou, se não, estes se recuam da disputa, uma
vez que as armas a se utilizar são impróprias para um cavalheiro
as manejar. E então, os hábitos dos advogados sem princípios nos
tribunais de justiça são naturalizados nos Senados, e ali os
chicanistas discutem em voz alta, quando o destino da nação e as
vidas de milhões estão em jogo. Os Estados são gerados até pela
vilania e nascidos pela fraude, e as canalhices são justificadas por
legisladores que afirmam ser honrados. Portanto, eleições
contestadas são decididas por votos perjuros ou considerações
partidárias; e todas as práticas dos piores tempos de corrupção são
revividas e exageradas nas Repúblicas.

É estranho que a reverência pela verdade, o humanismo e


a lealdade genuína, o desprezo pela pequenez e pela vantagem
injusta, a fé genuína, a piedade, e a grande amabilidade diminuam
entre os estadistas e as pessoas, conforme a civilização avança e
a liberdade se torna mais geral, e o sufrágio universal implica
valor e aptidão universais! Na época de Elizabeth, sem sufrágio
universal, nem Sociedades para a Difusão do Conhecimento Útil,
nem conferencistas populares, nem Liceus, o estadista, o

109
MORAL E DOGMA

mercador, o burguês, o marinheiro, eram todos igualmente


heroicos, temendo unicamente a Deus, e a nenhum homem. Deixe
uma ou duas centenas de anos se passarem, e numa Monarquia ou
República da mesma raça, nada é menos heroico que o mercador,
o especulador astuto e o buscador de cargos, temendo unicamente
os homens, e a nenhum Deus. A reverência à grandeza
desaparece, e é sucedida pela baixa inveja à grandeza. Cada um
está no caminho de muitos, seja no caminho da popularidade ou
no da riqueza. Há um sentimento geral de satisfação quando um
grande estadista é deslocado, ou um general, que durante suas
breves horas tenha sido um ídolo popular, é desafortunado e cai
de seu alto posto. Torna-se um infortúnio, se não um crime, estar
acima do nível popular.

Supomos, naturalmente, que uma nação em angústia


aconselhar-se-ia com o mais sábio de seus filhos. Porém, pelo
contrário, os grandes homens jamais parecem ser tão escassos
como quando são mais necessários, e os pequenos nunca tão
destemidos em insistir em infestar o lugar como quando a
mediocridade, a pretensão incompetente, o viço estudantil e a
incompetência exibicionista e vivaz são mais perigosos. Quando
a França estava no extremo da agonia revolucionária, era
governada por uma assembleia de velhacos, e Robespierre, Marat
e Couthon governaram no lugar de Mirabeau, Vergniaud e
Carnot. A Inglaterra foi governada pelo Parlamento Restante,
depois de ter decapitado seu rei. Cromwell extinguiu uma
corporação, e Napoleão a outra.

Fraude, falsidade, trapaça e engano nos assuntos nacionais


são sinais de decadência nos Estados e precedem convulsões ou
paralisias. A política das nações governadas pela mediocridade
barata é tiranizar os fracos e se encolher aos fortes. As artimanhas

110
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

dos debates por cargos são reiteradas nos Senados. O Executivo


se torna o distribuidor da patronagem, principalmente aos mais
indignos; e as pessoas são subornadas com cargos, ao invés de
dinheiro, para a grande ruína da Comunidade. Desaparece o
Divino na natureza humana, e o interesse, a ganância e o egoísmo
tomam seu lugar. É uma alegoria triste e verdadeira, a que
representa os companheiros de Ulisses transformados em porcos
pelo encantamento de Circe.

“Não podes”, disse o Grande Mestre, “servir a Deus e a


Mamom”. Quando a sede de fortuna se torna geral, esta será
procurada tanto honesta quanto desonestamente; por fraudes e
extrapolações, pelas desonestidades do comércio, pela crueldade
da especulação gananciosa e pela especulação em ações e
mercadorias que logo desmoralizam uma comunidade inteira. As
pessoas especularão com as necessidades de seus vizinhos e com
as angústias de seu país. Bolhas que, arrebentando, empobrecem
multidões, serão estouradas pela desonestidade astuta, com a
credulidade estúpida como sua assistente e instrumento.
Bancarrotas gigantes, que assustam um país como os terremotos,
porém são mais fatais, atribuições fraudulentas, engolfamento da
poupança dos pobres, expansões e colapsos da moeda, quebra de
bancos, depreciação de finanças governamentais, pilham as
economias dos abnegados, e preocupam, com suas depredações,
o primeiro alimento da infância e as últimas areias da vida, e
enchem com internos os adros de igrejas e os manicômios. Mas o
velhaco e especulador prospera e engorda. Se sua pátria está
lutando, num levante em massa, por sua própria existência, ele a
“ajuda” desvalorizando sua moeda, a fim de que possa acumular
quantias fabulosas com poucos gastos. Se seu vizinho está
angustiado, ele compra sua propriedade por uma música alegre.
Se administra uma herança, ele a torna falida, e os órfãos se

111
MORAL E DOGMA

tornam indigentes. Se o seu banco explode, descobre-se que ele


se protegeu a tempo. A sociedade idolatra seus reis de papel-e-
crédito, como os Hindus e Egípcios adoravam seus ídolos inúteis,
e muitas vezes mais obsequiosamente quando, em meio a uma
riqueza sólida, ela é paupérrima. Não é de se admirar que as
pessoas achem que deve existir outro mundo, no qual as injustiças
deste possam ser expiadas, quando veem os amigos, com as
famílias arruinadas, mendigando aos ricos mais espertos que
deem esmolas para evitar que vítimas órfãs morram de fome, até
que encontrem meios de se sustentar.

Os Estados são principalmente desejosos de comércio e de


territórios. O desejo territorialista leva à violação detratados,
invasão de territórios de vizinhos frágeis e à rapacidade para com
seus distritos, cujas terras são cobiçadas. As Repúblicas são,
nisto, tão gananciosas e sem princípios quanto os Déspotas, nunca
aprendendo com a história que a expansão desordenada através
de rapina e fraude tem suas consequências inevitáveis no
desmembramento ou na subjugação. Quando uma República
começa a saquear seus vizinhos, as palavras de condenação já
estão escritas em seus muros. Há um julgamento já proferido por
Deus sobre o que ou quem é injusto na condução dos assuntos
nacionais. Quando a guerra civil rasga os órgãos vitais de uma
República, deixe-a olhar para trás e ver se não foi culpada de
injustiças; e, se tiver sido, deixe-a se humilhar no pó!

Quando uma nação se torna possuída por um espírito de


ganância comercial, além dos limites justos e corretos
estabelecidos pelo devido respeito a um grau moderado e razoável
de prosperidade geral e individual, ela é uma nação possuída pelo
demônio da avareza comercial, uma paixão tão ignóbil e
desmoralizadora quanto a avareza no indivíduo; e como essa

112
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

paixão sórdida é mais baixa e inescrupulosa do que a ambição, é


assim mais odiosa, e finalmente faz com que a nação infectada
seja vista como inimiga da raça humana. Abocanhar a parte do
leão no comércio sempre tem provado, no final, ser a ruína dos
Estados, porque invariavelmente leva a injustiças que fazem um
Estado detestável; a um egoísmo e política deformada que
impedem outras nações de serem amigas de um Estado que se
preocupa unicamente consigo mesmo.

A avareza comercial na Índia foi progenitora de mais


atrocidades, de maior violência, e custou mais vidas humanas do
que a ambição mais nobre do império estendido da Roma
Consular. A nação que se agarra ao comércio do mundo só pode
se tornar egoísta, calculista, morta para os impulsos e afinidades
mais nobres que devem mover os Estados. Submeter-se-á a
insultos que mais ferirão sua honra do que colocarão em perigo
seus interesses comerciais pela guerra; enquanto, ao submeter-se
a esses interesses, travará uma guerra injusta, por pretextos falsos
ou frívolos, e seu povo livre se aliará alegremente a déspotas para
esmagar um rival comercial que ousou exilar seus reis e eleger
seu próprio governante.

Assim, os frios cálculos de um sórdido interesse próprio,


em nações comercialmente avarentas, no final, sempre deslocam
os sentimentos e impulsos elevados de Honra e Generosidade
pelos quais elas ascenderam à grandeza; que fizeram igualmente
Elizabeth e Cromwell serem os protetores dos Protestantes, para
além dos quatro mares da Inglaterra, contra a Tirania coroada e a
Perseguição mitrada; e, se tivessem durado, teriam impedido
alianças com Czares, Autocratas e Bourbons para reentronizar as
Tiranias da Incapacidade, e armar a Inquisição novamente com
seus instrumentos de tortura. A alma da nação avarenta se

113
MORAL E DOGMA

petrifica, como a alma do indivíduo que faz do ouro seu deus. O


Déspota ocasionalmente agirá por impulsos nobres e generosos, e
ajudará os fracos contra os fortes, os certos contra os errados. Mas
a avareza comercial é essencialmente egoísta, sedenta, infiel,
extrapolante, velhaca, fria, mesquinha, egoísta e calculista,
controlada apenas por considerações de interesse próprio. Sem
coração e sem misericórdia, não tem nenhum sentimento de
piedade, afinidade ou honra que a façam parar em sua corrida sem
remorso; e ela esmaga tudo que seja impedimento em seu
caminho, tal como suas quilhas de comércio esmagam embaixo
de si as ondas murmurantes e despercebidas.

Uma guerra por um grande princípio enobrece uma nação.


Uma guerra por supremacia comercial, sob um baixo pretexto, é
desprezível e, mais do que tudo, demonstra a que profundidades
imensuráveis de baixeza as pessoas e as nações podem descer. A
ganância comercial valoriza as vidas humanas não mais do que
valoriza as vidas das formigas. O comércio de escravos é tão
aceitável para um povo cativado por tal ganância, quanto o
comércio de marfim ou de especiarias, se os lucros forem grandes.
Depois de um tempo, esforçar-se-á para se compor com Deus e
aquietar sua própria consciência, compelindo aqueles para os
quais vendeu os escravos que comprou ou roubou, a libertá-los,
massacrando-os com hecatombes se se recusarem a obedecer aos
éditos de sua “filantropia”.

Justiça, de maneira alguma, consiste em distribuirmos a


outrem a medida exata de recompensa ou punição que pensamos
e decretamos ser de seu mérito, ou do que chamamos de seu
crime, que muitas vezes é meramente seu erro. A justiça do pai
não é incompatível com o perdão aos erros e ofensas de seu filho.
A Infinita Justiça de Deus não consiste em distribuir medidas

114
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

exatas de punição às fraquezas e pecados humanos. Somos


demasiado aptos para erigir nossas próprias noções pequenas e
estreitas do que é certo e justo na lei da justiça, e insistir que Deus
deva adotá-las como Sua lei; medir algo com nossa própria trena
minúscula, e chamar essa medida de amor de Deus pela justiça.
Continuamente, buscamos enobrecer nosso próprio amor ignóbil
pela vingança e retaliação, o chamando erradamente de justiça.

Tampouco justiça consiste em governar estritamente


nossa conduta para com os outros pelas regras rígidas do direito
legal. Se existisse, em algum lugar, uma comunidade na qual
todos se firmassem na rigorosidade dessa regra, deveriam estar
escritas sobre seus portões, como um aviso aos desafortunados
que desejam admissão a esse reino inóspito, as palavras que
DANTE diz estarem escritas no alto do grande portão do Inferno:
“DEIXAI TODA A ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!”. Não
é justo pagar ao trabalhador, do campo, da fábrica ou da oficina
seu salário corrente e nada mais, o valor de mercado mais baixo
por seu trabalho, pelo tempo que precisarmos desse trabalho ou
que ele for capaz de trabalhar; pois quando a doença ou a velhice
o alcançam, isto significa abandoná-lo, junto com sua família,
para morrer de fome; e Deus amaldiçoará com calamidade o povo
no qual os filhos do trabalhador desempregado comem apenas a
grama do campo cozida, e mães estrangulam seus filhos, para que
possam comprar alimentos para si mesmas com a pensão caridosa
dada para as despesas do enterro. As regras do que é normalmente
chamado de “Justiça” podem ser meticulosamente observadas
entre os espíritos caídos, que são a aristocracia do Inferno.

