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ALBERT PIKE

MORAL E DOGMA
DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO

TRADUÇÃO

CELES JANUARIO GARCIA JUNIOR


GLAUCO BONFIM RODRIGUES

Esta tradução foi executada a partir de fontes de domínio público, e é amparada pelo art. 14 da Lei 9.610/94, seu conteúdo
sendo inteiramente extraido do site: http://www.sacred-texts.com/mas/mdfindex.htm.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pike, Albert, 1809-1891.


Moral e dogma do rito escocês antigo e aceito /
Albert Pike ; tradução Celes Januário Garcia Junior,
Glauco Bonfim Rodrigues. -- Birigui, SP : Editora
Yod, 2011.

Título original: Morals and dogma of the ancient


and accepted scottish rite of freemasonry.
ISBN 978-85-63947-03-1 1.

Maçonaria 2. Maçonaria - História


3. Maçonaria - Rituais 4. Maçons I. Título.

11-04444 ... CDD-366.1

EDITORA YOD
Corpo Editorial: Celes J. Garcia Junior
Glauco B. Rodrigues

contato@editorayod.com.br
www.editorayod.com.br
SUMÁRIO

Biografia ......................................................................................... X
Prefácio do Autor. ........................................................................ XII
Capitulo XIX: Grande Pontífice. .................................................. 16
Capitulo XX: Grão-Mestre de Todas as Lojas Simbólicas ........... 33
Capítulo XXI: Noaquita, ou Cavaleiro Prussiano. ....................... 45
Capítulo XXII: Cavaleiro do Machado Real ou Príncipe do
Líbano. .......................................................................................... 52
Capítulo XXIII: Chefe do Tabernáculo......................................... 67
Capítulo XXIV: Príncipe do Tabernáculo ...................................... 91
BIOGRAFIA

Albert Pike, nascido em 29 de


Dezembro de 1809, era o mais velho dos
seis filhos de Benjamin e Sarah Andrews
Pike. Pike foi educado em um lar cristão
e frequentava uma igreja Episcopal. Pike
passou no exame vestibular em Harvard
quando tinha 15 anos de idade, mas não
pôde prosseguir, porque não possuía
fundos suficientes. Após viajar para o
oeste, até Santa Fé, Pike situou-se no
Arkansas, onde trabalhou como editor de
um jornal antes de ser admitido no
tribunal. No Arkansas, conheceu Mary
Ann Hamilton, e casou-se com ela em 18
de Novembro de 1834. Dessa união nasceram 11 filhos. Ele possuía 41
anos quando solicitou sua admissão na Western Star Lodge No. 2 (Loja
da Estrela do Oriente) em Little Rock, Arkansas, em 1850. Membro
ativo na Grand Lodge of Arkansas, Pike assumiu os 10 Graus do Rito de
York entre 1850 e 1853. Recebeu os 29 graus do Rito Escocês em março
de 1853, de Albert Gallatin Mackey, em Charleston, S.C. O Rito Escocês
foi introduzido nos Estados Unidos em 1783. Charleston foi o local do
primeiro Supremo Conselho, que regeu o Rito Escocês nos Estados
Unidos até o Supremo Conselho do Norte ser estabelecido na cidade de
Nova Iorque em 1813.

A fronteira entre as Jurisdições do Norte e do Sul, ainda hoje


reconhecida, foi firmemente estabelecida em 1828. Mackey convidou
Pike a participar da Suprema Corte da Jurisdição do Sul em 1858, em
Charleston, e nos anos seguintes, se tornou o Grande Comandante da
Suprema Corte. Pike manteve suas funções até sua morte, apoiando-se
em várias ocupações, tais como editor do Memphis Daily Appeal, de
fevereiro de 1867 a setembro de 1868, e sua prática advocatícia. Mais
tarde, abriu um escritório de advocacia em Washington, DC, e defendeu

X
uma série de processos perante o Supremo Tribunal dos Estados
Unidos. Pike empobreceu por conta da Guerra Civil, permanecendo
assim por grande parte da vida, frequentemente contraindo empréstimos
para despesas básicas do Supremo Conselho, antes do conselho votar a
seu favor , em 1879, uma anuidade de $1,200 por ano para o resto de
sua vida. Albert Pike faleceu em 2 de abril de 1892, em Washington, DC.

Percebendo que uma revisão do ritual era necessária para que o


Rito Escocês da Maçonaria viesse a sobreviver, Mackey encorajou Pike a
rever o ritual, para assim produzir um ritual padrão, para o uso de todos
os estados da Jurisdição do Sul. A revisão teve início em 1855 e após
algumas alterações, o Supremo Conselho aprovou a revisão de Pike, em
1861. Mudanças menos significativas foram feitas em dois graus em
1873, após corporações do Rito de York no Missouri contraporem
objeções de que os graus 29º e 30º revelavam os segredos do Rito de
York.

Pike é mais conhecido pela sua grande obra, Morals and Dogma of
the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry, publicado em 1871.
Morals and Dogma não deve ser confundido com a revisão de Pike, do
ritual do Rito Escocês. Estas são obras separadas. Walter Lee Brown
escreveu que Pike “destinou-o [Morals and Dogma] a ser um suplemento
para aquele grande ‘sistema interligado de instruções morais, religiosas e
filosóficas’ desenvolvido em sua revisão do ritual Escocês.”

Morals and Dogma era tradicionalmente dado ao candidato após a


sua recepção do 14º grau do Rito Escocês. Esta prática foi interrompida
em 1974. Morals and Dogma não é mais dado a candidatos desde 1974. A
Bridge to Light (Uma Ponte para a Luz), de Rex. R. Hutchens, é concedido
aos candidatos hoje. Hutchens lamenta que Morals and Dogma seja lido
por tão poucos Maçons. A Bridge to Light foi escrito para ser “uma ponte
entre as cerimônias dos graus e suas leituras de Morals and Dogma”.

XI
PREFÁCIO DO AUTOR.

A obra seguinte foi preparada com a autorização do Supremo


Conselho do Trigésimo Terceiro Grau, para a Jurisdição Sul dos Estados
Unidos, pelo Grande Comandante e agora é publicada por sua direção.
Contém os Ensinamentos do Rito Escocês Antigo e Aceito daquela
Jurisdição, e é especialmente destinado para leitura e estudo pelos Irmãos
daquela Obediência, em conexão com os Rituais dos Graus. Espera-se e
expecta-se que cada um se apresente com uma cópia, e se torne
familiarizado com ela; por este propósito, como o custo da obra consiste
inteiramente em sua impressão e encadernação, ela será fornecida a um
preço moderado e considerável.

Será proporcionada aos Irmãos do Rito Escocês nos Estados


Unidos e no Canadá, a oportunidade de comprá-la, mas não será
proibida a outros Maçons; porém não serão solicitados que comprem.

Ao preparar esta obra, o Grande Comendador foi quase Autor e


Compilador, igualmente; uma vez que extraiu uma metade inteira de seu
conteúdo das obras dos melhores escritores e dos pensadores mais
filosóficos ou eloquentes. Talvez tivesse sido melhor e mais aceitável se
tivesse extraído mais e escrito menos. Ainda, talvez metade dele seja de si
próprio; e, ao incorporar aqui os pensamentos e palavras de outros,
modificou e adicionou continuamente à linguagem, muitas vezes
interligando, nas mesmas sentenças, suas próprias palavras às deles. Não
se destinando ao mundo em geral, ele sentiu a liberdade de elaborar, a
partir de todas as fontes acessíveis, um Compêndio de Moral e Dogma
do Rito, para re-moldar sentenças, alterar e acrescentar palavras e frases,
combiná-las com suas próprias e usá-las como se fossem suas próprias,
para serem tratadas ao seu prazer, e assim, úteis para formar o conjunto
mais valioso para os propósitos tencionados. Reclama para si, portanto,
pouco do mérito da autoria, e não se preocupou em distinguir o que é
seu próprio do que tomou de outras fontes, desejando, inteiramente, que
cada porção do livro, por sua vez, seja vista como tendo sido tomada
emprestada de algum escritor mais antigo e melhor.

XII
Os ensinamentos destas Leituras não são sacramentais, na
medida em vão além do reino da Moralidade, para aqueles domínios do
Pensamento e da Verdade. O Rito Escocês Antigo e Aceito usa a palavra
“Dogma” em seu sentido verdadeiro, de doutrina ou ensinamento; não
é dogmático no sentido odioso do termo. Todos estão completamente
livres para rejeitar e discordar de qualquer coisa aqui que possa lhe
parecer falsa ou insalubre. Apenas é requerido que se pese o que é
ensinado e que se dê uma audiência justa e um juízo despreconceituoso.
Obviamente, as antigas especulações teosóficas e filosóficas não são
incorporadas como parte das doutrinas do Rito; mas porque é de
interesse e proveito saber o que o Intelecto Antigo pensava sobre estes
assuntos, e porque nada prova tão conclusivamente a diferença radical
entre a nossa natureza humana e a animal, quanto a capacidade da mente
humana de entreter tais especulações sobre si mesmo e a Divindade.
Mas, quanto a essas mesmas opiniões, podemos dizer, nas palavras do
douto canonista Ludovico Gómez: “Opiniones secundum varietatem
temporum senescant et intermoriantur, aliaeque diversae vel
prioribus contrariae reniscantur et deinde pubescant.”

XIII
Os títulos dos Graus mostrados aqui mudaram em algumas
instâncias. Os títulos corretos são os seguintes:

1º Aprendiz
2º Companheiro
3º Mestre
4º Mestre Secreto
5º Mestre Perfeito
6º Secretário Íntimo
7º Preboste e Juiz
8º Intendente dos Edifícios
9º Eleito dos Nove
10º Eleito dos Quinze
11º Eleito dos Doze
12º Mestre Arquiteto
13º Real Arco de Salomão
14º Eleito Perfeito
15º Cavaleiro do Oriente
16º Príncipe de Jerusalém
17º Cavaleiro do Oriente e do Ocidente
18º Cavaleiro Rosa-Cruz
19º Pontífice
20º Mestre da Loja Simbólica
21º Noaquita ou Cavaleiro Prussiano
22º Cavaleiro do Real Machado ou Príncipe do Líbano
23º Chefe do Tabernáculo
24º Príncipe do Tabernáculo
25º Cavaleiro da Serpente de Bronze
26º Príncipe de Misericórdia
27º Cavaleiro Comandante do Templo
28º Cavaleiro do Sol ou Príncipe Adepto
29º Cavaleiro Escocês de Santo André
30º Cavaleiro Kadosh
31º Inspetor Inquisidor
32º Mestre do Real Segredo

XIV
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

MORAL E DOGMA
CONSELHO DE KADOSH

CAPITULO XIX.

GRANDE PONTÍFICE

O verdadeiro Maçom trabalha em beneficio daqueles que


virão após ele, e pelo avanço e aperfeiçoamento de sua raça. Esta é
uma pobre ambição contida dentro dos limites de uma única vida.
Todos os homens que merecem viver, desejam sobreviver a seus
funerais, e viver posteriormente no bem que fizeram para a
humanidade, ao invés de nos caracteres desvanecidos escritos nas
memórias dos homens. A maioria dos homens deseja deixar algum
trabalho atrás de si, que perdure mais do que sua própria época e
breve geração. Isto é um impulso instintivo, dado por Deus e
encontrado com frequência no mais rude dos corações humanos; é a
prova mais segura da imortalidade da alma, da diferença fundamental
entre o homem e as bestas mais sábias. Plantar arvores que abrigarão
nossos filhos depois que estivermos mortos, é tão natural como amar a
sombra daquelas que nossos pais plantaram. O mais rude lavrador
analfabeto, dolorosamente consciente de sua própria inferioridade, a
mais pobre mãe viúva, que dá sua vida àqueles que pagam só o
trabalho de sua agulha, trabalharão e economizarão para educarem
seus filhos, para que estes possam ocupar posições mais elevadas no
mundo, – tais são os maiores benfeitores do mundo.

Em suas influências que sobrevivem após si, o homem se


torna imortal, antes da ressurreição geral. A mãe Espartana, que dando
a seu filho o escudo, disse: “COM ELE, OU SOBRE ELE!” dividiu
mais tarde o governo da Lacedemônia com a legislação de Licurgo;

16
MORAL E DOGMA

pois ela também criou um lei, que sobreviveu após si; e inspirou os
soldados Espartanos que posteriormente demoliram os muros de
Atenas, e auxiliaram Alexandre a conquistar o Oriente. A viúva que
deu a Marion as flechas de fogo para incendiar sua própria casa, para
que não mais abrigasse os inimigos de seu jovem país, casa em
que havia deitado sobre o colo de seu marido, e onde seus filhos
nasceram, legislou mais eficazmente para seu Estado do que Locke ou
Shaftesbury, ou do que muitas Legislaturas teriam feito, uma vez que
o Estado conquistou sua liberdade.

Foi de pouca importância para os Reis do Egito e Monarcas


da Assíria e da Fenícia, que o filho de uma mulher Judia, uma criança
abandonada, adotada pela filha de Sesostris Ramsés, matasse um
egípcio que oprimia um escravo Hebreu, e fugisse para o deserto, para
lá permanecer por quarenta anos. Moisés, porém, que poderia, de
outro modo, ter se tornado Regente do Baixo Egito conhecido por nós
apelas por uma tabuleta sobre uma tumba ou monumento, se tornou o
libertador dos Judeus, e os liderou para fora do Egito até às fronteiras
da Palestina, e criou para eles uma lei, a partir da qual germinou a fé
cristã, e assim moldou os destinos do mundo. Ele e os velhos juristas
Romanos, juntamente com Alfredo da Inglaterra, os Thanes Saxônios,
os Barões Normandos, os velhos juízes e chanceleres, os feitores dos
cânones, perdidos nas brumas e sombras do Passado, estes são nossos
legisladores; e nós obedecemos as leis que eles promulgaram.

Napoleão morreu sobre a rocha estéril de seu exílio. Seus


ossos, transferidos para a França pelo filho de um Rei, repousaram no
Hôpital des Invalides, na grande cidade do Sena. Seus Pensamentos
ainda governam a França. Ele, e não o Povo, destronou os Bourbons, e
conduziu ao exílio o último Rei da Casa de Orleans. Ele, em seu
caixão, e não o Povo, dedicou a coroa a Napoleão III; e ele, não os
Generais da França e da Inglaterra, liderou suas forças unidas contra o
amargo Despotismo Nórdico.

17
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

Maomé anunciou aos Árabes idólatras o novo credo: “Há


somente um Deus, e Maomé, como Moisés e o Cristo, é Seu
Apóstolo”. Por muitos anos sem ajuda, depois com a ajuda de sua
família e de alguns amigos, então com muitos discípulos, e finalmente
com um exército, ele ensinou e pregou o Corão. A religião dos
selvagens Árabes entusiastas convertendo as inflamadas Tribos do
Grande Deserto se espalhou sobre a Ásia, construiu as dinastias
Sarracenas, conquistou a Pérsia e a Índia, o Império Grego, a África
do Norte e a Espanha, e arrojou as ondas de sua feroz soldadesca
contra as muralhas da Cristandade do Norte. A lei de Maomé ainda
governa um quarto da raça humana; e o Turco e o Árabe, o Mouro, o
Persa e o Hindu, ainda obedecem o Profeta e oram com seus rostos
voltados para Meca; e é ele, e não os que vivem, quem rege e
governa nas mais belas porções do Oriente.

Confúcio ainda promulga a lei da China; os pensamentos


e as ideias de Pedro, o Grande, governam a Rússia. Platão e os outros
Sábios da Antiguidade imperam ainda como Reis da Filosofia,
possuem domínio sobre o intelecto humano. Os grandes Estadistas do
Passado ainda presidem nos Conselhos das Nações. Burke ainda se
demora na Câmara dos Comuns; os tons sonoros de Berryer por muito
tempo soarão nas Câmaras Legislativas da França. As influências de
Webster e Calhoun, conflitando-se, fendem os Estados Americanos, e
a doutrina de cada um é a lei e o oráculo que falam desde o Santo dos
Santos para seu próprio Estado, e a todos a ele consociados: uma fé
pregada e proclamada por cada um nas bocas dos canhões e
consagradas por riosde sangue.

Foi bem dito que, quando Tamerlão edificou sua pirâmide de


cinquenta mil crânios humanos, e moveu seus vastos exércitos para
fora das portas de Damasco, para encontrar novas conquistas e
construir outras pirâmides, um menino estava brincando nas ruas de
Mentz, filho de um pobre artesão, cuja importância aparente na escala
dos seres era, comparada à de Tamerlão, a de um grão de areia contra

18
MORAL E DOGMA

uma massa gigante de terra; mas Tamerlão e todas as suas legiões


desordenadas, que varreram o Oriente como um furacão, passaram e se
tornaram sombras; enquanto a imprensa, a maravilhosa invenção de
John Faust, o garoto de Mentz, tem exercido uma maior influência
sobre os destinos do homem, e subverteu mais tronos e dinastias do
que todas as vitórias dos conquistadores manchados de sangue desde
Ninrode até Napoleão.

Há muito tempo atrás, o Templo construído por Salomão e


por nossos Antigos Irmãos se afundou em ruínas, quando os Exércitos
Assírios saquearam Jerusalém. A Cidade Santa é um amontoado de
casebres se encolhendo sob o domínio do Crescente; e a Terra
Santa é um deserto. Os Reis do Egito e da Assíria, que foram
contemporâneos de Salomão, estão esquecidos e suas histórias são
meras fábulas. O Antigo Oriente é uma ruína estilhaçada,
branqueando-se nas margens do Tempo. O Lobo e o Chacal uivam
entre as ruínas de Tebas e de Tiro, e as imagens esculpidas dos
Templos e Palácios da Babilônia e de Nínive são escavados de suas
ruínas e carregados para terras estranhas. Mas a Ordem calma e
pacífica, da qual o Filho de uma pobre Viúva Fenícia foi um dos
Grandes Mestres, junto com os Reis de Israel e de Tiro, continua a
crescer em estatura e influência, desafiando as furiosas ondas do
tempo e as tempestades da perseguição. A idade não enfraqueceu suas
imensas fundações, nem quebrou suas colunas, nem desfigurou a
beleza de suas proporções harmoniosas. No lugar em que os rudes
bárbaros, no tempo de Salomão, povoavam territórios enormes e
inóspitos, na França e na Bretanha, e neste Novo Mundo não
conhecido pelos Judeus ou Gentios até que as glórias do Oriente se
desvanecessem, essa Ordem edificou novos Templos, e ensina aos
seus milhões de Iniciados as lições de paz, boa vontade e tolerância,
de fé em Deus e confiança no homem, que aprendeu quando Hebreus
e Gebalitas trabalhavam lado a lado nas encostas do Líbano, e o Servo
de Jeová e o Adorador Fenício de Bel se sentavam com os humildes
artesãos no Conselho em Jerusalém.

19
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

São os Mortos que governam. Os Vivos só obedecem. E se a


Alma pode observar depois da morte o que se passa nesta terra, e
cuidar do bem-estar daqueles a quem ama, então sua maior felicidade
deve consistir em ver a corrente de suas influências benéficas se
ampliando de época em época, tal como riachos se alargam em rios, e
ajudando a moldar os destinos dos indivíduos, da famílias, do
Estados e do Mundo; e seu castigo mais amargo é ver suas más
influencias causando prejuízo e miséria, amaldiçoando e afligindo as
pessoas, muito tempo depois que a estrutura em que habitou se
transformou em pó, que tanto o nome quanto a lembrança foram
esquecidos.

Não sabemos quem dentre os Mortos controla nossos


destinos. A raça universal humana está ligada e atada por essas
influências e simpatias, que fazem no sentido mais verdadeiro o
destino dos homens. Humanidade é a unidade, da qual o homem é
apenas uma fração. O que outras pessoas no Passado fizeram,
disseram ou pensaram cria a grande malha férrea de circunstancias
que envolve e controla a todos nós. Pomos nossa fé na confiança.
Pensamos e acreditamos conforme nos ordenam os Senhores do
Pensamento; e a Razão é impotente perante a Autoridade.

Gostaríamos de fazer ou anular um contrato em particular;


mas os Pensamentos dos Juízes Mortos da Inglaterra, viventes
enquanto suas cinzas se congelaram durante os séculos, ficam entre
nós e aquilo que gostaríamos de fazer, e nos proíbem totalmente.
Gostaríamos de estabelecer nosso patrimônio de maneira particular;
mas a proibição do Parlamento Inglês, seu Pensamento proferido
quando Eduardo I ou II reinava, chega ecoando pelas longas
avenidas do tempo, e nos diz que não devemos exercer o poder de
disposição conforme queremos. Gostaríamos de obter uma vantagem
particular sobre outrem; e o pensamento do velho advogado Romano
que morreu antes de Justiniano, ou o do grande orador de Roma,
Cícero, aniquila o ato ou torna a intenção ineficaz. Este ato, Moisés

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MORAL E DOGMA

proíbe; aquele, Alfredo. Gostaríamos de vender nossa terra; mas certas


marcas num papel perecível nos dizem que nosso pai ou um
antepassado remoto ordenaram o contrário; e o braço do morto,
emergindo da sepultura, com um gesto peremptório proíbe a
alienação. Sobre pecar ou errar, o pensamento ou o desejo de nossa
mãe falecida, ditos quando éramos crianças, por palavras que
morreram no ar quando proferidas e que por muitos anos estiveram
esquecidas, lampejam em nossa memória e nos refreiam com um
poder que é irresistível.

Assim, obedecemos aos mortos; e assim, quando estivermos


mortos, para sua felicidade ou infelicidade, os vivos nos obedecerão.
Os Pensamentos do Passado são as Leis do Presente e do Futuro. O
que dizemos e fazemos, se seus efeitos não perdurarem além de nossas
vidas, não é importante. Aquilo que viver quando estivermos mortos,
como parte do grande corpo da lei promulgada pelos mortos, é o único
ato digno de ser feito, o único Pensamento merecedor da fala. O
desejo de fazer algo que beneficiará o mundo, quando nem o louvor
nem o opróbrio nos alcançarão ao dormirmos em paz na sepultura, é a
mais nobre ambição entretida pelo homem.

É a ambição de um verdadeiro e genuíno Maçom.


Conhecendo o lento processo pelo qual a Divindade produz grandes
resultados, ele não espera semear e também colher numa única vida. É
o mais nobre e inflexível destino dos grandes e dos bons, salvo raras
exceções, trabalhar e deixar que outros colham o resultado de seus
labores. Quem faz o bem apenas para ser reembolsado em espécie, ou
em agradecimento e gratidão, ou em reputação e louvor mundano, é
como aquele que empresta seu dinheiro para que possa depois de
alguns meses reembolsá- lo com juros. Ser pago por serviços
eminentes com calúnia, difamação, ou ridículo, ou no máximo com
uma indiferença estúpida ou ingratidão fria, como é comum, não é um
azar senão para aqueles que não possuíram o discernimento de ver ou
sentir, e de apreciar seu serviço, ou a nobreza de alma para agradecer

21
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

e recompensar com elogio o benfeitor da sua espécie. Sua influência


vive, e um grande Futuro obedecerá; reconheça-se ou renegue-se o
legislador...

Milcíades teve sorte por ter sido exilado; e Aristides por seu
ostracismo, porque os homens estavam fatigados de ouvir chamarem-
no “O Justo”. O Redentor não foi infeliz; mas somente aqueles que O
reembolsaram pela dádiva inestimável que ofereceu e pela vida
vivida em trabalho a seu favor, ao pregarem-No na cruz como se Ele
fosse um escravo ou malfeitor. O perseguidor morre e apodrece, e a
Posteridade pronuncia seu nome com execração: mas ele
involuntariamente torna a lembrança de sua vítima gloriosa e imortal.

Se não calúnia e perseguição, o Maçom que quiser beneficiar


sua raça deve esperar apatia e fria indiferença daqueles cujo bem
persegue, daqueles que deveriam buscar o bem de outros. Exceto
quando as profundezas indolentes da Mente Humana são abaladas e
arremessadas como numa tempestade, quando no tempo indicado
advém um grande Reformador e uma nova Fé nasce e progride com
uma energia sobrenatural, o progresso da Verdade é mais lento que o
crescimento do carvalho; e aquele que planta nem precisa esperar
colher. O Redentor, em Sua morte, tinha doze discípulos, um traiu e
outro desertou e O negou. É o suficiente para sabermos que os frutos
vêm em sua devida estação. Quando, ou quem o recolherá, a nós não
importa saber. Nosso negócio é plantar a semente. É o direito de Deus
dar os frutos a quem Lhe aprouver; e se não para nós, nossa ação é
por isso muito mais nobre.

Semear para que outros possam colher; trabalhar e plantar


para aqueles que virão a ocupar a terra quando estivermos mortos;
projetar nossas influências no futuro distante, e viver além de nosso
tempo; governar como os Reis do Pensamento pessoas que ainda
nem nasceram; abençoar com as dádivas gloriosas da Verdade, da Luz
e da Liberdade aqueles que nem sabem o nome do doador, nem se

22
MORAL E DOGMA

preocupam em qual sepultura repousam suas cinzas desprezadas, é


o verdadeiro ofício de um Maçom e o destino mais digno de orgulho
para um homem.

Todas as operações benéficas e grandiosas da Natureza são


produzidas em graus lentos e muitas vezes imperceptíveis. Só o
trabalho de destruição e devastação é violento e rápido. O Vulcão e o
Terremoto, o Tornado e a Avalanche surpreendem repentinamente
com vida plena e terrível energia, e golpeiam com uma pancada
inesperada. O Vesúvio soterrou Pompeia e Herculano numa noite; e
Lisboa caiu prosternada diante de Deus num assopro, quando a terra
sacodiu e estremeceu; a vila Alpina desaparece e é apagada com um
salto da avalanche; e as florestas anciãs caem como grama diante do
aparador, quando se lança sobre elas o furacão. A pestilência mata
seus milhares num dia; e a tempestade em uma noite polvilha a areia
com frotas despedaçadas.

A Aboboreira do Profeta Jonas cresceu e feneceu numa noite.


Mas muitos anos atrás, antes do Conquistador Normando ter
carimbado seu pé armado no pescoço da prostrada Inglaterra
Saxônica, algum bárbaro errante do continente até então
desconhecido para o mundo, em mera ociosidade, cobriu, com a
mão ou com o pé, uma semente de carvalho com um pouco de
terra, e foi embora sem lhe dar atenção, em sua jornada ao
obscuro Passado. Ele morreu e foi esquecido; mas a bolota ali ficou,
e a força poderosa dentro dela agindo na escuridão. Um delicado
ramo suavemente irrompeu; e alimentado pela luz, pelo ar, e pelas
frequentes gotas de orvalho, estendeu suas folhinhas; e viveu, porque
alces e búfalos não tiveram a oportunidade de pisotearem-no e
esmagá-lo. Os anos marcharam adiante e o ramo se transformou
em muda, e suas folhas verdes chegaram e se foram como a
Primavera e o Outono. E os anos ainda vieram e passaram
novamente, e Guilherme, o Bastardo Normando, dividiu a Inglaterra
entre os seus Barões, mas a muda ainda crescia, e o orvalho

23
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

alimentava suas folhas, e os pássaros edificavam seus ninhos entre


seus pequenos galhos por muitas gerações. E ainda os anos iam e
vinham, e o caçador Indígena dormia na sombra da muda, e Ricardo
Coração de Leão combatia em Acre e Ascalom, e osintrépidos Barões
de João arrancavam dele a Carta Magna; e eis! A muda tinha se
tornado árvore; e ainda assim crescia, impulsionava seus grandes
braços cada vez mais para fora, e levantava sua cabeça ainda mais
alto para o Céu; fortemente enraizada, e desafiadora das
tempestades que rugem e revolvem-se entre seus galhos; e quando
Colombo lavrava com suas quilhas o desconhecido Atlântico
Ocidental, e Cortéz e Pizzarro banhavam a cruz em sangue; e os
Puritanos, os Huguenotes, o Cavaleiro, e o seguidor de Penn
buscavam refúgio e lugar de descanso além do oceano, o Grande
Carvalho ainda estava firmemente enraizado, vigoroso, majestoso,
arrogantemente dominador sobre toda a floresta, desatento a todos
os séculos que passaram apressadamente desde que o selvagem
Indígena plantara uma semente na floresta; – uma velha árvorerobusta
e saudável, com uma larga circunferência sombreando um imenso
terreno; e apta a fornecer madeiras a um navio, para transportar os
trovões das armas da Grande República ao redor do mundo. E mesmo
que alguém tivesse se sentado e observado isto em cada instante,
desde o momento em que o primeiro e fraco ramo forçou seu caminho
para a luz até quando as águias construíram entre os seus galhos,
jamais teria vistoa árvore ou a muda crescer.

Há muitos longos séculos, antes dos Pastores Caldeus


observarem as Estrelas, ou Shufu construir as pirâmides, alguém
poderia ter velejado em setenta e quatro das mil ilhas que hoje se
espalham superfície do Oceano Índico; e as profundezas do mar não
encontrariam fundo em lugar nenhum. Mas abaixo destas ondas houve
miríades de miríades das existências mais ínfimas, além do poder de
cálculo da Aritmética, cada uma, uma criatura perfeita e viva, feita
pelo Criador Todo-Poderoso, e moldada por Ele para o trabalho que
deve realizar. Ali trabalharam sob as águas, cada uma fazendo sua

24
MORAL E DOGMA

obra designada, totalmente ignorantes do resultado que Deus intentou.


Viveram e morreram, em número incalculável e quase infinito na
sucessão das suas gerações, cada uma acrescentando seu tostão ao
gigantesco trabalho que ali se passava sob a direção de Deus. Assim
Ele escolheu criar os grandes Continentes e Ilhas; e os insetos-corais
ainda vivem e trabalham, como quando formaram as pedras que dão
suporte ao vale de Ohio.

Assim Deus escolheu criar. Onde hoje há terra sólida, outrora


vociferava e se irritava o grande oceano primitivo. Por eras e eras, os
escudos insignificantes de multidões infinitas de infusórios, e os
caules pedregosos de crinoides afundados em suas profundezas, lá,
sob a pressão enorme de suas águas, se endureceram em pedra
calcária. Elevadas lentamente do Profundo por Sua mão, suas
pedreiras subjazem no solo de todos os continentes, com centenas de
metros de espessura; e nós, destes restos de mortos sem conta,
construímos túmulos e palácios, assim como os Egípcios, a quem
chamamos antigos, construíam suas pirâmides.

O Grande Sol olha séria e amorosamente acima de todos os


grandes lagos e oceanos, e os vapores invisíveis sempre sobem para
encontrá-lo. Só os olhos de Deus os contemplam à medida que sobem.
Lá, na alta atmosfera, são condensados em neblinas, e reunidos em
nuvens, flutuam e nadam em círculos no ar do ambiente. Velejam com
suas correntes e pairam sobre o oceano, giram em grandes volumes ao
redor dos ombros pétreos das grandes montanhas. Condensados
ainda mais pela mudança de temperatura, caem sobre a terra sedenta
em dóceis aguaceiros, ou são despejados nela em pesadas chuvas, ou
trovejamcontra seu seio no raivoso Equinócio. As pancadas, a chuva e
a tempestades passam, as nuvens desaparecem, e as estrelas brilhantes
novamente cintilam nitidamente sobre a terra feliz. As gotas de chuva
mergulham no solo, se ajuntam em reservatórios subterrâneos,
correm em canais subterrâneos, e borbulham nas nascentes e nos
mananciais; e das bordas das montanhas e no topo dos vales os fios de

25
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

água prateados começam a sua longa jornada até o oceano. Unindo-se,


se ampliam em regatos e riachos, e então em córregos e rios; e,
finalmente, um Nilo, um Ganges, um Danúbio, um Amazonas, ou um
Mississipi rola em meio a suas orlas, poderosas, majestosas e
irresistíveis, criando imensos vales aluviais que são os celeiros do
mundo, lavrados por milhares de embarcações de comercio, servindo
como grandes rodovias e como fronteiras intransponíveis de nações
rivais; retribuindo sempre ao oceano as gotas que subiram dele no
vapor, e caíram em chuva, neve ou granizo nas planícies elevadas e
altas montanhas; e causando seu retrocesso em mais de um quilômetro
antes da corrida precipitada de sua grande maré.

Assim é com o agregado de esforços Humanos. Tal como as


partículas invisíveis de vapor se combinam e coalescem para formar
as brumas e as nuvens que chovem sobre os continentes sedentos, e
abençoam as grandes florestas e amplas savanas cobertas de grama, as
campinas onduladas e os campos pelos quais os homens vivem; assim
como as infinitas miríades de gotas que a terra feliz bebe são
reunidas em nascentes, riachos e rios, para ajudar a nivelar as
montanhas e elevar as planícies, e suprir os grandes lagos e inquietos
oceanos; assim todo o Pensamento Humano, Fala e Ação, tudo o que é
feito e dito, pensado e sofrido na Terra se combina e flui adiante numa
corrente irresistível, em direção àqueles resultados excelentes que
estão designados pela vontade de Deus.

Construímos lentamente e destruímos rapidamente. Nossos


Antigos Irmãos que construíram os Templos de Jerusalém, com
muitas multidões de golpes cortaram, talharam e esquadrinharam os
cedros, e extraíram as pedras, cinzelaram os intricados ornamentos,
que deveriam ser os Templos. Pedra após pedra, pelo esforço
combinado e o trabalho contínuo do Aprendiz, do Companheiro e do
Mestre se levantaram as paredes; lentamente o teto foi moldado e
esquadrinhado; e passados muitos anos adiante, com demora, as
Casas estavam acabadas, todas aptas e prontas para a Adoração

26
MORAL E DOGMA

de Deus, formosas nos esplendores ensolarados da atmosfera da


Palestina. Assim foram construídos. Um único movimento do braço
de um rude e bárbaro Lanceiro Assírio, ou de um bêbado Legionário
Romano ou Gótico de Tito, movido por um impulso sem sentido da
vontade brutal, arremessou o ferrete em chamas; e, sem mais
interferência humana, poucas horas bastaram para consumir e derreter
cada Templo numa massa fumegante e feia de ruína preta.

Seja paciente, pois, meu Irmão, e espere!

As questões estão com Deus: O fazer,De direito nos pertence.

Portanto não enfraqueça, tampouco se fatigue de fazer o bem!


Não desanime à apatia das pessoas, nem se aborreça com suas
loucuras, nem canse de sua indiferença! Não se importe com retornos
e resultados; mas veja só o que há para se fazer, e o faça,
deixando os resultados para Deus! Soldado da Cruz! Cavaleiro
Juramentado da Justiça, Verdade e Tolerância! Bom e Verdadeiro
Cavaleiro! Seja paciente e trabalhe!

O Apocalipse, este sublime Resumo Cabalístico e profético de


todas as figuras ocultas, divide suas imagens em três Setenários,
depois de cada um dos quais há um silêncio no Céu. Há Sete selos a
abrir, isto é, Sete mistérios a conhecer e Sete dificuldades a vencer,
Sete trombetas a soar, e Sete taças a derramar.

O Apocalipse é, para os que recebem o Décimo Nono Grau, a


Apoteose dessa Fé Sublime que aspira só a Deus, e despreza todas as
pompas e as obras de Lúcifer. LÚCIFER, o Porta-luz! Estranho e
misterioso nome dado ao Espírito das Trevas! Lúcifer, o Filho da
Manhã! É ele quem leva a Luz, e que com seus esplendores
intoleráveis cega as Almas fracas, sensuais e egoístas? Não duvide!
Porque as tradições são cheias de Revelações e de Inspirações
Divinas: e a Inspiração não é de uma única Época nem de um único

27
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

Credo. Platão e Fílon também foram inspirados.

O Apocalipse, de fato, é um livro tão obscuro quanto o


Zohar. Ele é escrito hieroglificamente com números e imagens; e o
Apóstolo faz frequente apelo à inteligência dos Iniciados.
“Compreenda aquele que tiver o conhecimento! E quem compreender
calcule!” diz ele muitas vezes depois de uma alegoria ou o enunciado
de um número. São João, o Apóstolo predileto e o Depositário de
todos os Segredos do Salvador, não escrevia pois para ser
compreendido pela multidão.

O Sepher Yetzirah, o Zohar e o Apocalipse são as


encarnações mais completas do Ocultismo. Eles contêm mais sentido
do que palavras, suas expressões são figuradas como a poesia e exatas
como os números. O Apocalipse resume, completa, e excede toda a
Ciência de Abraão e de Salomão. As visões de Ezequiel, junto ao rio
Quebar, e a do novo Templo Simbólico, são expressões igualmente
misteriosas veladas pelas figuras dos dogmas enigmáticos da Cabala,
e os seus símbolos são tão pouco compreendidos pelos Comentaristas
como os da Maçonaria.

Quanto mais os grandes Hierofantes se esforçavam em ocultar


sua ciência absoluta, tanto mais procuravam engrandecer-lhe e
multiplicar- lhe os símbolos. As enormes pirâmides, triangulares na
elevação e de bases quadradas, representavam sua Metafísica baseada
no conhecimento da Natureza. Este conhecimento da Natureza tinha
por chave simbólica a forma gigantesca desta grande esfinge que
cavou um leito profundo na areia, velando ao pé das pirâmides. Os
sete grandes monumentos chamados as Maravilhas do Mundo eram os
magníficos Comentários das Sete linhas de que se compunham as
Pirâmides e das Sete portas misteriosas de Tebas.

A filosofia Setenária de iniciação entre os antigos podia


resumir-se assim:

28
MORAL E DOGMA

Três Princípios Absolutos que são Um só Princípio: quatro


formas elementares que fazem apenas uma; formando um Todo Único
compostode Ideia e de Forma.

Os três Princípios eram estes:

1. O SER É O SER.

Em Filosofia, identidade da Ideia e do Ser ou Verdade;


em Religião, o primeiro Princípio, O PAI.

2. O SER É REAL.

Em Filosofia, identidade do Saber e do Ser ou


Realidade; em Religião, o Logos de Platão, o Demiourgos, o
VERBO.

3. O SER É LÓGICO.

Em Filosofia, identidade da Razão e da Realidade; em


Religião, a Providência, a Ação Divina que realiza o Bem, que
no Cristianismo chamamos O SANTO ESPÍRITO.

A união de todas as setes cores é o Branco, símbolo análogo


ao BEM: a ausência de todas é o Preto, símbolo análogo ao MAL.
Existem três cores primárias, Vermelho, Amarelo e Azul; e quatro
secundárias, Laranja, Verde, Anil e Violeta; e Deus revela todas elas
para o homem no arco-íris; e elas têm as suas analogias também no
mundo moral e intelectual. O mesmo número Sete reaparece
continuamente no Apocalipse, composto de três e quatro; e estes
números se referem aos últimos Sete Sefirotes, três remetendo à
BENIGNIDADE ou MISERICÓRDIA, à SEVERIDADE ou
JUSTIÇA, e à BELEZA ou HARMONIA; e quatro a Netzach,
Hōd, Yesōd e Malakoth, VITÓRIA, GLÓRIA, ESTABILIDADE e

29
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

DOMINAÇÃO. Os mesmos números também representam os três


primeiros Sefirotes, KETHER, KHOKMAH e BAINAH, ou
Vontade, Sabedoria e Entendimento, que, com DAATH ou
Intelecção ou Pensamento, também fazem quatro,DAATH não sendo
visto como um Sefirote, nem como uma Divindade agindo, ou como
uma potência, energia ou atributo, mas como a Ação Divina.

Os Sefirotes são usualmente figurados na Cabala como


constituindo uma forma humana, o ADAM KADMON ou
MACROCOSMO. Assim organizados, a lei universal do Equilíbrio é
três vezes exemplificada.

Da ENERGIA Divina Intelectual, Ativa, Masculina e da


CAPACIDADE Passiva de produzir a Imaginação, resulta a ação do
PENSAMENTO. A partir da BENIGNIDADE e da
SEVERIDADE, flui a HARMONIA; e da VITÓRIA, ou superação
Infinita, e da GLÓRIA, que sendo Infinita parece proibir a
existência de obstáculos ou de oposições, resulta a ESTABILIDADE
ou PERMANÊNCIA, que é o DOMÍNIO perfeito da VONTADE
infinita.

Os últimos nove Sefirotes estão inclusos no primeiro deles,


KETHER, ou a COROA, ao mesmo tempo em que dele efluíram.
Cada um também, na sucessão emanada, permanece ainda assim
incluído no que o antecede. A Vontade de Deus abrange Sua
Sabedoria, Sua Sabedoria é a Sua Vontade especialmente
desenvolvida e atuando. Esta Sabedoria é o Logos que cria, tomada
erradamente e personificada por Simão, o Mago e pelos sucessores
Gnósticos. Por meio de sua expressão, da letra YŌD, ele cria o
mundo inicialmente no Intelecto Divino como a Ideia, que revestida
de forma tornou-se o Mundo feito, o Universo de realidade material.
YŌD e HE, duas letras do Nome Inefável da Divindade Manifesta,
representam o Masculino e o Feminino, o Ativo e o Passivo em
Equilíbrio, e o VAV completa a Trindade e o Nome Triliteral ‫יהו ה‬, o

30
MORAL E DOGMA

Triângulo Divino, que com a repetição do He se torna o


Tetragrammaton.

Assim os dez Sefirotes contêm todos os Números Sagrados,


três, cinco, sete e nove, e o Número perfeito Dez, e correspondem à
Tetractys de Pitágoras.

O SER É O SER, ‫ האהי אשר אהיה‬, Ahayah Asar Ahayah. Eis


o Princípio, o “INÍCIO”.

No Início era, isto é, É, FOI e SERÁ o VERBO, isto


é, a RAZÃO que Fala.

Εν αρχῃ ην Ὁ Λογος!

O Verbo é a razão da crença, e nele está também a expressão


da Fé que vivifica a Ciência. O Verbo, Λογος , é a Fonte da Lógica.
Jesus é o Verbo Encarnado. O acordo da Razão com a Fé, da Ciência
com a Crença, da Autoridade com a Liberdade, tornou-se nos tempos
modernoso verdadeiro enigma da Esfinge.

É a SABEDORIA que, nos Livros Cabalísticos dos


Provérbios e do Eclesiastes, é o Agente Criativo de Deus. Em outra
parte nos escritos Hebraicos ele é ‫ רדב יהוה‬, Debar Iahavah, a Palavra
de Deus.

É por Seu Verbo pronunciado que Deus Se revela a nós;


não sóna criação visível e invisível, como na intelectual, e também em
nossas convicções, consciência e instintos. É por isso que certas
crenças são universais. A convicção de todas as pessoas de que Deus é
bom leva à crença em um Diabo, o Portador da Luz ou o Lúcifer
caído, Shaitan, o Adversário, Arimã e Tuphōn, como uma tentativa de
explicar a existência do Mal e torná-lo compatível com o Poder,
Sabedoria e Benevolência Infinitos de Deus.

31
CAPÍTULO XIX: GRANDE PONTÍFICE

Nada supera e nada se iguala, como Sumário de todas as


doutrinas do Velho Mundo, às breves palavras gravadas por
HERMES numa Pedra, conhecida sob o nome de “Tábua de
Esmeralda:” a Unidade do Ser e a Unidade das Harmonias
ascendentes e descendentes, a escala progressiva e proporcional do
Verbo; a lei imutável do Equilíbrio e o progresso proporcional das
analogias universais; a relação entre a Ideia e o Verbo, dando a
medida da relação entre o Criador e a Criatura; a matemática
necessária do Infinito provada pelas dimensões de um único ângulo
do Finito; – tudo isto é expresso por esta proposição singular do
Grande Hierofante Egípcio:

“O que é Superior é como o que é Inferior, e o que está em


Baixo é como o que está em Cima, para formar as Maravilhas da
Unidade.”

32
MORAL E DOGMA

CAPITULO XX.

GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS


SIMBÓLICAS.

O verdadeiro Maçom é um Filósofo prático, que, sob


emblemas religiosos adotados em todas as épocas pela sabedoria,
edifica nos planos traçados pela natureza e pela razão o edifício
moral do conhecimento. Ele deve encontrar, na relação simétrica de
todas as partes deste edifício racional, o princípio e a regra de todos os
seus deveres, a fonte de todos os seus prazeres. Ele aperfeiçoa sua
natureza moral, se torna um homem melhor, e encontra na reunião de
pessoas virtuosas, congregadas por concepções puras, o meio de
multiplicar os atos de sua beneficência. A Maçonaria e a Filosofia,
sem ser uma única e mesma coisa, possuem o mesmo objetivo e se
propõem à mesma finalidade: a adoração do Grande Arquiteto do
Universo, a relação pessoal de familiaridade com as maravilhas da
natureza, e a felicidade da humanidade conquistada pela prática
constante de todas as virtudes.

Como Grão-Mestre de todas as Lojas Simbólicas, é seu dever


especial auxiliar na restauração da Maçonaria à sua pureza primitiva.
Você precisa se tornar um instrutor. A Maçonaria por muito tempo
perambulou no erro. Ao invés de melhorar, degenerou de sua
simplicidade primitiva, e retrocedeu para um sistema distorcido pela
estupidez e pela ignorância, que, incapaz de construir um belo
mecanismo, criou um mais complicado. Há menos de duzentos anos,
sua organização era simples e absolutamente moral, seus emblemas,
alegorias e cerimônias, fáceis de ser entendidos, e seu objetivo e
propósitos simples de se ver. Era então delimitada por um número
muito pequeno de Graus. Suas constituições eram como as das

33
CAPÍTULO XX: GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS SIMBÓLICAS

Sociedades dos Essênios, escritas no primeiro século de nossa era.


Nela provavelmente se encontrava o Cristianismo primitivo,
organizado em Maçonaria, a escola de Pitágoras sem incongruências
ou absurdos; uma Maçonaria simples e significativa, em que não era
necessário torturar a mente para se descobrir interpretações razoáveis;
uma Maçonaria ao mesmo tempo religiosa e filosófica, digna de um
bom cidadão e filantropo iluminado. Inovadores e inventores
subverteram esta simplicidade primordial. A ignorância se engajou na
ocupação de criar Graus, e as ninharias, as futilidades e os pretensos
mistérios, absurdos ou hediondos, usurparam o lugar da Verdade
Maçônica. A pintura de uma vingança horrível, do punhal e da cabeça
ensanguentada surgiu no pacífico Templo da Maçonaria, sem
explanações suficientes de seus significados simbólicos: Juramentos
fora de qualquer proporção com seus objetivos chocavam o candidato
e em seguida se tornavam ridículos, e eram completamente ignorados.
Acólitos eram expostos a testes e compelidos a praticar atos, que, se
verdadeiros, teriam sido abomináveis; mas sendo meras quimeras,
eram prepósteros e só instigavam desprezo e risos. Oitocentos Graus
de um tipo ou de outro foram inventados: Infidelidade e até mesmo
Jesuitismo eram ensinados sob a máscara de Maçonaria. Mesmo os
rituais dos Graus respeitáveis, copiados e mutilados por pessoas
ignorantes, se tornaram triviais e sem sentido; e as palavras foram tão
corrompidas que a partir disso achou-se impossível recuperar de
alguma forma muitas delas. Formavam-se candidatos para se
degradarem a si mesmos e se submeterem a insultos intoleráveis aos
homens de espírito ehonra.

Daí foi que, praticamente, a maior parte dos Graus


reivindicados pelo Rito Escocês Antigo e Aceito, e antes dele pelo
Rito de Perfeição, caiu em desuso; eram meramente comunicados e
seus rituais se tornaram insípidos e insignificantes. Estes Ritos
pareciam os antigos palácios e castelos baroniais, cujas diferentes
partes, construídas em diversas épocas, distantes uma da outra, sobre
planos e de acordo com caprichos que variavam grandemente,

34
MORAL E DOGMA

formavam um todo discordante e incongruente. Judaísmo e cavalaria,


superstição e filosofia, filantropia e ódio insano, e desejo de
represália, uma moralidade pura e uma vingança ilegal e injusta, se
encontravam estranhamente lado a lado e permaneciam de mãos
dadas dentro do Templo da Paz e da Concórdia; e todo o sistema era
uma mistura grotesca de coisas incongruentes, de contrastes e
contradições, de extravagâncias chocantes e fantásticas, de partes
repugnantes ao bom gosto, e concepções refinadas sobrepostas e
desfiguradas pelos absurdos engendrados pela ignorância, pelo
fanatismoe por um misticismo sem sentido.

Uma pompa vazia e estéril, impossível de ser realmente


executada, à qual nenhum sentido, qualquer que fosse, estava
anexado, com explicações tão rebuscadas que, ou eram platitudes tão
estúpidas, ou elas mesmas precisavam de intérprete; altos títulos
assumidos arbitrariamente, e para os quais os inventores não
condescenderam em anexar nenhuma explicação que os absolvesse da
loucura de assumir posição, poder e títulos de nobreza temporais,
faziam o mundo gargalhar e os Iniciados ficarem envergonhados.

Mantemos alguns destes títulos; mas eles têm conosco


significadosinteiramente coerentes com esse Espírito de Igualdade que
é ofundamento e a lei imperativa da existência de toda a Maçonaria. O
Cavaleiro, para nós, é aquele que devota sua mão, seu coração, seu
cérebro, para a Ciência da Maçonaria, e professa ser o Soldado
Juramentado da Verdade: o Príncipe é aquele que objetiva ser o
Comandante [Princeps], o Primeiro, o líder entre seus iguais em
virtude e boas obras: o Soberano é aquele que, numa ordem cujos
membros são todos Soberanos, é Supremo apenas porque a lei e as
constituições o fazem assim, as quais administra, e como todos os
outros irmãos, é por ela governado. Os títulos, Forte, Potente, Sábio e
Venerável indicam o poder da Virtude, Inteligência e Sabedoria que
devem se esforçar para atingir os que são postos nos altos cargos pelos
votos de seus irmãos: e todos os nossos outros títulos e designações

35
CAPÍTULO XX: GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS SIMBÓLICAS

têm um sentido esotérico, coerente com a modéstia e a igualdade que


aqueles que os recebem têm de compreender plenamente. Como
Mestre de uma Loja, é seu dever instruir seus Irmãos para que
todos aprendam lições constantes, ensinando as elevadas
qualificações exigidas daqueles que as reivindicam, e não
simplesmente futilidades ociosas, gastas em imitações ridículas dos
tempos em que Nobres e os Sacerdotes eram mestres e o povo era
escravo: e que em toda a verdadeira Maçonaria, o Cavaleiro, o
Pontífice, o Príncipe e o Soberano não são senão os primeiros entre
seus iguais: e o cordão, a vestimenta, e as joias, apenas símbolos e
emblemas das virtudes exigidas de todos os bons Maçons.

O Maçom se ajoelha, não mais para apresentar sua


petição de admissão ou receber resposta, não mais para um homem
como seu superior, que é apenas seu irmão, mas para seu Deus; a
quem ele apela pela retidão de suas intenções, e cuja ajuda pede para
que o capacite de manter seus votos. Ninguém se degrada por curvar
seu joelho a Deus no altar, ou para receber de joelhos a honra da
Cavalaria, como Bayard e Du Guesclin. Ajoelhar-se para outros
propósitos, não o requer a Maçonaria. Deus deu ao homem uma
cabeça para suster-se ereta, como um portal vertical e majestoso.
Congregamo-nos em nossos Templos para querer bem e inculcar
sentimentos que se conformam a esse comportamento altivo que as
pessoas justas e sinceras têm o direito de manter, e não exigimos
daqueles que desejam ser admitidos entre nós que curvem a cabeça
ignominiosamente. Respeitamos o homem, porque nós mesmos
respeitamos que ele possa ter uma concepção sublime de sua
dignidade enquanto ser humano livre e independente. Ainda que a
modéstia seja uma virtude, a humildade e obsequiosidade para com o
homem são vis: pois existe um orgulho nobre que é a base mais real
e sólida da virtude. O homem deve se humilhar perante o Deus
Infinito; mas não diante de seu irmão errático e imperfeito.

Como Mestre de uma Loja, você será, pois, extremamente

36
MORAL E DOGMA

cuidado para que nenhum Candidato, de qualquer Grau, seja obrigado


a se submeter a qualquer degradação possível; como tanto tem sido o
costume de alguns Graus: e tomar como uma regra certa e inflexível, à
qual não há exceção, que a verdadeira Maçonaria nada exige a um
Cavaleiro ou Cavalheiro a que não possa se submeter honradamente,
semse sentir indignado nem humilhado.

O Conselho Supremo da Jurisdição Sul dos Estados Unidos


finalmente se responsabilizou pela tarefa imprescindível e por muito
tempo adiada, de revisar e reformar os trabalhos e os rituais dos trinta
Graus sob sua jurisdição. Retendo o essencial dos Graus e todos os
meios pelos quais os membros possam se reconhecer mutuamente, ele
procurou e desenvolveu a ideia principal de cada Grau, rejeitou as
puerilidades e os absurdos com que muitos deles foram desfigurados,
e fez deles um sistema interligado de instrução moral, religiosa e
filosófica. Sectário de nenhum credo, ainda assim não acha impróprio
usar as velhas alegorias, baseadas em ocorrências detalhadas nos
livros Hebraicos e Cristãos e extraídas dos antigos mistérios do Egito,
da Pérsia, da Grécia, da Índia, dos Druidas e dos Essênios, como os
veículos de comunicação das Grandes Verdades Maçônicas; assim
como faz uso das lendas das Cruzadas e das cerimônias das ordens de
Cavalaria.

Já não inculca uma vingança má e criminosa. Não permitiria à


Maçonaria bancar a assassina: para vingar a morte de Hiram, de
Carlos I, ou de Jacques De Molay e dos Templários. O Rito Escocês
Antigo e Aceito da Maçonaria se tornou hoje o que a Maçonaria
deveria ter sido no início, um Professor de Grandes Verdades,
inspirado por uma razão justa e esclarecida, uma sabedoria firme e
constante, uma filantropiaafetuosa e liberal.

Já não é um sistema onde quem preside sobre a composição e


disposição das diferentes partes é a falta de reflexão, o acaso, a
ignorância, e talvez motivos ainda mais ignóbeis; um sistema

37
CAPÍTULO XX: GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS SIMBÓLICAS

inadequado para nossos hábitos, nossos costumes, nossas ideias e para


a filantropia mundial e tolerância universal da Maçonaria; ou
organismos em número pequeno, cujos ganhos deveriam ser
dedicados ao socorro dos desafortunados e não à exibição vazia; não é
mais um agregado heterogêneo de Graus, chocando-se por seus
anacronismos e contradições, impotente para disseminar a luz, a
informação e as ideias morais e filosóficas.

Como Mestre, você ensinará àqueles que estão abaixo de você


e a quem você deve sua posição, que os ornamentos de muitos Graus
devem ser prescindidos sempre que os gastos interferirem nos deveres
de caridade, amparo e benevolência; a serem acedidos apenas por
organismos ricos que assim não cometerão falta com aqueles
designados à sua assistência. O essencial de todos os Graus pode ser
proporcionado com baixo custo; e é opção de cada Irmão adquirir ou
não, conforme lhe apraz, o traje, as decorações e as joias de qualquer
outro além dos 14º, 18º, 30º e 32º Graus.

Não ensinamos a verdade de nenhuma das lendas que


recitamos. Elas não são para nós nada além de parábolas e alegorias,
cercando e envolvendo a instrução Maçônica; veículos de informações
úteis e interessantes. Representam as diversas fases da mente humana,
seus esforços e lutas para compreender a natureza, Deus, o governo do
Universo, a existência permitida do sofrimento e do mal. Para nos
ensinar a sabedoria e a estupidez do esforço de nos autoexplicar aquilo
que não somos capazes de compreender, nós reproduzimos as
especulações de Filósofos, de Cabalistas, de Mistagogos e de
Gnósticos. Estando cada um livre para aplicar nossos símbolos e
emblemas conforme julgar mais coerentes com a verdade, com razão,
e com a sua própria fé, damos-lhes estas interpretações apenas na
medida em que possam ser aceitas por todos. Nossos Graus podem ser
conferidos na França ou na Turquia, em Pequim, na Espanha, em
Roma, em Genebra, na cidade de Penn ou na Louisiana Católica, ao
súdito de um governo absoluto ou a um cidadão de um Estado Livre,

38
MORAL E DOGMA

ao Sectário ou ao Teísta. Homenagear a divindade, respeitar todos os


homens como nossos Irmãos, como filhos do Supremo Criador do
Universo, igualmente queridos por Ele, e tornar-se útil para a
sociedade e para si próprio pelo trabalho, são seus ensinamentos aos
seus Iniciados em todos os Graus.

Pregadora da Liberdade, da Fraternidade e da Igualdade, ela


deseja que estas sejam alcançadas ao tornar as pessoas aptas para
recebê-las, por intermédio da força moral de um Povo inteligente e
esclarecido. Não projeta complôs nem conspirações. Não incuba
revoluções prematuras; não encoraja o povo a se rebelar contra as
autoridades constituídas; mas reconhecendo a grande verdade, de que
a liberdade pressupõe a aptidão para a liberdade, assim como o
corolário pressupõe o axioma, ela se esforça para preparar as pessoas
para se autogovernarem.

Onde existe escravidão doméstica, ela ensina humanidade ao


senhor e a mitigação das condições de seu escravo, a correção
moderada e a disciplina suave; assim como as ensina ao mestre
do aprendiz: e assim como ensina ao empregador de outros homens,
nas minas, nas fábricas e oficinas, a consideração e a humanidade para
com todos aqueles que dependem de seu trabalho para ganhar o
pão, para com quem a falta de emprego é fome e o excesso de
trabalho é febre, consunção e morte.

Como Mestre de uma Loja, você precisa inculcar estes


deveres a seus irmãos. Ensinar o empregado a ser honesto, pontual, e
fiel, bem como respeitoso e obediente a todas as ordens próprias: mas
também ensinar ao empregador que cada homem ou mulher que
deseja trabalhar tem o direito de ter um trabalho; e que aqueles que,
por doença ou fraqueza, perda dos membros ou da força física, por
velhice ou infância, não são capazes de trabalhar, têm o direito de ser
alimentados, vestidos e protegidos dos elementos inclementes: que ele
comete um pecado terrível contra a Maçonaria e aos olhos de Deus se

39
CAPÍTULO XX: GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS SIMBÓLICAS

fecha sua oficina ou fábrica, ou deixa de trabalhar em suas minas


quando não rendem o que ele considera lucro bastante, e então
despede seus trabalhadores e obreiros para morrerem de fome; ou
quando reduz o salário do homem ou da mulher a uma escala tão
baixa que eles e suas famílias não podem se vestir, se alimentar e se
abrigar confortavelmente; ou precisam dar pela sobrecarga de
trabalho seu sangue e suas vidas em troca das misérias de seus
salários: e que seu dever enquanto Maçom e Irmão exige
peremptoriamente que ele continue a empregar os que, de outra
maneira, se apertariam famintos e com frio, ou recorreriam ao furto e
ao vício: e que pague-lhes salários justos, embora isto possa reduzir
ou anular seus lucros ou mesmo consumir seu capital; pois Deus
apenas emprestou-lhe sua riqueza e o fez Seu esmoler e agente para
investi-la.

Exceto como meros símbolos das virtudes morais e


qualidades intelectuais, os utensílios e ferramentas da Maçonaria
pertencem aos três primeiros Graus. Eles também, no entanto, servem
para lembrar o Maçom que avançou adiante que sua nova categoria é
baseada nos labores humildes dos Graus simbólicos, tal como são
denominados de modo impróprio, tendo em vista que todos os Graus
são simbólicos.

Assim os Iniciados são inspirados com uma ideia justa da


Maçonaria, que é, a saber, essencialmente TRABALHO; tanto
ensinando quanto praticando o LABOR; e isso é totalmente
emblemático. Três espécies de trabalho são necessárias à preservação
e proteção do homem e da sociedade: o trabalho manual, pertencendo
especialmente aos três Graus azuis: o trabalho em armas, simbolizado
pelos Graus dos Cavaleiros ou Cavalheirescos; e o trabalho
intelectual, pertencendo particularmente aos Graus Filosóficos.

Preservamos e multiplicamos tais emblemas como tendo um


significado profundo e verdadeiro. Rejeitamos muitas das explicações

40
MORAL E DOGMA

velhas e sem sentido. Não reduzimos a Maçonaria a uma fria


metafísica que exila tudo o que pertence ao domínio da imaginação.
Os ignorantes,e os semissábios na realidade, porém sapientíssimos em
sua própria concepção, podem atacar nossos símbolos com sarcasmos;
mas ele são, entretanto, os véus ingênuos que cobrem a Verdade,
respeitada por todos que conhecem os meios pelos quais se alcança o
coração do homem e se alistam seus sentimentos. Os Grandes
Moralistas muitas das vezes recorreram às alegorias, a fim de instruir
os homens sem os repelir. Mas temos sido cuidadosos em não permitir
que nossos emblemas sejam muito obscuros, de modo que exijam
interpretações forçadas e inverossímeis. Em nossos dias, e na terra
esclarecida em que vivemos, não precisamos nos enroscar em véus tão
estranhos e impenetráveis, de modo a impedir ou dificultar a instrução
ao invés de promovê-la; nem induzir a suspeita de que tenhamos
significados escondidos que comunicamos apenas aos adeptos mais
confiáveis, por serem contrários à boa ordem ou ao bem-estar da
sociedade.

Os Deveres da Classe dos Instrutores, ou seja, dos Maçons


do 4º ao 8º Graus são, sobretudo, aperfeiçoar os maçons mais jovens
nas palavras, sinais e toques e em outros trabalhos dos Graus que
receberam;explicar-lhes o significado dos diversos emblemas e expor-
lhes a instrução moral que lhes convém. E somente pelo relatório de
proficiência que se permitirá aos pupilos avançar e receber o aumento
de salário.

Os Diretores da Obra, ou aqueles dos 9º, 10º e 11º Graus


deverão relatar aos Capítulos a regularidade, a atividade e a adequada
direção dos trabalhos dos organismos nos Graus inferiores, e o que é
necessário ser decretado para a sua prosperidade e utilidade. Nas
Lojas Simbólicas estão particularmente encarregados de estimular o
zelo dos operários, induzindo-os a se engajar em novos labores e
empreitadas para o bem da Maçonaria, de seu país e da humanidade,
dando-lhes conselhos fraternos quando ficarem aquém de seus

41
CAPÍTULO XX: GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS SIMBÓLICAS

deveres; ou, nos casos em que for necessário, opor-lhes o rigor da lei
Maçônica.

Os Arquitetos, ou aqueles dos 12º, 13º e 14º Graus, devem ser


eleitos por ninguém exceto Irmãos bem instruídos nos Graus
anteriores; zelosos e capazes de discorrer sobre a Maçonaria;
ilustrando-a e discutindo as simples questões da moral filosófica. E
um deles, em cada comunicação, deve ter preparado uma palestra,
transmitindo conhecimento profícuo e dando bons avisos aos Irmãos.

Os Cavaleiros, dos 15º e 16º Graus, manejam a espada. Estão


obrigados a prevenir e a reparar, o quanto estiver em seu poder, toda a
injustiça, no mundo e na Maçonaria; proteger os fracos e trazer aos
opressores a justiça. Seus trabalhos e palestras devem ser seu espírito.
Devem questionar se a Maçonaria cumpre, tanto quanto deveria e
pode, seu objetivo principal, que é socorrer os infelizes. Para fazer
isso, devem elaborar proposições a serem oferecidas nas Lojas Azuis
projetadas para atingir esta finalidade, pôr um fim aos abusos e
prevenir e corrigir a negligencia. Aqueles nas Lojas atingiram o posto
de Cavaleiros são os mais aptos a ser nomeados Esmoleres,
encarregados de determinar e tornar conhecidos quem necessita e tem
direito à caridade da Ordem.

Nos Graus mais elevados só devem ser aceitos os que


possuem leitura e informação suficientes para discutirem as grandes
questões da filosofia. Os Oradores das Lojas devem ser selecionados
a partir destes, bem como os dos Conselhos e Capítulos. Estão
encarregados de sugerir as medidas tais como são necessárias para
tornar a Maçonaria inteiramente fiel ao espírito de sua instituição, a
seus propósitos beneficentes e à difusão da luz e do conhecimento;
tais como são necessárias para corrigir os abusos que nela se
infiltraram, e as ofensas contra as regras e o espírito geral da Ordem; e
tais como tendem a torná- la como foi concebida para ser, a grande
Mestra da Humanidade.

42
MORAL E DOGMA

Como Mestre de uma Loja, Conselho ou Capítulo, será seu


dever imprimir na mente de seus Irmãos estas visões do plano
geral e das partes distintas do Rito Escocês Antigo e Aceito; de seu
espírito e desígnio; de sua harmonia e regularidade; dos deveres dos
oficiais e dos membros; e das lições particulares programadas para
serem transmitidas em cada Grau.

Especialmente, você não deve permitir que nenhuma


assembleia do organismo sobre o qual preside se encerre sem refrescar
as mentes dos Irmãos com as virtudes e os deveres Maçônicos
representados na Tábua de Traçar deste Grau. Este é um dever
imperativo. Não se esqueça de que, há mais de três mil anos,
ZOROASTRO disse: “Sede bons, sede gentis, sede humanos e
caridosos; amai vossos companheiros; consolai os aflitos; perdoai
aqueles que vos causaram ofensa”. Nem que há dois mil e trezentos
anos CONFÚCIO repetiu, citando também a linguagem daqueles que
viveram antes dele: “Amai vosso próximo como a vós mesmos: Não
fazei aos outros o que não gostaríeis que vos fizessem: Perdoai
injúrias. Perdoai vosso inimigo, reconciliai-vos com ele, prestai-lhe
assistência, invocai a Deus em seu favor.”

Que a moralidade de sua Loja não seja inferior à do Filósofo


Persa ou Chinês.

Estimule em seus Irmãos o ensino e a prática não ostensiva da


moralidade da Loja, sem levar em conta épocas, lugares, religiões ou
povos.

Estimule-os a amar uns aos outros, a se dedicarem


mutuamente, a serem fiéis ao país, ao governo e às leis: pois servir o
país é saldar uma dívida querida e sagrada: Respeitar todas as formas
de adoração, tolerar todas as opiniões políticas e religiosas; não
culpar, e menos ainda condenar a religião dos outros: não buscar fazer
conversões; mas ser contente caso tenham a religião de Sócrates, uma

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CAPÍTULO XX: GRÃO-MESTRE DE TODAS AS LOJAS SIMBÓLICAS

veneração pelo Criador, a religião das boas obras e um


reconhecimento grato às bênçãos de Deus:
Confraternizar com todos os homens; assistir a todos os
infortunados; e pospor de bom grado seu próprio interesse aos da
Ordem:

Fazer disto uma regra constante em sua vida: pensar bem,


falar bem e agir bem:

Colocar o sábio acima do soldado, do nobre e do príncipe:


tomaro sábio e bom como seus modelos:

Ver se suas profissões e práticas, seus ensinamentos e


conduta, estão sempre de acordo:

Fazer deste o seu mote: “Faze o que deves fazer; seja qual for
o resultado.”

Tais, meu Irmão, são alguns dos deveres desse ofício para o
qual você buscou ser qualificado a executar. Que você possa
desempenhá-lo bem; e em assim fazer obter para si honra, e avançar
na grande causa da Maçonaria, da Humanidade e do Progresso.

44
MORAL E DOGMA

CAPÍTULO XXI.

NOAQUITA, OU CAVALEIRO PRUSSIANO

Neste Grau você é especialmente encarregado de ser modesto


e humilde, e a não ser vanglorioso nem cheio de vaidade. Não ser, em
sua própria opinião, mais sábio que a Divindade, nem encontrar
defeitos em Sua obra, nem procurar melhorar o que Ele fez. Ser
modesto também nas relações com seus companheiros, demorado para
tecer sobre eles maus pensamentos e relutante em lhes atribuir más
intenções. Milhares de imprensas, inundando o país com suas folhas
evanescentes, se engajam ocupada e incessantemente em maldizer as
motivações e as condutas dos homens e dos partidos, e em fazer uma
pessoa pensar mal de outra; enquanto que, por azar, mal se encontra
alguém que sempre se esforce, mesmo acidentalmente, para fazer o
homem pensar o melhor de seus companheiros.

Difamação e calúnia nunca foram tão insolentemente


licenciosas em qualquer país como o são hoje no nosso. O caráter
mais recatado, a conduta mais discreta, não são escudo contra as
flechas envenenadas. O serviço público mais eminente só torna seus
vitupérios e invectivas mais ávidos e inescrupulosos, quando aquele
que prestou este serviço se apresenta como candidato aos votos das
pessoas.

O mal é disseminado e universal. Nenhum homem, nenhuma


mulher, nenhuma família são santos, ou estão a salvo desta nova
Inquisição. Nenhum ato é tão puro ou tão elogiável que não será
proclamado como crime pelo vendedor inescrupuloso de mentiras, que
vive para satisfazer um apetite público mórbido e corrupto. Nenhum
motivo é tão inocente ou tão louvável que ele não criticará como

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CAPÍTULO XXI: NOAQUITA, OU CAVALEIRO PRUSSIANO

vilão. O jornalismo bisbilhota o interior de domicílios privados, se


regozija nos detalhes de tragédias domésticas de pecado e vergonha,
inventa deliberadamente e veicula com diligência as mentiras mais
absolutas e sem fundamento, para cunhar dinheiro aos que perseguem
isto como um comércio, ou gerar um resultado temporário nas guerras
do partido.

Não precisamos avultar esses males. São evidentes a


todos e lamentados por todos, e é dever de um Maçom fazer tudo em
seu poder para diminui-los, se não para removê-los. Quanto aos erros
e mesmo aos os pecados de outras pessoas, que não afetam os nossos
nem nos afetam pessoalmente, nem não precisam de nossas
condenações para ser odiosos, não temos nada a fazer; e o jornalista
não possui nenhuma patente que o faça o Censor da Moral. Não há
repousando em nós nenhuma obrigação de trombetear nossa
desaprovação a todo ato lesivo, insensato ou incorreto que qualquer
outra pessoa cometa. Seriavergonhoso ficar nas esquinas e revendê-los
oralmente por centavos.

Não se deve, na verdade, nem escrever nem falar contra


ninguém neste mundo. Aqui cada um tem o bastante para fazer,
observar e tomar conta. Cada um de nós é doente o bastante neste
grande Lazareto: mas os escritos jornalísticos e polêmicos sempre nos
lembrarão de uma cena testemunhada alguma vez num hospital; onde
era horrível ouvir como os pacientes se acusavam com zombaria,
cada um com suas doenças e enfermidades; como alguém que foi
consumido pela tuberculose caçoava de outro inchado por hidropisia:
como alguém riu de outro com câncer na face; e este novamente de
seu vizinho com tetania ou estrabismo; até que finalmente o paciente
delirante de febre saltou da cama e arrancou as coberturas dos corpos
feridos de seus companheiros, e nada havia para ser visto a não ser
miséria e mutilações pavorosas. Eis o trabalho revoltante no qual o
jornalismo, o partidarismo político e metade do mundo de fora da
Maçonaria estão engajados.

46
MORAL E DOGMA

Muito geralmente a censura passada nos atos das pessoas, por


aqueles que se autonomearam e comissionaram Guardiões da Moral
Pública, é imerecida. Com frequência não é só imerecida como
merece elogio ao invés de censura, e quando esta última não é
imerecida é sempre extravagante, e portanto injusta.

Um Maçom se espantará que espíritos sejam dotados de


tudo isso, e que possam de modo vil difamar até mesmo um homem
caído. Se tivessem alguma nobreza de alma se compadeceriam de seus
desastres, e derramariam algumas lágrimas de pena de sua tolice e
desgraça: e se fossem simplesmente humanos e não bestas, a Natureza
teria cometido um agravo enorme para com os corpos humanos, ao
amaldiçoá-los com almas tão cruéis ao ponto tentarem aumentar uma
miséria já intolerável. Quando um Maçom ouvir que alguém caiu
em desgraça pública, deve possuir uma mente que se condoa de seu
infortúnio, não que o torne mais inconsolável. Envenenar por meio de
libelos um nome que já está abertamente maculado é adicionar
vergões com um bastão de ferro em alguém já esfolado pelo açoite;
e parecerá fraco e desumano a todamente bem temperada.

Mesmo o homem que age mal e comete erros, muitas vezes


tem um lar tranquilo, sua própria lareira, uma esposa gentil, amorosa e
filhos inocentes que talvez nada saibam de seus erros e lapsos do
passado – dos quais há muito se arrependera; ou se sabem, o amam
mais, porque, sendo mortal, errou, e sendo a imagem de Deus, se
arrependeu. A consideração, de que cada golpe neste marido e pai
dilacera os corações puros e ternos daquela esposa e de seus filhos,
não detém a mão do jornalista e do partidário estúpido: e ele bate à
porta dessas almas delicadas, encolhidas, trêmulas e inocentes; e então
sai pelas grandes artérias das cidades onde pulsa a corrente da vida,
mantém sua cabeça erguida e convida seus comparsas para louvá-lo e
admirá-lo pelo ato cavalheiresco que realizou, ao transpassar sua
adaga num coração, e noutro que era terno e leal.

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CAPÍTULO XXI: NOAQUITA, OU CAVALEIRO PRUSSIANO

Se você procurar nas altas e vigorosas carruagens, encontrará


dentro da maioria delas pessoas baixas. A arrogância é uma erva
daninhaque sempre cresce nos montes de estrume. É a partir da estirpe
deste solo que ela cresce e se expande. Ser modesto e não afetado com
nossos superiores é um dever; com nossos iguais, cortesia; com
nossos inferiores, nobreza. Não há arrogância maior do que a
proclamação de erros e falhas alheios, por aqueles que não entendem
nada além de borras de ações, e que fazem do enxovalhamento das
famas merecidas seu próprio negócio. O repúdio público é como
atingir um cervo no rebanho: não só o fere até o esgotamento do
sangue, como o denuncia ao cão de caça, seu inimigo.

A ocupação do espião sempre foi desonrosa, e não menos o é


hoje, quando, com raras exceções, editores e partidários se
tornaramespiões perpétuos das ações de outras pessoas. Sua malícia os
faz hábeis de olhos, aptos para perceber um defeito e publicá-lo e,
com uma construção forçada, depravar mesmo as coisas nas quais as
intenções do realizador foram honestas. Tal como o crocodilo,
enlodam o caminho dos outros para fazê-los cair; e quando isso
acontece, alimentam sua inveja insultante com sangue do prostrado.
Elevam os vícios dos outros até o alto, para contemplação do mundo,
e enterram suas virtudes no subsolo para que ninguém as note. Se não
conseguem ferir com provas, o fazem com probabilidades: e se não
com isso, manufaturam mentiras, como a de que Deus criou o mundo
a partir do nada; e assim corrompe o justo acusador das reputações do
homem; sabendo que a multidão irá acreditar nele, porque afirmações
são mais aptas a obter crença do que negativas para desacreditá-las; e
uma mentira viaja mais rápido que o voo da águia, enquanto a
contradição manqueja atrás dela com seu passo de caracol e,
hesitando, nunca a ultrapassa. Não. É contrario à moral do jornalismo
deixar que uma mentira seja contrariada no local em que ele a
desovou. E mesmo que um grande favor seja concedido, uma calúnia
uma vez levantada raramente morre ou fracassa em encontrar vários
quepermitem que ela se abrigue e ganhe crédito.

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MORAL E DOGMA

Esta, além de qualquer outra, é a era da mentira. Antigamente,


ser suspeito de equívoco bastava para manchar o brasão de um
cavalheiro; hoje, porém, dizer sempre a verdade, e de forma
escrupulosa, se tornou um mérito esquisito de algum partidário ou
estadista. Mentiras fazem parte da munição regular de todas as
campanhas e polêmicas, valoradas conforme forem rentáveis e
eficazes; e são armazenadas, possuindo valor de mercado, como o
salitre e o enxofre; sendo ainda mais mortal do que estes.

Se as pessoas pesassem as imperfeições da humanidade,


respirariam menos condenação. A ignorância faz depreciações numa
voz mais alta que a do conhecimento. Pessoas sábias preferem saber a
falar. Menosprezos frequentes não são senão defeitos de um saber sem
caridade: e é de onde não há julgamento que vem o julgamento mais
pesado; pois o autoexame de consciência tornaria caridosos todos os
juízos. Ainda que não conhecêssemos os vícios das pessoas,
dificilmente nos mostraríamos com uma virtude mais alta do que a da
caridade de ocultá-los: se não fosse bajulação persuadi-los a continuar.
E o ofício mais vil em que o homem pode cair é o de transformar sua
língua na difamadora das pessoas dignas...

Há apenas uma regra para o Maçom neste assunto. Se houver


virtudes e ele for convocado a falar daquele que as possui, que as diga
de modo imparcial. Se houver vícios misturados, contente-se em
deixar que o mundo os conheça por outra boca que não a sua. Pois
embora o malfeitor não mereça piedade, o merecem sua esposa, seus
pais, seus filhos e as outras pessoas inocentes que o amam; e o serviço
de capanga, praticado por aquele que apunhala um indefeso por um
preço pago por um individuo ou um grupo, não é em verdade mais
respeitável hoje do que o era há cem anos em Veneza. Onde
carecemos de experiência, a Caridade nos convida a pensar o melhor,
e a deixar o que não sabemos para o Sondador dos Corações; pois
enganos, suspeitas e inveja muitas vezes ofendem uma fama límpida;
e existe um risco menor numa construção caridosa.

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CAPÍTULO XXI: NOAQUITA, OU CAVALEIRO PRUSSIANO

E, finalmente, o Maçom deve ser humilde e modesto para


com o Grande Arquiteto do Universo, e não impugnar Sua Sabedoria,
nem configurar seu próprio senso imperfeito de Direito contra Sua
Providencia e suas dispensações, nem explorar com demasiada
imprudência os Mistérios da Essência Infinita e dos planos
inescrutáveis de Deus, e da Grande Natureza a qual não somos
capazes de entender.

Que ele se aparte de todas as vãs filosofias que se esforçam


para explicar tudo o que existe, sem admitir que existe um Deus,
separado e além do Universo, que é sua obra: que erigem a
Natureza Universalcomo um Deus e a adoram sozinha: que aniquilam
o Espírito, e não acreditam em nenhum testemunho exceto o dos
sentidos corpóreos: que, por meio de fórmulas lógicas e colocações
habilidosas de palavras, transformam o Deus verdadeiro, vivo, mentor
e protetor, numa nebulosa obscura de mera abstração e irrealidade, ela
própria uma simples fórmulalógica.

Tampouco faça alianças com aqueles teóricos que reprovam


os atrasos da Providência e se ocupam em apressar a lenta marcha que
se impõe sobre os acontecimentos: os que negligenciam a prática, e
lutam atrás de impossibilidades: os que são mais sábios que o Céu;
que conhecem as metas e os propósitos de Deus e conseguem avistar
métodos mais curtos e diretos de atingi-los do que os que Ele prefere
empregar: aqueles que não possuiriam discordâncias na grande
harmonia do Universo das coisas; mas distribuição igual de bens, sem
sujeição de um homem à vontade de outro, sem trabalho compulsório,
e ainda assim sem fome, nem destituição, nem pauperismo.

Que ele não gaste sua vida, como eles fazem, na construção
de uma Nova Torre de Babel; na tentativa de mudar o que está fixo
por uma lei inflexível do decreto de Deus; mas que se renda à
Sabedoria Superior da Providência, e seja contente para acreditar que
a marcha dos eventos é ordenada de modo justo por uma Sabedoria

50
MORAL E DOGMA

Infinita, e leva, embora não possamos ver, a um resultado grande e


perfeito; – que seja contente para seguir o caminho indicado por essa
Providencia, e para trabalhar pelo bem da raça humana desse modo
que Deus escolheu decretar, para que o bem fosse efetuado: e
sobretudo, que não construa nenhuma Torre de Babel, debaixo da
crença que ao subir irá se elevar tão alto que Deus desaparecerá ou
será substituído por um agregado grande e monstruoso de forças
materiais, ou meras fórmulas lógicas e esplêndidas; mas, para sempre,
permanecendo humilde e reverentemente sobre a terra, e olhando com
temor e confiança para o Céu, que ele seja contente porque um Deus
verdadeiro existe; uma pessoa, e não uma fórmula; um Pai e protetor,
que ama, simpatiza e se compadece; e que os métodos eternos pelos
quais Ele rege o mundo são infinitamente sábios, não importa o quão
distantes estejam acima da frágil compreensão e visão limitada do
homem.

51
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

CAPÍTULO XXII.

CAVALEIRO DO MACHADO REAL


OU
PRÍNCIPE DO LÍBANO.