Justiça, divorciada da afinidade, é indiferença egoísta,


nem de longe mais louvável do que a isolação misantrópica.
Existe afinidade até entre as oscillatorias, uma tribo de plantas

115
MORAL E DOGMA

simples, semelhantes a cabelos, e exércitos que podem ser


descobertos com a ajuda do microscópio, na mais ínfima parte da
escuma de uma piscina estagnada. Porque vão se colocar, como
se por comum acordo, em companhias separadas, na lateral do
recipiente que os contenha, e parecem marchar para cima em filas;
e quando um enxame se cansa de sua situação e decide mudar
seus quartéis, cada pelotão se mantém em sua rota sem confusão
e ou mistura, procedendo com grande regularidade e ordem, como
sob instruções de líderes sábios. As formigas e abelhas prestam
umas às outras uma assistência mútua, além do exigido para o que
as criaturas humanas são capazes de considerar como a estrita lei
da justiça.

Certamente precisamos refletir um pouco, nos


convencermos de que o indivíduo é apenas uma fração da unidade
da sociedade, e que ele está indissoluvelmente conectado ao
restante de sua raça. Não só as ações, mas a vontade e os
pensamentos de outras pessoas fazem ou arruínam sua sorte,
controlam seus destinos, e são para ele vida ou morte, honra ou
desonra. As epidemias, físicas e morais, contagiosas e
infecciosas, a opinião pública, os entusiasmos e decepções
públicas, e os outros grandes fenômenos e correntes elétricas,
morais e intelectuais, provam a afinidade universal. O voto de um
único e obscuro homem, a manifestação de obstinação,
ignorância, convencimento, ou rancor, decidindo uma eleição e
colocando a Insensatez, ou Torpeza ou a Baixeza num Senado,
envolve o país na guerra, varre nossos bens, massacra nossos
filhos, torna inútil o trabalho de uma vida, e nos empurra,
indefesos, com todo o nosso intelecto para resistir, ao túmulo.

Estas considerações devem nos ensinar que a justiça para


nós e para os outros é a mesma; que não podemos definir nossos

116
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

deveres por linhas matemáticas regidas pelo esquadro, mas que


devemos preencher com elas o grande círculo traçado pelos
compassos; que o círculo da humanidade é o limite, e nós somos
apenas o ponto em seu centro, as gotas no grande Atlântico, o
átomo ou partícula, vinculados por uma lei de atração misteriosa
que chamamos de afinidade, a cada outro átomo na massa; que o
bem-estar físico e moral dos outros não pode ser indiferente para
nós; que temos um interesse direto e imediato na moralidade
pública e na inteligência popular, no bem-estar e conforto físico
das pessoas de forma geral. A ignorância das pessoas, seu
pauperismo e destituição, e consequente degradação, sua
brutalização e desmoralização, são todas doenças; e não
conseguimos nos erguer muito acima das pessoas, nem nos afastar
delas o suficiente, para escapar do contágio miasmático e das
grandes correntes magnéticas.

A justiça é peculiarmente indispensável para as nações. O


Estado injusto é condenado por Deus à calamidade e à ruína. Este
é o ensinamento da Sabedoria Eterna e da história. “A Honradez
exalta uma nação; mas o errado é uma vergonha para as
nações”. “O Trono é estabelecido pela Honradez. Que os lábios
do Governante pronunciem a sentença que é Divina; e sua boca
não erre no julgamento!” A nação que adita província por
província por fraude e violência, que usurpa os fracos e saqueia
seus bens, que viola seus tratados e a obrigação de seus contratos,
e substitui a lei da honra e da justa conduta pelas exigências da
ganância, pelos preceitos baixos de política e pelas doutrinas
ignóbeis da conveniência, está predestinada à destruição; pois
aqui, assim como com o indivíduo, as consequências do errado
são inevitáveis e eternas.

Uma sentença está escrita contra tudo o que é injusto,

117
MORAL E DOGMA

escrita por Deus na natureza do homem e do Universo, porque


está na natureza do Deus Infinito. Nenhum mal é realmente bem
sucedido. O ganho da injustiça é uma perda; seu prazer,
sofrimento. Muitas vezes a iniquidade parece prosperar, mas seu
sucesso é a sua derrota e vergonha. Se suas consequências
passarem do agente, recairão sobre seus filhos e os esmagarão. É
uma verdade filosófica, física e moral, em forma de ameaça, a de
que Deus visita a iniquidade dos pais sobre os filhos, até a terceira
e quarta gerações daqueles que violaram Suas leis. Depois de um
longo tempo, o dia do cômputo sempre vem, para a nação e para
o indivíduo; e o patife sempre se engana, e se prova um fracasso.

A hipocrisia é a homenagem que o vício e a ofensa


prestam à virtude e à justiça. É Satã tentando se vestir com a veste
angelical de luz. É igualmente detestável na moral, na política e
na religião; na pessoa e na nação. Fazer justiça sob a pretensão de
equidade e justeza; reprovar o vício em público e praticá-lo no
particular; fingir opinião caridosa, mas condenar censoriamente;
professar os princípios da beneficência Maçônica e tampar os
ouvidos ao lamento da angústia e ao pranto dos que sofrem;
elogiar a inteligência das pessoas e maquinar ludibriá-las e traí-
las por meio de sua ignorância e simplicidade; falaciar sobre
pureza e cometer peculato; sobre honra, e abandonar baixamente
uma causa em naufrágio; sobre desinteresse, e vender seu voto
por cargos e poder; são hipocrisias tão comuns quanto são
infames e desgraçadas. Furtar o uniforme da Corte de Deus para,
além disso, servir o Demônio; fingir crer em um Deus de
misericórdia e em um Redentor do amor e perseguir os de fé
diferente; devorar casas de viúvas e, por fingimento, fazer longas
orações; pregar continência e chafurdar em luxúria; inculcar
humildade e ultrapassar Lúcifer em orgulho; pagar o dízimo, mas
omitir as questões mais importantes da lei: julgamento,

118
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

misericórdia e fé; não deixar passar um mosquito, mas engolir um


camelo; manter limpo o exterior da xícara e do pires, mas mantê-
los cheios de extorsão e excessos; exteriormente, parecer correto
às pessoas, mas internamente ser cheio de hipocrisia e iniquidade
é, de fato, ser semelhante a sepulcros caiados, que parecem belos
por fora, mas por dentro estão repletos de ossos dos mortos e de
todas as impurezas.

A República cobre sua ambição com o disfarce do desejo


e dever de “estender a área de liberdade” e reclama ser seu
“destino manifesto” anexar outras Repúblicas, ou Estados ou
Províncias de outrem aos seus, pela violência aberta, ou sob
títulos obsoletos, vazios e fraudulentos. O Império fundado por
um soldado bem sucedido reclama suas fronteiras ancestrais ou
naturais, e faz da necessidade e de sua segurança os argumentos
para o roubo escancarado. A grande Nação Mercante, ganhando
apoio no Oriente, encontra uma necessidade contínua de expandir
seu domínio pelas armas, e subjuga a Índia. As grandes Realezas
e Despotismos, sem argumento, dividem entre si um Reino,
desmembram a Polônia, e se preparam para disputar os domínios
do Crescente. Manter o equilíbrio de poder é o argumento para a
obliteração de Estados. Cartago, Gênova e Veneza, cidades
apenas comerciais, adquirem territórios pela força e pela fraude,
e se tornam Estados. Alexandre marcha sobre os Hindus;
Tamerlão busca um império universal; os Sarracenos conquistam
a Espanha e ameaçam Viena.

A sede de poder nunca é satisfeita. É insaciável. Nem os


homens nem as nações jamais têm poder suficiente. Quando
Roma era a senhora do mundo, os Imperadores se fizeram adorar
como deuses. A Igreja de Roma reclamou o despotismo sobre a
alma, e sobre toda a vida desde o berço até o túmulo. Deu e

119
MORAL E DOGMA

vendeu absolvições para pecados passados e futuros. Alegou ser


infalível em assuntos de fé.

Dizimou a Europa para purgá-la dos hereges. Dizimou a


América para converter Mexicanos e Peruanos. Deu e tirou
tronos; e, por excomunhão e interdição, fechou os portões do
Paraíso em face das Nações. A Espanha, soberba com seu
domínio sobre as Índias, se esforçou em esmagar o Protestantismo
na Holanda, enquanto Felipe II se casou com a Rainha da
Inglaterra, e o casal tentou conquistar este reino de volta à sua
aliança ao trono Papal. E mais tarde, a Espanha tentou conquistá-
lo com sua Armada “invencível”. Napoleão colocou seus
parentes e capitães em tronos e dividiu entre eles metade da
Europa. O Czar governa um império mais gigantesco que o de
Roma. A história de todos é, ou será, a mesma, – aquisição,
desmembramento e ruína. Há um julgamento de Deus contra tudo
o que é injusto.

Buscar subjugar a vontade de outros e tornar suas almas


cativas, porque este é o exercício do mais alto poder, parece ser o
maior objetivo da ambição humana. Está na base de todo
proselitismo e propaganda, desde o de Mesmer até o da Igreja de
Roma e da República Francesa. Este era o apostolado semelhante
ao de Josué e de Maomé. A Maçonaria apenas prega a Tolerância,
o direito do homem de acatar sua própria fé e o direito de todos
os Estados de se autogovernarem. Ela repreende igualmente o
monarca que busca estender seus domínios pela conquista, a
Igreja que reivindica o direito de reprimir a heresia pelo fogo e
pelo aço, e a confederação de Estados que insiste em manter a
união pela força e restaurar a fraternidade pelo massacre e pela
subjugação.

120
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

É natural, quando somos injustiçados, desejarmos


vingança; e persuadir-nos de que a queremos menos para nossa
satisfação do que para prevenir a repetição da injustiça, da qual o
agente seria encorajado pela impunidade unida às vantagens da
injustiça. Submetermonos à trapaça é encorajar o trapaceiro a
continuar; e somos inteiramente capazes de nos ver como
instrumentos escolhidos por Deus para infligir Sua vingança e,
por Ele e em Seu lugar, desencorajar a injustiça pela garantia certa
de sua esterilidade e punição. A Vingança é dita como sendo
“uma espécie de justiça selvagem”; mas ela sempre é feita com
raiva e, portanto, não é digna de uma alma grande, que não
tolerará que sua equanimidade seja perturbada pela ingratidão ou
vilania. Os danos feitos a nós pelos maus são tão indignos da
atenção de nossa raiva quanto os danos feitos pelos insetos e
animais; e, quando esmagamos a víbora, ou matamos o lobo ou a
hiena, devemos fazê-lo sem sermos movidos pela raiva, e com
menor sentimento de vingança do que o que temos ao arrancar
uma erva daninha.

E se não estiver na natureza humana não se vingar por


meio da punição, que o Maçom considere verdadeiramente que
assim fazendo ele será o agente de Deus, e então, que sua
vingança seja medida pela justiça e temperada pela misericórdia.
A lei de Deus é que as consequências da injustiça, da crueldade e
do crime sejam sua punição; e que os injuriados, os injustiçados
e os indignados são tão Seus instrumentos para reforçar tal lei
quanto as doenças, a detestação pública, o veredicto da história e
a execração da posteridade. Ninguém dirá que o Inquisidor que
torturou e queimou o inocente; o espanhol que, com sua espada,
talhou crianças indígenas vivas e deu os membros mutilados aos
seus sabujos; o tirano militar que fuzilou pessoas sem um
processo; o patife que roubou ou traiu seu Estado; o banqueiro

121
MORAL E DOGMA

fraudador ou corrupto, que levou órfãos à indigência; o servidor


público que violou seu juramento; o juiz que vendeu injustiça; o
legislador que permitiu que a Incapacidade arruinasse o Estado,
não deverão ser punidos. Que assim sejam; e que os feridos ou
seus simpatizantes sejam os instrumentos da vingança justa de
Deus; mas sempre como resultado de um sentimento maior do que
a mera represália pessoal.

Lembre-se que toda característica moral do homem


encontra seu protótipo entre as criaturas de inteligência mais
baixa; que a maldade cruel da hiena, a violência selvagem do
lobo, a ira impiedosa do tigre, a deslealdade astuciosa da pantera,
são encontradas entre o gênero humano e que, quando
encontradas, não devem provocar emoção diferente do que
quando as encontramos nos animais. Por que deveria o verdadeiro
homem ficar irritado com os gansos que sibilam, o pavão que se
empertiga, o burro que zurra e os macacos que imitam e garrulam,
ainda que vistam a forma humana? Além disso, sempre
permanece verdadeiro: que é mais nobre perdoar do que se vingar;
e que, em geral, devemos muito mais desprezar aqueles que nos
ofendem, do que sentir a emoção da raiva, ou o desejo de
vingança.

Na esfera do Sol, você está na região da LUZ. * * * * A


palavra Hebraica para ouro, ZAHAB, também significa Luz, da
qual o Sol é para a Terra a grande fonte. Portanto, na grande
alegoria Oriental dos Hebreus, o Rio PISOM circunda a terra do
Ouro ou da Luz; e o Rio GIOM, a terra da Etiópia ou das Trevas.