SIMPATIA pelas classes laborais, respeito pelo próprio


trabalho, resolução para realizar alguma boa obra em nossa época e
geração, estes são os ensinamentos deste Grau, e são puramente
Maçônicos. A Maçonaria fez de um operário e seus sócios os Heróis
de sua lenda principal, e ele mesmo o companheiro de Reis. A ideia é
tão simples e verdadeira quanto sublime. Do princípio ao fim, a
Maçonaria é trabalho. Ela venera o Grande Arquiteto do Universo.
Comemora a construção de um Templo. Seus emblemas principais
são as ferramentas de trabalho dos Pedreiros e Artesãos. Preserva o
nome do primeiro trabalhador em bronze e ferro como uma de suas
palavras-passe. Quando os Irmãos se reúnem, estão no trabalho. O
Mestre é o supervisor que estabelece a arte de trabalhar e dá a correta
instrução. A Maçonaria é a apoteose doTRABALHO.

Foram as mãos de homens corajosos e esquecidos que


prepararam este grande, cultivado e populoso mundo para nós.
Ele é todo trabalho, e trabalho esquecido. Os verdadeiros
conquistadores, criadores e eternos proprietários de toda terra grande e
civilizada são todas as almas heroicas que já passaram por ela, cada
uma em seu grau: todos os que alguma vez ali derrubaram uma árvore
ou drenaram um pântano, ou inventaram um esquema sábio, ou
fizeram ou disseram algo verdadeiro ou valente. Só o trabalho
genuíno, feito fielmente, é eterno como o Próprio Fundador e
Construtor Todo-Poderoso do Mundo. Todo o trabalho é nobre: uma
vida de facilidades não o é para nenhum homem, nem para nenhum
Deus. O Feitor Todo-Poderoso não é alguém que, nos velhos tempos
imemoriais, tendo feito sua maquina de Universo, se sentou desde

52
MORAL E DOGMA

então, para vê-lo funcionar. Desta crença advém o Ateísmo. Ter fé


numa Divindade Invisível, Inominável e Dirigente, presente em toda
parte e em tudo o que vemos, trabalhar e sofrer, é a essência de toda a
fé.

A vida de todos os Deuses nos aparece como uma Seriedade


Sublime; – da batalha Infinita contra o trabalho Infinito a Nossa mais
alta religião é chamada Culto ao Sofrimento. Não há uma coroa nobre,
gasta, ou mesmo mal usada, para o Filho do Homem, mas há uma
coroa de espinhos. O maior destino do homem não é ser feliz, nem
amar coisas agradáveis e encontrá-las. Sua única infelicidade
verdadeira deve ser não poder trabalhar, nem completar seu destino
como homem. Nosso dia passa rapidamente, nossa vida passa
rapidamente, e vem a noite, onde ninguém pode trabalhar. Ao vir essa
noite, nossas infelicidades e felicidades desaparecem, e se tornam
como coisas que jamais existiram. Mas nosso trabalho não é abolido
nem desaparece. Ele permanece, ou permanece a falta dele, pelo
Tempo e pela Eternidade sem fim.

Tudo de moralidade e de inteligência; de paciência,


perseverança,lealdade, de método, percepção, engenhosidade, energia;
numa só palavra, tudo de FORÇA que um homem tem em si
repousará gravado no TRABALHO que realiza. Trabalhar é se testar
contra a Natureza e suas leis eternas e inerrantes: e elas lhe retribuirão
o veredito verdadeiro. A Epopeia mais nobre é um Império poderoso
lentamente construído em conjunto, uma série poderosa de proezas
heroicas, uma vitória poderosa sobre o caos. Ações são maiores do
que palavras. Elas possuem uma vida, muda, mas inegável; e
crescem. Povoam a vacuidade do Tempo e o tornam ilustre e
verdejante.

O trabalho é o mais verdadeiro símbolo de Deus, o Arquiteto e


Feitor Eterno; o nobre Trabalho, que ainda é o Rei desta Terra e se
assenta no Trono mais elevado. Homens sem deveres a cumprir

53
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

são como arvores plantadas em precipícios; de raízes dos tais a terra


inteira está esfarelada. À natureza não pertence ninguém que não seja
um Mártir. Ela despreza o homem que fica escondido de todo o
trabalho, da carência, do perigo, da dificuldade, cujo triunfo nos tais é
o trabalho; que tem todo o seu trabalho e batalhas realizados por outras
pessoas; e ainda há pessoas que se orgulham porque elas e os seus não
realizam nenhum trabalho mental. Não o realizam também os porcos.

O comandante dos homens é aquele que se situa na


vanguarda dos homens, afrontando o perigo que espanta de volta todos
os outros, e que se não fosse vencido os devoraria. Hércules foi
adorado por doze trabalhos. O Czar da Rússia se tornou um árduo
construtor naval, e trabalhou com seu machado nas docas de
Saardam; e alguma coisa adveio disto. Cromwell trabalhou, também
Napoleão; e fizeram algo.

Há uma nobreza e mesmo uma sacralidade perenes no


trabalho. Não seja ele nunca tão ignorante e esquecido de sua elevada
vocação, há sempre a esperança no homem que trabalha de verdade e
com seriedade: na Ociosidade só existe Desespero perpétuo. O
homem se aperfeiçoa trabalhando. Selvas são limpas. Belos campos
de sementes e cidades suntuosas crescem no lugar; e, com isto, o
próprio homem é o primeiro que deixa de ser uma selva e um deserto
sujos e insalubres. Mesmo no pior tipo de trabalho, a alma inteira do
homem se compõe de uma espécie de harmonia real, no momento em
que começa a trabalhar. Dúvida, Desejo, Tristeza, Remorso, a
Indignação e até mesmo Desespero recuam murmurantes para longe,
até suas cavernas, sempre que o homem se lança resolutamente contra
suas tarefas. Trabalho é vida. Do âmago do coração do trabalhador se
levanta a sua Força, dada por Deus, a Celeste e Sagrada essência da
Vida, assoprada nele pelo Deus Onipotente; e o desperta para toda a
nobreza assim que o trabalho, no tempo certo, se inicia. É por meio
dele que o homem aprende a Paciência, a Coragem, a Perseverança, a
Abertura à luz, a disponibilidade de assumir o próprio erro, e a

54
MORAL E DOGMA

determinação para se aperfeiçoar e fazer melhor. Só pelo trabalho o


homem aprenderá continuamente as virtudes. Não há Religião na
estagnação e na inércia; apenas na atividade e no esforço. Não haveria
a verdade mais profunda nestes dizeres dos velhos monges: “laborare
est orare”. “Reza melhor quem ama mais todas as coisas grandes e
pequenas”; “e não pode um homem amar senão trabalhando com
seriedade em benefício daqueles a quem ama.”?

“Trabalhai; e nisto tereis bem-estar”, é o mais antigo dos


Evangelhos; não-proclamado, inarticulado, porém indelével e
eternamente duradouro. Fazer da Desordem, onde for encontrada, uma
eterna inimiga; atacá-la e subjugá-la, e dela criar a ordem, não sujeita
ao Caos, mas à Inteligência, à Divindade e a nós mesmos; atacar a
ignorância, a estupidez e a mentalidade bestial onde quer que se
encontrem, feri-las de modo incansável e com sabedoria, não
descansar enquanto nós e elas vivermos, e em nome de Deus: este é
nosso dever como Maçons; ordenado a nós pelo Deus Altíssimo. Até
mesmo Ele nos fala, com sua voz inaudita, mais temível que os
trovões do Sinai ou que o discurso silabado do Furacão. As Eras
Nonatas; os velhos Túmulos, nos falam com suas areias mofadas. O
profundo Reino da Morte, os Astros em seus trajetos incansáveis,
todo o Espaço e todo o Tempo silenciosamente e continuamente nos
advertem que nós também devemos trabalhar enquanto isto se chamar
Hoje. O trabalho, vasto como a Terra, tem seu ápice no céu. Trabalhar
com o suor do rosto, do cérebro ou do coração, é cultuar; – é coisa
mais nobre já descoberta sob as Estrelas. Que os cansados deixem de
pensar que o trabalho é uma maldição e uma condenação pronunciada
pela Divindade. Sem ele não haveria a excelência verdadeira na
natureza humana. Sem ele, a dor, e a tristeza, onde estariam as
virtudes humanas? Onde estariam a Paciência, a Perseverança, a
Submissão, a Energia, a Resistência, a Fortitude, a Bravura, o
Desinteresse, o Autossacrifício, e as mais nobres excelências da alma?

Que aquele que trabalha não se queixe, nem se sinta

55
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

humilhado! Que olhe para cima, e lá veja seus camaradas, na


Eternidade de Deus; só eles sobrevivem ali. Mesmo na fraca memória
humana eles viverão por muito tempo, como Santos, como Herois, e
como Deuses: só eles sobrevivem, e povoam a as solidões
imensuráveis do Tempo.

Ao homem primitivo, tudo o que é bom desce sobre ele (como


de fato, sempre ocorre) direto de Deus; qualquer dever que repouse
visível para ele, um Deus Supremo já o havia prescrito. Ao homem
primitivo, em quem residia o Pensamento, todo este Universo era um
Templo, e a vida em todos os lugares um Culto.

O dever está sempre conosco; e sempre nos proíbe de sermos


ociosos. Trabalhar com as mãos ou com o cérebro, de acordo com
nossas necessidades e capacidades, e fazer o que está diante de nós, é
mais honroso do que status e títulos. Lavradores, fiandeiros e
construtores, inventores e homens de ciência, poetas, advogados e
escritores, todos estão no mesmo nível comum, e formam uma legião
inumerável e gigantesca, marchando sempre avante desde os
primórdios do mundo: todos conferidos à nossa simpatia e respeito,
cada homem nosso irmão.

Foi bom dar ao homem a terra como uma massa escura, para
nela trabalhar. Foi bom fornecer-lhe materiais brutos e feios nas
jazidas e nas florestas, para moldá-los em esplendor e beleza. Isto foi
bom não por causa deste esplendor e beleza; mas porque o ato de criá-
los é melhor do que as coisas em si; pois o esforço é mais nobre que o
prazer; porque o trabalhador é melhor e mais digno de honra que o
vagabundo. A Maçonaria fica de pé para a nobreza do trabalho. Ele é
a grande ordenança do Céu para o aperfeiçoamento humano. Foi
dilapidado pelas eras; mas a Maçonaria anseia reconstruí-lo. Tem sido
demolido, pois as pessoas só trabalham porque devem, submetendo-se
a ele muitas vezes como uma necessidade degradante; e nada
desejando tanto na terra do que dele escapar. Elas cumprem a grande

56
MORAL E DOGMA

lei do trabalho na letra, mas a violam no espírito; cumprem com os


músculos, mas a violam com a mente.

A Maçonaria ensina que todo o ocioso deve se precipitar para


alguma área do trabalho, manual ou mental, como o palco escolhido e
cobiçado do aperfeiçoamento; mas não é obrigado a fazê-lo, sob os
ensinamentos de uma civilização imperfeita. Pelo contrario, ele se
senta, cruza os braços, se benze e se glorifica em sua ociosidade. Já
era tempo deste opróbrio do trabalho ter acabado. Se envergonhar da
labuta; da oficina suja e do trabalho empoeirado do campo; da mão
calejada, manchada com um serviço mais honroso do que a guerra;
das roupas descoradas e sujas de terra, nas quais a Mãe Natureza
estampou, em meio a sol e chuva, em meio a calor e vapor, as suas
próprias honras heráldicas; se envergonhar destes símbolos e títulos, e
ter inveja das túnicas bizarras da ociosidade e da vaidade imbecil, é
uma traição à Natureza, uma impiedade para com o Céu, e uma
ruptura da grande Ordenança do Céu. O TRABALHO ÁRDUO, do
cérebro, do coração, ou das mãos, é a única humanidade verdadeira e
a única nobreza genuína.

O trabalho é o ministério mais benéfico que a ignorância


humana compreende, ou que suas reclamações admitirão. Mesmo
quando seu término é encoberto, não é mera faina cega. É todo um
treinamento, uma disciplina, um desenvolvimento de energias, uma
enfermaria de virtudes, uma escola de aperfeiçoamento. Desde o
menino pobre que reúne alguns gravetos para fogueira de sua mãe, até
o homem forte que derruba o carvalho ou dirige os navios e
automóveis, cada trabalhador humano, com cada passo cansado e
cada tarefa urgente, estão obedecendo a uma sabedoria muito acima
de sua própria sabedoria, e cumprindo um desígnio muito além de seu
próprio desígnio.

A grande lei da dedicação humana é esta: que na dedicação, ao


se trabalhar quer com a mente quer com as mãos, na aplicação de

57
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

nossos poderes em alguma tarefa, para a realização de algum


resultado, reside o alicerce de todo o aperfeiçoamento humano. Não
fomos enviados ao mundo como animais, para devorar a pastagem
espontânea do campo e depois nos deitar em indolente repouso; mas
fomos enviados para escavar o solo e singrar o mar; executar os
negócios das cidades e os trabalhos das fábricas. O mundo é a escola
gigantesca e indicada da dedicação. Num estado artificial de
sociedade, a raça humana se divide entre as classes trabalhadoras e as
ociosas; mas tal não foi o desígnio da Providência.

O trabalho é a grande função do homem, sua distinção peculiar


e seu privilégio. Deixar de ser animal que come, bebe e dorme, para se
tornar um trabalhador, com a mão da engenhosidade a despejar seus
próprios pensamentos nos moldes da Natureza, modelando-os em
formas de graça e fabricos de conveniência e convertendo-os para fins
de melhoria e felicidade, é o maior degrau possível no privilégio.

A Terra e a Atmosfera são os laboratórios do homem. Com a


enxada e com o arado, com picaretas, fornalhas e forjas, com fogo e
vapor; em meio a ruídos e volteios de máquinas rápidas e reluzentes, e
nos campos silenciosos fora da cidade, o homem foi criado para estar
sempre trabalhando, sempre experimentando. E enquanto ele e todas
as suas moradias de cuidado e trabalho progridem junto com os céus
circulares, e os esplendores do Céu ficam ao seu redor, e suas
profundezas infinitas criam imagens e atraem seu pensamento,
aindaassim em todos os mundos da Filosofia, no universo do intelecto,
o homem será um trabalhador. Ele não é nada, não pode ser nada, não
pode conseguir nada, executar nada, sem trabalhar. Sem ele, nem pode
obter elevado aperfeiçoamento nem tolerável felicidade. Os ociosos
precisam caçar as horas como suas presas. Para eles o Tempo é
um inimigo, vestido com uma armadura; e devem matá-lo, ou eles
mesmos morrem. E este jamais se responsabilizou, nem nunca se
responsabilizará, por alguém que não faz nada, que se exime de todo
cuidado e esforço, que fica sentado, anda, passeia e festeja

58
MORAL E DOGMA

unicamente. Ninguém pode viver deste modo. Deus fez uma lei contra
isso: que nenhum poder humano pode anular, nenhum engenho
humano contornar.

A ideia de que se deve adquirir um patrimônio no decurso de


dez ou vinte anos e este será suficiente para o resto da vida; que todo o
trabalho de uma vida deve ser realizado numa parcela resumida dela,
porintermédio de algum tráfico próspero ou uma grande especulação;
e que uma porção enorme do término da existência humana pode
ser exonerado das preocupações da dedicação e da abnegação, é uma
ideia baseada num sério equívoco, numa concepção errada sobre a
verdadeira natureza e desígnio do trabalho, e sobre as condições do
bem-estar humano O desejo de acúmulo em prol da garantia de uma
vida de facilidades e gratificações, para fugir do esforço e da
abnegação, é completamente errado, apesar de muito comum.

Melhor é para o Maçom viver enquanto vive, e aproveitar a


vida conforme ela passa: viver mais rico e morrer mais pobre. É a
melhor coisa para banir da mente esse sonho vazio de indolência e
indulgência futuras; para se encaminhar aos negócios da vida, como
escola de sua educação terrena; para determinar para si mesmo que a
independência, caso conquiste, não concede isenção do emprego. É a
melhor coisa para fazê-lo saber que, para ser alguém feliz, ele deve
sempre trabalhar, com a mente, com o corpo, ou com ambos: e que o
empenho razoável de seus poderes corporais e mentais não deve ser
visto como simples labuta, mas como uma boa disciplina, uma
ordenação sábia, um treinamento nesta escola primária de nosso ser,
para esforços mais nobres e esferas de atividade mais elevadas no
futuro.

Existe razoes pelas quais um Maçom pode legalmente, e


mesmo ardentemente, desejar fortuna. Se puder preencher algum belo
palácio, por si só uma obra de arte, com as produções de sublimes
gênios; se puder ser o amigo e ajudante de um humilde justo; se

59
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

puder procurá-lono lugar em que a saúde decadente ou a sorte adversa


o oprimem duramente, e amenizar ou suspender as horas amargas que
o apressam para a loucura ou para a sepultura; se puder ficar entre o
opressor e sua presa, e ordenar ao grilhão e ao calabouço que desistam
de suas vítimas; se puder construir grandes instituições de ensino e
academias de arte; se puder perfurar fontes de conhecimento para o
povo e conduzir seusfluxos para os canais certos; ele puder fazer mais
para os pobres do que lhes dar esmolas – até mesmo pensar neles e
elaborar planos para sua elevação em conhecimento e em virtude, ao
invés de abrir eternamente os reservatórios e recursos de sua
improvidência; se tiver coração e alma suficientes para fazer tudo isso,
ou parte disso; se para ele a riqueza for serva do esforço, facilitando o
empenho e dando sucesso ao empreendimento; então poderá desejá-la
legitimamente, mas ainda assim com cautela e modéstia. Porém se ela
não faz nada por ele, senão auxiliar a facilidade e a indulgência, e
colocar seus filhos na mesma péssima escola, então não há razão
pela qual deva desejá-la.

Que há de glorioso no mundo, que não seja produto do


trabalho, quer do corpo, quer da mente! Que é a história, senão
seus registros? Que são os tesouros do gênio e da arte, senão seu
trabalho? Que são os campos cultivados, senão sua labuta? Os
mercados azafamados, as cidade crescentes, os impérios enriquecidos
do mundo não são senão as grandes casas dos tesouros do trabalho. As
pirâmides do Egito, os castelos, torres e templos da Europa, as cidades
soterradas da Itália e do México, os canais e as ferrovias da
Cristandade, não são senão trilhas, ao redor de todo o mundo, dos
passos poderosos do trabalho. Sem ele a antiguidade nada seria. Sem
ele, não haveria memória do passado, nem nenhuma esperança para o
futuro.

Mesmo a desocupação absoluta repousa sobre os tesouros que


o trabalho em algum momento conquistou e ajuntou. Aquele que não
faz nada e, apesar disso, não passa fome, tem ainda sua

60
MORAL E DOGMA

significância; pois ele é prova viva de que alguém em algum tempo


trabalhou. Mas não é este quem a Maçonaria homenageia. Ela honra o
Trabalhador, o Labutador; quem produz e não consome sozinho;
quem oferece sua mão para aumentar o tesouro dos confortos
humanos, e não apenas pararetirá-los dele. Ela homenageia aquele que
sai em meio aos elementos belicosos para lutar sua batalha, que não se
encolhe com uma afeminação covarde atrás das almofadas da
facilidade. Homenageia o músculo forte, o nervo viril, o coração
resoluto e corajoso, o suor da fronte e o trabalho árduo do cérebro.
Homenageia os grandiosos e belos ofícios da humanidade, o trabalho
másculo e o afazer feminino; a dedicação paterna e a vigília e o
cansaço maternos; a sabedoria ensinando e a paciência aprendendo; a
testa de preocupação que preside sobre o Estado, e o trabalho de
muitas mãos que labuta nas oficinas, nos campos e nos estudos,
debaixo de seu poder brando e benéfico.

Deus não criou um mundo de pessoas ricas; mas sim um


mundo de pessoas pobres; ou, pelo menos, de pessoas que devem
trabalhar pela subsistência. Essa é, portanto, a melhor condição para o
homem e a grande esfera do aperfeiçoamento humano. Se o mundo
inteiro pudesse adquirir riqueza, (e um homem tivesse tanto direito
quanto os outros, ao nascer); se atual geração pudesse estabelecer
provisões completas para a próxima, como alguns homens desejam
fazer para seus filhos; o mundo seria destruído num único golpe.
Toda a indústria cessaria com a necessidade disto; todo o
aperfeiçoamento pararia com a demanda de esforço; a dissipação das
fortunas, cujas perdas são hoje compensadas pelo tom saudável da
sociedade, produziria uma doença universal e irromperia numa
licenciosidade universal; e o mundo afundaria, podre como Herodes,
na sepultura de seus próprios vícios repulsivos.

Quase todas as coisas mais nobres alcançadas no mundo,


foram alcançadas por pessoas pobres; pobres estudantes, pobres
profissionais, pobres artistas e artesãos, pobres filósofos, poetas e

61
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

homens de genialidade. Certa serenidade e sobriedade, certa


moderação e contenção, certa pressão das circunstancias, são boas
para o homem. Seu corpo não foi feito para luxúrias. Ele adoece,
definha e morre sob elas. Sua mente não foi feita para indulgência. Ela
cresce débil, efeminada e raquítica nesta condição. E quem mima seu
corpo com luxúrias e sua mente com indulgência, lega as
consequências às mentes e corpos de seus descendentes, sem a riqueza
que foi sua causa. Pois a riqueza, sem uma lei de sucessão para
auxiliá-la, sempre careceu da energia para até mesmo manter seus
próprios tesouros. Eles caem de sua mão imbecil. A terceira geração
quase inevitavelmente despenca na giratória roda da fortuna, e não
aprendem a energia necessária para subir novamente, se ainda subir;
legatária, como é, das doenças do corpo, das fraquezas mentais e dos
vícios das almas de seus ancestrais, mas não-herdeira de sua riqueza.
E mesmo assim quase todos nós somos ansiosos para colocar nossos
filhos, ou garantir que os nossos netos serão colocados, nessa estada
para a indulgência, a luxúria, o vício, a degradação e a ruína;
nesta herança de doença hereditária, enfermidade de alma e lepra
mental.

Se a riqueza fosse empregada na promoção da cultura mental


em casa, e em obras de filantropia no exterior; em multiplicar os
estudos da arte e construir instituições de ensino à nossa volta; em
elevar de toda a forma o caráter intelectual do mundo, dificilmente
haveria muito dela. Mas se o maior objetivo, esforço e ambição da
riqueza fosse o de adquirir mobílias ricas, proporcionar
entretenimentos caríssimos, construir casas luxuosas, e servir à
vaidade, à extravagância e às ostentações, dificilmente ela seria
pequena. Ela poderia ser, até certo ponto, a lacaia das elegâncias e
dos luxos, e a servidora da hospitalidade e do prazer físico: mas na
mesma proporção em que suas tendências se precipitam desta
forma, despidas de todos os objetivos mais elevados, também se
precipitam para o perigo e para o mal.

62
MORAL E DOGMA

Não que o perigo se prenda somente aos indivíduos e às


famílias. Ele permanece, como um farol temeroso, nas experiências
das Cidades, das Republicas e dos Impérios. As lições do passado
sobre este assunto são enfáticas e solenes. A história da riqueza
sempre foi uma história de corrupção e decadência. Nunca existiu um
povo que pudesse suspender o julgamento. A profusão sem limites é
pouco agradável para difundir para todo o povo o teatro da energia
viril, da abnegação rígida e da virtude sublime. Não se encontra ossos,
tendões e a força de um país, seus talentos e virtudes mais sublimes,
seus mártires do patriotismo ou da religião, e homens que vão ao
encontro dos dias de perigo e desastre, em meio aos filhos da
facilidade, da indulgência e da luxúria.

Na grande marcha das raças de pessoas sobre a terra, sempre


temos visto opulência e luxo naufragando ante a pobreza, o trabalho
árduo e a educação rústica. Essa é a lei que presidiu sobre as grandes
procissões do império. Sídon e Tiro, cujos comerciantes possuíam a
riqueza dos príncipes; Babilônia e Palmira, assentos de luxo Asiático;
Roma, abarrotada com os despojos do mundo, mais transtornada por
seus próprios vícios do que pelas hostes dos seus inimigos; todos estes
e muitos outros, são exemplos das tendências destrutivas da
acumulação imensa e inatural: as pessoas devem se tornar mais
generosas e mais benevolentes, não mais egoístas e efeminadas, à
medida que se tornam mais ricas, ou a historia da riqueza moderna
seguirá o triste comboio de todos os exemplos do passado.

Todos os homens desejam distinção, e sentem a necessidade de


algum objetivo enobrecedor na vida. São geralmente mais felizes e
satisfeitas em suas buscas as pessoas que têm os fins mais sublimes
em vista. Artistas, mecânicos e inventores, todos os que procuram
encontrar princípios ou desenvolver a beleza em seu trabalho parecem
apreciá-lo mais. O agricultor que lavora pelo embelezamento e cultivo
científico de seu patrimônio, é mais feliz no seu trabalho do que
aquele que lavra sua própria terra para a mera subsistência. Este é um

63
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

dos testemunhos notáveis que dão todos os empregos humanos para as


altas demandas de nossa natureza. Juntar riqueza nunca dá tanta
satisfação quanto trazer à perfeição a peça mais humilde de um
maquinário: ao menos quando a riqueza é buscada para exibição e
ostentação, por mero luxo, ou facilidade, ou prazer; e não para fins
de filantropia, do alívio de parentes,de pagamento de dívidas, ou como
o meio de se atingir algum outro grande e nobre objetivo.

Conectada às buscas das multidões está uma dolorosa


convicção de que elas nem fornecerão um objetivo suficiente, nem
conferirão qualquer honra satisfatória. Para que trabalhar, se o
mundo em breve nem saberá que tal ser alguma vez existiu; e quando
não se pode perpetuar seu nome nas telas, no mármore, em livros, nem
por sublime eloquência, nem por política?

A resposta é que todo homem tem um trabalho para fazer em si


próprio, maior e mais sublime que qualquer obra genial; e trabalha
sobre um material mais nobre do que madeira ou mármore – sobre sua
própria alma e intelecto, e pode assim atingir a nobreza e a grandeza
mais elevadas que se conhece na terra ou no Céu; pode desta
forma ser o maior dos artistas e dos autores, em sua vida, que é muito
maior que um discurso talvez eloquente.

O grande autor ou artista só retrata o que todo homem


deveria ser. Ele concebe o que devemos fazer. Concebe, e representa a
beleza moral, magnanimidade, fortitude, amor, devoção, perdão, a
grandeza da alma. Retrata virtudes, recomendadas para nossa
admiração e imitação. Incorporar estes retratos em nossas vidas é a
realização prática dos grandes ideais da arte. A magnanimidade dos
Herois, comemoradas nas páginas históricas ou poéticas; a constância
e a fé dos mártires da Verdade; a beleza do amor e da piedade se
iluminando nos quadros a óleo; os contornos do Verdadeiro e do
Correto, o brilho dos lábios do Eloquente, são em sua essência apenas
o que cada um pode sentir e praticar nos passeios diários da vida. O

64
MORAL E DOGMA

trabalho da virtude é mais nobre do que qualquer obra da genialidade;


pois é algo mais nobre ser um heroi do que descrever um, resistir ao
martírio do que pintá-lo, e agir corretamente do que pleitear isso. A
ação é maior que a escrita. Um homem bom é objeto mais digno de
contemplação do que um grande autor. Há somente duas coisas pelas
quais vale a pena viver: fazer o queé digno de ser escrito; e escrever o
que é digno de ser lido; mas a maior destas é o fazer.

Cada pessoa deve fazer algo mais nobre do que o que qualquer
pessoa possa fazer ou descrever. Existe um vasto campo para a
coragem, animação, energia e dignidade da existência humana. Que
nenhum Maçom, portanto, considere sua vida como condenada à
mediocridadeou à mesquinhez, à vaidade ou ao labor desvantajoso, ou
a quaisquer fins menos que imortais. Ninguém pode dizer
verdadeiramente que os grandes prêmios da vida são para os outros, e
que ele nada pode fazer. Não importa quão magnífico e nobre um ato
possa ser descrito pelo autor ou pintado pelo artista, ainda mais nobre
será ir e fazer o que umdescreve, ou ser o modelo que o outro esboça.

A ação mais sublime que alguma vez foi descrita não é mais
magnânima do que a que podemos encontrar ocasião de fazer, nos
passeios diários da vida; na tentação, no perigo, na privação, na
aproximação solene da morte. Na grande Providência de Deus, nas
grandes ordenanças de nosso ser, existe aberta a todos uma esfera para
as ações mais nobres. Não é ainda nas situações extraordinárias, em
que todos os olhares estão postos sobre nós, onde toda a nossa energia
está estimulada e toda a nossa vigilância está desperta, que os maiores
esforços da virtude nos serão exigidos; mas, sim, no silêncio e na
reclusão, em meio a nossas ocupações e nossos lares; na moléstia
desgastante que não reclama; na honestidade duramente provada que
não pede louvor; no desinteresse simples, escondendo a mão que
renunciasua vantagem aos outros.

A Maçonaria pretende enobrecer a vida comum. Seu trabalho é

65
CAPÍTULO XXII: CAVALEIRO DO MACHADO REAL OU PRÍNCIPE DO LÍBANO

descer aos registros obscuros e insondados do sentimento e da conduta


diária; e retratar não a virtude ordinária de uma vida extraordinária;
mas a mais extraordinária virtude da vida ordinária. O que é feito e
suportado nas sombras da privacidade, no caminho duro e batido do
cuidado e do trabalho diários, cheios de sacrifícios não celebrados;
no sofrimento, sofrimento às vezes insultado, que veste para o mundo
um semblante alegre; na longa peleja do espírito, resistindo à dor,
miséria e negligência, trazidas nas profundidades mais íntimas do
coração; – o que é feito, suportado, forjado e conquistado ali, é uma
glória maior, e herdará uma coroa mais fúlgida.

Sobre o tomo da vida Maçônica está inscrita uma palavra


luminosa, da qual brilha por todos os lados um inefável esplendor.
Esta palavra é DEVER.

Ajudar a garantir a todos emprego permanente e sua justa


recompensa: ajudar a acelerar a vinda da época em que mais nenhuma
pessoa sofrerá de fome ou miséria, porque embora com vontade e apta
para trabalhar não consegue encontrar emprego, ou porque foi
acometida por doença no meio de seus trabalhos, é parte de seus
deveres como Cavaleiro do Machado Real. E se pudermos obter
sucesso em fazer algum pequeno recanto da criação de Deus ser um
pouco mais frutífero e animado, um pouco melhor e mais digno
d’Ele, – ou em fazer um ou dois corações humanos um pouco mais
sábios, mais robustos, esperançosos e felizes, teremos feito um
trabalho digno de Maçons, e aceitável a nosso Pai no Céu.

66
MORAL E DOGMA

CAPÍTULO XXIII.

CHEFE DO TABERNÁCULO

ENTRE a maioria das Nações Antigas havia, além de seu


culto público, um particular intitulado os Mistérios; para estes eram
admitidos somente os que haviam sido preparados por certas
cerimônias chamadas de iniciações.

Os mais amplamente difundidos dos cultos antigos foram os


de Isis, Orfeu, Dionísio, Ceres e Mitra. Muitas nações bárbaras
receberam o conhecimento dos Mistérios em honra a estas divindades
a partir dos Egípcios, antes de chegarem à Grécia; e mesmo nas Ilhas
Britânicas os Druidas celebravam os de Dionísio, aprendidos por eles
dos Egípcios.

Os Mistérios de Elêusis, celebrados em Atenas em honra de


Ceres, engoliram, por assim dizer, todos os outros. Todas as nações
vizinhas negligenciaram os seus próprios, para celebrarem os de
Elêusis; e em pouco tempo toda a Grécia e a Ásia Menor foram
preenchidas com os Iniciados. Propagaram-se pelo Império Romano, e
mesmo além de seus limites, “esses santos e augustos Mistérios
Eleusinos,” disse Cícero, “nos quais as pessoas das terras mais
longínquas são iniciadas”. Zósimo diz que abrangiam toda a raça
humana; e Aristides chamou-os detemplo comum do mundo inteiro.

Havia, nos festins Eleusinos, duas sortes de Mistérios, os


grandes, e os pequenos. Os últimos eram uma espécie de preparação
para os primeiros; e neles todos eram admitidos. Ordinariamente havia
um noviciado de três, e às vezes de quatro anos.

Clemente de Alexandria diz que o que era ensinado nos


grandes Mistérios concernia ao Universo, e era o arremate e a

67
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

perfeição de toda a instrução; onde as coisas eram vistas como eram, e


a natureza e suas obras tornadas conhecidas.

Os antigos diziam que os Iniciados seriam mais felizes que os


outros mortais após a morte; e que, enquanto as almas dos Profanos ao
deixarem seus corpos, seriam mergulhadas na lama, e
permaneceriam enterradas em trevas, as dos Iniciados voariam para as
Ilhas Afortunadas,a morada dos Deuses.

Platão disse que o objetivo dos Mistérios era restabelecer a


almaem sua pureza primitiva, e naquele estado de perfeição que havia
perdido. Epiteto disse, “tudo o que se encontra neles foi instituído por
nossos Mestres, para a instrução do homem e correção da moral.”

Proclo acreditava que a iniciação elevava a alma, de uma vida


material, sensual, e puramente humana, para uma comunhão e ligação
celestial com os Deuses; e que uma variedade de coisas, formas, e
espécies eram mostradas aos Iniciados, representando a primeira
geraçãodos Deuses.

Pureza moral e elevação de alma eram requeridas dos


Iniciados. Exigia-se que os Candidatos fossem de reputação imaculada
e virtude irrepreensível. Nero, após assassinar sua mãe, não ousou
estar presente na celebração dos Mistérios: e Antônio apresentou-se
para ser iniciado, como o modo mais infalível de provar sua inocência
pela morte deAvídio Cássio.

Os Iniciados eram vistos como os únicos homens afortunados.


“É apenas sobre nós,” diz Aristófanes, “que brilha a beneficente
estrela da manhã. Somente nós recebemos satisfação a partir da
influência de seus raios; nós, que somos iniciados, e praticamos
para com cidadãos e estrangeiros todo ato possível de justiça e
piedade.” E, portanto, não surpreende que, na época, a iniciação veio
a ser considerada tão necessária quanto posteriormente foi o batismo

68
MORAL E DOGMA

para os Cristãos; e que não ser admitido nos Mistérios era sustentar
uma desonra.

“Parece-me,” diz o grande orador, filósofo, e moralista,


Cícero, “que Atenas, dentre outras excelentes invenções, divinas e
muito úteis à família humana, não produziu nada comparável aos
Mistérios, que substituíram uma vida selvagem e feroz pela
humanidade e urbanidade de costumes. É com boa razão que
usam o termo iniciação; pois é através deles que em verdade
aprendemos os primeiros princípios da vida; e eles não só nos
ensinam a viver de uma maneira mais confortante e agradável, como
aliviam as dores da morte pela esperançade uma melhor vida futura.”

Não se sabe onde se originaram os Mistérios. Supõe-se que


vieram da Índia, por via da Caldeia, para o Egito, e então foram
transportados para a Grécia. Onde quer que floresceram, eram
praticados entre todas as nações antigas; e, como era usual, os Trácios,
Cretenses, e Atenienses, cada um reivindicava a honra da invenção, e
cada um insistia que não haviam se apropriado de nada de quaisquer
outros povos.

No Egito e no Oriente, toda a religião, mesmo em suas


formas mais poéticas, era mais ou menos um mistério; e a razão
principal por que, na Grécia, um nome e função distintos foram
atribuídos aos Mistérios, é que a teologia popular superficial deixava
uma necessidade insatisfeita, que somente a religião, num sentido
mais amplo, poderia suprir. Eram reconhecimentos práticos da
insuficiência da religião popular em satisfazer os pensamentos e
aspirações mais profundos da mente. A imprecisão do simbolismo
poderia, talvez, alcançar o que um credo mais palpável e convencional
não conseguia. O simbolismo, por sua indefinição, reconhecia a
abstrusão de seu assunto; tratava um objeto misterioso misticamente;
tentava ilustrar o que não conseguia explicar; excitar um sentimento
apropriado, se não conseguisse desenvolver uma ideia adequada; e

69
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

fazer da imagem um mero veículo subalterno da concepção, que por si


só nunca se tornou óbvia nem familiar.

A instrução hoje comunicada por livros e letras, antes era


veiculada por símbolos; e os sacerdotes inventavam ou perpetuavam
uma série de ritos e exibições, que não eram apenas mais atraentes aos
olhos do que palavras, mas muitas vezes mais sugestivos e prenhes de
significado paraa mente.

Posteriormente, a instituição se tornou mais moral e


política, do que religiosa. Os magistrados civis moldaram as
cerimônias para fins políticos no Egito; os sábios que as transferiram
desse país para a Ásia, Grécia, e para o Norte da Europa, foram todos
reis ou legisladores. O magistrado-chefe presidia os de Elêusis,
representado por um oficial denominado Rei: e o Sacerdote
desempenhava apenas um papel secundário.

Todos os Poderes reverenciados nos Mistérios eram, na


realidade, Deuses da Natureza; nenhum dos quais poderia ser tratado
de modo coerente como heroi, porque sua natureza era confessamente
super- heroica. Os Mistérios, de fato apenas uma expressão mais
solene da religião da antiga poesia, ensinavam essa doutrina da
Theocracia ou Unidade Divina, que mesmo a poesia não oculta
completamente. Não estavam em nenhuma hostilidade aberta com
a religião popular, mas eram apenas uma exibição mais solene de
seus símbolos; ou antes uma parte dela numa forma mais
impressionante. A essência de todos os Mistérios, como de todo o
politeísmo, consiste nisso: que a concepção de um Ser inacessível,
único, eterno, e imutável, e a de um Deus da Natureza, cujo poder
múltiplo é imediatamente revelado aos sentidos no ciclo incessante de
movimento, vida, e morte, caíram fragmentadas em seu tratamento, e
foram simbolizadas separadamente. Eles ofereciam um problema
perpétuo para aguçar a curiosidade, e contribuíam para satisfazer o
onipenetrante sentimento religioso, que, se não obtém nenhum

70
MORAL E DOGMA

alimento entre o simples e inteligível, encontra compensatória


excitação na contemplação reverente do obscuro.

A natureza é tão livre do dogmatismo quanto da tirania; e os


instrutores mais antigos da humanidade não só adotaram suas lições,
como aderiram o quanto possível ao seu método de transmiti-las. Eles
tentavam atingir o entendimento por meio da visão; e a maior parte de
todo o ensinamento religioso era veiculada por intermédio deste modo
antigo e mais impressivo de “exibição” ou demonstração. Os
Mistérios eram um drama sagrado, exibindo alguma lenda
significativa das mudanças da Natureza, do Universo visível no qual a
divindade é revelada, e cuja importação era, em muitos aspectos, tão
aberta ao Pagão, quanto ao Cristão. Além das tradições atuais ou
recitais sacros do templo, poucas explicações eram dadas aos
expectadores, que eram deixados, como na escola da natureza, a fazer
inferências por si mesmos.

O método de sugestão indireta, pela alegoria ou símbolo, é um


instrumento de instrução mais eficaz do que a plana linguagem
didática; uma vez que somos habitualmente indiferentes para o que é
adquirido sem esforço: “Os Iniciados são poucos, embora muitos
carreguem o tirso.” E teria sido impossível prover uma lição
adequada para cada grau de cultura e capacidade, a menos que fosse
estruturada segundo o exemplo da Natureza, ou antes como
representação da própria Natureza, empregando seu simbolismo
universal ao invés das tecnicalidades da linguagem, convidando para a
pesquisa sem fim, e ainda recompensando o mais humilde
pesquisador, revelando seus segredos a cada um na proporção de seu
treinamento preparatório e seu poder de compreendê- los.

Ainda que destituídas de qualquer enunciado formal ou oficial


dessas verdades importantes, que mesmo numa idade cultivada eram,
com frequência, achadas inconvenientes de se declarar, exceto por um
véu de alegoria, e que perdem, aliás, sua dignidade e valor na

71
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

proporção do quanto são aprendidas mecanicamente como dogmas,


as exibições dos Mistérios certamente continham sugestões, se não
lições, que, na opinião não de uma única apenas, porém de muitas
testemunhas competentes, foram adaptadas para elevar o caráter dos
expectadores, possibilitando-os de pressagiar algo dos propósitos da
existência, bem como dos meios de aperfeiçoá-la, para se viver melhor
e morrer mais feliz.

Ao contrário da religião de livros ou credos, essas exibições e


apresentações místicas não eram a leitura de um ensaio, mas a
abertura de um problema, não implicando isenção de pesquisa, nem
hostilidade à filosofia; pois, pelo contrário, a filosofia é a grande
Mistagoga ou Arquiexplicadora do simbolismo: embora as
interpretações da Filosofia Grega dos velhos mitos e símbolos fossem,
em muitos casos, tão mal fundadas, enquanto em outros são corretas.

Melhores meios não poderiam ser avistados para acordar um


intelecto dormente, do que essas impressivas exibições, que
dirigiam-se a ele por intermédio da imaginação: que, ao invés de
condená-lo a uma rotina prescrita de crença, convidavam-no a buscar,
comparar, e julgar. A alteração de símbolo para dogma é fatal à beleza
da expressão, e a de fé para dogma à verdade e integridade do
pensamento.

A primeira filosofia muitas vezes se voltou para o modo


natural de ensinar; e é dito que Sócrates, em particular, evitava
dogmas, antes esforçando-se, como os Mistérios, em despertar e
desenvolver nas mentes de seus ouvintes as ideias com as quais já
estavam dotados ou grávidos, em lugar de enchê-los com opiniões
adventícias pré-fabricadas.

Assim, a Maçonaria ainda segue a maneira antiga de ensinar.


Seus símbolos são a instrução que ministra; e seus ensinamentos são
esforços insuficientes, muitas vezes parciais e unilaterais, para

72
MORAL E DOGMA

interpretar esses símbolos. Quem quer se tornar um Maçom


completo não deve ficar contente meramente em ouvir, ou mesmo
em entender, os ensinamentos; mas deve, auxiliado por eles, e estes
como que sinalizando-lhe o caminho, estudar, interpretar e
desenvolver esses símbolos para si próprio.

A especulação primitiva se esforçou para expressar muito


mais do que poderia compreender distintamente; e as vagas
impressões da mente encontraram nas analogias misteriosas dos
fenômenos suas representações mais adequadas e enérgicas. Os
Mistérios, assim como os símbolos da Maçonaria, eram apenas uma
imagem das eloquentes analogias da Natureza; ambos não revelando
nenhum novo segredo para os que eram ou são despreparados, ou
incapazes de interpretar sua significação.

Em todo o lugar nos antigos Mistérios, e em todos os


simbolismos e cerimoniais dos Hierofantes se encontrava o mesmo
personagem mítico, que, tal como Hermes, ou Zoroastro, reúne
Atributos Humanos e Divinos, e é ele próprio o Deus cujo culto
introduziu, ensinando a homens rudes os começos da civilização
pela influência do canto, e ligando ao símbolo de sua morte,
emblemática da morte da Natureza, as consolações mais essenciais da
religião.

Os Mistérios abraçaram as três grandes doutrinas da Teosofia


Antiga. Tratavam de Deus, do Homem e da Natureza. Dionísio, cujos
Mistérios é dito que Orfeu os fundou, era o Deus da Natureza, ou da
umidade que é a vida da Natureza, que prepara nas trevas o retorno da
vida e da vegetação, e que é em si próprio a Luz e a Mudança
envolvendo suas variedades. Ele estava teologicamente unido a
Hermes, Prometeu, e Poseidon. Nas Ilhas Egeias ele é Butes,
Dardano, Hímero, ou Imbros. Em Creta aparece como Iásio ou Zeus,
cuja adoração permaneceu desvelada pelas formas usuais de mistério,
traídas à curiosidade dos profanos, que, se contempladas de forma

73
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

irreverente, tinham certamente de ser mal compreendidas. Na Ásia é o


tão plagiado Bessareu coalescente com o Sabázio dos Coribantes
Frígios: o mesmo que o místico Iacco, o lactente ou filho de Ceres, e
que o destroçado Zagreu, filho de Perséfone.

Em formas simbólicas os Mistérios exibiam O ÚNICO, do


qual O MÚLTIPLO é uma ilustração infinita, contendo uma lição,
calculada para guiar a alma através da vida, e para alegrá-la na morte.
A estória de Dionísio era profundamente significante. Ele não só era
criador do mundo, mas guardião, libertador, e Salvador da alma. Deus
do manto multicolorido, ele era a manifestação resultante
personificada, o todo nos muitos, o ano variegado, a vida passando em
formas inumeráveis.

A restauração espiritual do homem foi tipificada nos


Mistérios pelo segundo nascimento de Dionísio como descendência do
Altíssimo; e os agentes e símbolos dessa restauração eram os
elementos que afetavam a purificação periódica da Natureza – o ar,
indicado pelo leque ou a peneira místicos; o fogo, significado pela
tocha; e a água batismal, pois a água não é só a mais limpa de todas as
coisas, porém a gênese e a fonte de tudo.

Tais noções, vestidas de ritual, sugeriam a reformação e o


treinamento da alma, a pureza moral formalmente proclamada em
Elêusis. Somente era convidado a aproximar-se aquele que era “de
mãos limpas e fala ingênua, livre de toda a poluição, e com uma clara
consciência.” “Feliz o homem,” diz o iniciado em Eurípedes e
Aristófanes, “que purifica sua vida, e que reverentemente consagra
sua alma nos thiăsos[1] do Deus. Que acautele-se de seus lábios
para que não profira nenhuma palavra profana; que seja justo e
generoso para com o estrangeiro, e com seu próximo; que não dê
lugar ao excesso vicioso, para que não torne embotados e pesados os
órgãos do espírito. Longe da mística dança dos thiăsos estão os
impuros, os amaldiçoadores, os cidadãos sediciosos, os caçadores de

74
MORAL E DOGMA

ganhos egoístas, os traidores; todos aqueles, em suma, cujas práticas


são mais parecidas com a revolta dos Titãs do que com a vida
regrada dos Órficos, ou da ordem Curetana dos Sacerdotes de Zeus
Ideano.”

O devoto, elevado para além da esfera de suas faculdades


ordinárias, e incapaz de se dar conta da agitação que o dominava,
parecia tornar-se divino na proporção em que deixava de ser humano;
tornar-se um demônio ou deus. Os iniciados, na imaginação, já
eram contados entre os abençoados. Somente eles desfrutavam a
vida verdadeira, ofulgor verdadeiro do Sol, enquanto entoavam hinos
a seu Deus sob os bosques místicos de um mímico Elísio, e eram de
fato renovados ou restaurados sob a influência genial de suas danças.

“Aqueles a quem Prosérpina guia em seus mistérios,” é dito,


“que absorveram sua instrução e alimento espiritual, descansam de
seus labores e não mais conhecem contenda. Felizes os que
testemunham e compreendem tais cerimônias sagradas! Foram
criados para saber o significado do enigma da existência, pela
observação de sua meta e término, como apontados por Zeus;
partilham de um benefício mais valioso e duradouro do que o grão
emprestado por Ceres; pois são exaltados na escala da existência
intelectual, e obtêm doces esperanças para consolá-los em suas
mortes.

Sem dúvidas, as cerimônias de iniciação eram originalmente


poucas e simples. Como as grandes verdades da revelação primitiva se
apagaram da memória das massas do Povo, e a maldade se tornou
abundante na terra, foi necessário discriminar, exigir provações mais
demoradas e testes satisfatórios dos candidatos, e, disseminando o que
uma vez foram mais escolas de instrução do que mistérios, o véu
do sigilo e a pompa da cerimônia, para elevarem a opinião acerca de
seu valor e importância.

75
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

Quais sejam os retratos que os escritores, especialmente


Cristãos, puderam mais tarde descrever dos Mistérios, estes, não só
originalmente, mas por muitas épocas, continuaram puros; e as
doutrinas de religião e moral naturais ali ensinadas foram da mais alta
importância; porque ambos os mais virtuosos e os mais eruditos e
filosóficos dos antigos falam deles nos termos mais eminentes.
Que, no fim das contas, se tornaram degradados de sua posição
elevada, e corrompidos, nós sabemos.

Os ritos de iniciação se tornaram progressivamente mais


complicados. Sinais e passes foram inventados, por meio dos quais os
Filhos da Luz pudessem reconhecer-se mutuamente com facilidade.
Diferentes Graus foram inventados, conforme o número dos Iniciados
se ampliava, para que pudessem existir no compartimento interior do
Templo poucos escolhidos, a quem eram confiados os segredos mais
valiosos, e que poderiam efetivamente exercer a influência e o poder
da Ordem.

Originalmente, os Mistérios foram feitos para ser o início de


uma nova vida de razão e virtude. Os iniciados ou companheiros
esotéricos eram educados na doutrina de um Deus Supremo
Único, a teoria da morte e eternidade, os mistérios escondidos da
Natureza, o prospecto da restauração última da alma ao estado de
perfeição do qual caiu, sua imortalidade, e os estados de punição e
recompensa após a morte. Os não-iniciados eram considerados
Profanos, indignos de emprego público ou confidência privada, às
vezes proscritos como Ateus, e certos da punição interminável
além-túmulo.

Todas as pessoas eram iniciadas nos Mistérios menores; mas


algumas atingiam os maiores, nos quais seu verdadeiro espírito e a
maioria de suas doutrinas secretas estavam escondidos. O véu de
sigilo era impenetrável, selado por juramentos e sanções das mais
tremendas e atemorizantes. Era pela iniciação somente que um

76
MORAL E DOGMA

conhecimento dos Hieróglifos podia ser obtido, com os quais as


paredes, colunas, e tetos dos Templos estavam decorados, e que,
acreditados terem sido comunicados aos Sacerdotes por revelação das
divindades celestes, a juventude de todas as classes era louvavelmente
ambiciosa para decifrar.

As cerimônias eram realizadas na calada da noite, geralmente


em compartimentos subterrâneos, porém às vezes no centro de uma
grande pirâmide, com cada ferramenta que pudesse alarmar ou
instigar o candidato. Inumeráveis cerimônias, selvagens e românticas,
medonhas e aterradoras, foram gradualmente adicionadas aos poucos
símbolos expressivos das observâncias primitivas, sob as quais havia
muitos casos em que o aspirante apavorado realmente falecia de
medo. As pirâmides eram provavelmente utilizadas aos propósitos da
iniciação, bem como cavernas, pagodes, e labirintos; pois as
cerimônias requeriam muitos compartimentos e câmaras, longas
passagens e poços. No Egito, um lugar capital para os Mistérios
era a ilha de Filas, no Nilo, onde ficava um magnífico Templo de
Osíris, e onde suas relíquias deviam ser preservadas.

Com suas naturais proclividades, o Sacerdócio, esta classe


seleta e exclusiva, no Egito, Índia, Fenícia, Judeia e Grécia, bem como
na Bretanha e em Roma, e onde mais os Mistérios fossem conhecidos,
fez uso deles para confeccionar maior e mais larga a trama de seu
próprio poder. A pureza de nenhuma religião continua por muito
tempo. Cargos e honrarias sucedem a primitiva simplicidade. Homens
sem princípios, vãos, insolentes, corruptos, e venais usam a
vestimenta de Deus para com ela servirem ao Diabo; e a luxúria, o
vício, a intolerância e o orgulho depõem a frugalidade, a virtude, a
gentileza, e a humildade, e transformam o altar onde deveriam ser
servos, num trono sobre o qual reinam.

Mas os Reis, Filósofos, os Estadistas, os sábios, e grandes, e


bons que foram admitidos nos Mistérios, por muito tempo

77
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

postergaram sua autodestruição derradeira, e contiveram as tendências


naturais do Sacerdócio. E, consequentemente, Zósimo pensou que a
negligência dos Mistérios após Diocleciano ter abdicado era a causa
principal do declínio do Império Romano; e no ano 364, o Procônsul
Grego não encerraria os Mistérios, não obstante uma lei do
Imperador Valentiniano, para que o povo não fosse conduzido ao
desespero, caso impedido de realizá-los; dos quais, como
acreditavam, o bem-estar da humanidade dependia completamente.
Eles foram praticados em Atenas até o século VIII, na Grécia e em
Roma por vários séculos depois de Cristo; e em Gales e na Escócia até
o século XII.

Os habitantes da Índia originalmente praticavam a religião


Patriarcal. Mesmo o culto tardio a Vishnu era alegre e social;
acompanhado da música festiva, das danças enérgicas, e do
címbalo retumbante, com libações de leite e mel, guirlandas, e
perfumes de madeiras e resinas aromáticas.

Lá, talvez, os Mistérios começaram; e neles, sob alegorias,


eram ensinadas as verdades primitivas. Não podemos, dentro dos
limites deste ensaio, detalhar as cerimônias de iniciação; e usaremos
linguagem genérica, exceto onde algo daqueles antigos Mistérios
ainda permanece na Maçonaria.

O Iniciado era investido com uma corda de três fios, tão


retorcida para fazer três vezes três, e chamada zennar. Daí vem nosso
cabo de reboque. Era um emblema de sua Divindade tri-una, cuja
recordação também preservamos nos três oficiais principais da Loja,
presidindo nos três cantos do Universo que nossa Loja representa; em
nossas três luzes menores e maiores, nossas três joias móveis e
imóveis, e nas três colunasque sustentam nossas Lojas.

Os Mistérios Indianos eram celebrados em cavernas e grutas


subterrâneas talhadas na rocha sólida; e os Iniciados adoravam a

78
MORAL E DOGMA

Divindade, simbolizada pelo fogo solar. O candidato, por muito tempo


vagando em trevas, verdadeiramente procurava a Luz, e o culto
ensinado a ele era o culto a Deus, a Fonte da Luz. O vasto Templo de
Elephanta, talvez o mais antigo do mundo, escavado na rocha, e com
42 metros quadrados, era usado para iniciações; como o eram as ainda
maiores cavernas de Salsete, com seus 300 compartimentos.

Os períodos de iniciação eram regulados pela crescença e


míngua da lua. Os Mistérios eram divididos em quatro passos ou
Graus. O candidato podia receber o primeiro aos oito anos de idade,
quando era investido com o zennar. Cada Grau distribuía algo da
perfeição. “Que o homem miserável”, diz o Hitopadesa, “pratique a
virtude, sempre que desfrutar de um dos três ou quatro Graus
religiosos; que seja equânime com todas as coisas criadas, e essa
disposição será a fonte da virtude.”

Após várias cerimônias, relativas principalmente à unidade e


trindade da Divindade, o candidato era vestido com uma túnica de
linho sem costura, e permanecia sob os cuidados de um Brâmane até
os vinte anos de idade, constantemente estudando e praticando a mais
rígida virtude. Então submetia-se à mais severa provação para o
segundo Grau, no qual era santificado pelo sinal da cruz, que,
apontando para os quatro cantos do compasso, foi homenageado como
símbolo marcante do Universo por muitas nações da antiguidade, e
imitado pelos Indianos no formato de seus templos.

Depois ele era admitido na Caverna Sagrada,


resplandecente de luz, onde, em vestes dispendiosas, se assentavam,
no Oriente, Ocidente, e no Sul, os três Hierofantes principais,
representando a Divindade tri- una Indiana. As cerimônias ali
começavam com uma antífona ao grande Deus da Natureza; e então
seguia-se esta apóstrofe: “Ó, poderoso Ser! Maior que Brahma!
Curvamo-nos perante Ti como Criador primordial! Eterno Deus dos
Deuses! Mansão do Mundo! Tu és o Ser Incorruptível, distinto de

79
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

todas as coisas transientes! Tu és antes de todos os Deuses, a


Existência Absoluta Antiga, e o Supremo Sustentáculo do Universo!
Tu és a Mansão Suprema; e por intermédio de Ti, ó Forma Infinita, o
Universo se espalhou.”

O candidato, assim educado na primeira grande verdade


primitiva, era convocado a fazer uma declaração formal, de que seria
afável e obediente aos seus superiores; que manteria seu corpo
purificado; governaria sua língua, e guardaria passiva obediência na
recepção das doutrinas e tradições da Ordem; e o mais firme sigilo em
manter invioláveis seus ocultos e obscuros mistérios. Em seguida era
borrifado com água (daí nosso batismo); determinadas palavras, hoje
desconhecidas, eram sussurradas em seu ouvido; e ele era despido
de seus calçados, e feito andar três vezes ao redor da caverna. Daí
nossos três circuitos; daí não estarmos nem calçados nem descalços: e
as palavras eram as senhas desse Grau Indiano.

Os Sacerdotes Gimnosofistas vieram das margens do Eufrates


para a Etiópia, e trouxeram consigo suas ciências e suas doutrinas.
Seu Colégio principal estava em Meroe, e seus Mistérios eram
celebrados no Templo de Amon, famoso por seu oráculo. A Etiópia
era, portanto, um Estado poderoso, que precedeu o Egito em
civilização, e possuía um governo teocrático. Acima do Rei estava o
Sacerdote, que poderia ordená-lo à morte em nome da Divindade. O
Egito até então era composto somente de Tebanos. O Delta e o Médio
Egito eram um golfo do Mediterrâneo. O Nilo gradualmente
formava um imenso pântano, que, depois de escoado pelo trabalho
do homem, formou o Baixo Egito; e foi, por muitos séculos,
governado pela Casta Sacerdotal Etíope, de origem Árabe;
posteriormente substituída por uma dinastia de guerreiros. As ruínas
magníficas de Aksum, com seus hieróglifos e obeliscos, templos,
tumbas e pirâmides enormes, ao redor da antiga Meroe, são muito
mais antigas de que as pirâmides perto de Mênfis.

80
MORAL E DOGMA

Os Sacerdotes, ensinados por Hermes, incorporaram em livros


as ciências ocultas e herméticas, com suas próprias descobertas e as
revelações das Sibilas. Estudavam particularmente as ciências mais
abstratas, descobriram os famosos teoremas geométricos, de quem
Pitágoras mais tarde aprendeu, calculavam elipses, e regulamentaram,
dezenove séculos antes de César, o ano Juliano. Desciam às
investigações práticas sobre as necessidades da vida, e tornavam
conhecidas suas descobertas ao povo; cultivavam as artes refinadas, e
inspiravam o povo com aquele entusiasmo que produziu as avenidas
de Tebas, o Labirinto, os Templos de Carnac, Dendera, Edfu,
Filas, os obeliscos monolíticos, e o grande Lago Méris, o fertilizador
do país.

A sabedoria dos Iniciados Egípcios, as altas ciências e a


moralidade sublime que ensinavam, e seu imenso conhecimento,
instigavam a emulação dos homens mais eminentes, quais fossem sua
classe ou fortuna; e os levavam, apesar dos testes complicados e
terríveis a que eram submetidos, a solicitar admissão nos Mistérios de
Osíris e Isis.

Do Egito, os Mistérios foram para a Fenícia, e foram


celebrados em Tiro. Osíris mudou seu nome, e se tornou Adônis ou
Dionísio, ainda o representante do Sol; e mais tarde estes Mistérios
foram introduzidos sucessivamente na Assíria, Babilônia, Pérsia,
Grécia, Sicília, e Itália. Na Grécia e na Sicília, Osíris assumiu o nome
de Baco, e Isis o de Ceres, Cibele, Reia e Vênus.

Bar Hebreus diz: “Enoque foi o primeiro a inventar livros e


diferentes formas de escrita. Os Gregos antigos declaram que
Enoque é o mesmo que Mercúrio Trismegisto [Hermes], e que ele
ensinou aos filhos dos homens as artes de construir cidades, e
decretou algumas leis admiráveis... Ele revelou o conhecimento do
Zodíaco, e o curso dos Planetas; e indicou aos filhos dos homens, que
devessem adorar a Deus, que devessem jejuar, que devessem orar, e

81
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

que devessem dar esmolas, oferendas votivas, e dízimos. Reprovava


alimentos abomináveis e a embriaguez, e designou festivais para
sacrifícios ao Sol, em cada um dosSignos Zodiacais.”

Maneton extraiu sua história a partir de algumas colunas que


descobriu no Egito, sobre as quais estavam inscrições feitas por Tot,
ou o primeiro Mercúrio [Hermes], em letras e em um dialeto sagrados:
mas que foram, após o dilúvio, traduzidas desse dialeto para a língua
Grega, e estabelecidas nos recessos privativos dos Templos Egípcios.
Essas colunas foram encontradas em cavernas subterrâneas, próximas
de Tebas e além do Nilo, não muito distantes da sólida estátua de
Memnon, em lugares chamados Seringas[2]; que são descritas como
determinados compartimentos espiralados no subsolo; construídas, é
dito, por aqueles que eram hábeis nos antigos ritos; os quais,
antevendo a vinda do Dilúvio, e temendo que a memória de suas
cerimônias fossem obliteradas, elaboraram e construíram catacumbas,
escavadas com enorme trabalho, em vários lugares.

Do seio do Egito nasceu um homem de sabedoria cabal,


iniciado no conhecimento secreto da Índia, da Pérsia, e da Etiópia,
chamado de Tot ou Ptah por seus compatriotas, Taut pelos Fenícios,
Hermes Trismegisto pelos Gregos, e Adris pelos Rabinos. A natureza
pareceu tê- lo escolhido como seu favorito, e dispensado sobre ele
todas as qualidades necessárias para capacitá-lo de estudá-la e
conhecê-la profundamente. A Divindade havia, por assim dizer,
inoculado nele as ciências e as artes, para que pudesse instruir o
mundo inteiro.

Ele inventou muitas coisas necessárias para os usos da vida, e


deu-lhes nomes apropriados; ensinou aos homens a descrever seus
pensamentos e organizar sua fala; instituiu as cerimônias a serem
cumpridas na adoração de cada um dos Deuses; observou a trajetória
dos astros; inventou a música, os diferentes exercícios corporais, a
aritmética, a medicina, a arte de trabalhar com metais, a lira de

82
MORAL E DOGMA

três cordas; regulou as três tonalidades da voz, o agudo, retirado do


outono, o grave do inverno, e o médio da primavera, havendo então
apenas três estações. Foi ele quem ensinou aos Gregos o modo de
interpretar os termos e as coisas, onde lhe deram o nome de Ἑ ρμης
[Hermes], que significa Intérprete.

No Egito ele instituiu hieróglifos: selecionou um certo


número de pessoas que julgou aptas para serem os depositários de
seus segredos, apenas os que fossem capazes de alcançar o trono e os
ofícios principais dos Mistérios; os reuniu em um corpo, criou os
Sacerdotes do Deus Vivo, os instruiu nas ciências e nas artes, e
explicou-lhes os símbolos pelos quais estavam veladas. O Egito, 1500
anos antes do tempo de Moisés, reverenciava nos Mistérios UM
DEUS SUPREMO, chamado o ÚNICO INCRIADO. Abaixo d’Ele
eram prestadas homenagens a sete divindades principais. É a Hermes,
que viveu nesse período, que devemos atribuir o ocultamento ou
velamento do culto Indiano, queMoisés desvelou ou revelou, em nada
alterando as leis de Hermes, exceto a pluralidade de seus Deuses
místicos.

Os Sacerdotes Egípcios contavam que Hermes, ao morrer,


disse: “Até aqui vivi um exílio de minha verdadeira pátria: agora
para lá retorno. Não choreis por mim: retorno para aquele país
aonde cada um vai por sua vez. Deus existe. Esta vida não é senão
uma morte.” Este é precisamente o credo dos velhos Budistas
Samaneus, que acreditavam que de tempo em tempo Deus enviava
Budas na terra, para reformaremas pessoas, para desmamá-las de seus
vícios, e levá-las de volta aos caminhos da virtude.

Entre as ciências ensinadas por Hermes, havia segredos que


ele comunicava aos Iniciados apenas sob a condição de que se
comprometessem, por um terrível juramento, a nunca divulgá-los,
exceto para aqueles que, após longa provação, fossem achados dignos
de sucedê-los. Os Reis até proibiram sua revelação sob pena de morte.

83
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

Este segredo foi denominado A Arte Sacerdotal, e incluía alquimia,


astrologia, magismo [magia], a ciência dos espíritos, etc. Hermes deu-
lhes a chave para os Hieróglifos de todas as ciências secretas, que
eram vistas como sagradas, e mantidas em oculto nos lugares mais
secretos do Templo.

O grande sigilo observado pelos Sacerdotes iniciados, por


muitos anos, e as ciências sublimes que professavam, fizeram com
que fossem honrados e respeitados ao longo de todo o Egito, que era
visto pelas outras nações como o colégio, o santuário, das ciências e
das artes. O mistério que fortemente os circundava excitava a
curiosidade. Orfeu metamorfoseou-se, assim dizendo, num Egípcio.
Foi iniciado em Teologia e Física. E tanto fez das ideias e raciocínios
de seus professores suas próprias, que seus Hinos denunciavam mais
um Sacerdote Egípcio do que um Poeta Grego: e ele foi o primeiro a
transportar para a Gréciaas fábulas Egípcias.

Pitágoras, sempre ávido por aprender, consentiu até em ser


circuncidado, a fim de tornar-se um dos Iniciados: e as ciências
ocultas foram-lhe reveladas no local mais íntimo do santuário.

Os Iniciados numa ciência específica, tendo sido instruídos


por fábulas, enigmas, alegorias, e hieróglifos, sempre escreviam de
forma misteriosa em suas obras, quando tocavam no assunto dos
Mistérios, e continuavam a ocultar a ciência sob um véu de ficções.

Quando a destruição de muitas cidades por Cambises, e a


ruína de quase todo o Egito, no ano 528 antes de nossa era, dispersou
muitos dos Sacerdotes para a Grécia e outros lugares, eles portaram
consigo suas ciências, que continuaram a ensinar enigmaticamente,
isto é, sempre envolvidas nas obscuridades de fábulas e hieróglifos;
com o propósito de que a multidão vulgar, vendo, nada enxergasse, e
ouvindo, nada compreendesse.

84
MORAL E DOGMA

Todos os escritores beberam desta fonte: mas tais Mistérios,


ocultos sob muitos invólucros inexplicáveis, acabaram por dar à luz
um enxame de absurdos, que, a partir da Grécia, se estenderam por
toda a terra.

Nos Mistérios Gregos, como estabelecidos por Pitágoras,


havia três Graus. Uma preparação de cinco anos de abstinência e
silêncio era exigida. Se o candidato fosse achado passional ou
intemperado, contencioso, ou ambicioso de honras e distinções
mundanas, ele erarejeitado.

Em suas palestras, Pitágoras ensinava matemática, como um


meio segundo o qual se prova a existência de Deus a partir da
observação e por intermédio da razão; gramática, retórica, e lógica,
para cultivar e aprimorar essa razão, aritmética, porque concebia que o
benefício supremo do homem consistia na ciência dos números, e
geometria, música, e astronomia, porque concebia que o homem era-
lhes endividadopelo conhecimento do que é realmente bom e útil.

Ensinava o método verdadeiro de se obter conhecimento das


leis Divinas da purificação da alma de suas imperfeições, da busca
pela verdade, e da prática da virtude; imitando assim as perfeições de
Deus. Achava seu sistema vão, se não contribuísse para expelir o vício
e introduzir a virtude na mente. Ensinava que as duas virtudes mais
excelentes eram: falar a verdade e conceder benefícios aos outros.
Particularmente, ele inculcava Silêncio, Temperança, Fortitude,
Prudência, e Justiça. Ensinava a imortalidade da alma, a Onipotência
de Deus, e a necessidade de santidade pessoal para qualificar um
homem para a admissão na Sociedade dos Deuses.

Assim, devemos nosso modo particular de instrução no Grau


de Companheiro a Pitágoras; e esse Grau não é senão uma reprodução
imperfeita de suas palestras. A partir dele, também, tiramos muitas de
nossas explanações dos símbolos. Ele organizava suas assembleias

85
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

devidamente do Oriente para o Ocidente, pois que acreditava que o


Movimento começava no Leste e procedia ao Oeste. É dito que nossas
Lojas estão devidamente do Oriente para o Ocidente, porque o Mestre
representa o Sol nascente, e obviamente deve ficar no Leste. As
pirâmides, também, foram construídas precisamente pelos quatro
pontos cardeais. E nossa expressão, de que nossas Lojas se estendem
para cima até aos Céus, vem do costume Persa e Druídico de não
possuírem tetos em seus Templos, além do céu.

Platão desenvolveu e espiritualizou a filosofia de Pitágoras.

Até mesmo Eusébio, o Cristão, admite que ele alcançou o


vestíbuloda Verdade, e ficou sobre seu limiar.

As cerimônias Druídicas vieram indubitavelmente da Índia; e


os Druidas eram originalmente Budistas. O termo Druidh, como a
palavra Magi, quer dizer homens instruídos ou sábios; e eles eram
ao mesmotempo filósofos, magistrados, e teólogos.

Houve uma uniformidade surpreendente nos Templos,


Sacerdotes, doutrinas, e culto dos Magos Persas e Druidas Bretões. Os
Deuses da Britânia foram os mesmos que os Cabiros da Samotrácia.
Osíris e Isis apareciam em seus Mistérios, sob os nomes de Hu e
Ceridwen; e assim como os dos Persas primitivos, seus Templos eram
áreas cercadas de gigantes pedras toscas, algumas das quais ainda
permanecem, e são estimadas pelas pessoas comuns com receio e
veneração. Eram geralmente circulares ou ovais. Alguns tinham a
forma de um círculo, junto ao qual uma grande serpente estava ligada.
O círculo era um símbolo Oriental do Universo, governado por uma
Deidade Onipotente cujo centro está em todos os lugares, e sua
circunferência em lugarnenhum: e o ovo era um símbolo universal do
mundo. Alguns Templos eram espiralados, e outros tinham o
formato de cruz; os espiralados aludiam a Kneph, a Divindade-
Serpente alada do Egito; de onde veio o nome de Navestock, onde

86
MORAL E DOGMA

ficava um deles. Templos no formato de cruz também foram


encontrados na Irlanda e na Escócia. O comprimento de uma destas
vastas estruturas, em forma de serpente, era de aproximadamente 4,8
quilômetros.

Os grandes períodos para a iniciação nos Mistérios Druídicos


eram trimestrais; nos equinócios e solstícios. Nos tempos remotos de
onde se originaram, esses eram os dias correspondentes a 13 de
fevereiro, 1º de maio, 19 de agosto e 1º de novembro. A época da
celebração anual era a Véspera de Maio, e as preparações cerimoniais
começavam à meia-noite, aos 29 de Abril. Quando as iniciações
acabavam, na Véspera de Maio, fogueiras eram acesas sobre todos os
dólmens e cromlechs[3] da ilha, que queimavam a noite inteira para
fazer a abertura dos jogos de Primeiro de Maio. O festival era em
honra ao Sol. As iniciações eram executadas à meia-noite; e ali
existiam três Graus.

Os Mistérios Góticos foram transportados do leste para o


norte por Odin; que, sendo um grande guerreiro, modelou-os e variou-
os para caber em seus propósitos e no gênio de seu povo. Estabeleceu
na celebração doze Hierofantes que eram, como os Sacerdotes,
Conselheiros de Estado e Juízes para cujas decisões não havia apelo.

Ele mantinha os números três e nove numa veneração


peculiar, e fora provavelmente ele mesmo o Buda Indiano. A cada
três vezes três meses, três vezes três vítimas eram sacrificadas ao
Deus tri-uno.

Os Godos tinham três grandes festivais; o mais magnífico se


iniciava no solstício de inverno, e era celebrado em honra de Thor, o
Príncipe da Potência do Ar. Sendo essa a noite mais longa do ano, e a
primeira antes que o Sol viesse em direção ao norte, ela era
comemorativa da Criação; e eles a chamavam de noite-mãe,
como a noite na qual ocorreu a criação do mundo e da luz a partir das

87
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

trevas primitivas. Era o festim de Yule, Juul, ou Yeol, que


posteriormente se transformou no Natal. Neste festival as iniciações
eram celebradas. Thor era o Sol, o Osíris e o Kneph Egípcios, o Bel
ou Baal Fenícios. As iniciações eram feitas em cavernas labirínticas,
que terminavam, assim como todas as cavernas Mitríacas, numa
câmara espaçosa, onde o candidato era trazido à luz.

José foi sem dúvidas iniciado. Após ter interpretado o sonho


de Faraó, este Monarca fez dele seu Primeiro Ministro, deixou-o andar
em seu segundo carro, enquanto adiante dele proclamavam
“ABRECH![4]” – e o estabeleceu sobre a terra do Egito. Em
acréscimo, o Rei deu-lhe um novo nome, Tsapanat-Paänakh, e o
esposou com Asanat, filha de Potai Parang, Sacerdote de Om ou
Heliópolis, onde ficava o templo de Atom- Rá, o Grande Deus do
Egito; assim naturalizando-o por completo. Ele não poderia contrair
este matrimônio, nem ter exercido tal elevada dignidade, sem ser
primeiro iniciado nos Mistérios. Quando seus Irmãos vieram ao Egito
pela segunda vez, os Egípcios de sua corte não se alimentaram com
eles, pois isto teria sido abominação, embora comessem com José;
que não era visto, portanto, como um estrangeiro, mas como um deles:
e quando enviou e trouxe de volta seus irmãos, e os acusou de
roubarem seu copo, disse: “Não sabeis vós que um homem como eu
pode, muito bem, adivinhar?”, assumindo assim ser um Egípcio de
alto escalão iniciado nos Mistérios e, como tal, praticante das ciências
ocultas.

Assim, Moisés também deve ter sido iniciado: pois não


apenas cresceu na corte do Rei como filho adotivo da filha do Rei, até
que tivesse quarenta anos de idade; como foi instruído em todos os
conhecimentos dos Egípcios, e se casou mais tarde com a filha de
Yethrū, igualmente Sacerdote de Om. Estrabão e Diodoro, ambos
afirmam que ele mesmo fora Sacerdote de Heliópolis. Antes de ir para
o Deserto, havia estreitas relações entre si e o Sacerdócio, e chegou a
comandar com sucesso, informa-nos Josefo, um exército enviado pelo

88
MORAL E DOGMA

Rei contra os Etíopes. Simplício alega que Moisés recebeu dos


Egípcios, nos Mistérios, as doutrinas que ensinou aos Hebreus: e
Clemente de Alexandria e Fílon dizem que ele era um Teólogo e
Profeta, e intérprete das Leis Sagradas. Maneton, citado por Josefo,
diz que ele foi Sacerdote de Heliópolis, e que seu nome original
(egípcio) e verdadeiro era Asersaph ou Osarsiph.

E na instituição do Sacerdócio Hebraico, nos poderes e


privilégios, bem como nas imunidades e santidade que Moisés
conferiu-lhes, ele imitou rigorosamente as instituições Egípcias;
tornando público o culto dessa Divindade a quem os Egípcios
Iniciados adoravam privativamente; e se esforçou extenuantemente
para proteger as pessoas de reincidirem no seu velho amálgama da
superstição Caldeia e Egípcia e no culto aos ídolos, como estavam
sempre prontos e inclinados a fazer; mesmo Aharūn, após seu
primeiro e clamoroso descontentamento, restaurou o culto a Ápis;
conforme a imagem de cujo Deus Egípcio ele fez o bezerro de ouro.

Os Sacerdotes Egípcios ensinavam em seus grandes Mistérios


que só havia um Deus, Supremo e Inacessível, que tinha concebido o
Universo por Sua Inteligência, antes de tê-lo criado por Seu Poder e
Vontade. Não existiam Materialistas nem Panteístas; e ensinavam que
a Matéria não era eterna ou coexistente com a grande Causa Primeira,
mas foi criada por Ele.

Os primeiros Cristãos, educados pelo fundador de sua


Religião, mas em maior perfeição, naquelas verdades primitivas que
passaram dos Egípcios para os Judeus e foram preservadas entre estes
pelos Essênios, recepcionaram também a instituição dos Mistérios;
adotando como seu objetivo a construção do Templo simbólico,
preservando as velhas Escrituras dos Judeus como seu livro sagrado, e
como a lei fundamental, a qual fornecia o novo véu de iniciação com
os termos e fórmulas Hebraicos, que, corrompidos e desfigurados pelo
tempo e pela ignorância, aparecem em muitos de nossos Graus.

89
CAPÍTULO XXIII: CHEFE DO TABERNÁCULO

Tal, meu Irmão, é a doutrina do primeiro Grau dos Mistérios,


ou o do Chefe do Tabernáculo, para o qual você é agora admitido, e a
cuja lição moral é: devoção ao serviço de Deus, zelo desinteressado e
esforço constante pelo bem estar dos homens. Você recebeu aqui
somente indicações dos verdadeiros objetivos e propósitos dos
Mistérios.Doravante, se lhe for permitido avançar, você chegará a um
entendimento mais completo, deles e das doutrinas sublimes que
ensinam. Portanto, esteja satisfeito com o que viu e ouviu, e
aguardepacientemente o advento da luz maior.

90
MORAL E DOGMA

CAPÍTULO XXIV.

PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

SÍMBOLOS eram a linguagem quase universal da antiga


teologia. Eram o método mais óbvio de instrução; pois, assim como a
própria natureza, se dirigiam ao entendimento através da visão; e as
expressões mais antigas que denotam comunicações de conhecimento
religioso querem dizer exibição ocular. Os primeiros professores da
raça humana tomaram emprestado este método de instrução; e isso
compreendia um estoque ilimitável de prenhes hieróglifos. Essas
lições dos velhos tempos eram os enigmas da Esfinge, tentando os
curiosos por sua singularidade, mas envolvendo o risco pessoal do
intérprete aventureiro. “Os próprios Deuses,” foi dito, “divulgam
suas intenções aos sábios, mas aos tolos seu ensinamento é
ininteligível;” e diz-se que o Rei do Oráculo Délfico não fazia
declarar, nem, por outro lado, ocultar; mas enfaticamente “insinuar
ou significar”.

Os Sábios Antigos, bárbaros ou Gregos, envolviam suas


significações em indiretas e enigmas similares; suas lições eram
veiculadas tanto por símbolos visíveis, quanto por “parábolas e
enigmas da antiguidade,” que os Israelitas consideravam como dever
sagrado legar inalterados a gerações sucessivas. Os símbolos
explanatórios empregados pelo homem, sejam objetos ou ações
emblemáticos, sejam símbolos ou cerimônias místicas, eram como os
prodígios e sinais místicos nos sonhos ou encontrados à beira do
caminho, imaginados significarem as intenções dos Deuses; ambos
exigiam o auxílio de um pensamento inquieto e uma interpretação
hábil. Era apenas por uma correta apreciação de problemas análogos
da natureza que a vontade dos Céus poderia ser entendida pelo
Adivinho, ou as lições da Sabedoria tornar-se-iam manifestas ao
Sábio.

91
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Os Mistérios eram uma série de símbolos; e o que era falado


ali consistia totalmente de explicações acessórias do ato ou imagem;
comentários sagrados, explicativas de símbolos estabelecidos;
juntamente com um pouco daquelas tradições independentes que
incorporam a especulação física ou moral, nas quais os elementos ou
planetas eram os personagens, e a criação e as revoluções do
mundo eram entremeadas com recordações de eventos antigos: e ainda
assim com muito daquilo, também, de que a natureza se tornou a
expositora através do intermédio de uma instrução simbólica
arbitrária; e as visões antigas da relação entre o humano e o divino
recebiam formas dramáticas.

Sempre existiu uma aliança íntima entre os dois sistemas, o


simbólico e o filosófico, nas alegorias dos monumentos de todas as
épocas, nos escritos simbólicos dos sacerdotes de todas as nações, nos
rituais de todas as sociedades secretas e misteriosas; tem havido uma
série constante, uma uniformidade invariável de princípios, que vêm
de um agregado, vasto, imponente, e verdadeiro, composto de partes
que se encaixam harmoniosamente somente nele.

A instrução simbólica é recomendada pelo costume constante


e uniforme da antiguidade; e ela reteve sua influência em todas as
eras, como um sistema de misteriosa comunicação. A Divindade, em
suas revelações ao homem, adotou o uso de imagens materiais para o
propósito de reforçar verdades sublimes; e Cristo ensinou por
símbolos e parábolas. O conhecimento misterioso dos Druidas era
encarnado em sinais e símbolos. Taliesin, descrevendo sua iniciação,
diz: “Os segredos foram-me comunicados pela antiga Giganta
(Ceridwen, ou Ísis), sem o uso de uma linguagem audível.” E
novamente ele diz, “Sou um perito silente.”

A iniciação era uma escola, na qual se ensinavam as verdades


da revelação primitiva, a existência e atributos de um Deus, a
imortalidade da Alma, as recompensas e punições numa vida futura,

92
MORAL E DOGMA

os fenômenos da Natureza, as artes, as ciências, moralidade,


legislação, filosofia, e filantropia, e o que hoje damos o nome de
psicologia e metafísica, juntamente com o magnetismo animal e as
outras ciências ocultas.

Todas as ideias dos Sacerdotes do Hindustão, Pérsia, Síria,


Arábia, Caldeia, Fenícia, eram conhecidas aos Sacerdotes Egípcios. A
racional filosofia Indiana, após penetrar a Pérsia e a Caldeia, deu à luz
os Mistérios Egípcios. Achamos que a utilização de Hieróglifos foi
precedida no Egito pelo uso de símbolos e figuras facilmente
compreendidos, dos reinos mineral, animal e vegetal, usados pelos
Indianos, Persas, e Caldeus para expressar seus pensamentos; e esta
filosofia primitiva foi a base da filosofia moderna de Pitágoras e
Platão.