O que a luz é, não sabemos mais do que nossos ancestrais.


De acordo com as hipóteses modernas, não é composta de
partículas luminosas emitidas pelo Sol com velocidade imensa;

122
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

mas aquele astro somente imprime, no éter que preenche todo o


espaço, um poderoso movimento vibratório que se estende, na
forma de ondas luminosas, para além dos planetas mais distantes,
provendo-lhes luz e calor. Para os antigos, era um efluxo partido
da Divindade. Para nós, assim como para eles, é o símbolo
apropriado da verdade e do conhecimento. Também, para nós, a
jornada ascendente da alma através das Esferas é simbólica; mas
somos tão pouco informados quanto eles, sobre de onde vem
nossa alma, onde teve sua origem, e para onde vai depois da
morte. Eles se esforçavam para ter alguma crença e fé, algum
credo, sobre estes pontos. Hoje em dia, as pessoas estão satisfeitas
em não pensar em nada do que diz respeito a tudo aquilo, e apenas
crer que a alma é algo separado do corpo e sobrevivente a ele,
mas não se preocupam nem se questionam se ela existia antes
dele. Ninguém se pergunta se ela emana da Divindade ou se é
criada a partir do nada, ou se é gerada tal como o corpo, por
consequência das almas do pai e da mãe. Não riamos, portanto,
das ideias dos nossos ancestrais até que tenhamos uma crença
melhor; mas aceitemos seus símbolos como significando que a
alma é de natureza Divina, originando-se numa esfera mais
próxima à Divindade, e para lá retornando quando liberada do
cativeiro do corpo; e que só poderá retornar quando purificada de
toda sordidez e pecado que fizeram parte de sua substância, por
sua conexão com o corpo.

Não é estranho que, há milhares de anos, as pessoas


adorassem o Sol, e que hoje essa adoração continue entre os
Parses. Originalmente, elas olhavam para além do globo, para o
Deus invisível, de quem a luz do Sol, aparentemente idêntica à
geração e à vida, era a manifestação e efluxão. Muito antes dos
pastores Caldeus o verem sobre seus campos, já se levantava
regularmente, como faz hoje, pela manhã, como um deus, e

123
MORAL E DOGMA

novamente se punha como um rei se retirando no Oeste, para


retornar no tempo devido com a mesma exibição de majestade.
Nós adoramos a Imutabilidade. É esse caráter constante e
imutável do Sol que as pessoas de Baalbek adoravam. Seus
poderes vivificantes e iluminantes eram atributos secundários. A
única grande ideia que compelia à adoração era a característica de
Deus que viam refletida em sua luz, e imaginavam ver em sua
originalidade a imutabilidade da Divindade. O Sol viu tronos
ruírem, terremotos sacudirem a terra e arremessarem montanhas
ao chão. Além do Olimpo, além dos Pilares de Hércules, ele ia
diariamente à sua morada, e diariamente retornava, de manhã,
para observar os templos eram construídos para a sua adoração.
O personificaram como BRAHMA, AMON, OSÍRIS, BEL,
ADÔNIS, MALKHART, MITRA e APOLO; e as nações que
assim fizeram envelheceram e morreram. Cresceu musgo nos
capitéis das grandes colunas de seus templos, e ele brilhou no
musgo. Grão por grão, a poeira de seus templos ruiu e caiu, foi
carregada com o vento e, ainda assim, brilhou na coluna e na
arquitrave que desmoronavam. O telhado caiu se espatifando no
chão, e ele brilhou no Santo dos Santos com raios imutáveis. Não
é estranho que as pessoas adorassem o Sol.

Há uma planta aquática, em cujas largas folhas as gotas de


água rolam sem se unir a elas, como gotas de mercúrio. Do
mesmo modo, os argumentos sobre assuntos de fé, política ou
religião rolam sobre a superfície da mente. Um argumento que
convence uma mente não tem efeito sobre outra. Poucos
intelectos, ou almas, que são as negações do intelecto, têm
qualquer poder ou capacidade lógicos. Existe uma obliquidade
singular na mente humana que faz a falsa lógica mais efetiva do
que a verdadeira, para nove décimos daqueles que são vistos
como pessoas intelectuais. Mesmo entre os juízes, nem dez por

124
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

cento consegue argumentar logicamente. Cada mente enxerga a


verdade distorcida por seu próprio meio. A verdade, para a
maioria das pessoas, é como a matéria no estado esferoidal. Assim
como uma gota de água fria, na superfície de uma lâmina de metal
incandescente, dança, treme e gira, mas nunca entra em contato
com ela; a mente pode ser mergulhada na verdade, como uma mão
umedecida com ácido sulfúrico em metal derretido, e nem mesmo
ser aquecida pela imersão.

A palavra Khairiūm ou Khūrūm é uma palavra composta.


Gesênio traduz Khūrūm pela palavra nobre ou nascidolivre:
Khūr significando branco, nobre. Também significa a abertura
de uma janela, o orifício ocular. Khri também significa branco,
ou uma abertura; e Khris, o globo solar, em Jó 8:13 e 10:7.
Krishna é o Deus-Sol Hindu. Khūr, a palavra em Parse, é o nome
literal do Sol.

De Kur ou Khur, o Sol, vem Khôra, um nome do Baixo


Egito. O Sol, diz Bryant em sua “Mitologia”, era chamado de
Kur; e Plutarco diz que os persas chamavam o Sol de Kūros.
Kurios, Senhor, em grego, como Adonaï, Senhor, em fenício e
hebraico, era aplicado ao Sol. Muitos lugares eram consagrados
ao Sol e chamados de Kura, Kuria, Kuropolis, Kurene,
Kureschata, Kuresta, e Corusia na Cítia.

A Divindade egípcia chamada pelos gregos de “Hórus”


foi Her-Ra, ou Har-oeris, Hor ou Has, o Sol. Hari é um nome
Hindu do Sol. Ari-al, Ar-es, Ar, Aryaman, Areimonios, com
“AR” significando Fogo ou Chama, são do mesmo gênero.
Hermes ou Har-mes (Aram, Remus, Haram, Harameias), era
Kadmos, a Luz Divinaou Sabedoria. Mar-kuri, diz Movers, é
Mar, o Sol.

125
MORAL E DOGMA

No Hebraico, AOOR é Luz, Fogo, ou o Sol. Ciro, disse


Ctésias, foi assim chamado a partir de Kuros, o Sol. Kuris, diz
Hesíquio, era Adônis. Apolo, o deus-Sol, era chamado de
Kurraios, advindo de Kurra, uma cidade na Fócida. O povo de
Kurene, originalmente Etíopes ou Cutitas, adorava o Sol sob o
título de Achoor e Achōr.

Sabemos, através de um testemunho preciso nos anais


ancestrais de Tsūr, que a festividade principal de Malkarth, a
encarnação do Sol no Solstício de Inverno, celebrada em Tsūr, era
chamada de seu renascimento ou seu despertar, e era celebrada
por meio uma pira, sobre a qual se supunha que o deus
recuperaria, através da ajuda do fogo, uma nova vida. Esse
festival era celebrado no mês de Peritius (Barith), cujo segundo
dia correspondia ao 25º de dezembro. KHUR-UM, Rei de Tiro,
afirma Movers, fora o primeiro a executar esta cerimônia.
Aprendemos estes fatos de Josefo, de Sérvio na Eneida e nos
Dionisíacos de Nono; e por uma coincidência que não pode ser
fortuita, o mesmo dia era em Roma o Dies Natalis Solis Invicti,
o dia festivo do invencível Sol. Sob esta denominação,
HÉRCULES, HAR-acles era adorado em Tsūr. Assim, enquanto
o templo estava sendo erigido, a morte e a ressurreição de um
Deus-Sol eram representadas anualmente em Tsūr, pelo aliado de
Salomão, no solstício de inverno, pela pira de MAL-KARTH, o
Heracles Tsūriano.

AROERIS ou HAR-oeris, o ancião HÓRUS, é da mesma


velha raiz que, em Hebraico, tem a forma de Aür, ou, com o artigo
definido prefixado, Haür, Luz,ou a Luz, esplendor, chama, o Sol
e seus raios. O hieróglifo do jovem HÓRUS era o ponto dentro
de um círculo; o do Ancião, um par de olhos; e o festival do
trigésimo dia do mês de Epiphi, quando se supunha que o sol e a

126
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

lua estavam alinhados com a terra, era chamado de “O


nascimento dos olhos de Hórus”.

Em um papiro publicado por Champollion, este deus é


intitulado “Haroeri, Senhor dos Espíritos Solares, o olho
benévolo do Sol”. Plutarco o chama de “Har-pocrates”, mas não
há nenhum vestígio da última parte do nome nas lendas
hieroglíficas. Ele é o filho de OSÍRIS e de Ísis, e é representado
sentado em um trono sustentado por leões; a mesma palavra, em
Egípcio, significando Leão e Sol. Deste modo, Salomão fez um
grande trono de marfim, revestido com ouro, com seis degraus,
havendo um leão em cada braço, e um leão em cada lado de cada
degrau, perfazendo sete de cada lado.

Novamente, a palavra hebraica ‫ יח‬, Khi, significa


“vivente”; e ‫ םאר‬, rām “era, ou será, erguido ou levantado”. A
última é a mesma que ‫ ור םורא םוח‬, rōōm, arōōm, harūm, ou
Aram, para Síria, ou Aramæa, Terra-Alta. Khairūm, portanto,
significaria “erguido à vida, ou vivente”.

Assim, em Arábico, hrm, uma raiz não usada, significava


“era alto”, “feito grande”, “exaltado”; e Hîrm significa boi, o
símbolo do Sol em Touro, no Equinócio Vernal.

KHŪRŪM, então, impropriamente chamado de Hiram, é


KHUR-OM, o mesmo que Her-ra, Her-mes e Her-acles, o
“Heracles Tyrius Invictus”, a personificação da Luz e do Filho,
o Mediador, Redentor e Salvador. Da palavra egípcia Ra veio a
copta Oūro e a hebraica Aür, Luz. Haroerié Hor ou Har, o chefe
ou mestre. Hor também é calor; e hora, estação ou hora; e,
consequentemente, em vários dialetos africanos, como os nomes
do Sol: Airo, Ayero, eer, uiro, ghurrah e similares. O nome real

127
MORAL E DOGMA

prestado ao Faraó era PHRA, isto é, Pai-ra, o Sol.

A lenda da disputa entre Hor-ra e Set, ou Set-nu-bi, o


mesmo que Bar, ou Baal, é mais antiga do que a do conflito entre
Osíris e Tífon; tão antiga, pelo menos, quanto a décima nona
dinastia. É chamado, no Livro dos Mortos, de “O dia da batalha
entre Hórus e Set”. O segundo mito se associa à Fenícia e à Síria.
O corpo de OSÍRIS chegou à praia em Gebal ou Biblos, por volta
de cem quilômetros acima de Tsūr. Você não deixará de notar que
no nome de cada um dos assassinos de Khūrūm encontramos o do
Deus do Mal, Baal.

Har-oeri era o deus do TEMPO, e também o da Vida. A


lenda egípcia conta que o Rei de Biblos derrubou a tamareira que
continha o corpo de OSÍRIS e fez dela uma coluna para seu
palácio. Ísis, empregada do palácio, obteve a posse da coluna,
retirou o corpo de dentro dela e o levou consigo. Apuleio a
descreve como “uma bonita mulher, sobre cujo pescoço divino
seu cabelo longo e espesso pendia em graciosos anéis”; e, na
procissão, as mulheres presentes, com pentes de marfim,
pareciam pentear e ornamentar o cabelo real da deusa. A
palmeira, e a lâmpada na forma de um barco, apareciam na
procissão. Se o símbolo do qual estamos falando não for uma
mera invenção moderna, é para tais coisas que alude.

128
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

A identidade das lendas também é confirmada por esta


pintura hieroglífica, copiada de um antigo monumento egípcio,
que pode, além disso, lhe esclarecer quanto ao aperto da pata do
Leão e ao malhete do Mestre.

‫ בא‬no antigo caractere Fenício, , e no Samaritano,


, A B (as duas letras que representam os números 1 e 2, ou
Unidade e Dualidade), significa Pai, e é um substantivo primitivo,
comum a todas as línguas semitas. Também significa Ancestral,
Originador, Inventor, Cabeça, Chefe ou Governante, Gerente,
Supervisor, Mestre, Sacerdote, Profeta.

‫ יבא‬é simplesmente Pai, quando está em construção, isto é,


quando precede outra palavra e, em português, a preposição “de”
está interposta, como ‫ אבי אל‬, Abi-Al, o Pai de Al. Além disso, o
Yōd final significa “meu”; de modo que ‫ יבא‬por si só significa
“Meu pai”. ‫ יבא דיוד‬, Davi meu pai, 2 Crôn. 2:3.

‫( ו‬Vav) final é o pronome possessivo “seu”; e ,‫ויבא‬


Abiu(que lemos “Abif”) significa “de meu pai”. Seu significado

129
MORAL E DOGMA

pleno, enquanto ligado ao nome de Khūrūm, sem dúvida, é


“antigamente um dos serviçais de meu pai”, ou “escravos”.

O nome do artífice fenício é, em Samuel e em Reis, – ‫םריח‬


2] Sam. 8:11; 1 Reis 5:15; 1 Reis 7:40]. Em Crônicas é ‫ םרוה‬, com
a adição de 2] , ‫ יבא‬Crôn. 2:12]; e de 2] ‫ ויבא‬Crôn. 4:16].

É simplesmente absurdo adicionar a palavra “Abif”, ou


“Abiff”, como parte do nome do artífice. E é quase tão absurdo
adicionar a palavra “Abi”, que era um título e não parte do nome.
José diz [Gen. 45:8]: “Deus me constituiu ’Ab l’Paraah, como
Pai para Faraó, i.e., Vizir ou Primeiro Ministro.” Portanto Hamã
foi chamado de Segundo Pai de Artaxerxes; e, quando o Rei
Khūrūm usou a frase “Khūrūm Abi”, quis dizer que o artífice que
mandou a Shlomoh era o artífice principal, ou chefe, em sua
linhagem em Tsūr.

Uma medalha copiada por Montfaucon exibe uma mulher


amamentando uma criança, com espigas de trigo em sua mão, e a
legenda (Iao). Ela está sentada em nuvens, com uma estrela em
sua cabeça, e três espigas de trigo saindo de um altar à sua frente.
HÓRUS era o mediador, que foi enterrado por três dias,
foi regenerado, e triunfou sobre o princípio do mal.

A palavra HERI, em sânscrito, significa Pastor, bem


como Salvador. KRISHNA é chamado de Heri, assim como
JESUS se autodenominou o Bom Pastor.

‫רוח‬, Khūr, significa uma abertura de uma janela, de uma


cavernaou de um olho. Também significa branco. Em siríaco,
.

130
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

‫ רח‬também significa uma abertura, e também nobre,


nascido-livre, nascido-alto.

‫ םרח‬, KHURM, significa consagrado, devotado; em


etiópico, .É o nome de uma cidade [Jos. 19:38] e de
um homem [Ez. 2:32, 10:31; Ne. 3:11].

‫הריח‬, Khirah, significa nobreza, uma raça nobre.

Declara-se que Buda compreende em sua própria pessoa a


essência do Trimurti Hindu; e daí se aplica o monossílabo
triliteral Om ou Aum como sendo essencialmente o mesmo que
Brahma-Vishnu-Shiva. Ele é o mesmo que Hermes, Tot, Taut e
Teutates. Um de seus nomes é Herimaya ou Hermaya, que é,
evidentemente, o mesmo nome de Hermes e Khirm ou Khūrm.
Heri, em sânscrito, significa Senhor.

Um Irmão instruído coloca sobre os dois pilares


simbólicos, da direita para a esquerda, as duas palavras, e
, ‫ והי‬e ‫ באל‬, IHU e BAL: seguido pelo equivalente
hieroglífico, do Deus-Sol, Amun-ra. Será uma coincidência
acidental que no nome de cada um dos assassinos estejam os dois
nomes das Divindades hebraicas, do Bem e do Mal; pois Yu-bel
nada mais é do que Yehu-Bal ou Yeho-Baal? E que as três sílabas
finais dos nomes, a, o, um, fazem A∴U∴M∴, a palavra sagrada
dos hindus, significando Deus-Triuno, Doador, Preservador e
Destruidor da vida: representado pela letra mística?

A genuína Acácia é também a espinhosa tamariz, a mesma


árvore que cresceu em torno do corpo de Osíris. Era uma planta
sagrada entre os Árabes, que dela fizeram o ídolo Al-Uzza, que
Maomé destruiu. É um arbusto abundante no Deserto do Thar: e

131
MORAL E DOGMA

dela foi composta a “coroa de espinhos” que foi colocada na


fronte de Jesus de Nazaré. É um modelo adequado de
imortalidade por conta de sua tenacidade de vida; pois se sabia
que, quando plantada como ombreira das portas, criava raízes
novamente e estirava ramos floridos sobre a soleira.

Toda comunidade deve ter seus períodos de processo e


transição, especialmente se ela se engaja na guerra. É certo, em
algum momento, que será totalmente governada por agitadores
que apelam para todos os elementos mais baixos da natureza
popular; por corporações ricas; por aqueles enriquecidos com a
desvalorização dos títulos de dívida pública ou dos papéis do
governo; por baixos advogados, urdidores, agiotas, especuladores
e aventureiros – uma oligarquia ignóbil, enriquecida pelas
angústias do Estado e engordada nas misérias do povo. E então
todas as visões enganosas de igualdade e de direitos humanos
fenecem; e o Estado injustiçado e saqueado só pode recuperar
uma liberdade real passando por “grandes variedades de
existências não experimentadas”, purificado em sua
transmigração pelo fogo e pelo sangue.

Numa República, logo ocorre que partidos se reúnam em


torno dos pólos negativo e positivo de alguma opinião ou noção,
e que o espírito intolerante de uma maioria triunfante não permita
nenhum desvio do padrão de ortodoxia que estabeleceu para si
mesma. A liberdade de opinião será professada e simulada, mas
todos a exercerão sob risco de serem banidos da comunhão
política com os que mantêm as rédeas e prescrevem a política a
ser seguida. Servilismo ao partido e obsequiosidade aos caprichos
populares andam de mãos dadas. A independência política só
ocorre em estado fóssil; e as opiniões das pessoas não crescem
além dos atos a que foram constrangidas a executar ou sancionar.

132
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

A bajulação, seja de indivíduos, seja de povos, corrompe ambos


os emissores e receptores; e a adulação não tem maior utilidade
para o povo do que para os reis. Um César, firmemente assentado
no poder, se importa menos com ela do que uma democracia livre;
nem seu apetite por ela crescerá à exorbitância, como crescerá o
de um povo até se tornar insaciável. O efeito da liberdade para os
indivíduos é que eles possam fazer o que aprouverem; para o povo
é, em grande medida, a mesma coisa. Se acessíveis à adulação,
como esta é sempre interesseira e refugiada em motivos baixos e
vis, com propósitos maldosos, é certo que, tanto o indivíduo
quanto o povo, ao fazer o que quiserem, farão o que pela honra e
consciência não teriam feito. Não se deve sequer arriscar
congratulações, que logo podem se tornar reclamações; e como
tanto os indivíduos como o povo são propensos a fazer mau uso
do poder, bajulá-los, que é uma maneira segura de desviá-los,
bem merece ser chamado de crime.

O primeiro princípio em uma República deve ser “que


nenhuma pessoa ou grupo tenha direito a emolumentos ou
privilégios exclusivos ou separados da comunidade, mas por
consideração a serviços públicos; como estes não são
hereditários, tampouco devem ser os cargos de magistratura, de
assembleia, ou de juiz”. É um tomo de Verdade e de Sabedoria,
uma lição para o estudo das nações, incorporados numa única
sentença e expressos numa linguagem que todos podem entender.
Se um dilúvio de despotismo derribar o mundo e destruir todas as
instituições sob as quais a liberdade está protegida, de modo que
não sejam mais lembradas entre as pessoas, esta sentença,
preservada, já seria suficiente para reacender os fogos da
liberdade e reviver a raça dos homens livres.

133
MORAL E DOGMA

Mas, para preservar a liberdade, outra deve ser


acrescentada: “que um Estado livre não confira cargos como
prêmio, especialmente por serviços questionáveis, a não ser que
busque sua própria ruína; mas que todos os servidores sejam
empregados por ele, em consideração somente à sua vontade e
habilidade de prestar serviços no futuro; e, portanto, apenas os
melhores e mais competentes serão sempre os preferidos”.

Porque, se deve haver qualquer outra regra, a da sucessão


hereditária talvez seja tão boa quanto ela. Por nenhuma outra
regra é possível preservar as liberdades do Estado. Por nenhuma
outra regra é possível confiar o poder de fazer as leis apenas
àqueles que possuem o agudo sentido instintivo de injustiça e de
errado, que os possibilita detectar a baixeza e a corrupção nos seus
esconderijos mais secretos, e cuja coragem moral, humanismo
generoso e independência galante os fazem destemidos para
arrastar os perpetradores à luz do dia, e chamar sobre eles o
escárnio e a indignação do mundo. Os bajuladores dos povos
nunca são tais pessoas. Pelo contrário, para uma República
sempre chega um tempo, quando não está satisfeita, como
Tibério, com um único Sejano, e precisará ter uma hoste deles; e
quando os mais proeminentes na liderança dos assuntos de
governo são pessoas sem reputação, estadismo, habilidade ou
informação, meros picaretas de partido, devendo suas posições a
trapaças e falta de qualificação, sem nenhuma das qualidades, no
coração ou na mente, que façam deles homens grandes e sábios,
e são ao mesmo tempo cheios de todas as concepções limitadas e
intolerância amarga do fanatismo político. Estes morrem; e o
mundo não é mais sábio pelo que disseram e fizeram. Seus nomes
mergulham no poço sem fundo do esquecimento; mas seus atos
de insensatez ou desonestidade amaldiçoam o corpo político e, ao
final, provam sua ruína.

134
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

Os políticos, em um Estado livre, são geralmente ocos,


sem coração e egoístas. Seu próprio engrandecimento é a
finalidade de seu patriotismo; e eles sempre observam com
satisfação secreta o desapontamento ou queda de alguém cujo
gênio eminente e talentos superiores fazem sombra à sua auto
importância, ou cuja integridade e honra incorruptível estão no
caminho de seus propósitos egoístas. A influência dos baixos
aspirantes está sempre contra o grande homem. Sua acessão ao
poder pode dar-se por quase uma vida inteira. Um deles será mais
facilmente deslocado, mas cada outro aspirará sucedê-lo; e assim,
ao longo do tempo, ocorre que pessoas incapacitadas até para o
mais baixo secretariado aspiram impudentemente e, de fato,
conseguem os postos mais altos; e a incapacidade e mediocridade
se tornam os passaportes mais seguros para os cargos.

A consequência é que aqueles que se sentem competentes


e qualificados para servir ao povo, se recusam com desgosto a
entrar na briga por um cargo, onde a doutrina perniciosa e
jesuítica de que tudo é válido na política é desculpa para toda
espécie de baixa vilania; e que aqueles que buscam mesmo os
postos mais altos do Estado não contam com o poder de um
espírito magnânimo, nos impulsos compassivos de uma grande
alma, para bulir e mover o povo para resoluções generosas, nobres
e heroicas, e para a ação sábia e humana; mas, tal como cães de
caça eretos sobre as patas traseiras, com as dianteiras
obsequiosamente suplicantes, adulam, bajulam e realmente
mendigam votos. E ao invés de descerem a tanto, permanecem
orgulhosamente afastados, se recusando desdenhosamente a
cortejar o povo, e agindo com a máxima de que “as pessoas não
têm o direito de exigir que as sirvamos em despeito delas
mesmas”.

135
MORAL E DOGMA

É lamentável ver um país dividido em facções, cada uma


seguindo este ou aquele líder grandioso ou descarado com a
adoração cega, irracional e indiscutida como a um herói; é
desprezível vê-lo dividido em partidos, cujo único fim são os
despojos da vitória, e os baixos, pequenos e venais como seus
líderes. Tal país está nos últimos estágios da decadência e o fim
está próximo, não importa quão próspero possa aparentar ser. Ele
luta sobre o vulcão e o terremoto. Mas é certo que nenhum
governo pode ser conduzido pelos homens do povo, e pelo povo,
sem uma rígida aderência àqueles princípios que nossa razão
elogia como firmes e sólidos. Estes devem ser os testes dos
partidos, das pessoas e das medidas. Uma vez determinados,
devem ser inexoráveis em sua aplicação, e todos devem ou se
aproximar ao padrão ou se declarar contrários. Homens podem
trair: princípios, jamais. A opressão é uma consequência
invariável da confiança mal colocada em gente traiçoeira, e nunca
é resultado da elaboração o ou aplicação de um princípio sólido,
justo e experimentado. Compromissos que põem em dúvida os
princípios fundamentais, a fim de unir em um único partido
pessoas de credos antagônicos, são fraudes e terminam na ruína –
a consequência justa e natural da fraude. Sempre que você tiver
baseado sua teoria e credo, não permita nenhum desvio deles na
prática, nem qualquer terreno de conveniência. É a palavra do
Mestre. Não se renda nem à lisonja nem à força! Que nenhuma
derrota ou perseguição o roubem dela! Acredite que aquele que
um dia errou gravemente no governo de estado, errará gravemente
de novo; que tais erros graves são tão fatais quanto crimes; e que
a miopia política não melhora com a idade. Sempre há mais
impostores do que visionários entre os homens públicos, mais
falsos profetas do que verdadeiros, mais profetas de Baal do que
de Jeová; e Jerusalém está sempre sob o perigo dos Assírios.