Todos os filósofos e legisladores que tornaram a Antiguidade


ilustre foram pupilos da iniciação; e todas as modificações benéficas
nas religiões dos diferentes povos instruídos por eles são devidas às
suas instituições e ao prolongamento dos Mistérios. No caos das
superstições populares, somente esses Mistérios protegeram o homem
de cair na brutalidade absoluta. Zoroastro e Confúcio extraíram suas
doutrinas dos Mistérios. Clemente de Alexandria, falando dos
Grandes Mistérios, diz: “Aqui finda toda a instrução. A natureza e
todas as coisas são vistas e conhecidas.” Se tivessem ensinado
verdades morais apenas para os Iniciados, os Mistérios jamais
poderiam ter merecido ou recebido os elogios magníficos das pessoas
mais esclarecidas da Antiguidade, – de Píndaro, Plutarco, Isócrates,
Diodoro, Platão, Eurípedes, Sócrates, Aristófanes, Cícero, Epiteto,
Marco Aurélio, e outros; – filósofos hostis ao Espírito Sacerdotal, ou
historiadores devotos à investigação da Verdade. Não! Todas as
ciências eram ensinadas ali; aquelas tradições orais ou escritas
brevemente comunicadas que remontavam à primeiraera do mundo.

Sócrates disse, no Fédon de Platão: “É bem provável que os

93
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

instituidores dos Mistérios, ou assembleias sagradas dos iniciados,


não fossem personagens desprezíveis, mas homens de grande
genialidade, que nos primórdios quiseram nos ensinar, sob enigmas,
que a pessoa que vai para as regiões invisíveis sem ser purificada,
será precipitada no abismo; enquanto a que ali chega purgada das
máculas deste mundo, e perfeita em virtude, será admitida na morada
da Divindade... Os iniciados estão certos de alcançar a companhia
dos Deuses.”

Pretextato, Procônsul da Acaia, um homem dotado de todas as


virtudes, disse, no século IV, que privar os Gregos desses Mistérios
Sagrados que unem toda a raça humana seria tornar a vida
insuportável.

A iniciação era considerada uma morte mística; uma descida


às regiões infernais, onde toda a poluição, e as manchas e
imperfeições de uma vida corrupta e má eram expurgadas pelo fogo e
pela água; e dizia- se que o Epopta[5] perfeito era então regenerado,
recém-nascido, restaurado para uma renovada existência de vida, luz,
e pureza; e colocado sob a Proteção Divina.

Uma linguagem nova foi adaptada a estas celebrações, e


também uma linguagem de hieróglifos, desconhecida para todos,
senão aos que tivessem recebido o Grau mais elevado. E a estes
finalmente era confiado o ensinamento, a moralidade, e o poder
político de todas as pessoas dentre as quais os Mistérios eram
praticados. O conhecimento dos hieróglifos do Grau mais alto era tão
efetivamente escondido de todos, salvo poucos escolhidos, que no
processo do tempo seu significado foi inteiramente perdido, e
ninguém podia interpretá-los. Se os mesmos hieróglifos fossem
empregados nos Graus elevados, bem como nos inferiores, eles
possuiriam um significado diferente, mais figurativo e mais abstruso.
Pretendeu-se, tempos depois, que a linguagem e os hieróglifos
sagrados fossem os mesmos usados pelas Deidades Celestiais. Tudo o

94
MORAL E DOGMA

que pôde aumentar o mistério da iniciação foi adicionado, até que o


próprio nome da cerimônia chegou a possuir um encanto estranho, e
ainda assim conjurava os temores mais selvagens. O arrebatamento
máximo passou a ser expresso pelo termo que significava atravessar
os Mistérios.

O Sacerdócio controlava um terço do Egito. Obteve muito de


sua influência por intermédio dos Mistérios, e não poupou meios de
impressionar o povo com um senso completo de sua importância.
Estes eram representados como o início de uma nova vida de razão e
virtude: dizia-se que os iniciados, ou companheiros esotéricos
distraiam-se com as antecipações mais agradáveis a respeito da morte
e da eternidade, compreendiam todos os mistérios recônditos da
Natureza, tinham suas almas restauradas à perfeição original da qual o
homem caiu; e em sua morte seriam levados para as mansões
celestiais dos Deuses. As doutrinas de um estado futuro de
recompensas e punições formaram uma característica proeminente nos
Mistérios; e acreditava-se que asseguravam muitas felicidades e
venturas temporais, e proporcionavam segurança absoluta contra os
perigos mais iminentes na terra ou no mar. O ódio público era lançado
sobre os que se recusavam a iniciar-se. Eram considerados profanos,
indignos de emprego público ou confiança privada; e estimados
como condenados à punição eterna dos ímpios. Trair os segredos
dos Mistérios, vestir no palco a roupa de um Iniciado, ou expor os
Mistérios ao escárnio, implicava morte pelas mãos da vingança
pública.

É certo que até o tempo de Cícero os Mistérios ainda retinham


muito de seu caráter original de santidade e pureza. E anos depois,
como sabemos, Nero, após cometer um crime horrível, não ousou,
mesmo na Grécia, servir nas celebrações dos Mistérios; tampouco em
épocas ainda mais tardias foi permitido ao Imperador Cristão
Constantino fazê-lo,depois do assassinato de seus parentes.

95
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Em todos os lugares, e em todas as formas, os Mistérios eram


fúnebres; e celebravam a morte mística e restauração à vida de algum
personagem divino ou heroico: os detalhes da lenda e a maneira da
mortevariavam nos diferentes Países onde se praticavam os Mistérios.

Sua explicação pertence tanto à astronomia quanto à


mitologia; e a Lenda do Grau de Mestre não é senão outro modelo
daquela dos Mistérios, remetendo de uma forma ou de outra à mais
remota antiguidade.

É impossível dizer se o Egito deu origem à lenda ou se a


tomou emprestada da Índia ou da Caldeia. Mas os Hebreus receberam
os Mistérios a partir dos Egípcios; e é óbvio que estavam
familiarizados com sua lenda, – conhecida como foi pelos Iniciados
Egípcios José e Moisés. Era a fábula (ou antes a verdade vestida de
alegoria e figuras) de OSÍRIS, o Sol, Fonte da Luz e Príncipe do Bem,
e TÍFON, o Príncipe das Trevas e do Mal. Em todas as histórias dos
Deuses e Herois se assentam abrigados e escondidos detalhes
astronômicos, e a história das operações da Natureza visível; e aqueles
que, em seu turno, também foram símbolos de verdades mais
elevadas e profundas. Ninguém além de rudes intelectos grosseiros
poderia por muito tempo considerar o Sol, os Astros e os Poderes da
Natureza como Divinos, ou como objetos adequados para Adoração
Humana; mas eles considerá-los-ão assim enquanto perdurar o
mundo; e sempre permanecerão ignorantes das grandes Verdades
Espirituais dos quais eles são os hieróglifos e as expressões.

Um breve sumário da lenda Egípcia servirá para mostrar a


ideia principal na qual os Mistérios se basearam entre os Hebreus.

Osíris, dito como tendo sido um antigo Rei do Egito, era o


Sol; e Isis, sua esposa, a Lua: e sua história reconta, em estilo poético
e figurado, a jornada anual do Grande Luminar do Céu através dos
diferentes Signos do Zodíaco.

96
MORAL E DOGMA

Na ausência de Osíris, Tífon, seu irmão, cheio de inveja e


malícia, procurou usurpar o seu trono; mas seus planos foram
frustrados por Isis. Ele então decidiu matar Osíris. Assim o fez,
persuadindo-o a entrar num caixão ou sarcófago, que então
arremessou ao Nilo. Após uma longa busca, Isis achou o corpo e o
escondeu nas profundidades de uma floresta; mas Tífon, lá o
encontrando, cortou-o em quatorze partes e as espalhou aqui e acolá.
Após tediosa procura, Isis achou trezes partes, pois os peixes
comeram a última (as partes íntimas), a qual ela substituiu por
madeira, e enterrou o corpo em Filas; onde um templo de
magnificência insuperável foi erigido em honra de Osíris.

Isis, auxiliada por seu filho Órus, Hórus ou Har-oeri, guerreou


contra Tífon e o matou, reinando gloriosamente, e na sua morte
reuniu-secom seu esposo, no mesmo túmulo.

Tífon era representado como nascido da terra; a parte superior


de seu corpo coberta de plumas, sua estatura atingindo as nuvens,
seus braços e pernas cobertos com escamas, serpentes saltando de si
por todos os lados, e fogo chispando de sua boca. Hórus, que ajudou a
matá-lo, se tornou o Deus do Sol, correspondendo ao Apolo Grego; e
Tífon não é senão o anagrama de Píton, a grande serpente assassinada
por Apolo.

A palavra Tífon, como Eva, significa serpente, e vida[6]. Por


sua forma a serpente simboliza a vida, que circula através de toda a
natureza. Quando, no final do outono, a Mulher (Virgem) nas
constelações parece (sobre o globo Caldeu) esmagar com seu pé a
cabeça da serpente, esta imagem prediz a chegada do inverno, durante
o qual a vida parece se retirar de todos os seres e não mais circular por
entre a natureza. É por isso que Tífon também significa serpente, o
símbolo do inverno, que, nos Templos Católicos, é representada
circundando o Globo Terrestre que encima a cruz celestial, emblema
da redenção. Se a palavra Tífon é derivada de Tupoul, significa a

97
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

árvore que produz maçãs (mala, males),a origem Judaica da queda do


homem. Tífon também quer dizer alguém que suplanta e simboliza as
paixões humanas, que expelem de nossos corações as lições da
sabedoria. Na Fábula Egípcia, Isis escreveu a palavra sagrada para a
instrução das pessoas, e Tífon a apagou tão rápido quanto foi escrita.
Em moral, seu nome significa Orgulho, Ignorância e Falsidade.

Quando Isis primeiramente achou o cadáver, no lugar em que


havia flutuado para a terra perto de Biblos, um arbusto de erica[7] ou
tamarisco havia brotado, pela virtude do corpo, ao seu redor,
protegendo-o; e daí nosso ramo de acácia. Isis foi também auxiliada
em sua busca por Anúbis, na forma de um cão. Ele era Sirius ou a
Estrela-Cão, amigo e conselheiro de Osíris e o inventor da
linguagem, gramática, astronomia, topografia, aritmética, música e
ciência médica; o primeiro feitor de leis; e quem ensinou o culto aos
Deuses e a construção de Templos.

Nos Mistérios, o cravejamento do corpo de Osíris no baú ou


arca era denominado afania[8], ou desaparição [do Sol no Solstício
Invernal, abaixo do Trópico de Capricórnio], e a recuperação das
diferentes partes de seu corpo por Isis, a Euresis[9], ou descoberta.
O candidato passava por uma cerimônia que representava isto em
todos os Mistérios, por toda a parte. Os fatos principais da fábula
eram os mesmos e todos os países;e as Divindades preeminentes eram
em todos os lugares uma masculina euma feminina.

No Egito eram Osíris e Isis: na Índia, Mahadeva e Bhavani:


na Fenícia, Tamuz (ou Adônis) e Astarte: na Frígia, Átis e Cibele: na
Pérsia, Mitra e Asis: na Samotrácia e na Grécia, Dionísio ou Sabázio e
Reia: na Bretanha, Hu e Ceridwen: e na Escandinávia, Woden e Freia:
e em todos os casos essas Divindades representavam o Sol e a Lua.

Os mistérios de Osíris, Isis e Hórus parecem ter sido o modelo


de todas as outras cerimônias de iniciação subsequentemente

98
MORAL E DOGMA

estabelecidas entre os diferentes povos do mundo. Os de Átis e Cibele,


celebrados na Frígia; os de Ceres e Prosérpina, em Elêusis e em
muitos outros lugares da Grécia, eram apenas suas cópias.
Aprendemos isto de Plutarco, Diodoro Sículo, Lactânio, e de outros
escritores; e na ausência de um testemunho direto, isto naturalmente
seria inferido a partir da similaridade das aventuras dessas
Divindades; pois os antigos criam que a Ceres dos Gregos era
equivalente à Isis dos Egípcios; e Dionísio ou Baco a Osíris.

Na lenda de Osíris e Isis, conforme Plutarco, há muitos outros


detalhes e circunstâncias além dos que resumidamente mencionamos;
os quais não necessitamos repetir aqui. Osíris casou-se com sua irmã
Isis; e trabalhou publicamente com ela para aperfeiçoar a porção dos
homens. Ele os ensinou a agricultura, enquanto Isis inventou as leis.
Ele construiu templos para os Deuses, e estabeleceu sua adoração.
Ambos eram os patronos dos artistas e de suas úteis invenções; e
introduziram o uso do ferro nas armas defensivas e implementos da
agricultura, e do ouro para adornar os templos dos Deuses. Ele
marchou com um exército para conquistar as pessoas para a
civilização, ensinando o povo o qual sobrepujou a plantar vinhas e
semear grãos para a alimentação.

Tífon, seu irmão, o matou quando o sol estava no signo de


Escorpião, isto é, no Equinócio Outonal. Eles eram rivais declarados,
diz Sinésio, pelo trono do Egito, tal como a Luz e as Trevas sempre
contendem pelo império do mundo. Plutarco acrescenta que no
tempoem que Osíris foi morto, a lua estava cheia; e portanto estava no
signo oposto a Escorpião, isto é, o de Touro, signo do Equinócio
Vernal.

Plutarco nos assegura que foi para representar esses eventos e


detalhes que Isis estabeleceu os Mistérios, nos quais eles eram
reproduzidos por imagens, símbolos, e um cerimonial religioso, com
os quais eram imitados: e no qual eram concedidas lições de piedade e

99
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

consolações nas adversidades que nos afligem aqui embaixo. Aqueles


que instituíram os Mistérios quiseram fortalecer a religião e consolar
as pessoas em suas agonias por meio das esperanças sublimes
encontradas na fé religiosa, cujos princípios eram-lhes representados
cobertos por um cerimonial cheio de pompas, e sob o véu sagrado da
alegoria.

Diodoro fala sobre as famosas colunas próximas a Nisa, na


Arábia, onde foi dito estarem duas das tumbas de Osíris e Isis. Sobre
uma estava a inscrição: “Eu sou Isis, Rainha deste país. Fui instruída
por Mercúrio. Ninguém pode destruir as leis que estabeleci. Eu sou a
filha mais velha de Saturno, o mais antigo dos Deuses. Sou a esposa e
irmã de Osíris, o Rei. Eu primeiramente dei a conhecer aos mortais o
uso do trigo. Sou mãe de Órus, o Rei. Em minha honra a cidade de
Bubástis foi construída. Regozija-te, ó Egito, regozija-te, terra que
concedeu-me o nascimento.”... E sobre a outra havia: “Eu sou Osíris,
o Rei, aquele que liderou meus exércitos a todos os cantos do mundo,
até aos países mais densamente populosos da Índia, ao Norte, ao
Danúbio, e ao Oceano. Sou o primogênito de Saturno: nasci do
brilhante e magnífico ovo, e minha substância é da mesma natureza
da que compõe a luz. Não existe lugar no Universo no qual não
apareci, para conceder meus favores e tornar conhecidas minhas
descobertas.” O resto estava ilegível.

Para auxiliá-la em sua busca pelo cadáver de Osíris, e


amamentar seu filho pequeno Hórus, Isis procurou Anúbis, filho de
Osíris e de sua irmã Néftis, e o levou junto. Ele, como dissemos, era
Sirius, a estrela mais brilhante nos Céus. Depois de encontrá-lo partiu
para Biblos, e se instalou próximo a uma fonte, onde havia sido
informada de que a arca sagrada que continha o corpo de Osíris
havia parado. Ali ela chorou,triste e silenciosa, e verteu uma torrente
de lágrimas. Ao longe vinham as mulheres da Corte da Rainha
Astarte, que conversavam com ela e adornavam seus cabelos,
derramando sobre eles a deliciosamente perfumada ambrosia. A

100
MORAL E DOGMA

Rainha soube do que houve, e Isis foi contratada como ama de seu
filho, no palácio, de cujas colunas uma delas fora construída da urze
ou tamarisco que havia crescido sobre a arca contendo Osíris, cortada
pelo Rei e desconhecida deste, ainda enclausurando a arca: coluna
que Isis posteriormente exigiu, e da qual retirou a arca e o cadáver,
que, perfumado e envolto numa fina roupagem, carregou consigo.

A Maçonaria Azul, ignorante de sua importância, ainda detém


entre seus emblemas o de uma mulher chorando sobre uma coluna
quebrada, segurando em sua mão um ramo de acácia, murta, ou
tamarisco, enquanto o Tempo, dizem-nos, permanece atrás dela
penteando os cachos de seu cabelo. Não é necessário repetir a
explicação insípida e trivial dada ali, desta representação de Isis,
chorando em Biblos, sobre a coluna despedaçada do palácio do Rei,
que continha o corpo de Osíris, enquanto Hórus, o Deus do Tempo,
derrama ambrosia sobre seus cabelos.

Nada deste recital foi histórico; mas o todo era uma alegoria
ou fábula sagrada, contendo um significado conhecido apenas para
aqueles que eram iniciados nos Mistérios. Todos os acontecimentos
eram astronômicos, com um significado ainda mais profundo
repousando por trás dessa explicação e desta forma oculto por um
duplo véu. Os Mistérios, nos quais estes acontecimentos eram
representados e explanados, eram como os de Elêusis em seu objetivo,
os quais Pausânias, que foi iniciado, diz que os Gregos desde a
antiguidade mais remota consideravam como a melhor coisa projetada
para conduzir as pessoas à piedade: e Aristóteles diz que eles eram a
mais valiosa de todas as instituições religiosas, e assim eram chamados
mistérios par excellence; e o Templo de Elêusis era visto, de alguma
forma, como o santuário do mundo inteiro, onde a religião congregava
tudo o que era mais imponente e augusto.

O objetivo de todos os Mistérios era inspirar piedade nas


pessoas, consolá-las nas misérias da vida. Essa consolação, então

101
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

fornecida, era a esperança de um futuro mais feliz, e da passagem,


após a morte, para umestado de felicidade eterna.

Cícero diz que os Iniciados não só recebiam lições que


tornavam a vida mais agradável, mas retiravam das cerimônias alegres
esperanças para o momento da morte. Sócrates diz que os tão
afortunados para serem admitidos nos Mistérios possuíam, na morte,
as esperanças mais gloriosas da eternidade. Aristides diz que os
Iniciados não apenas procuram consolações na vida presente e meios
para a emancipação do grande peso de seus males, como também a
vantagem preciosa de passar após a morte para um estado mais feliz.

Isis era a Deusa de Saís; e ali o famoso Festival das Luzes era
celebrado em sua honra. Eram celebrados os Mistérios nos quais
se representavam a morte e restauração subsequente à vida do Deus
Osíris, numa cerimônia secreta e representação cênica de seus
sofrimentos, chamados de Mistérios da Noite.

Os Reis do Egito com frequência exerciam as funções do


Sacerdócio; e eram iniciados na ciência sagrada tão logo ascendessem
ao trono. Deste modo, em Atenas o Primeiro-Magistrado ou Arconte-
Rei superintendia os Mistérios. Isto era uma imagem da união que
existia entre o Sacerdócio e a Nobreza, naqueles tempos antigos em
que legisladores e reis viam na religião um instrumento político
poderoso.

Heródoto diz, falando das razões por que os animais eram


deificados no Egito: “Se fosse explicar tais razões, seria levado à
revelação daqueles assuntos sagrados que particularmente desejo
evitar, e que, senão por necessidade, eu não discutiria de forma
alguma.”Então diz: “Os Egípcios possuíam em Saís o túmulo de certo
personagem, a quem não julgo-me permitido identificar. Está atrás do
Templo de Minerva.” [Esta, assim chamada pelos Gregos, era na
verdade Isis, cuja inscrição enigmática é frequentemente citada: “Eu

102
MORAL E DOGMA

sou a que era, a que é, e a que há de vir. Nenhum mortal jamais


desvelou-me.”] Assim, novamente diz: “Neste lago estão
representados por meio da noite os acidentes ocorridos àquele a
quem não ouso nomear. Os Egípcios chamam-lhes seus Mistérios.
Com relação a estes, no mesmo instante em que confesso-me
suficientemente informado, sinto-me compelido a ser silente. Das
cerimônias também em honra de Ceres, não posso aventurar-me a
falar além do que os juramentos da religião me permitirem.”

É fácil ver qual era o grande objetivo da iniciação e dos


Mistérios; cujo primeiro e maior fruto foi, como testificam todos os
antigos, o de civilizar hordas selvagens, abrandar seus costumes
ferozes, introduzir entre elas o trato social, e guiá-las para uma vida
mais digna de homens.

Cícero considera ser o estabelecimento dos Mistérios


Eleusinos o maior de todos os benefícios conferidos por Atenas sobre
outras comunidades: seus efeitos tendo sido, como diz, o de civilizar
pessoas, atenuar suas maneiras selvagens e ferozes, e ensiná-las os
verdadeiros princípios de moral, que iniciam o homem na única
espécie de vida digna de um. O mesmo orador filosófico, numa
passagem onde faz uma apóstrofe a Ceres e Prosérpina, diz que a raça
humana deve a essas Deusas os primeiros elementos da vida moral: o
conhecimento das leis, a regulação da moral, e os exemplos de
civilização que aperfeiçoaram os costumes das pessoas e das cidades.

O Baco de Eurípedes diz a Penteu que sua nova instituição (os


Mistérios Dionisíacos) merecia ser conhecida, e que uma de suas
vantagens era que proscrevia todas as impurezas: que eles eram os
Mistérios da Sabedoria, sobre a qual seria imprudente falar a pessoas
não iniciadas: e que foram estabelecidos entre os Bárbaros, que
demonstraram neles maior sabedoria do que os Gregos, que não os
haviam recepcionado até então.

103
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Este duplo objetivo, político e religioso, – um ensinando


nosso dever para os homens, e o outro o que devemos aos Deuses; ou
antes, o respeito pelos Deuses designado para sustentar aquilo que
devemos às leis – é encontrado neste célebre verso de Virgílio,
tomado emprestado das cerimônias de iniciação: “Ensinai-me a
respeitar a Justiça e osDeuses.” Esta grande lição, que o Hierofante
imprimia nos Iniciados depois de haverem testemunhado a
representação das regiões Infernais, o Poeta coloca após sua descrição
das diferentes punições sofridas pelos condenados no Tártaro, e
imediatamente após a descrição de Sísifo.

Pausânias, da mesma forma, no encerramento da


representação das punições de Sísifo e das filhas de Dánao, no templo
de Delfos, faz esta reflexão: que o crime ou impiedade de ambos que
mais havia merecido tal punição era o desprezo que demonstraram
pelos Mistérios de Elêusis. A partir desta reflexão de Pausânias, que
foi um Iniciado, é fácil ver que os Sacerdotes de Elêusis, que
ensinavam o dogma das punições no Tártaro, incluíam entre os
grandes crimes merecedores dessas punições a indiferença e o
desprezo pelos Santos Mistérios; cuja finalidade era conduzir as
pessoas à piedade, e por intermédio dela ao respeito pela justiça e
pelas leis, o objetivo principal de sua instituição, se não o único, e ao
qual as carências e o interesse da própria religião estavam
subordinados; uma vez que esta última era apenas um meio de se guiar
mais seguramente às primeiras; pois estando toda a força da opinião
religiosa nas mãos dos legisladores para ser manejada, estes
terão acerteza de serem melhor obedecidos.

Os Mistérios não eram meramente simples lustrações[10] e


observação de algumas fórmulas e cerimônias arbitrárias; tampouco
um meio de relembrar as pessoas sobre a antiga condição da raça antes
da civilização: mas eles guiavam as pessoas à piedade pela instrução
em moral e com relação à vida futura; que numa época muito
precoce, se não originalmente, formavam a parte principal do

104
MORAL E DOGMA

cerimonial.

Símbolos eram usados nas cerimônias, os quais se referiam à


agricultura, assim como a Maçonaria preservou a espiga de trigo num
símbolo e em uma de suas palavras; mas eles se referiam
principalmente aos fenômenos astrológicos. Sem dúvidas, muito foi
dito quanto à condição de brutalidade e degradação na qual o homem
mergulhou antes da instituição dos Mistérios; mas a alusão era mais
especialmente metafísica, à ignorância dos não iniciados, do que à
vida selvagem dos homens primitivos.

O grande objetivo dos Mistérios de Isis, e em geral de todos


os Mistérios, era na verdade um grande objetivo político. Melhorar
nossa raça, aperfeiçoar sua moral e costumes, e conter a sociedade por
laços mais fortes do que aqueles que as leis humanas impõem. Eles
foram invenção daquela ciência e sabedoria antiga que exauriu todos
os seus recursos para tornar a legislação perfeita; e daquela filosofia
que em todos os tempos procurou assegurar a felicidade do homem,
por meio da purificação de sua alma das paixões que podem afligi-la e
como consequência necessária introduzir a desordem social. Que
foram obra de gênios, isso fica evidente a partir de seu emprego de
todas as ciências, deum profundo conhecimento do coração humano, e
dos meios de submetê-lo.

É um equívoco ainda maior imaginar que foram invenção do


charlatanismo, e métodos de engano. No lapso do tempo podem ter
degenerado em imposturas e escolas de ideias falsas; mas não
eram assim no início; ou, de outra forma, as pessoas mais sábias e
melhores da antiguidade teriam pronunciado as falsidades mais
voluntárias. No processo do tempo as próprias alegorias dos Mistérios,
o Tártaro e suas punições, Minos e os demais juízes dos mortos,
passaram a ser mal compreendidos, e a ser falsos, pois o eram
realmente; enquanto de início foram verdadeiros, porque eram
reconhecidos simplesmente como as formas arbitrárias nas quais as

105
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

verdades estavam envolvidas.

O objetivo dos Mistérios era o de procurar para o homem uma


felicidade real na terra por meio da virtude; e para esse fim ele
aprendia que sua alma era imortal; e que os erros, pecados, e vícios
devem e necessitam, por uma lei inflexível, produzir suas
consequências. A representação rude da tortura física no Tártaro era
apenas uma imagem das certas, inevitáveis e eternas consequências
que fluem pela lei do decreto de Deus a partir do pecado cometido e
do vício indulgenciado. Os poetas e mistagogos laboravam em
propagar tais doutrinas da imortalidade da alma e da punição certa do
pecado e do vício e em acreditá-las entre o povo, ensinando-lhe a
primeira em seus poemas, e a última nos santuários; e a vestiam com
encantos, um da poesia, e o outro dos espetáculos e ilusões mágicas.

Auxiliados por todos os recursos da arte, retratavam a vida


feliz do homem virtuoso além da morte, e os horrores das prisões
aterrorizantes destinadas a punir os viciosos. Nas sombras dos
santuários estes deleites e horrores eram exibidos como espetáculos, e
os Iniciados testemunhavam dramas religiosos, sob os nomes de
iniciação e mistérios. A curiosidade era excitada pelo sigilo, pela
dificuldade experimentada ao obter admissão, e pelos testes a serem
submetidos. O candidato era distraído pela variedade de cenários, a
pompa das decorações, as ferramentas do mecanismo. O respeito era
inspirado pela gravidade e dignidade dos atores e pela majestade do
cerimonial; e medo, esperança, tristeza e alegria despertavam em
turnos.

Os Hierofantes, homens de intelecto, compreendendo bem a


disposição das pessoas, e a arte de controlá-las, utilizavam todas as
ferramentas para atingir esse objetivo e dar importância e
impressividade às suas cerimônias. Como acobertavam as cerimônias
com o véu do Sigilo, preferiam assim que a Noite as cobrisse com
suas asas. Obscuridade adiciona impressividade e favorece a ilusão; e

106
MORAL E DOGMA

eles usavam- na para causar efeito sobre o atônito Iniciado. As


cerimônias eram conduzidas em cavernas parcamente iluminadas:
bosques densos eram plantados nos arredores dos Templos, para
produzir essa escuridão que impressiona a mente com um temor
religioso.

A exata palavra mistério, segundo Demétrio de Faleros, era


uma expressão metafórica que denotava o temor secreto que as trevas
e a obscuridade inspiravam. A noite quase sempre era o momento
fixado para suas celebrações; e eram ordinariamente denominadas
cerimônias noturnais. As iniciações nos Mistérios da Samotrácia
ocorriam à noite; como os de Isis, dos quais Apuleio fala. Eurípedes
faz Baco dizer que seus Mistérios eram celebrados à noite, porque na
noite há algo deaugusto e imponente.

Nada excita tanto a curiosidade das pessoas quanto o


Mistério, ocultando coisas que desejam saber; e nada aumenta tanto a
curiosidade quanto os obstáculos que se interpõem para impedi-las de
se entregarem na gratificação dos seus desejos. Os Legisladores e
Hierofantes tiravam vantagem disto para atrair as pessoas aos seus
santuários, e induzi-las a tentar obter lições a partir daquilo para o que
talvez dessem as costas, se não fossem empurrados. Neste espírito de
mistério declaravam estar imitando a Divindade, que Se esconde de
nossos sentidos, e oculta de nós as fontes pelas quais movimenta o
Universo. Admitiam que ocultavam ao máximo as verdades mais
elevadas sob o véu da alegoria para instigar a curiosidade das pessoas
e encorajá-las na investigação. O sigilo no qual sepultavam seus
Mistérios tinha sua finalidade. Aqueles a quem eles eram confiados
obrigavam-se, por meio dos juramentos mais temíveis, a nunca revelá-
los. Não lhes era permitido nem mesmo falar desses segredos
importantes com quaisquer outros que não os iniciados; e a
penalidade da morte era pronunciada contra qualquer um indiscreto o
bastante para revelá-los, ou encontrado no Templo sem ser Iniciado; e
qualquer um que traía estes segredos era evitado por todos, como um

107
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

excomungado.

Aristóteles foi acusado de impiedade pelo Hierofante


Eurimedonte, por ter sacrificado aos manes de sua esposa de acordo
com o ritual utilizado no culto de Ceres. Foi obrigado a fugir para
Chalcis; e para limpar sua memória desta mácula, supervisionou por
sua vontade a ereção de uma Estátua para essa Deusa. Sócrates, em
sua morte, sacrificou a Esculápio para se desculpar pela suspeita de
Atenas. Foi estipulado um prêmio pela cabeça de Diágoras, porque
este havia divulgado o Segredo dos Mistérios. Andócides foi acusado
do mesmo crime que Alcebíades, e ambos foram citados para
responder à acusação perante a inquisição de Atenas, onde o Povo era
o Juiz. Ésquilo, o poeta Trágico, foi acusado de haver representado os
Mistérios nos palcos; e foi absolvido unicamente por provar que ele
nunca tinha sido um iniciado.

Sêneca, comparando a Filosofia com a iniciação, diz que as


cerimônias mais sagradas poderiam ser entendidas só pelos adeptos:
mas que muitos de seus preceitos eram conhecidos mesmo pelos
Profanos. Tal foi o ocorrido com a doutrina da vida futura, e de um
estado de recompensas e punições além do túmulo. Os legisladores
antigos vestiam esta doutrina com a pompa de uma misteriosa
cerimônia, com palavras místicas e representações mágicas, para
incutir nas mentes as verdades que ensinavam, pela forte influência
dessas exibições cênicas na imaginação e nos sentidos.

Da mesma maneira ensinavam a origem da alma, sua queda


para a terra, passadas as esferas e através dos elementos, e seu retorno
final para o lugar de sua origem, quando, durante a continuidade de
sua união com a matéria terrena, o fogo sagrado que formou sua
essência não contraísse manchas, e seu esplendor não fosse borrado
por partículas estranhas, as quais, desnaturalizando-a, puxavam-na
para baixo e atrasavam o seu retorno. Estas ideias metafísicas,
compreendidas com dificuldade pela massa dos Iniciados, eram

108
MORAL E DOGMA

representadas por figuras, por símbolos, e por analogias alegóricas;


nenhuma ideia sendo tão abstrata que os homens não buscassem dar-
lhe expressão e traduzir por imagens sensíveis.

A atração do Sigilo era aumentada pela dificuldade de se


obter admissão. Obstáculos e suspenses redobram a curiosidade. Os
que aspiravam à iniciação do Sol e aos mistérios de Mitra na Pérsia
experimentavam muitas provas. Começavam com testes fáceis e
chegavam por graus aos que eram mais cruéis, nos quais a vida
do candidato era com frequência posta em risco. Gregório Nazianzeno
as chama torturas e punições místicas. Ninguém pode ser iniciado,
diz Suídas, até ter provado por meio das provações mais terríveis que
ele possui uma alma virtuosa, isenta da influência de todas as paixões,
e que nisso fosse impassível. Existiam vinte testes principais; e alguns
tornam este número maior.

Os testes das iniciações Eleusinas não eram tão terríveis; mas


eram severos; e o suspense, sobretudo, no qual o aspirante era mantido
por vários anos [cuja lembrança está retida na Maçonaria pelas idades
dos que estão em diferentes Graus], ou o intervalo entre a admissão
aos inferiores e a iniciação nos grandes Mistérios, eram espécies de
torturas à curiosidade que se desejava incitar. Assim os Sacerdotes
Egípcios experimentaram Pitágoras antes de permitirem-no conhecer
os segredos da ciência sagrada. Ele foi bem sucedido, por sua incrível
paciência e a coragem com que superou todos os obstáculos, na
obtenção de admissão à sua sociedade e recepção de suas lições. Entre
os Judeus, os Essênios não admitiam entre eles ninguém, até que se
tivesse passado por várias provas ou vários Degraus.

Pela iniciação, os que antes eram apenas concidadãos se


tornavam irmãos, conectados por um laço mais estreito do que antes,
por intermédio de uma fraternidade religiosa, que, aproximando os
homens, os unia mais fortemente: e os fracos e pobres poderiam mais
prontamente clamar por assistência aos poderosos e aos ricos, com

109
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

quem a associação religiosa deu-lhes uma camaradagem mais


próxima.

O Iniciado era visto como o preferido dos Deuses. Só para ele


os Céus abriam seus tesouros. Afortunado durante a vida, ele poderia,
por virtude e pelo favor dos Céus, prometer a si mesmo felicidade
eternaapós a morte.

Os Sacerdotes da Ilha da Samotrácia prometiam ventos


favoráveis e viagens prósperas aos que eram iniciados. Era prometido
que os CABIROS, e Cástor e Pólux, os DIÓSCUROS, aparecer-lhes-
iam quando a tormenta assolasse, e dar-lhes-iam mares calmos e
tranquilos: e o Escoliasta de Aristófanes diz que os que lá se iniciavam
nos Mistérios eram homens justos, privilegiados de escapar dos
grandes males e tempestades.

O Iniciado nos Mistérios de Orfeu, depois que fosse


purificado, era considerado liberto do império do mal, e transferido
para uma condição de vida que lhe concedia as esperanças mais
faustas. “Emergi do mal,” faziam-no dizer, “e atingi o bem.” Os
iniciados nos Mistérios de Elêusis acreditavam que o Sol brilhava com
um esplendor puro somente para eles. E, como vemos no caso de
Péricles, gabavam-se de que Ceres e Prosérpina inspirava-os e
concedia-lhes sabedoria e conselhos.

A iniciação dissipava os erros e bania o infortúnio: e


após ter preenchido o coração do homem com alegria durante a vida,
dava-lhe as esperanças mais deliciosas no momento da morte.
Devemos às Deusasde Elêusis, diz Sócrates, que não levemos a vida
selvagem dos homens primitivos: e a elas são devidas as esperanças
lisonjeiras que a iniciação nos concede para o momento da morte e
por toda a eternidade. O benefício que colhemos destas augustas
cerimônias, diz Aristides, não é só o presente gozo, a libertação e
emancipação das velhas desgraças; mas é também a doce esperança

110
MORAL E DOGMA

que temos na morte de passar para um estadomais ditoso. E Theon diz


que a participação dos Mistérios é a mais refinada das coisas, e a fonte
das maiores bênçãos. A felicidade prometida ali não era limitada a
esta vida mortal; mas se estendia para além-túmulo. Havia uma vida
nova a começar, durante a qual o Iniciado deveria desfrutar uma
aventurança sem mistura e sem limite. Os Coribantas prometiam vida
eterna aos Iniciados dos Mistérios de Cibelee Átis.

Apuleio representa Lúcio, enquanto ainda transformado em


asno, como direcionando suas preces a Isis, de quem declara ser a
mesma que Ceres, Vênus, Diana, e Prosérpina, e quem ilumina os
muros de muitas cidades simultaneamente com seu resplendor
feminino, e substitui sua luz trêmula pelos raios do Sol. Ela aparece
para ele em sua visão como uma bonita mulher, “sobre cujo pescoço
divino seu cabelo longo e espesso pendia em graciosos anéis.”
Dirigindo-se a ele, ela diz: “A progenitora da natureza Universal
atende ao teu chamado. A mestra dos Elementos, germe iniciativo das
gerações, Suprema das Deidades, Rainha dos espíritos falecidos,
primeira habitante do Céu, e modelo uniforme de todos os Deuses e
Deusas, propiciada por vossas preces, está contigo. Ela governa com
seu aceno as alturas luminosas do firmamento, as brisas salubres do
oceano, as profundezas silenciosas e deploráveis das sombras
inferiores; uma Divindade Única sob várias formas, adorada pelas
diferentes nações da Terra sob muitos títulos, e com diversos ritos
religiosos.”

Ordenando-lhe como proceder em seu festival para reaver sua


forma humana, ela diz: “Durante todo o curso do resto de tua vida,
até que o último suspiro desapareça de teus lábios, tu estás devotado
ao meu serviço... Sob minha proteção tua vida será feliz e gloriosa: e
quando, teus dias sendo gastos, desceres para as sombras inferiores,
e habitares os campos Elíseos, ali também, mesmo no hemisfério
subterrâneo, prestarás adoração frequente a mim, tua benfeitora
propícia: e mais: se através de obediência perseverante, devoção

111
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

religiosa ao meu ministério, e castidade inviolável, te provares um


objeto digno de favor divino, então sentirás a influência do poder
que apenas eu possuo. O número dos teus dias prolongar-se-ão para
além dos decretos ordináriosdo destino.”

Na procissão do festival, Lúcio viu a imagem de uma Deusa,


e mulheres assistentes em cada um dos lados, que, “com pentes de
marfim nas mãos, faziam crer, pelo movimento de seus braços e o
giro de seus dedos, que penteavam e ornamentavam os cabelos reais
da Deusa.” Na frente, com vestes de linho, vinham os iniciados: “O
cabelo das mulheres estava umedecido com perfume, e coberto por
um envoltório transparente; mas os homens, astros terrestres, por
assim dizer, da grande religião, eram completamente barbeados, e
suas cabeças calvas brilhavam sumamente.”

Depois vinham os Sacerdotes, em vestes de linho branco. O


primeiro portava uma lâmpada na forma de um barco, emitindo
chamas a partir de um orifício no meio: o segundo, um pequeno altar:
o terceiro, uma palmeira dourada: e o quarto exibia a figura de uma
mão esquerda com a palma aberta e expandida, “representando por
isso um símbolo de equidade e trato justo, do que a mão esquerda,
enquanto mais lenta do que a direita, e mais destituída de habilidade
e perícia, é portanto um emblema apropriado.”

Após Lúcio ter recuperado sua forma humana pela graça de


Isis, o Sacerdote lhe disse: “A calamidade não tem nenhum poder
sobre aqueles a quem nossa Deusa elegeu para seu serviço e a quem
sua majestade justificou.” E as pessoas declaravam que ele teve sorte
em ser “assim, de certa maneira, nascido de novo, e ao mesmo tempo
desposado para o serviço do Sacro Ministério.”

Quando ele pediu ao Sumo Sacerdote que o iniciasse, este lhe


respondeu que não havia “um só entre os iniciados, de mente tão
depravada, ou tão obstinado em sua autodestruição, que, sem receber

112
MORAL E DOGMA

uma ordem especial de Isis, ousa tomar para si o seu ministério de


modo imprudente e sacrílego, e através disso cometer um ato certo de
trazer para si uma injúria terrível. “Pois,” continuou o Sumo
Sacerdote, “estando os portões das trevas inferiores e o cuidado de
nossa vida nas mãos da Deusa, – a cerimônia de iniciação nos
Mistérios é, por assim dizer, sofrer uma morte, com a precária
possibilidade de ressurreição. Por isso a Deusa, na sabedoria de sua
Divindade, é acostumada a selecionar, como as pessoas para quem
os segredos de sua religião podem ser confiados com propriedade,
aqueles que, estando como que no limite máximo do curso da vida
que concluem, possam através de sua Providência de certa maneira
nascer de novo, e iniciar a carreira de uma nova existência.”