136
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

Salústio disse que depois de um Estado ter sido


corrompido pela luxúria e indolência, ele pode, por sua mera
grandeza, ainda resistir sob o peso de seus vícios. Mas ainda
enquanto escrevia, Roma, de quem falava, jogou fora seu disfarce
de liberdade. Outras causas, além de luxúria e preguiça, destroem
Repúblicas. Se pequenas, seus vizinhos maiores podem extingui-
las por absorção. Se de grande extensão, a força coesiva é muito
fraca para mantê-las unidas, e se despedaçam por seu próprio
peso. A ambição sem valor de homens baixos as desintegra. A
falta de sabedoria em seus conselhos cria discussões exasperadas.
A usurpação de poder faz sua parte, a incapacidade secunda a
corrupção, a tempestade se levanta, e os fragmentos da jangada
incoerente se espalham pelas praias arenosas, lendo para a
humanidade outra lição a ser desconsiderada.

A Quadragésima Sétima Proposição é mais antiga do que


Pitágoras. É assim: “Em todo triângulo retângulo, a soma dos
quadrados da base e da perpendicular é igual ao quadrado da
hipotenusa”.

137
MORAL E DOGMA

O quadrado de um número é o produto desse número,


multiplicado por ele mesmo. Assim, 4 é o quadrado de 2, e 9 o de
3.

Os dez primeiros números são: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10;


seus quadrados são 1, 4, 9, 16, 25, 36, 49, 64, 81, 100; e 3, 5, 7,
9, 11, 13, 15, 17, 19 são as diferenças entre cada quadrado e o que
o precede, nos dando os números sagrados 3, 5, 7 e 9.

Desses números, o quadrado de 3 e 4, somados, dá o


quadrado de 5; e os de 6 e de 8 o quadrado de 10; se formarmos
um triângulo retângulo, a base medindo 3 ou 6 partes e a
perpendicular 4 ou 8 partes, a hipotenusa terá 5 ou 10 partes; e se
erigirmos um quadrado sobre cada lado do triângulo e dividirmos
esses quadrados em quadrados cujo lado tiver uma parte de
comprimento, haverá tantos deles no quadrado construído sobre a
hipotenusa quanto nos outros dois quadrados juntos.

Ora, os egípcios organizaram suas divindades em Tríades


– o PAI ou o Espírito ou Princípio Ativo ou Poder Gerador; a
MÃE, ou Matéria, ou Princípio Passivo, ou o Poder Conceptivo;
e o FILHO, Resultado ou Produto, o Universo, procedente dos
dois princípios. Estes eram OSÍRIS, ÍSIS e HÓRUS. Da mesma
forma, PLATÃO nos dá o Pensamento, o Pai; a Matéria
Primitiva, a Mãe; e o Cosmos, o Mundo, o Filho, o Universo
animado por uma alma. Tríades da mesma espécie são
encontradas na Cabala.

PLUTARCO diz, em seu livro De Iside et Osiride: “Mas


a natureza melhor e mais divina consiste de três: a que existe
apenas no interior do Intelecto, a Matéria, e a que procede destes,
que os gregos chamam Kosmos; a esses três Platão costuma

138
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

chamar de Inteligível, a ‘Ideia, Exemplar e Pai’; Matéria, ‘a


Mãe, a Enfermeira e o lugar e receptáculo da geração’; e o
resultado desses dois, ‘a Descendência e Gênese’”, o Kosmos,
“uma palavra significando igualmente Beleza e Ordem, ou o
Universo em si.” Você não deixará de notar que a Beleza é
simbolizada pelo Segundo Vigilante, no Sul. Plutarco continua
dizendo que os egípcios comparavam a natureza universal ao que
chamavam de o mais belo e perfeito triângulo, como o faz Platão,
naquele diagrama nupcial, como é chamado, que apresentou à sua
Comunidade.

Portanto ele acrescenta que este é um triângulo retângulo,


e seus lados são respectivamente são 3, 4 e 5; e diz: “Devemos
supor que a perpendicular é desenhada por eles para representar
a natureza masculina, a base a feminina, e que a hipotenusa deve
ser vista como a descendência de ambos; e, consequentemente, o
primeiro deles representará adequadamente OSÍRIS, ou a causa
primária; o segundo, ÍSIS, ou a capacidade receptiva; o último,
HÓRUS, ou o efeito comum dos outros dois. Pois 3 é o primeiro
número composto de par e ímpar; e 4 é um quadrado cujo lado é
igual ao número par 2; mas 5, sendo gerado, supostamente, dos
números precedentes 2 e 3, pode-se dizer que tem relação igual
com ambos, como seus pais em comum”.

As mãos enganchadas são outro símbolo usado por


PITÁGORAS. Representavam o número 10, o número sagrado
no qual todos os números precedentes estavam contidos; o
número expresso pela misteriosa TETRACTYS, uma figura
apropriada igualmente por ele e pelos sacerdotes Hebreus da
ciência sagrada egípcia, e que deve ser recolocada entre os
símbolos do Grau de Mestre, no lugar que pertence por direito.
Os Hebreus formavam-na assim, com as letras do nome Divino:

139
MORAL E DOGMA

A Tetractys assim leva você não somente ao estudo da


filosofia Pitagórica quanto aos números, mas também à Cabala, e
o ajudará na descoberta do Mundo Verdadeiro, e no entendimento
do que era chamado de “A Música das Esferas”. A ciência
Moderna confirma visivelmente as ideias de Pitágoras no que diz
respeito às propriedades dos números, e que eles governam o
Universo. Muito antes de seu tempo, a natureza havia extraído
suas raízes cúbicas e seus quadrados.

Todas as FORÇASà disposição do homem, ou sob seu


controle, ou sujeitas à sua influência, são suas ferramentas de
trabalho. A amizade e simpatia que atam coração com coração
são uma força como a da atração ou coesão, pela qual as partículas
arenosas se tornam a rocha sólida. Se essa lei da atração ou coesão
fosse retirada, os mundos e sóis materiais dissolver-se-iam num
instante em fino vapor invisível. Se os laços de amizade, afeição
e amor fossem anulados, a humanidade tornar-se-ia uma multidão
furiosa de animais de rapina selvagens. A areia endurece e se
torna rocha sob a imensa pressão superincumbente do oceano, às
vezes ajudada pela energia irresistível do fogo; e, quando a
pressão da calamidade e do perigo está sobre uma ordem ou um
país, os membros ou cidadãos devem ser mais estreitamente

140
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

unidos pela coesão da simpatia e da interdependência.

A Moralidade é uma força. É a atração magnética do


coração em direção à Verdade e à Virtude. A agulha da bússola,
imbuída com sua propriedade mística, apontando infalivelmente
para o norte, transporta o marinheiro com segurança por sobre o
oceano sem rastros, através da tempestade e da escuridão, até que
seus olhos satisfeitos contemplem as os bondosos faróis que lhe
dão as boas-vindas a um porto seguro e hospitaleiro. E então os
corações daqueles que o amam são contentados e seu lar se torna
feliz; e este contentamento e alegria serão devidos à sua
supervisora silenciosa, sem destaque, inerrante, que foi a guia do
marinheiro sobre as águas agitadas. Porém, se a corrente o levar
muito para o ártico, não mais julgará a agulha como precisa, e
apontando para outro lugar que não o norte, que sensação de
desamparo cairá sobre o marinheiro apavorado, que perda de
energia e de coragem! É como se os grandes axiomas da
moralidade viessem a falhar e não fossem mais verdadeiros,
deixando a alma humana navegando à deriva, cega como
Prometeu, à mercê das correntes incertas e traiçoeiras das
profundezas.

Honra e Dever são as estrelas polares de um Maçom, os


Dióscuros, pelos quais, nunca perdidos de vista, ele poderá evitar
um naufrágio desastroso. Estes Palinuro observou, até que,
vencido pelo sono, e o barco não sendo mais verdadeiramente
guiado, tombou e foi engolido pelo mar insaciável. Dessa forma,
o Maçom que os perde de vista, e não é mais governado por suas
forças potenciais e beneficentes, estará perdido, e afundando
longe da vista, desaparecerá sem honras e sem pranto.

A força da eletricidade, análoga à da afinidade, e por meio

141
MORAL E DOGMA

da qual os grandes pensamentos ou as baixas sugestões, as


manifestações de naturezas nobres ou ignóbeis, brilham
instantaneamente sobre os nervos das nações; a força do
crescimento, modelo adequado da imortalidade, repousa
dormente por três mil anos nos grãos de trigo enterrados com suas
múmias pelos velhos Egípcios; as forças de expansão e contração,
desenvolvidas no terremoto e no tornado, dando à luz as
maravilhosas conquistas do vapor, têm seus paralelismos no
mundo moral, nos indivíduos, e nas nações. O crescimento é uma
necessidade para as nações como para as pessoas. Sua cessação é
o princípio da decadência. Na nação, bem como na planta, é
misterioso, e irresistível. Os terremotos que despedaçam nações,
derrubam tronos e engolfam monarquias e repúblicas, foram há
muito preparados, como a erupção vulcânica. Revoluções
possuem longas raízes no passado. A força exercida está na
proporção direta da contenção e repressão anteriores. Os
verdadeiros estadistas devem ver no progresso as causas que, no
devido tempo, o produzem; e aquele que não o faz não é senão
um líder cego dos cegos.

As grandes mudanças nas nações, como as mudanças


geológicas da terra, são forjadas lenta e continuamente. As águas,
caindo do Céu como chuva e orvalho, desintegram lentamente as
montanhas de granito; arranham as planícies, deixando encostas
e sulcos de erosão como seus monumentos; cavoucam os vales,
enchem os mares, limitam os rios, e após o lapso de milhares e
milhares de séculos silenciosos, preparam a grande aluvião para
o crescimento daquela planta, o envelope nevado cujas sementes
empregarão os teares do mundo, e a abundância ou penúria de
cujas colheitas determinarão se os tecelões e fiandeiras de outros
reinos terão trabalho ou passarão fome.

142
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

Assim, a Opinião Pública é uma força imensa; e suas


correntes são tão inconstantes e incompreensíveis como as da
atmosfera. No entanto, em governos livres, ela é onipotente; e a
tarefa do estadista é encontrar os meios de moldá-la, controlá-la e
dirigi-la. Dependendo de como é feito, ela será benéfica e
conservadora, ou destrutiva e ruinosa. A Opinião Pública do
mundo civilizado é a Lei Internacional; e é uma força tão grande,
apesar de não ter fronteiras certas nem fixas, que pode até obrigar
o déspota vitorioso a ser generoso, ou ajudar um povo oprimido
em sua luta pela independência.

O Hábito é uma grande força; é a segunda natureza,


mesmo nas árvores. É tão forte nas nações quanto nas pessoas.
Mas também o são os Preconceitos, que são dados às pessoas e às
nações assim como as paixões; – como forças, valiosas, se usadas
correta e habilmente; destrutivas, se manuseadas sem habilidade.

Acima de tudo, o Amor à Pátria, o Orgulho Estatal, o


Amor ao Lar, são forças de poder imenso. Encoraje todos eles.
Insista neles para seus homens públicos. A permanência do lar é
necessária ao patriotismo. Uma raça migratória terá pouco amor
à pátria. O orgulho estatal é uma mera teoria e quimera quando as
pessoas se mudam de Estado para Estado com indiferença, como
os Árabes, que hoje acampam aqui e amanhã acolá.

Se você tem Eloquência, esta é uma força poderosa.


Preocupe-se em usá-la com bons propósitos – para ensinar,
exortar, enobrecer o povo, e não para enganá-lo ou corrompê-lo.
Oradores corruptos e venais são os assassinos das liberdades
públicas e da moral pública.