Quando fora finalmente iniciado, ele foi conduzido aos


banhos mais próximos, e depois de se banhar, o Sacerdote primeiro
solicitou o perdão dos Deuses, e então aspergiu sobre ele a água
mais límpida e pura, e o conduziu de volta ao Templo; “onde,” diz
Apuleio, “após dar- me alguma instrução, que esta língua mortal não
é permitida revelar, ele propôs-me que pelos dez dias seguintes
refreasse meu apetite, não comesse nenhum alimento animal, e não
bebesse vinho.”

Passados estes dez dias, o Sacerdote o levou aos recessos


mais íntimos do Santuário. “E aqui, estudiosos leitores,” ele continua,
“porventura estareis suficientemente ansiosos para saber tudo o que
foi dito e feito, que, se fosse lícito divulgar, eu vos contaria; e, se
fostes permitidos de ouvir, não saberíeis. No entanto, embora a
revelação impusesse a penalidade da curiosidade abrupta à minha
língua bem como a vossos ouvidos, ainda assim, por temer que fôsseis
por muito tempo atormentados com o desejo religioso e sofrêsseis as
penas do suspense prolongado, contaria não obstante a verdade.
Ouvi, portanto, o que vou narrar. Aproximei-me da morada da morte;
com meus pés pisei o limiar do Palácio de Prosérpina. Fui
transportado através dos elementos, e conduzido de volta. À meia-

113
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

noite vi a luz brilhante do sol resplandecer. Estive na presença dos


Deuses, os Deuses do Céu e das Sombras inferiores; sim, estive
próximo e adorei. E agora tenho-vos contado tais coisas que,
ouvindo, necessariamente não podereis entender; e, estando além da
compreensão dos Profanos, posso enunciar sem cometer nenhum
crime.”

Depois que a noite passou e despontou a manhã, as


cerimônias usuais chegaram ao fim. Ele então foi consagrado por doze
estolas postas sobre ele, vestido, coroado com folhas de palmeira, e
exibido ao povo. O restante desse dia foi celebrado como o seu
aniversário e se passou em festividades; e no terceiro dia subsequente,
as mesmas cerimônias religiosas se repetiram, incluindo um café da
manhã religioso, “seguido por uma consumação final de
cerimônias.”

Um ano depois, foi avisado para se preparar para a iniciação


nos Mistérios do “Grande Deus, Progenitor Supremo de todos os
outros Deuses, o invencível OSÍRIS.” “Pois,” diz Apuleio, “apesar
de existir uma estrita conexão entre as religiões de ambas as
Divindades, E ATÉ MESMO A ESSÊNCIA DE AMBAS AS
DIVINDADES SER IDÊNTICA, as cerimônias das respectivas
iniciações eram consideravelmente diferentes.”

Compare-se com esta dica a linguagem seguinte da oração de


Lúcio, dirigida a Isis; e poderemos julgar quais doutrinas eram
ensinadas nos Mistérios, com respeito à Divindade: “Ó Santa e
Perpétua Preservadora da Raça Humana! sempre pronta para
acalentar os mortais por Tua munificência, e fornecer Tua doce
afeição materna aos miseráveis em desgraça; Cuja generosidade
nunca dorme, nem de dia nem de noite, nem durante a mais ínfima
partícula de tempo; Tu que estendes Tua destra benfazeja sobre a
terra e sobre o mar para a proteção da espécie humana, para
dispersar as tormentas da vida, para destecer o enredamento

114
MORAL E DOGMA

inextricável da teia do destino, para mitigar as tempestades da


fortuna, e refrear as influências malévolas dos astros; – os Deuses no
Céu adoram-Te, os Deuses nas sombras inferiores prestam-Te
homenagens, as estrelas obedecem-Te, as Divindades regozijam-se
em Ti, os elementos e as volventes estações servem-Te! Ao teu aceno
os ventos sopram, nuvens se ajuntam, sementes crescem, brotos
germinam; em obediência a Ti a Terra gira E O SOL CONCEDE-
NOS LUZ. ÉS TU QUE GOVERNAS O UNIVERSO E TENS O
TÁRTARO SOB OS TEUS PÉS.”

Então ele foi iniciado nos Mistérios noturnais de Osíris e de


Serápis: e posteriormente nos de Ceres em Roma: mas das cerimônias
destas iniciações Apuleio nada diz.

Sob o Arcontado de Euclides, bastardos e escravos eram


excluídos da iniciação; e a mesma exclusão se aplicava aos
Materialistas ou Epicuristas que negavam a Providência e
consequentemente a utilidade da iniciação. Por um progresso natural,
aos poucos chegou a se considerar que os portões do Elíseo só se
abririam aos Iniciados, cujas almas tinham sido purificadas e
regeneradas nos santuários. Mas nunca se acreditou, por outro lado,
que apenas a iniciação bastava. Aprendemos de Platão que era também
necessário para a alma ser purificada de toda a mácula: e que a
purificação necessária era tal como davam-na a virtude, a verdade, a
sabedoria, a força, a justiça e a temperança.

A entrada para os Templos era proibida a todos que haviam


cometido homicídio, mesmo que involuntário. Assim declaram
Isócrates e Theon. Mágicos e Charlatães que faziam da trapaça um
comércio, e impostores fingindo estarem possuídos por espíritos
malignos eram excluídos dos santuários. Todas as pessoas ímpias e os
criminosos eram rejeitados; e Lamprídio estatui que antes da
celebração dos Mistérios um aviso público era emitido, que ninguém
seria solicitado para entrar, salvo aqueles contra quem suas

115
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

consciências não expressaram reprova, e quem estava certo de sua


própria inocência.

Era exigido do Iniciado que seu coração e suas mãos fossem


livres de qualquer mancha. Porfírio diz que a alma do homem, na
morte, seria emancipada de todas as paixões, do ódio, da inveja, e das
demais; e, numa palavra, seria tão pura quanto o requerido nos
Mistérios. Claro que não é surpresa que parricidas e perjuros, e outros
que cometeram crimes contra Deus ou contra o homem não pudessem
ser admitidos. Nos Mistérios de Mitra, uma palestra era repetida ao
iniciado sobre o tema da Justiça. E a grande lição moral dos Mistérios,
para a qual todo o seu cerimonial místico tendia, expressa numa única
linha por Virgílio, era praticar Justiça e reverenciar a Divindade; –
trazendo assim de volta as pessoas à justiça, ao conectá-las com a
justiça dos Deuses, que a exigem e punem sua infração. Os Iniciados
podiam aspirar aos favores dos Deuses, apenas porque e enquanto
respeitavam os direitos da sociedade e os da humanidade. “O sol,” diz
o coro dos Iniciados em Aristófanes, “queima com uma luz pura
apenas para nós, que, admitidos aos Mistérios, observamos as leis da
piedade em nosso trato com estrangeiros e com nossos concidadãos.”
As recompensas da iniciação estavam ligadas à pratica das virtudes
sociais. Não era o bastante ser iniciado simplesmente. Era necessário
ser fiel às leis da iniciação, que impunham sobre as pessoas deveres
no que diz respeito a sua raça. Baco não deixava ninguém participar
de seus Mistérios, exceto pessoas que se conformavam às regras de
piedade e justiça. Sensibilidade, acima de tudo, e compaixão pelas
desgraças dos outros eram virtudes preciosas, que a iniciação se
esforçava para encorajar. “A natureza,” diz Juvenal, “nos fez
compassivos, uma vez que nos dotou de lágrimas. A sensibilidade é o
mais admirável de nossos sentidos. Que homem é verdadeiramente
digno da tocha dos Mistérios; quem é tal como os Sacerdotes de
Ceres exigem que o seja, se vê as desgraças dos outros como
totalmente estranhas para ele?”Todos os que não usavam seus
esforços para derrotar uma conspiração; e os que, pelo contrário,

116
MORAL E DOGMA

fomentavam alguma; aqueles cidadãos que traíam o seu país, que


entregavam um posto ou local vantajoso, ou os navios do Estado ao
inimigo; todos os que abasteciam o inimigo com dinheiro; e em geral,
todos os que estavam aquém dos seus deveres como homens
honestos e bons cidadãos eram excluídos dos Mistérios de Elêusis.
Para ser admitido ali devia-se ter vivido equitativamente, e com
suficiente boa sorte para não ser visto como odiado pelos Deuses.

Assim a Sociedade dos Iniciados era em seu princípio, e


conforme o verdadeiro propósito de sua instituição, uma
sociedade de pessoas virtuosas, que trabalhavam para libertar suas
almas da tirania das paixões e desenvolver o germe de todas as
virtudes sociais. E este era o significado da ideia, mais tarde mal
compreendida, de que a entrada para o Elíseo só era permitida aos
Iniciados: porque a entrada para os santuários era permitida somente
aos virtuosos, e o Elísio fora criadopara almas virtuosas apenas.

A natureza e os detalhes precisos das doutrinas quanto a uma


vida futura, e as recompensas e punições nela, desenvolvidas nos
Mistérios, são em certa medida incertos. Pouca informação direta a
respeito disso chegou até nós. Sem dúvida, nas cerimônias, havia uma
representação cênica do Tártaro e do julgamento dos mortos,
assemelhando-se à que encontramos em Virgílio; mas há alguma
dúvida de que estas representações eram explicadas como sendo
alegóricas. Não é nosso propósito aqui repetir as descrições dadas do
Elíseo e do Tártaro. Isso estaria além de nosso objetivo. Estamos
apenas preocupados com o grande fato de que os Mistérios ensinavam
a doutrina da imortalidade da alma, e que, de alguma forma, o
sofrimento, a dor, o remorso e a agonia sempre seguem o pecado
como suas consequências.

As cerimônias humanas de fato não são nada além de


símbolos imperfeitos; e os batismos alternados no fogo e na água para
purificar- nos para a imortalidade são neste mundo sempre

117
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

interrompidos no momento de sua consumação antecipada. A vida é


um espelho que reflete só para enganar, um tecido perpetuamente
interrompido e rasgado, um baú eternamente abastecido, mas nunca
cheio.

Toda a iniciação é apenas um introito para a grande mudança


da morte. Batismo, unção, embalsamento, exéquias por sepultamento
ou cremação, são símbolos preparatórios como a iniciação de Hércules
antes de descer ao Hades, apontando para a alteração mental que deve
preceder a renovação da existência. A morte é a verdadeira iniciação,
para a qual o sono é a introdução ou o mistério menor. É o rito final
que unia os Egípcios com seu Deus, e que inaugura a mesma
promessa a todos osque estão devidamente preparados para ela.

O corpo era considerado uma prisão para a alma; mas


esta não seria condenada ao banimento e aprisionamento eternos. O
Pai dos Mundos permite que suas correntes sejam quebradas e
forneceu no curso da Natureza os meios de sua fuga. É de uma
antiguidade imemorial, partilhada igualmente por Egípcios,
Pitagóricos, pelos Órficos, e por aquele característico Sábio Báquico,
Silênio, “o Preceptor da Alma”, a doutrina de que a morte é muito
melhor do que a vida; de que a morte real pertence àqueles que na
terra estão imersos no Letes de suas paixões e fascinações, e de que a
vida verdadeira começa somente quando a alma é emancipada por seu
retorno.

E neste sentido, enquanto presidindo sobre a vida e a morte,


Dionísio é na mais alta razão o LIBERTADOR: uma vez que, como
Osíris, ele liberta a alma e a guia em sua migração além do túmulo,
preservando-a do risco de cair novamente sob a escravidão da matéria
oude alguma forma animal inferior, no purgatório da Metempsicose; e
exaltando e aperfeiçoando sua natureza através da disciplina
purificante dos Mistérios. “A grande consumação de toda a
filosofia,” disse Sócrates, citando declaradamente fontes

118
MORAL E DOGMA

tradicionais e místicas, “é a Morte: Quem persegue a filosofia


corretamente, está estudando como morrer.”

Toda alma é parte da Alma Universal, cuja totalidade é


Dionísio; é ele então que, como Espírito dos Espíritos, leva de volta o
espírito errante ao seu lar, e o acompanha através dos processos
purificadores reais e simbólicos de seu trânsito terreno. Ele é com
ênfase, portanto, o Mystes ou Hierofante, o grande Mediador
Espiritual da religião Grega.

A alma humana é em si δαιμονιος[11], um Deus dentro da


mente, capaz por seu próprio poder de rivalizar com a canonização do
Heroi, de se tornar imortal pela prática do bem e da contemplação do
belo e verdadeiro. A retirada para as Ilhas Felizes só pode ser
compreendida misticamente; tudo o que é terreno deve morrer; o
Homem, como Édipo, está ferido por seu nascimento, seu real elíseo
pode existir somente além da sepultura. Dionísio morreu e desceu às
trevas. Sua paixão era o grande Segredo dos Mistérios; como a Morte
é o Grande Mistério da existência. Sua morte, típica da Morte da
Natureza ou de suas decadências e restaurações periódicas, era um dos
muitos símbolos da palingenesia ou o segundo nascimento do
homem.

O homem descendeu das Forças ou Titãs [Elohim]


elementares que nutriam o corpo da Divindade Panteística que cria o
Universo pelo autossacrifício, e comemora esta misteriosa paixão na
observância sacramental; e enquanto partilha da carne crua da vítima,
parece ser revigorada por um gole fresco da fonte da vida universal,
para receber uma nova promessa de existência regenerada. A morte é
a antecedente inseparável da vida; a semente morre a fim de produzir
a planta, e a própria terra se fende e morre ao nascimento de Dionísio.
Daí a significância do falo, ou de seu substituto inofensivo, o
obelisco, erguendo-se como um emblema da ressurreição do túmulo
da Divindade sepultada de Lerna ou de Saís.

119
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Dionísio-Orfeu desceu para as Sombras para recuperar a


Virgem perdida do Zodíaco, para trazer de volta sua mãe ao céu
como Tione; ou o que possui o mesmo significado, para consumar seu
casamento memorável com Perséfone, garantindo assim, como as
núpcias de seu pai com Sêmele ou Dânae, a perpetuidade da
Natureza. Seu ofício subterrâneo é a depressão do ano, o aspecto
hibernal nas alternações do touro e da serpente, cujas séries unidas
compõem a continuidade do Tempo, e nas quais, fisicamente
falando, o austero e o sombrio são sempre os pais do belo e
brilhante.

Era este aspecto, sombrio para o momento, mas lúcido por


antecipação, que se contemplava nos Mistérios: o sofredor humano era
consolado pelo testemunho dos processos mais severos dos Deuses; e
as vicissitudes da vida e da morte, expressas por símbolos apósitos,
tais como o sacrifício ou submersão do Touro, a extinção e nova
iluminação da tocha, despertavam emoções correspondentes de pesar
e gozo alternados, esse jogo de paixão que estava presente na origem
da Natureza e que acompanha todas as suas mudanças.

As grandes Eleusínias eram celebradas no mês de


Boedromion, quando a semente era enterrada no solo, e quando o ano,
beirando o seu declínio, dispõe a mente para a reflexão séria. Os
primeiros dias do cerimonial se passavam em sofrimento e ansioso
silêncio, em jejum e ofícios expiatórios ou lustrais. De repente, o
cenário se alterava: sofrimento e lamentação eram deixados de lado, o
nome álacre de Iaco passava de boca em boca, a imagem do Deus
coroado com murta e portando uma tocha iluminada nascia na alegre
procissão desde Cerâmico[12] até Elêusis, onde, durante a noite
seguinte, a iniciação se completava por uma revelação imponente. A
primeira cena ocorria no προναος[13], ou o pátio exterior do recinto
sagrado, onde em meio à escuridão total ou enquanto o Deus
meditativo, a estrela que ilumina o Mistério Noturnal, sozinho
carregava uma tocha inextinguível, os candidatos eram intimidados

120
MORAL E DOGMA

com sons e ruídos terríveis enquanto penosamente tateavam seu


caminho, como na caverna obscura da migração sublunar da alma; um
cenário justamente comparado à passagem do Vale da Sombra da
Morte. Pois pela lei imutável exemplificada nas provações de
Psiquê, o homem deve passar através dos terrores do submundo
antes de poder alcançar as alturas do Céu. No final os portões do
aditom eram abertos, uma luz sobrenatural jorrava da estátua
iluminada da Deusa, e visões e sons encantadores mesclados com
canções e danças exaltavam o comunicante ao êxtase da suprema
felicidade, realizando, até o ponto em que as imagens sensuais podiam
retratar, a reunião antecipada com os Deuses.

Na falta de evidência direta quanto aos detalhes das


cerimônias executadas, ou dos significados ligados a elas, sua
tendência deve ser inferida a partir das características das
divindades contempladas com seus símbolos e mitos acessórios, ou a
partir do testemunho direto quanto ao valor dos Mistérios
genericamente.

Os fenômenos ordinários da vegetação, a morte da semente


ao dar à luz a planta, conectando as sublimes esperanças com as
ocorrências mais comuns, era a fórmula simples, mas bonita,
assumida pelo grande mistério em todas as religiões, do Zend-Avesta
ao Evangelho. Como Prosérpina, o poder divino é como a semente
decadente e destruída; como Ártemis, ela é o princípio de sua
destruição; mas Ártemis Prosérpina é também Coré Soteria[14], a
Salvadora, que leva os Espíritos de Hércules e de Jacinto para o Céu.

Muitos outros emblemas eram empregados nos Mistérios, –


comoa pomba, a grinalda de murta, e outros, todos significando a vida
se erguendo da morte e a condição equívoca do homem agonizante,
porém imortal.

Os horrores e punições do Tártaro, como descritos no Fédon e

121
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

na Eneida, com todas as cerimônias dos julgamentos de Minos, Éaco,


e Radamanto, eram representados ora mais ora menos plenamente nos
Mistérios; a fim de imprimir nas mentes dos Iniciados esta grande
lição, – que devemos estar sempre preparados para comparecer
perante o Juiz Supremo, com um coração puro e imaculado; como o
ensina Sócrates no Górgias. Para a alma manchada de crimes, diz ele,
descer às Sombras é a mais amarga doença. Aderir à Justiça e à
Sabedoria, assegura Platão, é nosso dever, para que possamos algum
dia tomar esse caminho sublime que leva para os céus, e evitar a
maioria dos males aos quais a alma é exposta em sua jornada
subterrânea de mil anos. E deste modo no Fédon, Sócrates ensina que
devemos procurar aqui embaixo libertar nossa alma de suas paixões, a
fim de estarmos prontos para entrar em nosso aspecto a qualquer hora
que o Destino nos convocar para as Sombras.

Assim os Mistérios inculcavam uma grande verdade moral,


velada com uma fábula de grandes proporções e com os aparatos de
um espetáculo impressionante, ao qual, exibido nos santuários, a arte e
a magia natural emprestavam tudo o que possuíam de majestoso.
Eles buscavam fortalecer as pessoas contra os horrores da morte e a
ideia atemorizante da aniquilação total. A morte, diz o autor do
diálogo intitulado Axíoco, incluído nas obras de Platão, não é senão
uma passagem para um estado mais feliz; mas deve-se ter vivido bem,
para atingir esse mais afortunado resultado. De forma que a doutrina
da imortalidade da alma era consolativa apenas às pessoas virtuosas e
religiosas; enquanto para todas as outras ela chegava com ameaças e
desespero, envolvendo-as com terrores e alarmes que perturbavam seu
repouso durante toda a sua vida.

Pois os horrores materiais do Tártaro, alegóricos para os


Iniciados, eram reais para a massa dos Profanos; possivelmente, nem
nos últimos tempos muitos Iniciados leem corretamente a alegoria. A
prisão trimurada que primeiro encontravam as almas condenadas, em
cujo redor intumesciam e explodiam as ígneas torrentes de

122
MORAL E DOGMA

Flegetonte, de onde rolavam sonantes, enormes e incendiadas pedras;


o grande portão com colunas diamantinas, que ninguém exceto os
Deuses poderiam demolir; Tisífone, sua guarda, com vestes
sangrentas, mescladas numa harmonia hórrida com o retinir de seus
grilhões; as Fúrias, fustigando os culpados com suas serpentes; o
abismo espantoso de onde Hidra ruge com suas cem cabeças, ávidas
por devorar; Tício, prostrado, e suas entranhas sendo comidas pelo
cruel abutre; Sísifo, sempre rolando sua pedra; Ixion em sua roda;
Tântalo torturado pela forme e sede eternas, no meio d’água e com
frutos deliciosos tocando sua cabeça; as filhas de Dánao em sua
tarefa eterna e infrutífera; bestas mordendo e répteis venenosos
picando; e a chama devoradora eternamente consumindo corpos
sempre renovados numa agonia sem fim; tudo isso imprimia
severamente nas pessoas as consequências terríveis do pecado e do
vício, e as exortava a seguir os caminhos da honestidade e da virtude.

E se nas cerimônias dos Mistérios estes horrores materiais


eram explicados aos Iniciados como meros símbolos da tortura,
remorso, e agonia inimagináveis que rasgariam a alma imortal e
atormentariam o espírito imortal, eles eram frágeis e insuficientes
apenas do mesmo modo e medida em que todas as imagens e símbolos
materiais estão aquém daquilo que é além da percepção de nossos
sentidos: e o grave Hierofante, a imaginária, as pinturas, os horrores
dramáticos, os sacrifícios funéreos, os mistérios augustos, o silêncio
solene dos santuários, eram não menos impressionantes, porque eram
entendidos como apenas símbolos, que junto com exibições e imagens
materiais fazem da imaginação a professora do intelecto.

Assim, também, era representado que exceto para os pecados


mais graves havia uma oportunidade de expiação; e se representavam
os testes da água, do ar e do fogo; por meio dos quais, durante a
marcha dos vários anos, a alma poderia ser purificada, e ascender em
direção às regiões etéreas; essa ascensão sendo mais ou menos
enfadonha e trabalhosa, segundo o quanto a alma foi mais ou menos

123
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

entulhada pelos impedimentos grosseiros de seus pecados e vícios.


Aqui esteve prefigurada, (o quanto se ensinava aos Iniciados não
sabemos) a doutrina de que a dor e o sofrimento, a desventura e o
remorso, são consequências inevitáveis que fluem do pecado e do
vício, como o efeito flui da causa; que por cada pecado ou ato
vicioso a alma retrocede e perde terreno em seu avanço rumo à
perfeição: e que o terreno assim perdido não é nem nunca será
recuperado como se o pecado jamais tivesse sido cometido; mas que
ao longo de toda a eternidade de sua existência, cada alma será
consciente de que cada ato de vício ou baixeza que realizou na terra
tornou maior a distância entre si e a perfeição final.

Nós vemos esta verdade tremeluzindo na doutrina ensinada


nos Mistérios, de que embora ofensas leves e ordinárias pudessem ser
expiadas por penitências, arrependimento, atos de beneficência, e
orações, os crimes graves eram pecados mortais, para além do alcance
de todos estes remédios. Elêusis cerrou seus portões contra Nero: e os
Sacerdotes Pagãos disseram a Constantino que dentre todos os seus
modos de expiação não havia nenhum tão potente que pudesse
detergir de sua alma as nódoas escuras deixadas pelo assassinato de
sua esposa, e por seus múltiplos perjúrios e homicídios.

Sendo o objetivo das antigas iniciações o de melhorar a raça


humana e de aperfeiçoar a porção intelectual do homem, a natureza da
alma humana, sua origem, seu destino, suas relações para com o corpo
e com a natureza universal, tudo fazia parte da ciência mística; e para
isso, em certa medida, eram direcionadas as lições dadas ao Iniciado.
Pois criam que a iniciação tendia à sua perfeição e a prevenir a porção
divina dentro dele, sobrecarregada com matéria grosseira e terrena, de
ser mergulhada nas trevas e impedida em seu retorno para a
Divindade. Para elas, a alma não era mera concepção ou abstração;
mas uma realidade incluindo em si mesma a vida e o pensamento; ou
antes, de cuja essência era o viver e o pensar. Era material; mas
não de uma matéria bruta, inerte, inativa, sem vida, sem movimento,

124
MORAL E DOGMA

sem forma e sem luz. Acreditava-se ser ativa, racional, pensante; seu
lar natural nas regiões altíssimas do Universo, de onde desceu para
iluminar, vivificar, animar, carregar consigo e dar forma e movimento
à vil matéria; e para onde incessantemente tende a reascender, quando
tão logo puder libertar-se de sua conexão com essa matéria. Dessa
substância, divina, infinitamente delicada e ativa, essencialmente
luminosa, as almas das pessoas foram formadas, e por ela somente,
unindo-se a seus corpos e organizando-os, as pessoas viviam.

Esta foi a doutrina de Pitágoras, que ensinou quando a


recebeu dos Mistérios Egípcios: e ela era a doutrina de todos os que,
por intermédio do cerimonial de iniciação, ensinavam a purificar a
alma. Virgílio faz o espírito de Anquises ensiná-la a Eneias: e todas as
expiações e lustrações utilizadas nos Mistérios não eram senão
símbolos das intelectuais, pelas quais a alma era purgada de seus
vícios e manchas, e liberta do lastro de sua prisão terrena, para que
pudessem subir desimpedidas para a fonte daqual vieram.

Daí nasceu a doutrina da transmigração das almas; que


Pitágoras ensinava como alegoria, e os que vieram depois dele
receberam literalmente. Platão, como ele, retirou suas doutrinas do
Oriente e dos Mistérios, e se comprometeu em traduzir a linguagem
dos símbolos ali usados para a da Filosofia; e provar por
argumentação e dedução filosófica aquilo que, sentido pela
consciência, os Mistérios ensinavam por símbolos como fato
indiscutível: – a imortalidade da alma. Cícero fez o mesmo; e
seguiu os Mistérios ao ensinar que os Deuses eramapenas homens
mortais, que por suas grandes virtudes e serviços notáveis mereceram
que suas almas fossem elevadas a essa categoria sublime após a
morte.

Sendo ensinado nos Mistérios, quer seja pelo caminho da


alegoria, cujo significado não se fazia conhecer exceto para poucos
escolhidos, quer seja, talvez só numa época tardia, como realidade

125
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

veraz, que as almas dos mortos viciosos iam para o corpo daqueles
animais com cuja natureza seus vícios tinham maior afinidade,
também se ensinava que a alma poderia evitar tais transmigrações,
muitas vezes sucessivas e numerosas, por meio da prática da virtude,
que a poderia isentar delas, libertá-la do ciclo de gerações sucessivas e
recuperá-la de uma vez para a sua fonte. Portanto, nada era mais
ardentemente suplicado pelos Iniciados, diz Proclo, quanto esta sorte
feliz, que, os libertando do império do Mal, restaurá-los-ia para sua
vida verdadeira e conduziria até o local de descanso final. A esta
doutrina provavelmente se referiam aquelas figuras de animais e
monstros que eram exibidas ao Iniciado, antes de deixá-lo ver a luz
sagrada pela qual suspirava.

Platão diz que as almas não alcançariam o termo de suas


enfermidades até que as revoluções do mundo as tivessem restaurado
à sua condição primitiva e purificado das manchas que contraíram
pelo contágio do fogo, da terra e do ar. E ele cria que elas não seriam
permitidas de entrar no Céu até que tivessem se distinguido pela
prática da virtude em algum dos três corpos diversos. Os Maniqueus
possibilitavam cinco: Píndaro, o mesmo número de Platão; como
fizeramos Judeus.

E Cícero diz que os profetas antigos e os intérpretes da


vontade dos Deuses, em suas cerimônias e iniciações religiosas,
ensinavam que expiamos aqui embaixo os crimes cometidos numa
vida passada; e por isso nascemos. Ensinava-se nestes Mistérios que a
alma permeia vários estados, e que as dores e sofrimentos desta vida
são uma expiação de faltas pretéritas.

Esta doutrina da transmigração das almas foi obtida, como


nos informa Porfírio, entre os Persas e os Magos. Realizou-se no
Oriente e no Ocidente, e desde a mais remota antiguidade. Heródoto a
encontrou entre os Egípcios, que faziam o término do ciclo de
migrações desde um corpo humano, através dos animais, peixes, e

126
MORAL E DOGMA

pássaros, para outro corpo humano após três mil anos. Empédocles
mesmo acreditava que almas viravam plantas. Destas, o loureiro era a
mais nobre, como dos animais o leão; ambos sendo consagrados ao
Sol, para o qual se acreditava no Oriente que as almas virtuosas
tinham de retornar. Os Curdos, os Chineses, os Cabalistas, todos
criam na mesma doutrina. Assim assegura Orígenes, e o Bispo Sinésio,
este último tendo sido iniciado, o qual assim rogou a Deus: “Ó Pai,
garanta que minha alma, reunida à luz, não possa ser de novo
imergida nas profanações da terra!” Assim acreditavam os
Gnósticos; e até os Discípulos de Cristo se perguntaram se o homem
que nasceu cego não fora punido por algum pecado que haveria
cometido antes de seu nascimento.

Virgílio, na célebre alegoria na qual desenvolve as doutrinas


ensinadas nos Mistérios, enunciou a doutrina, apoiada pela maioria
dos filósofos antigos, da preexistência das almas no fogo eterno do
qual emanam; esse fogo que anima as estrelas, e circula em cada
parcela da Natureza: e as purificações da alma, pelo fogo, pela água, e
pelo ar das quais fala e que eram empregadas das três maneiras nos
Mistérios de Baco, eram símbolos da passagem da alma para
diferentes corpos.

As relações da alma humana com o resto da natureza eram um


objeto importante da ciência dos Mistérios. Ali o homem se punha
face a face com a natureza inteira. O mundo e o envelope esférico que
o circunda eram representados por um ovo místico, ao lado da imagem
do Deus-Sol cujos Mistérios eram celebrados. O famoso ovo Órfico
consagrado a Baco em seus Mistérios. Ele era, diz Plutarco, uma
imagem do Universo, que engendra tudo, e contém tudo em seu
âmago. “Consultai,” diz Macróbio, “os Iniciados dos Mistérios de
Baco, que honram com especial veneração o ovo sagrado.” A forma
arredondada e quase esférica de sua casca, diz ele, que o encerra por
todos os lados e confina dentro de si os princípios da vida, é uma
figura simbólica do mundo; e o mundo é o princípio universal de

127
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

todas as coisas.

Este símbolo foi tomado a partir dos Egípcios, que também


consagravam o ovo a Osíris, o germe da Luz, ele mesmo nascido, diz
Diodoro, desse famoso ovo. Em Tebas, no Alto Egito, ele era
representado expelindo-o de sua boca, e causando a partir dele a
emissão do princípio de luz e calor, ou o Deus-Fogo, Vulcano, ou
Ptah. Encontramos até mesmo no Japão, entre os chifres do
famigerado Touro Mitríaco, cujos atributos todos Osíris, Ápis, e Baco
emprestaram.

Orfeu, o autor dos Mistérios Gregos, que os transportou do


Egito para a Grécia, consagrou este símbolo: e ensinou que a matéria,
incriada e informe, existia desde toda a eternidade, desorganizada,
como caos; contendo em si os Princípios de todas as Existências
confusos e amalgamados, a luz com as trevas, o seco com o úmido, o
calor com o frio; a partir dos quais, tomando após longas eras a forma
de um imenso ovo, formou-se a matéria mais pura, ou primeira
substância, e o resíduo se dividiu em quatro elementos, dos quais
procederam o céu e a terra e todas as outras coisas. Esta grandiosa
ideia Cosmogônica ele ensinava nos Mistérios; e assim o Hierofante
explicava o significado do ovo místico, avistado pelos Iniciados no
Santuário.

Toda a Natureza, em sua organização primitiva, assim se


apresentava ao que queria ser instruído em seus segredos e iniciado
em seus mistérios; e Clemente de Alexandria bem poderia dizer que a
iniciação era uma verdadeira fisiologia.

Assim, Fanes, o Deus-Luz, nos Mistérios dos Neo-Órficos,


emergiu do ovo do caos: e os Persas possuíam o grande ovo de
Ormuzd. E Sanconiaton nos conta que na teologia Fenícia a matéria
do caos tomou a forma de um ovo, e acrescenta: “Tais são as lições
que o Filho de Tabião, primeiro Hierofante dos Fenícios,

128
MORAL E DOGMA

transformava em alegorias, nas quais a física e a astronomia se


misturavam, e as ensinava aos outros Hierofantes, cujo dever era o
de presidirem nas orgias e iniciações; os quais, buscando excitar o
espanto e a admiração dos mortais, transmitiam fielmente estas
coisas aos seus sucessores e aos Iniciados.”

Nos Mistérios também se ensinava a divisão da Causa


Universal nas causas Ativa e Passiva; de cujas duas, Osíris e Isis – os
céus e a terra eram símbolos. Estas duas Causas Primeiras, nas quais
se cria que a grande Causa Primeira Universal no início das coisas se
dividiu, eram as duas grandes Divindades, segundo Varrão, cujos
cultos eram inculcados nos Iniciados da Samotrácia. “Como é
ensinado,” ele diz, “na iniciação aos Mistérios na Samotrácia, Céu
e Terra são vistos como as duas primeiras divindades. Eles são os
potentes Deuses adorados naquela Ilha, e cujos nomes estão
consagrados nos livros de nossos Áugures. Um deles é masculino e o
outro feminino; e um com o outro partilham da mesma relação que a
alma com o corpo, a umidade com a secura.” Os Curetes, em Creta,
construíram um altar para o céu e um para a Terra; cujos Mistérios
celebravam em Cnossos, num bosque de ciprestes.

Estas duas Divindades, os Princípios Ativo e Passivo do


Universo, eram comumente simbolizadas pelas partes generativas do
homem e da mulher; às quais, nas eras remotas, não se relacionava
nenhuma ideia de indecência; o Phallus e o Cteis, emblemas da
geração e produção, que como tais apareciam nos Mistérios. O
Lingam Indiano era a união de ambos, como o eram o barco e o
mastro, e o ponto dentro de um círculo: todos expressavam a mesma
ideia filosófica quanto à União das duas grandes Causas da Natureza,
que concorrem, uma ativa e a outra passivamente, na geração de todos
os seres: que eram simbolizados nesseperíodo distante pelo que hoje
denominamos Gêmeos, quando o Sol estava nesse Signo no
Equinócio Vernal, e quando eles eram Masculino e Feminino; dos
quais o Falo era talvez tomado a partir do órgão generativo do Touro,

129
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

quando há cerca de vinte e cinco antes de nossa época ele abria esse
equinócio, e se tornou para o Mundo Antigo o símbolo do Poder
gerativo e criativo.

Os Iniciados de Elêusis começavam, diz Proclo, por


invocar as duas grandes causas da natureza, os Céus e a Terra,
sobre os quaissucessivamente eles fixavam seus olhos dirigindo uma
prece a cada um. E consideravam seu dever fazer assim, ele
acrescenta, porque enxergavam neles o Pai e a Mãe de todas as
gerações. O concurso desses dois agentes do Universo era chamado
em linguagem teológica casamento. Tertuliano, acusando os
Valentinianos de se apropriarem destes símbolos dos Mistérios de
Elêusis, admite ainda que nestes Mistérios eles eram explicados de
maneira consistente com a decência, como representando os poderes
da natureza. Ele tinha bem pouco de filósofo para compreender o
significado esotérico sublime destes emblemas, que ser-lhe-á
desvelado, se você avançar, nos outros Graus.

Os Padres da Igreja se contentaram em insultar e ridicularizar


o uso destes emblemas. Mas como nos primórdios eles não geravam
ideias indecentes, e eram usados da mesma forma pelas mulheres mais
inocentes e virtuosas, ser-nos-á mais sábio buscarmos penetrar seu
significado. Não só os Egípcios, diz Diodoro Sículo, mas qualquer
outro povo que consagra este símbolo (o Falo), estimam que prestam
assim honras à Força Ativa da geração universal de todas as coisas
viventes. Pela mesma razão, conforme aprendemos do geógrafo
Ptolomeu, ele era reverenciado entre os Assírios e Persas. Proclo
ressalta que na distribuição do Zodíaco entre as doze grandes
Divindades, pela astrologia antiga, seis signos eram atribuídos ao
princípio masculino e seis ao feminino.

Há outra divisão da natureza, que em todos os tempos atingiu


todas as pessoas, a qual não foi esquecida nos Mistérios; a entre Luz e
Trevas, Dia e Noite, Bem e Mal; que se mesclam, se combatem, e se

130
MORAL E DOGMA

perseguem ou são perseguidos reciprocamente por todo o Universo. O


Grande Ovo Simbólico relembrava distintamente aos Iniciados esta
grande divisão do mundo. Plutarco, tratando do dogma da Providência
e dos dois princípios de Luz e Trevas, que ele via como a base da
Antiga Teologia, das Orgias e dos Mistérios, tanto entre os Gregos
como entre os Bárbaros, – uma doutrina cuja origem, segundo ele,
está perdida na noite do tempo, – cita, em apoio a sua opinião, o
famoso Ovo Místico dos discípulos de Zoroastro e dos Iniciados nos
Mistérios de Mitra.

Aos Iniciados nos Mistérios de Elêusis era exibido o


espetáculo destes dois princípios, nos cenários sucessivos de
Trevas e Luz que passavam diante de seus olhos. À escuridão mais
profunda, acompanhada de ilusões e fantasmas hórridos, sucedia a
mais brilhante luz, cujo esplendor fulgurava ao redor da estátua da
Deusa. O candidato, diz Dião Crisóstomo, ia para um templo
misterioso, de magnitude e beleza estonteantes, onde lhe eram
exibidas muitas cenas místicas; onde seus ouvidos eram golpeados por
muitas vozes; e onde Luz e Trevas passavam sucessivamente diante
dele. E Temístio da mesma maneira descreve o Iniciado, quando
prestes a entrar nessa parte do santuário alugada pela Deusa, transido
de medo e do temor religioso, hesitante, incerto sobre qual direção
avançar através das trevas profundas que o envolvem. Mas quando o
Hierofante abria a entrada para o santuário íntimo, e removia o robe
que escondia a Deusa, ele a exibia para o Iniciado resplandecente com
luz divina. A sombra espessa e atmosfera sombria que haviam
contornado o candidato sumiam; ele era preenchido com um
entusiasmo vívido e radiante, que levantava sua alma da dejeção
profunda em que havia mergulhado; e a luz mais pura sucedia às
trevas mais densas.

Num fragmento do mesmo escritor, preservado por Estobeu,


aprendemos que o Iniciado é alarmado por toda a espécie de visões,
até o momento em que sua iniciação devia ser consumada: o assombro

131
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

e o terror mantêm sua alma cativa; ele estremece; o suor frio verte de
seu corpo; até o momento em que a Luz lhe é mostrada, – a Luz mais
surpreendente, – o cenário brilhante do Elíseo, onde contempla prados
encantadores cobertos por um céu claro e festivais celebrados por
danças; onde ouve vozes harmoniosas e os cantos majestosos dos
Hierofantes; e observa os espetáculos sagrados. Então, absolutamente
livre e emancipado do domínio de todos os males, ele se mistura com
a multidão dos Iniciados e, coroado com flores, celebra com eles as
orgias sagradas, nos reinos brilhantes do éter, a habitação de Ormuzd.

Nos Mistérios de Isis, o candidato inicialmente passava


através do vale negro da sombra da morte; em seguida para um lugar
representando os elementos do mundo sublunar, onde os dois
princípios conflitavam e contendiam; e era finalmente admitido para
uma região luminosa, onde o sol, com sua luz mais rútila, afugenta as
sombras da noite. Então ele mesmo põe-se sob o figurino do Deus-
Sol, ou a Fonte Visível da Luz Etérea, em cujos Mistérios era
iniciado; e passava do império das trevas para o da luz. Após ter posto
seus pés no limiar do palácio de Plutão, ele ascendia ao Empíreo, ao
seio do Princípio Eterno da Luz do Universo, do qual emanam todas as
almas e inteligências.

Plutarco admite que esta teoria dos dois Princípios foi a base
de todos os Mistérios, e era consagrada nas cerimônias religiosas e
Mistérios da Grécia. Osíris e Tífon, Ormuzd e Arimã, Baco e os Titãs
e Gigantes, todos representavam estes princípios. Fanes, o Deus
luminoso que saiu do Ovo Sagrado, e a Noite, portando os cetros nos
Mistérios do Novo Baco. Noite e Dia eram dois dos oito Deuses
adorados nos Mistérios de Osíris. A estadia de Prosérpina e também
de Adônis, durante seis meses de cada ano no mundo superior, a
morada da luz, e seis meses no inferior ou morada das trevas,
representavam alegoricamente a mesma divisão do Universo.

A ligação das diferentes iniciações com os Equinócios que

132
MORAL E DOGMA

separam o Império das Noites e o dos Dias, e fixa o momento em que


um destes princípios começa a prevalecer sobre o outro revela que os
Mistérios aludiam à disputa contínua entre os dois princípios de luz e
trevas, cada um alternativamente vitorioso e vencido. O exato
objeto proposto por eles mostra que sua base foi a teoria dos dois
princípios e de suas relações com a alma. “Celebramos os augustos
Mistérios de Ceres e Prosérpina,” diz o Imperador Juliano, “no
Equinócio Outonal, para obter dos Deuses que a alma não
experimente a ação maligna do Poder das Trevas que está nesse
momento prestes a ter influência e a reinar na Natureza.” Salústio, o
Filósofo, faz quase a mesma observação quanto às relações da alma
com a marcha periódica da luz e das trevas, durante a revolução anual;
e nos assegura que os festivais misteriosos da Grécia se relacionavam
à mesma coisa. E em todas as explicações dadas por Macróbio das
Fábulas Sagradas com respeito ao Sol, adorado sob os nomes de
Osíris, Hórus, Adônis, Átis, Baco etc., vemos invariavelmente que
elas se referem à teoria dos dois Princípios, de Luz e Trevas, e aos
triunfos obtidos por um sobre o outro.

Em Abril era celebrado o primeiro triunfo adquirido pela luz


do dia sobre a extensão das noites; e as cerimônias de luto e alegria
tinham, diz Macróbio, como seu objetivo as vicissitudes da
administração anual do mundo.

Isto naturalmente nos leva à porção trágica destas cenas


religiosas, e para a história alegórica das diversas aventuras do
Princípio, a Luz, vitoriosa e vencida por turnos, nos combates
travados com as Trevas durante cada período anual. Aqui atingimos a
parte mais misteriosa das antigas iniciações, e a mais interessante para
o Maçom que lamenta a morte de seu Grão-Mestre Khir-Om. Sobre
isso Heródoto lança o véu augusto de mistério e silêncio. Falando do
Templo de Minerva, ou da Isis que foi chamada Mãe do Deus-Sol, e
cujos Mistérios eram denominados Isíacos, em Saís, ele fala de uma
Tumba no Templo, na parte de trás da Capela e contra a parede; e diz,

133
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

“Esta é a tumba de um homem, cujo nome o respeito exige de mim


que oculte. Dentro do Templo estão grandes obeliscos de pedra
[falos] e um lago circular pavimentado com pedras e ladeado por um
parapeito. Pareceu-me tão grande quando o de Delos.” [onde eram
celebrados os Mistérios de Apolo] “Neste lago os Egípcios celebram
durante a noite o que chamam de Mistérios, nos quais são
representados os sofrimentos do Deus, de quem falei acima.” Este
Deus era Osíris, morto por Tífon, e que desceu às Sombras e foi
restaurado à vida; do qual ele havia falado antes.

Somos lembrados por esta passagem da Tumba de Khir-Om,


de suamorte, e de sua ascensão do túmulo, simbólica da restauração da
vida; e também do Mar de bronze no Templo de Jerusalém. Heródoto
adiciona: “Impus sobre mim um silêncio profundo com respeito a
estes Mistérios, com cuja maioria estou familiarizado. Tanto pouco
falarei das iniciações de Ceres, conhecidas entre os Gregos como
Tesmofórias. O que direi nãoviolará o respeito que devo à religião.”

Atenágoras cita esta passagem para mostrar que não só a


Estátua como a Tumba de Osíris eram exibidas no Egito, e uma
trágica representação de seus sofrimentos; e observa que os Egípcios
possuíam cerimônias lutuosas em honra de seus Deuses, cujas mortes
lamentavam; e para quem posteriormente sacrificavam como tendo
passado para um estado de imortalidade.

Não é, entretanto, difícil aprender o gênio e o objetivo destas


cerimônias secretas combinando os raios de luz que irradiam dos
diferentes Santuários. Temos dicas, e não detalhes.

Sabemos que os Egípcios adoravam o Sol sob o nome de


Osíris. Os infortúnios e a morte trágica deste Deus são uma alegoria
relativa ao Sol. Tífon, como Arimã, representava as Trevas. Os
sofrimentos e a morte de Osíris nos Mistérios da Noite era uma
imagem mística dos fenômenos da Natureza, e do conflito dos dois

134
MORAL E DOGMA

grandes Princípios que compartilham o império da Natureza e que


mais influenciam nossas almas. O Sol não nasce, nem morre, nem
volta à vida: e o recital destes eventos não são senão alegorias velando
uma verdade maior.

Hórus, filho de Isis, e o mesmo que Apolo ou o Sol, também


morreu e foi restaurado à vida e à sua mãe; e os sacerdotes de Isis
celebravam estes grandes eventos pelos festivais de luto e de alegria
sucedendo-se mutuamente.
Nos Mistérios da Fenícia, estabelecidos em honra de Tamuz
ou Adônis, também o Sol, o espetáculo de sua morte e
ressurreição era exibido aos Iniciados. Conforme aprendemos de
Meursius e Plutarco, era exibida uma figura representando o cadáver
de um homem jovem. Flores eram espalhadas sobre seu corpo, as
mulheres o pranteavam; erigia-se para ele uma tumba. E essas festas,
como aprendemos de Plutarco e Ovídio, se passavam na Grécia.

Nos Mistérios de Mitra, o Deus-Sol, na Ásia Menor, Armênia


e Pérsia, lamentava-se a morte deste Deus, e sua ressurreição era
celebrada com as mais entusiásticas expressões de alegria. Um
cadáver, aprendemos de Juliano Fírmico, era mostrado aos Iniciados
representando Mitra morto; e em seguida se anunciava sua
ressurreição; e eles eram convidados a jubilar porque o Deus morto
fora restaurado à vida e tinha por meio de seus sofrimentos
assegurado suas salvações. Três meses antes, seu nascimento havia
sido celebrado, sob o emblema de um menino nascido em 25 de
Dezembro, ou o oitavo dia antes das Calendas de Janeiro.

Na Grécia, nos Mistérios do mesmo Deus, honrado sob o


nome de Backos, dava-se uma representação de sua morte,
assassinado pelos Titãs; de sua descida ao mundo dos mortos, sua
subsequente ressurreição e seu retorno em direção ao seu Princípio
ou a morada pura de onde havia descendido para se unir com a
matéria. Nas Ilhas de Quios e Tenedos sua morte era representada

135
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

pelo sacrifício de um homem, verdadeiramente imolado.

A mutilação e os sofrimentos do mesmo Sol-Deus, honrado


na Frígia sob o nome de Átis, motivou as cenas trágicas que eram,
como nos ensina Diodoro Sículo, representadas anualmente nos
Mistérios de Cibele, a mãe dos Deuses. Ali nasceu uma figura,
representando o cadáver de um jovem, sobre cuja tumba lágrimas
eram derramadas, epara quem se prestavam honras funerais.

Na Samotrácia, nos Mistérios dos Cabiros ou grandes Deuses,


dava-se a representação da morte de um deles. Seu nome era dado
ao Sol, porque os Antigos Astrônomos deram os nomes dos Deuses
Cabirose da Samotrácia aos dois Deuses na Constelação de Gêmeos; a
quem outros denominam Apolo e Hércules, dois nomes do Sol.
Atenião diz que os jovens Cabiros então assassinados são iguais ao
Dionísio ou Baco dos Gregos. Os Pelasgos, antigos habitantes da
Grécia, que estabeleceram a Samotrácia, celebravam estes Mistérios
cuja origem é desconhecida: e adoravam Cástor e Pólux como
patronos da navegação.

A tumba de Apolo ficava em Delfos, onde seu corpo foi posto


depois que Píton, a Serpente Polar que anualmente proclamava a
chegada do outono, do frio, das trevas e do inverno, o assassinou e
sobre quem o Deus triunfa em 25 de Março, em sua volta como o
cordeiro do Equinócio Vernal.

Em Creta, Júpiter Amom, ou o Sol em Áries, pintado


com osatributos desse signo equinocial, o Cabrito ou Cordeiro; – esse
Amom que, diz Marciano Capella, é o mesmo que Osíris, Adônis,
Átis, e os outros Deuses-Sol, – também possuía uma tumba e uma
iniciação religiosa; uma de cujas principais cerimônias consistia em
vestir o Iniciado com a pele de um cordeiro branco. E nisto vemos a
origem do avental de pelica branca usado na Maçonaria.

136
MORAL E DOGMA

Todas estas mortes e ressurreições, estes emblemas funerais,


estes aniversários de luto e alegria, estes cenotáfios erguidos em locais
diferentes para o Deus-Sol, honrado sob nomes diversos, tinham
apenas um único objetivo, a narração alegórica dos eventos que se
sucediam aqui embaixo à Luz da Natureza, esse fogo sagrado que
estimavam que nossas almas emanam, lutando com a Matéria e o
Princípio Negro residente nela, sempre em desacordo com o Princípio
do Bem e da Luz despejado sobre ela pela Divindade Suprema. Todos
estes Mistérios, diz Clemente de Alexandria, mostrando-nos somente
homicídios e tumbas, todas estas tragédias tinham uma base comum
ornamentada variavelmente: e essa base era a morte e a ressurreição
fictícias do Sol, a Alma do Mundo, princípio de vida e movimento no
Mundo Sublunar, e fonte de nossas inteligências, que não são senão
uma porção da Luz Eterna flamejando nessa Estrela, o seu centro
principal.

Dizia-se que era no Sol que as Almas se purificavam: e para


ele eram reparadas. Ele era um dos portais da alma, através do qual os
teólogos, diz Porfírio, dizem que ela reascende em direção ao lar da
Luz e do Bem. Por conseguinte, nos Mistérios de Elêusis, o
Dadoukos[15] (o primeiro oficial depois do Hierofante, que
representava o Grande Demiurgo ou Criador do Universo), que ficava
postado no interior do Templo e ali recepcionava os candidatos,
representava o Sol.

Também se acreditava que as vicissitudes experimentadas


pelo Pai da Luz tinham influência sobre o destino das almas; que, de
mesma substância que ele, partilhavam de sua sorte. Aprendemos isto
do Imperador Juliano e do Filósofo Salústio. Elas são afligidas quando
ele sofre: elas regozijam quando ele triunfa sobre o Poder das Trevas
que contrapõe sua influência e impede a felicidade das Almas, para as
quais nada é tão terrível quanto a escuridão. O fruto dos sofrimentos
do Deus, pai da luz e das Almas, assassinado pelo Chefe dos Poderes
das Trevas, e novamente restaurado à vida, era recebido nos Mistérios.

137
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

“Sua morte opera vossa salvação,” dizia o Sumo Sacerdote de Mitra.


Esse era o grande segredo desta tragédia religiosa, e seu fruto
esperado: – a ressurreição de um Deus, que, recuperando para Si o
Seu domínio sobre as Trevas, associaria a Ele em Seu triunfo aquelas
Almas virtuosas que por sua pureza foram dignas de compartilhar Sua
glória; e que não atentaram contra a força divina que as atraiu até Ele,
quando Ele assim venceu.

Para o Iniciado também eram mostrados os espetáculos dos


agentesprincipais da Causa Universal, e da distribuição do mundo, nos
detalhes de suas partes arranjadas na ordem mais regular. O próprio
Universo supriu o homem com o modelo do primeiro Templo
edificado para a Divindade. O arranjo do Templo de Salomão, os
ornamentos simbólicos que formavam suas decorações principais, e as
vestes do Sumo Sacerdote, – tudo, como afirmam Clemente de
Alexandria, Josefo e Fílon, fazia referência à ordem do mundo.
Clemente nos informa que o Templo continha muitos emblemas das
Estações, do Sol, da Lua, dos planetas, das constelações da Ursa
Maior e Menor, do zodíaco, dos elementos e de outras partes do
mundo.

Josefo, em sua descrição das Vestimentas do Sumo Sacerdote,


protestando contra a acusação de impiedade intentada por outras
nações contra os Hebreus, por condenarem as Divindades Pagãs,
declara isto como falso, porque na construção do Tabernáculo, nas
vestimentas dos Sacrificadores, e nos vasos Sagrados, o Mundo todo
estava de alguma forma representado. Das três partes, diz ele, nas
quais o Templo se divida, duas representavam a Terra e o Mar,
abertos a todas as pessoas, e a terceira o Céu, a habitação de Deus,
reservada para Ele somente. Os doze pães de flor de farinha
significam os doze meses do ano. O Candelabro representava os doze
signos através dos quais os Sete Planetas percorrem seu trajeto; e as
sete luzes esses planetas; os véus de quatro cores, os quatro
elementos; a túnica do Sumo Sacerdote, a terra; o Jacinto, quase azul,

138
MORAL E DOGMA

o Céu; o éfode de quatro cores, o conjunto da natureza; o ouro, a Luz;


o peitoral no meio, a terra no centro do mundo; as duas Sárdonix
usadas como grampos, o Sol e a Lua; e as doze pedras preciosas do
peitoral organizadas de três em três, como as Estações, os doze meses
e os doze signos do zodíaco. Até mesmo os pães eramarranjados
em dois grupos de seis, como os signos do zodíaco acima e abaixo do
Equador. Clemente, o erudito Bispo de Alexandria, e Fílon adotaram
todas estas explicações.

Hermes chama o Zodíaco de Grande Tenda – Tabernaculum.


No Grau do Arco Real do Rito Americano o Tabernáculo tem quatro
véus de cores diferentes, e a cada um dos quais pertence uma bandeira.
As cores dos quatro são Branco, Azul, Carmesim, e Púrpura, e as
bandeiras trazem as imagens do Touro, do Leão, do Homem e da
Águia, as Constelações correspondentes desde 2500 anos antes de
nossa era aos pontos Equinociais e Solsticiais: aos quais pertencem
quatro estrelas, Aldebaran, Regulus, Fomalhaut e Antares. Em cada
um destes véus existem três palavras: e para cada divisão do
Zodíaco, pertencentes a cada uma destas Estrelas, há três Signos. Os
quatro signos, de Touro, de Leão, de Escorpião e de Aquário eram
denominados signos fixos, e são propriamente atribuídos aos quatro
véus.

Dessa forma os Querubins, de acordo com Clemente e Fílon,


representavam os dois hemisférios; suas asas, o curso rápido do
firmamento e do tempo que gira no Zodíaco. “Pois os Céus voam;”
diz Fílon, falando das asas dos Querubins: os quais eram
representações aladas do Leão, do Touro, da Águia e do Homem; dois
dos quais, o touro e o leão com asas e cabeça humana, tanto são
encontrados em Nimrod; adotados como símbolos benéficos, quando
o Sol entrava em Touro no Equinócio Vernal e em Leão no Solstício
de Verão: e quando também entrava em Escorpião, que era
substituído, por conta de suas influências malignas, por Aquila, a
águia, no equinócio outonal; e por Aquarius (o portador da água) no

139
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Solstício de Inverno.

Assim, Clemente diz, o candelabro de sete braços


representava os sete planetas, à maneira que os sete braços fossem
arranjados e regulados, preservando aquela proporção musical e
sistema de harmonia dos quais o sol era o centro e a conexão. Eles
eram organizados, diz Fílon, em três, como os planetas acima e os
abaixo do sol; entre cujos dois grupos ficava o braço que o
representava, o mediador ou moderador da harmonia celestial. Ele é,
de fato, o quarto na escala musical, como ressalta Fílon, e Marciano
Capella em seu hino ao sol.

Próximos ao candelabro ficavam outros emblemas


representando os céus, a terra, e a matéria vegetativa de cujo seio os
vapores sobem. O templo inteiro era uma imagem abreviada do
mundo. Havia candelabros com quatro braços, símbolos dos
elementos e das estações; com doze, símbolos dos signos; e até com
trezentos e sessenta, o número de dias no ano sem os dias
suplementares. Imitando o famoso Templo de Tiro, onde estavam as
grandes colunas consagradas aos ventos e ao fogo, o artista Tírio
colocou duas colunas de bronze na entrada do pórtico do Templo. O
mar de bronze hemisférico, sustentado por grupos de três de touros
cada, olhando para os quatro pontos cardeais da bússola, representava
o touro do Equinócio Vernal, e em Tiro eram consagrados a Astarte; a
quem Hiram, diz Josefo, construiu um templo, e que usava em sua
cabeça um elmo trazendo a imagem de um touro. E o trono de
Salomão, com touros adornando seus braços e apoiado sobre leões,
como os de Hórus no Egito e do Sol em Tiro; igualmente se referia ao
Equinócio Vernal e ao Solstício de Verão.

Aqueles que adoravam o sol na Trácia, sob o nome de Saba-


Zeus, o Backos Grego, construíram para ele, diz Macróbio, um
templo noMonte Zelmisso, com sua forma arredondada representando
o mundo e o sol. Uma abertura circular no teto admitia luz e introduzia

140
MORAL E DOGMA

a imagem do sol no corpo do santuário, onde parecia queimar


como nas alturas do Céu, e dissipar a escuridão dentro desse templo
que era um símbolo representativo do mundo. Ali se representavam a
paixão, morte e ressurreição de Baco.

Assim o Templo de Elêusis era iluminado por uma janela no


teto. Dião compara o santuário iluminado desta forma ao Universo,
do qual ele diz diferir apenas em tamanho; e nele as grandes luzes da
natureza cumpriam um papel importante e eram representadas
misticamente. As imagens do Sol, da Lua e de Mercúrio ali se
representavam, (este último o mesmo que Anúbis que acompanhou
Isis); e eles ainda são as três luzes de uma Loja Maçônica; exceto que
Mercúrio foi absurdamente substituído pelo Mestre da Loja.

Eusébio nomeia como Ministros principais nos Mistérios de


Elêusis, primeiro, o Hierofante, revestido com os atributos do Grande
Arquiteto (Demiurgo) do Universo. Depois dele vinham o Dadoukos,
ou portador da tocha, representativo do Sol; depois o portador do altar,
representando a Lua; e por último, o Hieroceryx, portando o caduceu
e representando Mercúrio. Não era admissível revelar os diferentes
emblemas e os cortejos misteriosos de iniciação aos Profanos; e
portanto não conhecemos os atributos, emblemas e ornamentos destes
e dos outros oficiais; dos quais Apuleio e Pausânias não ousaram
dizer.

Apenas sabemos que tudo relatado ali era maravilhoso; tudo


feito ali tendia a assombrar o Iniciado: e que olhos e ouvidos ficavam
igualmente surpreendidos. O Hierofante, de sublime elevação e
feições nobres, com cabelos longos, de uma idade avançada, grave e
dignificada, com uma voz doce e sonora, sentava-se sobre um trono,
vestido num longo e comprido manto; tal como se acreditava que o
Deus-Motivo da Natureza estaria envolvido em Sua obra e oculto sob
um véu que nenhum mortal poderia levantar. Até mesmo Seu nome
era ocultado, como o do Demiurgo, cujo nome era inefável.

141
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

O Dadoukos também usava um robe comprido, cabelos


longos e uma banda em sua fronte. Cálias, quando detinha este ofício,
lutando no grande dia de Maratona, vestido com a insígnia de seu
ofício, foi tido pelos Bárbaros como sendo um Rei. O Dadoukos
liderava a procissãodos Iniciados, e era encarregado das purificações.

Não conhecemos as funções do Epibomos ou assistente do


altar, que representava a lua. Esse planeta era um dos lares da alma, e
um dos dois grandes portais pelos quais elas desciam e reascendiam.
Mercúrio era encarregado da condução das almas através dos dois
grandes portais; e indo do sol para a lua elas passavam imediatamente
por ele. Ele as admitia ou rejeitava conforme fossem mais ou menos
puras, e portanto o Hieroceryx ou Arauto Sagrado, que representava
Mercúrio, ficava encarregado do dever de excluir os Profanos dos
Mistérios.

Os mesmos oficiais são encontrados nas procissões dos


Iniciadosde Isis, descritas por Apuleio. Todos cobertos com mantos de
linho branco, esticados com força através do peito, e aderentes até aos
pés, vinham, primeiro um portando uma lâmpada na forma de um
barco; segundo, um carregando um altar; e terceiro, um carregando
uma palmeira dourada e o caduceu. Estes são iguais aos três oficiais
de Elêusis depois do Hierofante. Em seguida, um carregando uma mão
aberta, e derramando no solo leite de um vaso dourado no formato de
umpeito feminino. A mão era a da justiça: e o leite aludia à Galáxia ou
Via Láctea, ao longo da qual as almas desciam. Seguiam-se dois
outros, um trazendo uma joeira, e o outro um vaso de água; símbolos
da purificação das almas pelo ar e pela água; e a terceira purificação,
pela terra, era representada por uma imagem do animal que a cultiva, a
vaca ou o boi, trazido por outro oficial.

Então seguia-se um baú ou arca, magnificamente


ornamentado, contendo uma imagem dos órgãos de geração de Osíris,
ou possivelmente de ambos os sexos; emblemas dos Poderes

142
MORAL E DOGMA

gerativo e producente originais. Quando Tífon, dizia a fábula Egípcia,


cortou o corpo de Osíris em pedaços, atirou seus genitais no Nilo,
onde um peixe os devorou. Átis se mutilou, como seus Sacerdotes
posteriormente faziam em sua imitação; e Adônis foi ferido pelo javali
nessa parte do corpo: todos os quais representavam a perda do Sol de
seu poder vivificante e generativo, quando ele alcançava o Equinócio
Outonal (o Escorpião que morde tais partes do Touro Vernal nos
velhos monumentos), e descia em direção à região da escuridão e do
Inverno.

Em seguida, diz Apuleio, vinha “um que carregava em seu


colo um objeto que exultava o coração do portador, uma efígie
venerável da Deidade Suprema, não tendo semelhança com homem,
gado, ave, animal ou qualquer criatura vivente: uma invenção
requintada, venerável pela originalidade novel da moldagem; um
símbolo maravilhoso, inefável, dos mistérios religiosos, para ser
contemplado em silêncio profundo. Tal como era, sua figura era a de
uma urna pequena de ouro polido, furada muito artisticamente,
arredondada na base e toda revestida no exterior com os hieróglifos
admiráveis dos Egípcios. O bico não era elevado, mas estendido
lateralmente, projetando-se como um longo regato; enquanto no lado
contrário ficava o cabo, que, com extensão lateral similar, tinha em
seu topo uma áspide, enlaçando seu corpo em dobras, eestirando para
cima sua cabeça rugosa, escamosa e dilatada.”

O basilisco saliente, ou distintivo real dos Faraós, com


frequência ocorre nos monumentos – uma serpente em dobras, com
sua cabeça erguida ereta acima das curvas. O basilisco era a Fênix da
tribo das serpentes; – e o vaso ou urna era provavelmente o recipiente
no formato de pepino, com um bico proeminente, a partir do qual, nos
monumentos do Egito, são representados os sacerdotes derramando
jorros da cruz ansata ou Cruz Tau, e dos cetros, sobre os reis.

Nos Mistérios de Mitra, uma caverna sagrada representando

143
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

toda a organização do mundo era utilizada para a recepção dos


Iniciados. Zoroastro, diz Eusébio, introduziu primeiro este costume de
consagrar cavernas. Elas também eram consagradas, em Creta, a
Júpiter; na Arcádia, à Lua e a Pã; e na Ilha de Naxos, a Baco. Os
Persas, na caverna onde os Mistérios de Mitra eram celebrados,
fixaram o assento desse Deus, Pai da Geração, ou Demiurgo, próximo
ao ponto equinocial da Primavera, com a porção Norte do mundo em
sua destra, e a Sul em sua mão esquerda.

Mitra, diz Porfírio, presidia sobre os Equinócios, sentado


sobre um Touro, o animal simbólico do Demiurgo, e empunhando
uma espada. Os equinócios eram os portais através dos quais as almas
passavam para lá e para cá, entre o hemisfério da luz e o das trevas. A
via láctea também era representada passando próxima a cada um
desses portais: e ela era, na velha teologia, denominado a trilha das
almas. Segundo Pitágoras, é uma vasta tropa de almas que formam
esse cinturão luminoso.

Na rota seguida pelas almas, de acordo com Porfírio, ou antes


sua marcha progressiva no mundo, repousando por entre as estrelas e
os planetas fixos, a caverna Mitríaca não só exibia as constelações
zodiacais e as demais, e sinalizavam portais nos quatro pontos
equinociais e solsticiais do zodíaco, segundo os quais a almas
adentram e escapam do mundo das gerações; e através dos quais elas
vão aqui e acolá entre os reinos de luz e de trevas; mas ela
representava as sete esferas planetárias que necessariamente devem
atravessar, ao descer do céu das estrelas fixas para os elementos
que envolvem a terra; e marcavam-se sete portais, um para cada
planeta, por entre os quais passavam ao descer ou retornar.

Aprendemos isto de Celso, em Origem; que diz que a imagem


simbólica desta passagem por entre as Estrelas, utilizada nos Mistérios
Mitríacos, era uma escada se estendendo da terra ao Céu, dividida
emsete degraus ou estágios, para cada um dos quais havia um portal, e

144
MORAL E DOGMA

na cúpula um oitavo, o das estrelas fixas. O primeiro portal, diz Celso,


era o de Saturno, de chumbo, pela natureza pesada com que seu
processo lento e maçante era simbolizado. O segundo, de estanho, era
o de Vênus, simbolizando seu esplendor suave e fácil flexibilidade. O
terceiro, de bronze, era o de Júpiter, emblema de sua solidez e
natureza seca. O quarto, de ferro, era o de Mercúrio, expressando sua
atividade e sagacidade infatigáveis. O quinto, de cobre, era o de
Marte, expressivo de suas desigualdades e natureza variável. O
sexto, de prata, era o da Lua: e o sétimo, de ouro, o do Sol. Esta
ordem não é a ordem real destes Planetas; mas é misteriosa como os
dias da Semana a eles consagrados, começando com Sábado e
retrogradando ao Domingo[16]. Isso era ditado, diz Celso, por
determinadas relações harmônicas, as do quarto.

Havia assim uma conexão íntima entre a Ciência Sagrada dos


Mistérios e a astronomia e física antigas; e o espetáculo grandioso dos
Santuários era o da ordem do Universo Conhecido, ou o espetáculo da
própria Natureza, cercando a alma do Iniciado como a cercou quando
desceu através dos portais planetários e pelas portas equinociais e
solsticiais, ao longo da Via Láctea, para ser pela primeira vez murada
em seu lar-prisão de matéria. Porém os Mistérios também
representavam ao candidato, por símbolos sensíveis, as forças
invisíveis que movem o Universo visível, e as virtudes, qualidades
e poderes presos à matéria, que mantêm a ordem maravilhosa
observada nela. Disto nos informa Porfírio.

O mundo, segundo os filósofos da antiguidade, não era uma


máquina puramente material e mecânica. Uma grande Alma, difusa
por todos os lugares, vivificada todos os membros do imenso corpo do
Universo; e uma Inteligência igualmente grande direcionava todos os
seus movimentos, e mantinha a harmonia eterna que resultava a partir
disso. Assim a Unidade do Universo, representada pelo ovo
simbólico, continha em si duas unidades, a Alma e a Inteligência, que
impregnavam todas as suas partes: e eles eram para o Universo,

145
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

considerado como um ser animado e inteligente, aquilo que a


inteligência e o espírito de vida são para a individualidade do homem.

A doutrina da Unidade de Deus, neste sentido, era ensinada


por Orfeu. Prova disto é seu hino ou palinódia; cujos fragmentos são
citados por muitos dos Padres, como Justino, Tatiano, Clemente de
Alexandria, Cirilo e Teodoreto, e o conjunto por Eusébio, citando a
partir de Aristóbulo. A doutrina do LOGOS (verbo) ou do NOOS
(intelecto), sua encarnação, morte, ressurreição ou transfiguração; de
sua união com a matéria, sua divisão no mundo visível no qual
penetra, seu retorno para a Unidade original, e toda a teoria relativa à
origem da alma e seu destino, eram ensinadas nos Mistérios, dos quais
eram o grande propósito.

O Imperador Juliano explica os Mistérios de Átis e Cibele


pelos mesmos princípios metafísicos, respectivos à Inteligência
demiúrgica, sua descida à matéria, e seu retorno para sua origem: e
estende esta explanação aos de Ceres. E da mesma forma faz Salústio,
o Filósofo, que admite em Deus uma Força inteligente secundária, que
descende para a matéria gerativa para organizá-la. Estas ideias
místicas naturalmente formavam parte da doutrina sagrada e das
cerimônias de iniciação, cujo objetivo, assinala Salústio, era unir o
homem com o Mundo e com a Divindade; e o termo final de perfeição
a partir disso era, segundo Clemente, a contemplação da natureza, dos
seres reais, e das causas. A definição de Salústio está correta. Os
Mistérios eram praticados como meios de se aperfeiçoar a alma, de
fazê-la conhecer sua própria dignidade, de recordá-la de sua origem
nobre e imortalidade, e consequentemente de suas relações com o
Universo e com a Divindade.

O que se entendia por seres reais eram seres invisíveis,


gênios, faculdades ou poderes da natureza; tudo aquilo que não faz
parte do mundo visível, que era chamado, por via contrária, de
existência aparente. A teoria dos Gênios, ou Poderes da Natureza, e

146
MORAL E DOGMA

suas Forças, personificadas, fazia parte da Ciência Sagrada da


Iniciação, e do espetáculo religioso dos diferentes seres exibidos no
Santuário. Ela resultava da crença na providência e na
superintendência dos Deuses, que era uma das bases primárias da
iniciação. A administração do Universo pelos Gênios Subalternos, a
quem é confiada, e por quem o bem e o mal são dispensados no
mundo, foi uma consequência deste dogma ensinado nos Mistérios de
Mitra, onde se via aquele ovo famoso partilhado entre Ormuzd e
Arimã, cada um dos quais tendo comissionado vinte e quatro Gênios
para dispensar o bem e o mal encontrados nele; estando eles sujeitos a
doze Deuses Superiores, seis do lado da Luz e do Bem, e seis do lado
das Trevas e do Mal.

Esta doutrina dos Gênios, depositários da Providência


Universal, era intimamente conectada com os Antigos Mistérios e
adotada nos sacrifícios e iniciações tanto dos Gregos quanto dos
Bárbaros. Plutarco diz que os Deuses, por intermédio dos Gênios, que
são intermediadores entre eles e as pessoas, se aproximam dos mortais
nas cerimônias de iniciação, nas quais os Deuses os incumbem de
auxiliar e de distribuir punições ou bênçãos. Assim não a Divindade,
mas Seus ministros, ou um Princípio e Poder do Mal, eram vistos
como os autores do vício, pecado e sofrimento: e da mesma forma os
Gênios ou anjos diferiam em caráter como as pessoas, alguns sendo
bons e outros maus; uns Deuses Celestiais, Arcanjos, Anjos, e outros
Deuses Infernais, Demônios e Anjos caídos.

Encabeçando estes últimos estava seu Comandante, Tífon,


Arimã ou Shaitan, o Princípio do Mal; que, tendo forjado a desordem
na natureza, trazido problemas às pessoas por terra e mar, e causado as
piores pestes, é finalmente punido por seus crimes. Eram tais eventos
e incidentes, diz Plutarco, que Isis desejava representar no cerimonial
dos Mistérios, estabelecidos por ela em memória de suas agonias e
perambulações, a partir do qual ela exibia uma imagem e
representação em seus Santuários, onde também se ofereciam

147
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

incentivos à piedade e à consolação na miséria. O dogma de uma


Providência, diz ele, administrando o Universo por meio de Poderes
intermediários os quais mantêm a conexão do homem com a
Divindade, era consagrado nos Mistérios dos Egípcios, Frígios e
Trácios, dos Magos e dos Discípulos de Zoroastro; como fica claro
por suas iniciações, nas quais cerimônias fúnebres e lutuosas se
misturavam. Era parte essencial das lições dadas aos Iniciados, para
ensiná-los as relações de suas próprias almas com a Natureza
Universal, a maior lição de todas, que pretendia dignificar o homem
aos seus próprios olhos, e ensinar seu lugar no Universo das coisas.

Assim o sistema inteiro do Universo era exibido em todas as


suas partes aos olhos do Iniciado; e a caverna simbólica que o
representava era adornada e revestida com todos os atributos desse
Universo. É para este mundo dotado com uma dupla força, ativa e
passiva, dividido entre luz e trevas, movido por uma Força inteligente
e viva, governado por Gênios ou Anjos que presidem sobre suas
diferentes partes e cuja natureza e caráter são mais elevados ou
rebaixados na proporção em que possuem uma parcela maior ou
menor de matéria escura – para este mundo desce a alma, emanação
do fogo etéreo, exilada da região luminosa acima do mundo. Ela
adentra essa matéria escura, onde os Princípios hostis, cada um
secundado por suas tropas de Gênios, estão sempre em conflito, para
ali submeter-se a uma ou mais organizações no corpo que é sua prisão,
até que finalmente deva retornar ao seu local de origem, seu país
nativo, do qual durante esta vida está em exílio.

Mas restava uma coisa – representar seu retorno através das


constelações e esferas planetárias para seu lar original. O fogo
celestial, diziam os filósofos, a alma do mundo e do fogo, um
princípio universal, circulando acima dos Céus, numa região
infinitamente pura e completamente luminosa, puro em si mesmo,
simples e impermisto, fica acima do mundo por sua leveza especifica.
Se uma parte dele (diz-se da alma humana) descende, age contra sua

148
MORAL E DOGMA

natureza ao fazê-lo, urgida por um desejo inconsiderado da


inteligência, um amor pérfido pela matéria que a motiva descer, para
saber o que se passa aqui embaixo onde bem e mal estão em conflito.
A Alma, uma substância simples quando inconexa com a matéria, um
raio ou partícula do Fogo Divino, cujo lar está no Céu, sempre se
volta em direção a esse lar, enquanto unida com o corpo, e luta para
ali retornar.
Isto ensinando, os Mistérios se esforçavam para recordar o
homem de sua origem divina, e apontar-lhe os meios para ali retornar.
A grande ciência adquirida nos Mistérios era o conhecimento do
próprio homem, da nobreza de sua origem, a grandiosidade de seu
destino, e sua superioridade sobre os animais, que jamais podem
adquirir este conhecimento, e a quem ele se assemelha por tanto tempo
enquanto não reflete sobre sua existência e não sonda as profundezas
de sua própria natureza.

Ao agir e sofrer, pela virtude, piedade e por bons feitos, a


alma era capaz aos poucos de libertar-se do corpo, e ascender ao longo
da trilha da Via Láctea, pelo portal de Capricórnio e pelas sete esferas,
até o local de onde, por muitas gradações, e lapsos e cativeiros
sucessivos, descendeu. E assim a teoria das esferas, e dos signos e
inteligências que nelas presidem, e todo o sistema de astronomia
estavam conectados com a da alma e de seu destino; e desta forma
eram ensinadas nos Mistérios, nos quais se desenvolveram os grandes
princípios da física e metafísicaquanto à origem da alma, sua condição
aqui embaixo, sua destinação e destino futuro.

Os Gregos fixam a data do estabelecimento dos Mistérios de


Elêusis no ano de 1423 A.C., durante o reino de Erecteu em Atenas.
De acordo com alguns autores, eles foram instituídos pela própria
Ceres; segundo outros, por esse Monarca, que os transportou do Egito,
onde nasceu, conforme Diodoro de Sicília. Outra tradição era a de
que Orfeu os introduziu na Grécia juntamente com as cerimônias
Dionisíacas, copiando as últimas dos Mistérios de Osíris e os

149
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

primeiros dos de Isis.

Nem só em Atenas se estabeleceram a adoração e os Mistérios


de Isis, metamorfoseada em Ceres. Os Beócios adoravam a Grande ou
Cabírica Ceres nos recessos do bosque sagrado, nos quais ninguém
senão os Iniciados poderiam adentrar; as cerimônias ali observadas e
as tradições sagradas de seus Mistérios estavam conectadas com as
dos Cabiros na Samotrácia.

Deste modo em Argos, na Fócida, Arcádia, Acaia, Messênia,


em Corinto, e em muitas outras partes da Grécia os Mistérios eram
praticados, revelando em todos os lugares sua origem Egípcia e
tendo por toda a parte as mesmas feições gerais; mas os de Elêusis, na
Ática, informa-nos Pausânias, eram vistos pelos Gregos, desde os
tempos mais remotos, como sendo muito superiores a todos os outros,
tal como os Deuses são para os meros Herois.

Similares a estes eram os Mistérios da Bona Dea, a Boa


Deusa, cujo nome, dizem Cícero e Plutarco, não é permitido a nenhum
homem conhecer, celebrados em Roma desde as primeiras épocas
desta cidade. Eram estes Mistérios praticados por mulheres apenas,
cujo sigilo foi impiamente violado por Clódio. Eram organizados nas
Calendas de Maio; e de acordo com Plutarco, muito do cerimonial se
assemelhava grandemente ao dos Mistérios de Backos.

Os Mistérios de Vênus e Adônis pertenciam principalmente à


Síria e à Fenícia, de onde foram para a Grécia e a Sicília. Vênus ou
Astarte era a Grande Deusa Feminina dos Fenícios, como Hércules,
Melqart ou Adôni era seu Deus Chefe. Adôni, chamado pelos Gregos
de Adônis, era o amante de Vênus. Morto por um ferimento na coxa
infligido por um javali selvagem na caça, a flor chamada anêmona
brotou de seu sangue. Vênus recebeu o cadáver e obteve de Júpiter a
benesse de que seu amadodesde então passasse seis meses de cada ano
com ela, e os outros seis no Hades com Prosérpina; uma descrição

150
MORAL E DOGMA

alegórica da residência alternada do Sol nos dois hemisférios. Sua


morte nestes Mistérios era representada e pranteada, e depois que se
concluíam esta maceração e luto, anunciava- se sua ressurreição e
subida para o Céu.

Ezequiel fala dos festivais de Adônis sob o nome dos de


Tamuz, uma Divindade Assíria, por quem todos os anos as mulheres
choravam, assentadas às portas de suas casas. Estes Mistérios, como
os outros, eram celebrados na Primavera, no Equinócio Vernal,
quando ele voltava à vida; época na qual, quando foram instituídos, o
Sol (ADON, Senhor, ou Mestre) estava no Signo de Touro, domicílio
de Vênus. Representavam- no com chifres, e o hino de Orfeu em sua
honra o intitula “o Deus bicorne”; tal como em Argos era representado
com as patas de um boi.

Plutarco diz que Adônis e Backos eram tidos como uma única
e mesma Divindade; e que esta opinião foi fundamentada na grande
similaridade entre muitíssimos aspectos dos Mistérios destes dois
Deuses.

Os Mistérios de Backos eram conhecidos como Festivais


Sabazianos, Órficos, e Dionisíacos. Eles remontam à mais remota
antiguidade entre os Gregos, e eram atribuídos por uns ao próprio
Bakcos, e por outros a Orfeu. A semelhança, no cerimonial, entre as
observâncias estabelecidas em honra de Osíris no Egito e às em honra
de Backos na Grécia, as tradições mitológicas dos dois Deuses e os
símbolos utilizados nos respectivos festivais provam amplamente sua
identidade. Nem o nome de Backos, nem a palavra orgias empregada
aos seus festins, tampouco as palavras sagradas usadas nos Mistérios
são Gregas, porém de origem estrangeira. Backos foi uma Divindade
Oriental adorada no Leste, e ali suas orgias eram celebradas muito
tempoantes dos Gregos adotarem-nas. Nos tempos mais primitivos era
adoradona Índia, na Arábia, e na Báctria.
Ele era honrado na Grécia com festivais públicos, e em

151
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

simples ou complicados Mistérios, variando no cerimonial em


diversos lugares, como era natural, porque chegou até lá de diferentes
países e em períodos distintos. As pessoas que celebravam os
Mistérios complicados eram ignorantes do significado de muitas
palavras que utilizavam, e de muitos emblemas que reverenciavam.
Nas Festas Sabazianas, por exemplo [de Saba-Zeus, um nome oriental
desta Divindade] se empregavam os tempos EVOI, SABOT, que não
são de forma alguma Gregos; e uma serpente de ouro era arremessada
ao peito do Iniciado, em alusão à fábula de que Júpiter havia, sob a
forma de uma serpente, se ligado a Prosérpina, e gerado Backos, o
touro; daí o adágio enigmático repetido pelos Iniciados, de que o touro
[Taurus, que abria o Equinócio Vernal, e o Sol neste Signo,
representado figurativamente pelo próprio Signo, era Backos,
Dionísio, Saba-Zeus, Osíris etc.], e a Serpente, outra constelação,
ocupavam tais posições relativas no Céu, e que quando umse levanta
o outro se assenta, e vice-versa.