A Vontade é uma força; seus limites são ainda

143
MORAL E DOGMA

desconhecidos. É principalmente no poder da vontade que vemos


o espiritual e o divino no homem. Existe uma aparente identidade
entre a sua vontade que move outras pessoas, e a Vontade Criativa
cuja ação parece tão incompreensível. São as pessoas de vontade
e de ação, não as pessoas de puro intelecto, que governam o
mundo.
Finalmente, as três maiores forças morais são a FÉ, que é
a única SABEDORIA verdadeira, e o próprio alicerce de todo o
governo; ESPERANÇA, que é FORÇA, e garante o sucesso; e
CARIDADE, que é BELEZA e que, sozinha, torna animado o
possível esforço unido. Estas forças estão ao alcance de todas as
pessoas; e uma associação de homens, movida por elas, deveria
exercer um imenso poder no mundo. Se a Maçonaria não o faz, é
porque deixou de possuí-las.

A Sabedoria, no homem ou estadista, no rei ou sacerdote,


consiste grandemente na devida apreciação dessas forças; e a
condenação de nações frequentemente depende da não
apreciação geral de algumas delas. Quantas hecatombes recaem
frequentemente sobre a não consideração ou a consideração
insuficiente da força de uma ideia, tal como, por exemplo, a
reverência por uma bandeira, ou ao apego cego a uma forma ou
constituição de governo!

Quantos erros são cometidos na economia política e no


estadismo em consequência da superestimação ou subestimação
de valores particulares, ou pela não estimação de alguns deles!
Tudo, afirma-se, é produto do trabalho humano; mas o ouro ou o
diamante que alguém encontra acidentalmente sem trabalho não
é. Qual é o valor do trabalho prestado pelo lavrador em suas
colheitas, comparado ao valor da luz do sol e da chuva, sem os
quais seu trabalho não valeria nada? O comércio praticado pelo

144
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

trabalho das pessoas aumenta o valor dos produtos do campo, da


mina, ou da oficina, por seus transportes para mercados
diferentes; porém quanto deste acréscimo se deve aos rios pelos
quais esses produtos flutuam, e aos ventos que impulsionam as
quilhas do comércio por sobre do oceano!

Quem pode estimar o valor da moralidade e do


humanismo em um Estado, da moral digna e do conhecimento
intelectual? Estes são a luz solar e a chuva do Estado. Os ventos,
com suas correntes mutantes, instáveis e flutuantes são emblemas
adequados dos humores variáveis da população, suas paixões,
seus impulsos heroicos, seus entusiasmos. Ai do estadista que não
os estima como valores!

Até a música e as canções possuem às vezes um valor


incalculável. Toda nação tem alguma canção de valor
comprovado, mais facilmente contabilizado em vidas que em
dólares. A Marselhesa teve um valor para a França
revolucionária, quem dirá quantos milhares de vidas?

A Paz também é um grande elemento de prosperidade e


de riqueza; um valor que não se calcula. As relações sociais e a
associação de pessoas em Ordens beneficentes possuem um valor
inestimável em moeda. Os exemplos ilustres do Passado de uma
nação, as memórias e pensamentos imortais de seus grandes e
sábios pensadores, estadistas, e heróis, são o legado incalculável
desse Passado para o Presente e o Futuro. E todos estes possuem
não só valores da espécie mais elevada, excelente e inapreciável,
mas também um valor pecuniário real, uma vez que somente
quando se coopera com estes, e se é auxiliado ou capacitado pelos
mesmos, é que o trabalho humano gera riqueza. Estão entre os
elementos principais da riqueza material, assim como o são do

145
MORAL E DOGMA

humanismo, heroísmo, glória, prosperidade e reputação imortal


da nação.

A Providência apontou as três grandes disciplinas da


Guerra, da Monarquia >e do Sacerdócio, tudo o que o
ACAMPAMENTO, o PALÁCIO e o TEMPLO podem
simbolizar, para treinar as multidões em direção às combinações
inteligentes e premeditadas a todos os grandes propósitos da
sociedade. Com o tempo, quando a virtude e a inteligência se
tornarem qualidades das multidões, o resultado será governos
livres entre as pessoas; mas, por ignorância, tais governos são
impossíveis. A humanidade avança somente por graus. A
remoção de uma calamidade premente dá coragem de tentar a
remoção dos males restantes, fazendo as pessoas mais sensíveis a
eles, ou talvez sensíveis pela primeira vez. Escravos que se
contorcem sob o chicote não se preocupam com seus direitos
políticos; só depois de manumitidos da escravidão pessoal eles
tornam sensíveis à opressão política. Libertos do poder arbitrário,
e governados apenas pela lei, começam a escrutinar a própria lei,
e desejam ser governados, não somente pela lei, mas pelo que
consideram ser a melhor lei. E quando o despotismo civil ou
temporal tiver sido anulado, e a lei municipal tiver sido moldada
pelos princípios de uma jurisprudência esclarecida, poderão
acordar para a descoberta de que estão vivendo sob um
despotismo sacerdotal ou eclesiástico, e se tornarão desejosos de
operar uma reforma aí também.

É bem verdade que o avanço da humanidade é lento, e que


muitas vezes pausa e retrocede. Nos reinados da terra não vemos
despotismos se retirando e cedendo o terreno a comunidades
autogovernadas. Não vemos as igrejas e sacerdócios da
Cristandade renunciando à sua velha tarefa de governar as

146
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

pessoas por terrores imaginários. Em lugar nenhum enxergamos


uma populaça que poderia ser seguramente alforriada de tal
governo. Não vemos os grandes professores religiosos almejando
descobrir a verdade para si e para outrem; mas ainda dominando
o mundo, satisfeitos e compelidos a dominar o mundo, por
qualquer dogma já acreditado; eles mesmos tão amarrados a esta
necessidade de governar quanto o povo à sua necessidade de ser
governado. A pobreza, em suas formas mais horrendas, ainda
existe nas grandes cidades; e o câncer do pauperismo tem suas
raízes nos corações dos reinos. Ali, os homens não medem suas
necessidades e seu próprio poder de supri-las, mas vivem e se
multiplicam como as bestas do campo, – a Providência tendo
aparentemente deixado de lhes tomar conta. A inteligência nunca
os visita, ou então faz sua aparição como algum novo
desenvolvimento da vilania. A guerra não cessou; ainda existem
batalhas e cercos. Lares ainda estão infelizes; e lágrimas, raiva e
despeito transformam em infernos o que deveriam ser céus. Maior
é a necessidade da Maçonaria! Mais amplo o campo de seus
trabalhos! Maior a necessidade de ela começar a ser verdadeira
consigo mesma, de reviver de sua asfixia, de se arrepender de sua
apostasia ao seu verdadeiro credo!

Indubitavelmente, trabalho, morte e paixão sexual são


condições essenciais e permanentes da existência humana, e
fazem a perfeição e um milênio na terra serem impossíveis.
Sempre, – é o decreto do Destino! – a vasta maioria das pessoas
trabalhará arduamente para viver, e não conseguirá encontrar
tempo para cultivar a inteligência. O homem, sabendo que vai
morrer, não sacrificará o prazer do presente por um maior no
futuro. O amor à mulher não pode desaparecer; e ele possui um
destino terrível e incontrolável, aumentado pelos refinamentos da
civilização. A mulher é a verdadeira sereia ou deusa dos jovens.

147
MORAL E DOGMA

Mas a sociedade pode ser aprimorada; é possível governo livre


para os Estados; e liberdade de pensamento e consciência não é
mais totalmente utópica. Já vemos que Imperadores preferem ser
eleitos por sufrágio universal; que Estados são conduzidos a
Impérios pelo voto; e que Estados são administrados com algo do
espírito de uma República, sendo pouco mais do que democracias
com uma única cabeça, governando através de uma única pessoa,
um representante, ao invés de uma assembleia de representantes.
E, se os Cleros ainda governam, agora vêm perante os laicos para
provar, pelo esforço da argumentação, que eles devem governar.
São obrigados a evocar a exata razão que estão empenhados em
suplantar.

Em consequência, os homens se tornam cada dia mais


livres, porque a liberdade do homem reside em sua razão. Ele
pode refletir sobre sua própria conduta futura, e evocar suas
consequências; pode ter visões mais amplas da vida humana, e
estabelecer regras para uma orientação constante. Assim ele é
liberto das tiranias do sentido e da paixão, e capaz a qualquer
tempo de viver conforme a inteira luz do conhecimento que está
dentro de si, ao invés de ser dirigido, como uma folha seca nas
asas do vento, por cada impulso atual. Nisto reside a liberdade do
homem como vista em conexão com a necessidade imposta pela
onipotência e presciência de Deus. Quanto mais luz, mais
liberdade. Quando o imperador e a igreja apelam para a razão há
naturalmente sufrágio universal.

Portanto, ninguém precisa perder a coragem, nem


acreditar que o trabalho na causa do Progresso será trabalho
desperdiçado. Na natureza não existe desperdício, seja de
Matéria, Força, Ação ou Pensamento. Um Pensamento é tanto a
finalidade da vida quanto uma Ação; e um único Pensamento, às

148
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

vezes, consegue resultados maiores do que uma Revolução, ou


mesmo as próprias Revoluções. Mas não deve haver separação
entre Pensamento e Ação. O verdadeiro Pensamento é aquele em
que a vida culmina. Mas todo Pensamento sábio e verdadeiro
produz Ação. É generativo, como a luz; e a luz e a sombra
profunda da nuvem passageira são dádivas dos profetas da raça.
O Conhecimento, adquirido laboriosamente, e induzindo hábitos
de Pensamento sólido, – o caráter reflexivo, – necessariamente
será raro. A multidão de trabalhadores não pode adquiri-lo. A
maioria das pessoas atinge um nível muito baixo dele. É
incompatível com as distrações comuns e indispensáveis da vida.
Um mundo inteiro de erros, bem como de trabalho, irá gerar um
único homem reflexivo. Na nação mais evoluída da Europa há
mais ignorantes do que sábios, mais pobres do que ricos, mais
trabalhadores automáticos, simples criaturas do hábito, do que
pessoas racionais e reflexivas. A proporção é de, pelo menos, mil
para um. A unanimidade de opinião é obtida assim. Ela só existe
entre a multidão que não pensa, e no clero político ou espiritual
que pensa por tal multidão, que pensa em como dirigi-la e
governá-la. Quando as pessoas começam a refletir, começam a
diferir. O grande problema é encontrar guias que não buscarão ser
tiranos. Isto é necessário até mais no que diz respeito ao coração
do que à cabeça. Hoje, toda pessoa ganha sua quota especial da
produção do trabalho humano por uma disputa incessante, por
trapaça e fraude. O conhecimento útil, adquirido honrosamente, é
muitas vezes banal segundo um costume não honesto ou razoável,
de modo que os estudos da juventude são muito mais nobres do
que as práticas dos adultos. O labor do fazendeiro em seus
campos, as recompensas generosas da terra, os céus benignos e
generosos, tendem a fazê-lo cuidadoso, previdente e agradecido;
a educação recebida na feira-livre o torna rabugento, astuto,
invejoso e um somítico intolerável.

149
MORAL E DOGMA

A Maçonaria busca ser esse guia beneficente, sem


ambição, desinteressado; e é condição absoluta de todas as
grandes estruturas que o som do martelo e o tinido da trolha sejam
sempre ouvidos em alguma parte do edifício. Com fé no homem,
esperança no futuro da humanidade e bondade amorosa por
nossos companheiros, a Maçonaria e o Maçom devem sempre
trabalhar e ensinar. Que cada um faça aquilo para o qual é mais
bem preparado. O professor é também um trabalhador. Tão
louvável quanto o navegador ativo, – que vai e vem e faz uma
região partilhar dos tesouros de outra, e uma pessoa participar dos
tesouros de todas, – aquele que mantém o farol sobre a colina
também está em seu posto.

A Maçonaria já ajudou a derrubar alguns ídolos de seus


pedestais e pulverizar à poeira impalpável alguns dos elos das
cadeias que mantinham as almas humanas em cativeiro. De que
houve progresso não é necessária outra demonstração, senão a de
que você pode hoje arrazoar com as pessoas, e exortar-lhes, sem
o perigo da cremalheira ou fogueira, e que nenhuma doutrina
pode ser apreendida como verdade se contradisser outra, ou
contradisser outras verdades nos dadas por Deus. Muito antes da
Reforma, um monge, que havia encontrado seu caminho para a
heresia sem a ajuda de Martinho Lutero, não se aventurando a
sussurrar em voz alta em qualquer ouvido vivo suas doutrinas
antipapais e traidoras, escreveu-as em pergaminho, e selando o
perigoso registro, escondeu-o nas paredes maciças de seu
monastério. Não existia amigo ou irmão a quem pudesse confiar
seu segredo ou derramar sua alma. Foi algum consolo imaginar
que numa época futura alguém pudesse achar o pergaminho, e a
semente ser descoberta, para que não tivesse sido semeada em
vão. O que ocorreria se verdade tivesse que repousar dormente
por tanto tempo antes da germinação quanto o trigo da múmia

150
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

egípcia? Fale-a, apesar disso, repetidamente, e deixe-a ter sua


oportunidade!