A serpente era um símbolo familiar nos Mistérios de Backos.


Os Iniciados agarravam-na com suas mãos, como faz Ofíuco sobre o
globo celeste, e igualmente faziam os Orfeotelestes, ou purificadores
dos candidatos, que gritavam, tal como Demóstenes provocou
Ésquines ao fazê-lo em público na cabeça das mulheres a quem sua
mãe deveria imitar: EVOI, SABOI, HYES ATTÊ, ATTÊ, HYES!

Os Iniciados nestes Mistérios preservaram o ritual e as


cerimônias que concordavam com a simplicidade das épocas
primevas, e os costumes dos primeiros homens. Neles se seguiam as
regras de Pitágoras. Como os Egípcios, que supunham a lã impura,
não enterravam nenhum Iniciado em trajes lanosos. Abstinham-se
dos sacrifícios sanguíneos; e sobreviviam de frutos ou vegetais, ou
alimentos inanimados. Imitavam a vida das Seitas contemplativas do
Oriente; assim se aproximando da tranquilidade dos primeiros
homens, que viviam isentos de problemas e de crimes no seio de uma
paz profunda. Uma das vantagens mais preciosas prometidas por sua

152
MORAL E DOGMA

iniciação era a de pôr o homem em comunhão com os Deuses, pela


purificação de sua alma de todas as paixões que interferem neste
prazer, e turvam os raios de luz divina que se comunicam a cada alma
capaz de recebê-los, e que imitam sua pureza. Um dos graus de
iniciação era o estado de inspiração ao qual os adeptos alegavam
chegar. Os Iniciados nos Mistérios do Cordeiro, em Pepuza, na Frígia,
professavam ser inspirados, e profetizavam; e se alegava que a alma,
por meio destas cerimônias religiosas, purificada de toda a mácula,
poderia enxergar os Deuses nesta vida e certamente, em todos os
casos, depois da morte.

Os portões sagrados do Templo, onde se executava as


cerimônias de iniciação, só se abriam uma vez em cada ano, e a
nenhum estranho jamais era permitido adentrá-los. A noite lançava
seu véu sobre tais Mistérios augustos, que não poderiam ser a
ninguém revelados. Ali eram representados os sofrimentos de Backos,
que, como Osíris, morreu, desceu ao inferno e se ergueu novamente
para a vida; e era distribuída carne crua aos Iniciados, que a comiam,
em memória da morte do Deus, rasgado em pedaços pelos Titãs.

Estes Mistérios também eram celebrados no Equinócio


Vernal; e o emblema da geração, a exprimir a energia ativa e o poder
generativo da Divindade, era um símbolo principal. Os Iniciados
usavam guirlandas,coroas de murta e lauréis.

Nestes Mistérios, o aspirante era mantido em terror e no


escuro para encenar os três dias e três noites; e então se dava o
Αφαυισμος[17], ou cerimônia simulando a morte de Backos, o mesmo
personagem mitológico que Osíris. Esta se efetivava confinando o
aspirante numa cela fechada, para que pudesse refletir seriamente, na
solidão e na penumbra, sobre os negócios nos quais estava ocupado: e
sua mente ser preparada para a recepção das verdades misteriosas e
sublimes da revelação e filosofia primitivas. Esta era uma morte
simbólica; cuja libertação, uma regeneração; segundo a qual ele era

153
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

chamado διφυης[18], ou binascido. Enquanto confinado na cela, a


perseguição de Tífon pelo corpo mutilado de Osíris, e a busca de Reia
ou Isis eram proclamadas em seu ouvido; os iniciados gritando bem
alto os nomes desta Divindade, derivados do Sânscrito. Então se
anunciava que o corpo havia sido encontrado; e o aspirante era
liberado em meio a clamores de alegria e exultação.

Em seguida, ele atravessava uma representação do Inferno e


do Elíseo. “Então,” disse um antigo escritor, “eram entretidos com
hinos e danças, com as doutrinas sublimes do conhecimento sagrado,
e com visões maravilhosas e santas. E agora tornados perfeitos e
iniciados, estavam LIVRES, não mais sujeitos a restrições; mas,
coroados e triunfantes, percorriam de cima em baixo as regiões dos
abençoados, confabulavam com as pessoas puras e santas, e
celebravam os Mistérios à vontade.” Eram educados sobre a natureza
e os objetivos dos Mistérios, e os meios de torná-los conhecidos, e
recebiam o nome de Epoptas; eram plenamente instruídos na natureza
e nos atributos da Divindade, e na doutrina de um estado futuro; e
familiarizavam-se com a unidade e os atributos do Grande Arquiteto
do Universo, e com o verdadeiro significado das fábulas a respeito
dos Deuses do Paganismo: a grande Verdade sendo muitas vezes
proclamada, de que “Zeus é a Fonte primitiva de todas as coisas; que
há UM só Deus; UM só poder, e UMA só lei que abrange tudo.” E
após a completa explicação dos muitos símbolos e emblemas que os
cercavam, eram dispensados com as palavras bárbaras Κογξ e
Ομπαξ[19], corruptelas das locuções Sânscritas, Kansha Aom
Pakscha; significando: objeto de nossos desejos, Deus, Silêncio, ou
Adorar a Divindade em Silêncio.

Entre os emblemas usados estava a vara de Backos; que certa


vez, se diz, ele a lançou na terra e ela se transformou em serpente; e
em outro tempo feriu com ela os rios Orontes e Hidaspes, e suas águas
recuaram, e ele atravessou sobre terra seca. Obtinha-se água, durante
as cerimônias, batendo-se com ela numa rocha. As Bacantes

154
MORAL E DOGMA

coroavam suas cabeças com serpentes, as carregavam em vasos e


cestos, e na Ευρησις[20] ou descoberta, do cadáver de Osíris, jogava-se
uma, viva, no colo do aspirante.

Os Mistérios de Átis na Frígia, e os de Cibele, suas mestras, e


também seu culto, se pareciam muito com os de Adônis e Baco, Osíris
e Isis. Sua origem Asiática é universalmente admitida, e era
reivindicada com grande plausibilidade pela Frígia, que concorria em
paridade de vetustez com o Egito. Os Frígios, mais do que qualquer
outro povo, mesclaram a alegoria com seu culto religioso, e
foram grandes inventores de fábulas; e suas tradições sagradas com
relação a Cibele e Átis, que admitiam serem Deuses Frígios, eram
variadíssimas. Em todas, conforme aprendemos de Julio Fírmico, se
representavam pela alegoria os fenômenos da natureza e a sucessão
dos fatos físicos, sob o véu de uma história deslumbrante.

Suas festas ocorriam nos equinócios, começando com


lamentação, luto, gemidos e prantos comoventes pela morte de Átis; e
terminavam com rejúbilos em sua restauração à vida.

Não recitaremos as versões diferentes da lenda de Átis e


Cibele, dadas por Júlio Fírmico, Diodoro, Arnóbio, Lactâncio,
Sérvio, Santo Agostinho e Pausânias. É o bastante dizer que seu
substrato é este: Cibele, uma Princesa Frígia, que inventou os
instrumentos musicais as danças, enamorou-se de Átis, um jovem; ele,
ou se mutilou num surto de furor ou foi mutilado por ela num
paroxismo de ciúmes; e el

Cibele era cultuada na Síria sob o nome de Reia. Luciano diz


que o Átis Lídio estabeleceu ali sua adoração e construiu seu templo.
O nome de Reia também é encontrado na cosmogonia antiga dos
Fenícios por Sanconiaton. Foi Átis, o Lídio, diz Luciano, tendo sido
mutilado, quem primeiro estabeleceu os Mistérios de Reia, e ensinou
os Frígios, os Lídios e o povo da Samotrácia a celebrá-los. Reia,

155
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

como Cibele, era representada puxada por leões, trazendo um


tambor, e coroada com flores. De acordo com Varrão, Cibele
representava a terra. Partilhava das características de Minerva, Vênus,
da Lua, Diana, Nêmesis e das Fúrias; era coberta de pedras preciosas;
e sua Alta Sacerdotisa vestia um robe de púrpura e uma tiara de ouro.

A Grande Festa da Deusa Síria, assim como a da Mãe dos


Deuses em Roma, era celebrada no Equinócio Vernal. Precisamente
neste equinócio se celebravam os Mistérios de Átis, nos quais os
Iniciados eram ensinados a esperar as recompensas de uma vida
futura, e se descreviam a fuga de Átis da fúria ciumenta de Cibele, sua
ocultação nas montanhas e numa caverna, e sua automutilação num
acesso de delírio; em cujo ato seus sacerdotes o imitavam. O festim
das paixões de Átis continuava por três dias; dos quais o primeiro se
passava em lamentação e lágrimas; ao qual mais tarde sucediam
jubilações clamorosas; e pelo qual, diz Macróbio, se adorava o Sol sob
o nome de Átis. As cerimônias eram todas alegóricas, com algo delas,
segundo o Imperador Juliano, podendo ser explicado, mas muito
permanecendo coberto com o véu do mistério. Assim é que símbolos
ultrapassam suas explicações, como muitos têm feito na Maçonaria, e
a ignorância e a temeridade os substituem por novos.

Em outra lenda, dada por Pausânias, Átis morre como Adônis


ferido por um javali selvagem nos órgão de geração; uma mutilação
com a qual todas as lendas se encerram. O pinheiro sob o qual se dizia
que morreu era para ele consagrado; e era encontrado em muitos
monumentos, juntamente com um touro ou um bode por perto; um, o
signo da exaltação do Sol, e o outro da Lua.

A adoração do Sol sob o nome de Mitra pertenceu à Pérsia,


lugar de onde o nome adveio, tal como os símbolos eruditos desse
culto. Os Persas, adoradores do fogo, consideravam o Sol como a
morada mais brilhante da energia fecundante desse elemento, que dá
vida à terra, e circula em cada porção do Universo, de que é, por assim

156
MORAL E DOGMA

dizer, sua alma. Este culto passou da Pérsia para a Armênia,


Capadócia e Cilícia muito antes de ser conhecido em Roma. Os
Mistérios de Mitra floresceram mais que quaisquer outros na cidade
imperial. Ali, sob Trajano, a adoração de Mitra começou a prevalecer.
Adriano proibiu tais Mistérios, por conta das cenas cruéis
representadas em seu cerimonial: pois nele se imolavam vítimas
humanas, e os eventos do futuro eram vasculhados em suas entranhas
palpitantes. Reapareceram, em maior esplendor do que nunca, sob
Cômodo, que com sua própria mão sacrificou uma vítima a Mitra: e
foram ainda mais praticados sob Constantino e seus sucessores,
quando Sacerdotes de Mitra eram encontrados por todos os lugares do
Império Romano, e os monumentos de seu culto se mostravam até na
Bretanha.

Consagravam-se cavernas a Mitra nas quais se coletavam uma


infinidade de emblemas astronômicos; e testes cruéis eram exigidos
dos Iniciados.

Os Persas não construíam templos; mas adoravam sobre os


cumes dos montes, em áreas delimitadas por pedras brutas.
Abominavam imagens, e faziam do Sol e do Fogo emblemas da
Divindade. Os Judeus tomaram isto emprestado, e representavam
Deus como aparecendo a Abraão numa labareda de fogo, e a Moisés
como um fogo no Horebe e sobre o Sinai.

Com os Persas, Mitra, tipificado no Sol, era a Divindade


invisível, o Pai do Universo, o Mediador. Na caverna da iniciação de
Zoroastro, o Sol e os Planetas eram representados no alto, com gemas
e ouro, e assim também o era o Zodíaco. O Sol aparecia emergindo do
dorso de Taurus. Três grandes colunas, Eternidade, Fecundidade e
Autoridade, sustentavam o teto; e o conjunto era um emblema do
Universo.

Zoroastro, como Moisés, alegava ter conversado face a face,

157
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

como que de homem para homem com a Divindade; e ter recebido


d’Ele um sistema de culto puro, a ser comunicado somente aos
virtuosos e aos que devotar-se-iam ao estudo da Filosofia. Sua fama se
espalhou sobre o mundo e pupilos chegavam até ele de todos os
países. Até mesmo Pitágoras fora seu estudante.

Após o noviciado, o candidato adentrava a caverna da


iniciação, e era recebido pela ponta de uma espada apresentada ao seu
peito esquerdo nu, pela qual era ligeiramente ferido. Sendo coroado
com oliveira, ungido com bálsamo de estoraque, e de outra forma
preparado, ele era purificado com fogo e água e passava por sete
estágios de iniciação. O símbolo destes estágios era uma alta escada
como sete voltas ou passos. Neles, atravessava muitas provações
medonhas, nas quais a escuridão cumpria um papel principal. Ele via
uma representação dos condenados no Hades; e finalmente emergia
das trevas para a luz. Recepcionado em um local representando o
Elíseo, na assembleia brilhante dos iniciados, onde o Arquimago
presidia vestido de azul, ele tomava os juramentos de sigilo e lhe
confiavam as Palavras Sagradas, das quais o Nome Inefável de Deus
era a principal.

Então, se lhe explicavam todos os incidentes de sua iniciação:


ensinavam que estas cerimônias o traziam para mais perto da
Divindade; e que ele deveria adorar o Fogo consagrado, dádiva dessa
Divindade e sua residência Visível. Ensinavam-se os caracteres
sagrados conhecidos só aos iniciados; e o instruíam a respeito da
criação do mundo e do verdadeiro significado filosófico da mitologia
vulgar; especialmente da lenda de Ormuzd e Arimã, e do sentido
simbólico dos seis Amshaspands criados pelo primeiro: Bahman, o
Senhor da Luz; Ardibehest, o Gênio do Fogo; Shariver, o Senhor do
Esplendor e dos Metais; Stapandomad, a Fonte da Fertilidade;
Khordad, o Gênio da Água e do Tempo; e Amerdad, o protetor do
Mundo Vegetal e a causa primária do crescimento. E finalmente o
ensinavam a verdadeira natureza do Ser Supremo, Criador de

158
MORAL E DOGMA

Ormurzd e Arimã, a Causa Primeira Absoluta, intitulado


ZERUANE AKHERENE.

Na iniciação Mitríaca havia sete Graus. O primeiro, diz


Tertuliano, era o de Soldado de Mitra. A cerimônia de recepção
consistia em presentear o candidato com uma coroa apoiada por uma
espada. Era colocada próximo de sua cabeça, e ele a repelia,
dizendo: “Mitra é minha coroa”. Então o declaravam soldado de
Mitra, que possuía o direito de convocar os outros camaradas ou
companheiros de armas Iniciados. Daí o título Companheiros no Arco
Real Sagrado do Rito Americano.

Em seguida ele passava, diz Porfírio, pelo Grau do Leão; – a


constelação de Leão, domicílio do Sol e símbolo de Mitra,
encontrada em seus monumentos. Estas cerimônias eram denominadas
Leôntica e Helíaca em Roma; e Coracia ou Hierocoracia, a do Corvo,
pássaro consagrado ao Sol e um signo colocado nos Céus abaixo do
Leão, junto com a Hidra, e também recorrente nos monumentos
Mitríacos.

A partir daí avançava para um Grau mais alto, onde os


Iniciados eram chamados Perses e filhos do Sol. Acima deles
estavam os Pais,cujo chefe ou Patriarca se intitulava Pai dos Pais, ou
Pater Patratus. Os Iniciados também carregavam o título de Águias e
Falcões, aves consagradas ao Sol no Egito, as primeiras sagradas ao
Deus Mendes, e osúltimos os emblemas do Sol e da Realeza.

A pequena ilha da Samotrácia foi por muito tempo a


depositária de certos Mistérios augustos, e muitos para lá acorriam de
todas as partes da Grécia para ser iniciados. Se dizia terem sidos
estabelecidos pelos antigos Pelasgos, os primeiros colonos Asiáticos
na Grécia. Os Deuses adorados nos Mistérios desta ilha eram
denominados CABIROS, um termo oriental, a partir de Cabar,
grande. Varrão chama os Deuses da Samotrácia de Potentes Deuses.

159
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Em Árabe, Vênus é chamada Cabar. Varrão diz que as Grandes


Divindades cujos Mistérios lá se praticavam eram o Céu e a Terra.
Estes eram apenas símbolos dos Poderes ou Princípios Ativo e
Passivo da geração universal. Os dois Gêmeos, Cástor e Pólux, ou
Dióscuros, também se chamavam os Deuses da Samotrácia; e o
Escoliasta de Apolônio, citando Mnaseas, dá os nomes de Ceres,
Prosérpina, Plutão e Mercúrio como as quatro Divindades Cabíricas
adoradas na Samotrácia, como Axieros, Axioquersa, Axioquerso, e
Casmilo. Ali como em todos os lugares, Mercúrio era o ministro e
mensageiro dos Deuses; e os jovens servidores dos altares e as
crianças empregadas nos Templos eram chamados Mercúrios ou
Casmilos, assim como o eram na Toscana, pelos Etruscos e Pelasgos,
que adoravam os Grandes Deuses.

Tarquínio, o Etrusco, foi um Iniciado dos Mistérios da


Samotrácia; e a Etrúria possuía seus Cabiros assim como a
Samotrácia. Pois a adoração dos Cabiros se estende desta ilha até a
Etrúria, Frígia e Ásia Menor: e provavelmente veio da Fenícia para
a Samotrácia: pois os Cabiros são mencionados por Sanconiaton; e a
palavra Cabar pertence aos idiomas Hebraico, Fenício e Árabe.

Os Dióscuros, Divindades tutelares da Navegação, juntamente


com Vênus, eram invocados nos Mistérios da Samotrácia. A ali
também se honrava a constelação de Auriga, ou Fáeton, com
cerimônias imponentes. Na expedição Argonáutica, Orfeu, um
Iniciado destes Mistérios, ao se levantar uma tempestade, aconselhou
seus companheiros a aportarem na Samotrácia. Assim fizeram, a
tormenta cessou, e ali foram iniciados nos Mistérios, e velejaram
novamente com a garantia de uma viagem ditosa, sob os auspícios dos
Dióscuros, patronos dos marinheiros e da navegação.

Mas se prometia muito mais do que isso aos Iniciados. Os


Hierofantes da Samotrácia faziam algo infinitamente maior ser o
objetivo de suas iniciações; a saber, a consagração das pessoas à

160
MORAL E DOGMA

Divindade, ao comprometê-las com a virtude; e a garantia de todas


essas recompensas que a justiça dos Deuses reserva para os
Iniciados depois da morte. Isto, acima de tudo, tornava estas
cerimônias augustas e inspiravam em todos os lugares tão imenso
respeito por elas, e tão grande desejo de ser nelas admitido. Isso
originalmente motivou a ilha a ser denominada Sagrada. Era
respeitada por todas as nações. Os Romanos, quando mestres do
mundo, autorizaram sua liberdade e suas leis. Era um asilo para os
infelizes, e um santuário inviolável. Ali se absolviam as pessoas do
crime de homicídio, se não fosse cometido num templo.

Crianças de tenra idade eram nela iniciadas, e investidas com


o manto sagrado, o cinturão púrpura, e a coroa de oliveira, e se
assentavam sobre um trono como os outros Iniciados. Nos cerimoniais
se representavam a morte do caçula dos Cabiros, morto por seus
irmãos, que fugiram para a Etrúria carregando consigo o baú ou arca
contendo seus genitais: e ali o Falo e a arca sagrada eram adorados.
Heródoto diz que os Iniciados Samotráceos entendiam o objetivo e a
origem de sua reverência prestada ao Falo, e por que ele era exibido
nos Mistérios. Clemente de Alexandria diz que os Cabiros ensinaram
os Toscanos a venerá-lo. Era consagrado em Heliópolis na Síria, onde
se realizavam os Mistérios de uma Divindade tendo vários pontos se
semelhança com Átis e Cibele. Os Pelasgos o conectaram com
Mercúrio; e ele aparece nos monumentos de Mitra; sempre e por toda
a parte um símbolo do poder vivificante do Sol no Equinócio Vernal.

Nos Mistérios Indianos, como o candidato percorria seus três


circuitos, ele parava toda vez que alcançava o Sul e dizia: “Eu copio o
exemplo do Sol, e sigo seu trajeto beneficente”. A Maçonaria Azul
reteve os Circuitos, mas perdeu completamente a explicação; a qual é,
que o candidato nos Mistérios invariavelmente representava o Sol,
descendo para o Sul em direção ao reino do Princípio do Mal, Arimã,
Siba ou Tífon (escuridão e inverno); para ali ser morto figuradamente,
e após alguns dias ressuscitar dos mortos e começar a ascender até o

161
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Norte.

Em seguida se lamentava a morte de Sita; ou a de Kama,


morto por Isvara, e arremessado às ondas em um baú, como Osíris e
Baco; durante a qual o candidato era aterrorizado por fantasmas e
ruídos medonhos.

Então ele se fazia personificar Vishnu, e desempenhar seus


avatares, ou trabalhos. Nos dois primeiros era educado nas alegorias
da lenda do Dilúvio: no primeiro ele dava três passos em três ângulos,
representando os três passos enormes dados por Vishnu nesse avatar; e
daí os três passos no Grau de Mestre terminando em três ângulos
retos.

Findos os nove avatares, lhe ensinavam a necessidade da fé


como superior aos sacrifícios, aos atos de caridade ou às
mortificações da carne. Então era advertido contra cinco crimes, e
assumia um juramento solene de nunca cometê-los. Era, em seguida,
inserido numa representação do Paraíso: a Companhia dos Membros
da Ordem, paramentada de forma magnífica, e o Altar, com uma
chama ardendo nele, como emblema da Divindade.

Então era dado a ele um novo nome, e cingido com um manto


branco e uma tiara, recebia os sinais, símbolos e leituras. Uma cruz
marcada sobre sua testa, e um nível invertido, ou a Cruz Tau, sobre
seu peito. Ele recebia o cordão sagrado, e diversos amuletos e
talismãs; e era então revestido com a Palavra sagrada ou Nome
Sublime, conhecido apenas para os iniciados, o Triliteral A.U.M.

Depois, se explicava ao candidato a multidão de emblemas; os


arcanos da ciência ocultos sob eles, e as diferentes virtudes das quais
as figuras mitológicas eram simples personificações. E ele assim
aprendia o sentido de tais símbolos, que para os não iniciados são
apenas um labirinto de figuras ininteligíveis.

162
MORAL E DOGMA

O terceiro Grau era uma vida de reclusão, depois que os filhos


do Iniciado fossem capazes de prover-se a si mesmos; passada na
floresta, no exercício de preces e abluções, vivendo apenas de
vegetais. Ele era então estimado nascido de novo.

O quarto era a renúncia absoluta do mundo,


autocontemplação e autotortura; pelas quais a se ensinava que a
Perfeição é atingida, e a almaconsolidada na Divindade.

No segundo Grau, ao Iniciado eram ensinadas a Unidade do


Deus maior, a felicidade dos patriarcas, a destruição pelo Dilúvio, a
depravação do coração, e a necessidade de um mediador, a
instabilidade da vida, a destruição final de todas as coisas criadas e a
restauração do mundo para uma forma mais perfeita. Inculcavam a
Eternidade da Alma, explicando o significado da doutrina da
Metempsicose e criam na doutrina de um estado de recompensa e
punições futuras: e também exortavam calorosamente que os pecados
poderiam ser expiados pelo arrependimento, reforma, e penitência
voluntária; e não por meras cerimônias e sacrifícios.

Os Mistérios entre os Chineses e Japoneses vieram da Índia, e


foram encontrados sobre os mesmos princípios e com ritos similares.
A palavra dada ao recém Iniciado era O-MI-TO-FO, na qual
reconhecemos o nome original A.U.M., acoplado muito tempo depois
ao de Fo, o Buda Indiano, para mostrar que ele era a Própria Grande
Divindade.

O triângulo equilátero era um de seus símbolos; e também o


místico Y; ambos aludindo ao Deus Tri-uno, e o segundo sendo o
nome inefável da Divindade. Um anel apoiado por duas serpentes era
emblemático do mundo, protegido pelo poder e sabedoria do Criador;
e essa é a origem das duas linhas paralelas (nas quais o tempo
transformou as duas serpentes), que sustentam o círculo em nossas
Lojas.

163
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Entre os Japoneses o término da provação para o Grau


mais altoera vinte anos.

Os aspectos principais dos Mistérios Druídicos se


assemelhavam aos do Oriente.

As cerimônias começavam com um hino ao sol. Os


candidatos eram organizados em fileiras de três, cinco e sete, de
acordo com suas qualificações; e conduzidos nove vezes ao redor do
Santuário, do Oriente para o Ocidente. O candidato se submetia a
vários testes, um dos quais possuía uma referência direta à lenda de
Osíris. Ele era posto em um barco e enviado ao mar sozinho, tendo
que confiar em sua própria habilidade e presença de espírito para
chegar à margem oposta em segurança. A morte de Hu era
representada em seu ouvido, com todos os sinais externos de tristeza,
enquanto estava na mais completa escuridão. Deparava-se com muitos
obstáculos, tinha de provar sua coragem e expunha sua vida a
inimigos armados; representava vários animais, e por fim, atingindo a
luz permanente, era instruído pelo Arquidruida com relação aos
Mistérios, e na moralidade da Ordem, incitado a agir bravamente na
guerra, educado nas grandes verdades da imortalidade da alma e de
um estado futuro, solenemente intimado a não negligenciar o culto à
Divindade nem praticar uma rígida moralidade; e a evitar a preguiça, a
rivalidade e a tolice.

O aspirante obtinha somente o conhecimento exotérico nos


dois primeiros Graus. O terceiro era atingido só por poucos, pessoas
de posição e importância, após longa purificação, e estudo de todas
as artes e ciências conhecidas dos Druidas, em solidão, por nove
meses. Esta eraa morte e o enterro simbólicos destes Mistérios.

A viagem perigosa e real sobre mar aberto, num pequeno


barco revestido de couro, na noite dos 29 de Abril, era a última prova
e a cena de encerramento da iniciação. Se ele recusava esta prova,

164
MORAL E DOGMA

dispensavam- no com desprezo. Se a realizasse e fosse bem sucedido,


era denominado três vezes nascido, elegível a todas as prerrogativas
do Estado, e recebia completa instrução nas doutrinas filosóficas e
religiosas dos Druidas.

Os Gregos também intitulavam os Εποπτης, Τριγονος[21], três


vezes nascidos; e na Índia a perfeição era atribuída aos Iogues que
haviam completado muitos nascimentos.

As características gerais das iniciações entre os Godos eras as


mesmas que em todos os Mistérios. Uma extensa provação, de jejum e
mortificação, procissões circulares representando a marcha dos corpos
celestes, muitos testes e provas medonhos, uma descida às regiões
infernais, a morte do Deus Balder pelo Princípio do Mal, Lóki, a
colocação de seu cadáver num barco e seu envio mar afora sobre as
águas; e em suma a Lenda Oriental, sobre nomes diferentes, e
comalgumas variações.

O Anúbis Egípcio aparecia aqui, como o cão de guarda dos


portões da morte. O candidato era murado numa representação de
tumba; e quando liberto, saía em busca do corpo de Balder, e o
encontra por fim restaurado à vida e assentado sobre um trono. Ele era
juramentado sobre uma espada nua (como ainda é o costume do
Rito Moderno), e selava seu juramento bebendo hidromel de um
crânio humano.

Então todas as verdades primitivas antigas lhe eram


conhecidas, na medida em que tinham sobrevivido aos ataques do
tempo: e o informavam quanto à geração dos Deuses, à criação do
mundo, ao dilúvio, à ressurreição, da qual Balder era modelo.

Era assinalado com o signo da cruz e davam-lhe um anel


como símbolo da Proteção Divina; e também como emblema da
Perfeição; de onde vem o costume de dar um anel ao Aspirante no 14º

165
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

Grau.

O ponto dentro de um Círculo, e o Cubo, emblema de Odin,


eram- lhe explanados; e por último, a natureza do Deus Supremo, “o
autor de tudo o que existe, o Eterno, o Antigo, o Ser Vivo e Temível, o
Buscador das coisas ocultas, o Ser que nunca muda;” com quem
Odin, o Conquistador, era confundido pelo vulgo: e o se reproduzia o
Deus Tri- uno dos Indianos, como ODIN, o PAI Todo-poderoso,
FREA, (Reia ou Phre), sua esposa (emblema universal da matéria), e
seu filho Thor (o Mediador). Aqui identificamos Osíris, Isis e Hor ou
Hórus. Em volta da cabeça de Thor, como que para revelar sua
origem oriental, estão doze estrelas dispostas em círculo.

Era-lhe também ensinada a destruição final do mundo, e a


elevaçãode um novo mundo, no qual os bravos e virtuosos desfrutação
felicidades e prazeres intermináveis: como cujo meio de assegurar esta
sorte feliz se ensinava a praticar a moralidade e a virtude mais estritas.

O Iniciado era preparado para receber as grandes lições de


todos os Mistérios, por longos processos, ou pela abstinência e
castidade. Por muitos dias era exigido que se contivesse e jejuasse, e
bebesse líquidos designados para diminuir suas paixões e mantê-lo
casto.

Abluções também eram requeridas, simbólicas da pureza


necessária para capacitar a alma de fugir de seu cativeiro na matéria.
Faziam uso de banhos sagrados e batismos preparatórios, lustrações,
imersões, aspersões lustrais e toda espécie de purificações. Em Atenas
batizavam no Ilissos, que, portanto, se tornou um rio sagrado; e antes
de entrar no Templo de Elêusis, era exigido que todos lavassem suas
mãos numa vasilha de água lustral colocada próxima à entrada. Mãos
limpas e coração puro eram requeridos dos candidatos. Apuleio se
banhou sete vezes no mar, simbolizando as Sete Esferas através
das quais a Alma deve reascender; e os Hindus deviam se lavar no

166
MORAL E DOGMA

sagrado rio Gânges.

Clemente de Alexandria cita uma passagem de Menandro,


que fala da purificação ao borrifar três vezes com água e sal. Enxofre,
resina, e o loureiro também se prestavam à purificação, assim o ar, a
terra, a água e o fogo. Os Iniciados de Heliópolis, na Síria, diz
Luciano, sacrificavam o carneiro sagrado, símbolo de Áries, e por isso
o signo do Equinócio Vernal; comiam sua carne, como faziam os
Israelitas na Páscoa Judaica; e em seguida tocavam sua cabeça e pés
com os seus próprios, e se ajoelhavam sobre o velo. Então se
banhavam em água morna, bebiam da mesma, e dormiam sobre o
solo.

Havia uma distinção entre os Mistérios menores e os maiores.


Devia-se ter sido por alguns anos admitido aos primeiros, que não
eram senão uma preparação antes de poder receber os segundos, o
Vestíbulo do Templo cujo Santuário eram os de Elêusis. Ali, nos
Mistérios menores, se era preparado para receber as santas verdades
ensinadas nos maiores. Os Iniciados nos menores eram chamados
simplesmente de Mystes, ou Iniciado; porém os dos maiores,
Epoptes, ou Videntes. Um antigo poeta diz que os primeiros eram
uma sombra imperfeita dos últimos, como o sono é da Morte. Após a
admissão aos primeiros, o Iniciado aprendia lições de moralidade e os
rudimentos da ciência sagrada, cuja parte mais sublime e secreta era
reservada aos Epoptas, que viam a Verdade em sua nudez, enquanto os
Mistos só a enxergavam por meio de um véu e sob emblemas mais
próprios a excitar sua curiosidade do que a satisfazê-la.

Antes de comunicar os primeiros enigmas e dogmas primários


da iniciação, os sacerdotes exigiam que o candidato prestasse um
juramento de nunca divulgar os segredos. Ele, então, fazia seus votos,
orações e sacrifícios aos Deuses. As peles das vítimas consagradas a
Júpiter eram espalhadas no solo e o faziam colocar seus pés sobre
elas. A ele então ensinavam algumas fórmulas enigmáticas, como

167
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

respostas a questões pelas quais ele se faria conhecer. Era depois


entronado, investido com um cinturão púrpura e coroado com flores
ou ramos de palmeira ou oliveira.

Não sabemos ao certo o tempo exigido a transcorrer entre a


admissão dos Mistérios Menores de Elêusis até os Maiores. Muitos
escritores o fixam em cinco anos. Foi um sinal singular de favor
quando Demétrio se tornou Misto e Epopta em uma única e mesma
cerimônia. Quando, ao final, admitido ao Grau de Perfeição, o
Iniciado era posto face a face com a natureza, e aprendia que a alma
era o todo do homem; que a terra não era senão seu lugar de exílio;
que o Céu era seu país nativo; que para a alma, nascer é na verdade
morrer; e que para ela a morte é seu retorno a uma nova vida. Então
ele penetrava o santuário; mas não recebia toda a instrução de uma
vez. Isso perdurava por vários anos. Havia, por assim dizer, muitos
compartimentos através dos quais ele avançava gradualmente, e entre
esses se interpunham véus espessos. Existiam Estátuas e Pinturas, diz
Próclo, no santuário íntimo, revelando as formas assumidas pelos
Deuses. Finalmente o último véu caia, a cobertura sagrada desprendia-
se da imagem da Deusa e ela se mostrava em todo o seu resplendor,
cercada por uma luz divina, que, preenchendo todo o santuário,
ofuscava os olhos e permeava a alma do Iniciado. Assim é
simbolizada a revelação final da verdadeira doutrina quanto à natureza
da Divindade e de sua alma, e das relações de cada uma com a
matéria.

Isto era precedido por cenas terríveis, alternâncias de


alegria e medo, de luz e trevas; por relâmpagos cintilantes e estrondos
de trovões, aparições de espectros, ou ilusões mágicas,
impressionando ao mesmo tempo os olhos e os ouvidos. Claudiano
descreve isto em seu poema sobre o rapto de Prosérpina, em que alude
ao que se passava nos Mistérios. “O Templo é abalado,” ele grita, “o
relâmpago corusca ferozmente, por meio do qual a Divindade
anuncia sua presença. A terra treme; e um ruído terrível é ouvido em

168
MORAL E DOGMA

meio a estes horrores. O Templo do Filho de Cécrope retumba com


bramidos longos e contínuos; Elêusis eleva suas tochas sagradas;
ouvem-se sibilarem as serpentes de Triptólemo; e a medonha Hécate
surge à distância”.

A celebração dos Mistérios Gregos continuava, segundo


asmelhores opiniões, por nove dias.

No primeiro os Iniciados se encontravam. Era o dia do


plenilúnio do mês de Boedromion; quando a lua estava cheia no final
do signo de Áries, perto das Plêiades e no lugar de sua exaltação em
Touro.

No segundo dia havia uma procissão para o mar, para a


purificaçãopelos banhos.

O terceiro era ocupado com oferendas, sacrifícios expiatórios


e outros ritos religiosos, tais como jejum, luto, continência, etc.
Imolava-se uma tainha, e oblações de grama e animais viventes
realizadas.

No quarto transportavam em procissão a grinalda mística de


flores, representando a que Prosérpina deixou cair quando agarrada
por Plutão, e a Coroa de Ariadne nos Céus. Era trazida sobre um carro
triunfal puxado por bois; e seguido por mulheres carregando baús ou
caixas enroladas em panos roxos, contendo grãos de gergelim,
biscoitos piramidais, sal, romãs e a misteriosa serpente, e talvez o falo
místico.

No quinto havia a soberba procissão das tochas,


comemorativa da busca de Ceres por Prosérpina; os Iniciados
marchando em trios, cada um portando uma tocha; enquanto à frente
da procissão marchava o Dadoukos.

169
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

O sexto era consagrado a Iackos, o jovem Deus-Luz, filho de


Ceres, educado nos santuários e carregando a tocha do Deus-Sol. Os
corais de Aristófanes o denominam a estrela radiante que ilumina a
iniciação noturna. Ele era trazido do santuário, sua cabeça coroada
com murta, e carregado desde o portão de Cerâmico até Elêusis, ao
longo da via sacra, em meio a danças, canções sagradas, toda
expressão de alegria,e os gritos místicos de Iackos.

No sétimo havia exercícios ginásticos e combates, cujos


vitoriosos eram coroados e premiados.

No oitavo era o festim de Esculápio.

No nono se realizava a famosa libação pelas almas dos


falecidos. Os Sacerdotes, de acordo com Ateneu, enchiam dois vasos,
colocavam um no Oriente e o outro no Ocidente, voltados para os
portões do dia e da noite, e os despejavam pronunciando uma fórmula
de preces misteriosas. Invocavam assim a Luz e as Trevas, os dois
grandes princípios da natureza.

Durante todos esses dias ninguém poderia ser preso, nem


qualquer processo movido, sob pena de morte ou de, no mínimo,
uma multa grave: a ninguém era permitido, pela exibição de uma
riqueza ou magnificência inusitadas, tentar rivalizar com esta pompa
sagrada. Tudo era pela religião.

Tais eram os Mistérios; e tal o Velho Pensamento, como


adveio até nós em fragmentos esparsos e amplamente separados. A
mente humana ainda especula sobre os grandes mistérios da natureza e
ainda percebe suas ideias antecipadas pelos antigos, cujos
pensamentos mais profundos estão para serem perscrutados não em
suas filosofias, mas em seus símbolos, pelos quais se esforçavam em
expressar as ideias grandiosas que lutavam em vão pela expressão em
palavras, de como viam o grande ciclo dos fenômenos – Nascimento,

170
MORAL E DOGMA

Vida, Morte, ou Decomposição, e Nova Vida a partir da Morte e do


Apodrecimento; – para eles o maior dos mistérios. Lembre-se,
enquanto estuda seus símbolos, de que eles tinham um senso mais
profundo destes mistérios do que o que nós temos. Para eles as
transformações do verme possuíam maravilha maior que as estrelas; e
por isso o tolo escaravelho ou besouro eram-lhes sagrados. Assim suas
crenças eram condensadas em símbolos ou expandidas em alegorias,
que eles compreendiam, mas nem sempre eram capazes de explicar
pela linguagem; pois há pensamentos e ideias que nenhum idioma
jamais falado pelo homem teria palavras para expressar.

[1]
Orig. grega. Em português: tíasos. Como são conhecidos os cortejos frenéticos
em honra a Dionísio, aos quais as mênades, ou bacantes, se entregavam.

[2]
“As Seringas eram as tumbas subterrâneas dos Faraós no Vale dos Reis. Elas
retiraram sua denominação grega do formato tubular característico dos corredores
subterrâneos.” ADAMS, James Noel. Bilingualism and the Latin Language. All
Souls College, Oxford. Editora: Cambridge, 2003.

[3]
Monumentos pré-históricos, compostos de menires que formam um ou vários
círculos ou elipses.

[4]
Termo egípcio, significando: “Curvai-vos!” (Nota do Autor.)

[5]
Indivíduo iniciado nos Mistérios de Elêusis.

[6]
‫ צפעני‬Tsapanai, em Hebraico, significa serpente.

[7]
Designação comum às plantas do gên. Erica; pequenas árvores e arbustos com
folhas perenes, simples, pequenas, e flores campanuladas, coloridas e pêndulas,
conhecidas vulgarmente como urzes.

[8]
Do gr. Aphanésis ‘ação de fazer desaparecer, supressão’. Na Psicologia, o
desaparecimento do desejo sexual.
[9]
Em gr. ‘descoberta, invenção’.
[10]
Cerimônias de purificação entre os antigos gregos e romanos que envolviam
fumigações, aspersões, procissões e sacrifícios de expiações.

171
CAPÍTULO XXIV: PRÍNCIPE DO TABERNÁCULO

[11]
Daimonios. Termo que designava no grego clássico as divindades, que podiam
ser boas ou ruins.

[12]
Cemitério localizado na região da Ática na Grécia, onde se localizava a
pólisateniense.

[13]
Pronaos, era a antecâmara no templo grego que antecedia o naos e
posteriormentese transformava no nártex, parte do megaron.

[14]
Perséfone se chamava Koré, ou Coré, antes de ser raptada para o Hades. Soteria
temorigem em Sóter, significando “salvadora”.

[15]
O portador da tocha.’

[16]
Os dias da semana no calendário pagão derivaram seu nome dos astros a quem
são consagrados. Sábado (‘Saturday’) e Domingo (‘Sunday’) são respectivos a
Saturno e ao Sol.

[17]
Em gr., aphanismos: ‘desaparecimento, desaparição’.

[18]
Em gr., diphues: ‘de dupla natureza, que conhece os dois lados’. Este termo
acompanha o nome de Baco, em alusão a sua natureza andrógina, hermafrodita.

[19]
Konx e Ompax.

[20]
Em gr., Euresis: ‘descoberta, invenção’.

[21] Em gr. Epoptes, Trigonos.

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MORAL E DOGMA

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