A rosa de Jericó cresce nos desertos arenosos da Arábia e


nos telhados das casas na Síria. Com apenas 15 cm de altura,
perde suas folhas após a floração, e seca na forma de uma bola.
Então é desraigada pelos ventos e carregada, soprada, ou lançada
através do deserto, até o mar. Lá, sentindo o contato com a água,
se desdobra, expande seus ramos, e expele as sementes de seus
pericarpos. Estas, quando saturadas de água, são levadas pela
maré e postas sobre a praia. Muitas se perdem, como são inúteis
muitas vidas individuais de pessoas. Mas muitas são atiradas
novamente da praia para o deserto, onde, em virtude da água do
mar que embeberam, suas raízes e folhas rebrotam e elas crescem
plantas frutíferas que, por sua vez, como suas ancestrais, serão
rodopiadas para o mar. Deus não é menos cuidadoso ao prover a
germinação das verdades que você poderá divulgar
corajosamente. “Lança”, disse Ele, “o teu pão sobre as águas, e
depois de muitos dias ele retornará a ti novamente”.

A iniciação não muda: encontramo-la repetidamente, e


sempre a mesma, através das eras. Os últimos discípulos de
Martinez de Pasqually ainda são os filhos de Orfeu; mas adoram
o realizador da filosofia ancestral, o Verbo Encarnado dos
Cristãos.

Pitágoras, o grande divulgador da filosofia dos números,


visitou todos os santuários do mundo. Foi à Judeia, onde procurou
ser circuncidado, para que pudesse ser admitido nos segredos da
Cabala, cujos profetas Ezequiel e Daniel, não sem algumas
reservas, lhe comunicaram. Em seguida, não sem dificuldade,
conseguiu ser admitido na iniciação Egípcia, sob a recomendação

151
MORAL E DOGMA

do Rei Amasis. O poder de seu gênio supriu as deficiências das


comunicações imperfeitas dos Hierofantes, e ele mesmo se tornou
um Mestre e Revelador.

Pitágoras definiu Deus: uma Verdade Viva e Absoluta,


vestida de Luz.

Disse que o Verbo era Número manifestado pela Forma.

Fez tudo descender da Tetractys, isto é, do Quaternário.

Deus, disse novamente, é a Música Suprema, cuja


natureza é Harmonia.

Pitágoras deu aos magistrados de Crotona este grande


preceito religioso, político e social:

“Não existe mal que não seja preferível à Anarquia.”

Pitágoras disse, “Ao mesmo tempo em que existem três


noções divinas e três regiões inteligíveis, existe assim um mundo
triplo, pois a Ordem Hierárquica sempre se manifesta em três.
Existem a palavra simples, a palavra hieroglífica e a palavra
simbólica; em outros termos, existe a palavra que expressa, a
palavra que oculta e a palavra que significa; a inteligência
hierática total está no conhecimento perfeito desses três graus”.

Pitágoras envolveu a doutrina com símbolos, mas evitou


cuidadosamente personificações e imagens, as quais, pensava,
mais cedo ou mais tarde produziriam idolatria. A Sagrada Cabala,
ou tradição dos filhos de Seth, foi trazida da Caldeia por Abraão,
ensinada ao sacerdócio egípcio por José, recuperada e purificada

152
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

por Moisés, dissimulada sob símbolos na Bíblia, revelada pelo


Salvador a São João, e acomodada, inteira, sob figuras hieráticas
análogas àquelas de toda a antiguidade, no Apocalipse deste
Apóstolo.

Os Cabalistas consideram Deus como o Infinito


Inteligente, Animado e Vivo. Não é, para eles, nem o agregado de
existências, nem a existência no abstrato, tampouco um ser
definível filosoficamente. Ele está em tudo, é distinto de tudo, e
maior do que tudo. Até Seu nome é inefável; e ainda esse nome
expressa somente o ideal humano de Sua divindade. O que Deus
é em Si mesmo, não é dado ao homem compreender.

Deus é o absoluto da Fé; mas o absoluto da Razãoé SER,


‫יחוח‬. “Eu sou o que Eu sou”, é uma tradução paupérrima.

Ser, Existência, é em si mesmo, porque É. A razão de Ser


é o próprio Ser. Podemos indagar, “Por que algo existe?”, isto é,
“Por que tal ou tal coisa existe?” Mas não podemos, sem sermos
absurdos, perguntar “Por que Ser É?” Isto seria supor Ser antes
de Ser. Se Ser teve uma causa, esta causa seria necessariamente
Ser; isto é, a causa e o efeito seriam idênticos.

A razão e a ciência nos demonstram que os modos de


Existência e Ser se equilibram reciprocamente de acordo com leis
harmoniosas e hieráticas. Mas uma hierarquia é sintetizada, em
ordem crescente, e se torna sempre cada vez mais monárquica.
Mesmo assim a razão não pode parar num único chefe, sem ficar
alarmada com o enorme abismo que parece deixar acima deste
Supremo Monarca. Portanto é silenciosa, e dá lugar para a Fé
adorá-lo.

153
MORAL E DOGMA

O que é certo, mesmo para a ciência e para a razão, é que


a ideia de Deus é a mais grandiosa, a mais sagrada e a mais útil
de todas as aspirações do homem; que a moralidade repousa sobre
esta crença, com sua sanção eterna. Esta é a crença, então, na
humanidade, que é o mais real dos fenômenos do ser; e se fosse
falsa, a natureza afirmaria o absurdo; o nada daria forma à vida, e
Deus, ao mesmo tempo, seria e não seria.

É para esta realidade filosófica e incontestável, chamada


de A Ideia de Deus, que os Cabalistas deram um nome. Neste
nome todos os outros estão contidos. Suas cifras contêm todos os
números; e os hieróglifos de suas letras expressam todas as leis e
todas as coisas da natureza.

SER É SER: a razão de Ser está em Ser: no Princípio está


o Verbo, e o Verbo em lógica formulou o Discurso, a Razão
falada; o Verbo está em Deus, e é o Próprio Deus, manifestado à
Inteligência. Eis o que está acima de todas as filosofias. Nisto
devemos acreditar, sob a pena de nunca sabermos
verdadeiramente nada, e reincidirmos no ceticismo absurdo de
Pirro. O Sacerdócio, guardião da Fé, repousa inteiramente nesta
base de conhecimento, e é em seus ensinamentos que devemos
reconhecer o Princípio Divino do Verbo Eterno.

A Luz não é Espírito, como os Hierofantes hindus


acreditavam; mas apenas o instrumento do Espírito. O corpo não
é feito de Protoplastos, como os Teurgistas da escola de
Alexandria ensinavam, mas é a primeira manifestação física da
afllatus Divina. Deus a cria eternamente, e o homem, à imagem
de Deus, a modifica e aparenta multiplicá-la.

A alta magia é intitulada “A Arte Sacerdotal” e “A Arte

154
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

Real”. No Egito, na Grécia e em Roma, podia apenas participar


das grandezas e decadências do Sacerdócio e da Realeza. Toda
filosofia hostil ao culto nacional e aos seus mistérios, era
necessariamente hostil aos grandes poderes políticos, que perdem
sua grandeza, se deixam, na visão das multidões, de ser as
imagens do Poder Divino. Toda Coroa é despedaçada quando se
choca com a Mitra.

Platão, escrevendo a Dionísio, o Jovem, a respeito da


natureza do Primeiro Princípio, diz: “Devo escrever-lhe por
enigmas, para que, se minha carta for interceptada por terra ou
por mar, aquele que a ler não possa, em nenhum grau,
compreendê-la”. E então diz: “Todas as coisas rodeiam seu Rei;
estão por conta d’Ele, e somente Ele é a causa de coisas boas,
Segundas para os Segundos e Terceiras para os Terceiros”.

Há nestas poucas palavras um sumário completo da


Teologia dos Sefirotes. “O Rei” é AINSOPH, Ser Supremo e
Absoluto. A partir deste centro, que está em todo lugar, todas as
coisas irradiam; mas nós o concebemos, especialmente, em três
maneiras e em três esferas diferentes. No mundo Divino
(AZILUTH), que é o da Primeira Causa, e onde toda a Eternidade
das Coisas existiu no início como Unidade, para ser depois,
durante a Eternidade que se seguiu, revestida de forma e dos
atributos que a constituíram matéria, o Primeiro Princípio é Único
e Primeiro, mas ainda não é a VERDADEIRA Divindade
Ilimitada, incompreensível e indefinível; mas é ela própria
conforme manifesta pelo Pensamento Criativo. Seria comparar
pequenez com infinidade, – Arkwright, como inventor da
spinning-jenny, e não o homem Arkwrigt de forma diferente e
além dessa. Tudo o que podemos saber do Verdadeiro Deus é
comparado à Sua Totalidade, só uma fração infinitesimal de uma

155
MORAL E DOGMA

unidade, comparada a uma infinidade de Unidades.

No Mundo da Criação, que é o das Segundas Causas (o


Mundo Cabalístico BRIAH), a Autocracia do Primeiro Princípio
está completa, mas concebemo-la apenas como a Causa das
Segundas Causas. Aqui, é manifesta pelo Binário, e é o Princípio
Criativo passivo. Finalmente: no terceiro mundo, YEZIRAH, ou
o da Formação, ela é revelada na Forma perfeita, a Forma das
Formas, o Mundo, a Suprema Beleza e Excelência, a Perfeição
Criada. Assim, o Princípio é ao mesmo tempo o Primeiro, o
Segundo e o Terceiro, uma vez que é o Tudo em Tudo, o Centro
e Causa de tudo. Não é o gênio de Platão que admiramos aqui.
Reconhecemos apenas o conhecimento exato do Iniciado.

O grande Apóstolo São João não tomou a abertura de seu


Evangelho emprestada da filosofia de Platão. Platão, pelo
contrário, bebeu das mesmas fontes de São João e de Fílon; e
João, nos versos de abertura de sua paráfrase, declara os primeiros
princípios de um dogma comum a várias escolas, porém numa
linguagem especialmente pertencente a Fílon, a quem é evidente
que tenha lido. A filosofia de Platão, o maior dos Reveladores
humanos, poderia ansiar pelo Verbo feito homem; mas apenas o
Evangelho poderia dá-lo ao mundo.

Dúvida, na presença do Ser e de suas harmonias;


ceticismo, face à matemática eterna e às leis imutáveis da Vida
que fazem a Divindade presente e visível por toda a parte, tal
como o Humano é conhecido e visível por suas expressões através
de palavras e ações; – não seria esta a mais tola das superstições,
e a mais imperdoável, bem como a mais perigosa de todas as
credulidades? O Pensamento, como sabemos, não é resultado ou
consequência da organização da matéria, da química ou outra

156
CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

ação ou reação de suas partículas, como a efervescência e as


explosões gasosas. Pelo contrário, o fato de que o Pensamento é
manifesto e realizado na ação humana ou ação divina, prova a
existência de uma Entidade, ou Unidade, que pensa. E o Universo
é a Expressão Infinita de apenas um de um número infinito de
Pensamentos Infinitos, que só podem ser emanados de uma Fonte
Infinita e Pensante. A causa é sempre igual, no mínimo, ao efeito;
e a matéria não pode pensar, nem poderia ser sua própria causa,
ou existir sem causa, e tampouco o nada produz forças ou coisas;
pois nenhuma Força pode inerir à inexistência vazia. Admita-se
uma Força autoexistente, e sua Inteligência, ou uma causa
Inteligente do que se é admitido, e imediatamente DEUS É.

A alegoria hebraica da Queda do Homem, que é apenas


uma variação especial de uma lenda universal, simboliza uma das
mais grandiosas e mais universais alegorias da ciência.

O Mal Moral é a Falsidade em ações; como a Falsidade é


o Crime em palavras.

A Injustiça é a essência da Falsidade; e toda palavra falsa


é uma injustiça.

A Injustiça é a morte do Ser Moral, como a Falsidade é o


veneno da Inteligência.

A percepção da Luz é o amanhecer da Vida Eterna, ao


Sermos. A Palavra de Deus, que cria a Luz, parece ter sido
expressa por toda a Inteligência que pôde tomar consciência das
Formas e se mostrar. “SEJA feita a Luz!” A Luz, na verdade,
existe, em sua condição de esplendor, apenas para aqueles olhos
que a contemplam; e a Alma, amante do espetáculo das belezas

157
MORAL E DOGMA

do Universo, aplicando sua atenção àquela escrita luminosa do


Livro Infinito, chamado de “O Visível”, parece expressar, como
fez Deus na manhã do primeiro dia, a palavra sublime e criativa
“HAJA LUZ!”

Não é além-túmulo, mas na própria vida, que devemos


buscar os mistérios da morte. Salvação ou reprovação começam
aqui em baixo, e o mundo terrestre também tem seu Paraíso e seu
Inferno. Sempre, até aqui em baixo, a virtude é recompensada;
sempre, até aqui em baixo, o vício é punido; e o que nos faz às
vezes acreditar na impunidade dos que praticam o mal é que as
riquezas, esses instrumentos do bem e do mal, às vezes parecem
ter sido concedidas ao azar. Mas ai dos homens injustos, quando
possuem a chave do ouro! Ela abre, para eles, somente o portão
do túmulo e do Inferno.

Todos os verdadeiros Iniciados reconheceram a utilidade


da labuta e do sofrimento.“Sofrimento”, diz um poeta alemão, “é
o cão desse pastor desconhecido que guia o rebanho de homens”.
Aprender a sofrer e aprender a morrer são as disciplinas da
Eternidade, o Noviciado imortal.

O quadro alegórico de Cebes, no qual a Divina Comédia


de Dante foi esboçada no tempo de Platão, cuja descrição tem sido
preservada para nós, e que muitos pintores da Idade Média
reproduziram a partir desta descrição, é um monumento ao
mesmo tempo filosófico e mágico. É uma síntese moral das mais
completas, e ao mesmo tempo a mais audaciosa demonstração já
dada do Grande Arcano, desse segredo cuja revelação subverteria
a Terra e o Céu. Que ninguém espere que demos sua explicação!
Aquele que passa por trás do véu que esconde este mistério
entende que ele é, em sua própria natureza, inexplicável, e que é

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CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

morte para aqueles que o conseguem de surpresa, assim como


para aquele que o revela.

Este segredo é a Realeza dos Sábios, a Coroa do Iniciado


a quem vemos redescer vitorioso do cume dos Processos, na fina
alegoria de Cebes. O Grande Arcano faz dele mestre do ouro e da
luz, que são basicamente a mesma coisa, ele já resolveu o
problema da quadratura do círculo, dirige o perpetuum mobile e
possui a pedra filosofal. Aqui, os Adeptos nos compreenderão.
Não existe interrupção na labuta da natureza, nem lacunas em seu
trabalho. As Harmonias do Céu correspondem às da Terra, e a
Vida Eterna realiza suas evoluções de acordo com as mesmas leis
da vida de um cão. “Deus organizou todas as coisas por peso,
quantidade e medida”, diz a Bíblia; e esta doutrina luminosa
também era a de Platão.

Na verdade, a humanidade nunca teve mais do que uma


religião e um culto. Esta luz universal teve suas miragens incertas,
seus reflexos enganosos e suas sombras; porém sempre, depois de
noites de Erros, vemo-na reaparecer, única e pura como o Sol.

As magnificências do culto são a vida da religião e,


embora Cristo queira ministros pobres, Sua Soberana Divindade
não quer altares de pouco valor. Alguns Protestantes não
compreenderam que o culto é um ensinamento, e que não
devemos criar na imaginação da multidão um Deus mediano ou
miserável. Esses oratórios que se assemelham a escritórios ou
tavernas parcamente mobiliados, e esses dignos ministros
vestidos como tabeliães ou escreventes, não motivariam
necessariamente a religião ser vista como uma mera formalidade
puritana, e Deus como um Juiz de Paz?

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MORAL E DOGMA

Zombamos dos Áugures. É tão fácil zombar e tão difícil


compreender bem. Será que a Divindade deixou todo o mundo
sem Luz por duas vintenas de séculos, para iluminar apenas um
pequeno canto da Palestina e um povo brutal, ignorante e ingrato?
Por que sempre caluniar Deus e o Santuário? Nunca existiram
outros a não ser patifes entre os sacerdotes? Não seria possível
encontrar homens honestos e sinceros entre os Hierofantes de
Ceres ou Diana, de Dionísio ou Apolo, de Hermes ou Mitra?
Estariam todos estes enganados, portanto, como o resto? Quem,
então, os enganava constantemente, sem se trair, durante uma
série de séculos? – pois as trapaças não são imortais! Arago disse
que, fora da matemática pura, quem pronuncia a palavra
“impossível” é desprovido de prudência e bom-senso.

O verdadeiro nome de Satã, dizem os Cabalistas, é o de


Yahveh invertido; pois Satã não é um deus negro, mas a negação
de Deus. O Diabo é a personificação do Ateísmo ou Idolatria.

Para os Iniciados, ele não é uma Pessoa, mas uma Força,


criada para o bem, mas que pode servir o mal. É o instrumento
da Liberdade ou Livre Arbítrio. Estes representam esta Força,
que preside sobre a geração física sob a forma mitológica e
chifruda do Deus PAN; daí veio o bode do Sabbat, irmão da
Antiga Serpente, e o portador da Luz ou Fósforo, do qual os
poetas fizeram o falso Lúcifer da lenda.

O Ouro, aos olhos dos Iniciados, é a Luz condensada.


Intitulam os números sagrados da Cabala de “números de ouro”,
e os ensinamentos morais de Pitágoras de seus “versos
dourados”. Pela mesma razão, um livro misterioso de Apuleio,
no qual um asno aparece muitas vezes, foi chamado de “O Asno
de Ouro”.

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CAPÍTULO I I I . O M E S T R E

Os Pagãos acusaram os Cristãos de adorar um asno, e não


inventaram esta acusação, porém ela veio dos judeus Samaritanos
que, calculando os dados da Cabala, no que se refere à Divindade,
com símbolos Egípcios, também representaram a Inteligência
através da figura da Estrela Mágica adorada sob o nome de Renfã,
a Ciência sob o emblema de Anúbis, cujo nome trocaram para
Nibaz, e a fé vulgar ou credulidade sob a figura de Tartaque, um
deus representado com um livro, um manto e uma cabeça de asno.
De acordo com os Doutores Samaritanos, o Cristianismo era o
reino de Tartaque, Fé cega e credulidade vulgar erigidos a um
oráculo universal, e preferidos no lugar da Inteligência e Ciência.

Sinésio, Bispo de Ptolemais, um grande Cabalista, mas de


ortodoxia duvidosa, escreveu:

“O povo sempre zombará das coisas fáceis de ser


malcompreendidas; é necessário haver imposturas”.

“Um espírito”, disse, “que ama a sabedoria e contempla


a Verdade de muito perto, é forçado a disfarçá-la para induzir as
multidões a aceitá-la... As ficções são necessárias ao povo, e a
Verdade se torna mortal para aqueles que não são
suficientemente fortes para contemplá-la em todo seu esplendor.
Se as leis sacerdotais permitissem a reserva de julgamento e a
alegoria das palavras, eu aceitaria a dignidade proposta com a
condição de que eu pudesse ser um filósofo em casa, e um
narrador de apologias e parábolas no exterior...

Na realidade, o que pode haver em comum entre a vil


multidão e a sabedoria sublime? A verdade deve ser mantida em
segredo, e as massas necessitam um ensinamento proporcional à
sua razão imperfeita”.

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MORAL E DOGMA

Desordens morais produzem feiura física, e de alguma


forma tornam reais aqueles rostos assustadores que a tradição
atribui aos demônios.

Os primeiros Druidas foram os verdadeiros filhos dos


Magos, e sua iniciação veio do Egito e da Caldeia, isto é, das
fontes puras da Cabala primitiva. Eles adoravam a Trindade sob
os nomes de Ísis ou Hesus, a Suprema Harmonia; de Belen ou
Bel, que em Assírio significa Senhor, um nome correspondente
ao de ADONAÏ; e de Camul ou Camaël, um nome que na Cabala
personifica a Justiça Divina. Embaixo deste triângulo de Luz eles
supunham um reflexo divino, também composto de três raios
personificados: primeiro, Teutates ou Teut, o mesmo que o
Totdos egípcios, o Verbo, ou a Inteligência formulada; em
seguida, a Força e a Beleza, cujos nomes variavam tal como seus
emblemas. Finalmente, completavam o Setenário sagrado com
uma imagem misteriosa que representava o progresso do dogma
e suas realizações futuras. Esta era a de uma jovem coberta por
um véu, segurando uma criança em seus braços; e eles dedicaram
esta imagem à “Virgem que se tornará mãe; – Virgini
pariturae”.

Hertha ou Wertha, a jovem Ísis da Gália, Rainha do Céu,


a Virgem que estava para dar à luz, segurava o fuso dos Destinos,
preenchido com lã metade branca, metade preta; porque ela
preside sobre todas as formas e todos os símbolos, e tece o
vestuário das Ideias.

Um dos pantáculos mais misteriosos da Cabala, contido


no Enchiridion de Leão III, representa um triângulo equilátero
reverso, inscrito num duplo círculo. Estão escritos no triângulo,
de modo a formar o Tau profético, as duas palavras hebraicas

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tantas vezes anexadas ao Nome Inefável, ‫ אלחמ‬e ‫ צבאוה‬,


ALOHAYIM, ou os Poderes, e TSABAOTH, os Exércitos
estrelados e seus espíritos guias; palavras que também
simbolizam o Equilíbrio das Forças da Natureza e a Harmonia dos
Números. Aos três lados do triângulo pertencem os três grandes
Nomes ‫ יח אדנ‬, ‫ ויח‬, e ‫ אגלא‬, IAHAVEH, ADONAÏ e AGLA.
Acima do primeiro está escrito em latim, Formatio, sobre o
segundo Reformatio e sobre o terceiro Transformatio. Portanto a
Criação está relacionada ao PAI, a Redenção ou Reforma ao
FILHO, e a Santificação ou Transformação ao ESPÍRITO
SANTO, em resposta às leis matemáticas de Ação, Reação e
Equilíbrio. IAHAVEH também é, em efeito, a Gênese ou
Formação do dogma, através do significado elementar das quatro
letras do Tetragrama Sagrado; ADONAÏ é a realização desse
dogma na Forma Humana, no SENHOR Visível, que é o Filho
de Deus ou Homem perfeito; e AGLA (formado pelas iniciais das
quatro palavras Ath Gebur Laulaïm Adonaï) expressa a síntese
de todo o dogma e a totalidade da ciência Cabalística, indicando
claramente, pelos hieróglifos dos quais este nome admirável é
formado, o Tríplice Segredo da Grande Obra.

A Maçonaria, como todas as Religiões, todos os Mistérios,


Hermetismo e Alquimia, oculta seus segredos de todos, exceto os
Adeptos e Sábios, ou Eleitos, e usa explicações falsas e
interpretações equivocadas de seus símbolos para desorientar os
que merecem apenas ser desorientados; para esconder a Verdade,
que chama de Luz, destes e para mantê-los dela afastados. A
Verdade não é para os indignos ou incapazes de recebê-la, ou aos
que a perverteriam. Dessa forma, o Próprio Deus incapacita
muitas pessoas, pelo daltonismo, de distinguir as cores, e dirige
as massas para longe da Verdade mais alta, dando-lhes o poder de
alcançar apenas o suficiente que lhes seja lucrativo saber. Todas

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MORAL E DOGMA

as épocas tiveram uma religião adaptada à sua capacidade.

Os Professores, mesmo os do Cristianismo, são, em geral,


os mais ignorantes do significado verdadeiros do que ensinam.
Não existe livro do qual tão pouco se saiba quanto a Bíblia. Para
a maioria que a lê, é tão incompreensível quanto o Zohar.

Assim, a Maçonaria oculta zelosamente seus segredos e


desencaminha intencionalmente os intérpretes presunçosos. Sob
o sol não existe visão, ao mesmo tempo, mais patética e ridícula,
do que o espetáculo dos Prestons e dos Webbs, sem mencionar as
encarnações posteriores da Estupidez e do Lugar-Comum, se
responsabilizando por “explicar” os velhos símbolos da
Maçonaria, acrescentando e “aprimorando”-os, ou até
inventando novos.

Ao Círculo contendo o ponto central, e ao mesmo, traçado


entre duas linhas paralelas, figura puramente cabalística, essas
pessoas adicionaram a Bíblia superposta, e até edificaram sobre
ela a escada com três ou nove voltas, e então deram uma
interpretação insípida do todo, tão profundamente absurda que
realmente excita admiração.

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